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ROGER CROWLEY

CoNQQLSTADORES
Como Portugal forjou o primeiro império global

TRADUÇÃO
HELENA LONDRES

CRÍTICA
Copyright O Roger Crowiey, 2015
Copyright mapas & András Bereznay
Copytighr & Editora Planeta do Brasil, 2016
Todos os direitos reservados.
Título original: Conguerors

Coordenação editorial: Sandra R. E Espilotro


Preparação: Tiago Ferro
Revisão: Carmen T. 8. Costa / Maria A. Medeiros
Diagramação: AZ
Capa: Marcos Gubiotri
Imagem de capa: Theodore de Bry/ Getty Images

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

0958

Crowley, Roger
Conquistadores : come Portugal forjou o primeiro império global / Roger
Crowley ; tradução Helena Londres. - 1. ed. - São Paulo : Planeta, 2016.

Tradução de: Conquerors


ISBN 97/8-85-422-0880-1

1. Portugal - História - Período de descobertas, 1385-1580, L Título.

16-36473 CDD; 946.902


CDU: 94(469)

2018
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EPÍLOGO

“ELES NUNCA PARAM


NUM SÔ LUGAR"
PARA NÓS, BASTA SABER QUE A METADE ESCONDIDA DO GLOBO
AGORA FOI TRAZIDA À LUZ, E OS PORTUGUESES VÃO CADA VEZ
MAIS LONGE ALÉM DO EQUADOR. DESSE MODO, LITORAIS DESCO-

NHECIDOS LOGO SE TORNARÃO ACESSÍVEIS, PORQUE UM EM IMI-


TAÇÃO A OUTRO SE DEDICA EM TRABALHOS E GRANDES PERIGOS.
— Penro MÁRIIR DE ÂNGUERA (1493)

Na noite de 19 de outubro de 1520, uma pequena expedição por-


tuguesa às montanhas da Etiópia foi conduzida a uma tenda rica-
mente atapetada; ajoelhados, ao som da baixa batida de um sino de
pedra, eles esperaram e observaram. Uma cortina foi lentamente
aberta para revelar um homem sentado acima deles num rico trono,
com o rosto escondido por um pano azul suspenso por cordas in-
visíveis. E enquanto o sino tocava, a cobertura final foi brevemente
abaixada para permitir um vislumbre hipnotizador da figura mítica
que alimentara grande parte da motivação para a aventura marítima
portuguesa: o rei cristão da Etiópia, Dawit IL, o homem que eles
chamavam de Preste João — e que acreditavam que os ajudaria a sa-
tisfazer os sonhos de cruzada de Manuel. Esse era um encontro que
os portugueses esperavam havia quase um século, e a cristandade
ocidental inteira, por muito mais tempo:

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E lá vimos o Preste João sentado numa plataforma de seis de-
graus, muito ricamente adornado. Ele tinha na cabeça uma co-
“roa alta de ouro e prata, [...] e uma cruz de prata na mão. [...] O
Preste estava vestido numa rica túnica de brocado, e camisa de
seda de mangas largas, [...] de seus joelhos para baixo tinha um
rico pano bem estendido como o avental de um bispo, e ele es-
tava sentado como eles pintaram Deus o Pai na parede. [...] Em
idade, pele e estatura, ele é um homem jovem, não muito mo-
reno, [...] um homem elegante, de estatura média, disseram que
ele tinha 23 anos, e parece ter isso, seu rosto é redondo, os olhos
são grandes, o nariz alto no meio, e sua barba está começando
a crescer. Em sua presença e estado, ele parece plenamente o
grande senhor que é. Estávamos à distância de duas lanças dele.

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“O reino do Preste João num mapa português do século XVI.

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Quando as notícias do Preste João alcançaram Manuel, na pri-
mavera seguinte, ele despachou uma carta de júbilo ao papa. Em
junho de 1521, o rei publicamente declarou que a destruição de
Meca e a retomada de Jerusalém estavam à vista. No entanto, a ver-
dade era outra. Manuel não sabia que, por mais impressionante que
Dawit TI fosse em pessoa, ele não era o rei que conquistava tudo, cuja
imagem dourada fora estampada em mapas medievais. De perto, era
óbvio que os etíopes não estavam em posição militar ou econômica
de lançar qualquer ataque ao mundo islâmico; ao contrário, estavam
cercados por inimigos islâmicos. Quando Dawit foi morto lutando,
em 1540, foi uma expedição heroica de quatrocentos voluntários
portugueses que salvaram a Etiópia cristã. Do mesmo jeito que a
gradual revelação da face do real Preste, o primeiro século de desco-
bertas portuguesas viu um sucessivo desnudamento das camadas de
mitologia medieval a respeito do mundo e da sabedoria recebida de
autoridades antigas — as histórias de homens com cabeça de cachorro
e aves que conseguiam engolir elefantes —, pelas observações empíri-
cas da geografia, clima, história natural e culturas que se introduzi-
ram no início da Idade Moderna.
Manuel morreu em dezembro de 1521. Embora ninguém sou-
besse na época, seus planos de cruzada vacilaram anos antes com
o fracasso de Afonso de Albuquerque nos muros de Áden, as esca-
das quebradas como tiros fatais de pistola, e depois com a demissão
e a morte do governador. Ele foi substituído, por sua vez, por três
homens desajeitados e tímidos, nenhum deles abençoado com seu
bom-senso estratégico. Lopo Soares de Albergaria, equipado com
uma frota enorme, na verdade recusou a oferta do xeique para cons-
truir um forte em Áden porque não estava em suas ordens, depois
falhou num ataque a Jidá — “A tragédia mais triste e miserável de
todos os tempos”, foi o veredito de João de Barros. “Nem antes, nem
depois se viu qualquer coisa parecida, uma vasta frota apenas desa-
parecendo sem lutar” Albergaria fez pior: ele voltou o relógio para
trás, abolindo os bandos treinados em favor dos fidalgos, relaxando
a proibição ao comércio privado — que tinha sido o núcleo da briga
de Afonso com seus oponentes na Índia — e favorecendo o interesse

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de facções de capitães piratas. À corrupção e os abusos de poder se
introduziram sub-repticiamente.
Outros golpes tinham atingido o grande projeto de Manuel. Em
1515, seu exército no Marrocos, o segundo braço de um tencionado
movimento de pinça contra o mundo islâmico, sofreu uma derro-
ta significativa. A rainha Maria, a mais fervorosa apoiadora de seus
sonhos milenares, morreu em 1517. No mesmo ano, a dinastia ma-
meluca desabou. O sultão otomano, Selim, o Sombrio, destroçou o
exército e enforcou o último governante nos portões do Cairo. Daí
em diante, os portugueses iriam enfrentar um oponente muçulmano
muito mais formidável no oceano Índico.
Com Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque, Manuel
tivera a sorte de dois comandantes incorruptíveis e leais, o último
deles, um dos grandes conquistadores e construtores de impérios
da história do mundo. Sem nunca ter mais de alguns milhares de
homens, recursos improvisados, navios comidos por gusanos e uma
ambição de tirar o fôlego, Afonso deu-lhe de presente um império
no oceano Índico sustentado por uma matriz de bases fortificadas.
No processo, os portugueses surpreenderam o mundo. Ninguém

na arena europeia tinha previsto que esse minúsculo país margina-


lizado daria um salto ambicioso para o leste, uniria dois hemisfé-
tios e construiria o primeiro império de alcance global. “Por que
não o rei de Castela, o rei da França ou a Signoria de Veneza en-
viaram seus homens para lá?” — esta parecia uma pergunta razoável
quando Gama desembarcou pela primeira vez em Calicute. Apenas
Portugal poderia fazê-lo: a resposta jaz em longas décadas de co-
nhecimento adquirido e esforços tenazes na vanguarda da Europa,
durante as quais a descoberta se tornou um instrumento da política
de Estado.
Com a morte de Manuel, a Índia deixou de ser a plataforma
de lançamento para a destruição do mundo islâmico; ela se conver-
teu num fim em si mesmo. Durante o século XVI, os portugueses
suportaram décadas de guerras sangrentas, defendendo essas aquisi-
ções contra contínuos ataques otomanos que testaram a política de
fortalezas de Afonso de Albuquerque até o limite. Pequenos bolsões

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de homens, muitas vezes em desesperada inferioridade numérica,
lutaram com um espírito que desafiava todas as probabilidades.
Mesmo um maciço ataque a Goa e Chaul nos anos 1570-1571 mor-
reu nas muralhas. Os francos não podiam ser deslocados. Goa, “a
Roma do Leste”, justificou a visão estratégica de Afonso. Permane-
ceria colônia portuguesa durante quatrocentos anos, pátria de uma
notável cultura mista.
Em tempo, a pressão contrária do Império Otomano tornou
o bloqueio econômico do mar Vermelho impossível de se manter.
Daí em diante, o comércio de especiarias passaria a ser comparti-
lhado entre Cairo e Lisboa. Os portugueses efetivamente aumen-
taram o mercado: o consumo de especiarias na Europa duplicou
durante o século XVI. Para as possessões portuguesas de além-mar,
o comércio no oceano Índico e nos mares se tornou tão importante
quanto o da própria terra natal, e a expansão portuguesa, agora
aumentando nas mãos de comerciantes privados, alcançou os ma-
res para além de Malaca — chegando até as ilhas das especiarias, à
China e ao Japão.
Assim como em todas as aventuras imperiais, os julgamentos da
história têm sido ambíguos. Afonso de Albuquerque, apesar de sua
ferocidade, aderiu a um robusto ideal de justiça. Ele era muito realis-
ta a respeito dos riscos e das consequências da aventura portuguesa.
Ao supervisionar as muralhas de Ormuz, ele declarara:

Desde que sejamos sustentados pela justiça sem opressão, ela


será mais que suficiente. Mas, se a boa-fé e a humanidade deixa-
rem de ser observadas nessas terras, então o orgulho irá derrubar
as muralhas mais forres que tivermos. Portugal é muito pobre,
e quando os pobres são cobiçosos, eles se tornam opressores. As
emanações da Índia são poderosas — temo que chegue a hora em
que, em vez de nossa fama atual como guerreiros, possamos ser
conhecidos apenas como tiranos sôfregos.

O samorim da época e muitos historiadores indianos desde


então rotularam as incursões portuguesas como atos de pirataria; o

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governo malaio construiu juma réplica do Frol de la Mar como ilus-
tração concreta. Na entrada, lia-se uma nota: “O carregamento do
navio consistia de tesouros preciosos do país pilhado pelos colonia-
listas depois que conquistaram Malaca em 1511. Mas graças a Deus
o navio naufragou a 26 de janeiro de 1512 nos estreitos de Malaca,
em sua viagem para a Europa”.
No entanto, apesar de toda nostalgia por uma época doura-
da antes da chegada dos francos, essa vasta e grandemente pacífica
zona de comércio era um mar fechado. Os portugueses, com seus
canhões de bronze e frotas eficientes, ao mesmo tempo romperam
um sistema autossuficiente e uniram o mundo. Eles chegaram como
precursores da globalização e da era científica da descoberta. Seus
exploradores, missionários, mercadores e soldados espalharam-se
pelo mundo inteiro. Estavam em Nagasaki e Macau, nas terras altas
da Friópia e nas montanhas do Butão. Arrastaram-se pelo platô ti-
betano e batalharam rio acima por todo o Amazonas. À medida que
avançavam, mapearam, aprenderam línguas e descreveram com “a
caneta numa das mãos e a espada na outra”. Luís Vaz de Camões,
cujo poema épico Os lusíadas criou uma mitologia iniciadora para
o heroísmo da exploração, exemplificava em pessoa as por vezes de-
sesperadas qualidades da aventura portuguesa, Ele foi o poeta mais
viajado da Renascença, um homem que perdeu um olho no Mar-
rocos, que foi exilado para o leste por uma luta com espada, que foi
destituído em Goa e nauftagou no delta do Mekong — ele nadou
para a margem levando seu manuscrito acima da cabeça enquanto
sua amante chinesa se afogava. “Tivesse havido mais do mundo”,
Camões escreveu a respeito dos exploradores portugueses, eles “o
teriam descoberto”.
Embora sua supremacia tivesse durado pouco mais de um sécu-
lo, as realizações portuguesas criaram um protótipo para as formas
novas e fexíveis de império, baseadas em poder marítimo móvel, e o
paradigma para a expansão europeia. Aonde eles foram, os holande-
ses e ingleses os seguiram.
No processo, os portugueses puseram em movimento infin-
dáveis interações globais, tanto boas quanto más. Eles levaram

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armas de fogo e pão para o Japão, astrolábios e vagens verdes para
a China, escravos africanos para a América, chá para a Inglaterra,
pimenta-do-reino para o Novo Mundo, seda chinesa e remédios
indianos para a Europa inteira, e um elefante para o papa. Pela
primeira vez, povos de cantos opostos do planeta podiam ver uns
aos outros — eram tema de descrição e admiração. Pintores japo-
neses imaginaram visitantes estranhos com enormes calças em for-
ma de balão. e chapéus coloridos. Os cingaleses ficaram perplexos
com sua agitação endêmica e seus hábitos alimentares, declarando
que os portugueses são um “povo muito branco e bonito, que usa
chapéus e botas de ferro, e nunca para num lugar. Eles comem
um tipo de pedra branca e bebem sangue”. Essas imagens, impres-
sões e intercâmbio deixaram uma influência enorme e duradoura
na cultura, alimentação, flora, arte, história, línguas e genes do
planeta. Além disso, eles marcaram o início de quinhentos anos
de dominação pelo Ocidente que só agora começa a reverter; em
seu rastro, navios de contêineres com vários andares navegam pe-
los oceanos, voltando com artigos manufaturados do Oriente. A
China projeta novas formas de soft power pelo oceano Índico e no
coração da África.
Em Belém, hoje, próximo à tumba de Vasco da Gama, à es-
tátua do melancólico Afonso de Albuquerque e ao litoral de onde
os portugueses partitam, há uma venerável confeitaria e um café, a
Antiga Confeitaria de Belém. Talvez seja um santuário para as in-
Huências mais benignas da aventura global de Portugal. As pessoas
vão até lá aos bandos para comer suas especialidades, os pastéis
de Belém, tortas de creme doce assadas até dourar e salpicadas de
canela, acompanhadas por notas de café preto como piche. Canela,
açúcar, café: os gostos do mundo desembarcados primeiro ali em
navios a vela.

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