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Cabanagem:
história do massacre do
Brigue Palhaço – 1823-40
Fonte: Spix e Martius, vol. 3, 1981, encarte. * Os pontos marcados em vermelho no mapa são os locais por onde aportaram os expedicionários
ligado à João Manoel Braun em 1788. A viagens inicia-se em Belém e, assim a leitura se faz da direita para a esquerda. Foram paradas
anotadas no mapa: Belém, Portel, Melgaço, Gurupá, Esposende, Porto de Moz, Santarém, Barra do Rio Negro e Borba
1808 – 1817
Ilha de Joanes no Marajó e
o final do Caribe
Ainda sobre Muaná, a antiga Junta provisória Civil, ainda atrelada à Lisboa reclamava sobre a inobservância legal que grassava no
Grão Pará. Raiol recupera o escrito de seu presidente D. Romualdo Seixas, que também era sobrinho do bispo do Pará e o cônego
da catedral da Sé:
• A Carta de lei de 21 de janeiro do corrente ano [a Constituição assinada em Lisboa em 1823], que a Junta Provisória adoptou no
intuito da sua religiosa observância, há sido em Muaná, em Marajó e em algumas outras partes sacrílegamente violada,
excitando os clamores dos povos, que mal podem conceber como no crepúsculo, por assim dizer, e na aurora dos belos dias
constitucionais, que se lhes prometeram, só se lhes ofereçam incômodos e privações em lugar da doce liberdade e segurança à
que aspira vão. Não se tem consultado as Câmaras como determina a predita lei, mas tem-se recrutado os seus próprios
oficiais. Não se tem distribuído o recrutamento pelos distritos à medida de sua população, nem por consequência se
prática na conformidade das leis, mas recruta-se tudo sem atenção ás circunstâncias da consternada agricultura e do
enfraquecido comando desta tão infeliz província. Os recrutas hão sido tratados em alguns lugares, não como cidadãos
que vem exercer o nobre ofício de defensores da Pátria, mas como escravos lançados em hediondas prisões (SEIXAS,
Apud. RAIOL, 1865, p. 318-319).
Segundo os documentos e memórias recolhidas por Raiol em 1865, tornou-se público que nas casas dos proprietários e
comerciantes mais abastados de Belém houve festa. Eles comemoravam as prisões dos líderes de Muaná e aquelas dos presos do
movimento de 14 de abril em Belém. Relata Raiol que os devassados presos de Muaná foram enviados à Belém e que na cidade:
• Os presos foram recolhidos à cadeia pública, sendo no trânsito escarnecidos e apupados pelos partidários da metrópole,
alguns dos quais chegaram até a expor ao público palmatorias e chicotes dependurados das janelas de suas casas, não só
nesta ocasião, como no dia 14 de abril e no do embarque dos condenados para Lisboa. (RAIOL, vol. 1, 1865, p. 59) .
TABELA DAS TROPAS E DOS COMANDOS ADIDOS EM BELÉM – FEVEREIRO 1823
“Ao motim do rebate que se tocava acudiram algumas pessoas da vizinhança à casa do Cônego todas as quais
confirmam que ele resistira às sugestões dos soldados que ali mesmo o aclamavam Governador único: tal foi
porém o encarniçamento da tropa que nem ao menos lhe consentiram tomasse a necessária refeição noturna.
(...) Saiu pois de sua casa o Cônego Batista Campos violentado e coacto, e metido entre as fileiras dos soldados
assim foi conduzido ao Trem [de Guerra] (CAMPOS, 1824, p. 111).
Nesta versão, mais uma vez, os culpados pela revolução de outubro e pela chacina do Palhaço teriam sido os
portugueses e, no máximo, seus aliados ingleses como Grenfell. Argumenta-se no documento da apologia que:
“Instado o Governo Independente, apresentou-se-lhe [a tropa para o Cônego Campos e este para Grenfell] um
papel assinado por quatrocentos e tantos cidadãos, o qual continha certas bases que deviam servir de norma
invariável ao governo para conseguir a segurança pública e o imediata dedução à firmeza da Independência.
Uma destas bases era – demitir dos empregos civis, e militares, os desafetos à causa do Brasil e removê-los para
fora da Província. – Todo o mundo conhecia a necessidade de se adotar esta medida; a opinião pública a
reclamava com Império; os quatrocentos e tantos cidadãos assinados naquele papel deviam ser considerados
como órgãos sonoros e fortes de trombetas da voz geral, em uma palavra era de absoluta necessidade que fosse
assim. O Cônego Batista Campos bem inteirado do grande axioma político, que os governos são para os povos e
não os povos para os governos, orava constante e energicamente aos seus colegas obedecessem à Suprema lei
do estado, à salvação do povo”. (CAMPOS, 1824, p. 9).
Cônego José Serra e o problema do partido português no Pará
Ele argumentou que a independência foi proclamada no Pará em 15 de agosto de
1823, mas o que chamou de o “partido português, e anti independente” só sucumbiu
naquele instante “levado do medo de uma força naval, que se dizia bloqueava fora da
Barra”, para além da visibilidade do porto de Belém. Escrevia que : “Proclamou-se pois a
independência; mas no meio de que agitações? Os inimigos sabendo que não havia
outra embarcação, mais que o Brigue Maranhão – ficaram irritados, e desesperados
com o nosso triunfo, procuravam todos os meios de outra vez se entronizarem”
(SERRA, 1824, p. 3-4).
Em 1824 Rozo lhe mandara prender por uma carta interceptada pelo novo
Presidente. Nela Serra se dirigia ao seu amigo e membro da primeira Junta
independentista, Felix Clemente Malcher. Serra publicou a carta na íntegra em sua
defesa pública e argumentou que ela não era criminosa, recuperando que o problema no
Pará eram as intrigas entre os partidos dos brasileiros e dos portugueses. “Os dois
partidos se chocavam, e o anti independente traçava planos de contrarrevolução. (...)
Nas fileiras militares ainda marchavam os principais inimigos do sistema (...) Os
empregados, que foram, e eram nossos inimigos exerciam da mesma maneira os seus
lugares, o Povo e a Tropa gritavam altamente contra eles”... (SERRA, 1824, p. 3-4). .
Haveria uma “ditadura tirânica dos governadores” e o Pará ainda não teria conhecido
: ...os primeiros elementos de sua liberdade, porque seus cidadãos têm sido sempre
encarcerados, ou desterrados com toda violação das formas da lei. Reunidos em clubes
ou nas fileiras das tropas em sua mais alta hierarquia, estes dirigentes continuavam no
comando da província e de suas riquezas”. (SERRA, 1824, p. 2).
O Pará em 1832 “Tem este cabo [Baptista Campos] quatro ajudantes de Do Palhaço para os
ordens, que muito o auxiliam em suas tentativas. O primeiro é o negro Lucidoro,
facinoroso abjeto, animado pelo quietismo das autoridades, e bem conhecido de
preconceitos contra os
quantos tem habitados o Pará, pelas mortes e insultos que ali há cometido de dia e povos
de noite: – é a mão direita do seu chefe. O segundo é o cônego Silvestre Antunes do antigo Grão-Pará.
Pereira da Serra, miserável escrevinhador de sensaborias, rasteiro adulador de
autoridades enquanto o não enxotam, intrigante avezado e sem pejo, é o maior
Críticas à Batista
de todos os ingratos até para com os seus próprios amigos. O terceiro é José Campos em 1832
Baptista Camecran, risível impostor do que ele chama suas propriedades, com
que a todos atordoa os ouvidos, mas de alma mui pequenina, incapaz de
dispender um vintém em honra da pátria, fementido e traidor em todas as
épocas. Chora quanto quer, insinua-se na afeição de quem depende, mostra-se
oficioso a quem lhe sagra amizade, mas a todos ilude e a todos trai. O quarto é
negro Manoel barbeiro, muito entusiasta da igualdade que seus sócios lhe
fizeram compreender, mas incapaz de empresa nenhuma atrevida. Está
encarregado de recrutar prosélitos para a “força bruta”, e é o espião do padre
Baptista, a cuja mesa se senta em dias de glória, e aí propõe bravos toasts d’espada
à cita e banda desenrolada. Não pareça inútil esta descrição das principais
personagens do partido destruidor, porque elas têm de aparecer no pequeno espaço
deste opúsculo, e é mister conhecê-las de antemão. Há milícia deste partido é
composta de negros, de mulatos, e de pobres iludidos de todas as cores. As suas
armas são cacete faca e punhal: – a sua divisa é morte e latrocínio”. (O Pará
em 1832. Londres: S. W. Sustenance, 1832, p. 9).
O brigue Palhaço num jornal carioca de 1825
Nas palavras do articulista:
... Retirando-se com gritos – Morram os Europeus – começaram com machados a arrombar as portas, e a roubar; três
dias se passaram com saques, e assassínios; até que o Vice-cônsul inglês, e um cunhado dele, foram pedir ao capitão
Grenfell que pusesse termo a consternação dos habitantes; então este saindo à terra com soldados da Charrua, e do seu
Brigue, e alguns marinheiros, todos em número de 40, se apoderaram do Trem pela parte do mar, prendeu, desarmou
266 motinos, e seu chefe, fazendo fuzilar um de cada um dos cinco Corpos e recolhendo-os outros à cadeia ou a bordo da
Charrua até a conclusão do processo. (O Pará e os revolucionários. Spectador brasileiro, 16 de dezembro de 1825, p. 2, 3 e
4).
Na sequência teria advindo um motim e o transporte dos presos até o brigue Palhaço e dali seguiu-se a chacina.
...As oito horas começaram a gritar, que queriam vir para o convés, o não lhe sendo concedido começaram a dar vivas ao
que lhe lembrava, passando disso a forçar o xadrez, cujo arrombamento teriam conseguido, a não chegar a bordo Grenfell,
o qual, vendo que por muito tempo eram baldadas as suas ameaças, mandou-lhe dar uma descarga de 20 tiros com o que
pareceram sossegar; mas um pouco depois foi recrescendo o ruído até meia noite. Porém oh espanto! Oh! cena de horrores
inauditos! Haviam estes desgraçados chegado alguns [aos escalos ] da amarra para a escotilha, o ajuntando-lhes os
cadáveres, sobre este extraordinário montão subiram para tentar segunda vez o arrombamento, acumulando-se com tal
furor, que se esmagavam uns aos outros de uma maneira tão espantosa, e atroz, que ao romper do dia se acharam 254
mortos; uns enforcados com as cordas das suas redes de dormir, outros esganados, vinte a trinta foram fuzilados; alguns
asfixiados, e a maior parte esmagados, escapando apenas quatro que no começo se meteram dentro de um tonel velho. As
8 horas da manhã já os corpos estavam tão adiantados em podridão, que foi mui difícil descer ao porão para os tirar para
os sepultar. (O Pará e os revolucionários. Spectador brasileiro, 16 de dezembro de 1825, p. 2, 3 e 4).
Por fim o articulista conclui seu longo artigo relatando o efeito geral desta mortandade...
“Tão espantoso sucesso produziu um sentimento geral, escassamente suavizado pela consideração de que as vítimas da
própria exasperação eram mui poucos brancos, e de mui baixa classe, alguns indígenas, mulatos, e pretos forros, ou
escravos. O povo apesar de inquirir os quatro que escaparam, e aos soldados que estavam de guarda aos presos a bordo,
inventaram calúnias ao comandante Grenfell” (O Pará e os revolucionários. Spectador brasileiro, 16 de dezembro de 1825,
p. 2, 3 e 4).
Denúncias contra o presidente Rozo e a volta do Palhaço em 1828
Em abril de 1828 novas notícias relacionavam as atrocidades cometidas pelo novo governador do
Pará com a memória do mesmo massacre de 1823. Elas não tinham chegado ao Rio e foram editadas no
Farol Maranhense em um áspero artigo contra os desmandos do Presidente Roso no Pará:
Ele [Rozo] chegou a cunhar moeda, mandou matar um índio e sete soldados sem julgamento, mandou
soltar o coronel Giraldo de Abreu e seu filho Manoel de Abreu e extinguir seus processos. Falou que
Pedro I fizera uma Constituição paliativa e que queria governar de forma absoluta. Proibiu que se
citasse a letra constitucional. Por fim raptou uma virgem chamada Honória e a levou ao Palácio.
(Correspondências. Farol maranhense, São Luís: 11 de abril de 1828, p. 2, 3, 4).
Por fim Rozo “nadava em crimes os mais atrozes”, dentre os quais teria extinguido no Pará a Junta de
Justiça local. E sobre este terreno o articulista rememorava o caso do Palhaço.
Sr. Presidente, pelo mesmo motivo, porque na outra sessão requeri que só fizesse efetiva a criação de um
batalhão de [milicianos] caçadores para o rio Negro, por este mesmo motivo requeiro hoje, que se
mandem abolir duas companhias de cavalaria de linha, que se acham no Pará; esta força, que foi
levantada ali pelo governo antigo, não [sei] de que possa servir. Para a segurança e ronda da cidade?
Estas sempre foram feitas por patrulhas de infantaria, o que ainda até o presente continua. Para a
tranquilidade interna? Há um corpo de milicianos, em grandes serviços tem mostrado a sua bastante
suficiência; e para a externa é ainda muito menos necessária; a arma de cavalaria, pois sabe-se muito
bem que o Pará só precisa para a sua defesa de muros de pau, como de Atenas disse o Oráculo.
Portanto é sem dúvida inútil à existência de semelhante corpo, que de nada serve, se não que fazendo a
guarda de honra dos capitães generais, então, e agora dos presidentes das províncias, vai acumulando
despesas, com que ela [a província do Pará] não pode [arcar]. O Pará de que precisa é de que ali se
promova a construção naval que é da última importância, e a mesma província convida a isto, pelas
suas localidades, e pelas comodidades de se estabelecerem bons estaleiros ao longo do baixo Amazonas,
onde já se construiu uma mui bela Galera. (SEIXAS, D. Romualdo de. Sessão de 5 de junho de 1826.
Anais do parlamento brasileiro. Câmara dos deputados. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial, 1874, p. 38-
39)
Anisita de 1840 e a de 1855 para os líderes:
os liberais se defendem
Raiol, o autor recuperou que teria pesquisado um escrito de Eduardo Nogueira Angelim.
Em 1865, momento posterior a anistia deste líder e quando seu partido, o Liberal, lutava para ganhar terreno no parlamento
provincial depois da criação de novos periódicos e após um intenso debate em torno da nova província do Amazonas e da
abertura deste imenso rio à navegação a vapor e os problemas políticos e eleitorais daí recorrentes.
Raiol escreveu: “Na Ordem, de 26 de setembro de 1865, jornal publicado no Recife, lê-se um artigo sob a epígrafe de - Pará
em 1835 - assinado pelo próprio Eduardo Angelim, no qual ele, defendendo-se de arguições que lhe fizeram no Jornal do
Amazonas, n° 166, do referido ano de 1865, disse o seguinte: "Foi fuzilado em frente ao palácio do governo o célebre Joaquim
Antônio, oficial da milícia rebelde, que tinha o comando de uma força de mais de 500 homens e proclamava uma liberdade a
seu jeito, incluída e de escravos em geral. Isto depois de provado o seu crime em conselho de guerra. Foi fuzilado em frente ao
palácio do governo um preto, chefe de insurreição do rio Guamá logo que chegou à capital. Foi morto à surra em frente ao
palácio do governo um mulato, escravo do português Nogueira, dono da fábrica de urucu em Igarapé-miri, por ter traído a seu
senhor e lavado as mãos em seu sangue inocente. O reverendo cónego Pimentel, homem verdadeiro e honrado, poderá atestar
esta verdade. Um homem livre, porém, malvado, que deu a morte a duas mulheres, uma de nascimento portuguesa e outra
brasileira, foi fuzilado em frente ao palácio do governo. Um célebre patriota por tal conhecido e da seita de Joaquim António,
foi morto em Muaná. Insurgindo-se os escravos no Acará e noutros distritos, ordenei a meu irmão Geraldo Francisco Nogueira
para que os fizesse conter até entrarem na obediência e ordem. Em atos de resistência foram mortos alguns, e outros surrados e
Remorar episódios como o do brigue Palhaço hoje é 1)
Concluindo...
relembrar que os documentos de época dão conta de uma
Independência marcada pelas lutas e por movimentos
sociais feitos por muitos povos e gentes na Amazônia
brasileira.
2) Os documentos comprovam que estas lutas reverberaram
até a Cabanagem em 1835 e seus ecos se escutam até hoje
entre os povos originários, os ribeirinhos os quilombolas e
tantas outras gentes da Amazônia de 2022. Só é preciso ir às
fontes e lê-las com olhos bem abertos para encontrá-los.