Você está na página 1de 27

Da adesão à

Cabanagem:
história do massacre do
Brigue Palhaço – 1823-40

Profa. Magda Ricci


Universidade Federal do
Pará – CMA e PPHIST

Detalhe da tela de Afonso


Taunay – Palmeira de Buriti
As primeiras histórias da independência no Pará
• Jose Coelho da Gama Abreu o Barão do Marajó (Belém, 1832 —
Belém,1906). Foi um político liberal, historiador, geógrafo membro da
Academia das Ciências de Lisboa. Passou a infância em Lisboa, mas aos 14
anos adoeceu e retornou ao Pará. Aos dezessete anos voltou a Portugal onde
se formou em filosofia e matemática pela Universidade de Coimbra. Em 1855
retornou ao Pará. Lecionou matemática no Liceu Paraense, sido diretor das
obras públicas da província do Pará. Foi deputado, presidente da província do
Amazonas (1867- 1868) e presidente da província do Grão-Pará em 1870 e
1881, tornou-se intendente de Belém (hoje prefeito).
• Publicou as seguintes obras: 1) Do Amazonas ao Sena, Nilo, Bósphoro e
Danúbio. Apontamentos de Viagem, 1874-1876, editado em Lisboa em três
tomos. 2) A Amazônia. As Províncias do Pará e Amazonas e o governo central
do Brazil, Lisboa, 1883.3) Um Protesto. Respostas às pretensões da França a
uma parte do Amazonas, manifestadas pelo Mr. Delande, Lisboa, 1884.
• Domingos Antonio Raiol. O barão do Guajará (Vigia, 1830- Belém, 1912) .
Advogado, político e historiador. Formado pela Faculdade de Direito do
Recife, em 1854, foi procurador da Fazenda Nacional no Pará, além de
deputado provincial várias vezes e deputado geral na 12ª legislatura, em
1864, pelo Pará,[5] em 1900 fundou a Academia Paraense de Letras. Fundou
também o Instituto Histórico e Geográfico do Pa
• Publicou as seguintes obras: 1) Motins politicos: ou, Historia dos principaes
acontecimentos politicos da provincia do Para', 1821-1835 5 tomos
publicados entre 1865 e 1891. 2) Abertura do Amazonas. Extracto dos
debates no Parlamento Brazileiro ácerca do projecto de lei sobre a abertura
do Rio Amazonas á navegação e ao commercio do mundo. Reflexões sobre a
colonisação, liberdade religiosa e varios outros assumptos por Domingos
Antonio Raiol. [S.l.]: Typographia do “Jornal do Amazonas” 1867. 3) Obras
completas de Domingos Antonio Raiol. Belém: Conselho Estadual de Cultura,
1971.
Como o antigo Grão-Pará tornou-se entre
1793 e 1817 uma província chave à
defesa ultramarina:
1) Espírito patriótico luso-paraense nasce e se fortalece nas duas guerras sucessivas contra os
franceses – Campanha do Rossilhão (1793-1795) e a tomada de Caiena (1809-1817) ;
2) Entre 1793 e 1813 houve uma política intensa de militarização e de laicização educacional,
com uma significativa reforma educacional implantada em 1800 que previa educação de
meninos e meninas, formação prática na arte de navegar e construir embarcações e elaborar
cartas náuticas. Esta educação iluminista e prática criou as bases de um duro ataque à
tradição jesuítica e escolástica e fortaleceu o nascimento de militares e de clérigos liberais e
até emancipacionistas de escravizados. Ela também esteve presente na implantação de um
sistema de trabalho reorganizado na Carta Régia de 12 de maio de 1798, que extinguia o
antigo Diretório Pombalino dos indígenas e criava um sistema controlado por militares
(muitos dos quais grandes proprietários ou parentes destes), mas com maior possibilidade
de acesso dos líderes indígenas ao controle da mão de obra e de ingresso nas baixas e
médias patentes militares.
3) Fortalecimento local tanto de um sistema de justiça Régia, quanto da implantação de uma
moderna alfândega com controle mais próximo da cobrança dos impostos e arrecadações
fazendárias a fim de se encurtar distâncias e e aumentar o comércio. Este sistema, sobretudo
após 1808, possibilitará estreitas sociedades comerciais e de tráfico negreiro firmadas entre
comerciantes lusos-paraenses e lusos-maranhenses com as principais praças comerciais da
Europa com destaque para as cidades do Porto, Lisboa, Londres, Liverpool, Amsterdam,
Caiena e Salém.
Divisão do Grão Pará até 1817: duas províncias
Na nova província da Guiana e Cabo Norte estava
• Duas províncias – Guiana e Cabo Norte previsto a existência de duas comarcas: a primeira levava
(atual Amapá) e a Província do Grão o mesmo nome da província. O elo de junção desta
Pará. Esta nova província tinha duas segunda comarca era cingido pela conexão de uma
ampla região configurada pelo rio Solimões e seus
Comarcas (Guiana-Cabo Norte e a de afluentes, em especial, o rio Branco (hoje ligado à
Solimões). Tinha uma cidadesede Roraima) situada próximo aos limites internacionais de
portuária (Caiena), 41 vilas, lugares e outras guianas congêneres e vizinhas: a Guiana
holandesa (atual Suriname), a Guiana Inglesa (hoje
ilhas conhecida apenas como Guiana), bem como a parte da
Guiana espanhola (hoje configurada como parte do
• A província do Grão Pará 3 comarcas território da atual Venezuela).
(Xingutânia (Cametá), da Tapajônia
(Santarém) e da Mundrucânia (Rio
Negro): 1 cidade sede portuária (Belém), Já na província do Grão Pará na província do Pará
97 vilas e lugares. existiam as comarcas da Xingutânia, da Tapajônia e da
Mundrucânia. Esta nomenclatura cingia a união aqui já
descrita como necessária entre os povos indígenas
ancestrais destas regiões, ou aquelas “gentes” locais
Fonte: Corografia Brasílica de Aires de Casal mestiças que para elas foram deslocados, com os
interesses políticos, estratégicos/militares e/ou os
1ª edição publica no RJ em 1817 econômicos dos colonizadores luso-americanos e
letrados para estas regiões.
Localidades chaves de Belém até a vila de Borba no rio Madeira

Fonte: Spix e Martius, vol. 3, 1981, encarte. * Os pontos marcados em vermelho no mapa são os locais por onde aportaram os expedicionários
ligado à João Manoel Braun em 1788. A viagens inicia-se em Belém e, assim a leitura se faz da direita para a esquerda. Foram paradas
anotadas no mapa: Belém, Portel, Melgaço, Gurupá, Esposende, Porto de Moz, Santarém, Barra do Rio Negro e Borba
1808 – 1817
Ilha de Joanes no Marajó e
o final do Caribe

Acima, capa da Corografia Brasílica de Aires de Casal


1ª edição publica no RJ em 1817

Ao lado : José Simões de Carvalho. Mapa que contém a


entrada para o Rio Amazonas, com a posição da Costa
Boreal da Ilha Grande de Joanes.... [17--?
O Antigo Grão-Pará – Palácio dos governadores e capitães generais

Palácio do Governo – Belém Paul


Marcoy. Viagem pelo rio
Amazonas. 1846. 2ª ed. Editora
UFAM, 2001
Ato de adesão na visão de Raiol: um consenso
O ato em si de 15 de agosto de 1823 surgia como um
consenso: “Três princípios tinham em breve de atuar”
• 1) O absolutismo era condenado pela opinião pública...

• 2) O sistema representativo acabava de ser suplantado


pela dissolução das Cortes [de Lisboa]...

• 3) A nacionalidade brasileira continha os mesmos


elementos deste, repousava também na ideia de uma
Constituição (...)

“Não existia, portanto, motivo algum que pudesse justificar


qualquer disposição hostil à Independência” (RAIOL, 1970, P.
41) Três tomos dos Motins políticos de Raiol, reeditado
pela UFPA em 1970.
Na primeira edição eram cinco tomos.
Ao lado litografia de Domingos Antonio Raiol, o
Barão do Guajará
A província do Pará e Rio Negro vistas em
bloco se tornaram entre 1823 e 1840 símbolo
de atraso, sendo a última parte a aderir à união
com a Corte carioca
1) O Pará sofre um gigantesco impacto
comercial e político em 1817 com a
devolução do porto de Caiena para os
O nascimento do franceses e com o fim do financiamento
de guerra na fronteira norte e seu
Brasil e as disputas e deslocamento para o Rio da Prata e a
questão Cisplatina. Sem o antigo porto
levantes internos no que ligava à região ao Caribe , EUA e ao
mais fervoroso comércio do Atlântico
Pará e Rio Negro norte, o Grão-Pará, o Maranhão, Goiás e
o Piauí tiveram que se reinventar
2) A crise econômica se somou à política,
mas primeiramente os nortistas viram
na Revolução Liberal do Porto e na volta
de D. João VI para Lisboa uma
possibilidade de revalorização da parte
norte da América lusitana, mas os
problemas patrióticos e políticos na
Corte carioca e com o Príncipe D. Pedro
cingiram a elite local e as ideias
independentistas levaram a movimentos
como os de Muaná no Marajó e ao de
Cametá no vale do rio Tocantins
3) O processo de adesão tardia e violenta
feita com divisões internas sérias entre a
capital Belém o os povos do Rio Negro,
levaram a sérias disputas interiores com
muitos movimentos sociais nos anos de
1820 até a explosão cabana e toda sua
repressão entre 1835 e 1840
Sobre o duro recrutamento Muaná cavalaria da Ilha Grande - Marajó

Ainda sobre Muaná, a antiga Junta provisória Civil, ainda atrelada à Lisboa reclamava sobre a inobservância legal que grassava no
Grão Pará. Raiol recupera o escrito de seu presidente D. Romualdo Seixas, que também era sobrinho do bispo do Pará e o cônego
da catedral da Sé:
• A Carta de lei de 21 de janeiro do corrente ano [a Constituição assinada em Lisboa em 1823], que a Junta Provisória adoptou no
intuito da sua religiosa observância, há sido em Muaná, em Marajó e em algumas outras partes sacrílegamente violada,
excitando os clamores dos povos, que mal podem conceber como no crepúsculo, por assim dizer, e na aurora dos belos dias
constitucionais, que se lhes prometeram, só se lhes ofereçam incômodos e privações em lugar da doce liberdade e segurança à
que aspira vão. Não se tem consultado as Câmaras como determina a predita lei, mas tem-se recrutado os seus próprios
oficiais. Não se tem distribuído o recrutamento pelos distritos à medida de sua população, nem por consequência se
prática na conformidade das leis, mas recruta-se tudo sem atenção ás circunstâncias da consternada agricultura e do
enfraquecido comando desta tão infeliz província. Os recrutas hão sido tratados em alguns lugares, não como cidadãos
que vem exercer o nobre ofício de defensores da Pátria, mas como escravos lançados em hediondas prisões (SEIXAS,
Apud. RAIOL, 1865, p. 318-319).

Segundo os documentos e memórias recolhidas por Raiol em 1865, tornou-se público que nas casas dos proprietários e
comerciantes mais abastados de Belém houve festa. Eles comemoravam as prisões dos líderes de Muaná e aquelas dos presos do
movimento de 14 de abril em Belém. Relata Raiol que os devassados presos de Muaná foram enviados à Belém e que na cidade:

• Os presos foram recolhidos à cadeia pública, sendo no trânsito escarnecidos e apupados pelos partidários da metrópole,
alguns dos quais chegaram até a expor ao público palmatorias e chicotes dependurados das janelas de suas casas, não só
nesta ocasião, como no dia 14 de abril e no do embarque dos condenados para Lisboa. (RAIOL, vol. 1, 1865, p. 59) .
TABELA DAS TROPAS E DOS COMANDOS ADIDOS EM BELÉM – FEVEREIRO 1823

Tropa Número de oficiais Percentagem de oficiais

Infantaria 1ª linha – 1º Regimento 21 21%


Infantaria 1ª linha – 2º Regimento 18 18%
Infantaria 1ª linha– 3º Regimento 26 26%
Artilharia 1ª linha– 1º Regimento 08 08%
1º Regimento 2ª linha de milicianos 15 14%
Fonte:
Quadro elaborado pela
2º Regimento da 2ª Linha de 07 07% autora a partir do artigo:
Pará – Proclamação que
milicianos os oficiais da 1ª e 2ª Linha
da cidade dirigiram à El
Fortaleza da Barra e outros adidos ao 06 06% Rey e Senhor D. João VI
pelo Brigue Prazeres e
Estado Maior do Exército em serviço Triunfo. O Conciliador.
São Luís, 12 de março de
no Pará 1823, p. 1-3.

SOMA 101 100%


Retrato de John Pascoe
Grenfell – Sem autoria Antes do Palhaço – Grenfell e o fuzilamento
ou data. Dictionary of
National Biography, Grenfell, “avisado disto, desembarcou, já alta noite, com a sua
Earliest Times to 1900 guarnição e marujas dos navios mercantes surtos no porto, prendeu “...
Vol. V111, edited by Sir
Leslie Stephen and Sir
Sidney Lee, by Grenfell ...”mandou recolher à cadeia todas as pessoas encontradas
permission of Oxford pelas ruas e casas suspeitas e denunciadas sem distinção alguma.
University Press. Seguindo depois para o quartel, fez desarmar a tropa e conservou-a em
custódia até segunda ordem sob a guarda de gente sua”.

Na manhã do dia 17 foi conduzido o parque de artilharia para o largo


do palácio do governo, marchando depois a tropa desarmada colocada
no meio da marinhagem que desembarcara e dos indivíduos
municiados, quase todos portugueses, Grenfell mandou tirar uma
Mapa representando as pessoa por cada regimento envolvido nas desordens da noite, e sem
províncias brasileiras em processo nem formalidade alguma ordenou fossem espingardeados
1822 - em número de cinco (RAIOL, vol. 1, 1865, p. 79-80).
http://pt.wikipedia.org/wik
i/Hist%C3%B3ria_do_Para
n%C 3%A1
3) Da adesão ao massacre do brigue palhaço.

• Nos anos de 1820 até 1835 houve no Pará


vários movimentos sociais como:
• Revolta em Muaná (abril de 1823),
• Massacre do Brigue Palhaço em Belém
(outubro de 1823)
• Além de movimentos em Cametá, Baião,
Oeiras, Portel, Melgaço, Moju, Igarapé-Miri,
Marajó, Abaeté, Muaná (outubro de 1823).
• Deposição do governador, Visconde de
Goiânia (julho/agosto de 1831). Revolta
contra do governador Machado de Oliveira e
revolta no Médio Amazonas (abril de 1833).

Quadro: A tragédia do Brigue Palhaço – Romeu Mariz Filho –


1936.
Devassa do Palhaço:
Tramite e os 4 réus
• 1) O boticário João Clamopim acusado de ser o agente
Translado do auto de devassa aberto pelo Ouvidor
que teria fornecido veneno para asfixiar muitos mortos,
geral da Província Manoel Ignácio Carvalho de
Lacerda em 17 de julho de 1824. • 2) O cunhado do intendente da marinha Joaquim
Lúcio Araújo, que supostamente teria oferecido uma quantia
A ordem de abrir este processo, no entanto, vinha
de dinheiro ao comandante Grenfell para matar todos os
do próprio Imperador D. Pedro I e foi encaminhada
presos,
ao Ouvidor pelas mãos do novo Presidente de
Província nomeado por Pedro I José de Araújo • 3) Bernardino José Carneiro, que teria comprado o
Roso em 14 de julho. suposto veneno ao boticário Clamopim usado para assassinar
Em mais de 250 folhas frente e verso, o processo os presos
contou com 27 testemunhas, tendo sido concluído e • 4) O comandante inglês e agente da adesão John
remetido ao Rio de Janeiro em 22 de setembro de Pascoe Grenfell, acusado de ser a que teria mandado dar
1824. Em dois meses de apurações a devassa colocou descarga de tiros aos presos no brigue para parar um suposto
no rol dos culpados sujeitos a prisão e livramento
motim a bordo antes do envenenamento.
quatro pessoas:
Uma tragédia no Pará e seus usos políticos na Corte.
Para o Arcipreste da Sé, os levantados de outubro, revoltados com a inação dos outros membros da Junta, foram
ter em frente à sua casa, forçando-o ao ingresso no movimento. Escrevia este autor:

“Ao motim do rebate que se tocava acudiram algumas pessoas da vizinhança à casa do Cônego todas as quais
confirmam que ele resistira às sugestões dos soldados que ali mesmo o aclamavam Governador único: tal foi
porém o encarniçamento da tropa que nem ao menos lhe consentiram tomasse a necessária refeição noturna.
(...) Saiu pois de sua casa o Cônego Batista Campos violentado e coacto, e metido entre as fileiras dos soldados
assim foi conduzido ao Trem [de Guerra] (CAMPOS, 1824, p. 111).

Nesta versão, mais uma vez, os culpados pela revolução de outubro e pela chacina do Palhaço teriam sido os
portugueses e, no máximo, seus aliados ingleses como Grenfell. Argumenta-se no documento da apologia que:

“Instado o Governo Independente, apresentou-se-lhe [a tropa para o Cônego Campos e este para Grenfell] um
papel assinado por quatrocentos e tantos cidadãos, o qual continha certas bases que deviam servir de norma
invariável ao governo para conseguir a segurança pública e o imediata dedução à firmeza da Independência.
Uma destas bases era – demitir dos empregos civis, e militares, os desafetos à causa do Brasil e removê-los para
fora da Província. – Todo o mundo conhecia a necessidade de se adotar esta medida; a opinião pública a
reclamava com Império; os quatrocentos e tantos cidadãos assinados naquele papel deviam ser considerados
como órgãos sonoros e fortes de trombetas da voz geral, em uma palavra era de absoluta necessidade que fosse
assim. O Cônego Batista Campos bem inteirado do grande axioma político, que os governos são para os povos e
não os povos para os governos, orava constante e energicamente aos seus colegas obedecessem à Suprema lei
do estado, à salvação do povo”. (CAMPOS, 1824, p. 9).
Cônego José Serra e o problema do partido português no Pará
Ele argumentou que a independência foi proclamada no Pará em 15 de agosto de
1823, mas o que chamou de o “partido português, e anti independente” só sucumbiu
naquele instante “levado do medo de uma força naval, que se dizia bloqueava fora da
Barra”, para além da visibilidade do porto de Belém. Escrevia que : “Proclamou-se pois a
independência; mas no meio de que agitações? Os inimigos sabendo que não havia
outra embarcação, mais que o Brigue Maranhão – ficaram irritados, e desesperados
com o nosso triunfo, procuravam todos os meios de outra vez se entronizarem”
(SERRA, 1824, p. 3-4).
Em 1824 Rozo lhe mandara prender por uma carta interceptada pelo novo
Presidente. Nela Serra se dirigia ao seu amigo e membro da primeira Junta
independentista, Felix Clemente Malcher. Serra publicou a carta na íntegra em sua
defesa pública e argumentou que ela não era criminosa, recuperando que o problema no
Pará eram as intrigas entre os partidos dos brasileiros e dos portugueses. “Os dois
partidos se chocavam, e o anti independente traçava planos de contrarrevolução. (...)
Nas fileiras militares ainda marchavam os principais inimigos do sistema (...) Os
empregados, que foram, e eram nossos inimigos exerciam da mesma maneira os seus
lugares, o Povo e a Tropa gritavam altamente contra eles”... (SERRA, 1824, p. 3-4). .

Haveria uma “ditadura tirânica dos governadores” e o Pará ainda não teria conhecido
: ...os primeiros elementos de sua liberdade, porque seus cidadãos têm sido sempre
encarcerados, ou desterrados com toda violação das formas da lei. Reunidos em clubes
ou nas fileiras das tropas em sua mais alta hierarquia, estes dirigentes continuavam no
comando da província e de suas riquezas”. (SERRA, 1824, p. 2).
O Pará em 1832 “Tem este cabo [Baptista Campos] quatro ajudantes de Do Palhaço para os
ordens, que muito o auxiliam em suas tentativas. O primeiro é o negro Lucidoro,
facinoroso abjeto, animado pelo quietismo das autoridades, e bem conhecido de
preconceitos contra os
quantos tem habitados o Pará, pelas mortes e insultos que ali há cometido de dia e povos
de noite: – é a mão direita do seu chefe. O segundo é o cônego Silvestre Antunes do antigo Grão-Pará.
Pereira da Serra, miserável escrevinhador de sensaborias, rasteiro adulador de
autoridades enquanto o não enxotam, intrigante avezado e sem pejo, é o maior
Críticas à Batista
de todos os ingratos até para com os seus próprios amigos. O terceiro é José Campos em 1832
Baptista Camecran, risível impostor do que ele chama suas propriedades, com
que a todos atordoa os ouvidos, mas de alma mui pequenina, incapaz de
dispender um vintém em honra da pátria, fementido e traidor em todas as
épocas. Chora quanto quer, insinua-se na afeição de quem depende, mostra-se
oficioso a quem lhe sagra amizade, mas a todos ilude e a todos trai. O quarto é
negro Manoel barbeiro, muito entusiasta da igualdade que seus sócios lhe
fizeram compreender, mas incapaz de empresa nenhuma atrevida. Está
encarregado de recrutar prosélitos para a “força bruta”, e é o espião do padre
Baptista, a cuja mesa se senta em dias de glória, e aí propõe bravos toasts d’espada
à cita e banda desenrolada. Não pareça inútil esta descrição das principais
personagens do partido destruidor, porque elas têm de aparecer no pequeno espaço
deste opúsculo, e é mister conhecê-las de antemão. Há milícia deste partido é
composta de negros, de mulatos, e de pobres iludidos de todas as cores. As suas
armas são cacete faca e punhal: – a sua divisa é morte e latrocínio”. (O Pará
em 1832. Londres: S. W. Sustenance, 1832, p. 9).
O brigue Palhaço num jornal carioca de 1825
Nas palavras do articulista:
... Retirando-se com gritos – Morram os Europeus – começaram com machados a arrombar as portas, e a roubar; três
dias se passaram com saques, e assassínios; até que o Vice-cônsul inglês, e um cunhado dele, foram pedir ao capitão
Grenfell que pusesse termo a consternação dos habitantes; então este saindo à terra com soldados da Charrua, e do seu
Brigue, e alguns marinheiros, todos em número de 40, se apoderaram do Trem pela parte do mar, prendeu, desarmou
266 motinos, e seu chefe, fazendo fuzilar um de cada um dos cinco Corpos e recolhendo-os outros à cadeia ou a bordo da
Charrua até a conclusão do processo. (O Pará e os revolucionários. Spectador brasileiro, 16 de dezembro de 1825, p. 2, 3 e
4).

Na sequência teria advindo um motim e o transporte dos presos até o brigue Palhaço e dali seguiu-se a chacina.
...As oito horas começaram a gritar, que queriam vir para o convés, o não lhe sendo concedido começaram a dar vivas ao
que lhe lembrava, passando disso a forçar o xadrez, cujo arrombamento teriam conseguido, a não chegar a bordo Grenfell,
o qual, vendo que por muito tempo eram baldadas as suas ameaças, mandou-lhe dar uma descarga de 20 tiros com o que
pareceram sossegar; mas um pouco depois foi recrescendo o ruído até meia noite. Porém oh espanto! Oh! cena de horrores
inauditos! Haviam estes desgraçados chegado alguns [aos escalos ] da amarra para a escotilha, o ajuntando-lhes os
cadáveres, sobre este extraordinário montão subiram para tentar segunda vez o arrombamento, acumulando-se com tal
furor, que se esmagavam uns aos outros de uma maneira tão espantosa, e atroz, que ao romper do dia se acharam 254
mortos; uns enforcados com as cordas das suas redes de dormir, outros esganados, vinte a trinta foram fuzilados; alguns
asfixiados, e a maior parte esmagados, escapando apenas quatro que no começo se meteram dentro de um tonel velho. As
8 horas da manhã já os corpos estavam tão adiantados em podridão, que foi mui difícil descer ao porão para os tirar para
os sepultar. (O Pará e os revolucionários. Spectador brasileiro, 16 de dezembro de 1825, p. 2, 3 e 4).
Por fim o articulista conclui seu longo artigo relatando o efeito geral desta mortandade...

“Tão espantoso sucesso produziu um sentimento geral, escassamente suavizado pela consideração de que as vítimas da
própria exasperação eram mui poucos brancos, e de mui baixa classe, alguns indígenas, mulatos, e pretos forros, ou
escravos. O povo apesar de inquirir os quatro que escaparam, e aos soldados que estavam de guarda aos presos a bordo,
inventaram calúnias ao comandante Grenfell” (O Pará e os revolucionários. Spectador brasileiro, 16 de dezembro de 1825,
p. 2, 3 e 4).
Denúncias contra o presidente Rozo e a volta do Palhaço em 1828

Em abril de 1828 novas notícias relacionavam as atrocidades cometidas pelo novo governador do
Pará com a memória do mesmo massacre de 1823. Elas não tinham chegado ao Rio e foram editadas no
Farol Maranhense em um áspero artigo contra os desmandos do Presidente Roso no Pará:

Ele [Rozo] chegou a cunhar moeda, mandou matar um índio e sete soldados sem julgamento, mandou
soltar o coronel Giraldo de Abreu e seu filho Manoel de Abreu e extinguir seus processos. Falou que
Pedro I fizera uma Constituição paliativa e que queria governar de forma absoluta. Proibiu que se
citasse a letra constitucional. Por fim raptou uma virgem chamada Honória e a levou ao Palácio.
(Correspondências. Farol maranhense, São Luís: 11 de abril de 1828, p. 2, 3, 4).

Por fim Rozo “nadava em crimes os mais atrozes”, dentre os quais teria extinguido no Pará a Junta de
Justiça local. E sobre este terreno o articulista rememorava o caso do Palhaço.

Quando se ordenou a devassa sobre os assassinos do porão do Palhaço, o benemérito Magistrado


Cavalcanti clamou fortemente para que fosse o processo remetido à competente Relação; Rozo porém,
superior à lei, à V M I [Pedro I] e a tudo para salvar seu grande amigo, e pedagogo José Ribeiro Conin,
manda instalar, e preside a Junta de Justiça, e por esta forma salva de toda a culpa e pena aquele bárbaro
Conin que fora com o inglês Grenfell, e Geraldo Abreu a causa primária da desolação de inumeráveis
famílias que se cobriram de luto na perda dos 252 cidadãos cruelmente massacrados a ferro e fogo
entre as tenebrosas cavernas do Palhaço. Crimes de tanta monta ... reclamam pela vingança da
Justiça (Correspondências. Farol maranhense, São Luís: 11 de abril de 1828, p. 2, 3, 4).
O Aurora Fluminense: Palhaço servindo de
humor contra Pedro I em 1829
Por fim mais um exemplo dentro da mesma
associação com Pedro I: Jornal a Voz Fluminense contava
de forma jocosa que o crime do Brigue Palhaço era um
alerta para não se acreditar nas promessas de Pedro I
Constitucional:
A carnagem levada a efeito no Brigue Palhaço não teve
cúmplices na terra; o assassinato dos jovens cearenses
arrancados dos braços de suas famílias foi obra do Espírito
Santo? À frente da Representação Nacional, no tempo em que o
Augusto Chefe da Nação Brasileira luta, e se esforça em nos
separar a Liberdade, saltam aqueles ditosos Cidadãos envoltos
apenas na pior da morte, e da miséria? Até quando, ó Brasil,
abusarão da paciência de teus filhos?!! (Anedotas. Voz
Fluminense, Rio de Janeiro: 2 de novembro de 1829, p. 4).
Normas legais causadoras de tantos conflitos
1) 1826 1827 pagamento da dívida de soldos pela emissão de moedas nas províncias
2) 1828-30 Novas normas para funcionamento das Câmaras de Vereadores – eleições de juízes de paz – ampliação da cidadania
3) 1832 38 – Promulgação e publicação do Código Criminal do Império. 1838 Promulgam-se leis complementares mais severas
O caso do Palhaço chega ao parlamento Brasileiro: de anarquistas à mártires
Em 1826 as tropas regulares já muito enfraquecidas, começaram então a ser combatidas no
novo parlamento no Rio de Janeiro, mas o controle sobre a infantaria de milícias (de caçadores
ligeiros) ainda era central. Sobre isso falou D. Romualdo de Seixas. O então deputado Seixas
conseguira galgar altos cargos no novo Império e deixou a presidência da Primeira Junta Civil de Governo
para se tornar um deputado e arcebispo primaz do Brasil. Em Sessão de 5 de junho de 1826 da Câmara,
quando o assunto era a enorme crise financeira do Brasil, o deputado Seixas argumentava:

Sr. Presidente, pelo mesmo motivo, porque na outra sessão requeri que só fizesse efetiva a criação de um
batalhão de [milicianos] caçadores para o rio Negro, por este mesmo motivo requeiro hoje, que se
mandem abolir duas companhias de cavalaria de linha, que se acham no Pará; esta força, que foi
levantada ali pelo governo antigo, não [sei] de que possa servir. Para a segurança e ronda da cidade?
Estas sempre foram feitas por patrulhas de infantaria, o que ainda até o presente continua. Para a
tranquilidade interna? Há um corpo de milicianos, em grandes serviços tem mostrado a sua bastante
suficiência; e para a externa é ainda muito menos necessária; a arma de cavalaria, pois sabe-se muito
bem que o Pará só precisa para a sua defesa de muros de pau, como de Atenas disse o Oráculo.
Portanto é sem dúvida inútil à existência de semelhante corpo, que de nada serve, se não que fazendo a
guarda de honra dos capitães generais, então, e agora dos presidentes das províncias, vai acumulando
despesas, com que ela [a província do Pará] não pode [arcar]. O Pará de que precisa é de que ali se
promova a construção naval que é da última importância, e a mesma província convida a isto, pelas
suas localidades, e pelas comodidades de se estabelecerem bons estaleiros ao longo do baixo Amazonas,
onde já se construiu uma mui bela Galera. (SEIXAS, D. Romualdo de. Sessão de 5 de junho de 1826.
Anais do parlamento brasileiro. Câmara dos deputados. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial, 1874, p. 38-
39)
Anisita de 1840 e a de 1855 para os líderes:
os liberais se defendem
Raiol, o autor recuperou que teria pesquisado um escrito de Eduardo Nogueira Angelim.
Em 1865, momento posterior a anistia deste líder e quando seu partido, o Liberal, lutava para ganhar terreno no parlamento
provincial depois da criação de novos periódicos e após um intenso debate em torno da nova província do Amazonas e da
abertura deste imenso rio à navegação a vapor e os problemas políticos e eleitorais daí recorrentes.
Raiol escreveu: “Na Ordem, de 26 de setembro de 1865, jornal publicado no Recife, lê-se um artigo sob a epígrafe de - Pará
em 1835 - assinado pelo próprio Eduardo Angelim, no qual ele, defendendo-se de arguições que lhe fizeram no Jornal do
Amazonas, n° 166, do referido ano de 1865, disse o seguinte: "Foi fuzilado em frente ao palácio do governo o célebre Joaquim
Antônio, oficial da milícia rebelde, que tinha o comando de uma força de mais de 500 homens e proclamava uma liberdade a
seu jeito, incluída e de escravos em geral. Isto depois de provado o seu crime em conselho de guerra. Foi fuzilado em frente ao
palácio do governo um preto, chefe de insurreição do rio Guamá logo que chegou à capital. Foi morto à surra em frente ao
palácio do governo um mulato, escravo do português Nogueira, dono da fábrica de urucu em Igarapé-miri, por ter traído a seu
senhor e lavado as mãos em seu sangue inocente. O reverendo cónego Pimentel, homem verdadeiro e honrado, poderá atestar
esta verdade. Um homem livre, porém, malvado, que deu a morte a duas mulheres, uma de nascimento portuguesa e outra
brasileira, foi fuzilado em frente ao palácio do governo. Um célebre patriota por tal conhecido e da seita de Joaquim António,
foi morto em Muaná. Insurgindo-se os escravos no Acará e noutros distritos, ordenei a meu irmão Geraldo Francisco Nogueira
para que os fizesse conter até entrarem na obediência e ordem. Em atos de resistência foram mortos alguns, e outros surrados e
Remorar episódios como o do brigue Palhaço hoje é 1)
Concluindo...
relembrar que os documentos de época dão conta de uma
Independência marcada pelas lutas e por movimentos
sociais feitos por muitos povos e gentes na Amazônia
brasileira.
2) Os documentos comprovam que estas lutas reverberaram
até a Cabanagem em 1835 e seus ecos se escutam até hoje
entre os povos originários, os ribeirinhos os quilombolas e
tantas outras gentes da Amazônia de 2022. Só é preciso ir às
fontes e lê-las com olhos bem abertos para encontrá-los.

Você também pode gostar