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. Prefácio ao livro KURY, Lorelai; GESTEIRA, Heloisa (Orgs.). Ensaios de história das ciências no Brasil: das
Luzes à nação independente. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2012.
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. Um resumo da comunicação foi publicado no jornal Folha de São Paulo de 14/12/2008, sob o título “A
terceira margem do Rio”. Para uma abordagem mais extensa de onde foram tiradas as referências e as citações
aqui mencionadas, cf., “Le Versant brésilien de l’Atlantique Sud 1550-1850 », Annales, 61 (2), 2006, pp.
339-382
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. A passagem dos enclaves e feitorias européias à condição de colônia, com uma economia e uma
administração continentalizada, nem sempre ocorre (como foi o caso das feitorias lusitanas na Ásia) e nem
mesmo é indispensável à expansão mercantil (como demonstrou Karl Polanyi).
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facilitava a ajuda aos enclaves portugueses no Sul. Patenteada em 1763 pela ocupação do
forte português do Rio Grande (situado no canal que liga a Lagoa dos Patos, e de todo o
interior riograndense, ao Atlântico) pelo governador de Buenos Aires, Pedro Cevallos, que se
ilustraria na invasão da ilha de Santa Catarina (1777), a ameaça espanhola pesava sobre a
parte meridional da América Portuguesa. Em contraponto à estratégia de Lisboa, Madrí
tentava contornar a hegemonia luso-brasileira no Atlântico Sul, com a criação do vice-reinado
do Prata (1776). O novo vice-reino também incluía em sua jurisdição as ilhas africanas de
Fernando Po e Anobón, assim como o comércio do litoral dos Camarões e do Gabão,
recebidos de Portugal no Tratado de Santo Ildefonso, em troca de territórios espanhóis no Sul
do Brasil
Institucionalizando a ocupação dos novos territórios, a Coroa instala uma rede de
registros ao longo das vias de comunicação e de comércio. De Viamão, nos pampas, à
Alcobaça, nas margens paraenses do Tocantins, de Cuiabá, no extremo oeste, até Paraty, na
beira-mar, cerca de 140 registros constelavam o circuito continental de trocas formado em
torno das minas de ouro e de diamante, demarcando o futuro território nacional.4
Segunda etapa das transformações coloniais dos séculos XVIII e XIX, a transferência
da Corte para o Rio de Janeiro aparece, a justo título, como um momento chave da história
brasileira. Cabe, porém, levar em conta todos os condicionantes extraterritoriais, sul-
atlânticos, que moldavam a América portuguesa. Assim, a vinda da Corte – comboiada pelos
canhões da Royal Navy - ocorre no quadro mais geral da ofensiva inglesa nesta parte do
oceano, ilustrada pelos ataques de 1806 e 1807 a Buenos Aires, cujo comércio também seria
aberto à Inglaterra. Da mesma forma, a escolha do Rio de Janeiro como nova sede do reino
merece ser examinada no contexto amplo do Atlântico lusitano.
Às vezes apresentada como uma decisão longamente refletida – e excogitada em
Lisboa desde 1580 - que confirmaria a predestinação da glória nacional brasileira, a mudança
da Corte também obedecia aos objetivos da hegemonia britânica nos mares, tornada evidente
desde a destruição da frota francesa em Trafalgar, em 1805. Assim, respondendo à
chancelaria britânica, que insistia, ainda em 1838, na generosidade da proteção naval inglesa
na viagem da família real para o Brasil, Sá da Bandeira, primeiro-ministro português,
argumentou que a Corte podia muito bem ter se estabelecido na ilha da Madeira, mais
próxima de Lisboa e protegida de um eventual ataque naval francês. Para Sá da Bandeira, a
4
. A lista destes registros está disponível no site
http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/administracao/reparticoes/colonia/registros.asp acessado em abril de
2011.
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vinda da corte para o Rio de Janeiro fora imposta pelos ingleses, sobretudo interessados em
ter livre acesso aos mercados da América portuguesa. Nessa perspectiva, o fator decisivo do
translado da corte é a pressão inglesa para forçar a abertura do comércio do Brasil e não a
eventual visão edênica existe em Lisboa sobre o Rio de Janeiro e o destino nacional brasileiro.
A interpretação excessivamente territorial da história do Brasil também subestima o
impacto de outro evento importante ocorrido em 1808. Paralelamente à chegada da Corte e à
abertura dos portos, os negreiros brasileiros engolfaram-se nos portos africanos recém
abandonados pelos traficantes da Inglaterra e dos Estados Unidos. De fato, concretizou-se em
1808 a proibição do tráfico de africanos ordenada aos comerciantes britânicos e americanos
por seus respectivos governos. Atenta à mudança, a Mesa de Inspeção -órgão regulador do
comércio do Rio de Janeiro - anunciou, em agosto de 1808, as grandes oportunidades que se
abriam ao Brasil, "pela falta de concorrentes estrangeiros na costa [da África], sendo a todos
[outros negociantes] vedado este comércio [de escravos]". Na seqüência, as trocas diretas com
a Inglaterra estimulam as exportações brasileiras de manufaturados europeus para a Europa,
avolumando a importação de africanos. Campeão absoluto do comércio negreiro, o Brasil
captou 1,5 milhão de africanos entre 1808 e 1850. Desses, 760 mil foram ilegalmente
introduzidos no país, sobretudo entre 1831 e 1850.
Mas houve também uma terceira margem no rio-oceano, formando a cadeia de trocas
que conectou a barbárie ao progresso econômico: quanto mais cresceu a economia brasileira,
mais gente foi arrancada da África e escravizada no Brasil.