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COLÉGIO PEDRO II – CAMPUS DUQUE DE CAXIAS

Disciplina: HISTÓRIA Série: 2ª série

Coordenador Pedagógico: Prof. LUÍS RAFAEL ARAÚJO CORRÊA

Professor: LUCIANO CABRAL

A Mineração Colonial
1. As Grandes Descobertas

As primeiras grandes descobertas de jazidas de metais preciosos no Brasil


foram decorrência do movimento de expansão da colonização, ocorrido no Brasil
entre os séculos XVII e XVIII. Esse movimento ampliou o raio de ação da empresa
colonialista portuguesa e do Capital Comercial Português no Brasil. Foi
determinada por dois tipos de agentes:

. Agentes Internos: questões geradas pela própria dinâmica colonial, e que


determinaram a Expansão. Os principais foram: a pecuária, a ação missionária, o
movimento bandeirista e a mineração.

. Agentes Externos: corresponderam a questões geradas fora da Colônia e que


levaram a expansão da colonização. Promoveram a ocupação efetiva de algumas
porções do Brasil e estavam relacionados às invasões estrangeiras. As principais
dessas incursões estrangeiras ocorreram nas regiões Norte e Nordeste do território
colonial, destacando-se os franceses (França Equinocial - séc. XVII) e os
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holandeses (Maranhão – São Luis 1641). Garantiram a ocupação efetiva do litoral
norte do Brasil. Isso teria grande relevância para Portugal, uma vez que
assegurava o controle sobre a foz do rio Amazonas, favorecendo o escoamento das
Drogas do Sertão.

2. A Mineração.

A mineração no Centro-Sul do Brasil foi desenvolvida através da faiscação e


das lavras. A primeira modalidade, devido às dificuldades de fiscalização, não teve
o apoio de Portugal, sendo as lavras as principais unidades prospectoras. Os
metais, assim como as pedras preciosas, eram estancos da Coroa. Esta repassava os
direitos de exploração a particulares, obtendo seus lucros a partir da cobrança de
impostos.

A exploração dos metais foi regulamentada em 1702 com a criação do


“Regimento dos Superintendentes, Guardas-mores e Oficiais Deputados para as
Minas de Ouro”. A legislação reservava 1/5 do ouro descoberto para a Coroa.
Instituiu também a “Intendência das Minas”, responsável pela ordem fiscal e pela
repressão ao contrabando. Abaixo das Intendências estavam as “Casas de
Fundição”, responsáveis pela cobrança do quinto e pela legalização do metal que
circulava na Colônia.

As primeiras notícias relativas às descobertas do metal promoveram


importantes transformações na vida da região e da própria colônia. Ocorreu um
grande afluxo demográfico, tanto ao nível interno quanto externo, o que acabou
por transformar as áreas de mineração em um importante mercado consumidor.
Esse mercado abrigou uma grande atividade comercial, lícita e ilícita
(contrabando). A entrada maciça de homens livres e escravos na região se deu em
um quadro marcado por tensões e atritos. Preocupada com o “esvaziamento” de
outras regiões da Colônia a Coroa limitou a entrada de colonos livres e escravos na
região. Além disso, os choques entre vicentinos (descobridores do ouro e primeiros
povoadores) e elementos provenientes de outras partes do Brasil e do Reino
(chamados pelos primeiros de “Emboabas”) cresceram em uma constante.

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Como resultado desses choques explodiu em 1707 a “Guerra dos
Emboabas”. Os emboabas, com suas tropas de escravos africanos, organizaram-se
em torno do português Manuel Nunes Viana. De outro lado colocaram-se os
vicentinos apoiados em seus aliados indígenas. O conflito deflagrado chegou ao fim
com a derrota dos vicentinos, marcada por episódios como o do “Capão da
Traição”. Muitos dos habitantes de São Vicente, que sobreviveram à guerra,
buscaram novas jazidas de metal no Brasil. Desses esforços resultaram as
descobertas em Mato Grosso, 1718, e em Goiás, realizadas por Bartolomeu Bueno
da Silva entre 1722 e 1725.

A mineração estimulou e integrou diversas atividades econômicas em torno


do Centro-Sul. Apesar das restrições da Coroa, observamos um importante
crescimento das práticas agrícolas e manufatureiras em torno dos centros
mineradores. Tal fato foi decorrência da forte demanda pelos mais variados
produtos, da grande concentração de população na região e das oportunidades de
negócios – ilícitos - envolvendo o ouro em pó.

Com a exploração do ouro surgiram importantes centros de produção de


gêneros agrícolas em Minas Gerais e São Paulo. Neles as unidades produtoras
apresentavam-se nas mais diversas formas e modalidades, variando desde as
pequenas propriedades baseadas no trabalho livre dos colonos até os latifúndios
escravistas. A pecuária também foi muito estimulada, surgindo centros de criação
de gado bovino e muar, em especial, na região sul da Colônia.

Também devido às atividades mineradoras o “Tropeirismo” se consolidou


como atividade econômica. Essa atividade consistia no transporte de mercadorias e
metal entre a região mineradora e o Rio de Janeiro. O volume de recursos e
capitais acumulados pelos “tropeiros” foi bastante elevado, determinando,
inclusive, a construção de redes comerciais que ligavam o centro-sul do Brasil à
região do Prata. Essas redes forneciam as mulas que eram utilizadas nas tropas.
Esses animais eram comercializados em “cidades feira”, como Sorocaba em São
Paulo.

Nos centros urbanos surgidos em torno das áreas de exploração do metal, as


manufaturas cresceram consideravelmente. Essa grande expansão das
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manufaturas na Colônia ocasionou uma intensa concorrência com os produtos
provenientes da Metrópole. Isso era prejudicial aos interesses de Portugal, pois
implicava na redução da arrecadação de impostos e incentivava o contrabando.
Visando contornar essa situação veio à luz o Alvará de 1785 decretado pela rainha
Dna. Maria I. A partir de então foi proibida a existência de manufaturas na
Colônia.

As atividades mineradoras promoveram também a incorporação de novos


sentidos à ação colonialista. A partir dela esta adquiriu um caráter interiorano e
urbano. Ocorreu também o deslocamento do eixo político e econômico do Nordeste
para o Centro-Sul. No plano administrativo o Brasil foi elevado à condição de
Vice-Reino e promoveu-se a transferência da sede da colonização de Salvador para
o Rio de Janeiro (1762).

A exploração do metal desenvolveu-se através do sistema de Datas, isto é,


lotes distribuídos por sorteio aos mineradores. O tamanho das datas variava de
acordo com o número de escravos dos pretendentes. Concedia-se 5,5 metros em
quadra por cada escravo, até o máximo de 66 metros - a “data inteira” - que podia
ser disputada pelos proprietários de 12 escravos ou mais. O descobridor do ouro
teria o direito de escolher uma data inteira para sua exploração. Uma segunda
data inteira era escolhida pela Coroa, que depois a leiloava.

No tocante às relações de trabalho, observamos que o espaço aberto ao


trabalho livre na mineração era maior do que nas regiões açucareiras. Isso se
explica pelo menor investimento inicial envolvido na atividade. Apesar disso,
predominou o trabalho do escravo. Esse predomínio da escravidão pode ser
explicado pelo sistema de distribuição das datas, bem como pelo alto custo de vida
na região, o que pauperizava o pequeno minerador, excluindo-o da atividade. A
mineração promoveu uma valorização material do escravo e novas modalidades de
aproveitamento do seu trabalho foram desenvolvidas, como o trabalho por tarefas
e o trabalho por conta própria.

A mineração fez com que a pressão fiscal e tributária da Metrópole sobre a


Colônia se intensificasse. Para Portugal era fundamental otimizar a arrecadação
de impostos e inibir ao máximo o contrabando. Para isso, foi criado um sistema
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tributário e fiscal característico da região, baseado em algumas instituições
adequadas às particularidades da atividade. Em um primeiro momento as bases
desse sistema se assentaram na cobrança do Quinto, nas Casas de Fundição e na
criação de Caminhos e Registros. Os protestos da população da região mineradora
foram intensos. O peso excessivo da carga tributária e a corrupção generalizada
das autoridades convergiram para a “Revolta de Vila Rica” ou “Revolta de Felipe
dos Santos” em 1720. Nesse movimento exigia-se a extinção do Quinto e das Casas
de Fundição. A Coroa reprimiu aos revoltosos e reviu suas práticas fiscais e
tributárias. Novos impostos foram criados, destacando-se a “Captação” e a
“Finta”.

Ao contrário do que defende a historiografia tradicional, presa à visão de


uma sociedade marcada pelo fausto e por um maior teor democrático das relações
sociais, o cotidiano dessa região era excludente e austero. O convívio próximo da
riqueza e da miséria extremadas promoveu a formação de um grande contingente
de desclassificados sociais. Mesmo assim, quando comparada à realidade do
Nordeste Açucareiro, na sociedade mineradora havia uma maior mobilidade
social. A região acabou por se constituir em um verdadeiro cadinho étnico-
cultural, no qual a produção artística e cultural foi bem relevante.

Entre 1760 e 1780 constatamos o declínio das atividades mineradoras,


determinado por fatores de ordem geológica e técnica. O declínio da exploração
dos metais promoveu um redimensionamento dos ritmos e dinâmicas econômicas
de Minas Gerais, ensejando o que chamamos de Renascimento Agrícola. A partir
de então a produção de gêneros de subsistência atingiu níveis muito elevados e se
tornou a base da economia da província das Minas Gerais.

Apesar da crise, o volume de riquezas que a mineração proporcionou à


Coroa Portuguesa foi tão elevado que permitiu que o rei D. João V chegasse a
afirmar que “(...) meu avô temia e devia; meu pai devia; eu não temo nem devo”. A
riqueza das minas brasileiras, entretanto, não enriqueceu somente à Metrópole. A
Inglaterra também foi muito favorecida pelo ouro do Brasil. A dependência
econômica de Portugal, que gerava uma balança comercial deficitária, pode
explicar essa situação. O “Tratado de Methuen”, assinado entre portugueses e

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ingleses em 1710, contribuiu decisivamente nesse sentido. O trecho a seguir nos
esclarece mais quanto a esse tratado:

O Tratado de Methuen reforçou os vínculos entre Portugal e Inglaterra. Por


ele, Portugal comprometia-se a comprar panos de lã somente de comerciantes
ingleses, enquanto a Inglaterra imporia taxas preferenciais para os vinhos
portugueses. A partir do tratado, acentuou-se em Portugal o domínio comercial dos
ingleses, que acumularam grande quantidade de ouro, pois os portugueses
compravam muito mais do que vendiam.

Aos poucos, as vantagens comerciais tornaram-se privilégios legais e de fato,


fazendo dos comerciantes ingleses os senhores de todo o comércio português com a
Europa.

TEXTO COMPLEMENTAR

Por Baixo dos Panos

Paulo Cavalcante. Revista de História da Biblioteca Nacional – nº 38 – dezembro de 2008.

Extrair ouro e diamantes cumprindo as regras e pagando os impostos


estipulados pelo Estado ou fazê-lo de modo ilícito, praticando o descaminho. Estas
eram as duas faces do mesmo movimento, cujo nome é exploração. Nas Minas Gerais
do final do século XVII e das primeiras décadas do XVIII, todos queriam ouro. A
qualquer preço.

Os próprios representantes do Estado português – governadores, ouvidores,


provedores etc. –, cuja missão era disciplinar a extração e assegurar a ordem social,
contribuíam para desviar as riquezas da Fazenda Real (a Receita Federal da época).

Ordenar a extração significava estabelecer a desordem da exploração. O


funcionário empenhado em dar cabo de “execrandos delitos” (descaminhos e
contrabando) precisava conviver com eles para melhor extingui-los. O funcionário
que cunhava as moedas dentro da Casa da Moeda falsificava-as por fora. O homem
de negócios que arrematava os contratos e fazia os pagamentos prometidos à Fazenda

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Real sonegava o gênero – sal, por exemplo – ou dava livre trânsito ao ouro em pó, no
caso do contrato das passagens (uma espécie de pedágio da época).

Os descaminhos eram numerosos e variados. Quanto mais o Estado português


apertava o cerco para assegurar a sua arrecadação, aí mesmo é que os desvios do
ouro prosperavam, com extrema criatividade. O senso comum tornou notória a
imagem do santo de pau oco como símbolo maior dos descaminhos. Imagens ocas de
santos supostamente recheadas de ouro e diamantes nos servem mais como
explicitação da contradição entre dois traços correntes na sociedade colonial – o
fervor religioso e a cobiça material – do que como comprovação de práticas
relevantes de evasão.

Como a sociedade colonial era escravista, os trabalhadores negros


encarregados da mineração eram vistos como os principais “passadores”
(descaminhadores) de ouro e diamantes. Ouro em pó salpicado no cabelo de mulheres
negras, pepitas e diamantes desviados no pequeno comércio dos povoados e das lavras
– especialmente pelas chamadas “negras de tabuleiro”, que vendiam comidas e
bebidas – também foram modos de descaminhar a riqueza extraída da terra. Este
último era tão forte e disperso que foi objeto de uma proibição publicada em 31 de
julho de 1733, no Arraial do Tijuco, pelo ouvidor geral José Carvalho Mártires:

Mando que nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condição que seja


mande escravas ou escravos vender do Corgo das Lages em diante, gênero algum de
comestíveis, ou bebidas; pena de que toda a escrava ou escravo que for achado do
lugar referido em diante, vendendo os referidos gêneros, ser presa, e pagarem seus
senhores cem mil réis de condenação (...) além desta pena serão os ditos escravos
açoitados no lugar mais público deste Arraial.

Outra forma muito eficaz de desvio foi a fabricação de colares para evitar o
pagamento do quinto. Recheadas de colares ou cordões, as pessoas circulavam e
propiciavam a fuga do ouro para Portugal em seu próprio corpo. O recurso foi
classificado por funcionários da Coroa como “mui caviloso” (ardiloso). Estava claro
que “os tais cordões não servem para uso e ornato das pessoas, senão para por este
meio usurparem os ditos quintos”, concluiu o rei D. Pedro II, em 1698.

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A maneira mais espetacular de desviar ouro era falsificar moedas.
Encontravam-se moedas falsificadas de diversos tipos: vazada, cerceada (cujas
bordas eram raspadas para se ficar com o ouro), com peso reduzido ou fundida com
metais considerados baixos (como cobre, níquel e estanho).

Em 1708, o juiz da Casa da Moeda do Rio de Janeiro informou ao Conselho


Ultramarino que recebera quinze moedas de ouro de 4 mil réis provenientes de São
Paulo para serem examinadas por parecerem falsas. Feito o exame, constatou-se a
fraude. Suspeitava-se que as tais moedas haviam sido cunhadas na fábrica de um
estrangeiro. O assunto era sumamente grave, não só porque as moedas podiam
enganar muita gente, mas também porque a presença de estrangeiros na costa ao sul
do Rio de Janeiro começava a se intensificar, e a possível instalação de uma fundição
falsa seria um indesejável sinal de enraizamento desses forasteiros.

Mas a fábrica de moeda falsa de que realmente se tem notícia não foi obra de
um estrangeiro. Resultou da ação de um “bom português”, Inácio de Souza Ferreira,
e de uma grande rede de relações operando sob a proteção insuspeita do próprio
governador das Minas Gerais, D. Lourenço de Almeida (1721-1732), e configurando
uma “sociedade de contrabandistas” com conexões internacionais. D. Lourenço, a
propósito, retornou riquíssimo a Portugal, com bagagem reluzente, no fim do seu
governo. Estes sim, e não os escravos foram os grandes descaminhadores. Nesse caso,
a moeda era falsa, mas não era ruim. Ou melhor, só era falsa porque não havia sido
cunhada na fábrica oficial. Ao que tudo indica, a moeda da fábrica de Inácio era de
qualidade e, certamente, teve grande aceitação e circulação (saiba mais na página
34).

Ainda assim, a preocupação com os estrangeiros era pertinente. Afinal, a


intensa concorrência comercial entre os Estados europeus tornou-se particularmente
desafiadora para Portugal quando foram descobertos ouro e diamantes na sua
Colônia americana. Era para Minas que todos queriam ir. A falsificação de moedas
tinha o objetivo de retirar diretamente o ouro da Colônia, desviando-o do mundo
português. E essa prática não se destinava unicamente à América. Isso já havia
ocorrido na Costa da Mina, na África, no início do século XVIII. O problema é que
tanta gente estrangeira, de diferentes procedências (franceses, ingleses, espanhóis,

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holandeses, etc.), iam e vinham à costa da América, e eram tão vultosos os desvios
que se temia não só o descaminho, mas a perda do controle das próprias Minas para
uma associação entre colonos e estrangeiros, em particular os franceses. Esse é o
limite extremo do convívio entre ordem e desordem, entre comércio legal e
descaminhos: quando estes ameaçam o negócio português da colonização.

As ilegalidades seguiam uma lógica mercantil. O ouro ilícito imediatamente


entrava no circuito comercial geral. Por exemplo: o ouro saído dos ribeiros
desimpedia-se dos controles locais, vencia as serras da Mantiqueira e do Mar,
perpassava os registros nas passagens dos rios Paraibuna e Paraíba, entrava no Rio
de Janeiro, desvencilhava-se de novos controles, alcançava os negociantes
estrangeiros, desembaraçava-se da Alfândega, embarcava nos navios da frota,
aportava nas ilhas do Atlântico ou em Lisboa, desembaraçava-se novamente da
Alfândega, prosseguia para Londres ou Amsterdã, e de lá rumava nos navios anglo-
holandeses reunidos no chamado “comboio de Esmirna” (ou Izmir) em direção ao
Mediterrâneo, para o intercâmbio neste e em outros portos da península da Anatólia
(Turquia), aos quais chegavam as rotas comerciais terrestres do Levante com sedas
da Pérsia, entre outros artigos.

O maior benefício no ato de driblar a lei era evitar o pagamento do quinto – os


20% devidos ao rei –, cujo “recibo” era um cunho real, marcado na barra de ouro
oficialmente fundida. Por isso, um dos mais engenhosos e bem-sucedidos
descaminhos era falsificar o próprio cunho. A posse de um cunho falso garantia ao
seu dono o poder de legalizar toda e qualquer barra fundida sem que o Estado sequer
sentisse o cheiro da sua parte devida. Um dos casos mais interessantes de falsificação
aconteceu em São Paulo, em 1698. Os autores da fraude foram o vigário de Taubaté,
José Rodrigues Preto, um monge beneditino chamado Roberto e um certo Domingos
Dias de Torres. Nada surpreendente que homens de religião deixassem de lado suas
prioridades espirituais para golpes do gênero. A cobiça não discriminava condição
social ou credo. E eles ainda se beneficiavam de um privilégio legal: os religiosos não
podiam ser punidos pelo governador, pois estavam fora da sua jurisdição. Mas assim
como burlar a lei era prática disseminada, cumprir os ritos jurídicos também não era
tão obrigatório. Resultado: os envolvidos foram presos pelo governador Artur de Sá e
Meneses (1697-1702). Logo em seguida, fugiram. Mais tarde, o rei D. Pedro II, “o
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Pacífico”, resolveu perdoar a todos e deixar por isso mesmo: “Vos ordeno que toca ao
tempo passado se não fale mais neste delito”, escreve ao governador em 1700.

Tamanha misericórdia não foi caso isolado. Afinal, ignorar normas e decretos
era comportamento rotineiro até entre os agentes do Estado. Bom exemplo é a
própria criação das casas de fundição para arrecadar o quinto. Elas foram instituídas
em Minas por um bando publicado em Vila Rica no dia 18 de julho de 1719,
conforme a lei de 14 de fevereiro de 1719. Entretanto, só funcionaram de fato a partir
de 1º de fevereiro de 1725. Por quê? Por causa da resistência dos potentados locais.
Ninguém queria ver a sua parte do butim diminuída. Mas não houve jeito, e
juntamente com as fundições veio a ordem de proibir a circulação de ouro em pó (por
sua natureza, muito fácil de contrabandear). Nem por isso o ouro deixou de escorrer
por entre os dedos do Estado: seus guardas, nos registros, transportavam ilegalmente
aquela pulverizada riqueza (...) escondida dentro dos botões dos uniformes!

A ousadia dos descaminhos do ouro não conhecia limites. O lance mais


espetacular ocorreu na presença do próprio rei D. João V. A sua quinta parte
arrecadada dos mineradores de Cuiabá em 1727 havia sido acondicionada em quatro
cunhetes (caixotes de munição de guerra). Recheados de ouro, eles, obviamente,
estavam muito bem protegidos: guardados em cofres-fortes, sob a rígida vigilância de
muitos guardas, foram colocados com toda a cerimônia junto ao trono do rei, sob o
olhar cobiçoso do séquito de cortesãos e representantes estrangeiros. No momento em
que D. João ordenou a abertura dos cofres... surpresa geral: o ouro havia
desaparecido! Em seu lugar, diante de todos, revelou-se aos pés de Sua Majestade um
metal nada nobre – o chumbo. Dá para imaginar a cara rei...

Mas a melhor época para a prática corriqueira dos desvios era a das frotas.
Navios fundeados, alfândegas abarrotadas e mercadores por toda parte: no caudal
das gentes fluíam os negócios conforme acertos e desacertos. Tudo tão grave e
insólito que o governador do Rio de Janeiro, Luís Vahia Monteiro (1725-1732), um
dos maiores combatentes contra os descaminhos, sugeriu que se pusesse sob contrato
o serviço das “tomadias”, isto é, as operações de repressão dos descaminhos. Vahia
propôs ao rei que, tão logo a frota ancorasse e os navios estivessem protegidos pelos
guardas, ele deveria “mandar pôr Editais para arrendar as tomadias do ouro em pó

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porque estou certo que o contratador achará os meios para o descobrir, e sempre
faltam quando as administrações se fazem para Sua Majestade adonde todo mundo é
liberal em furtar, e muito mais em dissimular os furtos”. Na prática, isso significava,
em termos atuais, a privatização do poder coercitivo legitimamente exercido pelo
Estado. Uma total inversão.

Ao contrário de Vahia, quantos governadores não dividiram sua lealdade entre


o rei e seus próprios bolsos, ou melhor, as suas “casas”? A “casa” em questão
compunha-se não só da família, como a compreendemos hoje, mas de todas as demais
pessoas ligadas por laços de sangue e de afinidade que gravitavam em torno dela.
Pelo poder do ouro, as “casas” das autoridades cresciam e aumentavam seu prestígio
social. Tantos o faziam, e de modo tão explícito, que um dos mais destacados homens
do mundo português na época moderna, o padre Antônio Vieira (1608-1697),
dedicou-lhes uma parte do famoso “Sermão do Bom Ladrão” (veja no fim desta
matéria).

O que concluir disso tudo? O rei absolve os descaminhadores. Governadores e


oficiais furtam em todos os tempos e por todos os modos. Então, será que o
descaminho é mesmo uma aberração do processo? Ou uma característica inerente e
indispensável à própria colonização? Provavelmente, é a segunda hipótese. A
extração de ouro e diamantes apenas potencializou uma característica presente na
Colônia desde o início.

Não era coisa de negro nem coisa de pobre. Não era vício moral nem sinal de
cultura bastarda. Era prática branca, europeia, chegou à América com a expansão
comercial e com o processo de formação do capitalismo, e aqui contribuiu, desde o
primeiro momento, para a instituição da sociedade colonial. Por isso suas raízes são
tão profundas.

A prática do descaminho e o chamado exclusivo comercial (o tão conhecido


“pacto colonial”, segundo o qual as metrópoles reservavam para si próprias o
comércio ultramarino) são dois lados da mesma moeda. Uma moeda que, falsa ou
verdadeira, sempre levou consigo o ouro do maior quilate.

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A Independência da América Portuguesa: as
Conjurações
A independência brasileira está inserida em um processo mais amplo que
determinou a crise dos Impérios Coloniais, inclusive o português, e a
independência das Colônias americanas – a Revolução Atlântica. Além disso, vale
ressaltar que nossa emancipação tem que ser vista sob uma perspectiva processual.

O processo de Independência se desenvolveu em um contexto no qual a


sociedade do Antigo Regime via elementos básicos de sua constituição se
fragmentarem. Sob o ponto de vista cultural e ideológico algumas questões
colocavam em xeque esse modelo de sociedade, evidenciando o seu anacronismo.
Dentre eles podemos destacar o desenvolvimento do individualismo, a
secularização da vida social, o racionalismo, a elevação dos padrões de instrução e
alfabetização e o desenvolvimento do conceito de opinião pública.

As origens desse processo podem ser relacionadas a alguns fatores. No


plano estrutural destaca-se a passagem do capital comercial para o capital
industrial ou liberal. Isso fez com que, ao nível macroeconômico, a situação
colonial se tornasse um entrave ao desenvolvimento do Sistema Capitalista.

Ao nível conjuntural as origens de nossa independência foram


determinadas por dinâmicas internas da Colônia. Estão relacionadas à quebra dos
laços que uniam a classe dominante colonial aos agentes da dominação
metropolitana. Essa ruptura pode ser encontrada nos momentos de crise, onde os
mecanismos de dominação da Metrópole mostraram-se insuficientes para garantir
a lucratividade das classes produtoras brasileiras.

Também está ligada à pressão fiscal e tributária de Portugal, que entrou em


choque com os interesses internos da Colônia. Como fatores que contribuíram
para a ruptura desses laços, podemos citar:

• O aumento da presença britânica no Brasil, o que se tornou mais evidente a


partir da assinatura do Tratado de Methuen (1703) e a consequente

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ampliação das concessões para comerciantes ingleses atuarem em diversas
praças brasileiras.
• O incremento do contrabando do ouro e do açúcar.
• A ampliação de setores dentro da Colônia que não estavam ligados aos
centros de interesses da Metrópole. Ex: Comerciantes de Grosso Trato do
Rio de Janeiro.
• A entrada de idéias libertárias no Brasil provenientes da Europa. Um dos
principais meios pelos quais essas idéias aqui chegavam, eram os
representantes da elite colonial que iam fazer seus estudos nas
universidades européias (como Montpellier e Coimbra). Dentre essas idéias
podemos destacar: o Iluminismo, os ideais republicanos da independência
dos Estados Unidos, o Jacobinismo Panfletário e o Haitianismo. O texto a
seguir evidencia essas influências na realidade da América Portuguesa:

As ideias e acontecimentos que abalavam assim a ordem política e


social do Ocidente não podiam deixar de repercutir nas colônias
portuguesas da América. Os motivos de descontentamento aqui não
faltavam e eram cada vez mais numerosos os brasileiros que
frequentavam as universidades européias onde se expunham,
naturalmente, à influência das tendências renovadoras. Um desses
estudantes, José Joaquim da Maia, natural do Rio de Janeiro e que
cursava a Universidade de Montpellier, ousara mesmo dirigir-se a
Thomas Jefferson, então ministro dos Estados Unidos junto ao
governo francês, e obteve dele uma entrevista que se realizou em
Nimes. Nesses contatos com o ministro americano, Maia tentou
conseguir, sem êxito porém, o apoio dos Estados Unidos para a
independência do Brasil.

O processo de independência do Brasil pode ser dividido em duas fases. A


primeira Fase se estendeu do final do século XVIII a 1808. Caracterizou-se pela
eclosão dos Movimentos Separatistas ou das Conjurações. Estas se manifestaram
em todo o Império Português. Como exemplo podemos citar a “Conjuração dos
Pintos” de 1787, liderado pela família Pinto, de Cadolim na Índia. Essa conjuração

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foi contida pela Coroa com a execução na forca dos 15 indiciados no movimento
(13/12/1788).

A segunda Fase está compreendida entre 1808 e 1822. Correspondeu ao


período da permanência da Corte Portuguesa no Brasil, englobando o Período
Joanino (1808 / 1821) e a Regência de D. Pedro (1821 / 1822).

A historiografia tradicional convencionou estabelecer como antecedentes da


independência brasileira os chamados “Movimentos Nativistas”. Essa prática
estava ligada aos esforços dos historiadores em construir um projeto de nação no
qual a História seria parte importante. A partir daí, desenvolveram a ideia do
nativismo como o embrião de um sentido de nacionalidade que já se manifestaria
no Período Colonial. Atualmente não se aceita mais o caráter nativista desses
movimentos, bem como sua inserção no contexto da independência. Hoje são vistos
como expressões da insatisfação de setores da elite colonial com partes dos
mecanismos de dominação implementados pela Metrópole. Como principais
características dos mesmos podemos apontar:

• Não defendiam o ideal de independência.


• Propunham reformas setoriais no modelo de dominação imposto por
Portugal.
• Tinham um caráter regional.
• Não possuíam orientação ideológica.
• Opunham, normalmente, colonos (produtores) a comerciantes (agentes do
Monopólio Comercial).

A Revolta de Beckman correspondeu a um primeiro exemplo dos chamados


Movimentos Nativistas. Ocorreu entre 1684 e 1685 no Maranhão. O movimento se
delineou em um contexto de crise na região devido à baixa lucratividade das
Drogas do Sertão e ao declínio da produção de açúcar, em função da concorrência
dos produtores das Antilhas e do Suriname.

Outro fator que também contribuiu para o início desse movimento foi a
questão da escravização do indígena, intensa nessa região. Devido à forte presença
missionária no Maranhão (Franciscanos, Carmelitas, Mercedários e Jesuítas) a
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oposição da Igreja a essa prática era grande. Tal contexto desencadeou intensos
atritos entre os colonos e os missionários, em especial os Jesuítas.

O início da revolta está ligado à “Criação da Companhia Geral de


Comércio do Estado do Maranhão” em 1682. Essa Companhia recebeu o
monopólio sobre a compra da produção de drogas do sertão na região, bem como
sobre a venda de escravos africanos. Ao mesmo tempo, cedendo às pressões da
Igreja, a Coroa proibiu a escravidão indígena. Em 1684, sob a liderança de
Manuel Beckman, os colonos se rebelaram. Exigiam a extinção do monopólio da
Companhia, a expulsão dos Jesuítas e a liberação da escravidão indígena. Tomás
Beckman foi enviado a Lisboa a fim de obter a sanção real a essas propostas.

A repressão do movimento coube ao novo governador do Maranhão, Gomes


Freire de Andrade. A revolta foi debelada, os líderes presos e enforcados e as
propostas parcialmente atendidas.

Outro exemplo desses movimentos foi a “Guerra dos Mascates”. Ocorreu


entre 1709 e 1711 em Pernambuco. Refletiu a ascensão política e social dos
comerciantes, o que vinha ocorrendo na região desde o período da dominação
holandesa, e seus consequentes choques com os Senhores de Engenho. Tais tensões
emergiram no século XVIII a partir da autorização para os comerciantes
participarem das Câmaras Municipais e da elevação da cidade do Recife à
categoria de vila, em 1709.

Em 1710 observamos o início dos choques, a partir das disputas pela


demarcação das jurisdições das Câmaras de Olinda e Recife. Por trás dessas
disputas estava o equilíbrio do poder em Pernambuco. De um lado pesava a
liderança política dos Senhores de Engenho e, de outro, os comerciantes em
ascensão. A Coroa reprimiu ao movimento promovendo a garantia dos direitos dos
comerciantes sem, no entanto, romper a hegemonia dos Senhores de Engenho.

Na região mineradora da Colônia ainda poderíamos citar como exemplos de


Movimentos Nativistas a “Guerra dos Emboabas” (1707-1709) e a “Revolta de Vila
Rica” ou de Felipe dos Santos (1720).

15
1) A Primeira Fase do Movimento de Independência

A principal característica dessa fase correspondeu às Conjurações ou


Movimentos Separatistas. Refletiam a crise do Império Colonial Português e o
consequente movimento de emancipação da América Portuguesa.

As conjurações eclodiram em todo o Império Português e corresponderam a


movimentos de oposição e crítica ao exercício do poder real e aos próprios
mecanismos de dominação dele decorrentes. No Brasil a segunda metade do século
XVIII foi marcada por uma série de movimentos que se desenvolveram em torno
de questões como tributação, abastecimento de alimentos e ações das autoridades.
Durante o reinado de D. José I (1750–1777), ocorreram várias conjurações em
Minas: Curvelo (1760-1763), Mariana (1769), Sabará (1775) e de novo Curvelo
(1776). Esses movimentos implicaram em manifestações e atos de violência, com a
população nas ruas promovendo distúrbios e dando vivas à liberdade.

Nessas Conjurações a questão central residia no crime de “lesa majestade”.


Essa mesma acusação já havia sido formulada em 1759, sob o reinado de José I de
Portugal, contra a família Távora. Considerada uma das famílias mais
prestigiadas da nobreza do Reino, os Távora foram considerados culpados e
condenados à morte cruel: tiveram os membros quebrados e foram queimados
vivos, em cerimônia pública em Lisboa. Os participantes da Conjuração de
Goa sofreram a mesma acusação e foram alvo de processo bastante semelhante.

Os Movimentos Separatistas que emergiram das Conjurações


apresentavam, no caso do Brasil, algumas características principais:

• Defendiam o ideal de emancipação.


• Suas idéias se estenderam a toda a Colônia.
• Possuíam orientação ideológica.
• Esboçavam um projeto de Estado.

Destacamos a seguir os principais Movimentos Separatistas que


caracterizaram a primeira fase de nossa Independência e suas principais
características.

16
a) Conjuração Mineira (1789)

• Movimento elitista, influenciado pelas ideias federalistas da independência


dos Estados Unidos e pelo Iluminismo dos grandes filósofos.
• Defendia a emancipação de Minas Gerais (possibilidade de ampliar essa
emancipação ao Rio de Janeiro), a manutenção da escravidão e da
estrutura fundiária baseada na concentração da propriedade da terra e o
livre comércio e livre produção.
• Notamos a ausência de uma postura única em relação ao modelo político:
República Federativa (Álvares Maciel) – correspondia a posição da
maioria, Monarquia (cônego Luis Vieira da Silva).
• Tiradentes / Joaquim José da Silva Xavier
• A delação do movimento coube a Joaquim Silvério dos Reis, Basílio de Brito
Malheiro do Lago e Inácio Correia Pamplona.
• A repressão da Coroa deu origem a um processo a fim de apurar as culpas
dos denunciados: a Devassa.

b) Conspiração do Rio de Janeiro (1794)

• Teve como base a Sociedade Literária (1785) cujo propósito era “Discutir a
filosofia em todos os seus aspectos”. Os membros dessa sociedade
começaram a formular projetos emancipacionistas e conspiratórios.
• Os denunciados foram presos, porém como nada contra eles ficou provado,
foram libertados pouco tempo depois.

c) Conjuração Baiana ou Guerra dos Alfaiates (1798)

• Movimento popular, influenciado pelo Jacobinismo Panfletário da


Revolução Francesa de 1789 (Loja Maçônica Cavaleiros da Luz) e pelo
Haitianismo.
• Propunha a construção de uma República Democrática onde à abolição da
escravidão, o fim do preconceito racial e o acesso aos empregos seriam
garantidos.

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• Sofreu violenta repressão por parte da Metrópole. Em 07 de novembro de
1799 foi proferida a sentença do Tribunal da Relação da Bahia:
enforcamento e esquartejamento dos soldados Luis Gonzaga das Virgens e
Lucas Dantas e dos alfaiates João de Deus e Manuel Faustino.

A Segunda Fase do Movimento de Independência: o


Período Joanino (1808-1821)
1 – A Transferência da Corte.

A transferência da Corte Portuguesa e da Família Real de Lisboa para o Rio


de Janeiro, correspondeu ao momento em que, pela primeira vez, soberanos
europeus pisaram na América. Esse movimento foi um reflexo da conjuntura
política da Europa bem como de fatores já existentes na realidade de Portugal do
final do século XVIII e início do XIX.

No que diz respeito ao cenário europeu, a transferência da Corte Portuguesa


decorreu das Guerras Napoleônicas, em especial do “Bloqueio Continental” e das
chamadas Guerras Peninsulares. A política na Península Ibérica no século XIX,
desde o início dessa centúria, colocou portugueses e espanhóis em lados opostos,
empurrando a Espanha para o lado francês, enquanto seus vizinhos pendiam para
a Inglaterra.

Em 1800 se estabeleceu uma primeira aliança entre a Espanha e a França


através do III Tratado de Santo Idelfonso. No ano seguinte irrompeu a “Guerra
das Laranjas” entre o reino de Portugal e os espanhóis. O motivo dessa guerra foi
o apoio lusitano na destruição da armada espanhola no cabo de Santo Agostinho,
um ano antes, pelos ingleses. Em dezembro de 1804 constitui-se uma aliança
formal entre a Espanha e a França, levando a uma declaração de guerra dos
espanhóis à Inglaterra.

No ano de 1805 surgiram as primeiras hipóteses relativas à possibilidade de


uma invasão franco-espanhola a Portugal. Com base nesses rumores em 1806 a

18
“Missão Rosslyn” foi enviada pela Inglaterra a Portugal, com o propósito de
negociar as bases de uma cooperação luso-britânica no caso de um ataque francês.
Estava assim constituído o cenário em que ocorreria a transferência da Corte de
Portugal para o Brasil.

Os eventos que, de forma imediata, desencadearam esse episódio tiveram


início com o decreto do Bloqueio Continental (Berlim [1806] e Milão [1807]), em
uma tentativa francesa de isolar economicamente a Inglaterra. Nesse contexto o
Príncipe Regente D. João manteve Portugal em uma posição de neutralidade, o
que diante da conjuntura européia correspondia a um grande esforço político.
Principalmente pelo fato de que essa decisão fez com os portos lusitanos fossem a
porta de entrada para o comércio inglês na Europa.

Essa posição gerou grandes pressões sobre o Regente e a Corte, provenientes


tanto do plano externo (França e Inglaterra) quanto do plano interno, uma vez que
a própria sociedade portuguesa se posicionava de forma diferente em relação às
questões políticas de então.

Internamente a sociedade portuguesa se dividiu em dois setores. O primeiro


deles correspondeu ao “Setor Anglófilo” ou “Partido Inglês”. Apoiava a aliança
entre Inglaterra e Portugal e a não adesão Bloqueio Continental. Era formado por
elementos que, mesmo adotando uma postura liberal, nutriam verdadeiro pavor
pelos ideais da Revolução de 1789. Foi liderado por D. Rodrigo de Souza Coutinho,
Secretário de Estado da Marinha e do Ultramar e Conde de Linhares.

O segundo grupo correspondeu ao “Setor Francófilo” ou “Partido Francês”.


Defendia a aliança entre portugueses e franceses como uma forma de romper com
a dependência econômica em relação à Inglaterra. Tinha como principal liderança
D. Antonio de Araújo de Azevedo, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Conde da
Barca.

A transferência começou a se tornar mais concreta a partir de 27 de outubro


de 1807 com a assinatura do “Tratado de Fontainebleau” entre a França e a
Espanha. Firmado pelo representante espanhol, Manuel Godoy, e as autoridades
francesas, autorizava que as tropas de Napoleão passassem pelo território espanhol
a fim de invadir Portugal. Acordava a divisão do território português em três
19
porções: a Lusitânia (norte) que seria entregue à regente da Etrúria; o Reino do
Algarves (sul) que ficaria sob o governo de Manuel de Godoy; a Região Central
que ficaria sob a jurisdição francesa.

A assinatura desse tratado originou a Convenção Secreta de Londres de 1807.


Nela ocorreram fortes pressões inglesas, principalmente de Lord Stangford,
visando à transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro. Diante da
possibilidade concreta de uma invasão a Portugal, em decorrência do tratado, a
Inglaterra buscava formas de compensação para a iminente possibilidade de
suspensão de seu comércio com o continente. Nesse sentido o Brasil e, por extensão
a América, teriam um papel fundamental, o que justificava seu interesse na
transferência. Com a invasão franco-espanhola ao território do Reino, a Corte no
Rio de Janeiro significava a manutenção do controle de Portugal sobre suas
possessões coloniais.

Em 26 de novembro de 1807 consumou-se a assinatura do decreto que definia


a transferência da Corte. O governo do reino foi entregue a um Conselho de
Regência e, no dia seguinte, a frota que levava a Família Real Portuguesa deixou
Lisboa sob escolta inglesa. Essa “fuga” foi acompanhada pelos membros do
Partido Inglês. Em 30 de novembro as tropas do marechal francês Junot entravam
em Lisboa.

A situação interna de Portugal, entre o final do século XVIII e o início do


século XIX, também impulsionou o projeto da transferência. Nesse período
notamos uma considerável influência iluminista que determinava a promoção de
práticas reformistas por parte das elites. Seu principal representante era D.
Rodrigo de Souza Coutinho (1755/1812). Propunha a redução dos impostos diante
das conturbações revolucionárias da Independência dos Estados Unidos e da
Revolução Francesa de 1789. Além disso, defendia a construção de um poderoso
“Império Atlântico” com bases em Portugal e no Brasil.

A transferência do Corte Portuguesa também era vista como uma forma de


preservação do Império português. Essa visão, que era advogada em especial pelo
Conde de Egas, fundamentava-se em duas questões principais: em primeiro lugar
a transferência impediria a perda de áreas coloniais para a Inglaterra; além disso,
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o deslocamento da Corte para o Brasil evitaria retaliações territoriais por parte
dos adversários de Portugal.

Vale ainda ressaltar que a transferência da Corte não surgia como algo
totalmente inusitado no século XIX. Em momentos anteriores já havia sido
cogitada pelo Padre Antonio Vieira, no século XVII, e por ocasião do grande
terremoto que em 1755 destruiu Lisboa.

2 – O Período Joanino

Correspondeu ao período de permanência da família real e da Corte


Portuguesa no Brasil. De Colônia o Brasil passou à condição de sede do Reino de
Portugal. Esse período foi marcado por profundas mudanças e melhorias na
estrutura brasileira, cujo objetivo era criar as bases materiais e políticas para que
o Brasil pudesse funcionar como sede do Reino. Ao mesmo tempo, essas reformas
acabaram por revelar o interesse da Corte e de D. João em levar adiante o projeto
do “Império Atlântico”.

No tocante à política desenvolvida por D. João, durante sua permanência no


Brasil, podemos destacar uma série de medidas que alteraram significativamente a
nossa realidade. Dentre elas as mais importantes foram:

• A “Abertura dos Portos às Nações Amigas” em 1808. Na prática essa


medida correspondeu ao fim do monopólio comercial português. Para o
historiador Caio Prado Junior esse evento marcou a independência
brasileira no plano econômico, uma vez que, a partir daí, o Brasil poderia
comercializar livremente com a maior parte dos outros países do mundo.
• Assinatura dos Tratados de 1810 entre Portugal e a Inglaterra. Garantiram
uma série de vantagens aos ingleses, em especial a determinação do
“princípio da extraterritorialidade” e as Tarifas Ad Valorem. As últimas
foram extremamente compensadoras para a Inglaterra, uma vez que
estabeleciam impostos alfandegários baseados em três alíquotas: 15% para
os produtos ingleses; 16% para os que viessem de Portugal e 24% para as
demais nações. Tais medidas asseguraram o controle britânico sobre o
21
mercado brasileiro, fazendo com que o mesmo fosse invadido por uma
infinidade de produtos provenientes da Inglaterra.
• Revogação do Alvará de 1785 de Dna. Maria I. A partir daí foi tornou-se
novamente possível instalação de manufaturas no Brasil. Essa medida,
entretanto, se mostrou inócua diante da forte concorrência britânica.
• Criação do Erário Régio, da Imprensa e do Banco do Brasil.
• Promoção de uma série de melhorias e avanços culturais: instituição do
Ensino Superior (Direito e Medicina), Missão Artística Francesa (1816),
Academia Real de Belas Artes, Biblioteca Real, Jardim Botânico.
• Criação de uma estrutura administrativa que habilitava o Brasil a
funcionar como sede da monarquia portuguesa.
• Elevação do Brasil à condição de Reino Unido de Portugal e Algarves
(1815). Tal medida garantia a participação de Portugal no Congresso de
Viena bem como consolidava as alianças de D. João com as elites
brasileiras.

No plano externo a política joanina se voltou contra os adversários de


Portugal. Além disso, evidenciou a preocupação do Regente em se antecipar à
Inglaterra no tocante ao controle de algumas posições na América do Sul. Nesse
sentido D. João ordenou a invasão da antiga Colônia do Sacramento,
incorporando-a ao território brasileiro com o nome de Província da Cisplatina, e a
ocupação da Guiana Francesa. Agindo assim ele estaria respondendo às agressões
sofridas por Portugal pela Espanha e pela França, como também assegurando o
seu controle sobre duas regiões de grande importância geopolítica: a foz dos rios
da Prata e Amazonas.

As reformas ocorridas durante o Período Joanino desencadearam a chamada


“Inversão Brasileira”. Essa correspondeu à mudança da posição de partes das
elites do Brasil em relação à dominação portuguesa. Tais elites teriam deixado de
lado o ideal separatista e passado a apoiar a manutenção dos laços com Portugal.

Para a historiadora Kirsten Schultz, entretanto, essa Inversão foi limitada,


uma vez que os ideais separatistas nunca teriam desaparecido do Brasil. Alguns
fatores inerentes à nossa realidade confirmariam sua tese. Em primeiro lugar, a

22
criação da “Intendência Geral da Polícia” em 1808 que ficou a cargo de Paulo
Fernandes Viana, figura diretamente vinculada ao Regente. Sua função era, além
de garantir a segurança da Corte, promover o que então se chamava de “alta
polícia”. Essa prática correspondia à fiscalização relativa à circulação das “ideias
francesas” e à contraespionagem. Tal fato evidenciava que os projetos separatistas
ainda estavam vivos no Brasil.

Notamos ainda diversas críticas da imprensa e da opinião pública à Corte,


muitas delas formuladas na França e na Inglaterra. Dentre elas podemos citar
algumas que tiveram maior repercussão: a transferência foi um ato de covardia;
ao se transferir o Príncipe Regente havia renunciado aos seus direitos ao trono; a
mudança para o Brasil foi fruto das articulações de Napoleão.

No plano político podemos dizer que o Período Joanino promoveu a


construção de um modelo de administração que favorecia as elites e a região
Centro-Sul do Brasil em detrimento das demais províncias. As últimas, além de
não se beneficiarem de forma direta das melhorias promovidas por D. João VI,
ainda tiveram de arcar com a maior parte do peso da carga tributária.

Essa prática promoveu o fortalecimento dos setores que cercavam o soberano


e a Corte. Formou-se, assim, uma nobreza brasileira ligada à propriedade da terra
e às atividades que supriam o Rio de Janeiro, então em franco processo de
crescimento.

Combinados esses fatores originaram uma forte oposição nas províncias ao


modelo de administração implantado e à centralização do poder no Centro-Sul.
Essa oposição estará na origem de diversos movimentos de revolta ocorridos no
Brasil ao longo do século XIX, dentre eles a Revolução Pernambucana de 1817.

3 – A Revolução do Porto de 1820.

Movimento que está inserido no ciclo de Revoluções Burguesas do século XIX.


Correspondeu à reação da burguesia contra a presença dos ingleses no governo de
Portugal, que desde a expulsão dos franceses era controlado quase que unicamente
pelo representante da Inglaterra. Expressou também a oposição dessa classe ao
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Absolutismo Monárquico então vigente no país. Possuiu um caráter contraditório,
o que se evidencia em suas propostas:

• Exigia o retorno de D. João VI a Portugal.


• Defendia o fim do Absolutismo e a convocação de uma Assembléia
Constituinte, que correspondeu às Cortes Gerais reunidas em Lisboa.
• Apoiava medidas econômicas conservadoras que anulavam as vantagens e
liberdades conquistadas pelo Brasil durante o Período Joanino.
• Pretendia anular a importância política do Brasil, trazendo o centro de
decisões da Monarquia Portuguesa de volta para a Europa.

As notícias relativas à Revolução foram recebidas com júbilo no Brasil.


Deputados brasileiros foram enviados às Cortes Gerais. Defendiam o projeto da
Monarquia Dual, reflexo da manutenção do projeto de um “Poderoso Império
Atlântico”. Esse projeto previa a existência de dois Executivos; um no Brasil a
cargo do príncipe D. Pedro; outro em Portugal nas mãos de D. João VI. Haveria
também dois Legislativos, um com competência sobre o Brasil e outro sobre
Portugal. A existência de uma mesma Constituição uniria as duas partes do Reino.

Durante os trabalhos constituintes predominou a postura defendida pelos


representantes portugueses, o que determinou a saída dos deputados brasileiros
das Cortes Gerais e a sua volta para o Brasil. Esse fato, associado aos impactos das
notícias relativas aos projetos das Cortes em relação à porção americana do Reino,
desencadeou os eventos que culminaram na independência.

4 – A regência de D. Pedro e a Emancipação (1821-1822).

A Regência correspondeu ao período compreendido entre o retorno de D. João


VI a Portugal e a proclamação da Independência. Nele o Brasil foi governado pelo
príncipe D. Pedro. Foi marcado por grandes pressões sobre o Regente quanto aos
destinos do Reino Unido. Tais pressões provinham das Cortes, em Portugal, e das
elites brasileiras. Estas últimas estavam organizadas em facções políticas e

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utilizavam espaços de sociabilidade, como a Maçonaria, para articular seus
projetos.

Nesse momento observamos a divisão do cenário político em três facções:

• Partido Português: formado por comerciantes e militares portugueses


residentes no Brasil, defendia a implementação das medidas determinadas
pelas Cortes em relação ao Brasil.
• Liberais Moderados: composto pelas elites territoriais, principalmente da
região Centro-Sul, optavam por uma emancipação sem a promoção de
transformações sociais profundas. Tinha em José Bonifácio de Andrada e
Silva sua principal liderança.
• Liberais Exaltados: formado por elementos das camadas médias e alguns
setores das elites provinciais, defendiam a ruptura do modelo
administrativo até então adotado e a emancipação com espaço para
transformações sociais. Um de seus principais líderes foi Gonçalves Ledo.

A ruptura com Portugal foi marcada por diversos acontecimentos que


evidenciavam as pressões dos setores engajados no movimento emancipacionista
sobre o Príncipe Regente. Além disso, o desencadear dos mesmos revela a
gradativa adesão de D. Pedro a esse projeto. Dentre esses episódios destacamos:

• Dia do Fico (09/01/1822).


• Formação do Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil
(16/02/1822).
• Cumpra-se (05/1822).
• Proclamação do príncipe regente como “Defensor Perpétuo do Brasil”
(13/05/1822).
• Convocação da Assembléia Brasílica (06/1822).
• Proclamação da Independência (07/09/1822).

Esse último evento foi resultado direto da aliança entre membros do Partido
Português e dos Liberais Moderados. Isso se explica pelo crescimento dos
movimentos promovidos pelos Exaltados, que contavam com crescente adesão de

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setores do Exército português baseado no Brasil. Tal aliança corresponderia à
garantia de uma ruptura sem mudanças no plano estrutural.

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