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HISTÓRIA I 9

Módulo 16 1ª Série

Brasil Colônia: a economia mineradora

Em época de crise econômica, vale a pena


investir em ouro?
Por ser tão raro, o ouro apresenta um alto valor comercial, o
qual está em constante mudança, já que, assim como as moedas
estrangeiras, possui preço cotado diariamente. O ouro costuma
atrair mais investidores em momentos de crise e pressão inflacio-

©zentilia /iStock
nária. Por funcionar como uma reserva de valor, é considerado por
muitos como um porto seguro nessas situações.
Impossível negar que o ouro tem sido, há milhares de anos, uma
fonte de valor incalculável. Sua busca foi responsável em grande
parte pela exploração do Novo Mundo. Os corsários e piratas arris-
caram a vida em busca de baús de ouro perdidos no fundo do mar.
Expectativas de aprendizagem:
O fato é que esse metal exerce grande fascínio na nossa sociedade.
– Identificar as transformações geradas na sociedade colonial pela
No Brasil, desde que os bandeirantes paulistas cortaram a Serra descoberta do ouro em Minas Gerais;
do Mar no final do século XVII e se embrenharam pelo Centro- C3 – examinar as formas de tributação que a Coroa utilizou para
controlar a região das Minas;
-Sul, imensas jazidas foram descobertas. Esse fato transformou a
– saber interpretar que a sociedade formada em torno da atividade
Colônia em um verdadeiro Eldorado, atraindo a cobiça de milhares mineradora é bastante plural, e que seu povoamento rápido
de pessoas, como veremos neste módulo. influenciou esse fato.

1. Antecedentes
No final do século XVII, os bandeirantes descobriram veios Por causa da mineração, o interior do continente recebeu
de ouro no sertão, ou seja, juntamente com outros colonos, encon- núcleos populacionais estáveis. Por outro lado, o ouro estimulou
traram pequenas amostras de ouro de aluvião – ouro que brota a decadente economia luso-brasileira, permitindo que o reino
na superfície. A nova descoberta revelava aos colonizadores uma resgatasse suas dívidas com a Inglaterra, principal aliada e parceira
riqueza jamais vista no território colonial: o ouro de Minas Gerais econômica de Portugal na Europa.
trouxe muitas mudanças para a Colônia.

2. As primeiras minas e a corrida do ouro


As veias douradas do Brasil
Inicialmente, vale ressaltar que a mineração é o conjunto de atividades
econômicas e sociais que foram desencadeadas a partir da descoberta e da
exploração das minas de ouro e diamantes no Centro-Sul do Brasil, no fim
do século XVII e no século XVIII, e não exatamente o extrativismo em si. Belém
O Brasil sofreu uma drástica mudança na ocupação do espaço colonial, nas São Luís
relações sociais internas e até mesmo nas relações com a Metrópole. Recife
A informação sobre a descoberta de ouro espalhou-se rapidamente pela Jacobina
Colônia. E, sem demora, os grupos sociais vindos de todos os pontos da Vila Bela
Cavalcante Salvador
Colônia atravessaram o sertão do Rio São Francisco para fazer companhia
aos paulistas. Eram tantos que o governador-geral foi obrigado a enviar uma Cuiabá Diamantina Minas Novas
carta ao rei, pedindo providências para evitar o total despovoamento de outras Caeté Sabará
áreas. A notícia não surpreendeu o rei: também no reino muitos largavam seu Congonhas Mariana
São João del Rei Vila Rica
cotidiano para buscar fortunas que prometiam ser enormes.
São Paulo Rio de
De todo lado, homens ávidos atiravam-se a uma região despreparada para Janeiro
recebê-los. Como disse Antonil: “A sede insaciável do ouro estimulou tantos a
deixarem suas terras por caminhos tão ásperos como são os das minas, que difi-
áreas de mineração
cultosamente se poderá dar conta do número de pessoas que atualmente lá estão”. no século XVII
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3. O sistema tributário das minas Inglaterra era imensamente maior que a produção vinícola portu-
guesa, o que acarretou uma balança comercial desfavorável, a qual
Com algum sacrifício por parte do Estado português e muita Portugal supria com o ouro brasileiro.
resistência dos mineradores, foi colocada ordem na região das A criação das casas de fundição marcou também uma grande
minas. As novas jazidas eram repartidas, cabendo a primeira ao crise nas relações entre o Estado metropolitano e a Colônia, expressa
descobridor e a segunda, à Coroa, que a vendia em leilões. As demais no movimento conhecido como Revolta de Vila Rica ou de Filipe
eram sorteadas entre os preten­dentes, de acordo com a quantidade dos Santos.
de escravos que cada um possuía.
Mesmo com as casas de fundição, a Coroa ainda não havia
Sobre todo o ouro extraído, a Coroa ficava com 20%, ou seja, “saciado sua sede pelo ouro”, por isso, achando insuficiente a
1/5, sendo que essa lei vinha desde o início da colonização, tendo quantidade de metal arrecadada e sabendo que a atividade mine-
sido mantida pelo Estado metropolitano, muito embora sofresse radora era temporária, aumentou novamente a tributação com a
alterações no transcurso da mineração. Em 1702 foi criada a implementação da capitação, imposto pago sobre a quantidade de
Intendência das Minas, cujo papel era controlar e fiscalizar a distri- escravos que cada minerador possuía. Esse imposto, no entanto, foi
buição e a produção das jazidas, além, é claro, de cobrar o quinto. suspenso quando o governo percebeu que diminuía sensivelmente
Entretanto, nem sempre o quinto chegava ao seu destino, que era o número de escravos, o que comprometia a extração aurífera.
a Coroa portuguesa, seja por causa da corrupção dos funcionários
Outro tributo cobrado pelo Estado era o de direito de entrada,
reais, seja pelo violento contrabando existente.
pelo qual todos os produtos que entrassem em Minas Gerais seriam
Tais razões levaram o Estado a criar, em 1720, as casas de taxados, sofrendo, pois, um aumento de preços que tornava a vida
fundição, além de proibir a circulação do ouro em pó. A partir na região extremamente cara.
desse momento, o ouro era transformado em barras, que recebiam
Finalmente, em 1750, ocorreu o “tiro de misericórdia” da
o selo real, e quem fosse pego com ouro em pó seria condenado
Metrópole sobre a região mineira. Com a aprovação da Câmara
à degredação por dez anos. Essa atitude do Estado metropolitano
do Dízimo, uma cota anual de 100 arrobas, o equivalente a uma
se justifica porque o governo português vivia endividado e com
tonelada e meia de ouro, deveria ser entregue ao Estado.
sua balança comercial deficitária, como resultado do Tratado de
Methuen, assinado em 1703 com o Reino inglês. Por esse tratado, Conforme visto, a mineração foi uma atividade extrativa e,
Portugal se comprometia a comprar todo o excedente de tecidos portanto, temporária. Na segunda metade do século XVIII, iniciou-
britânicos em troca de a Inglaterra adquirir toda a produção de -se o seu processo de decadência. Tornara-se muito difícil a arre-
vinhos e azeite português. Se aparentemente esse acordo era bom cadação do tributo, o que levou Portugal a estabelecer a derrama,
para ambas as partes, porque eliminaria o excedente de produção, cobrança dos impostos atrasados. Esta, executada por milícias e
o que poderia significar um aumento dos preços desses produtos no confiscando bens e propriedades indiscrimina­damente, acarretou
mercado internacional, na prática o tratado mostrou-se amplamente um movimento de rebelião contra a opressão da Metrópole,
desfavorável ao Reino lusitano, uma vez que a produção têxtil da conhecido como Conju­ração Mineira.

A Inconfidência Mineira
Como costumava acontecer Domínio Público/Wikimedia

A Inconfidência Mineira ocorreu em 1789 e tinha como com os movimentos contrários


principal motivação a grande opressão fiscal imposta pela aos interesses de Portugal, a
Metrópole, acusada pelos colonos da região. Porém, esse Inconfidência Mineira teve
movimento, composto e dirigido pelas camadas sociais mais como desfecho punições exem-
confortáveis de Minas, não tinha uma diretriz de transformação plares. Por ser um movimento
social clara que visasse atender a população mais pobre. conduzido pela elite e com a
Os ideais liberais que circulavam na Europa no século XVIII participação de grupos sociais
influenciaram decisivamente a elite de Minas, alimentando ideo- variados, houve espaço para
logicamente os focos de insatisfação com o abuso fiscal praticado que as punições não fossem
pela Coroa portuguesa. Dessa forma, entre os objetivos dos homogêneas. Um exemplo
inconfidentes, estava a implantação do modelo republicano, além atroz de punição ocorreu com
da adoção de uma política que prezasse pelo desenvolvimento de Joaquim José da Silva Xavier, o
manufaturas e da vida urbana, para que o país promovesse um Tiradentes, que foi esquartejado e teve seus membros espalhados
projeto econômico autônomo. pelas províncias para atemorizar possíveis futuros rebeldes.
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4. O povoamento das minas


A mineração e a extração de diamantes, centralizadas no As três capitais
interior da Colônia, provocaram um êxodo em sua direção que Ao longo de sua história, o Brasil já teve três diferentes
alterou profundamente a distribuição demográfica colonial. capitais: Salvador, Rio de Janeiro e Brasília.
Embora as cifras a respeito da imigração para o Brasil, no período

©Ziviani /iStock
da mineração, sejam controversas, pode-se concluir que o deslo-
camento populacional atingiu proporções consideráveis. Sabe-se
também, que a importação de escravos no Brasil aumentou durante
o período minerador, proporcionalmente ao seu preço, devido à
necessidade de mão de obra. Para os homens livres, a mineração
representava uma possibilidade de enriquecimento e, naturalmente,
de elevação social. Não se tratava de uma atividade econômica que
envolvesse grandes propriedades, nem grandes instalações, e que
requeresse grande quantidade de escravos ou de capitais.
Após a repressão, para melhor controle da região aurífera, foi
criada a Capitania de São Paulo e de Minas do Ouro, cujo território
foi destacado da Capitania do Rio de Janeiro. A área geográfica Largo do Pelourinho em Salvador, primeira capital do Brasil
ocupada pela mineração correspondia globalmente aos atuais

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estados de Minas Gerais, Goiás e parte de Mato Grosso. Coube
ao primeiro o maior destaque e, ali, surgiram os centros mais
importantes da mineração: Sabará, São João Del Rei, Mariana,
Tiradentes, Ouro Preto e outros.
Acervo César Menezes

Rio de Janeiro foi o foco das decisões políticas do Brasil até 1960

Casario de Ouro Preto, antiga Vila Rica, uma das mais importantes cidades de Minas Gerais ©markvanovermeire /iStock

O surgimento dos núcleos urbanos caracterizou-se na fase


inicial por grandes dificuldades para os seus habitantes. A dedicação
quase exclusiva à mineração e as dificuldades de comunicação com
o litoral provocaram verdadeiras crises de alimentos e até mesmo Congresso Nacional na Praça dos Três Poderes, em Brasília,
ameaças de fome. Com o tempo, foi se desenvolvendo a ligação a capital da esperança, assim chamada após sua inauguração
regular com os centros fornecedores de animais para o transporte
no Sul e para consumo de carne e de leite e derivados no Nordeste, A primeira delas – Salvador – foi fundada em 1549 pelo
particularmente no Rio São Francisco. Também estava cada vez primeiro governador do Brasil, Tomé de Souza. Sua escolha
mais intensa a ligação com o Rio de Janeiro, o ponto de contato deveu-se a fatores geográficos e estratégicos. Ao longo de mais
entre o litoral e o interior, criando a chance do fluxo comercial de 200 anos, Salvador foi o epicentro político e econômico
regular. Com respeito à posição do Rio de Janeiro em relação às da porção portuguesa na América. Todas as decisões eram
minas, era possível avaliar sua importância e sua função estratégica tomadas na atual capital baiana.
pela transferência da capital de Salvador para essa cidade em 1763.
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Domínio Público/Wikimedia
No ano de 1763, a capital foi transferida de Salvador para
a cidade do Rio de Janeiro. Vivíamos a época do governo do
Marquês de Pombal, que, inspirado por ideias iluministas,
realizou uma série de reformas políticas no Brasil.
O objetivo da mudança era deixar a administração colonial
portuguesa o mais perto possível da principal fonte de riquezas
da época, a região mineradora de Minas Gerais. O Rio de
Janeiro era o porto por onde se escoava a quase totalidade do
ouro legal do Brasil.
Do Rio de Janeiro, a capital foi transferida, por fim, para a
cidade de Brasília. Nascida da genialidade do arquiteto Oscar
Niemeyer e do caráter empreendedor do presidente Juscelino
Kubitschek, Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960, Recife, capital de Pernambuco, meados da década de 1820. Gravura de Johann Moritz Rugendas.
Retrata o crescimento exponencial da quantidade de escravos adquiridos no Brasil colonial.
transformando-se na terceira capital brasileira.
Foram cinco anos de obras ininterruptas, em pleno O abastecimento das minas também evoluiu bastante ao longo da
Planalto Central, para construir a nova sede de governo, que primeira metade do século XVIII, uma vez que, no início, tudo – das
buscava transferir a capital para um local distante dos grandes ferramentas à comida – chegava à região nas costas de escravos índios
centros de pressão popular e, ao mesmo tempo, transformar o e africanos. Com a ampliação do movimento, foi preciso buscar uma
Centro-Oeste em um palco de decisões políticas, promovendo alternativa: as tropas de mulas. Para tanto, os paulistas abriram novos
o desenvolvimento dessa região. caminhos a partir do Sul, que facilitaram a chegada de produtos à região.
Assim, integrou-se ao núcleo mais dinâmico da economia brasileira
a região dos pampas, onde os espanhóis criavam gado, cavalos e mulas.
Um problema sério pelo qual passava a região das Minas As manadas trazidas pela estrada eram vendidas em feiras. Nessa época,
era o abastecimento. A avidez pelo ouro bloqueava a percepção surgiu a figura do tropeiro, essencial na história posterior do país.
de que não só de riqueza vive o homem. Poucos, porém, eram
aqueles que demandavam tempo para a agricultura de subsis-
tência, pois o foco era o ouro. Assim, essa demanda foi suprida 5. O ouro do Brasil e
por comerciantes, sobretudo os nordestinos. As tropas de mulas a Revolução Industrial
foram um exemplo disso: os tropeiros, responsáveis por levar os
animais do Nordeste para Minas Gerais, conseguiram diminuir Na segunda metade do século XVII, a formação social portuguesa
a necessidade de suma importância para o escoamento do ouro sofreu os efeitos de uma crise econômica e financeira, cujos princi-
para os portos do Rio. Havia, ainda, aqueles que rumaram pais elementos promotores foram o declínio dos preços do açúcar
para o núcleo aurífero para abastecer a região de alimentos, brasileiro e a decadência do comércio oriental português – resultado
vestimentas, ferramentas e outros utensílios do dia a dia. da perda da maioria dos entrepostos asiáticos ou mesmo africanos,
A falta de concorrência provocou um grave aumento no preço dos cedidos à Inglaterra ou aos holandeses pelo Tratado de Haia, de 1661.
produtos, gerando revoltas por parte dos exploradores. Esses e outros fatores tiveram como efeito a adoção, pelo Estado
As elites das minas começaram a comprar cada vez mais português, de uma orientação colbertista, cujo principal incenti-
escravos – multiplicando os braços, multiplicavam os lucros – e os vador foi o Conde da Ericeira, “o Colbert português”, secretário de
tratavam com a mesma voracidade com que buscavam o precioso Estado de D. Pedro II de Portugal.
metal, obrigando-os a trabalhar exaustivamente em rios ou em Com o descobrimento das minas de ouro no Brasil (1695) e
buracos na terra. Essa brutalidade aumentava o nível de mortalidade com a subsequente exploração do diamante (1729), a abundância
e também a demanda por novos escravos. Os mineiros pagavam de numerário determinou o abandono da orientação colbertista
caro por um escravo africano, bem mais que no Nordeste ou no de retenção de capitais. Em 1703, durante a Guerra de Sucessão da
Rio de Janeiro, diferença que justificou uma enorme ampliação do Espanha, Portugal e Inglaterra assinaram o Tratado de Methuen, pelo
tráfico, praticado pelos próprios colonos. qual eram concedidos privilégios recíprocos ao vinho português na
Inglaterra e aos tecidos ingleses em Portugal. Esse acordo, que garantia
os interesses dos setores mercantil e feudal, arruinou as manufaturas,
o artesanato e o pequeno proprietário rural português.
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A crise que se seguiu foi, em parte, controlada pela emigração O Tratado de Methuen legalizou a saída constante de capitais de
para as regiões mineradoras do Brasil, onde se agravaram os conflitos Portugal para a Inglaterra, que pode ser observada no mapa a seguir:
que, mais tarde, resultaram na Guerra dos Emboabas.
A partir de 1750 e 1760, a produção mineradora começou a O Tratado de Methuen
declinar. Tal mudança, articulada a outros elementos, determinou a
retomada da política colbertista durante a administração do Marquês
de Pombal, secretário de Estado de D. José. Com o objetivo de
libertar a economia portuguesa da dominação britânica, Pombal tecidos
tomou medidas muito severas para impedir a evasão de capitais:
protecionismo alfandegário, estímulo às manufaturas, companhias de
comércio, instalação de refinarias de açúcar, abolição da escravidão Brasil
em Portugal – para aumentar o mercado de consumo – etc. Todas
ouro
essas iniciativas foram impostas e sujeitas ao fortalecimento das
práticas repressivas do Estado, que atingiram os setores sociais oposi-
Portugal
cionistas. No entanto, a partir de 1777, quando passou a governar
vinho
Dona Maria I, a pressão inglesa articulada ao grupo mercantil e à
classe feudal portuguesa determinou um novo abandono do colber-
tismo e a restauração dos dispositivos do Tratado de Methuen. Essa O ouro saiu do Brasil.
Em Portugal, uma parte construiu palácios Inglaterra
mudança teve o nome popular de “Viradeira”. e outra foi gasta importando produtos ingleses.

Os caminhos de saída do ouro


Para onde foi o ouro do Brasil? Ao contrário do que parece, Ora, como os tecidos eram muito mais necessários que
a resposta não é Portugal. O ouro do Brasil foi, em grande parte, o vinho, Portugal ficava em desvantagem comercial, isto é,
para a Inglaterra, contribuindo para o enriquecimento desse país. importava mais do que exportava.
Isso significa que o ouro brasileiro não enriqueceu Portugal. Como a importação era maior que a exportação, a balança
Não enriqueceu porque, desde o século XVII, Portugal era um país comercial de Portugal estava sempre em déficit. Para pagar os
endividado com os ingleses e sua economia dependia da Inglaterra. prejuízos e as dívidas, Portugal usava o ouro brasileiro. Dessa
Essa dependência econômica se acentuou ainda mais a partir de maneira, quem mais lucrou com o ouro do Brasil foram os ingleses.
1703, ano em que foi assinado o Tratado dos Panos e dos Vinhos, Deve-se notar ainda que, além das desvantagens comerciais, o
também conhecido como Tratato de Methuen, que determinava Tratado de Methuen aniquilou as possibilidades de Portugal desen-
que Portugal ficaria obrigado a consumir os tecidos ingleses e que volver sua indústria, pois este não tinha condições de concorrer
a Inglaterra se obrigava a consumir o vinho português. com os preços dos produtos ingleses que entravam no país.

O ouro brasileiro no comércio português

INGLATERRA Londres
ÁSIA
PORTUGAL EUROPA
Lisboa

ÁFRICA

OCEANO
PACÍFICO
BRASIL OCEANO
OCEANO ÍNDICO
ATLÂNTICO
ouro brasileiro
vinho português
manufaturas inglesas
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O ouro e o diamante brasileiro sustentaram as importações

Disponível em: <www.brasil.gov.br>.


de produtos ingleses e promoveram uma acumulação primitiva
de capital, que permitiu à burguesia britânica aplicar recursos
financeiros em inovações técnicas que resultaram na Revolução
Industrial. A política econômica e financeira seguida pelo
Estado português no reinado de D. Maria I agravou enorme-
mente as contradições entre os setores dominantes coloniais e
metropolitanos. Para sustentar as importações de tecidos ingleses
e, ao mesmo tempo, manter artificialmente as manufaturas
portuguesas instaladas por Pombal, proibiu-se o fabrico de
tecidos, exceto os destinados à sacaria e ao vestuário dos escravos.
Essa iniciativa, tomada em 1785 e agravada pela opressão fiscal e
pela ameaça de impostos atrasados, constituiu um dos elementos
incentivadores da Conjuração de 1789.
Extração de diamantes no Arraial do Tijuco, aquarela de Carlos Julião, 1963
6. Os diamantes
Logo na primeira década do século XVIII, desco­briu-se
diamantes no Brasil, mais precisamente no Arraial do Tijuco, Chica, a verdadeira
atual Diamantina. Sem conhecer o valor das pedras, os moradores A vida de Chica da Silva, até hoje, exerce fascínio sobre
da região usavam-nas para marcar jogos de baralho. Por volta da os historiadores, que se debruçam sobre sua história. Como é
década de 1930, no entanto, a presença cada vez maior de nobres o caso de Júnia Ferreira Furtado, que escreveu para a Revista
portugueses na Colônia fez com que o diamante tivesse o seu valor Nossa História:
reconhecido, como demonstra a criação por determinação de

©SamiaAbbas/Flickr
D. João V, rei de Portugal, da Intendência dos Diamantes. O aperto
fiscal chegava também àquela região, quando a Coroa estabeleceu
a capitação e o quinto também dos diamantes, o que não impediu
seu contrabando que, como no caso do ouro, era muitas vezes feito
pelos próprios funcionários do Estado. Não tendo conhecimento
específico sobre a extração de diamantes, o Estado metropolitano
decidiu fazer contratos de exploração, sendo João Fernandes de
Oliveira o primeiro contratador a chegar à região.
Esse sistema só acabou quando Marquês de Pombal trans-
formou o distrito diamantino em área de monopólio real. Isso se Chica da Silva, ex-escrava
deu por conta do temor do prestígio e o poder que o contratador e mulher do contratador
João Fernandes de
angariava sobre a região. Ademais, fez parte da política despótica Oliveira, foi uma das mais
que o marquês, a mando de José I, vinha realizando em Lisboa. poderosas mulheres da
região do Tijuco, atual
A extração diamantífera desfrutou de posição secundária em Diamantina
relação à mineração do ouro, apesar de o Brasil ter sido, durante o
século XVIII, o maior produtor de diamantes do mundo. “Chica da Silva teria entre 18 e 22 anos quando João
A exploração dos diamantes atravessou três fases bem distintas: Fernandes, então com 26, a conheceu. Jovem, tinha a beleza
das mulheres mestiças descendentes das africanas oriundas da
• Fase inicial: marcada pela livre exploração; Costa da Mina. Ele a comprou de Manuel Pires Sardinha por
• fase média: marcada pelo regime dos contratos; 800 réis, e, no Natal do mesmo ano, a alforriou. Meses
• real exploração: marcada pela participação direta do Estado
depois, em 1754, fi­cou grávida de João Fernandes. Em abril
na exploração dos diamantes. Essa fase foi decretada pelo
Marquês de Pombal por meio da Lei do Livro de Capa Verde. do ano se­guinte, era batizada a primeira filha do casal, a
Essa participação do Estado na exploração já corresponde ao mula­ta Francisca de Paula. Embora registrada como de pai
período da decadência dos diamantes. desconhecido, no documento Chica ostentou pela primeira
vez o sobrenome Oliveira, em vez do habi­tual “Francisca,
parda, escrava de ...”.
Brasil Colônia: a economia mineradora HISTÓRIA I 15
Módulo 16 1ª Série

(C) contribuiu para o desenvolvimento do mercado interno, na


O casal teve 13 filhos, tendo sido encontrados os registros medida em que criou um importante centro consumidor de
de batis­mo de 11 deles. Em 1756, João, o primogênito. No ano produtos de subsistência de outras regiões.
seguinte, Rita e, dois anos depois, Joaquim. Em 1761, Antônio (D) não favoreceu em nada o mercado interno, pois os raros
Caetano, seguido de Ana, Helena e Luísa. Em 1766, nasceu produtos de subsistência que não eram produzidos na região
Maria, no ano seguinte, Quitéria Rita e, em 1769, a caçula das eram importados da Europa.
mulheres, Mariana. Antônia nasceu provavelmente em 1765 (E) não contribuiu em nada para o mercado interno da Colônia,
e José Agos­tinho em 1770. pois a zona de mineração era centro consumidor de gêneros
de subsistência em proporções insignificantes.
Entre os padrinhos dos filhos de Chica e João Fernandes
não havia autoridade importante da capitania ou mesmo do
02 (UFF) O açúcar e o ouro, cada qual em sua época de predo-
distrito, o que faz su­por certa dificuldade do contratador em
mínio, garantiram a Portugal a posse e a ocupação de vasto terri-
estabelecer alianças com representantes da Coroa. As crianças tório, alimentaram sonhos e cobiças, estimularam o povoamento
foram batizadas por impor­tantes moradores do Tijuco, sinal e o fluxo expressivo de negros escravos, subsidiaram e induziram
provável de que a sociedade local aprovava aquela relação não atividades intermediárias; foram fatores decisivos para o relativo
oficial entre pessoas diferentes em suas condições sociais. progresso material e certa opulência barroca, além de contribuírem
para o razoável florescimento das artes e das letras no Período
Francisca da Silva de Oliveira agia como qualquer
Colonial. Apesar dessa ação comum ou semelhante, a economia
senhora da sociedade. Educou todas as filhas no Reco-
aurífera colonial avançou em direção própria e se diferenciou das
lhimento de Macaúbas, o melhor educandário das Minas demais atividades, principalmente porque:
na época. Em 1767, recolheu em Macaú­b as as mais
velhas – Francisca de Paula, de 12 anos, Rita Quitéria, (A) não teve efeito multiplicador no desenvolvimento de atividades
de 10, e Ana Quitéria, com 5, pagando por matrícula, no econômicas secundárias junto às minas e nas pradarias do Rio
ano seguinte, o dote de 900 mil réis em barras de ouro. Grande.
(B) interiorizou a formação de um mercado consumidor e
As meninas levaram com elas, para as servirem em seu retiro,
propiciou surto urbano considerável.
três escra­vas pardas e mais um casal, que ficava de fora.
(C) o ouro brasileiro, sendo dependente do mercado externo, não
Contavam também com mais 60 mil réis anuais que João resistiu à influência exercida pela prata das minas de Potosi.
Fernandes pagou adiantado no primeiro ano, para o seu (D) representou forte obstáculo às relações favoráveis à Metrópole
sustento. Em 1780, já estavam ali também outras quatro filhas e não educou o colonizado para a luta contra a opressão do
do casal. Esse ano foi decisivo na vida das moças. Como João colonizador.
(E) as bandeiras não foram além dos limites territoriais estabele-
Fernandes morrera em fins de 1779, Chica decidiu que todas
cidos em Tordesilhas, apesar dos conflitos com os jesuítas e da
voltariam ao seu convívio, apesar de não haver evidências de ação cruel contra os indígenas do sertão sul-americano.
di­ficuldades econômicas, já que todas receberam do­tes do pai,
na forma de fazendas. Provavelmente, Chica achou melhor
03 (UEL)
prepará-las para o casamento do que manter os gastos com
(…) se me representou que, pelas notícias que tinham adquirido
a iniciação à vida monástica.”
com as entradas que haviam feito pelos sertões dessa América,
FURTADO, Júnia Ferreira. Revista Nossa História. Ano I. n. 2. Dezembro de 2003. se lhes fazia certo haver neles minas de ouro e prata, e pedras
Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional.
preciosas cujo descobrimento senão havia intentado pela distância
em que ficaram as tais terras, aspereza dos caminhos, e povoações
de índios bárbaros que nelas se achavam aldeados; (…) e porque
deste descobrimento de minas podiam resultar grandes interesses
à minha fazenda, se ofereciam a me irem fazer esse serviço tão
01 (UFPE) Sobre a mineração que se desenvolveu no Brasil particular, à sua custa, não só conquistando com guerra aos gentios
colonial, podemos afirmar que: bárbaros que se lhes opuserem, mas também procurando descobrir
os haveres que nas ditas terras esperavam achar, (…) e que fazendo
(A) contribuiu para a decadência do ciclo açucareiro, pois os o serviço que se ofereciam esperavam ser-lhes remunerado com as
grandes senhores de engenho abandonaram suas lavouras para honras e prêmios.
se dedicar à mineração.
Resposta de D. João V ao pedido de licença dos bandeirantes, 14 de fevereiro de 1721. In: PALACÍN,
(B) contribuiu para o desenvolvimento da produção açucareira, Luís; GARCIA, Ledonias; AMADO, Janaína. História de Goiás em documentos. Goiânia: Editora da
na medida em que gerava capitais para serem investidos nessa UFG, 1995, p. 22 (adaptado).
atividade agroexportadora.
16 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 16

O documento remete às relações entre o rei e os súditos, no Período


Colonial no Brasil, estabelecendo que:

(A) a exploração aurífera seria feita com base nos investimentos da 01 (UFSM)
Coroa nas expedições.

Disponível em: <www.comproourobh.com.br>.


(B) os gentios seriam protegidos por meio da proibição de sua
escravização.
(C) o conhecimento da fauna e da flora do sertão seria prioritário
aos interesses da Coroa.
(D) a recompensa dos bandeirantes estaria assegurada em caso de
sucesso da expedição.
(E) as expedições em áreas distantes e infestadas de gentios seriam
excluídas do patrocínio real.

04 (EsPCEx) Diferentemente de outras atividades econômicas do


Mineração na América portuguesa
Brasil Colônia, a mineração foi submetida a um rigoroso controle
por parte da Metrópole. Nesse contexto:

Disponível em:<www.tuia.com.br>.
(A) os Códigos Mineiros de 1603 e 1618 já impediam a livre explo-
ração das minas, impondo uma série de condições e restrições.
(B) as Intendências das Minas criadas pelo Regimento de 1702
impuseram um controle absoluto sobre toda a produção
mineradora, embora ainda estivessem subordinadas a outras
autoridades coloniais.
(C) a cobrança do quinto foi facilitada com a criação das casas de
fundição, no final do século XVII, onde o ouro era fundido em
barras timbradas com o selo real, embora a circulação do ouro
em pó ainda fosse permitida.
(D) foram instalados postos fiscais em pontos estratégicos das
estradas, com o objetivo de fiscalizar se o pagamento do quinto
havia sido realizado; cobrar impostos sobre a passagem de
animais e pessoas e sobre a entrada de todas as mercadorias
transportadas para as Minas.
(E) a capitação foi um imposto que exigia do minerador o Paisagem industrial inglesa
pagamento de uma taxa sobre cada um de seus escravos, do
qual ficavam isentos os faiscadores que não possuíam escravos. As duas figuras simbolizam dois processos econômicos que se
consolidaram e se expandiram no século XVIII, provocando amplas
05 (UNICAMP) O francês Saint-Hilaire, ao visitar no século XIX e irreversíveis modificações nos respectivos ecossistemas.
a região do Distrito dos Diamantes (Minas Gerais), explicou da
seguinte maneira como ela fora criada no século XVIII: As relações históricas entre os dois processos podem ser
consideradas:
Tendo o governo reconhecido que a extração de diamantes
(A) meramente cronológicas, pois ambos se desenvolveram no
por arrendadores era frequentemente acompanhada por fraudes e
início do século XVIII, época em que se expandia, tanto na
abusos, resolveu explorar por sua própria conta as terras diaman-
Europa quanto nas Américas colonizadas pelos europeus, a
tinas (...). O Distrito dos Diamantes ficou como que isolado do resto utilização do trabalho escravo dos negros africanos devida-
do Universo; situado em um país governado por um poder absoluto, mente controlados e administrados pelos seus proprietários,
esse distrito foi submetido a um despotismo ainda mais absoluto. os membros da elite branca.
(B) muito tênues, na medida em que apenas representam dois
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil, Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia/São Paulo. Editora Universidade São Paulo, 1974, v. 5, p. 14. exemplos isolados de destruição predatória dos ambientes
naturais, seja para extrair riquezas minerais em zonas rurais
a. Descreva as razões pelas quais era importante para a Coroa despovoadas, seja para promover a urbanização das cidades
portuguesa que o Distrito Diamantino ficasse “como que isolado industriais afetadas pela poluição, prevenindo os efeitos danosos
do resto do Universo”. dessa poluição na vida e na saúde da crescente população.
b. Explique como se dava a exploração das minas por parte da (C) significativas, pois, desde a assinatura do Tratado de Methuen
Coroa portuguesa. (1703), o Estado português ficou subordinado aos interesses da
Inglaterra: como as importações dos panos pelas manufaturas
inglesas custavam mais caro para Portugal do que as receitas com
Brasil Colônia: a economia mineradora HISTÓRIA I 17
Módulo 16 1ª Série

as exportações de vinhos para o mercado inglês, o ouro extraído 03 (UFPE) O trabalho cria riquezas sociais que nem sempre são
das regiões mineiras da América colonial lusitana foi amplamente divididas e servem para efetivar sociedades equilibradas. O uso da
transferido para o mercado inglês, contribuindo para sedimentar escravidão no período minerador mostra a existência da exploração,
as precondições para o desenvolvimento da Revolução Industrial. mesmo nos tempos modernos. A escravidão:
(D) de reciprocidade, pois o processo de urbanização das cidades
industriais inglesas inspirou o planejamento urbano das povoações (A) foi utilizada nas colônias europeias até o século XVIII, na
coloniais americanas que se expandiram para o interior, permi- agricultura, apresentando grande lucratividade nos negócios
tindo antecipar e corrigir problemas como ocupação intensa e agrícolas.
acelerada, traçado das ruas e das praças, integração do setor rural (B) tinha lugar no trabalho doméstico, apenas nas colônias portu-
com o urbano, articulação com as demais vilas e cidades e com os guesas e inglesas, sendo ineficaz no comércio.
portos de escoamento da produção mineira. (C) conseguiu se firmar nas colônias espanholas; sem êxitos expres-
(E) de modernização, pois os novos produtos da moderna sivos nas colônias inglesas, devido aos preconceitos raciais.
tecnologia industrial inglesa puderam ser importados pelos (D) deu condições para favorecer o crescimento da burguesia, que
proprietários das minas e dos escravos, permitindo incrementar lucrava com o comércio da época e firmava seus interesses.
a produção colonial, diminuir os custos e obter maiores (E) inexistiu no trabalho, nas minas de ouro da América, sendo
lucros, dinamizando a economia e a sociedade da mineração utilizada na agricultura latifundiária e nos serviços urbanos.
e encaminhando o Estado português para a emancipação da
hegemonia da Inglaterra. 04 (UFPE) Leia atentamente o trecho selecionado a seguir:

02 (FGV) Analise os dados relativos ao século XVIII apresentados (...) decadência em que se [achava] o povo das Minas, vexação em
no quadro a seguir:
que se [via] causada da multidão de negros fugidos e aquilombados
que [havia] em todas elas, de que [resultavam] os extraordinários
Os altos preços cobrados nas Minas casos que continuamente [estavam] sucedendo nos cruéis assassínios
e roubos violentos que a cada instante [estavam] fazendo (...)
Mercadorias Valor em São Paulo Valor nas Minas
“Representação da Câmara de Vila Rica ao rei de Portugal de 31 de agosto de 1743.” Arquivo Público
Mineiro. Seção Colonial. Códice CMOP 49 fl.81. Citada no livro Vassalos Rebeldes, de Carla M.
1 cavalo 10 mil réis 120 mil réis J.Anastasia, Belo Horizonte: C/Arte, 1998. p. 130.

1 libra de açúcar 120 réis 1.200 réis O aumento da violência nos sertões mineiros, durante o século
XVIII, a que se refere o fragmento acima, é considerado resultado
1 boi de corte 2 mil réis 120 mil réis histórico:

FREIRE, Américo; MOTTA, Marly; ROCHA, Dora. História em curso – O Brasil e suas relações com o (A) da substituição do trabalho escravo em Minas Gerais pelo
mundo ocidental. Rio de Janeiro: FGV, 2008, p. 91. trabalho imigrante italiano, após a proibição do tráfico negreiro.
(B) do declínio da comercialização da cana-de-açúcar no território
A justificativa das cifras apresentadas é que: mineiro, em virtude da concorrência do produto oriundo das
Antilhas Holandesas.
(A) os preços das mercadorias em São Paulo tornaram-se os (C) das crises de fome e abastecimento provocadas pela corrida
menores do Brasil com a urbanização e o povoamento das do ouro ao território mineiro, constantes fugas de escravos e o
regiões mineradoras, já que os trabalhadores e, consequente- aumento da cobrança de impostos sobre os alimentos.
mente, os consumidores migraram para o interior da Colônia. (D) dos abusos cometidos pelos jagunços contratados pelos
(B) os preços tornaram-se elevados na região das Minas, devido à senhores de engenhos, para matar os negros reconhecidos como
necessidade de abastecimento da população em crescimento, assassinos profissionais.
à dificuldade de acesso à região e à pequena disponibilidade (E) do rápido processo de urbanização que favoreceu o surgimento
de mão de obra, empregada preferencialmente na mineração. de uma gigantesca elite de homens poderosos, que se digla-
(C) os preços tornaram-se exorbitantes na área da mineração diavam pelo uso da terra.
porque não havia disponibilidade de mão de obra na região
mineira, já que a escravidão era proibida e todo e qualquer 05 (PUC)
trabalho deveria ser assalariado ou contratado.
Coube a Portugal a tarefa de encontrar uma forma de utilização
(D) os preços elevados dos alimentos e do transporte na região
das Minas serviram como atrativo para a manutenção da econômica das terras americanas que não fosse a fácil extração de
população que retornava para a área açucareira de Pernambuco metais preciosos. Somente assim seria possível cobrir os gastos de
e constituiu uma tentativa de manter Minas Gerais como polo defesa dessas terras. (...) De simples empresa espoliativa e extrativa
econômico da Colônia. – idêntica à que na mesma época estava sendo empreendida na costa
(E) o alto valor das mercadorias, com a decadência da mineração, da África e nas Índias Orientais – a América passa a constituir parte
foi mantido pela Corte portuguesa, atendendo aos comerciantes
mineiros, como forma de garantir seu poder político e frear o integrante da economia reprodutiva europeia cuja técnica e capitais
deslocamento da população para São Paulo, onde já corriam a ela se aplicam para criar de forma permanente um fluxo de bens
boatos sobre a emancipação. destinados ao mercado europeu.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971, p. 8
(adaptado).
18 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 16

Segundo o texto, a colonização sistemática do território brasileiro Com base na leitura do mapa, identifique uma região do Império
por Portugal favoreceu: Português cujo desenvolvimento esteve relacionado à mineração
nas Gerais daquela época, justificando a sua resposta.
(A) a integração da América a uma economia internacionalizada,
que tinha a Europa como centro. 02 (UERJ)
(B) o estabelecimento das feitorias na costa atlântica do Brasil, No final do século, por volta de 1695, os rumores sobre a existência
responsáveis pela extração e pelo comércio de pau-brasil. de ouro no interior do país, nas chamadas Minas Gerais, confirmaram-
(C) a constituição de forte hegemonia portuguesa sobre o Oceano
-se com achados de ótima qualidade, feitos por Borba Gato, no sertão
Atlântico, que persistiu até o século XVIII.
(D) o início de trocas comerciais regulares e intensas do Brasil com do Rio das Velhas, onde surgiria Vila Rica, hoje Ouro Preto.
as colônias portuguesas das Índias Orientais. SILVA, F.C.T. “Conquista e colonização da América portuguesa”. In: LINHARES, M. Y. (Org.) História
(E) a construção de fortalezas no litoral brasileiro, para rechaçar, Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990, p. 61.

no século XVI e no XVII, as tentativas de invasões francesas e


holandesas. Destaque algumas das linhas mais importantes do impacto da
mineração sobre a economia colonial brasileira.

01 (UFOP) São indicadas, no mapa abaixo, as principais rotas de


abastecimento para Minas Gerais durante o século XVIII. ______________________________________________________________________

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______________________________________________________________________
15
14 ______________________________________________________________________
13
______________________________________________________________________
12
i
11 ______________________________________________________________________
i
g
______________________________________________________________________
h 10
8
f e ______________________________________________________________________
7 6

9 d ______________________________________________________________________
3
a 4 5
c ______________________________________________________________________

a a Oceano ______________________________________________________________________
Atlântico
a a
b ______________________________________________________________________

a ______________________________________________________________________
1 2
núcleo da zona mineradora
______________________________________________________________________

Legenda:
______________________________________________________________________
1 – Buenos Aires a – gado
2 – Montevidéu b – da Região Platina: gado ______________________________________________________________________
3 – São Paulo c – da África: escravos
4 – Santos d – da Europa: manufaturas, azeite ______________________________________________________________________
5 – São João Del Rei e – da Europa: manufaturas, sal, ferro
6 – Mariana f – do Nordeste: escravos ______________________________________________________________________
7 – Vila Rica e Sabará g – da África: escravos
8 – Diamantina h – escravos, gado ______________________________________________________________________
9 – Rio de Janeiro i – escravos
______________________________________________________________________
10 – Salvador
11 – Recife
______________________________________________________________________
12 – Olinda
13 – Natal ______________________________________________________________________
14 – Fortaleza
15 – São Luís
HISTÓRIA I 19
Módulo 17 1ª Série

Brasil Colônia: transformações sociais da mineração

Você sabia que Ouro Preto é Patrimônio Cultural


da Humanidade?
Quando, no final do século XVII, os bandeirantes paulistas
descobriram ouro nas Minas Gerais, surgiu a cidade de Vila Rica,
atual Ouro Preto, que foi o centro político, social e econômico da
fase da mineração no Brasil Colônia. Palco de duas revoltas no

©Licia Rubinstein/iStock
século XVIII, a Revolta de Felipe dos Santos e a Conjuração Mineira,
a cidade hoje é um dos pontos turísticos mais visitados do Brasil e
sede de uma universidade federal, o que dá ao local uma jovialidade
que se contrapõe ao casario colonial.
A cidade mantém preservadas suas características: o casario, as
ruas e vielas estreitas, as igrejas ricamente ornadas em ouro, as festas
populares e, principalmente, a imponente arte barroca, joia da fase
colonial. Todo esse conjunto arquitetônico foi, em 1938, considerado
“Monumento Nacional”, e em 1980, tombado como “Patrimônio
Cultural da Humanidade” pela Organização das Nações Unidas
Expectativas de aprendizagem:
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
– Observar que a descoberta de ouro no Brasil reorientou as
Quem, hoje, visita Ouro Preto se encanta com sua beleza e seu atenções da Metrópole para Minas Gerais;
patrimônio arquitetônico, que tem, entre seu acervo, obras dos C5 – identificar que a Coroa criara diversos órgãos de fiscalização,
entre eles as casas de fundição, que buscavam coibir o
mestres escultores Aleijadinho e Ataíde, que transformaram as
contrabando e a sonegação;
igrejas em verdadeiras obras de arte do Barroco mineiro, um dos – identificar que a intensa fiscalização sobre o ouro acarretou
temas que estudaremos neste módulo. descontentamentos e levantes por parte dos colonos.

1. Características gerais da

Domínio Público/Wikimedia
área mineradora
A exploração do ouro trouxe à Colônia efeitos importantes
que, no decorrer da primeira metade do século XVIII, estavam
perfeitamente caracterizados:

• A mineração tornou-se o centro de atenções da política


econômica de Portugal;
• o fluxo populacional em direção à região das minas ampliou-se
em larga escala, tornando a região (Minas Gerais, Goiás e parte
do Mato Grosso) um centro de atuação para as populações de
outras áreas coloniais, como a área açucareira e pecuarista, e
também para os setores metropolitanos arruinados pelo Tratado
de Methuen (1703);
• a interiorização provocada pela mineração possibilitou a Fazenda em Minas Gerais na época da mineração, pintura de Johann Moritz Rugendas, 1824
formação de núcleos urbanos distintos dos litorâneos, além
de ter provocado a integração entre a área mineradora e as áreas
A noção da existência de metais preciosos no Brasil, presente
criadoras com os centros urbanos do litoral, principalmente
o Rio de Janeiro, em virtude da necessidade de escravos e desde o início da colonização, já dava à Coroa o direito de cobrança
produtos manufaturados; do quinto, e foi esse o primeiro tributo a ser cobrado. A ação fiscal
• a estrutura social produzida pela atividade mineradora tornou e repressora sobre a extração do ouro e dos diamantes explicava-
possível o desenvolvimento do setor terciário, pois o exclusivismo -se pela própria natureza do produto a ser taxado e controlado e,
da área mineradora permitiu o desenvolvimento de atividades principalmente, pela crise em que se encontrava a formação social
comerciais e artesanais, bem como um número considerável de portuguesa desde a decadência do açúcar no mercado europeu.
funcionários civis e militares.
20 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 17

Como resultado, houve uma interferência cada vez maior da 3. Sociedade e cultura
administração metropolitana, que se utilizava, em escala crescente, de
seus próprios funcionários, afastando os setores coloniais dos centros A sociedade produzida pela mineração foi, antes de tudo,
de decisão. distinta da açucareira, que, até então, era o padrão do Período
Abriu-se, portanto, um vácuo entre os dirigentes metropolitanos Colonial. Abrindo possibilidades de trabalho e enriquecimento
e parte da classe dominante colonial, que se desenvolveu a partir da para uma faixa larga da população, ela determinou também, com
descoberta das minas e da concessão de datas (lotes de uma mina). o desenvolvimento do comércio, do artesanato e das atividades
públicas e com a ampliação dos efetivos militares, o surgimento
de um setor social intermediário mais extenso, mais rico e muito
2. Administração mais ilustrado do que o existente na sociedade do açúcar. Quanto
A política fiscal fundamentou-se no “Regime das Minas” de aos escravos que não constituíram a maior parte da população,
1702, que estabelecia os princípios da ação da Coroa e que tinha abriu-se, em pequena escala, a possibilidade de alforria. A própria
na Intendência das Minas a sua executora. natureza do trabalho, muitas vezes em caráter isolado, permitia a
acumulação das somas necessárias para a compra da liberdade.
Além da cobrança do quinto, tentou-se estabelecer a capitação,
Vale lembrar que o trabalho nas minas continuava a ser majori-
imposto que incidia sobre o número de escravos que cada minerador
tariamente escravo, mas as amplas possibilidades comerciais e de
possuia. Foi abandonado posteriormente, pois o Estado temia que a
serviços desdobravam a sociedade em outras camadas e outras
diminuição do número de escravos levasse à diminuição da produção.
relações sociais que não eram escravistas.
Com o objetivo evidente de aprimorar a fiscalização e reprimir
o contrabando, instalaram-se, em 1720, as casas de fundição, que Pirâmide social do ciclo minerador (século XVIII)
tinham a finalidade de recolher o ouro extraído e fundi-lo, deduzindo
o quinto e devolvendo-o ao proprietário sob a forma de barra. grandes mineradores
Quando a quantia não era suficiente para a feitura de uma barra, o autoridades reais
proprietário recebia um certificado que permitia a sua circulação, até
tropeiros
completar a quantidade requerida para a formação da barra. oficiais
A criação das casas de fundição provocou séria reação por parte burocratas
soldados
dos mineradores, inconformados com a crescente ação fiscal da clérigos
Coroa. O Levante de Vila Rica iniciou-se com reivindicações contra profissionais liberais
as casas de fundição e depois se voltou contra as autoridades locais, pequenos mineradores
buscando a sua substituição. A repressão foi violenta e executou-se
um dos líderes do movimento, Felipe dos Santos, em 1720. escravos
Após o esmagamento da rebelião, com vistas à melhor adminis-
Abriu-se, ainda, um setor da produção para o trabalho livre,
tração das minas, criaram-se duas capitanias separadas: a de São Paulo
desempenhado por mestiços e escravos libertos, com o desenvolvi-
e a de Minas Gerais. Mais tarde, o Estado estabeleceu para a região
mento do artesanato. Tantas modificações, também, foram seguidas
mineradora uma quantia fixa a ser paga anualmente, equivalente
pela mudança na importância do papel da Igreja, mais do que nunca
a 100 arrobas, cerca de 1.500 quilos de ouro, e, quando o volume
um braço da Metrópole.
arrecadado não atingia o estabelecido, cabia à população completá-la
com o imposto chamado derrama. O que se pode concluir da análise A súbita riqueza do ouro tornou o Brasil atraente para um tipo
da ação fiscal sobre a mineração é que o Estado procurava, com de português que raramente vinha para cá no início da colonização:
máximo de recursos, alcançar um máximo de ganhos. os nobres. Porém, no século XVIII, esses nobres começaram a
ocupar cargos administrativos muito importantes na estrutura
É possível ver no gráfico a seguir o desenvolvimento da
administrativa colonial.
produção aurífera do Brasil no século XVIII e início do XIX:
A progressiva interligação de regiões mineiras e abastecedoras
Produção de ouro no Brasil (séc. XVIII-XIX) provocou outra mudança significativa. Até o século XVIII, os
núcleos de povoamento eram esparsos e isolados. Já em meados
Anos Toneladas Média por ano desse mesmo século, entretanto, havia contatos econômicos
1701-1720 56 2,8 toneladas permanentes em uma vasta região que ia do Rio Grande do Sul
1721-1741 180 9,0 toneladas ao Amazonas.
1741-1761 290 14,5 toneladas Os limites legais da Colônia estabelecidos por Tordesilhas
1761-1781 210 10,5 toneladas tinham sido ultrapassados havia muito por uma ocupação de fato.
1781-1801 110 5,5 toneladas
Por toda parte multiplicavam-se as atividades econômicas. Ao
1801-1821 55 2,7 toneladas
longo dos caminhos, surgiram vilas e roças permanentes. Tropeiros,
traficantes e mineradores acumu­lavam fortunas maiores que as dos
Brasil Colônia: transformações sociais da mineração HISTÓRIA I 21
Módulo 17 1ª Série

senhores de engenho, mesmo com a exploração do açúcar sendo A mineração do ouro foi responsável pelo desenvolvimento
ainda uma atividade predominante no Nordeste e no Rio de Janeiro. do interesse pelas “coisas da inteligência ou do saber” entre alguns
O ouro integrou o território e lançou as bases para um novo homens da elite urbana abastada, principalmente de Minas Gerais,
padrão de vida. As cidades ganharam importância. Nas regiões Bahia e Rio de Janeiro.
mineradoras, as vilas – das quais a principal era Vila Rica, atual Como se sabe, a educação formal no Brasil esteve a cargo dos
Ouro Preto – funcionavam como local de moradia e também como jesuítas, mas os estudos superiores eram proibidos aqui. Muitos
centro comercial, abrigando aqueles que desempenhavam serviços senhores da elite enviavam seus filhos para estudar em universidades
necessários à atividade: carpinteiros, ourives, tecelões, vendeiros, europeias, principalmente em Coimbra, orgulho da cultura lusa.
militares e administradores. Mesmo no litoral, ganharam impor-

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tantes centros, como Rio de Janeiro, transformado-se em capital em
1763, o que facilitou a fiscalização sobre a exportação do ouro, já
que o Rio era o porto de escoamento da região mineira.

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Ouro Preto

A mineração, conforme já foi visto, atraiu muita gente. Os Inácio de Loyola, o maior nome da Companhia de Jesus

dados sobre a região das minas na década de 1770 do século XVIII


demonstram um contingente de quase 320 mil pessoas, das quais Na Europa, esses jovens entraram em contato com as ideias
a maior parte era composta de negros, cerca de 165 mil, depois filosófico-liberais dos iluministas europeus e as trouxeram para o
pardos, com cerca de 82 mil, e brancos, com cerca de 72 mil. Essa Brasil, incrementando a vida intelectual, política, administrativa e
predominância de negros levou a historiadora Laura de Mello e científica no século XVIII e parte do XIX.
Souza a explicar, no seu livro Os desclassificados do ouro, o seguinte: A vida cultural nas Minas Gerais desenvolveu-se, principalmente
“Exceto para a comarca do Rio das Mortes, onde aparecia mais em torno das igrejas e confrarias. Não sem razão, a arquitetura, a
numerosa, a população branca era sempre insignificante quando escultura sacra e a música floresceram na região e deixaram importantes
confrontada com o número de negros, e, não raro, ultrapassava-a registros no Barroco brasileiro.
também o contingente de homens pardos, como no caso da comarca
Acervo: César Menezes
de Sabará. Assim sendo, não é de admirar que, em meados do século
XIX, o viajante Burton encontrasse em Minas Gerais uma cidade
de cinco mil habitantes onde apenas duas famílias eram de puro
sangue europeu (...)”.
A maioria da população não foi, efetivamente, contemplada
com o conforto e o poder trazidos pela fortuna dos metais preciosos.
As pessoas ficaram à margem, muitas sem as mínimas condições de
sobrevivência, sofrendo, ainda, preconceitos relacionados com sua
origem racial e suas dificuldades econômicas. Para elas, restavam os
sonhos e o desconforto em que viviam: moradias precárias, muitas
delas espalhadas pelas encostas dos morros.
Minas Gerais, no século XVIII, não foi apenas a região dos
metais preciosos e da riqueza fácil. Enquanto o ouro se esgotava e
as ilusões se desfaziam, o trabalho dos artistas ganhava força. Pintura de Mestre Ataíde na Catedral de Mariana, Minas Gerais
22 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 17

Já na segunda metade do século XVIII, Vila Rica se trans- Na cultura produzida na Colônia, houve uma releitura, uma
formou no centro do Arcadismo brasileiro, destacando-se nomes adaptação aos sonhos e aos desejos que aqui existiam. Essa produção
como Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Silva cultural mostra bem que a Colônia não era um agente passivo das
Alvarenga, Alvarenga Peixoto e outros líderes da Inconfidência ordens e ideias vindas da Metrópole, tendo, portanto, vida cultural.
Mineira, o primeiro movimento pela libertação colonial.

Ouro Preto, a cidade que respira história É uma cidade que respira cultura e história. Possui, hoje, uma
importante universidade federal (UFOP), cuja origem remonta a

Acervo: César Menezes


1839, quando foi criada a Escola de Farmácia. Em 1876, foi a vez
da Escola de Minas, sendo esses dois centros científicos a base da
construção da atual Universidade Federal de Ouro Preto.
A vocação histórica da cidade é ainda mais intensa. Foi sede de
movimentos revolucionários importantes: a Revolta de Felipe dos
Santos e a conhecida Inconfidência Mineira, que serão abordadas
posteriormente.
Por ter preservado grande parte de seus monumentos
coloniais, em 1933, Ouro Preto foi elevado a Patrimônio Nacional,
sendo, cinco anos depois, tombado pela instituição que hoje é o
Iphan. Em 5 de setembro de 1980, na quarta sessão do Comitê
do Patrimônio Mundial da Unesco, realizada em Paris, a cidade
mineira foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade.
Ouro Preto sempre viveu do minério, primeiro do ouro,
depois do ferro, o que propiciou uma sociedade tipicamente
urbana e não dependente do campo, em uma época na qual a
maioria das cidades era pacata e pouco movimentada. Foi essa
tradição que fez com que permanecesse atual e dinâmica, apesar
de todo o desgaste sofrido pela ação do tempo, de catástrofes
naturais e da poluição causada pelas usinas e pelos veículos.
Boa parte das outras cidades preservadas acabou perdendo a
pulsação moderna existente em Ouro Preto. O uso que se fez das
construções antigas praticamente obrigou proprietários a virarem
A cidade de Ouro Preto comerciantes e transformarem suas casas em lojas de artesanato
Ouro Preto, antiga Vila Rica, foi a mais importante cidade do ou restaurantes típicos.
período minerador no Brasil. Fundada pelo padre João de Faria As atividades econômicas de Ouro Preto, que já ultrapassam a
Fialho, pelo coronel Tomás Lopes de Camargo e pelo bandeirante casa dos 80 mil habitantes, não se resumem ao turismo. O aspecto
Antônio Dias de Oliveira, no final do século XVII, cresceu na urbano colonial faz parte do cotidiano da população e não impede
mesma medida em que começaram a arrancar de suas entranhas o seu desenvolvimento como centro urbano moderno.
enormes quantidades de metais dourados. Seu casario, suas igrejas, suas minas, seus monumentos,
Em 1711, tornou-se sede de conselho, sendo elevada à entretanto, são visitados anualmente por milhares de pessoas do
categoria de vila, e logo depois, em 1720, foi escolhida para ser a Brasil e do exterior, que procuram na cidade um facho de luz da
capital da nova capitania de Minas Gerais, condição que manteve história colonial brasileira.
até 1897, quando foi criada a cidade de Belo Horizonte.

No século XVIII, ocorreu a plena maturação do Barroco brasi- importância, fazendo-se um largo uso do azulejo. Já nas Minas
leiro, especialmente no Nordeste (Bahia e Pernambuco) e na zona Gerais, ocorria o contrário, o exterior era mais decorado, o interior
decadente da cana (Rio de Janeiro). Havia uma diferença marcante tinha uma ornamentação mais leve, havia menor importância da
entre o Barroco do litoral e o Barroco de Minas Gerais. No estilo sacristia e o azulejo não era muito usado; em seu lugar, adotava-se a
adotado no litoral, havia um forte contraste entre a simplicidade técnica conhecida como “fingimento”, ou seja, fazia-se uma pintura
do exterior e a opulência interna, e as sacristias tinham muita imitando azulejos.
Brasil Colônia: transformações sociais da mineração HISTÓRIA I 23
Módulo 17 1ª Série

A decadência da mineração determinou a instalação na área

Acervo: César Menezes


mineradora de outras atividades produtivas, como a pecuária (a
mais importante ao final do século XVIII), o plantio de algodão e
de tabaco e atividades de subsistência.
O esgotamento das jazidas de ouro e as técnicas predatórias
de mineração levaram ao definhamento das fases do ouro e dos
diamantes no final do século XVIII. Por outro lado, na Europa, o
capitalismo se afirmava como sistema econômico hegemônico, em
especial na Inglaterra, onde ocorreu a Revolução Industrial original.
No Brasil, isso provocou o desenvolvimento de novos setores e
produtos agrícolas, como o algodão e o açúcar.
Viu-se, anteriormente, até que ponto a mineração absorveu as
atividades econômicas da Colônia. A contrapartida da fulminante
ascensão das minas foi a decadência da agricultura. Coincidiu com
essa causa interna de decadência, o novo equilíbrio internacional do
século XVIII. Desenvolveu-se plenamente, então, a política colonial
adotada desde o século anterior pelas grandes potências concor-
rentes de Portugal no ultramar, particularmente pela França e pela
Inglaterra. Foi a chamada política do “Pacto Colonial”, destinado
a reservar o mercado nacional de cada país às produções de suas
respectivas colônias, e o comércio à Marinha de sua bandeira.
Esse exclusivismo nacionalista colocou Portugal e suas colônias
Passos da Paixão de Cristo. Escultura em pedra-sabão de Aleijadinho, que se encontra em em uma posição muito ruim, pois sem Marinha (esfacelou-se sob
Congonhas
o domínio espanhol) – e não contando com um mercado nacional
apreciável – restringiu-se a saída para seus produtos coloniais.
O grande renovador da arquitetura mineira foi Antônio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que buscou uma originalidade Outros produtos se valorizaram na esteira das transformações
maior nas construções de alvenaria e desenvolveu uma preocupação econômico-financeiras que o mundo vivia, a exemplo do algodão,
com a ornamentação interior. que teve sua produção estimulada por esses fatores externos.
A Revolução Industrial britânica exigia enormes quantidades de
A arte de Aleijadinho retrata, como todas as grandes obras
matérias-primas, e os EUA, seu principal fornecedor, estavam em
da época, a forte influência do catolicismo, cujas práticas faziam
guerra com o Reino britânico em razão da Independência.
parte do cotidiano dos mineiros. Interessante reparar que, nessa
mesma época, vivia em Salvador um escultor chamado Francisco O açúcar, por sua vez, ressurgiu em decorrência das lutas de
das Chagas, o Cabra, que, tal como Aleijadinho, foi um grande independência das Antilhas, o que levou o produto brasileiro,
artesão com forte influência católica. As irmandades religiosas, novamente, a encontrar espaço no mercado europeu. Entretanto,
aliás, foram importantes incentivadoras dos artistas. é bom salientar que, apesar da importância da mineração, o açúcar
gerou uma renda média para a Metrópole maior do que o ouro.

4. O renascimento agrícola e a Outra atividade que alcançou relativa prosperidade entre os


séculos XVII e XVIII foi a pesca da baleia, tendo mesmo sido
decadência da mineração colocada como monopólio estatal, que por vezes cedia esses
direitos exclusivos a particulares. A baleia tinha várias utilidades:
A decadência da mineração é explicada pela maior parte dos
alimentação, feitura de massa para a construção, fabrico de óleo
autores como decorrência dos seguintes fatores:
para iluminação de vias públicas e residências, artesanato, etc.
• O baixo teor de aproveitamento do minério brasileiro; Sua pesca no Brasil era facilitada pelas migrações para águas quentes
• o baixo índice técnico na exploração; do Atlântico Tropical e Equatorial. Na Baía de Guanabara, a pesca
• escoamento regular dos capitais pela fragilidade do sistema foi tão intensa que se criou uma armação – que era um local onde
de subsistência, gerando a necessidade do gasto de recursos se beneficiava o animal – na região de Niterói, a Ponta da Armação.
na compra de gêneros, utensílios, animais, etc. fora da área
A indústria pesqueira de cetáceos entrou em decadência no final
da mineração, inclusive fora da Colônia.
do século XVIII, quando os baleeiros ingleses passaram a realizar
a pesca na região das Ilhas Malvinas, ou Falklands, impedindo as
baleias de chegarem ao litoral brasileiro.
24 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 17

O mercado interno da Colônia

©Science & Society Picture Library/GettyImages


Belém
Macapá
Barcelos Óbidos Fortaleza

Santarém São Luís


Natal
Borba
João Pessoa Olinda
Recife
Vila Bela Salvador
Cuiabá Vila Boa
Diamantina Porto Seguro
algodão Cáceres Sabará

mineração Ribeirão do Carmo


Vila Rica
Vitória
São João del-Rei
cana-de-
Homem trabalhando com barris de óleo de baleia -açúcar São Paulo Rio de Janeiro
Sorocaba Iguape
Santos
pau-brasil Curitiba
Por fim, havia o tabaco, que, produzido desde os primór- Laguna
No Brasil do século
XVIII, também
dios da colonização para o escambo, teve um crescimento na pecuária se destacava a
sua produção devido ao hábito de fumar na Europa, que virou produção para o
drogas mercado interno.
moda entre os integrantes da ascendente burguesia. Isso fez do sertão
com que, no Brasil, o Recôncavo Baiano se tornasse a principal
área de produção tabagista.

Nas pistas do Barroco: Aleijadinho “Um risco na madeira pode passar despercebido para muitos
desavisados. Mas quando ele inscreve as letras ‘AFL’ na peça de
Acervo: César Menezes

um altar mineiro, causa surpresa. Foi assim que restauradores


que trabalhavam na Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Nova
Lima, reagiram quando se depararam com uma novidade que
estava escondida desde o século XVIII: as iniciais de Antônio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho, no fundo da parte interna do
sacrário de um retábulo (altar lateral).
Em Ouro Preto, o pintor e pesquisador José Efigênio Pinto
Coelho é capaz de sintetizar a importância da obra do artífice
em sua vida: ‘Aleijadinho fez a cara do meu Deus’. Mais do que
confirmar a combinação entre arte e religiosidade, seu depoi-
mento mostra o quanto a obra de seu conterrâneo famoso faz parte
da cultura da cidade. ‘É para aquele Cristo com olhos puxados que
eu ajoelho e rezo. Quando fui à Europa, vi que o meu Deus não
tem a cara das esculturas que estão naquelas igrejas. Não tenho
Estátua em pedra-sabão do profeta Daniel, feita por fé naquele barbudão europeu com cara de visigodo. O meu Deus
Aleijadinho. Considerada uma das mais notáveis obras do
Barroco mineiro, está localizada no adro do Santuário de tem cara de Barroco mineiro’, confessa Efigênio.
Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas-MG O pintor pesquisa o legado de Aleijadinho há mais de 40 anos.
A vida de Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Ainda criança, como a maioria dos meninos ouropretanos, sabia da
Aleijadinho, um importante escultor, entalhador e também importância do artista pelo valor que turistas davam às suas peças. Hoje
arquiteto mineiro, do Período Colonial, é objeto de estudo de não é diferente: a popularidade do escultor continua movimentando as
muitos historiadores e artistas que buscam compreender não cidades históricas mineiras. Ouro Preto, onde a atenção dos visitantes
só sua trajetória individual e sua arte e importância no Barroco se divide entre Aleijadinho e inconfidentes, recebe cerca de 500 mil
brasileiro, mas também o contexto histórico em que se insere turistas por ano. Em Congonhas, onde estão os 12 profetas e os Passos
e como ele acabara se tornando um personagem tão peculiar e da Paixão, a média é de 64 mil. Esse número deve aumentar em 2012,
interessante da nossa história. Um artigo de Viviane Fernandes ano previsto para a inauguração do Memorial Congonhas – Centro
Lima busca elucidar um pouco essa história: de Referência do Barroco e Estudos da Pedra, projeto lançado em
novembro pelo Iphan, pela prefeitura e pela Unesco.
Brasil Colônia: transformações sociais da mineração HISTÓRIA I 25
Módulo 17 1ª Série

O desenvolvimento artístico do escultor pode ser classificado observações de suas obras que resultaram em diversos livros. Hoje,
em fases diferentes de sua vida. Jardim divide suas etapas produ- as grandes livrarias têm em média 15 títulos sobre Aleijadinho.
tivas em cinco: mocidade (1755 a 1760), maturidade inicial (1761 (...)
a 1770), maturidade média (1771 a 1780), maturidade plena (1781
O reconhecimento do artífice como gênio nacional ganhou
a 1790) e máxima ou fase de Congonhas (1791 a 1812).
força com o Modernismo, que buscava as raízes da cultura
A vida de Aleijadinho é um universo de interrogações. A brasileira. O fato de Aleijadinho ter sido mulato – filho de pai
começar pela data de nascimento: seu batismo, realizado na português e mãe escrava – foi, para Mário de Andrade, um dos
Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto, apresenta motivos apontados para o seu esquecimento. ‘A minha convicção
o ano de 1730, mas a certidão de óbito diz que foi em 1738. A é que o grande arquiteto mineiro foi o maior gênio artístico que
paternidade também destoa: é o nome de Manoel Francisco o Brasil produziu até hoje. Mas por muitas fatalidades e muita
da Costa que aparece no batismo, e não o do arquiteto Manuel incúria, o nome dele permanece vago na consciência nacional
Francisco Lisboa, que é popularmente reconhecido como o pai. dos brasileiros’, dizia o modernista em artigo publicado em 1928.
Quanto à doença, em 1964, a Associação Médica de Minas As polêmicas em torno da vida e da obra de Aleijadinho não
Gerais chegou a discutir a enfermidade do artífice. Hanseníase, param nestas páginas. Cada olhar para uma escultura pode gerar
escorbuto, acidente vascular cerebral e sífilis foram alguns dos novas perguntas. Por que será que aquele anjo do frontispício
diagnósticos apontados. E se ele era mesmo tão doente, como da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto é careca?
conseguiu se locomover por diversas cidades mineiras? Para isso, Turistas, moradores e esta repórter perguntam, mas os livros não
contava com escravos – “artigos” de luxo – que o carregavam. respondem. Ainda.”
Então, por que será que ele morreu pobre? Para responder a
LIMA, Viviane Fernandes de. Revista de História da Biblioteca Nacional. 51. ed., dez. 2011.
essas perguntas, pesquisadores se embrenharam em leituras e

01 (PUC) IV. Se há algo que singulariza o estilo barroco mineiro do século


[...] esta Minas dos árcades e da Inconfidência, que constitui XVIII, esse elemento é a originalidade de sua manifestação,
a culminância e o fecho dos três séculos da existência brasileira que está relacionada diretamente ao fato de revelar, por meio
de suas formas, a estrutura mental local.
anteriores à transladação do Estado português, esta mesma Minas
ainda possui mais um título a proclamar, entre os que mais alto a Indique quais das afirmações anteriores são corretas:
colocam na história de nossa sociedade: o de haver desenvolvido
uma cultura, cujo avanço e cujo requinte podem ser avaliados com (A) I, II e III.
exatidão, pela capacidade de assimilar inteiramente os padrões (B) II e III.
europeus para, em profunda reelaboração, formular seus próprios (C) I, II e IV.
valores e conceitos no que apresentam de mais básico, isto é, na (D) II e IV.
(E) I, III e IV.
própria estrutura mental que os gera e sustém (...) (obrigando-nos
a reconhecer a especificidade mineira desse Barroco. 02 (UFSM) No século XVIII, a produção do ouro provocou muitas
MACHADO, L. G. Barroco Mineiro. São Paulo: Perspectiva, 4. ed., 1991. p. 170. transformações na Colônia. Entre elas, podemos destacar:

A partir do fragmento anterior, leia e avalie as seguintes afirmações: (A) a urbanização da Amazônia, o início da produção do tabaco, a
introdução do trabalho livre com os imigrantes.
I. O autor identifica três contribuições das Minas à formação do (B) a introdução do tráfico africano, a integração do índio, a
Brasil, ainda no Período Colonial: o Trovadorismo, o Nativismo desarticulação das relações com a Inglaterra.
dos inconfidentes e o Barroco. (C) a industrialização de São Paulo, a produção de café no Vale do
II. Os fenômenos culturais e políticos vividos pela sociedade Paraíba, a expansão da criação de ovinos em Minas Gerais.
mineira, ao longo do século XVIII, expressam com certa (D) a preservação da população indígena, a decadência da produção
fidelidade, segundo o autor, as atitudes mantidas pela Colônia algodoeira, a introdução de operários europeus.
em relação às influências metropolitanas, ou seja, assimilação (E) o aumento da produção de alimentos, a integração de novas
e transformação. áreas por meio da pecuária e do comércio, a mudança do eixo
III. O autor demonstra, no texto, como a capacidade da arte mineira econômico para o Sul.
de reproduzir os padrões estéticos europeus somente pode ser
reconhecida após a instalação da corte portuguesa no Brasil,
no início do século XIX.
26 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 17

03 A economia das possessões coloniais portuguesas na América


foi marcada por mercadorias que, uma vez exportadas para outras
regiões do mundo, podiam alcançar alto valor e garantir, aos envol-
vidos em seu comércio, grandes lucros. Além do açúcar, explorado 01 (UFOP)
desde meados do século XVI, e do ouro, extraído regularmente Já se verificando nessa época a diminuição dos produtos das
desde fins do século XVII, merecem destaque, como elementos de Minas, viu-se o capitão Bom Jardim obrigado a voltar suas vistas
exportação presentes nessa economia:
para a agricultura. [...] Seus vizinhos teriam feito melhor se tivessem
(A) tabaco, algodão e derivados da pecuária. seguido exemplo tão louvável em vez de desertar o país, quando o
(B) ferro, sal e tecidos. ouro desapareceu.
(C) escravos indígenas, arroz e diamantes. Viagens ao interior do Brasil, principalmente aos distritos do ouro e diamante, John Mawe.
(D) animais exóticos, cacau e embarcações.
(E) drogas do sertão, frutos do mar e cordoaria. Segundo as observações do viajante inglês, os efeitos imediatos da
decadência da extração aurífera em Minas Gerais foram:
04 (FUVEST)
E o pior é que a maior parte do ouro que se tira das minas passa (A) a esterilização do solo mineiro e a queda da produção agropecuária.
em pó e em moeda para os reinos estranhos e a menor quantidade (B) a crise econômica e a consolidação do poder político das antigas
elites mineiras.
é a que fica em Portugal e nas cidades do Brasil...
(C) a instalação de manufaturas e a suspensão dos impostos sobre
ANTONIL, João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 1711. as riquezas.
(D) a conversão agrícola da economia e o esvaziamento demográfico
Essa frase indica que as riquezas minerais da Colônia: da província.
(E) a interrupção da exploração do ouro e a decadência das cidades.
(A) produziram ruptura nas relações entre Brasil e Portugal.
(B) foram utilizadas, em grande parte, para o cumprimento do 02 (UFMG) As igrejas e os conventos, no Brasil colonial, foram
Tratado de Methuen entre Portugal e Inglaterra. construídos seguindo o estilo Barroco da arte europeia da época.
(C) prestaram-se, exclusivamente, aos interesses mercantilistas da Na arquitetura colonial, o movimento barroco se constituiu em:
França, da Inglaterra e da Alemanha.
(D) foram desviadas, majoritariamente, para a Europa por meio do (A) oposição à suntuosidade nos ornamentos e na iluminação dos
contrabando na região do Rio da Prata. ambientes religiosos.
(E) possibilitaram os acordos com a Holanda que asseguraram a (B) expressão e instrumento da Contrarreforma, associando poder,
importação de escravos africanos. religião e riqueza.
(C) afirmação dos ideais da Reforma Religiosa, a qual pregava as
05 (UFCE) Leia o trecho abaixo: liberdades individuais e justificava o enriquecimento.
(D) valorização do equilíbrio nas formas e da austeridade na
Na mineração, como de resto em qualquer atividade primordial decoração, inspirando-se na arquitetura grega clássica.
da colônia, a força de trabalho era basicamente escrava, havendo,
entretanto, os interstícios ocupados pelo trabalho livre ou semilivre.  03 (UFF-RJ) As contradições, amplas e profundas, do processo
histórico das Minas Gerais acabaram gerando relações que podem ser
SOUZA, Laura de M. Desclassificados do Ouro: pobreza mineira no século XVIII.
3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990. p. 68. entendidas pelos seguintes antagonismos: colonizador/colonizado;
dominador/dominado; confidente/inconfidente; opressão fiscal/
Com base nesse trecho sobre o trabalho livre praticado nas áreas reação libertadora. Nesse contexto, a Coroa portuguesa, em seu
mineradoras do Brasil Colônia, é correto afirmar que: próprio benefício, desenvolveu uma ação “educativa” compreendendo:

(A) devido à abundância de escravos no período do apogeu da (A) o estabelecimento de condições adequadas ao controle
mineração, os homens livres conseguiam viver exclusivamente democrático.
do comércio de ouro. (B) a realização de programas intensivos de prevenção dos súditos
(B) em razão da riqueza geral proporcionada pelo ouro, os homens contra os abusos das autoridades.
livres dedicavam-se à agricultura comercial, vivendo com (C) o indulto por dívida fiscal e o estímulo à traição e à delação
relativo conforto nas fazendas. entre os súditos.
(C) perseguidos pela Igreja e pela Coroa, os homens livres procu- (D) o arquivamento do inquérito e a queima dos autos contra os
ravam sobreviver às custas da mendicância e da caridade pública. inconfidentes.
(D) sem condições de competir com as grandes empresas mine- (E) a promulgação de um novo regime fiscal que acabava com a
radoras, os homens livres dedicavam-se à “faiscagem” e à prática da sonegação.
agricultura de subsistência.
(E) em razão de sua educação, os homens livres conseguiam 04 (UNICAMP)
trabalho especializado nas grandes empresas mineradoras, A arte colonial mineira seguia as proposições do Concílio de
obtendo confortáveis condições de vida. Trento (1545-1553), dando visibilidade ao catolicismo reformado.
O artífice deveria representar passagens sacras.
Brasil Colônia: transformações sociais da mineração HISTÓRIA I 27
Módulo 17 1ª Série

Não era, portanto, plenamente livre na definição dos traços e (C) a cidade de Ouro Preto, centro político e econômico da região
temas das obras. Sua função era criar, segundo os padrões da Igreja, aurífera, não foi beneficiada arquitetonicamente pelo estilo barroco.
as peças encomendadas pelas confrarias, grandes mecenas das artes (D) a grande riqueza propiciada pelo ouro permitiu que artistas se
dedicassem à construção e criação de obras que expressavam
em Minas Gerais.
os sentimentos nacionais.
SANTIAGO, Camila F. G. “Traços europeus, cores mineiras: três pinturas coloniais inspiradas (E) a capitania de São Paulo, apesar de não ter participado do
em uma gravura de Joaquim Carneiro da Silva”. In: FURTADO, Junia (Org.). Sons, formas, cores e
movimentos na modernidade atlântica. Europa, Américas e África.
processo de exploração aurífera, foi o principal centro de
São Paulo: Annablume, 2008. p. 385 (adaptado). expressão do Barroco no país.

Considerando as informações do enunciado, a arte colonial mineira


pode ser definida como:

(A) renascentista, pois criava na Colônia uma arte sacra própria do


catolicismo reformado, resgatando os ideais clássicos, segundo 01 (UNICAMP)
os padrões do Concílio de Trento. Na mineração, como de resto em qualquer atividade primordial
(B) barroca, já que seguia os preceitos da Contrarreforma. Era da Colônia, a força de trabalho era basicamente escrava, havendo,
financiada e encomendada pelas confrarias e criada pelos
entretanto, os interstícios ocupados pelo trabalho livre ou semilivre.
artífices locais.
(C) escolástica, porque seguia as proposições do Concílio de Trento. Dificilmente, o homem livre destituído de recursos vultosos poderia
Os artífices locais, financiados pela Igreja, apenas reproduziam se manter como proprietário, sobretudo em Minas, região que, apesar
as obras de arte sacra europeias. de tida tradicionalmente como rica e democrática, apresentava
(D) popular, por ser criada por artífices locais, que incluíam possibilidades favoráveis apenas a um pequeno número de pessoas.
escravos, libertos, mulatos e brancos pobres que se colocavam
Desclassificados do ouro, Laura de Mello e Souza.
sob a proteção das confrarias.
(E) romântica, por ser baseada nos princípios do Iluminismo Determine qual é o conceito expresso pela historiografia tradicional
francês, o que se coaduna com o momento histórico da sobre o poder político e econômico nas áreas de mineração e
mineração. explique como esse conceito é contestado no trecho acima.

05 (UFES) O Barroco foi uma das maiores manifestações artísticas 02 (UFV)


e culturais ocorridas no Brasil Colônia, durante o período da
O ouro brasileiro deixou buracos no Brasil, templos em Portugal
exploração aurífera. É correto afirmar que, nesse período:
e fábricas na Inglaterra.
(A) a cidade de Mariana, sede do governo português, representou Eduardo Galeano

o maior conjunto arquitetônico barroco nacional.


Explique de que forma os fatos contidos na frase acima estão
(B) o Barroco, no Brasil, não apresentou características nacionais,
relacionados historicamente.
limitando-se a uma simples cópia do Barroco europeu.

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HISTÓRIA I 28
Módulo 18 1ª Série

Brasil Colônia: revoltas coloniais

Você sabia que o Brasil tem hoje mais de três mil


comunidades quilombolas?
Embora no imaginário popular seja muito comum a associação
dos quilombos a algo restrito ao passado, que teria desaparecido do
país com o fim da escravidão, o fato é que, no último levantamento

©Tursimo Bahia/Flickr
da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, realizado
em 2012, foram mapeadas 3.524 dessas comunidades.
Ao longo das últimas décadas, com um empenho do
Comunidade Quilombola
Movimento Negro e das lideranças das comunidades remanescentes Kaonge, em Cachoeira/BA
dos quilombos, observamos uma intensificação pela busca dos
direitos de cidadania, de preservação da cultura, da identidade, bem Expectativas de aprendizagem:
como dos de posse de terras ocupadas como forma de resistência – Observar como a chegada do Marquês de Pombal alteraria a
autonomia política da Colônia e instauraria maior fiscalização e
histórica contra o cenário escravocrata do passado.
controle por parte da Metrópole;
Muitos obstáculos, como a oposição de grupos econômicos ou C5 – analisar que os alicerces que baseavam o sistema colonial
a falta de visibilidade, dificultaram a permanência dos quilombos, começavam a se enfraquecer, e o maior controle por parte da
Coroa começava a causar questionamentos;
porém sua importância social, cultural e histórica é algo que
– identificar que as revoltas desse período, chamadas nativistas, não
devemos sempre relembrar, conforme será feito neste módulo. tinham caráter emancipatório.

1. O governo de Marquês de Pombal


1.1 Contexto histórico Assim, os colonos mudaram sua visão e suas atitudes diante da
dominação portuguesa. Sentindo-se explorados e empobrecidos
Até meados do século XVII existia no Brasil uma relativa pela Coroa, começaram a se revoltar contra a nova política colonial.
autonomia política dos colonos, em grande parte devido à presença
insignificante do governo português na Colônia.

©DEA / ARCHIVIO J. LANGE/GettyImages


Os grandes proprietários rurais, chamados de “homens-bons”,
eram na realidade a autoridade maior, com seus amplos poderes, que,
por meio das Câmaras Municipais, cuidavam não apenas dos assuntos
locais, mas também de assuntos pertinentes à administração colonial.
Além disso, o sistema colonial luso concedia liberdades amplas,
havendo certa autonomia também no plano comercial para os
colonos, que podiam comerciar com grupos estrangeiros, além de
armar navios para traficar escravos na África.
A autoridade da Coroa portuguesa quase não pesava sobre os
colonos, “que se sentiam como portugueses residentes no Brasil,
produzindo para enriquecer a si, ao rei e a Portugal”, como bem
definiu Caio Prado Jr.
Monumento em Lisboa, Portugal, em homenagem ao Marquês de Pombal
Depois da Restauração de 1640, a crise econômica portuguesa
forçou uma centralização do poder político na Colônia e o aumento
da exploração colonial, que teve na administração do Marquês de
Pombal seu momento mais emblemático.

Utilize o leitor óptico do seu


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Brasil Colônia: revoltas coloniais HISTÓRIA I 29
Módulo 18 1ª Série

1.2 Características do governo tinham condições de obter lucros exorbitantes. Eram as companhias
privilegiadas de comércio, que, além de tudo, contavam com a
O despotismo esclarecido foi um regime de governo adotado ação do governo para esmagar a concorrência interna e externa.
em alguns países europeus, em especial na Europa Oriental e na
A política do Marquês de Pombal, apesar de toda a violência,
Península Ibérica, no século XVIII. Alguns monarcas e ministros
não obteve êxito, pois as grandes companhias, embora adquirissem
europeus resolveram adotar os princípios do Iluminismo para
muito capital, não se desenvolveram como o esperado.
estabelecer reformas em seus países com o objetivo de modernizá-
-los, sem, contudo, perder o poder absolutista. Enquanto isso, a decadência da extração do ouro diminuía as
rendas da Metrópole. Irredutível, o ministro persistiu no caminho
Em outras palavras, a natureza do poder do rei era redefinida:
que traçara para o Brasil. Lançou um novo imposto como dízimo e,
ele não era mais a representação do Estado. O soberano tornava-
insatisfeito com o resultado, reforçou o exclusivo colonial de modo
-se um servidor do Estado, que existia para atender necessidades,
a aumentar os lucros privados na Colônia. Então, editou uma série
interesses e aspirações de todos os seus súditos.
de proibições sobre a atividade econômica no Brasil, destinadas a
As reformas realizadas pelos déspotas visavam conciliar a favorecer a economia portuguesa e a enfraquecer a colonial.
autoridade absoluta do rei com as propostas de liberdade dos
Administrativamente, Pombal limitou os poderes do
filósofos iluministas, para combater a ociosidade aristocrática e os
Conselho Ultramarino, que controlava as ações políticas
seus privilégios. Ao contrário do que esses déspotas pretendiam,
destinadas às colônias, decretou a extinção definitiva das capi-
suas nações não se tornaram potências modernas e dinâmicas
tanias hereditárias, impôs o fim da distinção existente entre os
como a Inglaterra.
“cristãos” e os “cristãos-novos” e determinou a transferência da
O despotismo esclarecido em Portugal foi exercido pelo capital da Colônia – de Salvador para o Rio de Janeiro –, além de
Marquês de Pombal, primeiro-ministro de D. José I, na segunda transformá-la em vice-reinado. Com isso, ele visava aprimorar os
metade do século XVIII. mecanismos de controle na arrecadação de impostos na Colônia.
©Uwe Zänker/iStock

Conselho Ultramarino
O Conselho Ultramarino foi um órgão fundado em 1642
na cidade de Lisboa, e começou a funcionar somente em 1643.
Sua criação visava, entre outras razões, restaurar o Conselho
da Índia, criado em 1604 por Filipe II, que teve uma vigência
de apenas dez anos.
Naquele período, o conselho foi presidido pelo então
vice-rei do Brasil, D. Jorge de Mascarenhas, Marquês de
Montalvão, e sua criação evidenciava a atenção política da corte
de Portugal, naquele momento, em relação ao Brasil e à África,
na medida em que as regiões descobertas pelos portugueses
estavam sob ameaça constante de outros povos da Europa,
como ingleses e holandeses.
Marquês de Pombal Podendo intervir em todos os negócios e assuntos que
dissessem respeito à Índia, ao Brasil e à África, o Conselho
Nesse período, o Estado português buscava recuperar suas tinha uma atuação mais incisiva no tocante à fazenda, à admi-
finanças, abaladas pela decadência da mineração e pelas perdas nistração, ao comércio, à justiça e à guerra, sendo consultado
econômicas devido ao Tratado de Methuen, assinado com a Ingla- em assuntos que necessitassem obter uma resolução a partir
terra, que acabava ficando com a maior parte do ouro brasileiro. do monarca.
Tornava-se fundamental para a sobrevivência lusitana reforçar Sensível ao que acontecia nas colônias, o Conselho Ultra-
sua ligação com a Colônia para garantir o cumprimento do marino dava atenção especial ao Brasil, e com frequência os
Pacto Colonial. vice-reis e capitães-generais que serviram na América portu-
guesa tornavam-se conselheiros do órgão. A conjuntura crítica
Em meio às perseguições movidas por Pombal em Portugal,
do início do século XVIII não poderia passar despercebida ao
aos poucos foram se delineando seus verdadeiros objetivos. O
Conselho: ao contrário, ele a captou com sensibilidade extrema,
ministro queria solucionar os problemas econômicos do Estado luso
procurando oferecer alternativas para sua superação.
promovendo uma grande concentração de riquezas para o empre-
sariado português, que lhe dava sustentação política. Portanto,
criou empresas que, beneficiadas pelo Estado com amplos poderes,
30 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 18

Iniciada a demarcação das fronteiras pelos governos de Portugal

©Nikada/iStock
e Espanha, Pombal determinou ao governador-geral que tomasse
conta das regiões até então controladas pelos jesuítas. Estes resistiram,
sobretudo, na Região Amazônica, onde estava a maior parte de suas
missões.
Uma das primeiras providências de Pombal para minar a
resistência jesuíta foi criar, em 1755, a Companhia do Grão-Pará e
Maranhão, que era uma empresa monopolista, na medida em que
todas as importações só poderiam ser feitas por seu intermédio e
todos os produtos exportáveis deveriam ser vendidos a ela.
Com isso, os jesuítas ficaram impossibilitados de vender os
produtos das missões, e toda a população local tornou-se depen-
O Conselho Ultramarino tentava centralizar a administração das atividades marítimas do Império
dente dos preços impostos pela empresa. Já nos dois primeiros
anos de seu funcionamento, as exportações caíram para menos da
Ao longo da sua vigência, o Conselho Ultramarino reuniu metade do período anterior.
documentações referentes às instituições da administração Para abafar os protestos ocasionados pela medida, Pombal
central de Portugal desde o século XVI até sua extinção, em envidou todos os esforços. Os padres que protestavam em público
1833. Esse organismo acompanhou toda a expansão portuguesa eram julgados pelos tribunais portugueses muitas vezes à revelia,
no mundo, no planejamento de centralizar a administração de o que facilitava sua condenação.
todas as atividades ultramarinas do Império Português. Entre
Em 1758, Pombal pediu licença ao papa para reformar a Ordem
as atribuições do Conselho, destacavam-se as seguintes:
dos Jesuítas e logo depois, por meio de um alvará, retirou dos jesuítas
• Administração da Fazenda; qualquer autoridade sobre os índios brasileiros.
• decisões referentes ao movimento ultramar para as Índias; No mesmo ano, um atentado contra a vida do rei D. José I,
• definições de equipamento, embarcações e armas; atribuído por Pombal a uma conspiração liderada por nobres e
• provimento de ofícios de Justiça e Fazenda;
jesuítas, forneceu o pretexto que faltava para o déspota lançar sua
• orientação dos negócios referentes à guerra;
ofensiva final sobre a Companhia de Jesus e sobre a nobreza lusa,
• requerimentos de benefícios por trabalhos prestados em
ultramar. fortalecendo ainda mais seu poder.
Em janeiro do ano seguinte, começaram as prisões dos padres
O Conselho Ultramarino funcionou na cidade de Lisboa. e em setembro a Ordem foi proibida de funcionar em todos os
Depois, fixou-se no Rio de Janeiro, onde continuou atuando domínios de Portugal, tendo seus bens confiscados e seus membros
até 1821. Nesse mesmo ano, voltou para seu país de origem expulsos do território lusitano e de suas colônias. Isso gerou um
e foi extinto em 1833; suas atribuições foram passadas para enorme problema para o Brasil, pois, em dois séculos de presença,
juízes, Tesouro Público e Secretaria de Estado dos Negócios os jesuítas consolidaram tanto uma posição importante na política
da Marinha e Ultramar. de tratamento dos índios como, principalmente, contribuíram para o
precário sistema de educação colonial. Com a expulsão deles, a Região
Apesar de todas as medidas administrativas de Pombal, não Amazônica, principal centro de suas atividades, entrou em estagnação
houve meio de sanear a economia do reino. Em seu governo, e no resto da Colônia foram fechados os melhores colégios existentes.
reformou a pesada estrutura do tesouro, mudou a estrutura do
Domínio Público/Wikimedia

ensino e tentou modernizar o aparelho burocrático.


Com poderes mais amplos, os vice-reis tentaram implantar no
Brasil mudanças equivalentes às realizadas em Portugal. Mas as
reformas foram mais tímidas, apesar de beneficiarem a nova capital, que
foi remodelada.

1.3 Pombal e os jesuítas


A postura de Pombal em relação à Igreja e aos jesuítas não
pode ser esquecida.
As discordâncias entre o Marquês e os jesuítas já existiam
desde 1750, porque, com o Tratado de Madri, Portugal assegurou as
fronteiras brasileiras e já não precisava dos padres para mantê-las.
O Marquês de Pombal, óleo sobre tela de Louis-Michel van Loo e Claude Joseph Vernet, 1882
Brasil Colônia: revoltas coloniais HISTÓRIA I 31
Módulo 18 1ª Série

2. As primeiras revoltas coloniais Dentre as inúmeras ideias falsas sobre a história do Brasil, tem-se a
da “passividade” do negro, isto é, a afirmação preconceituosa e racista
de que o negro aceitou a escravidão passivamente. Se a historiografia
2.1 Contexto histórico tradicional pretende ressaltar a “benevolência branca” e a “passividade
A partir de determinado momento, os alicerces do antigo negra”, sua atitude não passa de uma tentativa de “mascarar” a realidade.
sistema colonial sofreram prejuízos. É fundamental lembrar que O negro sempre lutou contra a escravidão. A rigor, sua luta pela
não se pode compreender essa crise analisando apenas um lado liberdade no Brasil é um fato histórico que extrapola os limites do
do problema, ou seja, há uma inter-relação entre o que estava tempo e chega aos dias atuais.
ocorrendo na Europa e o que ocorria na América; ambos se As fugas de escravos e a formação dos quilombos foram
articulavam, uma vez que a área central e a periferia tornaram-se comuns no Brasil desde o século XVI, entretanto, somente no
um único conjunto. final do Período Colonial e no início do império, as insurreições
As primeiras revoltas não tiveram caráter emanci­patório, ocorreram de forma mais sistemática.
ou seja, não visavam à independência da Colônia, por isso alguns É importante que se lembre, todavia, que esses movimentos
historiadores as denominam de rebeliões nativistas. Eram reações coletivos de resistência dos escravos negros não conseguiram
às arbitrariedades das autoridades portuguesas, ao excesso de fisca- questionar o sistema escravista ou derrubá-lo.
lismo e às reivindicações dos colonos não atendidas pela Metrópole.
Além disso, as condições de exploração da Colônia ainda eram

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limitadas, o que possibilitava aos revoltosos a busca de alternativas.
Tinham um caráter local e um baixo grau de definição
ideológica, pois não revelavam uma consciência mais ampla da
dominação colonial nem apresentavam propostas alternativas, como
aconteceria com os movimentos emancipatórios.
Essas primeiras manifestações de rebeldia visavam, na verdade,
reformar alguns aspectos mais odiosos da exploração colonial
sobre uma determinada região. Ora eram movimentos contra o
monopólio que uma companhia privilegiada de comércio tinha
sobre determinada região; ora eram contra leis da Metrópole que
protegiam os índios contra a escravidão. Às vezes eram conflitos
locais que opunham senhores de engenho aos comerciantes
portugueses ou os bandeirantes paulistas aos moradores de outras
capitanias que disputavam com eles o domínio das minas.
Esses movimentos de rebelião pouco questionavam a autoridade Capoeira ou a Dança da Guerra, de Johann Moritz Rugendas, 1835
da Coroa portuguesa, jamais propunham a construção de uma nova
nação. Suas razões eram meramente regionais. Aliás, nem se podia Também havia as diferenças étnicas entre os africanos que
pensar em uma ideia de nação. O Brasil era uma extensa Colônia chegavam ao Brasil. Nos navios negreiros e nos engenhos, era
despovoada, sem comunicação, com regiões isoladas e um interior costume misturarem-se negros de várias etnias, muitas vezes rivais,
quase vazio. para evitar rebeliões. Cada grupo étnico falava uma língua diferente,
e poucos conheciam alguns rudimentos da língua portuguesa.
2.2 A Revolta de Palmares Portanto, a comunicação entre eles era muito difícil. Muitas vezes
essas etnias já eram inimigas na África, onde uns haviam sido
Rebeliões e revoltas contra o domínio português se verificaram
presos e mesmo massacrados pelos outros. As rivalidades levavam
desde o século XVII, como demonstra a Rebelião de Palmares.
até mesmo à delação. Era comum o escravo de uma etnia delatar
A exploração que a Metrópole exercia sobre a Colônia brasileira
outro rival ao saber que preparava qualquer movimento.
provocava reação dos colonos. Essas reações se acentuaram à
medida que a economia colonial se diversificava e se desenvolvia. Além disso, havia as diferenças entre a própria escravaria, que
estava dividida em dois principais grupos:
A historiografia tradicional brasileira, elitista e heroica, foi usada
quase sempre como instrumento para desfigurar a verdade histórica. • os negros boçais – responsáveis pelo trabalho braçal mais
Deliberadamente ou não, foi comum aos historiadores do pesado, eram africanos que não falavam o português, usavam
seus dialetos, sendo o mais comum o yorubá;
passado escrever a História do Brasil segundo a ótica do coloni-
• os negros ladinos – negros africanos que passavam por um
zador, ou seja, da elite dominante, aquilo que se chama de “história processo de “branqueamento”, ou seja, aprendiam a falar o
dos vencedores”. Daí decorrem as incorreções metodológicas, bem português, se convertiam ao catolicismo e eram usados nos
como os falseamentos ideológicos e históricos. serviços domésticos ou na agricultura de subsistência.
32 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 18

Havia ainda um terceiro grupo, menor em quantidade, o grupo Quilombo é, por definição, uma comunidade negra formada e
dos crioulos, formado por negros e mulatos nascidos no Brasil, organizada para realizar a luta pela liberdade e contra a escravidão.
e que também eram usados nas roças de subsistência, como capitães Esses redutos foram a base da resistência negra e existiam em
do mato ou como negros de ganho. qualquer lugar do Brasil onde prevalecessem relações escravistas,
colocando em risco a aristocracia rural.

Cultura e resistência nos quilombos alguns folcloristas. Entre elas, jongos, sambas de roda, tambores
A escravidão durou cerca de 300 anos no Brasil e foi um de crioula e festas do boi receberam o reconhecimento oficial
dos pilares da economia, além de ter largamente modificado as do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. A Lei
esferas social, étnica e cultural do país. Quando falamos de uma 10.639/2003, por sua vez, torna obrigatório o ensino de história
instituição de tal tamanho, é necessário compreender não só e cultura afro-brasileira nas escolas.
alguns aspectos importantes como a desumanização do escravo, A emergência ou a revitalização recente dessas festas
a condição precária a que foram submetidos e as consequências negras articula-se com os novos rumos dos movimentos negros
desta para a vida de milhões de pessoas, mas também uma contemporâneos, embora também tenham de enfrentar diferentes
esfera que às vezes é muito esquecida, que é a resistência dessas conflitos, muitas vezes impostos pelo crescimento de determi-
populações contra a escravidão. Sobre a cultura e a resistência nados movimentos religiosos evangélicos. Conflitos e mudanças
nos quilombos, Martha Abreu escreve: fazem parte da história de todas as festas, em qualquer tempo.
“Festas de jongo, congados, folias de reis, festas de boi, A partir dessa discussão mais ampla, uma boa estratégia é
maracatus, cocos, tambores de crioula e sambas de roda – contar a história da festa de uma pequena localidade, distante
criadas e recriadas pelos africanos e seus descendentes ao longo do Rio de Janeiro cerca de três horas, no município de Valença:
do século XIX, a presença dessas festas no século XXI desafia o Quilombo São José da Serra. Apesar de o local ser distante e
todos os prognósticos de folcloristas e intelectuais. A previsão de difícil acesso, a repercussão recente dos seus tambores, versos
era de desaparecimento, em função das irresistíveis pressões e danças tem sido impressionante por todo o Sudeste do Brasil.
da miscigenação e da modernidade. Como entender hoje a A festa se realiza todos os anos, em torno de 13 de maio, e
continuidade dessas festas, quando estamos muito longe dos seus festeiros são descendentes da última geração de africanos
africanos e da escravidão? e escravizados do velho Vale do Paraíba cafeeiro. Reivindicam
No passado, certamente, as festas negras ocuparam espaço hoje o título e os direitos de “remanescentes das comunidades
fundamental na luta de escravos e libertos. Foi algo pelo qual dos quilombos”, a partir do artigo 68 dos Atos das Disposições
valia a pena lutar. Ao lado da defesa da família, do acesso à Constitucionais Transitórias da Constituição Brasileira de 1988.
terra e da própria liberdade, as reuniões festivas, religiosas ou Depois de mais de 15 anos de luta, a vitória e o reconhecimento
não, estiveram na pauta das reivindicações de escravos e seus de suas terras parecem estar próximos.”
descendentes em todos os locais onde houve escravidão.
Mesmo depois da abolição e ao longo do século XX, apesar ©Vilma Neres/Flickr

das difíceis condições de vida de seus festeiros e das políticas


quase oficiais de exclusão, as festas negras impuseram-se cultu-
ralmente na nova nação republicana. De fato, afrodescendentes
por todo o país lutaram contra as perseguições ou as interdições
aos candomblés, jongos, maracatus e sambas, bandeiras de
expressão pelo direito a um patrimônio construído nos tempos
do cativeiro. Também abriram espaços de visibilidade e reconhe-
cimento de sua presença, em termos musicais e religiosos. As
festas negras criaram possibilidades para o exercício de outras
dimensões da cidadania, para muito além do voto ou da repre-
sentação política instituída pelas Constituições republicanas.
Jogo de Jongo na Lapa, no Rio de Janeiro
Atualmente, muitas festas negras ganharam especial valori-
zação, para além dos próprios grupos ou do interesse pontual de Abreu, Martha. Revista da Biblioteca Nacional. Edição de out. 2007.
Brasil Colônia: revoltas coloniais HISTÓRIA I 33
Módulo 18 1ª Série

Se os tamanhos dos quilombos eram distintos, também eram A população de Palmares apresentava uma composição
diferentes as formas de defesa. bastante heterogênea. Ali conviviam negros das mais diferentes
De maneira geral, os quilombolas queriam a paz com os etnias, mestiços e índios organizados em mocambos (aldeias),
brancos e usavam o ataque apenas para se defender ou para em que domesticavam animais, desenvolviam a arte da cerâmica e
conquistar alimentos. Usavam como escudo do território artifícios praticavam rudimentos de metalurgia.
muito engenhosos, tais como cercas de madeira, fossos e espinheiras. Os negros que chegavam a Palmares de livre e espontânea
O historiador Décio de Freitas escreveu em seu livro Palmares – vontade passavam a viver em liberdade; os que fossem raptados
A guerra dos escravos, que existiam sete tipos de quilombos quanto dos engenhos ou aprisionados nos combates com portugueses e
à subsistência: holandeses eram escravizados até que conseguissem trazer outro
negro ao quilombo.
“... os agrícolas, que existiram em todas as regiões do Brasil; os
mineradores, que viviam do garimpo e do contrabando de metais A fertilidade da região da Serra da Barriga e o trabalho geraram
e pedras preciosas em Minas Gerais, Mato Grosso e parte da Bahia; grandes plantações e colheitas. Ali se cultivavam cana-de-açúcar,
os extrativistas, que exploravam as drogas do sertão na Amazônia; arroz, feijão, milho, fumo, mandioca e batata-doce.
os mercantis, também na Amazônia, que trocavam com os índios as A terra era propriedade coletiva de toda a comunidade. Com
drogas do sertão, que depois eram comercializadas com os merca- exceção dos objetos de uso pessoal, tudo era de todos.
dores que desciam os rios; os de serviços, que forneciam mão de No plano econômico e comercial, embora a estrutura de
obra aos subúrbios das cidades, onde os quilombolas trabalhariam produção se voltasse basicamente para o consumo comunitário,
fazendo-se passar por libertos; os pastoris, no Rio Grande do Sul, sabe-se que os quilombolas chegaram a comerciar com holandeses,
que criavam gado; e os predatórios, que existiram em quase todo o portugueses e até com vaqueiros do sertão, aos quais vendiam
Brasil e viviam do saque às propriedades dos brancos”. alimentos. Assim, muitos brancos protegiam as comunidades de
Das dezenas de quilombos existentes no Brasil, vale destacar Palmares, devido a interesses comerciais.
o Quilombo de Palmares, que, pela extensão territorial, nível Na hierarquia social, o topo da pirâmide era ocupado pelos
de organização e tempo de duração, cerca de 65 anos – sendo os sacerdotes dos cultos religiosos, os militares, os chefes de aldeia
últimos 10 anos só de cerco –, transformou-se no mais importante e o rei. O chefe de aldeia liderava as comunidades, pagando
movimento negro da história nacional. tributos à capital.
Palmares localizava-se estrategicamente no atual estado de

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Alagoas, em uma região acidentada e de difícil acesso, porém
dotada de abundantes terras férteis, caças, frutas, rios e madeira, a
chamada Serra da Barriga.
Palmares

AL
AG
OA Maceió
S

Amaro
Arotirene Tabocas

Zumbi Casas como essa eram comuns em Palmares

Dambrabanga
Reunidos em uma assembleia, os chefes comunitários elegiam
Subupira Aqualtene
o rei, cujo cargo era vitalício, com base em critérios como coragem,
OCEANO força física e capacidade de comando. O rei, no entanto, era
Osenga
Porto ATLÂNTICO auxiliado por um conselho de anciãos, escolhido entre os chefes das
Macaco Calvo cidades, tendo esses chefes e o rei privilégios e direitos negados a
qualquer outro morador, por exemplo, o de usar guardas pessoais
e possuir várias mulheres.
Andalaquituche
Além do mais, eram os únicos que se vestiam bem, para
MACEIÓ
simbolizar a importância e a liturgia do cargo. As armas de fogo
eram proibidas e, seguindo costumes africanos, o homicídio, o
adultério e o roubo eram severamente reprimidos.
34 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 18

Palmares, com sua organização política, econômica e social, era Todavia, a figura do herói negro Zumbi continua até hoje
um verdadeiro Estado Negro autônomo dentro do Brasil senhorial. sendo o símbolo da luta negra contra o preconceito e o racismo no
Por isso, sua existência era uma afronta à ordem branca instituída, Brasil. Tem-se, inclusive, a eleição do 20 de novembro como o Dia
devendo ser completamente destruído e seus líderes, aniquilados, da Consciência Negra.
até para servirem de exemplo para outros negros.
Entretanto, a destruição completa de Palmares foi mais difícil 2.3 A Revolta de Beckman
que se supunha. Foram necessárias ao todo 18 expedições contra
O Maranhão antigo, que compreendia uma vasta área do atual
a comunidade, a última com tropas comandadas pelo bandeirante
Rio Grande do Norte até o Pará, era uma das regiões econômicas
Domingos Jorge Velho, sertanista que realizou muitos serviços
mais importantes do Brasil colonial. Grande produtor de algodão,
prestados às elites coloniais e ao Estado metropolitano, destruindo,
lá também se cultivava cana-de-açúcar e se organizava a coleta de
matando e expropriando grupos de índios e negros por toda a
drogas do sertão, na Floresta Amazônica. O problema essencial
Região Nordeste, onde, inclusive, transformou-se em grande senhor
para o colono do Norte era a necessidade de utilizar a mão de obra
de terras.
indígena na lavoura e na coleta das drogas do sertão, uma vez que
Depois de várias incursões ao quilombo, e quase dez anos de a oferta de escravos negros era insuficiente.
cerco total, Palmares foi finalmente destruído, em 1694.
Os jesuítas, radicalmente contrários à escravização indígena, e o
Zumbi resistiu heroicamente, mas impossibilitado de resistir Estado metropolitano, que interferia de forma arbitrária, restringiam
por mais tempo, tentou uma retirada com centenas de quilombolas a possibilidade de os colonos acumularem riquezas, o que provocou
a fim de organizar a resistência negra em outro ponto. A estratégia, uma insatisfação generalizada no Norte, ao longo do século XVII.
entretanto, não deu resultado e, apanhados de surpresa pelas forças
Nessa questão, os jesuítas eram os maiores inimigos dos
inimigas, os fugitivos morreram lutando. Zumbi conseguiu fugir,
colonos, na medida em que não admitiam a escravidão dos índios
porém, em 20 de novembro de 1695, foi aprisionado e decapitado.
e os organizavam em missões, nas quais exploravam o trabalho
Sua cabeça, espetada em um poste, foi colocada em praça pública,
indígena. Além disso, por meio do Alvará Régio de 1655, os índios
como prova de sua mortalidade aos negros que o julgavam imortal.
foram colocados sob autoridade exclusiva dos padres da Companhia
de Jesus. Um dos mais ferrenhos defensores da liberdade do índio
©Halley Pacheco de Oliveira/Wikimedia

foi o padre Antônio Vieira, que viveu no Maranhão na segunda


metade do século XVII. Depois de alguns confrontos com colonos
que resultaram, inclusive, em sua prisão e envio para Lisboa, Vieira
conseguiu por meio de um novo Alvará (decretado pelo governo
português em 1680) a proibição de se escravizar o índio.
Deu-se, então, um novo impasse. Como resolver o problema da
mão de obra? A solução seria a utilização do escravo africano, cuja
mão de obra, até então, tinha sido pouco usada no Norte, já que os
traficantes preferiam vender o negro para o Nordeste, onde conseguiam
preço mais elevado.
Na tentativa de solucionar o problema, o governo português
criou, em 1682, como já visto, a Companhia de Comércio do
Estado do Maranhão.
A Companhia havia se comprometido a abastecer a região.
Porém, repetiu-se o velho problema de não cumprir os encargos
assumidos, além de não adquirir os produtos locais e de não suprir a
região com o número de escravos prometido e com gêneros alimen-
tícios, como bacalhau, vinho, farinha de trigo e outros produtos. Em
verdade, a Companhia se caracterizou pela corrupção, ludibriando
os colonos, falsificando os pesos e as medidas, roubando o erário
e vendendo seus produtos de má qualidade por preços bem acima
dos de mercado.
Uma reação não demorou a ocorrer; já em 1684, chefiados por
Serrão de Castro e pelos irmãos Manuel e Tomás Beckman, os
colonos se rebelaram. Prenderam o capitão-mor e os jesuítas, expul-
sando-os do Maranhão, e ocuparam os armazéns da Companhia.
Zumbi, o grande líder do Quilombo dos Palmares
Brasil Colônia: revoltas coloniais HISTÓRIA I 35
Módulo 18 1ª Série

Essa crise no setor açucareiro abalou profundamente a elite

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latifundiária sediada em Olinda, que, devido à centralização
político-administrativa imposta pela Metrópole, viu escapar de
seu domínio os poderes administrativos sobre a capitania de
Pernambuco.
Olinda, o aristocrático centro da elite agrária pernambucana até
a dominação holandesa, era a área mais importante da capitania,
sobressaindo-se em relação a Recife. Entretanto, durante a admi-
nistração de Nassau, Recife foi urbanizado e recebeu obras vultosas,
tornando-se a sede administrativa da capitania e superando Olinda
em importância política.
Com a expulsão dos holandeses e o acirramento da crise econômica,
tornou-se ainda mais evidente o contraste entre Recife e Olinda.
Enquanto a velha e aristocrática Olinda empobrecia com a crise
açucareira, a jovem e dinâmica Recife enriquecia com o comércio
Os jesuítas impediam a escravização dos indígenas, e os colonos se revoltavam contra isso
eventualmente. Na pintura de Johann Moritz Rugendas, vemos a ação jesuítica com os índios manipulado por uma rica burguesia portuguesa. Com o crescimento
dos negócios em Recife, os comerciantes enriquecidos que ali faziam
Os rebeldes vitoriosos constituíram um novo governo, aboliram seus negócios e suas transações mercantis insistiam que o local
o monopólio da Companhia e revogaram o Alvará que os impedia continuasse a ser a sede administrativa da capitania.
de escravizar os índios.

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Tomás Beckman rumou para Lisboa, onde expôs ao governo
português as razões da rebelião, o que é uma prova incontestável
de que a Revolta de Beckman não foi um movimento que visava
à emancipação da Colônia, mas sim um movimento que buscava
soluções imediatas para o problema da mão de obra na região.
Portugal nomeou Gomes Freire de Andrade como o novo
governador para o Estado do Maranhão. O novo governador,
Na gravura de Gillis Peeters observa-se uma vista parcial da cidade de Recife
político extremamente hábil, procurou inicialmente contemporizar
rompendo o monopólio da Companhia de Comércio. Esse fato Não se pode esquecer que o empobrecimento da aristocracia
desmobilizou os revoltosos e Gomes Freire debelou facilmente olindense a endividava e a submetia aos ricos comerciantes de Recife
o movimento rebelde e prendeu seus principais líderes, tendo que lhe emprestavam dinheiro. Isso se dava uma vez que Olinda, a
Manuel Beckman e Serrão de Castro, os mais comprometidos com velha capital incendiada pelos holandeses, fora reconstruída apenas
a rebelião, sido condenados à morte e enforcados. As outras penas em parte e, embora continuasse sede do governo e do bispado, não
variaram do degredo à prisão. Muitos rebeldes foram perdoados. conseguia crescer tanto quanto Recife. Esta se tornava cada vez mais
Os jesuítas voltaram ao Maranhão, recuperando o controle rica, porém era politicamente inferior, na medida em que estava
sobre os indígenas, o que significou a permanência dos atritos com submetida às determinações da Câmara Municipal de Olinda.
os colonos, pois não abriram mão de sua posição de defensores da Os comerciantes de Recife, chamados pejorativamente
liberdade do índio. pelos olindenses de mascates, exigiam sua elevação à categoria
de vila, o que lhes daria autonomia político-administrativa. Em
2.4 Guerra dos Mascates verdade, os mascates passaram a reivindicar o poder político,
A Guerra dos Mascates pode ser vista sob vários prismas: o até então exclusivo dos senhores de terras e de escravos. Estes,
econômico (produtores contra comerciantes de açúcar), o das por sua vez, se opuseram com violência, invocando os sacrifícios
nacionalidades (brasileiros, os “mazombos”, contra reinos de realizados na luta contra os holandeses e apoiando-se na tradição
origem portuguesa, os “mascates”), ou ainda, como é mais comum, (só tinham acesso a certos cargos os que não desempenhavam
o municipal (Olinda × Recife). trabalhos “mecânicos”).
Quando os holandeses renderam-se no Recife, em janeiro de Outro fator explicativo do conflito estava além da luta
1654, pondo fim a 25 anos de ocupação, teve início na capitania de municipal. Havia um conflito de ordem econômica, no qual o
Pernambuco um período de turbulência política e crises econô- domínio holandês havia sido comercial e urbano, deixando o
micas, em especial da empresa açucareira nordestina. Conforme já interior da capitania sob o controle dos brasileiros. Com isso, a
afirmado, a crise foi motivada pelo crescimento da produção açuca- venda do açúcar deixou de pertencer aos produtores – da mesma
reira antilhana financiada pelo capital holandês e pela consequente forma como aconteceu na Bahia – e passou para os comerciantes
queda de preço do açúcar brasileiro nos mercados internacionais. relacionados aos mercados europeus.
36 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 18

O modelo foi mantido após a expulsão dos comerciantes flamengos, O confronto entre Olinda e Recife prosseguiu até a chegada de
sendo o comércio realizado por mercadores – os “mascates” – agentes um novo governador, nomeado pelo rei, em outubro de 1711. Este
ou associados de comerciantes portugueses. Em consequência, os mostrou simpatia pelos mascates, o que não poderia ser diferente,
produtores de açúcar logo estavam cheios de dívidas e os comerciantes afinal Recife significava dinheiro e comércio. Ademais, com os
ficavam cada vez mais ricos. Estava estruturada a crise. franceses a rondar a costa, a disseminada simpatia dos olindenses
A guerra propriamente dita pode ser explicada rapidamente. pela França não agradava ao reino. O novo governador prendeu
Em 1709, por determinação do rei D. Pedro II, Recife transformou- e enviou para Lisboa os principais implicados na revolta, além de
-se em município, sendo incumbidos o governador Castro e Caldas confiscar-lhes os bens.
e o ouvidor de fixarem os seus limites. A luta chegou ao fim. Recife foi confirmado como vila e capital
No ano seguinte, foi erguido em Recife um pelourinho, desse da capitania. A rica burguesia portuguesa saía finalmente vitoriosa.
modo investindo Recife na categoria de vila, uma vez que o pelou-

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rinho era o símbolo da emancipação municipal e local público em
que, no Brasil, os negros eram amarrados e açoitados.
Os olindenses não se conformaram e o governador foi alvo de
um atentado a tiros, provocando uma atitude repressiva do governo.
Prisões foram feitas, aumentando ainda mais a insatisfação das elites
de Olinda. O governador, por sua vez, refugiou-se na Bahia, sob
a proteção do governador-geral. Os olindenses marcharam sobre
Recife, invadiram e dominaram a cidade, destruindo o pelourinho.
Vista da cidade de Recife e do porto

01 (UECE) A chamada Guerra dos Mascates, ocorrida em Estão corretas as afirmativas:


Pernambuco no ano de 1710, deveu-se:
(A) I, II e III. (D) II, III e V.
(A) ao surgimento de um sentimento nativista brasileiro, em (B) I, III e V. (E) III, IV e V.
oposição aos colonizadores portugueses. (C) II, III e IV.
(B) ao orgulho ferido dos habitantes da vila de Olinda, menospre-
zados pelos portugueses. 03 (UFPE) Sobre a Guerra dos Mascates, assinale a alternativa correta:
(C) ao choque entre comerciantes portugueses de Recife e a aristo-
cracia rural de Olinda pelo controle da mão de obra escrava. (A) Foi um conflito desencadeado pelos irmãos Manuel e Tomás
(D) ao choque entre comerciantes portugueses do Recife e a Beckman, grandes proprietários de terras em Recife.
aristocracia rural de Olinda, cujas relações comerciais eram, (B) Foi uma reação dos jesuítas contra a escravização indígena em
respectivamente, de credores e devedores. Recife e Olinda, e resultou na expulsão dos padres.
(E) a uma disputa interna entre grupos de comerciantes, que eram (C) Ocorreu por causa da Lei das Casas de Fundição e pela repressão
chamados depreciativamente de mascates. desencadeada por conde de Assumar, fiel ao rei.
(D) A vitória foi conquistada pelos olindenses após a sangrenta
02 (UFJF) No Período Colonial, surgiram várias rebeliões e movi- batalha do Capão da Traição.
mentos de libertação que questionaram a dominação portuguesa (E) Tratou-se de um conflito entre comerciantes de Recife, que
sobre o Brasil. defendiam a autonomia da vila, e senhores de engenho de
Olinda, contrários àquela autonomia, acerca do pelourinho
A respeito dessas rebeliões, pode-se afirmar: que a simbolizava.

I. Todos os movimentos de contestação visavam à separação 04 (UFRN) A Revolta de Beckman e a Guerra dos Mascates,
definitiva do Brasil de Portugal. verificadas no final do século XVII e no início do século XVIII,
II. Até a primeira metade do século XVIII, os movimentos podem ser caracterizadas como:
contestatórios exigiam mudanças, mas não o rompimento do
estatuto colonial. (A) movimentos isolados em defesa de ideias liberais, nas diversas
III. Desde o final do século XVIII, os movimentos de libertação capitanias, com a intenção de se criarem governos republicanos.
sofreram a influência do Iluminismo e defendiam o fim do (B) movimentos de defesa das terras brasileiras, que resultaram em
Pacto Colonial. um sentimento nacionalista, visando à independência política.
IV. A luta pela abolição da escravatura era uma das propostas (C) manifestações de rebeldia localizadas, que contestavam aspectos
presentes em basicamente todas as rebeliões. da política econômica de dominação do governo português.
V. Uma das razões de vários movimentos contestatórios era o (D) manifestações das camadas populares das regiões envolvidas, contra
abuso tributário da Coroa portuguesa em relação aos colonos. as elites locais, negando a autoridade do governo metropolitano.
Brasil Colônia: revoltas coloniais HISTÓRIA I 37
Módulo 18 1ª Série

05 (UFMG) Sobre a Guerra dos Mascates, pode-se afirmar corre- com os comerciantes da Vila de Recife. Essa situação gerou um
tamente que: forte antagonismo entre essas partes, que se acirrou quando D.
João V emancipou politicamente Recife, deixando esta de ser
(A) significou a retomada de Recife pelos portugueses, após um vinculada a Olinda. Tal fato desobrigou os comerciantes de Recife
período de dominação holandesa. do recolhimento de impostos a favor de Olinda.
(B) os produtores de cana-de-açúcar de Recife, endividados,
revoltaram-se contra os comerciantes de Olinda. O conflito que eclodiu em função do relatado no texto foi a:
(C) resultou de conflitos entre comerciantes de Recife e senhores
de engenho de Olinda a respeito do controle político-adminis- (A) Revolta de Beckman.
trativo da região. (B) Guerra dos Mascates.
(D) foi uma típica revolta anticolonialista, pois os “mascates” eram (C) Guerra dos Emboabas.
os comerciantes portugueses que dominavam a economia local, (D) Insurreição Pernambucana.
com o apoio dos senhores de engenho. (E) Conjuração dos Alfaiates.

03 (FUVEST) A Revolta de Beckman, ocorrida no Maranhão entre


1684 e 1685, e a Guerra dos Mascates, em Pernambuco entre 1710
e 1711, possuem em comum o fato de terem sido movimentos que:

01 (ENEM) (A) tinham como objetivo a emancipação política da Colônia.


A Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio (B) expressavam a reação dos colonizadores diante da violência
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desenvolveu o projeto física e cultural a que eram submetidos.
(C) punham em destaque a forte penetração do ideário liberal entre
“Comunidades Negras de Santa Catarina”, que tem como objetivo
diversos segmentos da sociedade colonial.
preservar a memória do povo afrodescendente no Sul do país. (D) evidenciavam conflitos de interesses entre colonos e colonizadores.
A ancestralidade negra é abordada em suas diversas dimensões: (E) visavam pôr fim ao exclusivo comercial, instruindo um regime
arqueológica, arquitetônica, paisagística e imaterial. Em regiões de livre comércio com a Inglaterra.
como a do Sertão de Valongo, na cidade de Porto Belo, a fixação
dos primeiros habitantes ocorreu imediatamente após a abolição da 04 (UEL) Leia com atenção:
escravidão no Brasil. O Iphan identificou nessa região um total de
Oh se a gente preta tirada
19 referências culturais, como os conhecimentos tradicionais
das brenhas da sua Etiópia,
de ervas de chá, o plantio agroecológico de bananas e os cultos
e passada ao Brasil,
adventistas de adoração.
conhecera bem quanto deve a Deus
Disponível em: <www.portal.iphan.gov.br>. Acesso em: 1 jun. 2009 (adaptado). e à sua Santíssima Mãe
por esse que pode parecer
O texto permite analisar a relação entre cultura e memória,
desterro, cativeiro e desgraça
demonstrando que:
e não é senão milagre
(A) as referências culturais da população afrodescendente estiveram e grande milagre!
ausentes no Sul do país, cuja composição étnica se restringe Antonio Vieira, 1633
aos brancos.
(B) a preservação dos saberes das comunidades afrodescendentes As palavras do padre Vieira representam as inquietações e hesitações
constitui importante elemento na construção da identidade e de autoridades régias, eclesiásticas e de colonos diante da mais
da diversidade cultural do país. emblemática rebelião de quilombos coloniais, o Quilombo de
(C) a sobrevivência da cultura negra baseia-se no isolamento das Palmares – o “Estado Negro” encravado no Brasil escravista. Sobre
comunidades tradicionais, com proibição de alterações em seus o tema, é correto afirmar:
costumes.
(D) os contatos com a sociedade nacional têm impedido a conser- (A) No Brasil, as comunidades remanescentes dos quilombos foram
vação da memória e dos costumes dos quilombolas em regiões aniquiladas e com elas também a tradição oral dos povos africanos.
como a do Sertão de Valongo. (B) Vieira e outros jesuítas justificaram e defenderam a escravidão dos
(E) a permanência de referenciais culturais que expressam a ances- negros, combinando a ideia de missão com a de ordem escravista.
tralidade negra compromete o desenvolvimento econômico (C) As tropas locais, instruídas pelos jesuítas, negociaram pacifi-
da região. camente a rendição dos mocambos da Serra da Barriga.
(D) O insucesso das diversas expedições contra Palmares não
02 (EsPCEx-Aman) No início do século XVIII, a concorrência alterou a política de prevenção contra fugas e ajuntamentos
das Antilhas fez com que o preço do açúcar brasileiro caísse no de fugitivos.
mercado europeu. Em Pernambuco, os proprietários de engenho, (E) A palavra “milagre” usada por Vieira significa o triunfo da
para minimizar os efeitos dessa crise, recorreram a empréstimos libertação dos negros do cativeiro.
38 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 18

05 (UFPE)
A confrontação entre a loja e o engenho tendeu principal-
mente a assumir a forma de uma contenda municipal, de escopo
jurídico-institucional, entre um Recife florescente que aspirava à 01 (UFJF) Esta é a imagem atribuída a Zumbi dos Palmares:
emancipação e uma Olinda decadente que procurava mantê-lo
O dia 20 de novembro, dia da
numa sujeição irrealista. Essa ingênua fachada municipalista não morte de Zumbi dos Palmares, é
podia, contudo, resistir ao embate dos interesses em choque. Logo considerado, em muitas cidades
revelou-se o que realmente era, o jogo de cena a esconder uma luta brasileiras, o Dia da Consciência
pelo poder entre o credor urbano e o devedor rural. Negra. Sua figura é especialmente
reivindicada pelos movimentos
MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 123.
sociais como símbolo de resis-
tência e de luta contra a opressão
O autor refere-se:
sofrida pelos negros. Acerca dessa
questão, responda ao que se pede:
(A) ao episódio conhecido como a Aclamação de Amador Bueno.
(B) à chamada Guerra dos Mascates.
a. O que foi o Quilombo dos Palmares?
(C) aos acontecimentos que precederam a invasão holandesa de
b. Cite e analise duas outras formas de resistência à escravidão.
Pernambuco.
(D) às consequências da criação, por Pombal, da Companhia Geral
02 (UNICAMP) Em 1694, tropas comandadas pelo paulista
de Comércio de Pernambuco.
Domingos Jorge Velho destruíram o Quilombo de Palmares, que
(E) às guerras de independência em Pernambuco.
havia se formado desde o início do século XVII. Poucos sobrevi-
veram ao ataque final, refugiando-se nas matas da Serra da Barriga
sob a liderança de Zumbi, morto em 20 de novembro de 1695, depois
de resistir por quase dois anos.

a. O que foi o Quilombo de Palmares?


b. Além de atacar quilombos, que outros interesses tinham os
paulistas em suas expedições pelos sertões?
c. Explique por que o dia da morte de Zumbi é considerado o Dia
Nacional da Consciência Negra.

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HISTÓRIA I 39
Módulo 19 1ª Série

Movimentos de independência:
Conjuração Mineira

Você sabia que o Brasil perde mais de


R$400 bilhões por ano com sonegação de
impostos?
Segundo a lei, a sonegação fiscal é uma fraude contra o patri-
mônio público e consiste em o contribuinte omitir-se em pagar

©rudall30/iStock
o imposto devido. Em 2014, essa prática superou R$415 bilhões
no Brasil. Esses dados foram levantados pelo Sindicato Nacional
dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) por meio do
“sonegômetro”, um painel que mostra diariamente o quanto se
sonega de impostos no país. Para efeito comparativo, basta dizer
que o valor corresponde a aproximadamente 10% de toda a riqueza
gerada no país durante o período.
Especialistas do setor calculam que esse valor é maior que os
orçamentos da União, em 2014, para os Ministérios da Saúde e da
Educação somados. Além disso, os programas sociais do Governo
Federal, como o Bolsa Família, têm R$24 bilhões ao ano para
Expectativas de aprendizagem:
atender 14 milhões de famílias. Portanto, o que foi sonegado em
– Identificar o contexto histórico que relaciona influências
2014 equivale a 17 anos do programa. da ideologia iluminista ao prenúncio do declínio colonial,
Infelizmente, esse processo de sonegação fiscal não é novo no culminando nos movimentos de independência;
C5 – analisar criticamente as diferenças e as continuidades entre as
Brasil. Ele está, inclusive, na origem de um dos mais importantes
revoltas;
movimentos da nossa história, a chamada Conjuração Mineira, que – examinar como tendências liberais e republicanas inspiraram algumas
vamos analisar neste módulo. das críticas feitas ao regime, em especial na Conjuração Mineira.

1. Introdução

©onairda/iStock
1.1 Influências
O Iluminismo foi uma revolução intelectual que, na Europa
do século XVIII, representou o apogeu de um processo cultural
iniciado com o Humanismo, quando o uso da razão foi pela primeira
vez valorizado como instrumento do progresso. Esse movimento
colocava-se contra tudo o que era considerado desprovido de
base racional.
Historicamente, o Iluminismo liga-se à ascensão da burguesia
e de sua ideologia. No plano econômico, corres­ponde à passagem
do mercantilismo, à Revolução Industrial e à prática do livre- “Liberdade, igualdade e fraternidade” era o lema da Revolução Francesa, que fora
-comércio. Parece claro, portanto, que a questão fundamental para grandemente influenciada pelo Iluminismo, assim como a Revolução Americana

se entender a crise do antigo regime está diretamente relacionada Em um mundo convulsionado, o governo por­tuguês adotara
com a introdução do modo de produção capitalista, cujas exigências a política de barrar as ideias ilumi­nistas. O Estado proíbe livros
não poderiam ser atendidas pelos mecanismos básicos do antigo franceses, proíbe reuniões, persegue tudo o que lembre as ideias
sistema colonial, já que este fora o instrumento do capital comercial. revolucionárias. O que valia para Portugal, valia em dobro para o
Os princípios da filosofia iluminista tiveram influência decisiva Brasil, como a proibição de montar tipografias e importar livros.
sobre processos históricos importantes, como a Independência A ordem era intensificar a vigilância sobre os possíveis pregadores
Americana (1776) e, sobretudo, a Revolução Francesa (1789), que da revolução.
representou a vitória do Iluminismo, realizando suas reivindicações.
40 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 19

1.2 As revoltas Os paulistas bandeirantes, que normalmente andavam descalços,


chamavam os forasteiros de emboabas, que, na língua indígena tupi,
No final do século XVIII, prenunciando o declínio colonial, significava algo como “ave emplumada” ou, em um português mais
diversas revoltas abalaram as várias regiões do Brasil. No entanto, rude, como era hábito entre os bandeirantes, “galinhas calçadas”.
nenhum desses movimentos teve tanta força como nas Minas Gerais.
Esses homens rudes não aceitavam a intromissão de “invasores”
Seja pelo descontentamento de uma política fiscal, cada vez mais
e exigiam para si o direito exclusivo da extração aurífera, alegando
incisiva, do Estado metropolitano, seja pela própria decadência da
terem sido eles os descobridores das jazidas e também que a região
mineração, o fato é que, em Minas Gerais, se concentrou todo o
mineradora era parte da capitania de São Vicente.
descontentamento da sociedade colonial da época.
O governo português não atendeu às exigências paulistas e
Destacaram-se nesse quadro, então, três movimentos conspira-
continuou concedendo lotes auríferos aos de fora, que passaram a
tivos: a Guerra dos Emboabas, a Revolta de Vila Rica ou Revolta
ser tratados pelos paulistas com arrogância e provocação. Nota-se
de Felipe dos Santos e a Conjuração Mineira, também conhecida
que, em um primeiro momento, interessava à Coroa o povoamento
como Inconfidência Mineira.
rápido da região, em razão da cobrança do quinto.
Embora diferentes nas suas aspirações e nas suas propostas, as
Quanto mais gente explorando as minas, mais ouro extraído;
três tinham em comum mais do que sua localização geográfica. No
quanto mais ouro extraído, mais imposto recolhido. Essa era a
fundo, elas demonstram, de forma inequívoca, o esgotamento do
lógica metropolitana.
modelo colonial ibérico e o início do processo emancipacionista.
Apesar de viverem uma situação análoga, exercendo o mesmo
tipo de serviço e sendo movidos por interesses semelhantes,
2. Guerra dos Emboabas emboabas e paulistas jamais se integraram.
Cada um dos grupos se aglutinava em torno de um líder: os
2.1 Motivações bandeirantes sob a liderança de Borba Gato, velho bandeirante,
Como era de se esperar, a notícia sobre a descoberta do ouro neste momento exercendo o cargo de superintendente das minas,
alterou sensivelmente a vida na Colônia. A capitania de São Vicente e os emboabas sob o controle de Manuel Nunes Viana, comerciante
praticamente se despovoou e as Minas Gerais passaram a ser o português e criador de gado no Sertão da Bahia.
centro de convergência de indivíduos de todas as partes do Brasil Atritos, xingamentos, provocações e até assassinatos de ambos
e de Portugal. os lados passaram a ser comuns e se sucediam, tornando a região
Pessoas das mais diferentes origens, grupos étnicos mais “um caldeirão prestes a explodir”.
distintos e de níveis culturais mais opostos povoaram as Minas
Gerais, de forma rápida e desordenada, em busca da fortuna 2.2 O estopim
fácil que o ouro oferecia. Portugueses que vinham da Metrópole
Um conflito na cidade de Sabará, em um domingo, à porta
em busca do Eldorado, aventureiros e desclassificados de toda
da igreja, abreviou a luta. Um grupo de paulistas tentou desarmar
a Colônia, senhores de terras e de gado do Nordeste, homens e
alguns portugueses, que reagiram, terminando o embate com o
mulheres, ricos e pobres, mestiços e índios, brancos e pretos, clérigos
linchamento de dois provocadores paulistas. A partir disso, explo-
e ateus, a ordem era uma só: todos às Minas!
diram conflitos armados e multiplicaram-se as lutas.
©Ruy Barbosa Pinto/GettyImages

Domínio Público/Wikimedia

Minas Gerais

É óbvio que o contraste entre os rudes e incivilizados, paulistas Pintura anônima que retrata os incidentes da Guerra dos Emboabas entre os paulistas
descobridores das minas e os “emboabas”
e os colonos da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, acostumados
ao contato com o europeu, era brutal.
Movimentos de independência: Conjuração Mineira HISTÓRIA I 41
Módulo 19 1ª Série

Os emboabas, em número muito superior aos bandeirantes O Centro-Oeste se incorporava às terras portuguesas da
paulistas, organizaram um governo livre e independente, com América com a descoberta do ouro em Mato Grosso e Goiás, o que
poderes plenos sobre as Minas Gerais. provocou a saída, a partir de São Paulo, de expedições comerciais
Nitidamente em inferioridade e derrotados em alguns chamadas monções, que, utilizando principalmente as vias fluviais,
confrontos, os paulistas foram obrigados a se retirar para a região de abasteciam as zonas mineradoras.
Rio das Mortes, onde preparariam a contraofensiva. Enquanto isso,
Nunes Viana foi aclamado o novo governador e enviou tropas no As novas expedições comerciais
encalço dos paulistas, porém foi derrotado no primeiro confronto.
Os emboabas realizaram um novo ataque que forçou os paulistas a
se dividirem em vários grupos e a se refugiarem nos matos. GOIÁS
Vila Real do Bom
Um desses refúgios ficou conhecido como Capão da Traição, Jesus de Cuiabá Vila Boa
porque ali foram massacrados dezenas de paulistas por um chefe
emboaba que lhes prometera respeitar suas vidas caso depusessem

á
iab
MATO GROSSO

Cu
as armas. Esse episódio foi marcante na guerra, na medida em aíba MINAS

Rio
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aran
Rio P GERAIS

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que criou, no interior da comunidade bandeirante, um desejo quari
Rio Ta

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Sabará

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de vingança, levando os paulistas, em um esforço gigantesco, a Rio Grande

Rio
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prepararem uma expedição com aproximadamente dois mil homens Rio
Casa Branca Vila Rica

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tê (hoje Ouro Preto)
com o objetivo de represália. Os paulistas seguiram para as Minas
Rio P SÃO PAULO Cataguazes
Gerais, onde novos combates com os emboabas lhes aguardavam. ran
á aran
apan Porto
Pa
Rio
em a Feliz Taubaté
Rio Campinas
Par
2.3 Fim do conflito agu
ai
Sorocaba São Paulo
São Vicente
Os conflitos duraram vários dias, até o abandono da luta pelos
paulistas, mais uma vez derrotados pela superioridade numérica OCEANO ATLÂNTICO
dos adversários. Chegava ao fim a Guerra dos Emboabas.
Alguns paulistas derrotados no conflito, seguindo a vocação monções

natural dos bandeirantes, partiram em busca de novas jazidas e as caminho ao


Brasil Central
encontraram em Mato Grosso e em Goiás.

3. Revolta de Vila Rica ou Felipe dos Santos


3.1 Motivações A criação das Casas de Fundição recomporia a evasão do ouro por
um lado, mas por outro aumentaria os custos dos mineradores, que,
A opressiva tributação que refletia a rigorosa política fiscal da por sua vez, queriam manter a sonegação fiscal.
Metrópole resultava, por vezes, em violentas reações dos mineiros.
Uma das reações geradas pela avidez da política fiscal da 3.2 Estopim e fim do conflito
Metrópole foi a Revolta de Vila Rica.
Em 1720, um grupo de cerca de dois mil mineradores e escravos
Tradicionalmente, a historiografia reserva à figura de
armados, sob a liderança do português Felipe dos Santos, tomou
Felipe dos Santos uma liderança carismática de uma revolta de
Vila Rica e exigiu do governador uma série de medidas, entre as
caráter efetivamente libertador. Em verdade, analisando-se os
quais a não instalação das Casas de Fundição e o absoluto respeito
documentos e os fatos em si, nada comprova que esse movimento
à liberdade dos revoltosos.
tenha um viés separatista ou mesmo libertário. No final das contas,
foi um movimento manipulado pelas elites de Vila Rica contra a Sem forças no momento para debelar a revolta, o governador
política tributária do governo português, representado naquela vila fingiu aceitar as exigências e prometeu tomar providências a
pelo tirânico e sanguinário Conde Assumar. respeito. Entretanto, o que o governador pretendia era ganhar
tempo e organizar a reação e, assim que conseguiu reunir as forças
A causa imediata do conflito foi a determinação governamental
militares necessárias, o governo marchou sobre Vila Rica, pondo
de recriar as Casas de Fundição, em 1719, com todas as implicações
fim à revolta com toda a violência possível.
que isso traria para os mineradores, em especial o pagamento do
quinto. Como já visto anteriormente, os mineradores se desdo- Os rebeldes foram presos, alguns foram enviados para Portugal,
bravam na tentativa de burlar o fisco luso, o que foi facilitado nos outros degredados para a África e Felipe dos Santos, o líder, foi
primeiros anos da mineração pela incompetência administrativa da condenado à morte e enforcado, tendo pedaços do seu corpo
Coroa, que não conseguia articular a política tributária da região. arrastados pelas ruas e pendurados em postes.
42 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 19

Domínio Público/Wikimedia

Domínio Público/Wikimedia
Pintura célebre da Revolução Francesa de Eugène Delacroix

Em particular, o seu centro mais importante, a formação social


Julgamento de Felipe dos Santos, líder da Revolta de Vila Rica, em 1720, contra a opressão
fiscal portuguesa inglesa, cuja expansão econômica impunha a abertura de novos
mercados, fornecedores de matéria-prima e consumidores de
É importante, no entanto, perceber que a violência perpetrada
industrializados ingleses, livres das limitações do mercantilismo.
pelo governador de Minas contra os revoltosos nada tinha a ver com
possíveis ideias libertárias do movimento, e sim como uma forma de A Conjuração Mineira foi um movimento de inspiração
destruir os insurretos de forma mais rápida. Como muitos dos partici- liberal e republicana – “uma conspiração de padres e letrados”,
pantes da revolta eram portugueses, para se justificar perante a Coroa como já se escreveu –, objetivando a independência da capitania de
pelos atos sanguinários, o Conde de Assumar transformou a revolta Minas Gerais, em particular, e a do Brasil, por extensão. Na origem
puramente antifiscalista em um movimento separatista e republicano, da Conjuração estavam as arbitrariedades dos órgãos fiscais do vice-
ideia que muitos historiadores acabaram difundindo de forma errônea. -reinado português na cobrança de impostos. A crise agravou-se em
1789 com a elevação da dívida do quinto, o imposto de 20% cobrado
pelo órgão de arrecadação português das minas de ouro do Brasil.
4. A Conjuração Mineira No entanto, as inconfidências dos conspiradores – que discutiam
publicamente seus planos revolucionários e daí a epígrafe assumida
4.1 A influência ideológica pelo movimento no contexto da historiografia nacional – acabaram
por desmantelar o projeto autonomista.
Diferentes dos movimentos denominados “nativistas”, caracterís-
ticos do século XVII, foram as conjurações do século XVIII, como as
de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, da Bahia e a Revolução Pernam-
4.2 O contexto social
bucana de 1817. Esses movimentos já possuíam maior coerência Para entendê-lo de forma plena, é preciso lembrar que
devido à dominância da ideologia liberal. O pensamento burguês Minas Gerais era o centro financeiro, econômico e intelectual
capitalista permitiu aos setores dominantes no Brasil conferirem da Colônia na segunda metade do século XVIII. Provavelmente,
maior objetividade à sua luta contra a exploração colonial. isso explica o fato de ter sido em Vila Rica, a capital da capitania,
Fundamentalmente, as noções liberais foram reinterpretadas que tenha ocorrido esse que foi o primeiro movimento efetivo de
pelos representantes da classe proprietária escravista e da pequena libertação colonial. Em Vila Rica, a opressão tributária se fazia mais
burguesia à luz dos seus interesses, mostrando a impossibilidade clara, onerando sobremaneira a população e agravando as condições
de reformar o sistema colonial sem destruir as suas bases: o econômicas da capitania.
monopólio comercial e a economia especializada dependente
Domínio Público/Wikimedia

do Estado centralizador dominante fora da Colônia. Portanto, a


ideologia liberal permitiu que a solução dos conflitos entre os inte-
resses coloniais e metropolitanos passasse de uma etapa reformista
para uma perspectiva revolucionária.
A luta contra o colonialismo mercantilista no Brasil integrou-se
em uma conjuntura mais ampla na qual se articulam a Revolução
Norte-Americana, a Revolução Francesa, as conspirações e lutas
pela independência da América espanhola. Na base de todos esses
movimentos, determinando a importância e as condições de êxito,
estava o desenvolvimento da economia capitalista na Europa e nos
Estados Unidos.
Pintura de Johann Moritz Rugendas representando Vila Rica, atual Ouro Preto
Movimentos de independência: Conjuração Mineira HISTÓRIA I 43
Módulo 19 1ª Série

A intelectualidade congregava-se na Arcádia Mineira, cujos prin- lucionária da Metrópole. Prendeu e espancou todos os tecelões
cipais membros foram os poetas Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio que encontrou para fazer cumprir o Alvará de 1785, que proibia a
Manuel da Costa, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto e outros. produção de tecidos no Brasil.
Foi, no entanto, um estudante carioca, José Joaquim da Maia, Demitiu um grande número de funcionários para entregar os
que, influenciado pela Independência dos Estados Unidos, procurou cargos aos amigos portugueses, enquanto multiplicava extorsões
Thomas Jefferson, representante desse país, em Paris e pediu ajuda a pretexto de cobrar taxas e impostos. Qualquer oposição era
norte-americana para a possível luta brasileira contra o domínio esmagada por espancamentos, prisões e torturas. Visando
metropolitano. ridicularizar o tirano, Tomás Antônio Gonzaga identificou-o ao
Maia não chegou a voltar ao Brasil, morreu algum tempo “Fanfarrão Minésio”, grotesco personagem de suas Cartas Chilenas
depois em Lisboa. Ficou, no entanto, a documentação do encontro, que circularam pela capitania, sem o nome do autor.
seguramente não o único entre brasileiros e líderes do movimento
libertário que então varria a Europa e a América. Impedidos de
estudar no Brasil pelas leis portuguesas que aqui vedavam a instalação As Cartas Chilenas têm um conteúdo
de universidades, os muitos estudantes que viajavam à Europa eram político revolucionário?
os portadores naturais das novas ideias.
As Cartas Chilenas são 13

©Pollini/Wikimedia
Chegavam também livros proibidos que a Alfândega, por
cartas escritas por um autor
ignorância ou corrupção, deixava passar. Em um registro de carga de
com pseudônimo Critrilo – e
1791, destinado à Vila do Príncipe, perto do Arraial do Tijuco, em
atribuídas a Tomás Gonzaga
plena Chapada Diamantina, leem-se os nomes de Voltaire, Rousseau e
–, de tom satírico, que relatava
Montesquieu. Por menos que se divulgassem, as ideias desses escritores
os desmandos, as desordens,
– e o exemplo do que estava acontecendo pelo mundo – encontravam
os atos corruptos e “causos”
condições excelentes de penetração na região mineira, sob forte pressão
do tipo que circularam por
tributária e em plena decadência das jazidas de ouro.
Vila Rica poucos anos antes
4.3 O contexto econômico: da Inconfidência Mineira.
Sobre essas cartas, escreve
o controle da Coroa Joaci Furtado:
Tomás Antônio Gonzaga, o Dirceu de
Marília, um dos mais importantes nomes
A queda da produção do ouro ocorreu a partir da década de 1760. do Arcadismo brasileiro. Sua poesia
“No sentido da mudança extrapola os clichês e o programa árcade,
No início, ainda se mantiveram altos os índices de produção, mas a radical, da quebra da ordem aproximando-se mais do Romantismo no
cada ano evidenciava-se o declínio produtivo e a pobreza da população. estabelecida, da ruptura com seu exuberante tom confessional.

Entretanto, o fisco luso mantinha sua habitual voracidade, determinada situação política e social propondo algo inteira-
ignorando o esgotamento das minas e preferindo atribuir a diminuição mente novo, as Cartas Chilenas nada têm de revolucionário.
da cobrança dos quintos à fraude dos mineradores. Ameaçavam a Atribuído a Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), esse
população com a decretação da derrama, a cobrança dos impostos em longo poema satírico, do qual restaram poucas cópias incom-
atraso, caso não fossem atingidas as cem arroubas prefixadas. pletas, é contemporâneo da Inconfidência Mineira – o que
Na área mineradora, o controle da Coroa sobre a produção e muitos consideram suficiente para interpretá-lo como uma
a vida dos habitantes era total. O custo de vida em toda a região espécie de manifesto dos conjurados.
continuava muito alto, agravado pelos impostos e pelo Alvará de Ocorre, porém, que suas críticas a D. Luís da Cunha Meneses,
1785, que fechou as manufaturas locais, obrigando a população então governador de Minas Gerais (1783-1788), nas cartas
a consumir apenas produtos importados, via de regra, produtos como “Fanfarrão Minésio”, não significam uma defesa da
britânicos, e de preços absurdamente altos. revolução ou de qualquer alteração do status quo. No poema,
Por toda parte, aumentava o medo da pobreza e a inquietação. encontramos passagens reconhecendo que não se deve resistir
Muitos começavam a dedicar-se à agricultura de subsistência ou nem mesmo à tirania – que, segundo o poeta, pode ser um
então abandonavam a região das minas. castigo divino.
Se Deus enviou o corrupto e violento Minésio, somente Ele
4.4 O estopim pode levá-lo. Bastaria isso para verificar a incompatibilidade
Diante do clima de revolta instalado, a administração portu- das Cartas Chilenas com a Inconfidência. Mas nelas há também
guesa crescia em opressão e práticas arbitrárias. O governador outras posturas bastante estranhas ao suposto ou verdadeiro
D. Luís da Cunha Meneses, que chegou em 1783, foi um bom espírito libertário dos conspiradores mineiros.”
exemplo da opressiva política metropolitana. O novo governador
enviado a Minas Gerais foi um fiel executor da política antirrevo- FURTADO, Joaci Pereira. Revista de História da Biblioteca Nacional. Abr. 2007.
44 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 19

Gonzaga, que era ouvidor da capitania, escreveu a D. Maria I Tiradentes encantou-se com as ideias dos iluministas que
denunciando as violências do governador, sem que qualquer vinham revolucionando a Europa e vislumbrou nelas a possibilidade
providência fosse tomada pelo poder real. Contribuiu, assim, para de uma revolta armada em prol da independência, iniciando,
alimentar o clima de opressão e revolta na capitania. Nem mesmo então, o trabalho de propagação das ideias libertárias em Vila
a elite local suportava o governante. Em 1789, seu arbítrio chegou Rica e adjacências. Tais ideias foram absorvidas pela rica elite de
ao auge quando anunciou uma derrama para completar a cota de mineradores e proprietários rurais de Minas Gerais, e dessa rica elite
impostos que as minas já não produziam. plutocrática saíram os principais líderes da Inconfidência. Na sua
A atitude do governo teve consequências imediatas. A combi- Pequena História da Formação Social Brasileira, o mestre Manoel
nação da economia estrangulada com o aumento de impostos Maurício nos explica:
era explosiva e incentivava ideias ousadas, sobre­tudo quando se

©Ytaillan/Wikimedia
meditava sobre o que haviam conseguido os norte-americanos.
Era recente para a memória da burguesia colonial brasileira a
Independência dos EUA.
Muitos membros da elite local procuravam interpretar
o momento segundo as novas ideias de liberdade. E, em vez
de protestar contra Portugal, passaram a pensar na inde­
pendência do Brasil. Como afirma Kenneth Maxwell na sua obra
A Devassa da Devassa: “A coalizão de magnatas comprometidos
com a revolução mineira não era monolítica, tendo na multiplicidade
de motivações e de elementos envolvidos uma debilidade potencial.
Os magnatas esperavam alcançar seus objetivos sob cobertura de um
levante popular”.
Quase todos os inconfidentes eram versados nas teorias
revolucionárias da época, e foi para conhecê-las que Tiradentes
aprendeu francês. E Tiradentes? Qual seu papel no movimento?
Quem ele era afinal? Tiradentes nasceu no Sítio do Pombal, à
margem direita do Rio das Mortes, freguesia de Santa Rita do
Rio Abaixo, a 14 quilômetros de São João del Rey. Seus pais,
Domingos da Silva Santos e Antônia da Encarnação, ali tiveram O jovem Tiradentes, que viraria um ícone da
história brasileira
terras e sete filhos, e morreram quando o futuro alferes era ainda
muito menino. “No plano econômico, os conjurados mineiros defendiam os
Adolescente e órfão, Tiradentes aprendeu o ofício de dentista princípios liberais divulgados por Adam Smith e outros ideólogos
com o padrinho, Sebastião Ferreira Leitão, e as primeiras letras burgueses: livre produção e livre comércio. Em particular, preco-
provavelmente com o mais velho dos irmãos, Domingos, que se nizavam o desenvolvimento de manufaturas têxteis e da siderurgia,
preparava para ser padre. como efeito da Revolução Industrial inglesa e o estímulo à produção
Em 1767, com 20 anos, obteve a emancipação que lhe permitiu agrícola, pela doação de terras a famílias pobres. No entanto, a
usar os bens a ele destinados na partilha da herança dos pais escravidão, que era a base da estrutura econômica, era apenas
falecidos, pondo-se, então, pelos caminhos de Minas como tropeiro, condenada moralmente. Sobre ela não se elaborou nenhum plano
negociante. Em 1775, Tiradentes entrou para a Companhia dos para extingui-la futuramente.
Dragões de Vila Rica, já como alferes. No ano seguinte, serviu na Quanto à forma de governo, também não houve unanimidade
Sexta Companhia do Regimento de Cavalaria Regular de Minas dos conspiradores. Alguns se inclinavam por uma república
Gerais, comandado pelo capitão Baltazar João Mayrink, pai de federativa semelhante aos Estados Unidos, outros defenderam
Maria Doroteia, a Marília de Tomás Antônio Gonzaga. a adoção de uma monarquia constitucional tendo à frente um
Em 1781, foi nomeado comandante do Destacamento do príncipe português. Assim, a crise atingia a estrutura política do
Caminho do Rio, com a incumbência de proteger os viajantes e Estado, por meio do aparelho administrativo do Exército e da Igreja,
reprimir o contrabando. Nos anos seguintes, recebeu incumbências mobilizando intelectuais. Estes detinham o conhecimento suficiente
de responsabilidade, como a guarda do armamento depositado no para produzir uma ideologia que contestava a legitimidade da
quartel de Vila Rica; por considerá-lo com “inteligência mineraló- dominação colonial.”
gica”, o governador Luís da Cunha Meneses o designou, em 21 de Nas reuniões que se seguiram para a preparação do movimento,
abril de 1784, para procurar novas áreas auríferas no sertão. Mesmo nas quais Tiradentes se destacava como um dos líderes, capaz de
assim, jamais foi promovido. arrebanhar o apoio do povo, a elite rebelde apresentou um projeto
de reformas revolucionárias:
Movimentos de independência: Conjuração Mineira HISTÓRIA I 45
Módulo 19 1ª Série

• Proclamação de uma república com capital em São João Foi um triste fim para uma revolta que tinha no seu interior os
del Rey; grandes pensadores do Brasil Colônia.
• criação de indústrias têxteis e siderúrgicas, livres da interfe-
Todos os conjurados foram presos, torturados e enviados para
rência do governo;
• doação de terras às famílias pobres como estímulo ao cresci- um forte, no Rio de Janeiro. A devassa foi completa. Os envolvidos
mento da produção agrícola; perderam bens e cargos, e os chefes foram exilados e condenados à
• convocação militar obrigatória de todo cidadão em caso prisão e à morte.
de necessidade;

Domínio Público/Wikimedia
• eliminação dos monopólios;
• concessão de pensões às famílias numerosas e pobres;
• criação da primeira universidade brasileira em Vila Rica;
• adoção de uma bandeira com os dizeres do poeta Virgílio:
Libertas quae sera tamen, cuja tradução é “Liberdade ainda
que tardia”.

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Quadro de Antonio Parreiras – Jornada dos Mártires que retrata a viagem dos inconfidentes
de Vila Rica para o Rio de Janeiro, onde seriam julgados como traidores da Coroa

Depois, algumas das sentenças foram comutadas por exílio. Só


Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi condenado a uma
morte violenta, destinada a assustar eventuais seguidores.
A bandeira do atual estado de Minas Gerais é uma homenagem aos conjurados
Executado em 21 de abril de 1792, quando o alferes contem-
Em relação à escravidão, condenava-se moralmente a sua plou as costas dos soldados formados em triângulo e, para além,
utilização, chegando mesmo alguns poucos mineradores a levantar a a multidão que enchia o Campo de São Domingos, no Rio de
hipótese da abolição. Como não havia consenso, pois isso se chocava Janeiro; com a cabeça tapada, ouviu o repique dos tambores, sentiu
com os interesses da maioria dos mineradores, também proprietá- o empurrão do carrasco e percebeu que saltava do patamar da forca
rios de escravos, a questão era sempre adiada e nunca discutida. para a história.
Como sempre a massa ficava apagada do processo.
Domínio Público/Wikimedia
Acusa-se, em geral, Tiradentes de ter falado demais, no seu
entusiasmo pela conquista de adesões para o movimento e que tal
fato provocou a derrocada da conspiração. Em verdade, Tiradentes
não foi o único a agir assim, por isso não se pode atribuir apenas a
ele a culpa pelos caminhos que a insurreição tomou.
Nota-se que o papel de traidor, na verdade, coube a um dos mais
notórios e ativos conspiradores, Joaquim Silvério dos Reis, que em
15 de março de 1789 procurou o Visconde de Barbacena e delatou
tudo e todos, com riqueza de detalhes, tendo poupado apenas Cláudio
Manuel da Costa, porque este era seu advogado, o que não impediu
sua prisão e posteriormente seu assassinato, embora a historiografia
oficial durante anos tenha afirmado que ele se suicidara.

4.5 Fim do conflito


A denúncia de Silvério, corroborada logo depois por diversos
membros da elite que haviam se tornado conspiradores diante da
reação imediata do governo, abria-se em um leque de delatores. A
revolta que deveria coincidir com a derrama imposta pelo governador
acabou melancolicamente com uma “derrama de traições”. Tiradentes esquartejado, Pedro Américo, 2,70 µ 1,65 m, 1893,
Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora, MG.
46 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 19

03 (UFPE)
O fato de ser alferes influiu para transformar-me em conspi-
01 (ENEM) A primeira imagem, a seguir (publicada no século XVI), rador, levado a tanto que fui pelas injustiças que sofri, preterido
mostra um ritual antropofágico dos índios do Brasil. A segunda sempre nas promoções a que tinha direito. Uni minhas amarguras
mostra Tiradentes esquartejado por ordem dos representantes da às do povo, que eram maiores, e foi assim que a ideia de libertação
Coroa portuguesa. tomou conta de mim.
Tiradentes

As razões da insatisfação do alferes e do povo mineiro, em 1789, eram:

(A) a opressão tributária sobre a capitania cujo ouro se esgotara, a


ameaça da derrama e a divulgação das ideias iluministas pela
elite letrada.
(B) a concentração de terras e do comércio em mãos de comer-
ciantes lusos, provocando intensa xenofobia na região do ouro.
(C) a criação de indústrias nessa área pelo governo de D. Maria I,
fato que enriqueceu a população local, gerando a ideia da
independência.
Theodor De Bry – Século XVI Pedro Américo – Tiradentes (D) o predomínio do trabalho escravo na zona mineradora e a
esquartejado, 1893 ausência total de mecanismos de alforria e trabalho livre,
agravando a crise social.
A comparação entre as reproduções possibilita as seguintes (E) o declínio da produção de açúcar para exportação, despertando
afirmações: o choque de interesses entre Colônia e Metrópole, e a ideia
de libertação.
I. Os artistas registraram a antropofagia e o esquartejamento
praticados no Brasil. 04 (FUVEST)
II. A antropofagia era parte do universo cultural indígena e o
Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspira-
esquartejamento era uma forma de se fazer justiça entre luso-
-brasileiros. ções... São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o
III. A comparação das imagens mostra como é relativa a diferença coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos...
entre “bárbaros” e “civilizados”, indígenas e europeus. Os candidatos a herói não tinham, eles também, profundidade
histórica, não tinham a estatura exigida para o papel. Não perten-
Está correto o que se afirma em:
ciam ao movimento da propaganda republicana, ativa desde 1870...
(A) I. A busca de um herói para a República acabou tendo êxito onde não
(B) II. o imaginavam muitos dos participantes da proclamação.
(C) III.
CARVALHO, J. M. de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil.
(D) I e II. São Paulo: Companhia das Letras. p. 55-57.
(E) I, II e III.
A escolha e a construção do principal herói da República
02 (UNICAMP) recaíram sobre:
No final do século XIX, monarquistas e republicanos dispu-
(A) Deodoro da Fonseca, devido à sua imensa popularidade, por
tavam sobre a criação de datas e personagens significativos que
ser um republicano histórico e um ferrenho adversário dos
simbolizassem o “nascimento da nação”. Para os monarquistas, o
poderes monárquicos.
Brasil nação nascia com o “grito” de D. Pedro I. Para os republicanos, (B) Benjamin Constant, líder popular identificado com a causa
Tiradentes executado pela monarquia portuguesa era o verdadeiro operária, defensor do positivismo e um representante civil com
herói nacional. amplo trânsito entre os militares.
Registros, n. 15, DPH, 1992 (adaptado). (C) Duque de Caxias, grande comandante da Guerra do Paraguai,
identificado com uma política centralizadora e patrono do
Explique por que, a partir da República, a imagem esquartejada de
Exército brasileiro.
Tiradentes é abandonada e substituída por sua imagem viva e de
(D) Bento Gonçalves, presidente da república rio-grandense e
corpo inteiro.
principal líder da Revolta Farroupilha do século XIX, consi-
derado o patrono militar do republicanismo no Brasil.
(E) Tiradentes, militar e republicano transformado em mártir, cuja
morte passou a ser associada ao sacrifício de Jesus Cristo.
Movimentos de independência: Conjuração Mineira HISTÓRIA I 47
Módulo 19 1ª Série

05 (UERJ) 02 (UFTM)
Martírio de Tiradentes Era óbvia a sedução que o enforcamento do alferes representava
para o governo português: pouca gente levaria a sério um movimento

Disponível em: <www.museuhistoriconacional.com.br>.


chefiado por um simples Tiradentes (e as autoridades lusas, depois
de 1790, invariavelmente se referiam ao alferes por seu apelido de
Tiradentes). Um julgamento-exibição, seguido pela execução pública
de Silva Xavier, proporcionaria o impacto máximo, como advertência,
ao mesmo tempo em que minimizaria e ridicularizaria os objetivos
do movimento: Tiradentes seria um perfeito exemplo para outros
colonos descontentes e tentados a pedir demais antes do tempo.
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa, 1978.

O texto permite afirmar que:

(A) o fato de o movimento ser chefiado por um simples Tiradentes


foi a razão do seu fracasso.
(B) o governo tentou diminuir a relevância da revolta e aplicou
punição exemplar a Tiradentes.
(C) o alferes foi enforcado por sua capacidade de liderar e seduzir
os setores mais pobres do povo.
(D) o despreparo de Tiradentes acabou por frustrar os planos de
Tela de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo (1893) revolta contra os portugueses.
(E) o movimento chefiado por Tiradentes não chegou a preocupar
Na história brasileira, a representação de Tiradentes, um dos as autoridades portuguesas.
protagonistas da Inconfidência Mineira (1788-1789), exemplifica
um processo de transformação de alguns de seus personagens em 03 (UNICAMP)
heróis nacionais. Emboaba: nome indígena que significa “o estrangeiro”,
Apresente duas propostas políticas da Inconfidência Mineira e atribuído aos forasteiros pelos paulistas, primeiros povoadores
justifique a transformação de Tiradentes em herói nacional, com a da região das minas. Com a descoberta do ouro em fins do século
implantação da república no Brasil. XVII, milhares de pessoas da Colônia e da Metrópole vieram para
as minas, causando grandes tumultos. Formaram-se duas facções,
paulistas e emboabas, que disputavam o governo do território,
tentando impor suas próprias leis.
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. (Coord.). Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil.
01 (UFPR) As reformas pombalinas, encetadas por Sebastião José Lisboa: Verbo, 1994. p. 285 (adaptado).
de Carvalho e Mello (1699-1782), o Marquês de Pombal, tiveram
efeito entre 1755, logo após o terremoto de Lisboa, e 1777, quando Sobre o período em questão, é correto afirmar que:
esse estadista perdeu sua proeminência na administração do
Império Português. Sobre as reformas que implantou ao longo de (A) as disputas pelo território emboaba colocaram em confronto
sua administração como ministro de Dom José I, é correto afirmar: paulistas e mineiros, que lutaram pela posse e exploração das minas.
(B) a região das minas foi politicamente convulsionada desde sua
(A) Tiveram grande impacto sobre o Brasil, uma vez que se criaram formação, em fins do século XVII, o que explica a resistência
companhias de comércio em todas as capitanias, com o objetivo local aos inconfidentes mineiros.
mais amplo de racionalizar o comércio e implantar um rígido (C) a luta dos emboabas ilustra o processo de conquista de fronteiras
sistema colonial, vinculando metrópole e colônia. do Império Português nas Américas, enquanto na África os
(B) Ativeram-se, no campo da educação, ao ensino básico, deixando portugueses se retiravam definitivamente no século XVIII.
de lado as instituições universitárias portuguesas. (D) a Monarquia portuguesa administrava territórios distintos e
(C) Basearam-se na aliança e aproximação à Ordem Jesuítica, que vários sujeitos sociais, muitos deles em disputa entre si, como
recebeu impulsos e estímulos fundamentais por seu papel na paulistas e emboabas, ambos súditos da Coroa.
educação oferecida no reino e nas colônias.
(D) Consistiram, entre outras medidas, na criação de instituições 04 (ENEM)
e repartições públicas vitais à administração do reino e suas O instituto popular, de acordo com o exame da razão, fez da
colônias, como o Erário Régio. figura do alferes Xavier o principal dos Inconfidentes, e colocou os
(E) Reforçaram, graças ao seu caráter absolutista, distinções de raça seus parceiros a meia ração de glória. Merecem, decerto, a nossa
e classe em Portugal e suas colônias, impedindo a ascensão social
estima aqueles outros; eram patriotas. Mas o que se ofereceu a
de negros, índios e indianos existentes nos domínios lusos.
48 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 19

carregar com os pecadores de Israel, o que chorou de alegria quando (C) ao fato de a Proclamação da República ter sido um movimento
viu comutada a pena de morte dos seus companheiros, pena que de poucas raízes populares, que precisava de legitimação.
só ia ser executada nele, o enforcado, o esquartejado, o decapitado, (D) à semelhança física entre Tiradentes e Jesus, que propor-
esse tem de receber o prêmio na proporção do martírio, e ganhar cionaria, a um povo católico como o brasileiro, uma fácil
identificação.
por todos, visto que pagou por todos.
ASSIS, M. Gazeta de Notícias, n. 114, 24 abr. 1892. (E) ao fato de Frei Caneca e Bento Gonçalves terem liderado
movimentos separatistas no Nordeste e no Sul do país.
No processo de transição para a República, a narrativa machadiana
sobre a Inconfidência Mineira associa:

(A) redenção cristã e cultura cívica.


(B) veneração aos santos e radicalismo militar.
(C) apologia aos protestantes e culto ufanista. 01 (UFF-RJ) O século XVIII fez da liberdade a base da oposição
(D) tradição messiânica e tendência regionalista. aos antigos regimes na Europa e nas Américas. As revoluções
(E) representação eclesiástica e dogmatismo ideológico. burguesas foram um dos aspectos mais importantes dessa oposição,
inaugurando uma nova etapa na história do Ocidente.
05 (ENEM) Leia os textos abaixo: a. Cite dois desses movimentos de oposição ao antigo regime – um
I. Para consolidar-se como governo, a República precisava na Europa e outro na América.
eliminar as arestas, conciliar-se com o passado monarquista, b. Apresente e explique duas das críticas feitas à Metrópole
incorporar distintas vertentes do republicanismo. Tiradentes portuguesa pelos movimentos de emancipação ocorridos no
não deveria ser visto como herói republicano radical, mas sim Brasil durante a crise do antigo sistema colonial.
como herói cívico religioso, como mártir, integrador, portador
da imagem do povo inteiro. 02 (UERJ)

CARVALHO, J. M. C. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil.


Da Bandeira da Inconfidência
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
Através de grossas portas,
II. Ei-lo, o gigante da praça, / O Cristo da multidão! sentem-se luzes acesas,
É Tiradentes quem passa / Deixem passar o Titão. – e há indagações minuciosas
ALVES, C. “Gonzaga ou a revolução de Minas”. In: CARVALHO. J. M. C. A formação das almas:
dentro das casas fronteiras.
o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. “Que estão fazendo, tão tarde?
Que escrevem, conversam, pensam?
A primeira República brasileira, nos seus primórdios, precisava
constituir uma figura heroica capaz de congregar diferenças e Mostram livros proibidos?
sustentar simbolicamente o novo regime. Leem notícias nas Gazetas?
Terão recebido cartas
Optando pela figura de Tiradentes, deixou de lado figuras como de potências estrangeiras?”
Frei Caneca ou Bento Gonçalves. A transformação do inconfidente
(...)
em herói nacional evidencia que o esforço de construção de um
simbolismo por parte da República estava relacionado: E a vizinhança não dorme:
murmura, imagina, inventa. (...)
(A) ao caráter nacionalista e republicano da Inconfidência, MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1965.
evidenciado nas ideias e na atuação de Tiradentes.
(B) à identificação da Conjuração Mineira como o movimento Os versos lidos retratam o clima das Minas Gerais nos últimos anos
precursor do positivismo brasileiro. do século XVIII. Cite um objetivo que os inconfidentes pretendiam
atingir e descreva o ambiente intelectual vivido, nessa região, em 1789.
HISTÓRIA I 49
Módulo 20 1ª Série

Movimentos de independência: Conjuração Carioca e Conjuração Baiana

Você sabia que aconteceu no Brasil uma revolta


chamada Revolta dos Búzios?
Apesar do nome pouco conhecido, estamos falando do movimento da
Conjuração Baiana. Esta denominação segue um viés acadêmico mais tradi-
cional, diferente do outro nome, que tem sua origem na tradição oral da Bahia.

Acervo/César Menezes
O nome “Revolta dos Búzios” deve-se ao fato de alguns líderes
revoltosos usarem conchas de molusco em forma de espiral, denominadas
búzios, presas a uma pulseira, o que facilitava a identificação entre eles.
Outro termo muito usado para se referir a essa revolta é “Revolta dos
Alfaiates”, em razão de existir um grande número de pessoas envolvidas
Expectativas de aprendizagem:
no movimento que exerciam essa profissão, inclusive dois dos quatro
– Identificar que, a partir da segunda metade do século
executados como líderes da conspiração. XVIII, a colonização começou a entrar em decadência;
Independentemente do nome, o movimento baiano, assim como o C5 – observar o papel dos escravos, que buscavam sua liberdade
lutando contra a dominação da Metrópole;
seu contemporâneo carioca, é, ainda, pouco conhecido na historiografia
– comparar as diferenças entre as conjurações baiana e
brasileira. Neste módulo, vamos explicar em que conjuntura ocorreram carioca, especialmente no que tange ao seu caráter popular e
as duas conjurações. elitista.

1. A Conjuração Carioca

1.1 Contexto histórico


Cantada em prosa e verso por artistas e poetas de todo o mundo, Pouco tempo depois, em 1763, a sede do governo colonial
a “mui heroica e amada cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro” foi transferida de Salvador para a cidade do Rio de Janeiro. Tal
foi palco de uma revolta pouco conhecida, “imprensada” entre duas mudança fazia parte da estratégia de Sebastião José de Carvalho e
outras conjurações de maior repercussão: a Mineira e a Baiana. Mello, o Marquês do Pombal, cujo objetivo era exercer um maior
No Rio de Janeiro setecentista, o povo carioca era privilegiado, controle sobre a Colônia, em especial sobre a área mineradora, que
pois vivia em uma cidade cravada entre a montanha e o mar, com a já começava a dar sinais visíveis de estagnação. Evidentemente, essa
exuberância da Mata Atlântica. É bem verdade que convivia também medida acarretou enormes transformações no funcionamento da
com problemas característicos de uma cidade colonial. cidade, em particular, e da Colônia, em geral.
Em meados desse século, a população do Rio de Janeiro era No último quartel do século XVIII, duas obras marcaram
de, aproximadamente, 24 mil habitantes, que sofriam com uma a história da cidade, uma delas com efeito imediato e a outra, a
série de problemas crônicos, entre eles um que se estenderia até o longo prazo.
século XX, a falta de água. Em 1750, foi concluído o Aqueduto da Em 1776, no promontório onde hoje se encontra o forte de
Carioca, que ficou conhecido como Arcos da Lapa e que resolveu Copacabana, foi erguida uma igrejinha em louvor a Nossa Senhora
parcialmente esse problema. de Copacabana, como era conhecida pelos bolivianos descendentes
de espanhóis, ou Nossa Senhora da Candelária, como a conheciam
©Artie Photography (Artie Ng)/GettyImages

os portugueses. Naquele período, ninguém poderia imaginar que


aquele areal, com a igrejinha fincada na pedra e uma humilde
colônia de pescadores ao lado, viria a se transformar na “Prince-
sinha do Mar”, ou seja, na praia mais famosa da cidade, conhecida
mundialmente. A outra obra é de 1783, quando foi inaugurado o
primeiro jardim público da cidade e da América do Sul, projetado
por Mestre Valentim, na administração do vice-rei D. Luís Menezes
de Vasconcelos, com o aterro da lagoa do Boqueirão, hoje conhecido
como Passeio Público.

Os Arcos da Lapa, até hoje, um monumento da cidade do Rio de Janeiro


50 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 20

humanísticas e seus autores, os membros da Sociedade costumavam

Domínio público/Wikimedia
criticar a realidade colonial, confrontando os ideais de liberdade,
assim como debatiam o direito dinástico e o poder absoluto dos reis.

Domínio público/Wikimedia
Gravura do Passeio Público no século XIX, de Pieter Godfred Bertichen

A cidade crescia a olhos vistos, tornando-se o epicentro das


Rio de Janeiro colonial, visto do Outeiro da Glória, tendo ao fundo o
conspirações coloniais. Tiradentes foi preso na Rua dos Latoeiros Morro do Castelo. Óleo sobre tela de Raymond Auguste Monvoisin
(atual Gonçalves Dias), em 1789, quando buscava apoio para a

Domínio público/Wikimedia
insurreição de Minas. Não se pode desprezar a ideia de que, pouco
tempo depois, em 1794, a cidade seria palco da Conjuração Carioca.
É importante, desde logo, perceber que, para a monarquia
lusitana, o pensamento iluminista era bastante perigoso, na medida
em que dava margem à reflexão da sociedade colonial no que tange
à dominação metropolitana. Além disso, o caráter republicano da
maior parte das obras iluministas se tornou um constante chama-
mento à luta contra a opressão dos Estados absolutistas. Foi por
essa razão que obras de filósofos como Montesquieu, Rousseau
ou Voltaire eram proibidas de circular na Colônia, uma vez que
contrariavam os interesses monarquistas.
Lagoa do Boqueirão com o Aqueduto da Carioca ao fundo.
Óleo sobre madeira de Leandro Joaquim
1.2 A Sociedade Literária do
Rio de Janeiro
Em 1771, componentes de uma parcela da elite carioca – filhos A Química no Brasil colonial
das famílias mais abastadas, que passaram parte de sua juventude A Sociedade Literária do Rio de Janeiro, fundada em 1786,
estudando na Europa, onde tomaram gosto pelos debates políticos, além de ter sido um ponto de ebulição política e um centro
tão em moda naquele continente no século XVIII – fundaram de debates literários, teve também um papel importante na
a Academia Científica do Rio de Janeiro, na qual se destacava o introdução da Química no Brasil. Sua antecessora, a Academia
professor de retórica Manuel Inácio da Silva Alvarenga, graduado Científica, criada em 1772, tinha, entre os seus membros,
pela Universidade de Coimbra. muitos dos que, depois, ao lado de Manuel Inácio da Silva
Nessa Academia, discutiam-se assuntos variados, que iam desde Alvarenga, formariam a Sociedade Literária e acabariam
a composição química da água até os malefícios do álcool, passando envolvidos na Conjuração Carioca de 1794.
pela observação do eclipse lunar. Tais encontros da “fina flor” dos A Academia Científica surge no Rio de Janeiro, na mesma
jovens membros da elite carioca acabaram se tornando, em pouco época em que o químico francês Antoine Laurent de Lavoisier
tempo, centros de debates políticos. lançava o seu Tratado elementar de Química, no qual apresen-
Sob a liderança de Manuel Inácio, do médico cirurgião tava uma nomenclatura moderna para os elementos químicos,
Ildefonso José da Costa Abreu e do professor de grego João Marques além de explicar dúvidas seculares, como a natureza da
Pinto, em 1786, esse grupo de intelectuais fundou a Sociedade combustão a partir da incorporação de um componente do ar, o
Literária do Rio de Janeiro, na qual poetas, escritores, estudantes, oxigênio. Além disso, Lavoisier também enunciou a conhecida
médicos e advogados autorizados pelo governo reuniam-se, todas as Lei de Conservação da Matéria, ou Lei de Conservação das
quintas-feiras, das oito às dez da noite, e debatiam não só assuntos Massas, e demonstrou a composição da água e do ar.
culturais e científicos, mas também política. Utilizando as ciências
Movimentos de independência: Conjuração Carioca HISTÓRIA I 51
e Conjuração Baiana Módulo 20 1ª Série

E como esse conhecimento chegou ao Brasil? Por meio dos


1.3 A Conjuração
filhos de membros da elite colonial, que estudavam na Europa. Em 1794, o novo vice-rei, Conde de Rezende, recebeu uma
No caso da Química, a tarefa coube ao pouco conhecido denúncia de que membros da Sociedade conspiravam contra as auto-
Vicente Coelho de Seabra Telles, mineiro que estudou na ridades portuguesas e mostravam simpatia pelas ideias republicanas.
Universidade de Coimbra, onde adquiriu conhecimento e Tal denúncia levou o governo a fechar a Sociedade Literária, e, em
escreveu um livro, Elementos de Química, que ele dedica à seguida, sob o pretexto de que seus sócios continuavam a reunir-se
Sociedade Literária. clandestinamente, a acusá-los de “subversão”, mandando prendê-los.
Outro membro da Sociedade que se dedicou à Química foi Recolhidos à Fortaleza da Conceição, os pretensos revolucio-
o carioca José Pinto de Azeredo, médico formado pela Univer- nários assistiram à instauração de investigações. Casas foram revis-
sidade de Edimburgo, na Escócia. Coube a ele a realização de tadas, livros e papéis apreendidos e, após um ano, as autoridades não
estudos sobre as condições atmosféricas da cidade do Rio de tinham provas concretas de que os réus pretendessem iniciar uma
Janeiro, por meio da coleta de amostras do ar em vários pontos conspiração. Eram apenas culpados de defender, “em conversações
da cidade, determinando, assim, quais os lugares mais poluídos particulares ou públicas, ideias detestáveis e perigosas”, como consta
ou mais salubres da então sede do governo. no processo inócuo feito pela Corte.
Por fim, mas não menos importante, a contribuição dada

Acervo do autor
por João Manso Pereira, também membro da Sociedade
Literária, com seu estudo sobre a obtenção do salitre, substância
na época usada para a fabricação da pólvora.
Vicente Seabra/Domínio Público

A Fortaleza da Conceição, próxima à Praça Mauá, no Centro do Rio de Janeiro, é uma área
que está sendo revitalizada

Em 1797, o desembargador Antônio Diniz da Cruz e Silva, que


havia participado anos antes do julgamento dos réus da Conjuração
Mineira, decidiu pela absolvição dos incriminados. Não havia
provas concretas de que tivessem iniciado uma conspiração. Embora
defendessem que a república era melhor do que a monarquia e que
os reis eram tiranos e opressores do povo, os implicados foram
considerados inocentes e libertados.
Terminava, assim, o mais simples dos movimentos dessa etapa.
Folha de rosto da primeira parte do livro Elementos de Química,
de Vicente Coelho de Seabra Telles. Coimbra, 1788 De importante, fica a ideia de que o liberalismo já encontrava eco
entre os colonos.

Para o governo, esses encontros animados, que um grupo de Nem Inconfidência, tampouco Conjuração. O movimento que
senhores da elite carioca realizava, não tinham qualquer finalidade receberia a designação de “Conjuração Carioca” ou “Conjuração do
política maior. No entanto, os debates foram, aos poucos, incorpo- Rio de Janeiro” se restringiu única e exclusivamente ao campo das
rando os princípios filosóficos e políticos da Revolução Francesa, ideias. Sem nenhum planejamento prático para tomada do poder, os
em especial depois que o doutor Mariano José Pereira da Fonseca, letrados do Rio de Janeiro foram vítimas das “rebarbas da Conjuração
recém-chegado de Coimbra e acusado de possuir em sua casa uma Mineira”, quando o Estado metropolitano, ainda traumatizado pelo
obra do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, passou a ser um dos levante mineiro, viu naquelas reuniões literárias uma ameaça que nem
mais proeminentes debatedores. de longe se configurava como um processo revolucionário.
52 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 20

2. A Conjuração Baiana Nesse período, Salvador, que havia perdido o status de sede
do governo, tinha cerca de 60 mil habitantes e era ainda a maior
cidade da colônia. Em Minas Gerais, a queda brusca na produção de
2.1 Antecedentes ouro e diamantes tornou a Bahia a capitania mais rica da América
No final do século XVIII, a cidade de Salvador foi o palco de portuguesa outra vez, em razão de sua produção de tabaco, algodão
uma revolução social, que buscava a proclamação de uma república, e, principalmente, de açúcar.
com igualdade de direitos para todos: a Conjuração Baiana. Seguia A alta sociedade soteropolitana era constituída por brasileiros
os ideais de liberdade que, no século XVIII, saíram dos livros e brancos que tinham, via de regra, limites em suas aspirações
atingiram grande parte da Europa Ocidental e da América colonial, profissionais, se comparados com os portugueses. Negros e pardos
envolvendo intelectuais, donos de engenho, escravos, artesãos, sofriam com uma sociedade racista, membros da elite reclamavam
militares, padres, brancos, negros, pobres e ricos. dos impostos e da falta de liberdade comercial e soldados recla-
Embora tão ou mais importante do que a Mineira, a Conjuração mavam dos baixos soldos. A indústria de manufaturas era proibida,
Baiana não tem, na historio­grafia oficial, o mesmo destaque. o que explica o grande número de artesãos na cidade. Salvador era o
principal porto do Brasil, mas só navios portugueses podiam atracar.
Diferentemente da Mineira, a Conjuração Baiana teve, entre os
seus líderes, mulatos, negros livres, escravos, ou seja, representantes

Acervo do autor
das camadas populares do Brasil colonial. O levante baiano era,
também, mais abrangen­te no que concerne aos ideais dos revoltosos
que a sua antecessora, na medida em que defendia a igualdade racial,
o fim da escravidão e a abolição de todos os privilégios, sendo, por
isso, considerado a primeira tentativa de revolução social no Brasil.
Domínio Público/Wikimedia

O Pelourinho hoje se localiza no Centro Histórico da cidade, o qual possui um conjunto


arquitetônico colonial barroco português preservado e integrante do Patrimônio
Histórico da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Durante a década de 1790, continuava baixo o prestígio


Bandeira da Conjuração Baiana. As cores dos insurretos são hoje as cores da bandeira do político da Bahia, que começara a declinar em 1763, quando a
estado da Bahia capital do Brasil Colônia foi transferida para o Rio de Janeiro. Por
causa das exportações, a situação da capitania era de certo progresso,
O movimento teve duas fases distintas. A primeira foi iniciada o que, no entanto, não beneficiou as camadas populares. Era
em 1796 pela elite baiana. Ela esperava apoio militar da França para incessante o aumento do custo de vida, à medida que as lavouras
deflagrar a sedição, mas, sem resposta dos franceses, retraiu-se, após de exportação diminuíam o espaço da agricultura de subsistência.
as primeiras repressões, no ano seguinte. Entre os escravos, agitava-se a possibilidade da libertação, e a
A segunda fase foi uma retomada da primeira, mas com parti- população mulata, além de protestar contra o custo de vida,
cipação ativa das camadas mais populares. Acredita-se que agiam reivindicava maiores possibilidades de ascensão social.
com apoio ou a mando de baianos ricos e influentes. Os insurgentes Setores da Igreja eram contaminados pelas novas ideias.
acabaram sendo esmagados pela Metrópole. Frei José de Bolonha pregava contra a escravidão e ameaçava não
absolver em confissão os senhores de escravos, sendo expulso da
2.2 Salvador pré-revolucionária capitania pelo governador. No Sábado de Aleluia de 1797, populares
tomaram violentamente a carne que era mandada ao general-
No final do século XVIII, a situação do Nordeste estava
-comandante da praça de Salvador.
insustentável. O renascimento agrícola havia recuperado parte do
prestígio da região, muito embora tivesse havido um agravamento Junto à elite da sociedade baiana, a agitação também se
da conjuntura socioeconômica diante da escassez de alimentos, propagava, ainda que tão somente sob a forma de ideias. Natural-
uma vez que as terras usadas para o plantio da lavoura de subsis- mente, a origem do movimento foi intelectual.
tência eram substituídas pelo avanço da lavoura de cana, que vinha
se recuperando no mercado europeu.
Movimentos de independência: Conjuração Carioca HISTÓRIA I 53
e Conjuração Baiana Módulo 20 1ª Série

2.3 A eclosão revolucionária

Domínio público/Wikimedia
A Revolução Francesa (1789-1799), que derrubou o Antigo
Regime, teve uma influência decisiva na eclosão da Conjuração
Baiana, principalmente na fase popular da revolução, conheci­da por
Terror Jacobino, que havia terminado com as obrigações feudais e
influenciou vários movimen­tos na América.
Esses princípios apareciam nos folhetos de circulação popular
que eram afixados na porta das casas de Salvador, convocando o
povo para a revolução contra o jugo colonial. Falava-se, ali, em
liberdade, igualdade e comércio livre. Um deles dizia:
“O Poderoso e Magnífico Povo Bahiense Republicano (...)
A Conjuração Baiana, de nível popular, pleiteava o fim da escravidão e a igualdade
considerando os muitos e repetidos latrocínios feitos com os títulos racial. Pintura de Jean-Baptiste Debret
de imposturas, tributos e direitos que são cobrados por ordem da
Rainha de Lisboa.” Fundada em julho de 1797, a Sociedade dos Cavaleiros da Luz
Os panfletos alarmavam o poder constituído, na medida em que (maçônica) agrupava elementos de grande projeção: João Ladislau de
denunciavam, em si mesmos, a existência de um movimento bem Figueiredo, farmacêutico; o padre Francisco Gomes; Cipriano Barata,
estruturado e que não esgotava o seu conteúdo na simples agitação o “médico dos pobres”; o professor Francisco Barreto e o tenente
de rua ou nas tramas dos gabinetes fechados. Hermógenes de Aguilar Pantoja. Além da participação nos debates,
Os subversivos já tinham materiais de composição e impressão, alguns elementos da sociedade realizavam agitações populares, como
bem como voluntários audaciosos que saíam às ruas, durante a foi o caso de Cipriano Barata, que chegou a propagar suas ideias para
madrugada, para disseminar a sua pregação política. os escravos.

Possuíam, além disso, outros apoios que fugiam ao controle Os conjurados reuniam-se na casa de Barata e de Pantoja para
convencional das autoridades. Entre eles, destacava-se o da debater esses documentos, aos quais se somava a Declaração dos
maçonaria, que, no século XVIII, impulsionada pelas tensões e Direitos, dos Estados Unidos já independentes.
questionamentos então vigentes, definiu-se como uma sociedade de Houve também outra influência decisiva no transcurso do
caráter político. Os maçons, em fins do século XVIII, tinham, assim, movimento: a Independência do Haiti. Sob a liderança de Toussaint
uma posição clara, identificavam-se com os princípios liberais L’Ouverture, a guerra de independência desse país foi um conflito
da burguesia em ascensão e ampliavam a sua ação. Na América sangrento que opôs a grande massa de escravos negros à elite branca
colonial, a maçonaria tomou um rumo próprio, tornando-se de origem francesa.
eminentemente libertadora, com a finalidade de atingir os redutos

©Bettmann/GettyImages
do absolutismo europeu.
Entre os movimentos que buscavam tais objetivos, destacou-se
a Conjuração Baiana ou República Bahiense (ou, ainda, Revolta
dos Alfaiates), enquadrada no grupo dos movimentos políticos
que destruíram os alicerces do sistema colonial no Brasil e, prin-
cipalmente, considerada o primeiro movimento em que a opinião
pública brasileira se engajou, quase que a nível de massa.
Contemporânea da Inconfidência Mineira, a sedição teve um
caráter social, na medida em que defendia, no repertório de suas
reivindicações, a igualdade racial, o consequente fim da escravidão
e a liquidação dos privilégios concedidos, de forma abusiva, às
classes dominantes e aos seus protegidos de vários níveis: político,
econômico e social.
Toussaint L’Ouverture liderando disputa contra o exército francês, durante a Revolução do Haiti
Nas últimas décadas do século XVIII, chegaram livros e
documentos trazidos por franceses e norte-americanos, que teriam
marcante influência sobre os liberais baianos.
54 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 20

A partir de 1797, houve um aumento generali­zado de incidentes.


Populares e soldados invadiram armazéns repetidas vezes, tornando
Pontes na história: Haiti, Brasil e revoltas negras
os saques parte do cotidiano da Bahia. Esse clima de rebeldia latente
se apresentava favorável à divulgação de ideias revolucionárias que

©Logan Abassi/Wikimedia
andavam em voga na França. Em 12 de agosto de 1798, começaram
a aparecer nos lugares públicos, como o Pelourinho e igrejas de
Salvador, pasquins manuscritos anunciando uma rebelião.
Tais pasquins anunciavam estar próxima a proclamação da
República Bahiense, cujo governo estabeleceria liberdade para os
escravos, igualdade de todos os cidadãos, aumento de soldos para
oficiais e praças e comércio livre com todas as nações, especialmente
com a República Francesa. Todos os padres que pregassem contra
a revolução eram ameaçados com a pena de morte.
A ação do governo foi rápida. Por meio de denúncias, foi preso
Palácio do Governo em Porto Príncipe, após o violento terremoto que matou mais de um dos líderes da conjura, o soldado Luís Gonzaga das Virgens. O
200 mil pessoas alfaiate João de Deus, outro líder do movimento, temeroso de que,
O Haiti era uma colônia francesa do Caribe e o maior torturado, Luís Gonzaga acabasse por delatar todos os implicados,
produtor mundial de açúcar. Também exportava rum e algodão, organizou um plano bastante ousado para libertá-lo e que se
sendo uma das mais ricas colônias americanas – tudo com base constituiu na senha para a deflagração do levante.
no trabalho escravista. No dia 25 de agosto, os conspiradores tentaram reunir-se no
As péssimas condições de trabalho dos escravos africanos, Campo do Dique, visando a invadir a prisão, libertar o soldado
submetidos ao trabalho exaustivo e a castigos corporais muito preso e desencadear a revolta. Avisados por delatores, as tropas
violentos, acabaram por promover, em 1791, a maior revolta governistas cercaram o local e obrigaram os insurretos a se dispersar.
de escravos da história. Liderado por um negro, Toussaint A partir daí, não foi difícil para o governo da capitania identificar
L’Ouverture, o Haiti tornou-se o primeiro país latino-americano os conjurados e desarticular a conjuração. Sete acusados foram
a declarar-se independente. degradados por toda a vida para a África. Cipriano Barata foi
É importante lembrar que, durante a fase jacobinista da absolvido, mas, apesar do perigo enfrentado, não renunciou às suas
Revolução Francesa, realizou-se a abolição da escravatura em ideias e foi um dos mais ativos jornalistas políticos.
suas colônias. Os escravos do Haiti, cujo número superava Outros réus, que eram escravos ou o tinham sido, foram
em dez vezes o de franceses e mestiços, rebelaram-se e massa- açoitados de forma brutal em praça pública e, em seguida, vendidos
craram seus senhores. para fora da capitania, ignorando a alforria de alguns deles. Durante
Em 1802, as tropas napoleônicas desembarcaram na ilha todo o longo período da devassa e do julgamento, Salvador viveu
e provocaram um banho de sangue. L’Ouverture foi preso e momentos de terror. Sucediam-se as violações de domicílios,
levado para a França, onde morreu. as denúncias anônimas para prejudicar inimigos pessoais e a
desconfiança generalizou-se, atingindo quase todos os lares e até o
Toda a repressão não foi suficiente. Os generais Jacques
interior das repartições governamentais.
Dessalines e Alexandre Ption finalmente expulsaram os
franceses em 1803 e, em 1804, o Haiti conquistava a indepen- Na elitista sociedade baiana, a liquidação dos planos subver-
dência e a abolição da escravatura. Entretanto, o preço pago sivos foi recebida com efusão. Os senhores de escravos e senhores
foi muito alto. A economia estava arrasada e até hoje o país é de engenho, cujos filhos estudavam na Europa, de onde vinham
um dos mais pobres do mundo. também suas roupas, louças e mobiliário rococó, exultaram.

Para piorar a sua situação, em 12 de janeiro de 2010, Os pardos, “elementos do trabalho vil” – como os alfaiates, asso-
um forte terremoto de magnitude 7 na escala Richter, e cujo ciados à “soldadesca irresponsável” –, já estavam com seus despojos
epicentro foi a poucos quilômetros da capital Porto Príncipe, mortais apodrecendo pelas esquinas de Salvador, aumentando o mau
devastou o Haiti, matando cerca de 200 mil pessoas. Entre elas, cheiro da cidade nos fins daquele século. As damas já podiam voltar
cerca de duas dezenas de militares brasileiros, que vinham há às ruas em suas liteiras conduzidas por braços escravos, no espetáculo
alguns anos participando de uma “força de paz” da ONU, com picaresco dos fins de tarde. A Coroa vencera, mais uma vez, a ferro
o objetivo de prestar ajuda humanitária a um dos países mais e fogo, um movimento libertário conduzido por “maus brasileiros”.
miseráveis do mundo.
Movimentos de independência: Conjuração Carioca HISTÓRIA I 55
e Conjuração Baiana Módulo 20 1ª Série

No geral, a Conjuração Baiana mostrou ser mais que um


simples movimento separatista. No seu bojo, estavam ideias liber- Mais do que uma ação revolucionária, o movimento se nota-
tárias de caráter popular, democrático e igualitário, que se chocavam bilizou por seu caráter visionário, uma vez que o pleito incluía um
com a independência proposta pelas elites, que pretendiam manter conjunto de direitos humanos e sociais que ainda levariam mais
inalterada a estrutura escravista e agroexportadora. de um século para serem difundidos e aceitos. Os líderes foram
enforcados na Praça da Piedade e suas cabeças expostas ao público.
Os obscuros heróis da Conjuração Baiana – seus nomes não
constam sequer das enciclopédias mais populares, bem como o O texto do espetáculo ganha novo fôlego a partir do
próprio verbete da chamada Revolta dos Alfaiates – não recuaram, reconhecimento oficial dos “alfaiates” como heróis da pátria,
entretanto, diante de qualquer obstáculo. pelo Congresso Nacional em Brasília.

Nem pareciam lembrados do sacrifício de Joaquim José da Silva O elenco é composto por 20 pessoas, entre atores e músicos,
Xavier no quadro de outra conjuração, a mineira, e defenderam, às atuando numa espécie de “teatro épico”. A música é presente
vezes de peito aberto, seus ideais, que se cumpriram em parte, quase durante todo o tempo do espetáculo, que contou ainda com a
cem anos depois, quando da implantação do regime republicano. participação do Grupo Olodum, que já produziu mais de cem
composições inspiradas na Conspiração dos Alfaiates.
Hoje, no entanto, busca-se resgatar a memória dessa revolta,
que sequer tem um nome definido na historiografia oficial. Conju-

Domínio Público/Wikimedia
ração Baiana, Revolta dos Alfaiates ou, como mostram recentes
estudos, a Revolta dos Búzios passa à história como um movimento
emblemático por meio do qual seus líderes negros e pobres não
tiveram grande afirmação no quadro histórico do país.

Búzios: a conspiração dos alfaiates


A história, cada vez mais, invade também – e com sucesso – o
Praça da Piedade, Bahia, local de execução dos conjurados
teatro brasileiro. É o caso de um dos maiores levantes populares
que foi encenado em todo o Brasil, entre 2011 e 2013, começando
pela Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador, Bahia.
Búzios: a conspiração dos alfaiates narra a história do dia em
que quatro líderes da rebelião foram executados no Largo da
01 (UFF) O século XVIII fez da liberdade a base da oposição
Piedade, em Salvador. O espetáculo retrata o movimento ocorrido
aos Antigos Regimes na Europa e nas Américas. As revoluções
em 1798 na Bahia, conhecido também como Revolta dos Búzios, burguesas foram um dos aspectos mais importantes dessa oposição,
Conspiração dos Alfaiates ou Conjuração Baiana. Um grupo de inaugurando uma nova etapa na história do Ocidente.
ex-escravos, alguns deles soldados e alfaiates de ofício, insurgiu-
-se contra o governo português com o apoio de intelectuais e a. Cite dois desses movimentos de oposição ao Antigo Regime,
comerciantes, especialmente aqueles ligados à maçonaria. um na Europa e outro na América.
b. Apresente e explique duas das críticas feitas à Metrópole
O episódio destaca-se na nossa historiografia pela audácia de
portuguesa pelos movimentos de emancipação ocorridos no
suas reivindicações, que incluíam não só a independência do Brasil, Brasil durante a crise do antigo sistema colonial.
como a igualdade social e racial e até a liberdade de expressão.
Na época, a elevada carga tributária e a escassez de ali- 02 (UFRRJ)
mentos oprimiam ainda mais os setores mais pobres, a ponto No clima de opinião que se seguiu à revolta de São Domingos
de, em 1797, ocorrerem vários saques a estabelecimentos [Haiti], a descoberta de planos de uma revolta armada dos artesãos
comerciais portugueses em Salvador. mulatos da Bahia [Conjuração Baiana], no decorrer de 1798, teve
Entre as lideranças do movimento, destacaram-se os um impacto todo especial, pois os planos demonstravam o que os
alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos brancos pensantes já haviam começado a perceber: as ideias de
Santos Lira (de apenas 18 anos), além dos soldados Lucas igualdade social, se propagadas em uma sociedade onde apenas
Dantas e Luiz Gonzaga das Virgens, todos mulatos. O grupo um terço da população era branca, seriam, inevitavelmente, inter-
tomou as ruas de Salvador para fazer uma panfletagem, a fim pretadas em termos raciais.
de incitar a rebelião e angariar apoio da população. MAXWELL, Kenneth. Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais.
São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 167.
56 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 20

As revoltas ocorridas em São Domingos no final do século XVIII a. Caracterize a Conjuração Baiana de 1798 e identifique um de
levaram a colônia antilhana a um movimento de emancipação seus objetivos, além daqueles relacionados diretamente ao texto.
política bastante peculiar (1804). Essas revoltas influenciaram b. Estabeleça a relação existente entre a Conjuração Baiana e as
movimentos populares ocorridos em outras sociedades latino- ideias do iluminismo e da Revolução Francesa.
-americanas, inclusive no Brasil.

a. Apresente uma diferença entre o processo de emancipação


política do Haiti e o dos demais movimentos de emancipação
latino-americanos. 01 (UFRN) Entre os movimentos que eclodiram no Brasil no
b. Cite uma proposta da Conjuração Baiana que evidencie a final do período colonial, destaca-se a Conjuração Baiana, ocorrida
influência das revoltas de São Domingos. em 1798. Nessa ocasião, em Salvador, foram divulgados panfletos
manuscritos. Em um deles constavam os seguintes dizeres:
03 (UFU)
Animais-vos, Povo Bahiense, que está para chegar o tempo feliz
O final do século XVIII foi um momento de grande turbulência
da nossa liberdade... [...]
política internacional, com ressonâncias no sistema colonial
montado pelas nações europeias. As ideias liberais agitavam as Homens, o tempo he xegado para vossa ressureição; sim, para
mentes, acenavam com a possibilidade de mudanças. Para as ressucitareis do abismo da escravidão, para levantareis a sagrada
colônias, traziam a esperança de independência política. Bandeira da Liberdade. [...] He fazer uma guerra civil entre nós,
REZENDE, Antônio Paulo; DIDIER, Maria Thereza. Rumos da História: a construção da Modernidade - para que não se distinga a cor branca, parda e preta, e sermos todos
O Brasil Colônia e o mundo moderno. São Paulo: Atual, 1996. p. 238. felices sem exceição de pessoa, de sorte que não estaremos sujeitos
a sofrer hum homem tolo, que nos governe, que só governarão
Tomando como referência a citação acima e seus conhecimentos
aqueles que tiverem juizo e capacidade para mandar a homens.
sobre as revoltas coloniais no Brasil, identifique as diferenças entre
a Inconfidência Mineira e a Inconfidência Baiana. [...] ... huma revolução, afim de tornar esta Capitania hum Governo
democrático, nelle seremos felices; porque só governarão as pessoas
04 (UNIRIO) que tiverem capacidade para isso, ou sejão brancos ou pardos, ou
Embora seja evidente a influência das ideias liberais europeias pretos, sem distinção de côr...
nos movimentos ocorridos no país desde os fins do século XVIII, TAVARES, Luís Henrique Dias. Introdução ao estudo das ideias do movimento revolucionário de 1798.
não se deve superestimar sua importância. Analisando-se os Salvador: Liv. Progresso, 1959. p. 7-13.

movimentos de 1789 (Inconfidência Mineira), 1798 (Conjuração


No fragmento anterior, estão expressos os anseios dos(as):
Baiana), (...) percebe-se logo (...) No Brasil as ideias liberais teriam
um significado mais restrito, não se apoiariam nas mesmas bases (A) categorias marginalizadas (artesãos, mulatos, soldados, brancos
sociais, nem teriam exatamente a mesma função. pobres e negros) que desejavam uma sociedade com direitos
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos.
iguais para todos os segmentos sociais da Bahia.
São Paulo: Livrarias Ciência Humanas, 1979. p. 27-29. (B) membros da elite branca da Bahia, que pretendiam a liberdade
de comércio, o fim das imposições da Metrópole e a autonomia
a. Em termos das influências de modelos externos, qual a diferença política da província.
que se pode estabelecer entre a Inconfidência Mineira e a (C) grandes proprietários das decadentes lavouras canavieiras
Conjuração Baiana? do Recôncavo Baiano, que temiam uma revolução feita pelos
b. Por que, segundo a autora, o liberalismo no Brasil teve um escravos negros e mulatos livres.
caráter limitado? (D) camadas médias de Salvador, constituídas de homens livres,
brancos e mulatos, temerosos de um levante dos escravos ou,
05 (UERJ) como diziam, daquela “canalha africana”.
Animai-vos, Povo Bahiense, que está para chegar o tempo feliz
da nossa liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos: o tempo 02 (ENEM)
em que todos seremos iguais. O alfaiate pardo João de Deus, que, na altura em que foi preso,
Apud AMARAL. Braz do. “Conspiração republicana na Bahia de 1798”. não tinha mais do que 80 réis e oito filhos, declarava que “Todos
In: Fatos da vida do Brasil. Salvador: Tip. Naval, 1941.
os brasileiros se fizessem franceses para viverem em igualdade e
Assim proclamava um dos vários papéis manuscritos que foram abundância”.
afixados nos lugares públicos da cidade de Salvador, na manhã MAXWELL, K. “Condicionalismos da independência do Brasil.” SILVA, M. N. (Org.). In: O império
do dia 12 de agosto de 1798, tornando conhecida a sublevação luso-brasileiro, 1750-1822. Lisboa: Estampa, 1986.
planejada na Bahia, entre 1797 e 1798.
Movimentos de independência: Conjuração Carioca HISTÓRIA I 57
e Conjuração Baiana Módulo 20 1ª Série

O texto faz referência à Conjuração Baiana. No contexto da crise Sobre a Conjuração Baiana, descrita no texto acima, podemos
do sistema colonial, esse movimento se diferenciou dos demais afirmar que:
movimentos libertários ocorridos no Brasil por:
(A) se inspirava nas ideias revolucionárias francesas e propunha
(A) defender a igualdade econômica, extinguindo a propriedade, mudanças na ordem social da colônia.
conforme proposto nos movimentos liberais da França napo- (B) liderada pela elite, preocupava-se com a preservação dos
leônica. direitos dos grandes proprietários e da estabilidade social.
(B) introduzir no Brasil o pensamento e o ideário liberais que (C) tinha como único suporte ideológico as ideias da Independência
moveram os revolucionários ingleses na luta contra o absolu- dos EUA.
tismo monárquico. (D) com sólido apoio militar e popular, ofereceu sério risco ao
(C) propor a instalação de um regime nos moldes da república dos domínio colonial português.
Estados Unidos, sem alterar a ordem socioeconômica escravista (E) como a Revolução Pernambucana de 1817, foi derrotada por
e latifundiária. ser elitista e sem propostas sociais.
(D) apresentar um caráter elitista burguês, uma vez que sofrera
influência direta da Revolução Francesa, propondo o sistema 05 (FUVEST) O ideário da Revolução Francesa, que, entre outras
censitário de votação. coisas, defendia o governo representativo, a liberdade de expressão,
(E) defender um governo democrático que garantisse a participação a liberdade de produção e de comércio, influenciou no Brasil a
política das camadas populares, influenciado pelo ideário da Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, pois:
Revolução Francesa. (A) cedia às pressões de intelectuais estrangeiros que queriam
divulgar suas obras no Brasil.
03 (ENEM) No tempo da independência do Brasil, circulavam nas (B) servia aos interesses de comerciantes holandeses aqui estabe-
classes populares do Recife trovas que faziam alusão à revolta escrava lecidos que desejavam influir no governo colonial.
do Haiti: (C) satisfazia aos brasileiros e aos portugueses, que dessa forma
conseguiram conciliar suas diferenças econômicas e políticas.
Marinheiros e caiados (D) apesar de expressar as aspirações de uma minoria da sociedade
francesa, aqui foi adaptado pelos positivistas aos objetivos dos
Todos devem se acabar, militares.
Porque só pardos e pretos (E) foi adotado por proprietários, comerciantes, profissionais
liberais, padres, pequenos lavradores, libertos e escravos,
O país hão de habitar.
como justificativa para sua oposição ao absolutismo e ao
AMARAL, F. P. do. Apud CARVALHO, A. Estudos pernambucanos. sistema colonial.
Recife: Cultura Acadêmica, 1907.

O período da independência do Brasil registra conflitos raciais,


como se depreende:
01 (UFBA)
(A) dos rumores acerca da revolta escrava do Haiti, que circulavam Lei no 12.391, de 4 de março de 2011.
entre a população escrava e os mestiços pobres, alimentando
seu desejo por mudanças. Inscreve no Livro dos Heróis da Pátria os nomes dos heróis da
(B) da rejeição aos portugueses, brancos, que significava a rejeição à “Revolta dos Búzios” João de Deus do Nascimento, Lucas Dantas
opressão da Metrópole, como ocorreu na Noite das Garrafadas. de Amorim Torres, Manuel Faustino Santos Lira e Luís Gonzaga
(C) do apoio que escravos e negros forros deram à monarquia, com das Virgens e Veiga.
a perspectiva de receber sua proteção contra as injustiças do
sistema escravista. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA
(D) do repúdio que os escravos trabalhadores dos portos
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a
demonstravam contra os marinheiros, porque estes repre-
sentavam a elite branca opressora. seguinte lei:
(E) da expulsão de vários líderes negros independentistas, que
defendiam a implantação de uma república negra, a exemplo Art. 1o Inscrevam-se no Livro dos Heróis da Pátria, depositado
do Haiti. no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília, os nomes dos
heróis da “Revolta dos Búzios” João de Deus do Nascimento, Lucas
04 (MACKENZIE) Dantas de Amorim Torres, Manuel Faustino Santos Lira e Luís
Já na Bahia, em 1798, a inquietação é orientada por elementos Gonzaga das Virgens e Veiga.
de “baixa esfera”, pequenos artesãos, ex-proprietários de lavoura
de cana, militares de baixo escalão (...) O problema é mais social
que colonial.
Carlos Guilherme Mota
58 HISTÓRIA I
1ª Série Módulo 20

Art. 2o Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Aviso ao Povo Bahiense
Brasília, 4 de março de 2011; 190o da Independência e 123o da Ó vós Homens Cidadãos; ó vós Povos curvados, e abandonados
República. pelo Rei, pelos seus despotismos, pelos seus Ministros.
Ó vós Povos que nascestes para serdes livres [...], ó vós Povos
DILMA ROUSSEFF
que viveis flagelados com o pleno poder do indigno coroado,
Anna Maria Buarque de Hollanda [...]. Homens, o tempo é chegado para vossa ressurreição, sim para
ressuscitardes do abismo da escravidão, para levantardes a sagrada
Com base nessa lei e nos conhecimentos sobre a Conjuração Baiana bandeira da Liberdade.
de 1798, explique o significado histórico e político do reconheci-
DEL PRIORE, Mary et al. Documentos de História do Brasil: de Cabral aos anos 90.
mento dos heróis do passado para a Bahia de hoje. São Paulo: Scipione, 1997. p. 38 (adaptado).

02 (PUC-Rio) A Conjuração Baiana foi um dos movimentos a. Escolha e transcreva uma passagem do documento que
político-sociais ocorridos na América portuguesa que assinalaram evidencie a insatisfação dos conjurados baianos com a situação
o contexto de crise do sistema colonial. Leia a seguir um trecho política da época. Justifique sua escolha.
de um dos panfletos sediciosos afixados em locais importantes da b. Apresente uma diferença entre a Conjuração Baiana (1798) e
cidade de Salvador no ano de 1798. a Inconfidência Mineira (1789).

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HISTÓRIA II 59
Módulo 16 1ª Série

Reforma Religiosa: calvinismo e Contrarreforma

©traveler1116/iStock
Você sabia que mulheres consideradas “bruxas”
foram perseguidas pela Inquisição na vida real?
Atualmente, é comum nos depararmos com esse universo
de magia na ficção, como nos livros e filmes do personagem
Harry Potter. Durante a Idade Média, porém, e principalmente na
Idade Moderna, acreditava-se realmente na existência das bruxas,
que foram, inclusive, muito perseguidas, acusadas de manter
pactos com “forças ocultas” e de dominar o que era chamado de
magia negra.
A perseguição a essas mulheres foi tão intensa na Europa que
se estima terem ocorrido quase 100 mil execuções durante os 300
anos da Idade Moderna, em um movimento que ficou conhecido
como caça às bruxas. Elas eram acusadas de compactuar com
espíritos sobrenaturais e participar de rituais de adoração ao diabo.
Sua imagem, construída ao longo dos séculos pelos europeus, ficou Expectativas de aprendizagem:
associada a vassouras, caldeirões e gatos pretos. – Entender o contexto político e religioso que incentivou o
Contudo, houve uma época em que não era necessário ter todos movimento reformista em oposição à Igreja Católica;

esses apetrechos para ser considerada uma bruxa pelo Tribunal C3 – identificar os principais nomes das religiões reformistas;
– interpretar o motivo pelo qual a Igreja iniciou uma
da Inquisição. Esse período foi a Contrarreforma, assunto que contrarreforma, que ao mesmo tempo atacou os reformistas e
estudaremos neste módulo. buscou aperfeiçoar e expandir a fé católica.

1. A Reforma Protestante Como foi estudado anteriormente, o crescimento dos pontos


comerciais aumentou a circulação de riquezas, incentivando a
1.1 A origem: Suíça expansão das ideias renascentistas e, consequentemente, o pensa-
mento mais crítico em relação às explicações de mundo impostas
A atual região da Suíça era parte integrante do Sacro Império pela instituição católica.
Romano-Germânico, tendo conquistado sua independência no
Visto como um movimento reformista, iniciado por Martinho
final do século XV. Contudo, o novo Estado Nacional manteve
Lutero, o luteranismo incentivou a proliferação de críticas à Igreja
certas divisões internas, associadas ao crescimento do comércio e
Católica. Na região da Suíça, o precursor foi Ulrich Zwingli,
ao enriquecimento da burguesia. Alguns centros urbanos possuíam
que, assim como Lutero, também influenciado pelas ideias do
relativa autonomia político-administrativa, como era o caso de
humanista Erasmo de Roterdã, ordenou-se padre no século XVI
Zurique, Friburgo, Berna e Genebra.
e dedicou-se a incentivar discussões que promovessem reformas na
ideologia cristã. Defendia a salvação pela predestinação e criticava
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intensamente elementos da estrutura eclesiástica católica, como o


sacramento da penitência e o celibato.
A expansão das ideias de Ulrich Zwingli ocorreu principalmente
no norte da região, provocando uma intensa guerra civil entre
reformadores e os grupos mais conservadores. O fim dos combates
foi estabelecido por meio do tratado denominado Paz de Kappel
(1531), segundo o qual ficava acordado que haveria liberdade
para cada região administrativa escolher qual seria a religião nela
adotada.
Os embates levaram o líder reformista à morte, mas suas ideias
se mantiveram em expansão, fortalecendo a atuação de outros
reformadores. Em Genebra, a chegada do francês João Calvino
incentivou ainda mais a Reforma Protestante.
Mapa da Suíça
60 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 16

1.2 A doutrina calvinista Em Genebra, a consolidação do calvinismo resultou na


associação entre o âmbito político e o religioso. A criação de uma
Nascido na França, no início do século XVI, João Calvino assembleia, conhecida como consistório, deu a Calvino e à elite
recebeu uma educação católica, que fora determinante para que se religiosa conservadora poderes para interferir diretamente nos
tornasse um estudioso de Latim, Teologia e Literatura. Porém seu costumes dos cidadãos da cidade, que passou a ser conhecida como
contato com as ideias protestantes o incentivou a produzir textos que a “Roma dos protestantes”. As determinações dessa assembleia
contestavam alguns dos dogmas católicos. Seu posicionamento fez diziam respeito tanto aos ambientes privados quanto aos públicos,
com que fosse perseguido na França e se refugiasse na Suíça, onde o regulamentando o comportamento dos fiéis em ocasiões como as
movimento reformista já se iniciara com as ações de Ulrich Zwingli. festividades coletivas.
Mesmo com tal rigidez exigida dos seguidores, o calvinismo

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se expandiu rapidamente por algumas regiões da Suíça, e, não por
acaso, justamente por aquelas que se destacaram pelo crescimento
comercial. Ao associar o trabalho, a poupança e a disciplina à
religião, o calvinismo, consequentemente, ofereceu à burguesia
justificativas religiosas para suas atividades mercantis e manufa-
tureiras. Assim, a expansão do calvinismo pela Europa Ocidental
esteve bastante associada ao crescimento das práticas comerciais,
já que, ao aderirem a essa vertente religiosa, os grupos mercantis
de diversas regiões do continente tornaram-se pontos de difusão
da doutrina. Na Inglaterra, os calvinistas eram denominados
puritanos, na França, huguenotes e, na Escócia, presbiterianos.

João Calvino Max Weber


Calvino tornou-se um dos grandes dinamizadores do Importante sociólogo alemão, dedicou-se durante o
movimento reformista, visto que, refugiado em Genebra, encontrou século XIX e início do XX a traçar algumas correspondên-
ali um ambiente bastante propício para as discussões sobre uma cias entre a mentalidade religiosa e o desenvolvimento da
reformulação na doutrina cristã. Assim como seus antecessores, economia política. Segundo ele, existe uma relação entre a
foi bastante influenciado pelo humanismo, convertendo-se oficial- mudança comportamental provocada pela Reforma Protes-
mente ao protestantismo. Publicou, então, a obra A instituição da tante no século XVI e o desenvolvimento do capitalismo.
religião cristã, na qual expunha seus princípios teológicos. De acordo com sua

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Assim como o precursor Zwingli, Calvino reafirmava as defesas perspectiva, os hábitos e
luteranas, entre elas a livre interpretação da Bíblia, a negação do pensamentos comparti-
culto aos santos, a existência de somente dois sacramentos – batismo lhados pelos calvinistas,
e eucaristia – e a salvação pela predestinação. Esta, aliás, tornou-se como a condenação do
um dos princípios fundamentais do calvinismo, que defende ser ócio e das festividades e o
um desígnio de Deus oferecer a salvação a alguns e o castigo a incentivo ao trabalho e à
outros, de modo que a obtenção da vida eterna não dependeria das poupança extrema, foram
ações humanas. Nesse sentido, sendo a salvação uma manifestação elementos que influenciaram
absoluta da vontade de Deus, não há espaço para o livre-arbítrio. o acúmulo de riqueza entre
Assim, de acordo com a perspectiva calvinista, as atitudes do fiel, esses grupos. A formulação
no decorrer da vida, não influenciam para que ele obtenha a vida dessa defesa está no livro A
eterna. Mesmo assim, uma vez que acredita ser um predestinado, ética protestante e o espírito Max Weber é considerado um dos
um calvinista deve adotar conduta condizente com a graça a qual do capitalismo (1905). fundadores da Sociologia
crê ter recebido. Ou seja, todo calvinista tem confiança de que é um É importante destacar dois pontos fundamentais. Primei-
predestinado, devendo, então, comportar-se de maneira adequada. ramente, essa é a teoria defendida pelo sociólogo, não sendo a
Dessa forma, elaborou-se a rígida ética calvinista, constituída única forma de explicar as origens da mentalidade capitalista.
por um conjunto de hábitos, valores e comportamentos que Além disso, não se pode afirmar que os líderes protestantes,
deveriam ser seguidos pelos fiéis como demonstração de serem como João Calvino, defenderam a busca do lucro.
merecedores da graça que receberam. Entre as crenças e hábitos,
estavam a valorização do trabalho e da poupança, a rígida disci-
plina e a condenação do ócio.
Reforma Religiosa: calvinismo e Contrarreforma HISTÓRIA II 61
Módulo 16 1ª Série

O fortalecimento do calvinismo deve ser entendido como um América. Representando uma verdadeira contraofensiva ao avanço
componente de um processo ainda mais amplo, ou seja, simulta- do protestantismo, seus integrantes eram denominados “soldados de
neamente expandiam-se também o luteranismo e o anglicanismo. Cristo” e, sendo dotados de sólida disciplina e formação religiosa,
Conforme visto, os conflitos religiosos marcaram esse período do atuavam no ensino, na catequese e na política.
século XVI, ocorrendo não somente entre católicos e protestantes,

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mas também entre os próprios grupos reformadores. As perse-
guições foram intensas, e, na Inglaterra, incentivaram a saída dos
puritanos em busca de novas áreas a serem povoadas, como a região
norte das Treze Colônias, no continente americano.
O crescimento do calvinismo na Inglaterra, associado à
Reforma Anglicana e ao contexto político interno, criou um
ambiente de grande tensão política, econômica e social. Esse foi
um dos importantes fatores que deram início à Revolução Inglesa.

2. A Reforma Católica
ou Contrarreforma
Diante de tudo que se analisou até agora, percebe-se que a
Brasão da Companhia de Jesus
Reforma Protestante atacava cada vez mais as bases da Igreja
Católica, reduzindo não só sua força religiosa, mas também Por meio da ação desses educadores na América, a instituição
política. Contudo, as críticas feitas por leigos e membros do católica tentava diminuir a perda do número de fiéis, ou seja, ao
clero à doutrina e à estrutura eclesiástica da Igreja Católica catequizarem os povos nativos do Novo Mundo, convertiam-nos
são anteriores à Reforma Protestante. Ainda no século XV, ao catolicismo, em uma tentativa de compensar a perda de poder
já se identificam iniciativas para restabelecer a disciplina clerical que sofriam entre os europeus. Sendo os portugueses e espanhóis
e reformular a espiritualidade da instituição. Todavia, foi somente muito católicos, as missões jesuíticas atuaram com grande força nas
após o avanço do movimento reformista, no século XVI, que o áreas coloniais desses dois Estados Nacionais.
alto clero dedicou-se a tomar medidas concretas para recuperar a Uma das principais medidas da Contrarreforma foi a convo-
influência da instituição. Esse movimento foi denominado Reforma cação do Concílio de Trento (1545-1563), uma reunião entre os
Católica ou Contrarreforma. membros do alto clero na região italiana de Trento, cujo objetivo
foi discutir e definir quais seriam as ações da instituição para evitar
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o avanço do protestantismo. As discussões se estenderam de 1545


a 1563, quando então ficou determinado que a Igreja Católica
reafirmaria seus dogmas, isto é, as crenças fundamentais da religião
foram mantidas e continuaram a ser tratadas como verdades
inquestionáveis. Entre elas, mantiveram-se os sete sacramentos, a
hierarquia eclesiástica, o celibato e o princípio da salvação pela fé
e pelas boas obras.

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Concílio de Trento
Inácio de Loyola, conhecido pela fundação da Companhia de Jesus
Nem tudo, entretanto, permaneceu como antes. Algumas
O movimento levou à reformulação e à criação de ordens reformulações foram propostas referentes aos tópicos que eram alvo
religiosas que atuassem no combate ao avanço do reformismo. Em das principais críticas dos protestantes. Foram proibidas as vendas
1534, foi fundada a Companhia de Jesus, originando a ordem dos de cargos eclesiásticos e de indulgências e, além disso, foram criados
jesuítas. Liderada por Inácio de Loyola, ela foi responsável pelo seminários que viabilizassem maior rigidez na formação do clero.
fortalecimento do catolicismo em diversas regiões da Europa e da
62 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 16

Também foi criado o Index Librorum Proibitorum, que O avanço do protestantismo foi muito expressivo nos Estados
consistia em uma relação de livros e autores que os católicos inglês e francês. Em contrapartida, a Contrarreforma esteve muito
passaram a ser proibidos de ler. Essa relação não se restringiu aos presente nos Estados ibéricos, Portugal e Espanha, sendo a atuação
textos religiosos dos líderes protestantes: diversos renascentistas da Inquisição muito intensa nessas regiões, e estendendo-se,
foram ali inseridos, como Montaigne, Nicolau Copérnico e inclusive, às áreas coloniais na América.
Galileu Galilei, e a listagem foi por muito tempo atualizada,
contando posteriormente com autores dos séculos XIX e XX, como
Victor Hugo e Jean-Paul Sartre.
Sabe-se que o domínio ideológico da Igreja Católica na
01 (UNIFESP) No século XVI, nas palavras de um estudioso,
Idade Média era muito expressivo, mas de forma alguma
“reformar a Igreja significava reformar o mundo, porque a Igreja
absoluto. Assim, aqueles que se opunham às regras e às crenças era o mundo”. Tendo em vista essa afirmação, é correto afirmar que:
da instituição eram chamados hereges e perseguidos por um
tribunal eclesiástico denominado Inquisição. Com o avanço (A) os principais reformadores, como Lutero, não se envolveram nos
do movimento protestante, o número de hereges multiplicava- desdobramentos políticos e socioeconômicos de suas doutrinas.
(B) o papado, por estar consciente dos desdobramentos da Reforma,
-se rapidamente, o que levou à reativação da Inquisição e à reor-
recusou-se a iniciá-la, até ser obrigado por Calvino.
ganização do Tribunal do Santo Ofício, que tinha como função (C) a burguesia, ao contrário da nobreza e dos príncipes, aderiu à
identificar, perseguir e punir os hereges. Reforma, para se apoderar das riquezas da Igreja.
(D) os cristãos que aderiram à Reforma estavam preocupados
somente com os benefícios materiais que dela adviriam.
O queijo e os vermes: a história de como um (E) o aparecimento dos anabatistas e outros grupos radicais são a
moleiro chegou à Inquisição prova de que a Reforma extrapolou o campo da religião.

O queijo e os vermes é um livro escrito pelo historiador 02 (UFU-MG) A chamada “cisma protestante” foi um dos fenômenos
italiano Carlo Ginzburg, no final do século XX. O texto narra a que tiveram importantes consequências na Europa Moderna, entre
história de Domenico Scandella, conhecido como Menocchio, os séculos XVI e XVII. Desse fenômeno surgiram várias Igrejas
um moleiro (operário responsável pela moagem de cereais ou separadas do catolicismo romano, destacando-se aquelas de base
operador de moinho) que vivia na região de Friuli e foi preso teológica luterana e outras de base teológica calvinista.
pela Santa Inquisição, acusado de cometer heresia. Sobre esse assunto, responda:
O personagem Menocchio possuía certas distinções em a. Quais são as principais características comuns entre as Igrejas
relação ao grupo social a que pertencia. Ele sabia ler e escrever Luterana e Calvinista, que surgiram da chamada “cisma
e, assim, procurava livros que o incentivassem a elaborar novas protestante”?
ideias. Nesse sentido, podemos dizer que era “um homem à b. Quais são as principais diferenças entre as Igrejas Luterana e
frente de seu tempo”, ou seja, seus pensamentos, ligados à Calvinista?
liberdade de expressão e à crítica, condiziam muito mais com
03 (UEFS-BA)
os séculos posteriores.
Calvino [...] introduziu a noção de progresso e sucesso. Para
Ele foi processado duas vezes pela Inquisição, acusado de
o reformador genebrês, o indivíduo era responsável perante Deus.
espalhar ideias heréticas sobre Jesus Cristo, pois discutia com
De acordo com suas possibilidades, devia tentar utilizar os meios
amigos e conhecidos sua opinião religiosa após as diversas
que Deus lhe dera para se aperfeiçoar, dar a seus filhos chances
leituras que fazia. Diante do avanço do protestantismo e da
de sucesso (principalmente por meio da educação) e trabalhar de
rigidez da Inquisição, o moleiro foi considerado um herege, e o
maneira a se tornar um exemplo para seus próximos, seus vizinhos
registro de seu processo tornou-se fonte histórica desse período.
e sua congregação.
Janine Garrisson.
Domínio Público/Wikimedia

A concepção calvinista quanto à relação entre o homem e os bens


resultantes do esforço do trabalho propiciou, de acordo com o texto:

(A) a superação do medo da acumulação de riquezas, vista anterior-


mente como pecado, e, a partir daí, como sinônimo de progresso.
(B) a condenação do lucro resultante da circulação do capital
usurário, incentivado pelas nascentes casas bancárias da época.
(C) a defesa do justo preço e do lucro limitado, como eram prati-
cados nas corporações de ofício das cidades medievais.
(D) a queda dos antagonismos econômicos entre comerciantes
católicos e protestantes na Europa da época.
O tribunal da Inquisição punia as chamadas heresias (E) a valorização do ócio e do lazer como sinais de riqueza, prestígio
e felicidade.
Reforma Religiosa: calvinismo e Contrarreforma HISTÓRIA II 63
Módulo 16 1ª Série

04 (UFG-GO) No século XVI, com a ocorrência da Reforma e 02 (UEPB)


da Contrarreforma, católicos e protestantes, apesar de manterem Em 28 de setembro de 1583, Menocchio, um moleiro de Friuli,
o tronco comum no cristianismo, passaram a divergir quanto foi denunciado ao Santo Ofício, sob a acusação de ter pronunciado
às práticas e às explicações para suas crenças. Considerando as
palavras heréticas e totalmente ímpias sobre Cristo. Não se tratara
divergências, conclui-se que, em relação à hierarquia religiosa:
de uma blasfêmia ocasional: Menocchio chegara a tentar difundir
(A) os católicos aceitaram o poder temporal dos reis, constituindo suas opiniões, discutindo-as; ele não se envergonhava de pregar
uma relação de submissão da Igreja em relação ao Estado. e dogmatizar.
O queijo e os vermes, Carlo Ginzburg.
(B) os luteranos aceitaram a relação direta entre Deus e o fiel por
meio da oração, sem dispensar a figura de um religioso.
Dois grandes eventos históricos tornaram possível acontecer um
(C) os católicos negavam a autoridade dos clérigos, indignados com
caso como o de Menocchio. São eles:
o privilégio que eles tinham como intérpretes das Escrituras.
(D) os calvinistas conservaram o ritual litúrgico determinado por (A) a Reforma Protestante e o Concílio de Trento.
Roma, mantendo o culto aos santos e à Virgem Maria. (B) a formação dos Estados Modernos e a existência do Tribunal de
(E) os luteranos aboliram os sacramentos do batismo e da eucaristia, Inquisição.
rompendo com o ordenamento proposto pelo cristianismo. (C) as grandes navegações e a escolástica.
(D) o tomismo e o Concílio de Trento.
05 (UFF-RJ) Nos séculos XVI e XVII, os conflitos religiosos se (E) a invenção da imprensa e a Reforma Protestante.
disseminaram por toda a Europa, provocando guerras e impondo
um ambiente de perseguição e fanatismo. Diante desse contexto, 03 (UFRRJ)
o aparecimento de alternativas de paz envolveu o “princípio de Votos da Companhia de Jesus, criada
tolerância” que pode ser associado à seguinte opção:
por Inácio de Loyola em 1534
(A) As crenças e opiniões devem ser expressas somente na Que os membros consagrarão suas vidas ao constante serviço
intimidade. de Cristo e do papa, lutarão sob a bandeira da Cruz e servirão ao
(B) Os seres humanos devem respeitar as crenças e opiniões uns Senhor pontífice romano como o vigário de Deus na Terra, de tal
dos outros. forma que executarão imediatamente e sem vacilação ou escusa tudo
(C) O Estado tem o dever de impedir que os seres humanos adotem o que o pontífice reinante ou seus sucessores puderem ordenar-lhes
crenças e opiniões falsas.
para proveito das almas ou para propagação da fé, e assim agirão
(D) A opinião verdadeira tem o direito de se impor a todos os seres
humanos. em toda província aonde forem enviados, entre turcos ou quaisquer
(E) A minoria deve adotar as opiniões e crenças da maioria. outros infiéis, na Índia distante, assim como em região de hereges,
cismáticos ou indivíduos de qualquer tipo.
LOYOLA. I. “Companhia de Jesus”. In: AQUINO, R. S. L.; ALVARENGA, F. J. M. et al. História das
sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais.
Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1990, p. 87.

01 (UNIFOR-CE) Considere o quadro: O texto acima apresenta os votos da Companhia de Jesus, que foi
uma reação da Igreja Católica contra a Reforma Protestante. Sobre
Escritura Sagrada como único dogma da nova religião. a Contrarreforma, é correto afirmar que promoveu:
Fé como única fonte de salvação.
Supressão do clero regular, do celibato e das imagens. (A) o Concílio de Trento, no qual foram modificados diversos
Livre interpretação da Bíblia. dogmas da Igreja Católica.
Substituição do latim, nos cultos religiosos, pelo idioma nacional. (B) o restabelecimento do Tribunal do Santo Ofício, que servia
Manutenção de apenas dois sacramentos: o batismo e a eucaristia. para julgar aqueles que defendiam a manutenção dos dogmas
católicos, contra a nova orientação da Igreja.
VICENTINO, Cláudio. História geral. São Paulo: Scipione, 1991, p. 137.
(C) a reorganização do Tribunal do Santo Ofício, que servia para
julgar os hereges, tendo uma atuação mais presente na Península
O quadro apresenta fundamentos religiosos desenvolvidos na
Ibérica.
Europa, no século XVI. Nesse contexto histórico, eles estavam
(D) a organização da Companhia de Jesus, que tinha como objetivo
relacionados:
julgar os hereges que eram contra os dogmas do catolicismo.
(A) às mudanças propostas pelos membros do alto clero no Concílio (E) o restabelecimento do Tribunal do Santo Ofício, que deter-
de Trento. minou quem iria para as colônias da América para catequizar
(B) à adoção de medidas dos cristãos para combater os adeptos dos os índios.
protestantes.
(C) ao pensamento oficial da Igreja Católica, reiterado no 04 (UNIMONTES-MG)
movimento da Contrarreforma. Lembra-se de que tempo é dinheiro. Aquele que pode ganhar dez
(D) aos ideais dos calvinistas, surgidos nos encontros realizados no xelins por seu dia de trabalho e vai passear, ou fica vadiando metade
Concílio de Trento. do dia, embora não despenda mais do que seis pence durante o seu
(E) às ideias dos luteranos de combaterem os dogmas impostos divertimento ou vadiação, não deve computar apenas essa despesa;
pela Igreja Católica.
gastou, na realidade, ou melhor, jogou fora cinco xelins a mais.
64 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 16

(...) (C) a liberação da venda de cargos eclesiásticos, mas manteve a


As mais insignificantes ações que afetem o crédito de um indissolubilidade do casamento.
(D) a mudança na hierarquia eclesiástica, diminuindo os poderes
homem devem ser consideradas. O som do martelo às cinco
do papa e dos bispos.
horas da manhã, ou às oito da noite, ouvido por um credor o (E) a criação do Tribunal da Inquisição em nações do norte da
fará conceder-te seis meses a mais de crédito no dia seguinte; ele Europa, com a finalidade de combater calvinistas e luteranos.
procurará, porém, por seu dinheiro no dia seguinte; se te vir em uma
mesa de bilhar ou escutar tua voz em uma taverna, quando deverias
estar no trabalho, exigi-lo-á de ti antes de que possas dispor dele.
Benjamin Franklin, texto escrito entre 1736 e 1748. Apud Antônio Pedro.
História do mundo ocidental. São Paulo: FTD, 2005, p. 163.
01 (UNIFESP) Com a Reforma e a Contrarreforma, os dois
protagonistas principais de uma e de outra foram Calvino e Inácio
As informações anteriores expressam:
de Loyola.
(A) a preocupação da Igreja Católica com a vadiagem e sua luta
para se adaptar aos novos tempos trazidos pelo Renascimento Comente o papel e a importância de:
e pela Reforma Protestante.
(B) o pensamento dos banqueiros, maiores beneficiários com as a. Calvino para o protestantismo.
novas concepções trazidas pelo Renascimento que legitimou b. Inácio de Loyola para o catolicismo.
a usura e os juros.
(C) a teoria econômica fisiocrata, que condenava veementemente 02 (UFG-GO)
a especulação financeira e o protecionismo característicos do
Chegam os missionários estrangeiros
mercantilismo.
(D) parte da ética protestante concernente a temas como trabalho, corados
tempo e administração da vida diária de cada pessoa. rudes

05 (UPE) ininteligíveis.
Ante os ataques dos protestantes e na linha das posições Festa na cidade, medo em mim:
doutrinais e das decisões do concílio, a Igreja pós-tridentina tende Entenderão os meus pecados?
a revalorizar determinadas formas de devoção coletiva. De fato, Trazem um inferno mais terrível
estas aparecem como a expressão da realidade da Igreja universal,
da Itália, da Espanha, da Alemanha?
desde que estreitamente enquadradas pelo clero.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Boitempo II. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1990, p. 34.
LEBRUN, F. “As Reformas: devoções comunitárias e piedade pessoal”. In: História da vida privada.
3. ed. São Paulo: Cia. das Letras, p. 73.
Drummond expressou, nos versos anteriores, o sentimento perante
A convocação do Concílio de Trento foi uma reação contra a um fenômeno que se estende da Antiguidade até os nossos dias: as
Reforma, tomando medidas como: divergências no interior de determinada religião.
Com base no texto e no processo histórico, identifique e justifique:
(A) a proibição da venda de indulgências nas regiões do norte da
Europa, mantendo a venda em Portugal e na Espanha. a. o grande cisma católico do século XVI.
(B) a reativação da Inquisição e a criação de uma lista de livros b. as consequências de tal processo para a Igreja e a política
proibidos, contribuindo para a censura das ideias. europeia no período citado.

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HISTÓRIA II 65
Módulo 17 1ª Série

Revoluções Inglesas:
a Revolução Puritana

Você sabia que antigamente acreditava-se que a


realeza tinha sangue azul?

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Os ingleses do século XVII acreditavam que os nobres tinham
sangue azul e que, por isso, diferenciavam-se dos demais grupos
sociais. Outra crença da época era a de que o poder dos monarcas
era concedido por Deus, de acordo com a teoria do direito divino
dos reis.
Apesar dessas ideias, o século XVII foi palco do primeiro
levante contra a hegemonia monárquica na Inglaterra. A teoria do
sangue azul foi desacreditada quando Carlos I, monarca europeu, Expectativas de aprendizagem:
foi decapitado em uma execução pública. A população constatou, – Identificar as especificidades do contexto político e social inglês
que levaram à eclosão de um movimento revolucionário;
portanto, que o sangue real era tão vermelho quanto o do camponês.
– compreender de que forma as políticas dos monarcas da
Neste módulo, estudaremos a revolução que fez com que um C5 dinastia Tudor alteraram e impulsionaram o crescimento
econômico da Inglaterra;
dos maiores Estados Nacionais da Europa, a Inglaterra, ficasse sem
– observar que, com a entrada dos Stuarts, muitos conflitos com
rei. E, ainda, como os ingleses naquele momento solucionaram o parlamento se iniciaram, devido ao caráter absolutista e
esse problema. despótico da dinastia.

1. O absolutismo na Inglaterra
A pirataria e as novas políticas
Conforme já estudado, foi durante o governo da dinastia
Tudor que ocorreu a consolidação da monarquia absolutista na
econômicas inglesas
Inglaterra. Por meio, principalmente, das medidas tomadas por A prática da pirataria era muito comum durante os
Henrique VIII e sua filha Elizabeth I, a política mercantilista séculos XVI, XVII e XVIII, quando capitães de alguns navios
inglesa se fortaleceu, o que propiciou o enriquecimento do Estado se dedicavam a saquear embarcações comerciais que trans-
e dos burgueses. portavam riquezas, principalmente no caminho entre as áreas
coloniais e as metrópoles europeias.
O rei, ao liderar a Reforma Anglicana e tornar-se o chefe da
nova Igreja, confiscou os bens eclesiásticos, transformando-os em Nesse período, houve, ainda, a proliferação dos corsários,
propriedades do Estado e, consequentemente, da nova instituição donos de navios que, por meio de associações com determi-
religiosa protestante. Assim, a maior disponibilidade de terras nada nação, atacavam portos, áreas coloniais e embarcações
incentivou o processo de cercamento dos campos, visto que os inimigas. Em troca essa atividade de pilhagem, os corsários
nobres passaram a receber, como doação, as áreas anteriormente recebiam parte da riqueza saqueada. Diferenciavam-se, assim,
dominadas pelos eclesiásticos, ampliando as áreas destinadas à dos piratas, uma vez que eram subordinados a um rei ou a um
criação de ovelhas e fortalecendo ainda mais, em consequência, governador.
a produção manufatureira. Podemos afirmar que as medidas tomadas pelos gover-
Entre as decisões intervencionistas adotadas pela chamada nantes da dinastia Tudor, Henrique VIII e Elizabeth I, levaram
Rainha Virgem, Elizabeth I, o incentivo à colonização da América não só ao enriquecimento e ao fortalecimento do Estado
do Norte e à atividade corsária foram fundamentais, posto que Nacional, mas também atuaram em profundas transforma-
o enriquecimento proporcionado pelo grande fluxo de riquezas ções socioeconômicas. Alterou-se bruscamente a estrutura
auxiliou na consolidação do controle sobre as colônias na América. da sociedade estamental inglesa, vindo à tona valores que
Além disso, a vitória inglesa contra a Invencível Armada do rei incentivaram a acumulação de riqueza, tanto pelos burgueses
espanhol Filipe II ampliou o sentimento de nacionalismo. quanto por alguns representantes da nobreza.
66 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 17

Devido às relações de parentesco com a falecida rainha, assumiu

©GeorgiosArt/iStock
o trono inglês seu primo Jaime I, da dinastia Stuart, que nesse
momento era também o rei da Escócia. Este, mais interessado em
manter o tradicionalismo feudal, uniu os governos inglês e escocês,
ao mesmo tempo que se aproximou da nobreza aristocrática inglesa,
com o intuito de assegurar seus privilégios ameaçados pelos grupos
emergentes – os burgueses e a baixa nobreza.

Domínio Público/Wikimedia
Sir Francis Drake, um dos mais conhecidos corsários da Europa

Entre os grupos envolvidos nessas transformações, os


burgueses calvinistas, denominados puritanos, perceberam
que o contexto inglês incentivava cada vez mais o trabalho e,
consequentemente, o acúmulo de riquezas. Assim, destacaram-
-se atuando em áreas como a construção naval, a produção
têxtil e o comércio em geral.
Pode-se, portanto, afirmar que o enfraquecimento dos
valores feudais favoreceu os grupos em ascensão, como a
burguesia e a baixa nobreza, conhecida na Inglaterra como
gentry. Bem como o gentlemen, ou “homens gentis”, que
eram cavaleiros da pequena nobreza rural. Tais segmentos,
interessados em manter seu crescimento, aproximaram- Jaime IV da Escócia e I da Inglaterra
-se cada vez mais do Parlamento para conquistar maior
representatividade política, uma vez que as políticas inter- Nesse contexto, marcado por embates de caráter político,
vencionistas mercantilistas reduziam suas áreas de atuação. social e econômico, houve também tensões religiosas. Enquanto
os grupos em ascensão aproximavam-se cada vez mais dos ideais
puritanos, o rei e os grupos mais conservadores, como a alta
2. A ascensão dos Stuarts nobreza e o clero, tentavam insistentemente manter os valores e
e a Revolução Puritana as práticas anglicanas.
Essa oposição foi se agravando rapidamente diante das
medidas tomadas pelo governante Jaime I, que, por mais que
2.1 Contexto político
exercesse o absolutismo em conjunto com o Parlamento, desejava
O ambiente de crescimento econômico e certa passividade resgatar o absolutismo baseado no direito divino dos reis e
política foram interrompidos pela morte da rainha Elizabeth I, abandonar a monarquia parlamentar. Guiado por esse interesse,
que não deixou nenhum herdeiro direto para ocupar o trono o rei buscou reforçar as medidas mercantilistas e assegurar uma
inglês. Esse problema dinástico levou ao fim a dinastia Tudor e à unidade religiosa, impondo o anglicanismo aos súditos.
ascensão dos Stuarts.
Revoluções Inglesas: a Revolução Puritana HISTÓRIA II 67
Módulo 17 1ª Série

2.2 A Revolução Puritana (1642-1649)


O Parlamento inglês A morte de Jaime I, em 1642, não reduziu os conflitos provo-
O Parlamento inglês era dividido em duas câmaras cados por suas medidas. Ao contrário, seu sucessor, Carlos I,
distintas. A Câmara dos Lordes era ocupada pelos represen- reforçou a postura absolutista, determinando a cobrança de
tantes da alta nobreza, tanto aqueles que possuíam cargos impostos sem a prévia aprovação do Parlamento.
eclesiásticos quanto os nobres guerreiros, duques, barões e Tal atitude aumentou a tensão entre o monarca e seu Conselho.
condes. Estes tinham posse das maiores extensões de terra e, Este, interessado em limitar os poderes do rei, impôs àquele um
consequentemente, dos mais altos títulos, convivendo na Corte documento que reafirmava os princípios da Magna Carta. Entre
inglesa e usufruindo dos privilégios da realeza. Na Câmara dos as determinações expostas no documento – que ficou conhecido
Comuns, estavam os representantes da crescente burguesia e como Petição de Direitos ou Segunda Magna Carta inglesa – estava
da pequena nobreza, os gentlemen. a proibição da cobrança de impostos não autorizados previamente
Além das distinções sociais, cada um dos grupos adotava pelo Parlamento. O monarca aceitou, inicialmente, as limitações
uma predominância política. Enquanto os lordes eram defen- impostas, mas, meses depois, dissolveu o Parlamento, governando
sores do anglicanismo, os comuns praticavam, principalmente, de maneira isolada pelos onze anos seguintes.
o puritanismo.

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Atualmente, o Parlamento inglês mantém a existência das
duas câmaras, sendo o rei considerado o terceiro elemento do
Parlamento, que é classificado como o corpo legislativo do
Reino Unido e Irlanda do Norte. Observa-se, ainda, que os
escoceses possuem o seu próprio Parlamento, embora suas leis
possam ser anuladas pelo Parlamento britânico.
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Cópia de parte da Primeira Magna Carta inglesa

O contexto só foi alterado quando, em 1640, iniciou-se uma


rebelião na Escócia, devido também às medidas autoritárias de
Carlos I. Ao tentar impor o anglicanismo aos escoceses, que
Sede do Parlamento inglês, onde se reúnem as câmaras dos Lordes e dos Comuns.
professavam principalmente o presbiterianismo, o monarca acabou
O Palácio de Westminster está localizado às margens do Rio Tâmisa. Sua construção aumentando a oposição ao seu governo.
foi iniciada ainda no século XI, tornando-o um dos maiores símbolos da política inglesa
e europeia

O presbiterianismo
A política adotada por Jaime I resultou em diversas mudanças
Os presbiterianos seguem uma das vertentes do refor-
políticas e religiosas. Entre elas, a grande distribuição de títulos de
mismo calvinista, defendendo a ideia da predestinação. Para
nobreza, na tentativa de fortalecer sua base de apoio, a imposição
eles, Deus já traçou o destino de todos os indivíduos: os
rigorosa do anglicanismo e a adoção de medidas mercantilistas.
abençoados recebem a salvação e os condenados, a danação.
Esse panorama criou cada vez mais um ambiente de tensão entre
O termo surgiu nas Ilhas Britânicas e fazia referência àqueles
o monarca, o Parlamento, os puritanos e os anglicanos. Assim, as
que não concordavam com o sistema de organização da Igreja.
oposições e as perseguições políticas se misturavam com as diver-
Os reis preferiam e adotavam o sistema episcopal, ou seja, uma
gências religiosas, e vice-versa.
organização religiosa governada por bispos e arcebispos. Porém
O referido ambiente de instabilidade política e religiosa incen-
esse método foi criticado por algumas igrejas em que se acredi-
tivou muitos puritanos a abandonarem o Estado inglês em busca
tava que o poder religioso devia ser guiado pelos mais velhos.
de melhores condições de vida no Novo Mundo. Esse movimento
Assim, a palavra grega presbyteros significa, literalmente, ancião,
migratório fez parte do início da colonização da Nova Inglaterra,
tendo dado origem à alcunha que as igrejas não estabelecidas
que foi marcado pela chegada dos chamados “pais peregrinos” à
receberam: presbiterianos.
região norte das Treze Colônias.
68 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 17

Com a necessidade de conter os embates na Escócia, o


monarca convocou novamente o Parlamento inglês para que
O puritanismo inglês
pudesse, sem muito conflito, aumentar uma vez mais os impostos
Os puritanos na Inglaterra se dividiram em dois grupos:
e obter os recursos necessários para arcar com a guerra escocesa.
levellers e diggers.
O restabelecimento do Conselho de parlamentares, associado ao
conturbado contexto da época, incentivou o início da guerra civil Os levellers defendiam as camadas mais pobres do campo e
na Inglaterra. da cidade, acreditando no “nivelamento” social. Suas propostas
tinham caráter bastante igualitário, como a liberdade religiosa
O combate dividiu o apoio dos ingleses em dois grupos:
e a igualdade perante a lei.
de um lado, os partidários do rei, conhecidos como cavaleiros,
Já os diggers concentravam-se na questão fundiária, vindo
que englobavam a alta nobreza e a Câmara dos Lordes, sendo
daí sua associação com o verbo inglês to dig (cavar). Segundo
estes principalmente anglicanos e católicos. Do outro lado, os
suas propostas, os domínios da Coroa e as terras ociosas
defensores do Parlamento, representando os interesses da Câmara
deveriam ser divididas entre os mais pobres.
dos Comuns, contavam com o apoio da maioria puritana, sendo
A guerra civil se estendeu por diversas regiões do território
denominados “cabeças redondas”, devido ao corte de cabelo que
inglês, sendo cada vez mais marcada pelas vitórias do exército
utilizavam, uma vez que tinham abandonado as perucas tão
puritano de Cromwell contra as forças da realeza. Como
tradicionais na Corte inglesa.
consequência, as bases de apoio de Carlos I foram reduzidas,
O exército dos cabeças redondas foi liderado por Oliver facilitando sua prisão em 1647.
Cromwell, que, pertencente à baixa nobreza, defendia os interesses
Nesse contexto, a associação entre o Exército puritano e
dos burgueses, dos puritanos e das demais parcelas da sociedade
a Câmara dos Comuns enfraquecia os moderados e realistas,
contra os desmandos do rei. Essa força militar passou a ser denomi-
ou seja, aqueles que ainda se mantinham dispostos a negociar
nada Exército do Novo Tipo, visto que contava com a participação
com o rei. Nessa fase de maior radicalização política, o clamor
de representantes dos mais diversos segmentos, como pequenos
pela decapitação do rei ganhou grande força, efetivando-se
proprietários, artesãos e pequenos burgueses, não se restringindo
esta em 1649.
somente aos nobres, como era costumeiro.
A execução do monarca Carlos I constitui um marco
A utilização dessa nova composição militar foi considerada político da história europeia, na medida em que abalou signi-
uma iniciativa inovadora, já que, além de abandonar a tradição, ficativamente a estrutura monárquica baseada na teoria do
incentivou intensas discussões políticas entre seus integrantes. direito divino dos reis. Consequentemente, o fortalecimento do
Nesse sentido, foi possível identificar a ascensão de propostas Parlamento e a proliferação das discussões políticas resultantes
políticas mais radicais, muito associadas à defesa da participação e da Revolução Puritana criaram um ambiente propício para as
da liberdade de expressão, as quais tiveram grande importância no mudanças que ocorreriam no século XVIII, como a expansão
posterior contexto revolucionário do século XVIII. das ideias liberais.
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Oliver Cromwell, líder político e militar da Revolução Puritana Carlos I, monarca inglês
Revoluções Inglesas: a Revolução Puritana HISTÓRIA II 69
Módulo 17 1ª Série

05 (UFRJ)
Quando o amor-próprio [egoísmo] começou a crescer na terra,
01 (UFG-GO) A república implantada por Oliver Cromwell, na então começou o homem a decair. Quando a humanidade começou
segunda metade do século XVII, na Inglaterra, provocou grandes a brigar sobre a terra, e alguns quiseram ter tudo e excluir os demais,
transformações na história inglesa. Em termos políticos e econô- forçando-os a serem seus servos: foi essa a queda de Adão.
micos, analise essas transformações.
HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça.
02 (UERJ) São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 169 (adaptado).

Assim, ninguém pode negar que a Revolução Puritana era uma Explique por que podemos associar o texto acima às correntes mais
luta tão religiosa quanto política; mas era mais que isso. Aquilo por que radicais que atuaram na Revolução Inglesa de 1640.
os homens lutavam era toda a natureza e o desenvolvimento futuro da
sociedade inglesa.
HILL, Christopher. A Revolução Inglesa de 1640. Lisboa: Presença, 1981.

a. Indique um fator político que contribuiu para o desenvolvi-


mento das revoluções inglesas do século XVII. 01 (FGV) Leia um fragmento do Ato de Navegação inglês de 1660:
b. Estabeleça a relação existente entre a Revolução Puritana e
a colonização das possessões inglesas no litoral atlântico da Para o progresso do armamento marítimo e da navegação, que sob
América do Norte. a boa providência e proteção divina interessam tanto à prosperidade,
à segurança e ao poderio deste reino... nenhuma mercadoria será
03 (UFPB) Uma das cenas marcantes do filme Morte ao rei importada ou exportada dos países, ilhas, plantações ou territórios
(Inglaterra-Alemanha, 2001) mostra a decapitação do rei Carlos I, pertencentes a Sua Majestade, ou em possessão de Sua Majestade, na
da Inglaterra, depois do julgamento feito pelo Parlamento no Ásia, América e África, noutros navios senão nos que sem nenhuma
decorrer da Revolução Inglesa, em 1649. Na ocasião, Oliver
fraude pertencem a súditos ingleses, irlandeses ou gauleses, ou ainda
Cromwell teria afirmado, aos presentes incrédulos, que o sangue
a habitantes desses países, ilhas, plantações e territórios, e que são
que corria do corpo do rei não era de cor azul, mas tão vermelho
quanto o sangue do mais simples cidadão inglês. comandados por um capitão inglês e tripulados por uma equipagem
A propósito da Revolução Inglesa e de seus desdobramentos, é com três quartos de ingleses...
correto afirmar: English Historical Documents.

(A) A Revolução representou o fim do absolutismo e encerrou, assim, A determinação inglesa pode ser considerada:
o domínio exclusivo da realeza sobre a administração do Estado. (A) liberal, uma vez que a interferência do Estado se resumira a
(B) A Revolução manteve os direitos senhoriais sobre a terra e cerceou estabilizar a entrada e a saída de mercadorias da nação.
o direito à propriedade privada para as pessoas de origem plebeia. (B) fisiocrata, porque reforçou a tendência inglesa de buscar as
(C) A nobreza rural foi a grande vencedora da Revolução, pois rendas do Estado na produção agrícola.
assegurou para si a isenção de impostos e o direito de votar e (C) iluminista, já que atendeu às demandas das camadas mais
ser votada. modernas da nobreza de terras e da burguesia industrial.
(D) A Declaração de Direitos do Cidadão (Bill of Rights) assegurou (D) monopolista, visto que permitiu a livre circulação de merca-
alguns direitos individuais, mas impediu a liberdade religiosa dorias pela maior parte do continente europeu e da Ásia.
e de pensamento. (E) mercantilista, pois permitiu a proteção e a consequente pros-
(E) A decapitação do rei Carlos I provocou uma reviravolta na peridade da Marinha e do comércio britânicos.
Revolução, com a reação da realeza absolutista, e, em decor-
rência, o Parlamento foi abolido. 02 (UNESP)
04 (PUC-SP) O Ato de Navegação de 1651 foi editado por Oliver A Revolução Inglesa de 1640 [...] destruiu o antigo aparelho
Cromwell, no contexto das chamadas revoluções inglesas do século de Estado, impondo limites ao poder real, submetendo-o ao poder
XVII. Era uma forma de: do Parlamento [...]. Eliminou a autonomia financeira do poder
real, confiscando-lhe as propriedades e transformando o próprio
(A) assegurar o mercado consumidor para produtos ingleses e
conceito de propriedade individual e absoluta [...].
impedir a concorrência de novas potências industriais, como
a França e a Alemanha. O poder mudou de mãos... agora passava aos domínios da
(B) obter maior controle sobre a circulação marítima comercial e, pequena nobreza rural, a gentry, identificada com a burguesia
dessa forma, ampliar a presença britânica sobre os mares. mercantil.
(C) beneficiar os interesses da nobreza britânica, que finalmente A Revolução Inglesa, José Jobson de Andrade Arruda.
conseguia se impor à burguesia nas lutas religiosas, sociais e
políticas internas. Segundo o texto, a Revolução Inglesa:
(D) impedir as exportações francesas para a América do Norte (A) reforçou o antigo aparelho de Estado e manteve intacta a
e, dessa forma, impedir a autonomia econômica das colônias propriedade real identificada com os privilégios da nobreza.
inglesas na região. (B) submeteu o rei ao poder do Parlamento, composto pela gentry e
(E) facilitar o acesso às colônias do norte da África, para assegurar o pela burguesia, cujos interesses privilegiavam a propriedade real.
fornecimento de carvão e de minérios para as fábricas inglesas.
70 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 17

(C) destruiu o antigo aparelho de Estado e transferiu a propriedade 05 (FGV)


real para as mãos do Parlamento, isto é, para a alta aristocracia. A Reforma, a despeito de sua hostilidade à magia, estimulara o
(D) limitou o poder do Parlamento, que passou a ser exercido espírito de profecia. A abolição dos intermediários entre o homem e
também pelo rei, cujo interesse maior era privilegiar a gentry
a divindade, bem como a ênfase na consciência individual, deixavam
e a burguesia.
Deus falar diretamente a seus eleitos. Era obrigação destes tornar
(E) transformou a propriedade real em propriedade privada e
legitimou o poder do Parlamento, representante da gentry e da conhecida a Sua mensagem. E Deus não fazia acepção de pessoas:
burguesia. preferia falar a John Knox do que à sua rainha, Maria Stuart da
Escócia. O próprio Knox agradeceu a Deus ter-lhe dado o dom de
03 (UNCISAL) profetizar, que assim estabelecia que ele era um homem de boa-fé.
A Revolução Industrial é um complemento direto da Revolução Na Inglaterra, as décadas revolucionárias deram ampla difusão
Inglesa do século XVII, que cria as condições básicas para a eclosão ao que praticamente constituía uma profissão nova – a do profeta,
do maquinismo no final do século XVIII. na qualidade de intérprete dos astros, ou dos mitos populares
Revolução Industrial e capitalismo, José Jobson de Andrade Arruda. tradicionais, ou, ainda, da Bíblia.
HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça. Ideias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640. Trad.
O autor estabelece relações entre as duas revoluções ocorridas na Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 103.
Inglaterra. A partir do raciocínio do autor, pode-se afirmar que a
Revolução Inglesa: O texto se refere ao ambiente político e religioso da Inglaterra no
século XVII. A esse respeito, é correto afirmar:
(A) contribuiu para a eliminação de entraves feudais que contri-
buíram para o desenvolvimento industrial. (A) A insatisfação popular na Inglaterra era decorrente da perspec-
(B) permitiu a instauração do absolutismo, que, ao centralizar o tiva protestante de manter os sacerdotes como intermediários
poder econômico, investiu no processo industrial. entre Deus e os homens.
(C) possibilitou a ascensão da nobreza, que era uma classe interes- (B) Os revolucionários basearam-se em princípios estritamente
sada no progresso industrial, ao poder político. racionais e científicos, em uma nítida ruptura com as crenças
(D) retardou, em razão dos conflitos políticos, o processo de e com o profetismo da época.
desenvolvimento do capitalismo industrial. (C) Apesar de todas as disputas religiosas dos séculos XVI e XVII,
(E) dificultou o processo de industrialização, pois impediu o avanço os monarcas ingleses mantiveram-se neutros, o que permitiu
científico, fundamental para a invenção das máquinas. a preservação da monarquia.
(D) Para os revolucionários ingleses, Deus considerava apenas os
04 (FGV) parlamentares como pessoas aptas a transmitir a doutrina e
A linha mais secular associa-se com os levellers e os diggers, os indicar os caminhos da salvação.
quais, embora seus programas diferissem muito, ofereciam soluções (E) A movimentação revolucionária esteve vinculada aos conflitos
religiosos decorrentes da chamada Reforma Protestante,
políticas e sociais para os males terrenos. Tais grupos surgiram dos
iniciada no século XVI.
acalorados debates, realizados em Putney, em 1647, entre oficiais do
exército (favoráveis aos grandes comerciantes e donos das proprie-
dades rurais) e os “agitadores”, que representavam as fileiras da tropa.
RUDE, George. “Ideologia e protesto popular”. In: MARQUES, Adhemar et al. 01 (UFRN) O historiador Christopher Hill se notabilizou pelos
História contemporânea através de textos.
seus estudos sobre a Revolução Inglesa do século XVII (Revolução
No contexto das revoluções inglesas do século XVII, os levellers se Puritana/Revolução Gloriosa). Considerando essa revolução como
constituíam em um grupo: um evento capital não só da história inglesa, mas também da história
de todo o mundo contemporâneo, Cristopher Hill afirma:
(A) moderado, ligados à pequena nobreza rural, e defensores da
articulação entre os interesses do rei Carlos I e do Parlamento, Se você observar a Inglaterra no século XVI, verá que é uma
além de reivindicarem o poder religioso para os presbiterianos. potência de segunda classe, levando um embaixador inglês em 1640
(B) extremista, com representantes entre os camponeses sem a dizer que seu país não gozava de qualquer consideração no mundo.
terra, aliados aos presbiterianos, defensores de uma sociedade O que era verdade. Mas já no começo do século XVIII a Inglaterra é a
que abolisse a propriedade privada e o dízimo pago à Igreja maior potência mundial. Logo, alguma coisa aconteceu no meio disso.
Anglicana.
(C) moderado, ligados a médios proprietários rurais, e, aliados ao MARQUES, Adhemar M.; BERUTTI, Flávio C.; FARIA, Ricardo de M. História contemporânea através
de textos. São Paulo: Contexto, 2012, p. 12.
Novo Modelo de Exército liderado por Oliver Cromwell,
defendiam o controle sobre o poder real e a ampliação do a. Mencione e explique duas mudanças que contribuíram para
poder do Parlamento. a Inglaterra, no começo do século XVIII, tornar-se a maior
(D) radical, pertencentes à pequena burguesia urbana, e defendiam potência mundial.
uma série de transformações sociais, como a restrição às b. Justifique por que a Revolução Inglesa do século XVII pode
grandes propriedades e a separação entre Igreja e Estado. ser considerada um evento capital de todo o mundo ocidental
(E) conciliador, formado pela grande burguesia urbana, e, aliados contemporâneo.
da gentry e dos independentes, eram defensores da ampliação
do poder do Parlamento e da liberdade econômica.
Revoluções Inglesas: a Revolução Puritana HISTÓRIA II 71
Módulo 17 1ª Série

02 (UERJ) O texto faz menção a um dos acontecimentos mais importantes


O rei é vencido e preso. O Parlamento tenta negociar com ele, da Europa no século XVII: a Revolução Puritana (1642-1649). A
dispondo-se a sacrificar o Exército. A intransigência de Carlos, a partir desse acontecimento, a Inglaterra viveu uma breve expe-
riência republicana, sob a liderança de Oliver Cromwell. Entre suas
radicalização do Exército e a inépcia do Parlamento somam-se para
realizações mais importantes, destaca-se a decretação do primeiro
impedir essa saída “moderada”; o rei foge do cativeiro, afinal, e uma Ato de Navegação.
nova guerra civil termina com a sua prisão pela segunda vez. O Explique a importância do Ato de Navegação para a economia
resultado será uma solução, por assim dizer, moderadamente radical inglesa e aponte duas ações políticas da República Puritana.
(1649): os presbiterianos são excluídos do Parlamento, a Câmara dos
Lordes é extinta, o rei decapitado por traição ao seu povo após um
julgamento solene sem precedentes, proclamada a República; mas
essas bandeiras radicais são tomadas por generais independentes,
Cromwell à testa, que as esvaziam de seu conteúdo social.
RIBEIRO, Renato Janine In: HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais durante a
Revolução Inglesa de 1640. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

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HISTÓRIA II 72
Módulo 18 1ª Série

Revoluções Inglesas: a República de


Cromwell e a Revolução Gloriosa

Você sabia que o número de pessoas contrárias


à monarquia cresce todos os anos na Inglaterra?
Quem enxerga o Reino Unido como símbolo de austeridade e
estabilidade não sabe que, na verdade, a monarquia britânica está
sendo cada vez mais contestada. O reinado da octogenária rainha
Elizabeth II, iniciado no longínquo ano de 1952, ainda mantém as
aparências de um regime forte e estável, porém não é bem assim

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que a realidade se revela.
Um considerável grupo de republicanos da Inglaterra pede o
fim dos privilégios e o respeito à igualdade de direitos de todos
os britânicos. De acordo com recentes pesquisas, os republicanos
compõem, nos últimos dez anos, aproximadamente 15% da
população, e esse número não para de crescer. Expectativas de aprendizagem:
– Identificar de que forma a Revolução Puritana conduziu ao
É importante lembrar que a Inglaterra, modelo clássico de governo de Oliver Cromwell;
monarquia constitucional, já foi uma república por um curto – compreender como ocorreu um processo de restauração
espaço de tempo. Esse período no século XVII, localizado entre C5 monárquica;
as revoluções Puritana e Gloriosa, foi marcado pela forte atuação – analisar criticamente os motivos que levaram à eclosão da
Revolução Gloriosa;
de Oliver Cromwell, assunto que vamos estudar neste módulo.
– observar que a Revolução Gloriosa se relaciona com as bases do
liberalismo político.

1. República de Cromwell Entre os títulos concedidos a Cromwell está o de lorde protetor da


Inglaterra.
Oliver Cromwell se destacou como importante líder do processo
Além disso, foi estabelecido o caráter hereditário para a República.
revolucionário conhecido como Revolução Puritana, o qual levou à

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decapitação do rei Carlos I em 1649. A ausência do monarca gerou
um novo ambiente político na Inglaterra, uma vez que foi criado um
Conselho de Estado que, liderado por Cromwell, tornou-se o órgão
responsável pelas questões administrativas e militares.
Esse conselho teria seu poder submetido ao Parlamento, que,
mesmo diante da extinção da Câmara dos Lordes, após a Revolução
Puritana, manteve suas funções políticas por meio da Câmara dos
Comuns. A liderança administrativa do líder puritano fez com que
esse período (1649-1658) fosse denominado República de Cromwell.
O fim da guerra civil e o estabelecimento do governo de
Cromwell não significaram a completa pacificação da Inglaterra; ao
contrário, as forças opositoras à República continuaram mantendo
atitudes de resistência. Houve, por exemplo, a rebelião de católicos e
realistas na Irlanda, entre 1649 e 1650, na qual se defendia o retorno
do modelo monárquico anterior. Cromwell conseguiu reprimir
o movimento, o que, consequentemente, resultou no gradativo
fortalecimento de seu governo.
A progressiva centralização política na figura do governante
Estátua de Oliver Cromwell, representação de sua grande influência política
pode ser notada pelo acúmulo de títulos que lhe eram atribuídos, na história da Inglaterra
conferindo-lhe poderes que reduziam a influência do Parlamento.
Revoluções Inglesas: a República de Cromwell HISTÓRIA II 73
e a Revolução Gloriosa Módulo 18 1ª Série

Obviamente, alguns grupos tentaram resistir a tais determi- 2. A restauração monárquica –


nações do governante, que passou a ser visto como autoritário e
tirano, principalmente pelos setores mais populares. Por outro O retorno dos Stuarts (1658-1688)
lado, as medidas econômicas adotadas por Cromwell favoreceram
O fim da República de Cromwell e o retorno do Conselho Parla-
muitíssimo a burguesia, solidificando as relações mercantis.
mentar possibilitaram a restauração da monarquia na Inglaterra.
O fortalecimento comercial foi efetivado por meio de um O descendente direto do rei decapitado, Carlos I, foi coroado como
conjunto de decretos, os quais, a partir de 1650, incentivaram o Carlos II, mantendo-se no domínio da Inglaterra entre 1660 e 1685.
desenvolvimento da construção naval inglesa. Denominados Atos Interessado em restabelecer o absolutismo, aproximou-se da alta
de Navegação, determinavam que os produtos importados por nobreza e de parte da rica burguesia com objetivo de aumentar sua
quaisquer países só poderiam ser transportados por navios deles base de apoio político.
próprios ou por navios ingleses. Segundo esses Atos de Navegação:
Durante seu reinado, manteve-se o crescimento econômico,
• somente navios ingleses poderiam transportar mercadorias devido principalmente às medidas tomadas pelos antecessores. Politi-
inglesas ou de outros países para a Inglaterra; camente, o Parlamento inglês dividiu-se em dois grupos distintos. De
• em caso de venda para a Inglaterra, só navios do país de origem um lado, os mais conservadores – que desejavam o retorno do sistema
do produto estariam autorizados a entrar na Inglaterra. absolutista e o fortalecimento do Governo Stuart – compunham o
Os Atos de Navegação (1651) partido denominado Tory. De outro, os mais liberais, contrários aos
Stuarts, que defendiam o fortalecimento do poder Parlamentar e eram
membros do partido Whig.
A morte de Carlos II levou ao governo seu irmão Jaime II. Este,
convertido ao catolicismo, tentou restabelecer de maneira arbitrária
o domínio dessa religião, desprezando e perseguindo um grande
grupo de protestantes ingleses. No Parlamento, os integrantes dos dois
partidos sentiram-se ameaçados pelas ações despóticas do monarca,
de modo que foi estabelecida uma aliança entre Tories e Whigs.

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Mapa explicativo dos Atos de Navegação

A implementação dos Atos de Navegação colocou em risco o


domínio holandês sobre o transporte marítimo de mercadorias,
uma vez que, desde o século XVI, parte da burguesia holandesa
investia na construção naval, o que fez com que fossem conhe-
cidos como “carreteiros do mar”. As determinações de Cromwell
prejudicavam drasticamente os lucros holandeses, resultando em
um conflito entre os dois Estados. A vitória inglesa no embate
consolidou sua hegemonia marítima e impulsionou ainda mais o
crescimento mercantil.
A morte de Oliver Cromwell, em 1658, levou ao poder seu Imagem do Parlamento inglês, representação das discussões políticas entre a Câmara dos
filho Richard. Este, contudo, não possuía o mesmo arsenal de Lordes e a Câmara dos Comuns
estratégias políticas do pai. Diante da grande instabilidade interna
e do restabelecimento do Parlamento, o governante foi deposto um
ano após assumir o governo.
Utilize o leitor óptico do seu
celular para assistir à videoaula.
goo.gl/vRqCrF
74 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 18

3. A Revolução Gloriosa (1688-1689) A Revolução Gloriosa oficializou na Inglaterra o fim da


monarquia absolutista e a consequente instauração da monarquia
A crescente insatisfação em relação às atitudes do monarca
parlamentar constitucional. Estabelecia-se, no Estado inglês, o início
gerou novamente um clima de oposição entre rei e Parlamento.
do pensamento liberal, pois o governo passou a basear-se na ideia
Contudo, nesse momento, ao contrário do que ocorreu na
de que as leis organizam a sociedade.
Revolução Puritana, o golpe político foi articulado e efetuado sem
Após o estabelecimento do liberalismo político na Inglaterra, a
que houvesse uma nova guerra civil, ficando, assim, conhecido
baixa nobreza e a crescente burguesia consolidaram também seus
como Revolução Gloriosa.
instrumentos políticos por meio do fortalecimento do Parlamento.
A liderança do Parlamento inglês, interessada em assegurar
Nesse sentido, é possível perceber que as condições necessárias
a estabilidade política, articulou um acordo com o protestante
para o desenvolvimento do pensamento capitalista na Inglaterra
holandês Guilherme de Orange, que era genro de Jaime II e
se mostravam cada vez mais palpável.
aceitou assumir o trono, tornando-se Guilherme III. Este invadiu o
território inglês e, com o apoio do Parlamento, forçou, sem grandes
dificuldades, a deposição do antigo monarca. Liberalismo político
Entende-se que o liberalismo político consiste no

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conjunto de ideias que, entre os séculos XVII e XVIII, incen-
tivaram o enfraquecimento das bases feudais e a consequente
transição para o sistema capitalista. Nesse sentido, essa teoria
política combate o modelo absolutista, as distinções sociais
baseadas na estrutura estamental, e defende que a função
do Estado é assegurar que todos os indivíduos gozem de
seus direitos fundamentais – o direito à vida, à liberdade e à
propriedade privada.
Entre os princípios fundamentais do liberalismo político,
está a ideia de igualdade de direitos, sejam ele civis ou indivi-
duais. Assim, o Estado liberal deveria atuar de maneira a não
interferir nos direitos individuais, e sim a regular as normas
estabelecidas, sempre subordinadas às leis.
Diversos filósofos participaram da formulação e da expansão
dessa perspectiva política. Um dos de maior destaque foi
Guilherme de Orange no Parlamento britânico
John Locke, que, sendo contemporâneo à Revolução Inglesa,
O grande destaque desse episódio político foi o estabelecimento presenciou os acontecimentos políticos desse marco histórico,
da Declaração de Direitos, ou Bill of Rights, pela qual o novo rei, auxiliando significativamente na argumentação em defesa do
Guilherme III, jurava submeter o seu poder ao Parlamento inglês. liberalismo nos séculos seguintes.
Entre as determinações negociadas, estavam a necessidade de
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aprovação do Parlamento para a criação de novos impostos, a defesa
da propriedade privada e da liberdade de expressão. Além disso,
foi estabelecido o Ato de Tolerância, que determinava a liberdade
religiosa para os protestantes.
A seguir, observam-se alguns dos pontos expostos na Declaração:

• É ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para


suspender as leis ou seu cumprimento;
• é ilegal toda cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso
do Parlamento, sob pretexto de prerrogativa, ou em época e
modo diferentes dos designados por ele próprio;
• o ato de levantar e manter dentro do país um exército em tempo de
paz é contrário à lei, se não proceder autorização do Parlamento;
• os súditos protestantes podem ter, para a sua defesa, as armas
necessárias à sua condição e permitidas por lei;
• devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento;
• não se exigirão fianças exorbitantes, impostos excessivos, nem
se imporão penas demasiado severas;
• é indispensável convocar com frequência o Parlamento para
satisfazer os agravos, assim como para corrigir, afirmar e Adam Smith, pai do liberalismo
conservar as leis.
Revoluções Inglesas: a República de Cromwell HISTÓRIA II 75
e a Revolução Gloriosa Módulo 18 1ª Série

04 (UNIOESTE–PR) S obre a Revolução Gloriosa na


Inglaterra (1688-1689), é correto afirmar que:
01 (UFTM–MG) Um dos marcos da história europeia, as Revo-
(A) foi uma revolução política que pôs fim ao absolutismo, conso-
luções Inglesas do século XVII:
lidando a supremacia do parlamento sobre a autoridade real.
(A) inseriram-se no contexto de afirmação dos ideais da burguesia (B) representou a vitória de setores reacionários no aspecto
e decretaram, com os Atos de Navegação, a autonomia das político inglês e o retorno à descentralização política típica
colônias na América. do mundo medieval.
(B) decorreram da aliança entre os aristocratas e os industriais e (C) o holandês Guilherme de Orange foi coroado como Guilherme
provocaram a revogação dos princípios liberais da Magna Carta. III, depois de ter assinado a Bill Of Rights imposta pelo Parla-
(C) não se relacionaram a disputas religiosas, uma vez que o angli- mento, que ampliava os poderes da monarquia sobre este.
canismo estava consolidado, e estabeleceram uma república (D) solapou a supremacia da teoria da separação dos três poderes
efêmera. e de um Estado democrático baseado no sufrágio.
(D) levaram a burguesia, aliada à nobreza progressista, ao poder (E) constituiu-se numa vitória da teoria do direito divino sobre
político e lançaram as bases do sistema parlamentarista vigente a teoria do contrato entre o soberano e o povo.
até hoje.
(E) inspiraram-se no liberalismo e asseguraram os direitos dos 05 (UFRRJ) Leia o texto abaixo e responda ao que se pede:
niveladores e dos cavadores, representantes das camadas
populares mais radicais. [A Revolução Puritana, entre 1640 e 1649, e a Revolução
Gloriosa de 1688] fazem parte de um mesmo processo revolucio-
02 (UNESP) A Revolução Puritana (1640) e a Revolução nário, o que nos leva a optar pela denominação Revolução Inglesa
Gloriosa (1688) transformaram a Inglaterra do século XVII. Sobre
e não Revoluções Inglesas (...). Ampliamos o sentido histórico da
o conjunto de suas realizações, pode-se dizer que:
Revolução Inglesa para inseri-la na “Era das Revoluções Burguesas”,
(A) determinaram o declínio da hegemonia inglesa no comércio na medida em que antecipa a Revolução Americana e a própria
marítimo, pois os conflitos internos provocaram forte redução Revolução Francesa em 150 anos.
da produção e exportação de manufaturados.
(B) resultaram na vitória política dos projetos populares e radicais (...) Por isso merece datar o início da Era das Revoluções Burguesas,
dos cavadores e dos niveladores, que defendiam o fim da muito mais do que a própria Revolução Francesa.
monarquia e dos privilégios dos nobres.
ARRUDA, José Jobson de Andrade. A Revolução Inglesa.
(C) envolveram conflitos religiosos que, juntamente com as disputas São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 7-8.
políticas e sociais, desembocaram na retomada do poder pelos
católicos e em perseguições contra protestantes. a. Identifique a mudança fundamental introduzida pela Revolução
(D) geraram um Estado monárquico em que o poder real devia se Gloriosa na organização política na Inglaterra.
submeter aos limites estabelecidos pela legislação e respeitar b. De que forma pode ser caracterizado, em termos religiosos, o
as decisões tomadas pelo Parlamento. período em que Oliver Cromwell governou a Inglaterra?
(E) precederam as revoluções sociais que, nos dois séculos
seguintes, abalaram França, Portugal e as colônias na América,
provocando a ascensão política do proletariado industrial.

03 (UNESP) Leia o texto abaixo:


Os lordes espirituais e temporais e os comuns, hoje (22 de 01 (FATEC–SP) Considere o texto a seguir:
janeiro de 1689) reunidos (...) constituindo em conjunto a repre-
sentação plena e livre da nação (...) declaram (...) para assegurar os Se você observar a Inglaterra no século XVII, verá que é uma
seus antigos direitos e liberdades: potência de segunda classe, levando um embaixador inglês, em 1640,
a dizer que seu país não gozava de qualquer consideração no mundo.
• que o pretenso direito da autoridade real de suspender as leis ou O que era verdade. Mas já no começo do século XVIII, a Inglaterra
a sua execução (...) é ilegal;
é a maior potência mundial. Logo, alguma coisa aconteceu no meio
• que o pretenso direito da autoridade real de dispensar das leis
ou da sua execução (...) é ilegal; disso. E eu creio que o que houve no meio foram a guerra civil e a
• que qualquer levantamento de dinheiro para a Coroa ou para Revolução que tiveram efeitos fundamentais. [...] O resultado foi que,
seu uso (...) sem consentimento do Parlamento (...) é ilegal; se a Inglaterra no século XVII era importadora de cereais e padecia
• que o recrutamento e a manutenção de um exército no reino, em de fome e escassez, no fim desse século já era exportadora e não havia
tempo de paz, sem o consentimento do Parlamento, é ilegal. mais fome. Tudo isso, como é óbvio, convergiu para a irrupção da
“A Declaração dos Direitos” apud DARESTE, F. R.; DARESTE, P. As constituições modernas. Revolução Industrial no final do século seguinte.

a. Identifique o contexto em que esse documento foi escrito. Trecho da entrevista feita com o historiador
b. A Declaração dos Direitos estabelece qual relação de poder Christopher Hill. Folha de S. Paulo. 10 ago. 1988.

entre o rei e o Parlamento inglês?


76 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 18

Sobre as Revoluções Inglesas, ocorridas no século XVIII, é correto 03 (UNIFOR–CE) Observe a gravura que registra o momento
afirmar que: histórico em que Maria e Guilherme de Orange, tornados reis da
Inglaterra pela vontade do Parlamento, recebem deste a Declaração
(A) o processo dessas revoluções foi inspirado nos ideais ilumi- de Direitos de 1689.
nistas do século XVIII culminando, assim como na França, na
decapitação do rei.
(B) Oliver Cromwell, apesar de ter comandado os yeomen, acabou
derrotado pelas tropas leais ao rei.
(C) foram um movimento que retardou a chegada da Revolução
Industrial por terem levado a nação a afundar-se em uma guerra
civil sem fim.
(D) serviram para fortalecer a figura do rei e da monarquia abso-
lutista em detrimento do Parlamento e da gentry.
(E) estabeleceram uma nova realidade política e religiosa, pois
o Parlamento consolidou seus direitos, e os não anglicanos
tiveram garantia de tolerância religiosa.

02 (ESPM)
(...) Os lordes espirituais e temporais e os comuns, hoje (22 de
janeiro de 1689) reunidos (...) constituindo em conjunto a repre-
sentação plena e livre da nação (...), declaram (...), para assegurar
ARRUDA, J. Jobson de; PILETTI, Nelson. Toda a História. São Paulo: Ática, 1999, p. 229.
os seus antigos direitos e liberdades:
No contexto da Revolução Inglesa do século XVII, o fato registrado
• que o pretenso direito da autoridade real de suspender as leis na gravura significou:
ou a sua execução (...) é ilegal;
• que o pretenso direito da autoridade real de dispensar das leis (A) a decadência da hegemonia inglesa no continente europeu.
ou da sua execução (...) é ilegal; (B) o enfraquecimento definitivo do absolutismo monárquico na
• que qualquer levantamento de dinheiro para a Coroa ou para Inglaterra.
seu uso (...), sem o consentimento do Parlamento (...) é ilegal; (C) o fim da república provocado pela restauração monárquica.
(D) a supremacia do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo.
• que o recrutamento e a manutenção de um exército no reino,
(E) a vitória da aristocracia católica sobre os anglicanos.
em tempo de paz, sem o consentimento do Parlamento, é ilegal;
• que eleições dos membros do Parlamento devem ser livres;
04 (FUVEST) No século XVII, a Inglaterra conheceu convulsões
• que a liberdade de palavra ou a das discussões ou processos
revolucionárias que culminaram com a execução de um rei (1649)
no Parlamento não podem ser impedidas ou discutidas em e a deposição de outro (1688). Apesar de as transformações signi-
qualquer tribunal ou lugar que não seja o próprio Parlamento; ficativas terem se verificado na primeira fase, sob Oliver Cromwell,
• que, para remediar todos os agravos, e para a alteração, foi o período final que ficou conhecido como Revolução Gloriosa.
ratificação e a observação das leis, o Parlamento deve ser Isso se explica porque:
frequentemente reunido.
(A) em 1688, a Inglaterra passara a controlar totalmente o comércio
História Moderna e Contemporânea, Leonel Itaussu A. Mello e Luís César Costa. mundial tornando-se a potência mais rica da Europa.
(B) auxiliada pela Holanda, a Inglaterra conseguiu conter em 1688
O texto apresenta alguns itens que devem ser relacionados: forças contrarrevolucionárias que, no continente, ameaçavam
as conquistas de Cromwell.
(A) ao Ato de Supremacia, estabelecido pelo rei da Inglaterra, (C) mais que a violência da década de 1640, com suas execuções,
Henrique VIII. a tradição liberal inglesa desejou celebrar a nova monarquia
(B) à Lei dos Pobres, estabelecida pela rainha da Inglaterra, parlamentar consolidada em 1688.
Elizabeth I. (D) as forças radicais do movimento, como cavadores e niveladores,
(C) à Declaração de Direitos, que derivou da Revolução Gloriosa. que assumiram o controle do governo, foram destruídas em
(D) ao Ato de Navegação, que foi uma medida adotada sob a 1688 por Guilherme de Orange.
República Puritana dirigida por Oliver Cromwell. (E) só então se estabeleceu um pacto entre a aristocracia e a
(E) ao Ato de Dissolução do Parlamento, medida jurídica respon- burguesia, anulando-se as aspirações políticas da gentry.
sável pela Restauração Stuart.
Revoluções Inglesas: a República de Cromwell HISTÓRIA II 77
e a Revolução Gloriosa Módulo 18 1ª Série

05 (ESCS-DF) As primeiras revoluções burguesas tiveram lugar na a. Explique a importância política desse documento medieval.
Inglaterra, no século XVII, com a Revolução Puritana (1649-1658) b. Relacione esse documento, que “criou as bases do atual modelo
e a Revolução Gloriosa (1688), expressando um confronto entre o de Estado inglês”, às Revoluções do século XVII.
Parlamento, sob a liderança da burguesia e da gentry, e os monarcas
da dinastia Stuart com práticas absolutistas. Uma das consequências 02 Leia o excerto da Declaração de Direitos (Bill of Rights), assinada
geradas por esses dois movimentos revolucionários burgueses é: pelo rei Guilherme de Orange, em 1689, após a chamada Revolução
Gloriosa na Inglaterra em 1688:
(A) o fortalecimento da nobreza inglesa por meio da criação do
sistema parlamentarista com a Revolução Gloriosa de 1688. “Os Lordes (...) e os membros da Câmara dos Comuns, declaram,
(B) a total falência do sistema econômico inglês em função do desde logo, o seguinte:
favorecimento do Estado inglês ao sistema manufatureiro da
burguesia local. 1. Que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para
(C) o retorno da Igreja Católica como religião oficial dos ingleses suspender as leis ou seu cumprimento (...).
em função da aliança entre a burguesia e os Estados pontificiais 5. Que os súditos têm direitos de apresentar petições ao rei, sendo
na Revolução Puritana. ilegais as prisões, vexações de qualquer espécie que sofram por
(D) o controle da política inglesa pela Câmara dos Lordes, represen- esta causa. (...).
tando a vitória da nobreza local durante a Revolução Gloriosa. 13. Que é indispensável convocar com frequência os Parlamentos
(E) a consolidação da Inglaterra como potência econômica após o para satisfazer os agravos, assim como para corrigir, afirmar e
fortalecimento da burguesia no poder inglês com a Revolução conservar as leis.”
Gloriosa.
A partir do documento acima e de seus conhecimentos sobre a
Revolução Gloriosa e seus desdobramentos, explique por que ela é
interpretada como uma revolução liberal, parlamentar e burguesa.

01 (UFTM-MG) Leia o texto sobre a Inglaterra:

No reinado de João (1199-1216), um conflito com os cavaleiros


provocou outra importante modificação política. Envolvido em
uma guerra com o rei da França, João os obrigava a pagar pesados
tributos. Em 1215, eles se rebelaram e o obrigaram a afixar seu selo em
um documento denominado Magna Carta, com o qual pretendiam
limitar a atuação do monarca em relação aos tributos. Esse documento
criou as bases do atual modelo de Estado inglês.
Oficina de História – História Integrada, Flávio de Campos e Renan Miranda.

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HISTÓRIA II 78
Módulo 19 1ª Série

Iluminismo: conceitos e características

Você sabia que existem empresas que não visam


ao lucro?
Sabe-se que o Estado corresponde ao primeiro setor e o
Mercado, ao segundo. O terceiro setor, no entanto, ainda é desco-
nhecido por muita gente. Ele é constituído por entidades civis orga-
nizadas, sem fins lucrativos e que geram bens, serviços públicos e
privados. Todas elas têm como objetivo o desenvolvimento político,
econômico, social e cultural no meio em que atuam.

©Ariel Skelley/Getty Images


Exemplos de organizações do terceiro setor são as organiza-
ções não governamentais (ONGs), as associações e as fundações.
Ele funciona, principalmente, como uma “válvula de escape” para
as demandas reprimidas da sociedade, buscando, entre outros
objetivos, reduzir a exclusão social e a violência. É portanto
fundamental para a garantia do respeito aos direitos individuais
e coletivos, que caracteriza o exercício da cidadania em uma Expectativas de aprendizagem:
sociedade democrática. – Conhecer os princípios iluministas e sua crítica ao Antigo Regime;
– interpretar a relação entre a filosofia iluminista e o processo de
O exercício pleno da cidadania na sociedade moderna foi fruto C5 expansão do racionalismo desde o Renascimento;
de um longo processo histórico que teve nas ideias iluministas, – analisar a relação de diversos valores iluministas com alguns
tema deste módulo, um dos seus principais propulsores. movimentos revolucionários do século XVIII.

1. Contexto histórico

Domínio Público/Wikimedia
Em módulos anteriores, estudou-se a organização política,
social, econômica e cultural da Europa entre os séculos XV
e XVIII. Convencionalmente, chama-se essa organização de
Sociedade do Antigo Regime, na qual os Estados Nacionais
eram governados por monarcas absolutistas que, interessados em
manter a acumulação de riqueza, interferiam na economia por
meio da implantação de medidas mercantilistas, ao mesmo tempo
que legitimavam a divisão social hierarquizada, privilegiando
aqueles que possuíam terras e títulos.
Contudo, deve-se compreender esse período histórico
como momento de transição, visto que diversos valores feudais
dividiram espaço com novas perspectivas ideológicas. Em relação
à organização cultural, desde o início da Renascença, os valores
racionalistas foram sendo gradativamente exaltados nas diversas
produções culturais, reduzindo a influência ideológica da Igreja
Católica e incentivando a consolidação do pensamento científico
moderno no século XVII. Assim, alterou-se pouco a pouco a
mentalidade europeia e disseminaram-se novas explicações sobre
o homem e a natureza.
O frontispício da Encyclopedia de 1772, desenhado por Charles Chochin, carrega em
si o símbolo máximo do iluminismo: a figura do centro representa a Verdade, estando
acompanhada pela Razão e a Filosofia à direita
Iluminismo: conceitos e características HISTÓRIA II 79
Módulo 19 1ª Série

Em relação aos aspectos econômicos, o crescimento e o forta- Para os iluministas, o uso da racionalidade e, consequente-
lecimento da burguesia demonstravam cada vez mais o desejo de mente, do método científico lançaria “luz” às questões que, até
acumulação de riquezas e a consequente pressão dessa classe para aquele momento, não eram compreendidas ou eram explicadas de
conquistar maior espaço político. Nesse sentido, o movimento forma insatisfatória. Assim, acreditavam que, com o uso da razão,
revolucionário na Inglaterra foi um exemplo importante dessa os homens atingiriam o progresso.
transição de valores, uma vez que, diante da insatisfação com o
modelo absolutista, os revolucionários passaram a defender uma
nova perspectiva política. Era a ascensão da proposta liberal. O racionalismo
Deve-se, então, compreender que, ao estudar as mudanças Segundo os iluministas, o conhecimento racional deveria
históricas, é necessária uma análise que considere seu aspecto ser valorizado e entendido como única fonte de compreensão
gradativo. Dessa forma, pode-se identificar o enfraquecimento das do homem em relação ao mundo que o cerca. Contudo, essa
estruturas do Antigo Regime no decorrer de todo o período, prin- perspectiva mostra-se um tanto preconceituosa, uma vez que
cipalmente a partir do século XVII e durante todo o século XVIII. coloca as demais formas de explicação e entendimento do
mundo em posição de inferioridade.

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O que significa o termo “ideologia”?
Segundo o dicionário Aurélio, o termo “ideologia” significa:
“ciência da origem das ideias; estudo das ideias de modo
abstrato; doutrina das ideias. Filosofia. Atribuição da origem
das ideias às noções sensoriais do indivíduo a partir de sua
compreensão do mundo externo”.
Portanto, conclui-se que o Iluminismo representou um
movimento ideológico que buscava combater os valores e
as ideologias anteriores, trazendo à tona uma nova forma de
entender e explicar o mundo.
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A razão era altamente valorizada pelos iluministas, que nela viam a forma de
chegar à Verdades

O próprio termo “Iluminismo”, associado à iluminação,


infere que quaisquer outras formas de produção cultural e
entendimento estariam associadas às “trevas”. Dessa forma,
mesmo sendo convencional a utilização da expressão “Século
das Luzes” como referência ao século XVIII, deve-se ter em
mente que sua utilização coloca os demais períodos em certo
patamar inferior.
O Iluminismo está marcado pela disseminação de novas ideias

A grande alteração ideológica que abalou definitivamente 2. Os valores e as


a estrutura da sociedade do Antigo Regime foi catalisada pelo características do movimento
movimento denominado Iluminismo ou Ilustração. Este se expandiu,
principalmente, durante o século XVIII e alterou a perspectiva
intelectual, artística e filosófica na Europa Ocidental. Ao defender 2.1 O racionalismo
a valorização do pensamento racional como forma de entender e Não se pode atribuir ao Iluminismo um caráter homogêneo,
esclarecer o mundo, entrou em conflito com as explicações teológicas, pois quando se discorre sobre correntes de pensamento, identifica-se
ainda muito arraigadas entre os europeus. As novas ideias serviram uma diversidade de posturas, contradições e contracorrentes
para fundamentar processos revolucionários posteriores, como a presentes nos discursos de seus integrantes.
Revolução Americana, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial.
80 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 19

Nem todos os iluministas eram do mesmo grupo social; faziam


parte do movimento filósofos, nobres, burgueses e até mesmo reis
Correntes filosóficas a respeito da existência
e rainhas. Além disso, esse pensamento não representou as ideias
ou inexistência de Deus
de todos os europeus do século XVIII, uma vez que cada região
O deísmo refere-se a uma postura filosófica que defende a
aderiu com maior ou menor intensidade às novas ideias propostas.
existência de Deus, sem, contudo, acreditar na revelação divina.
No entanto, mesmo diante dessas especificidades, pode-se
Para aqueles que se autodenominam deístas, é possível comprovar
afirmar que os valores propagados por esse movimento afetaram e
a existência de Deus por meio do pensamento racional. Essa
alteraram a base intelectual, política, econômica e social da Europa,
perspectiva não está necessariamente associada a uma religião.
estando alguns deles presentes até a atualidade.
O teísmo associa-se à crença da existência de Deus
Pode-se afirmar que a base fundamental dessa alteração na
como o criador de tudo, e capaz de interferir nas questões
estrutura mental europeia foi o racionalismo, já presente no pensa-
do mundo. Uma das principais distinções dessa postura em
mento de Descartes desde o século XVII. Essa perspectiva colocava
relação às demais está na defesa da revelação divina, ou seja,
a razão humana como a base do conhecimento sobre a natureza e
os seres humanos não são capazes de explicar racionalmente
sobre o próprio homem. Assim, as explicações teológicas e metafísicas
as interferências divinas.
eram desqualificadas pelos ilustrados, que desejavam desvendar os
O agnosticismo representa o grupo que acredita que a
aspectos mutáveis do universo.
existência ou inexistência de Deus não pode ser comprovada
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por meio da racionalidade humana.


Por fim, o ateísmo é a filosofia que acredita na inexistência
de um poder criador.

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2.2 O método científico


Como uma continuidade da tendência racionalista, a busca
Para os iluministas, a razão, o empirismo e a experimentação eram as chaves para o pela universalização das ideias e valores incentivou mudanças nos
conhecimento e para a fuga das “trevas”
diversos campos do conhecimento e da sociedade. Em relação aos
É importante destacar que as objeções e as críticas dos filósofos fenômenos naturais, a utilização do método científico auxiliou a
às explicações teológicas não significavam uma postura contrária à formulação de leis que possibilitaram o entendimento do funcio-
existência de Deus. Suas contestações dirigiam-se à instituição católica namento do universo por meio de pressupostos matemáticos. No
e às suas respectivas afirmações sobre o funcionamento do universo, que se refere aos aspectos sociais e políticos, o fortalecimento do
das relações socioeconômicas e políticas. Pode-se, assim, concluir que pensamento liberal incentivou a universalização das leis e dos
tais filósofos eram anticlericais, mas se mantinham deístas. direitos, questão muito presente tanto na Revolução Francesa
quanto na Independência dos Estados Unidos.
Iluminismo: conceitos e características HISTÓRIA II 81
Módulo 19 1ª Série

2.3 Liberdade política e individual


Esse último aspecto, referente à universalização das leis, está
01 (UEFS) O conceito de Ilustração ou Iluminismo, elaborado na
intrinsecamente associado à liberdade política. O combate aos
Europa Ocidental no século XVIII diz respeito:
governos absolutistas incentivou os integrantes do movimento a
argumentarem em defesa das liberdades política e individual. (A) à atribuição do poder da razão de promover a iluminação das
Um dos aspectos da sociedade mais criticados pelos iluministas era mentes, na luta contra o obscurantismo responsável pelas trevas
o mercantilismo, política econômica que ia diretamente contra os da ignorância, preconceito e dogmatismo.
valores dessas liberdades. (B) ao grande progresso industrial que, partindo da França e da
O destaque dado ao indivíduo demonstra que a defesa do indivi- Itália, espalhava-se por toda a Europa, promovendo o bem-estar
dualismo também fazia parte dos pressupostos iluministas. De acordo das populações.
(C) às grandes obras públicas realizadas no Leste Europeu pelos
com essa perspectiva, os homens deveriam ser valorizados por seus
reis absolutistas, que buscavam aplicar as ideias dos filósofos
aspectos específicos e não como parte integrante de uma coletividade, franceses aos seus governos.
como eram identificados na divisão estamental da sociedade. Assim, (D) ao uso de tecnologias modernas, reservadas à produção agrícola
ao valorizarem o indivíduo, os ilustrados também defendiam a dos países europeus, cujas economias ainda se orientavam pelos
igualdade social, uma vez que entendiam que todos tinham direitos, padrões medievais.
independentemente do grupo ao qual pertenciam. (E) às mudanças políticas que flexibilizaram as relações entre as
metrópoles europeias e suas áreas coloniais no Novo Mundo.
2.4 Teoria econômica: a crítica
02 (UFRN) Durante o século XVIII, ganhou corpo na Europa
ao mercantilismo o Iluminismo, um movimento intelectual que propunha a
Além dos aspectos sociopolíticos e científicos, alguns pensadores transformação das relações sociopolíticas que caracterizavam o
iluministas também se debruçaram sobre a questão econômica. Antigo Regime. Montesquieu e Rousseau, citados a seguir, são
pensadores cujas ideias exemplificam as posições iluministas.
Eles combatiam as políticas intervencionistas mercantilistas,
defendendo a ausência de regulação estatal em relação à economia, Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo
segundo o argumento de que todos os indivíduos tinham o direito dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três
ao fruto do seu trabalho. poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o
Ao analisar o conjunto de valores, propostas e críticas feitas de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.
por alguns filósofos iluministas, deve-se destacar que não havia
propriamente um projeto revolucionário, ou seja, as reformas incen- MONTESQUIEU, Charles de. O espírito das leis. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1982, p. 187.
tivadas pelo heterogêneo grupo foram apoiadas principalmente pela
burguesia, aquela que mais ansiava pelas transformações em relação
A primeira e mais importante consequência decorrente dos
à tradicional estrutura do Antigo Regime.
princípios até aqui estabelecidos é que só a vontade geral pode dirigir
as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição, que
é o bem comum, porque, se a oposição dos interesses particulares
A filosofia empirista tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo
Entende-se por empírico tudo aquilo que pode ter sua desses mesmos interesses que o possibilitou. [...] Somente com base
veracidade ou falsidade verificada por meio dos resultados nesse interesse comum é que a sociedade pode ser governada.
de experiências e observações. Logo, empirismo é a doutrina
filosófica segundo a qual o conhecimento se determina pela ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 43.

experiência.
a. A partir desses fragmentos textuais, identifique uma caracte-
rística do Antigo Regime e explique-a.
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b. Explique outras duas características do Antigo Regime às quais


se opunha o pensamento iluminista.

03 (UPE)
O Iluminismo foi um movimento intelectual, portador de
uma visão unitária do mundo e do homem. Apesar da diversidade
de leituras que lhe são contemporâneas, conservou uma grande
certeza quanto à racionalidade do mundo e do homem, a qual seria
imanente em sua essência.

FALCON, F. J. C. Iluminismo. São Paulo: Ática, 1986 (adaptado).


Por meio de métodos científicos, a filosofia empirista acreditava que se poderia
chegar às verdades universais
82 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 19

Suas principais linhas de força foram:

(A) o pensamento crítico, a valorização da razão, a antropologia e 01 (UEFS)


a pedagogia.
No século XIX, podemos notar claramente os dois sentidos do
(B) a ideia de progresso, a antropologia, a manutenção das tradições
movimento que até hoje dilacera o pensamento liberal: a permanência
e a explicação racional para tudo.
(C) o direito coletivo, o direito à propriedade, o primado da razão, do liberalismo conservador, que defende a liberdade, mas não a demo-
a ideia de progresso. cracia (ou seja, não é um liberalismo com aspirações igualitárias) e
(D) o sentimento humanitário, a futilidade da guerra, a manutenção o liberalismo radical, que, além da liberdade, defende a igualdade.
das tradições e a explicação racional para tudo. ARANHA; MARTINS, 2001, p. 229.
(E) a ideia de socialismo, o pensamento crítico, o antropocentrismo
O “liberalismo conservador”, referido no texto, apresentava, entre
e o naturalismo.
suas principais premissas:

04 (UFV) Leia o texto a seguir: (A) a luta em defesa da manutenção do controle da Igreja Católica
sobre os sistemas religiosos da Europa Ocidental.
As nossas esperanças quanto à condição humana podem redu- (B) a crítica ao exclusivo comercial, que atrelava as áreas coloniais
zir-se a estes três pontos importantes: a destruição da desigualdade às suas metrópoles, e a crítica ao Antigo Regime.
entre as nações; os progressos da igualdade num mesmo povo; e, (C) a manutenção da concentração do poder na figura do rei, em
benefício da nobreza e do clero, classes sociais que lhe davam
finalmente, o aperfeiçoamento real do homem. Irão todas as nações
apoio irrestrito.
aproximar-se um dia do estado de civilização a que chegaram os (D) o combate à propriedade privada, em benefício de uma reforma
povos mais esclarecidos [...] tal como os franceses e os anglo-a- agrária que atendesse às necessidades da numerosa população
mericanos? Irá desaparecer [...] a distância que separa estes povos camponesa europeia.
[...] da barbárie das tribos africanas, da ignorância dos selvagens? (E) a liberdade estendida a analfabetos, mendigos e vadios, para
[...] Respondendo a estas três perguntas encontraremos [...] os participarem das eleições censitárias promovidas pelos governos
motivos mais fortes para acreditar que a natureza não pôs nenhum antiabsolutistas.
limite às nossas esperanças.
02 (UNESP – adaptada)
CONDORCET. “Esboço para um quadro histórico do progresso do espírito humano.” Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a
In: GARDINER, P. Teorias da história. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1995, p. 69-70.
pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela
Com base no texto de Condorcet (1743-1794), um escritor do Século qual cada um, unindo-se a todos, só obedece, contudo a si mesmo,
das Luzes, é correto afirmar que os iluministas: permanecendo assim tão livre quanto antes. Esse, o problema
fundamental cuja solução o contrato social oferece. [...]
(A) acreditavam que todas as nações desfrutavam do mesmo nível
Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder
de desenvolvimento intelectual e tecnológico.
(B) defenderam o ideal de liberdade e de igualdade entre os homens, sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto
assim como acreditavam que todas as nações se encontravam corpo, cada membro como parte indivisível do todo.
no mesmo nível de civilização. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social, 1983.

(C) consideravam que a condição humana era marcada pela


decadência moral, que impedia o progresso. O texto apresenta características:
(D) acreditavam na ideia de progresso e foram otimistas quanto (A) iluministas, defendendo a liberdade e a igualdade social plenas
à superação dos desafios intelectuais e tecnológicos impostos entre todos os membros de uma sociedade.
à humanidade. (B) socialistas, propondo a prevalência dos interesses coletivos
sobre os interesses individuais.
05 (FMJ-SP) O movimento iluminista, cujas ideias começaram a (C) iluministas, defendendo a liberdade individual e a necessidade
ser difundidas na Europa no século XVII, é baseado nos valores da de uma convenção entre os membros de uma sociedade.
burguesia. Entre os conceitos que formam a base dessa ideologia, (D) socialistas, propondo a criação de mecanismos de união e defesa
pode-se destacar: de todos os trabalhadores.
(A) a aceitação da autoridade divina do rei absolutista como forma (E) iluministas, defendendo o estabelecimento de um poder
de se garantir o respeito aos direitos individuais. rigidamente concentrado nas mãos do Estado.
(B) a defesa da propriedade privada vista como o resultado da
transformação da natureza por meio do trabalho. 03 (PUC-SP)
(C) a crença na necessidade de se controlar a informação e os meios Se há muito riso quando um partido sobe, também há muita
de comunicação para evitar rebeliões populares. lágrima do outro que desce, e do riso e da lágrima se faz o primeiro
(D) a importância dada ao equilíbrio entre a razão e o sentimento dia da situação, como no Gênesis. [...] Os liberais foram chamados
como forma de conhecimento do mundo. ao poder, que os conservadores tiveram de deixar. Não é mister
(E) o repúdio à meritocracia e a valorização da democracia popular, dizer que o abatimento de Batista era enorme. [...]
baseada na participação do povo no poder.
Batista passeava, as mãos nas costas, os olhos no chão, suspi-
rando, sem prever o tempo em que os conservadores tornariam
Iluminismo: conceitos e características HISTÓRIA II 83
Módulo 19 1ª Série

ao poder. Os liberais estavam fortes e resolutos. [...] D. Cláudia (C) dirigir os seres humanos em suas escolhas, evitando disputas
levantou-se da cadeira, rápida, e disparou esta pergunta ao marido: por questões sociais ou econômicas.
— Mas, Batista, você o que é que espera mais dos conservadores? (D) manter a estabilidade da organização social, definindo as
Batista parou com um ar digno e respondeu com simplicidade: obrigações e privilégios de cada camada.
(E) proteger os direitos naturais do indivíduo, garantindo o respeito
— Espero que subam.
a eles por toda a sociedade.
ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Nova Aguillar (adaptado).

Os liberais mencionados no texto assim se denominavam por se


considerarem seguidores do liberalismo. Assinale a alternativa que
apresenta alguns dos princípios e bandeiras do liberalismo:
01 (UNESP)
(A) Defesa do regime constitucional, respeito às liberdades indivi- Preguiça e covardia são as causas que explicam por que uma
duais e aos direitos civis. grande parte dos seres humanos, mesmo muito após a natureza tê-los
(B) Apoio às organizações trabalhistas, como os sindicatos, às
declarado livres da orientação alheia, ainda permanecem, com gosto,
organizações empresariais e às mobilizações sociais.
e por toda a vida, na condição de menoridade. É tão confortável
(C) Oposição ao poder absolutista, aos valores do Antigo Regime
e ratificação das decisões tomadas no Congresso de Viena. ser menor! Tenho à disposição um livro que entende por mim, um
(D) Repúdio aos valores iluministas, às monarquias constitucionais pastor que tem consciência por mim, um médico que prescreve uma
e aos privilégios nobiliárquicos e eclesiásticos. dieta etc., então não preciso me esforçar. A maioria da humanidade
(E) Estímulo à ilustração, ao despotismo esclarecido e à dissemi- vê como muito perigoso, além de bastante difícil, o passo a ser dado
nação das ideias mercantilistas do Antigo Regime. rumo à maioridade, uma vez que tutores já tomaram para si de bom
grado a sua supervisão. Após terem previamente embrutecido e
04 (UFTM)
cuidadosamente protegido seu gado, para que estas pacatas criaturas
Do século XV ao XVIII verificou-se verdadeira mudança de
não ousem dar qualquer passo fora dos trilhos nos quais devem
mentalidade. A mecânica e a técnica, de menosprezadas, passaram
andar, os tutores lhes mostram o perigo que as ameaça caso queiram
a ser supervalorizadas. Não é generalizada essa aceitação, pois os
andar por conta própria. Tal perigo, porém, não é assim tão grande,
preconceitos têm raízes fundas, dificilmente removíveis. Ainda no
pois, após algumas quedas, aprenderiam finalmente a andar; basta,
século XVIII e mesmo nos seguintes, até o atual [XX], encontra-se
entretanto, o perigo de um tombo para intimidá-las e aterrorizá-las
certa atitude de suspeita ante o manual ou o mecânico, enquanto
por completo para que não façam novas tentativas.
se realça o ócio, o lazer, a condição de nobreza, que não trabalha
KANT, Immanuel. apud MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética –
ou só trabalha com a inteligência e exerce o comando. Daí a de Platão a Foucault. 2009 (adaptado).
desconsideração com tarefas como as agrícolas (...) – as artesanais
O texto refere-se à resposta dada pelo filósofo Kant à pergunta
ou manufatureiras, ou mesmo as comerciais. (...)
sobre “O que é o Iluminismo?”. Explique o significado da oposição
Já havia, porém, forte opinião contrária, valorizadora da por ele estabelecida entre “menoridade” e “autonomia intelectual”.
mecânica, como se vê em filósofos da categoria de Francis Bacon,
Descartes, Pascal, Leibnitz, Locke, Voltaire, Diderot, gênios como 02 (UERJ)
Leonardo [da Vinci] (...).

VAINFAS, Ronaldo R. D. et al
História. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2011.
A Revolução Industrial, Francisco Iglesias.

De acordo com o texto, é correto afirmar que na Europa Moderna:

(A) o destaque dado ao ócio e ao lazer facilitou a afirmação do


capitalismo.
(B) as atividades manuais e mecânicas eram enaltecidas pela nobreza.
(C) a industrialização promoveu uma ampla e generalizada revolução
mental.
(D) os filósofos iluministas fizeram críticas às inovações tecnológicas.
(E) a mudança de mentalidade esteve ligada à valorização da técnica.

05 (FMJ-SP) Um dos mais importantes teóricos da revolução O Século das Luzes


burguesa ocorrida na Inglaterra durante o século XVII, o filósofo
John Locke, defendeu ideias que serviram de base ao pensamento Na pintura O Século das Luzes, observam-se elementos representa-
iluminista e influenciaram movimentos contra o Antigo Regime na tivos do movimento intelectual denominado Iluminismo. Em 1784,
Europa. Na visão do autor, a função básica do Estado deveria ser: o filósofo alemão Immanuel Kant definiu esse movimento como
um processo de esclarecimento que permitiu ao homem chegar à
(A) controlar as ações dos homens, punindo todos aqueles que sua maioridade.
agissem contrariamente às leis. Identifique na imagem dois elementos representativos do pensa-
(B) regulamentar as relações humanas, eliminando os conflitos mento iluminista. Associe, também, um desses elementos a uma
causados por interesses divergentes. característica do Iluminismo.
HISTÓRIA II 84
Módulo 20 1ª Série

Iluminismo: principais pensadores

Você sabe por que os diamantes são tão caros?


Essa pergunta pode ser respondida a partir de dois fatores:
o longo tempo que a pedra demora para se formar, e a ação de
grupos econômicos que dominam o mercado de pedras preciosas
e preferem ocultar boa parte dos diamantes com a finalidade de
forçar um aumento artificial de preços. O que se justifica pela lei
da oferta e da procura.

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Em termos econômicos, é esse modelo que estabelece a relação
entre a demanda de um produto, isto é, a sua procura, e a quantidade
que é oferecida, ou seja, sua oferta. Dessa forma, é possível descrever
o comportamento do mercado na aquisição de bens e serviços em
determinados períodos, em função de quantidades e preços.
Expectativas de aprendizagem:
Essa lei foi teorizada pelo economista escocês Adam Smith, que, – Identificar as ideias dos principais pensadores iluministas e
liberalistas e relacioná-las às suas críticas ao Antigo Regime;
na sua obra Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza – compreender que muitos dos preceitos teorizados por esses
das nações, estabeleceu as bases do liberalismo econômico, um dos C5 filósofos tiveram grande impacto na nossa sociedade e que suas
pilares do Iluminismo, tema que vamos discutir neste módulo. consequências se mostram até hoje;
– observar de que forma surgiu o despotismo esclarecido e como
foi utilizado por algumas monarquias.

1. Introdução 2. A revolução do pensamento


Anteriormente, foram estudados conceitos e características
referentes ao Iluminismo, bem como sob quais aspectos eles
2.1 As enciclopédias
marcaram a sociedade do século XVIII. Como apontado, a consoli- Na maior parte dos movimentos políticos e intelectuais, é
dação de uma nova forma de pensamento, baseada no racionalismo possível identificar os primeiros indivíduos a exporem suas ideias;
cientificista, influenciou mudanças nos âmbitos sociais, políticos, estes são chamados de pioneiros ou precursores. No que concerne
econômicos e culturais da Europa Ocidental. ao Iluminismo, os principais e primeiros representantes foram René
Destacou-se também que tais propostas não se restringiram Descartes, Isaac Newton, Francis Bacon e John Locke, que compu-
a um único grupo, mas, ao contrário, representantes de diversos seram o movimento denominado Revolução Científica.
segmentos sociais integraram o movimento, sendo então conhe-
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cidos como iluministas. Neste módulo, serão analisadas as ideias
de alguns desses pensadores e será visto que várias delas ainda
estão muito presentes atualmente.
Entre os pensadores iluministas que mais se destacaram estão
os franceses, o que se deve ao ambiente político e social da França
nesse período. As contradições presentes na estrutura interna
da sociedade do Antigo Regime eram muito intensas no Estado
francês: diante da grande cobrança de impostos para financiar
os privilégios da nobreza e do clero, os demais segmentos sociais
eram cada vez mais explorados. Tal ambiente suscitou críticas por
parte do teórico.
Não somente na França, mas em toda a Europa Ocidental, o
ponto que unia esses intelectuais era a busca por entender de forma
racional o mundo que os cercava. Eles criticavam o funcionamento
da sociedade do Antigo Regime e buscavam apresentar propostas
que substituíssem esse modelo. A seguir, será visto que cada teórico
se debruçou mais intensamente sobre um aspecto específico, dire-
cionando o foco de suas críticas e sugestões para o âmbito científico,
político-social ou econômico. Francis Bacon
Iluminismo: principais pensadores HISTÓRIA II 85
Módulo 20 1ª Série

É possível, assim, perceber que o avanço da racionalidade,


identificado já no movimento renascentista, consolidou-se no
A enciclopédia e a Wikipédia
século XVII com a Revolução Científica, ampliando seu campo
de discussões com o Iluminismo no século XVIII. Exemplo disso Segundo Diderot e D’Alembert, as enciclopédias, no século
foi a confecção, pelo matemático Jean d’Alembert e o filósofo XVIII, tinham o objetivo de reunir diversos conhecimentos,
Denis Diderot, da Enciclopédia das Ciências, Artes e Ofícios. Nessa que até aquele momento estavam espalhados, em um só lugar.
obra, eles sistematizaram de forma crítica as novas concepções O objetivo era sistematizar e divulgar os estudos desenvolvidos
políticas, sociais, intelectuais e científicas que se expandiam nas mais diversas áreas, de modo que as aquisições dos
durante o século XVIII. séculos passados não fossem perdidas, podendo ser utilizadas
no futuro, a fim de que seus sucessores, tornando-se mais
A obra apresenta duas edições. A primeira contou com 28
instruídos, fossem ao mesmo tempo mais felizes. É notável que
volumes e a segunda (revisada e ampliada) possui 166, dela fazendo
o desejo de construção do conhecimento e a sua popularização
parte textos dos grandes pensadores do período, como Montes-
eram os principais interesses desses intelectuais.
quieu, Rousseau, Voltaire e Quesnay. O esforço para a compilação
de todo esse conhecimento demonstra o interesse em valorizar e Na atualidade, após o processo de democratização do
expandir os frutos do pensamento científico produzidos no período. conhecimento incentivado pelo advento da internet, o desen-
volvimento da Wikipédia pode ser comparado com o de sua
antecessora, a enciclopédia. De forma bem mais ampla, a rede
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compila o conhecimento produzido nas mais diversas áreas e o
difundi entre aqueles que buscam a informação.

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Com o passar dos anos e a adesão ao mundo digital, o formato das enciclopédias mudou

A Encyclopédie, de Diderot e D’Alembert


86 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 20

2.2 Os precursores Em oposição ao estado de caos, Locke propôs a constituição


de uma sociedade civil, baseada na junção de todos os integrantes
O inglês John Locke é da sociedade e no estabelecimento de um governo constitucional.

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considerado um dos funda- De acordo com essa concepção, o filósofo defendia que a melhor
dores do liberalismo político, forma de governo ocorreria com o estabelecimento de um contrato
segundo o qual a função do entre os governados e o governante.
governo é defender os direitos Nessa perspectiva, a sociedade aceitaria obedecer a um conjunto
individuais e civis. Tendo sido de leis, reduzindo sua liberdade civil e individual. Em contrapartida,
contemporâneo da Revolução o governo se responsabilizaria por manter a ordem e a paz por meio
Gloriosa, foi um dos agentes da obediência aos parâmetros expostos na carta constitucional. Para
fundamentais para a queda do Locke, o foco da organização política deve ser sempre a sociedade
sistema absolutista inglês e civil. Assim, se em algum momento o governante não cumprir com
contribuiu com uma das mais as obrigações que lhe são impostas, ou tentar colocar sua vontade
importantes obras da filosofia acima dos interesses coletivos, é direito da sociedade se rebelar ou
política, o Segundo tratado até mesmo retirá-lo do cargo de governo, o que é definido como o
John Locke (1632-1704)
sobre o governo civil. direito de rebelião dos povos.
Segundo o pensamento de Locke, o homem possui direitos Segundo Locke, o contrato é um pacto de consentimento
considerados inalienáveis, isto é, que não podem ser retirados, segundo o qual os homens concordam livremente em formar
cedidos ou vendidos: o direito à vida, à liberdade e à propriedade a sociedade civil para preservar e consolidar seus direitos, que
privada. Assim, no estado de natureza, os homens poderiam adotar possuíam originalmente no estado de natureza.
qualquer medida que lhes assegurasse a manutenção desses direitos.

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Contudo, esse seria também um estágio de caos, visto que qualquer
um poderia estabelecer suas leis sob o pretexto de se proteger.

A evolução da ideia de cidadania


Para entendermos melhor as grandes modificações
políticas fomentadas pela expansão das ideias liberais, é preciso
diferenciar os súditos dos cidadãos.
Durante a maior parte da Idade Moderna, aqueles que
integraram o Estado Nacional foram denominados súditos, ou
seja, dependentes e submissos à vontade do monarca. Com o
advento das ideias liberais, difundiu-se o conceito de cidadão,
o qual está relacionado aos indivíduos que pertencem a uma
sociedade e exercem direitos e deveres em relação a ela. No
decorrer dos séculos, a noção de cidadão desenvolveu-se, resul-
tando no conceito atual: aquele que detém direitos políticos,
individuais e civis.
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Frontispício do Ensaio acerca do entendimento humano,


uma das mais célebres obras de Locke
Outro importante representante do pensamento político liberal
foi o francês Voltaire. Seu verdadeiro nome era François Marie
Arouet e, assim como Locke, ele defendia a limitação do poder dos
governantes, acreditando que deveriam ser respeitados os direitos
individuais à liberdade política e de expressão. Contudo, não aprovava
a participação política do povo, mas sim um governo monárquico que
fosse limitado pelas leis, como uma espécie de monarquia esclarecida.
Iluminismo: principais pensadores HISTÓRIA II 87
Módulo 20 1ª Série

Entre suas ideias de maior relevância, estão as severas críticas


feitas à instituição católica e à nobreza privilegiada, motivo pelo
Dicionário de conceitos recorrentes
qual foi perseguido na França e exilado na Inglaterra, onde teve
na Idade Moderna
contato com o pensamento de John Locke e publicou a obra Cartas
inglesas ou Cartas filosóficas, em que ridiculariza as instituições Observem-se as definições de alguns conceitos trabalhados
políticas e sociais francesas. neste módulo:
Despotismo: forma de governo na qual o governante
Mesmo diante de suas irônicas críticas à Igreja Católica, não se
dispõe de poder ilimitado sobre a vida das pessoas. Os déspotas
pode afirmar que Voltaire era ateu, ou seja, que ele não acreditava
não são necessariamente rudes ou cruéis, podem ser bondosos
na existência de Deus. Seus escritos faziam frente aos problemas
e ponderados, e até mesmo colocar como principal objetivo o
da instituição religiosa, e não à figura divina.
bem-estar do povo. Em geral, os déspotas somente conseguem
conservar o seu poder por meio da força.
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Monarquia constitucional: forma de governo na qual o
poder do rei é limitado por um conjunto de leis, na maioria
das vezes votadas pelos representantes do povo.
República: tipo de governo no qual o Estado é construído de
maneira a satisfazer o interesse geral de todos os cidadãos.
Jurídico: maneira de governar caracterizada pela supre-
macia do povo, seus representantes constituem o Estado.

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Voltaire (1694-1778)

“Concluo que todo homem sensato, todo homem de bem, deve


ter horror à seita cristã. O grande nome teísta, que não se reverencia
o suficiente, é o único nome que se deve aceitar. O único Evangelho
que se deve ler é o grande livro da natureza, escrito pela mão de
Deus e marcado com a sua chancela. A única religião que se deve
professar é a de adorar a Deus e ser um homem honesto. É tão
impossível que essa religião pura e eterna produza o mal quanto
era impossível que o fanatismo cristão não fizesse. Muitos reis na história foram déspotas

Jamais poderão fazer a religião natural dizer: vim trazer não


a paz, mas o gládio. Ao passo que essa é a primeira confissão de fé Um dos textos fundamentais da teoria de Montesquieu é o
que põem na boca do judeu que denominaram Cristo.” Do espírito das leis, no qual defende-se que a legislação deve ser a
base do fazer político. Acreditando que todos os homens possuem
VOLTAIRE. O túmulo do fanatismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 157.
uma tendência natural, ou seja, inerente, a abusar do poder, as leis
O barão de Montesquieu, seriam o instrumento necessário para limitar tal abuso. Assim, para
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pertencente à baixa nobreza evitar que a concentração do poder prejudicasse a sociedade civil,
francesa, assim como Voltaire, esse deveria ser dividido entre três segmentos, cada um responsável
inspirou-se no pensamento por atuar em determinado setor.
político de John Locke. Sua “É uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder
teoria política baseava-se na é levado a abusar dele; ele vai até o ponto em que encontra limites
ideia de que não existe uma (...). Para que seja impossível abusar do poder, é preciso que pela
forma de governo ideal que se disposição das coisas o poder freie o poder.”
aplique a qualquer povo. Assim,
MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Abril, 1979.
segundo ele, de acordo com o
Barão de Montesquieu
desenvolvimento socioeconô- A proposta de Montesquieu de divisão do poder resultou na
mico, cada Estado deveria aplicar um modelo específico. Segundo configuração política atual, denominada teoria dos três poderes.
sua proposta teórica, os grandes países deveriam adotar o modelo De acordo com ela, o Executivo é responsável pelas questões
despótico; os Estados médios, a monarquia constitucional; e os administrativas do Estado, o Legislativo, pela produção e votação
pequenos, a república. das leis, e o Judiciário fica encarregado do julgamento.
88 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 20

Como destacado anterior- 3. Liberalismo: os filósofos

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mente, nenhum movimento
intelec tual e f ilos óf ico é econômicos
composto por integrantes que O pensamento iluminista se baseava na utilização do racio-
compartilhem interiormente nalismo para criticar a sociedade do Antigo Regime, inclusive,
das mesmas ideias. Sempre no campo econômico. Com o intuito de contestar as medidas
existem discordâncias e pers- de intervenção do Estado na economia e defender a liberdade
pectivas diversas. O pensador econômica, surgiram alguns dos fundadores do pensamento
suíço Jean Jacques-Rousseau é econômico liberal.
exemplo dessas divergências no Como estudado anteriormente, as políticas mercantilistas
meio dos demais iluministas. interferiam nas questões econômicas, visto que visavam ao acúmulo
Rousseau, ao contrário de de riquezas para o Estado. Sendo os liberais contrários a quaisquer
Locke, acreditava que, quando medidas intervencionistas, eles se concentraram em tentar
os homens estavam em “estado comprovar que maior acumulação ocorreria sem a regulamentação
de natureza”, não havia conflitos, Do Contrato Social, a Magnum Opus do Estado.
sendo este um estágio de paz, de Rousseau Foi na França que esse grupo mais se destacou inicialmente.
uma vez que não existia proprie- Representados por François Quesnay e Robert Turgot, seus inte-
dade privada que incentivasse a disputa entre os homens. Segundo grantes compunham a denominada Escola Fisiocrata. Acreditavam
ele, a partir do momento em que houve a delimitação da proprie- que a maior fonte de riqueza de um Estado era a terra e, consequente-
dade, esta se tornou a origem da discórdia entre os indivíduos, mente, o produto nela cultivado pela prática da agricultura. Para eles,
estabelecendo-se assim o caos. o comércio e as atividades manufatureiras não originavam riqueza,
Diferentemente dos demais mas transformavam-na e faziam-na circular.
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iluministas, Rousseau enxergava

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a propriedade privada de maneira
negativa, como a origem da desi-
gualdade e, consequentemente,
fonte dos conflitos sociais. Para
resolver tal questão, o filósofo
acreditava na criação do governo
como um “mal necessário”, capaz
de estabelecer a paz. Assim, o
Estado seria, para ele, a organi-
zação da sociedade civil, que, Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
baseada em um contrato social, asseguraria os interesses da maioria
por meio do voto.

“O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro


François Quesnay, um dos mais importantes nomes da fisiocracia
que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer ‘isto é meu’
e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. O lema defendido pelo grupo transformou-se no símbolo do
Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pensamento liberal do século XVIII: “Deixai fazer, deixai passar,
pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou que o mundo anda por si mesmo” (“Laissez faire, laissez passer,
enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Defendei-vos le monde va de lui-même”). Contudo, os principais defensores da
de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os política econômica liberal foram os integrantes da Escola Clássica.
frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém’.” Estes, liderados pelo escocês Adam Smith, acreditavam que a maior
ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a origem e os fundamentos fonte de riqueza do Estado era o trabalho, e não a agricultura, como
da desigualdade entre os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1978. defendiam os fisiocratas.
Tornaram-se a principal referência da teoria liberal, pois
Para Rousseau, em oposição a outros filósofos que já foram
buscavam entender o funcionamento das relações econômicas, siste-
estudados (como Thomas Hobbes), o homem é naturalmente bom.
matizando-o com o estabelecimento de leis universais. Assim, Adam
Essa concepção associa-se à crença de que os homens seriam “bons
Smith e seus seguidores aplicaram as ideias racionalistas-cientificistas
selvagens”, porém, a partir da constituição da propriedade privada,
para demonstrar que a economia também possui leis naturais que a
teriam sido corrompidos pela sociedade.
regulamentam, bem como as demais ciências naturais.
Iluminismo: principais pensadores HISTÓRIA II 89
Módulo 20 1ª Série

Adam Smith, em uma de

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suas principais obras – A riqueza
das nações – defendeu que a
01 (FMJ)
divisão do trabalho em todas as
atividades econômicas, princi- É necessário termos presente não só o progresso técnico como
palmente entre as nações, faci- também o clima geral da economia, no qual surgem os primeiros
litaria a produção e a acumu- sinais da “revolução industrial”: longo período de expansão que
lação de bens. tem o seu início por volta de 1730, primeiro no domínio agrícola
Segundo Smith, a liberdade (progresso econômico e acréscimo da produção que permitem
econômica deveria ser a base de alimentar uma população mais numerosa), conjuntura favorável
todo o sistema comercial. Assim, ao lucro e às atividades manufatureiras, crescimento das cidades
o que regularia o preço dos e dos portos, poderio dos armadores e dos negociantes, dos quais
produtos seria a relação entre Voltaire faz o panegírico nas suas Cartas Inglesas: “O comércio, que
Adam Smith (1723-1790) enriqueceu os cidadãos na Inglaterra, contribuiu para os tornar
a sua oferta e a sua demanda.
Ou seja, não haveria a necessidade de intervenções do Estado na livres, e essa liberdade deu por sua vez maior expansão ao comércio;
economia, uma vez que o mercado seria o maior responsável pelo daí se formou o poderio do Estado”.
estabelecimento desse valor.
TOUCHARD, Jean (Org.). História das ideias políticas, 1970 (adaptado).
Dessa forma, para o filósofo, a economia seria regida por leis
naturais, as quais poderiam ser estudadas e previstas, assim como as
No contexto apresentado, Voltaire:
leis da física. Foi utilizando essa argumentação que Smith tornou-se
o “pai” da economia como ciência. (A) sustenta a necessidade fundamental de a sociedade organizar-se
Posteriormente, David Ricardo, um dos principais seguidores de forma estamental.
de Adam Smith, tornou-se um dos grandes representantes do libe- (B) argumenta que a excessiva liberdade econômica pode gerar
ralismo no século XIX. Autor da obra Princípios da economia política tirania política nas nações.
e tributação, ele defendeu que o valor das mercadorias depende da (C) denuncia a insustentabilidade das práticas econômicas essen-
quantidade de trabalho necessária para produzi-la, não estando ciais sem a tutela estatal.
(D) entende o desenvolvimento do comércio como causa e conse-
associado à remuneração do trabalhador.
quência da liberdade dos cidadãos.
(E) apoia as monarquias absolutistas europeias fundadas no direito
4. O despotismo esclarecido divino dos reis.
As ideias iluministas não foram recebidas da mesma maneira
em todas as regiões. Enquanto franceses e ingleses aplicaram essas 02 (UPE) O pensamento de Jean-Jacques Rousseau, fruto do
Iluminismo do século XVIII, serve de base, até hoje, para a estrutura
ideias de forma bastante intensa, países com características mais
política de vários países democráticos ocidentais.
conservadoras as utilizaram de acordo com suas estruturas vigentes. Sobre essa realidade, assinale a alternativa correta:
Os monarcas da Rússia, da Prússia, da Espanha, de Portugal
e da Áustria, por exemplo, tentaram reformar alguns aspectos de (A) No pensamento de Rousseau, gesta-se a teoria do Estado
suas estruturas econômicas com o intuito de satisfazer à classe contratualista.
burguesa em ascensão, sem, contudo, perder o poder centralizador (B) Os atuais regimes socialistas do Ocidente condenam a proprie-
do Estado. A essa conjugação dá-se o nome de despotismo escla- dade privada com base nos textos de Rousseau.
(C) A teoria da tripartição do poder é herança do pensamento de
recido, marcado pela manutenção da política absolutista associada
Rousseau.
a algumas medidas iluministas. (D) A teoria contratualista foi desenvolvida por Rousseau na obra
Esses líderes, como o Marquês de Pombal em Portugal, Origem da desigualdade social entre os homens.
Frederico II na Prússia, e Carlos III na Espanha, adotaram essa (E) Na obra Do contrato social, Rousseau defende a propriedade privada.
postura porque, em meados do século XVIII e início do século
XIX, a economia desses Estados mostrava-se cada vez mais 03 (UEFS)
estagnada, tendendo a certo declínio, uma vez que a manutenção É uma verdade eterna: qualquer pessoa que tenha o poder tende
das políticas mercantilistas, a diminuição da exploração colonial e a abusar dele. Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas
a burocratização administrativa limitavam o desenvolvimento de de maneira que o poder seja contido pelo poder.
suas respectivas burguesias.
O chamado depotismo esclarecido foi bem-sucedido em alguns MONTESQUIEU. In: AQUINO, R. et al. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades
atuais. 28. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1993.
dos Estados: na Áustria e na Rússia, os governantes absolutistas se
mantiveram no poder até o início do século XX.
90 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 20

A afirmativa do filósofo Montesquieu a respeito da ação e da (D) formas de governo inconciliáveis, pois o absolutismo era
contenção do poder originou: autoritário e ultrapassado. Já os enciclopedistas, como Diderot e
D’Alembert, desejavam a derrubada do rei pelos revolucionários
(A) a proposta para a condenação à morte, pela vontade popular, comunistas, formadores de ideias socialistas vinculadas ao
de todo o chefe de poder que se torne absoluto. marxismo contemporâneo.
(B) o movimento renascentista, responsável pela ideia de que “os (E) maneiras de governar muito distintas, pois os enciclopedistas
fins justificam os meios”. eram homens de letras que iniciavam carreira política nas
(C) as ideias anarcossindicalistas, defensoras da intervenção fileiras dos liberais exaltados, e o monarca absolutista era do
militarista no Estado e da completa ausência de leis. partido conservador francês.
(D) a teoria da divisão da soberania em três poderes independentes
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(E) o movimento operário, no Brasil Império, destinado a conter
o poder da monarquia absolutista que governava o país.

04 (UFG–GO) Em 1751, os filósofos Diderot e D’Alembert organi- 01 (UNCISAL) Leia atentamente as frases de Voltaire:
zaram a Enciclopédia, ou Dicionário racional das ciências, das artes
e dos ofícios, com a contribuição de um conjunto de autores que – “É difícil libertar os tolos das amarras que eles veneram.”
eles denominaram como “homens de letras”. Dois séculos e meio
– “A leitura engrandece a alma.”
depois, foi disponibilizada na internet a Wikipédia, que se anuncia
como a “Enciclopédia livre”. Ante o exposto, explique: – “Todo aquele que desconfia convida os outros a traí-lo.”

a. a relação entre a proposta de produção da Enciclopédia e – “O abuso da graça é afetação; o abuso do sublime, absurdo.
a concepção de conhecimento defendida pelo movimento Toda perfeição é um defeito.”
iluminista.
b. a diferença entre a enciclopédia iluminista e a Wikipédia, no – “O valor dos grandes homens mede-se pela importância dos
serviços prestados à humanidade.”
que se refere à relação entre os autores dos verbetes e o domínio
dos conhecimentos. – “A guerra é o maior dos crimes, mas não existe agressor que
não disfarce seu crime com pretexto de justiça.”
05 (UFPA)
– “O meu ofício é dizer o que penso.”
Na Enciclopédia não havia área do engenho humano que não
tivesse sido coberta. Ali se observava a confiança de que os homens – “A primeira lei da natureza é a tolerância; já que temos todos
eram, ou poderiam ser em breve, senhores de seu próprio destino, uma porção de erros e fraquezas.”
que poderiam moldar o mundo e a sociedade de acordo com as suas – “Devemos julgar um homem mais pelas suas perguntas que
conveniências e vantagens. Era o poder da razão. Por isso mesmo pelas respostas.”
a Enciclopédia não foi universalmente aceita. Poderes absolutistas
civis e religiosos foram seus combatentes. – “O acaso é uma palavra sem sentido. Nada pode existir sem causa.”

DENT, N. J. H. Dicionário de Rousseau. Rio de Janeiro: Zahar, 1996, p. 125 (adaptado). Disponível em: <www.suapesquisa.com>.

Os pensadores iluministas tiveram como princípio comum:


A enciclopédia proposta por homens iluministas como Diderot
e D’Alembert foi criticada no contexto francês do final do século (A) a república como único regime político democrático.
XVIII, porque, nesse momento, absolutismo e razão significavam: (B) a razão como portadora do progresso e da felicidade.
(C) os operários sindicalizados como base do poder político.
(A) modos de viver compatíveis, nos quais as novas e modernas (D) o calvinismo como justificativa de riqueza material.
ideias iluministas eram absorvidas pelo reis absolutistas, que (E) o socialismo como alicerce do exercício da cidadania.
percebiam nelas as vantagens de se moldar o mundo à sua
forma e maneira, tal qual Diderot em sua Enciclopédia, o que
possibilitou o advento da monarquia constitucional. 02 (UFJF) A partir do final do século XVIII, as novas regras
(B) maneiras de fazer política muito diversas. Para os racionalistas, a e condutas burguesas passaram a ganhar popularidade. As
política absolutista deveria ser reestruturada ou revolucionada, intimidades fisiológicas, atitudes à mesa, comportamento de
pois os novos saberes deveriam vir das experiências e das novas homens e mulheres eram algumas dessas maneiras que indicavam
ciências, não de Deus e seus emissários. civilidade. Os manuais de “bom-tom” fizeram um certo sucesso no
(C) formas incompatíveis de fazer política, pois o povo francês era século seguinte, sobretudo no que se refere aos papéis sociais dos
governado por um velho monarca autoritário que se mantinha indivíduos. Tais papéis foram incorporados, paulatinamente, pela
no poder devido à ignorância do povo. Já livros como a população europeia.
Enciclopédia seriam a base da nova sociedade revolucionária e
anarquista proposta por Diderot.
Iluminismo: principais pensadores HISTÓRIA II 91
Módulo 20 1ª Série

Em relação a essas novas normas de conduta relativas ao compor- Contra a fatalidade do primeiro branco aportado e dominando
tamento de homens e mulheres, assinale a resposta correta: diplomaticamente as selvas selvagens. Citando Virgílio para os
tupiniquins. O bacharel.
(A) o mundo das mulheres deveria estar restrito ao lar, podendo
se dedicar à música e ao bordado, enquanto os homens teriam Século XX. Um estouro nos aprendimentos. Os homens que
que entender de política e finanças. sabiam tudo se deformaram como babéis de borracha. Rebentaram
(B) as mulheres burguesas deveriam se comportar de forma eman- de enciclopedismo.
cipada, esforçando-se para se inserir no mercado de trabalho
competitivo com os homens. ANDRADE, Oswald de. Obras completas – Poesia Reunida. São Paulo:
MEC/Civilização Brasileira, 1972, p. 14.
(C) os homens e mulheres detinham os mesmos papéis sociais,
devendo se comportar de forma similar em todas as atividades
sociais. Uma das principais experiências históricas relacionadas ao enci-
(D) as regras de comportamento entre mulheres e homens na clopedismo foi a edição e a divulgação da enciclopédia editada
sociedade burguesa europeia foram aderidas somente entre por pensadores iluministas, no século XVIII. Ao escreverem essa
os camponeses e pobres, sendo considerados os detentores de enciclopédia, eram objetivos desses pensadores:
civilidade.
(E) a hierarquia entre homens e mulheres não faziam parte dos (A) afirmar a existência de Deus e questionar a validade dos prin-
rituais e regras de civilidade burguesa do século XIX. cípios essencialmente racionalistas de concepção do mundo.
(B) questionar os princípios do absolutismo e expor as leis naturais
sobre as quais se estruturaria a dinâmica do Universo.
03 (UNIFOR) (C) disseminar o pensamento anticlerical e democratizar o acesso à
Apesar de Rousseau trazer à tona a democracia direta ateniense, ilustração a fim de impulsionar um movimento revolucionário
ele próprio convenceu-se da impossibilidade de tal modelo, em autenticamente popular.
(D) estimular o livre pensamento e questionar o conhecimento
face das grandes extensões territoriais dos Estados, das grandes
desenvolvido pelos protagonistas da Revolução Científica do
concentrações populacionais (devemos levar em conta que as século anterior.
metrópoles estavam em pleno crescimento na época de Rousseau), (E) criticar o liberalismo econômico e expor uma concepção de
da complexidade da sociedade, e da falta de consenso social cultural. progresso baseada, exclusivamente, no domínio de modernas
técnicas agrícolas.
Disponível em: <www.buscalegis.ufsc.br>. Acesso em: 13 mai. 2010 (adaptado).

05 (PUC–RS) Considere o texto abaixo, do filósofo John


Segundo a hipótese levantada, é correto afirmar que Rousseau: Locke (1623-1704), extraído da obra Sobre o governo civil.
(A) trouxe polêmicas que conflitavam com a recente democracia Se o homem em estado de natureza está tão livre quanto se disse,
liberal burguesa, que, em suas ideias, sustentou novas discussões se é senhor absoluto de sua pessoa e bens (...), sem estar sujeito a
para as futuras teorias socialistas.
(B) trouxe polêmicas que conflitavam com a recente democracia quem quer que seja, por que abandonará sua liberdade? Por que (...)
social da burguesia, que, em suas ideias, sustentou novas se sujeitará ao domínio e controle de algum outro poder? Ao que é
discussões para as futuras teorias comunistas. evidente responder que, embora em estado de natureza tenha esse
(C) trouxe polêmicas que conflitavam com a recente democracia direito, o seu gozo é muito incerto (...), a fruição da propriedade
censitária burguesa, que, em suas ideias, sustentou novas que tem nesse estado é muito arriscada e muito insegura; e não é
discussões para as futuras teorias liberais.
(D) trouxe polêmicas que conflitavam com a recente democracia sem razão que procura e está disposto a formar com outros uma
liberal moderna, que, em suas ideias, sustentou novas discussões sociedade (...) para a preservação mútua de suas vidas, liberdades
para as futuras teorias socialistas. e bens, a que chamo pelo nome geral de propriedade.
(E) trouxe polêmicas que conflitavam com a recente democracia
Apud FENTON, Edwin. 32 problemas na história universal. São Paulo: Edart, 1974, p. 90-91.
liberal representativa, que, em suas ideias, sustentou novas
discussões para as futuras teorias socialistas.
Considerado um dos fundadores do pensamento liberal, Locke,
no texto, examina os motivos que levam os indivíduos a saírem
04 (PUC–Camp) do “estado de natureza”, fundando a chamada “sociedade política”
Falação (o Estado).
O Cabralismo. A civilização dos donatários. A Querência e a O conceito de propriedade está no centro desses motivos, sendo
Exportação. esta considerada:
O Carnaval. O Sertão e a Favela. Pau-Brasil. Bárbaro e nosso. (A) uma concessão parcial da sociedade política aos indivíduos.
A formação étnica rica. A riqueza vegetal. O minério. A cozinha. (B) uma prerrogativa que nasce com o estabelecimento da
O vatapá, o ouro e a dança. sociedade política.
(C) o fundamento moral para o exercício do poder absoluto do Estado.
(D) o fruto material da exploração do homem pelo homem.
(E) um direito natural a ser protegido pela sociedade política.
92 HISTÓRIA II
1ª Série Módulo 20

01 (UNICAMP) 02 (UFU)
Na segunda metade do século XVIII, pensadores importantes, Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim
como Denis Diderot, atacaram os próprios fundamentos do pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que
imperialismo. Para esse filósofo, os seres humanos eram fundamen- pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade – eu penso,
talmente formados pelas suas culturas e marcados pelas diferenças logo existo – era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes
culturais, não existindo o homem no estado de natureza. Isso levava suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que
à ideia de relatividade cultural, segundo a qual os povos não podiam podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da
ser considerados superiores ou inferiores a partir de uma escala filosofia que procurava.
universal de valores.
DESCARTES. Discurso do Método. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 41. (Coleção Os Pensadores).

MUTHU, Sankar. Enlightenment Against Empire.


Princeton: Princeton University Press, 2003, p. 258-268 (adaptado).
Considere as afirmações do pensador René Descartes (1596-1650) e
explique que relações há entre o contexto cultural no qual Decartes
a. Segundo o texto, como as ideias de Denis Diderot se opunham faz suas reflexões e a noção clássica de que “o homem é a medida
ao imperialismo? de todas as coisas”, esclarecendo as relações entre racionalismo e
b. No pensamento de Jean-Jacques Rousseau, qual a relação entre antropocentrismo.
a ideia de “homem no estado de natureza” e a organização das
sociedades civilizadas?

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