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EScola dE FrankFurt

A teoria crítica contra a opressão


Outra corrente de pensamento importante promovidos como formas de garantir o apazigua-
surgida no século passado é a Escola de Frank- mento e a diluição dos problemas sociais.
furt – nome dado ao grupo de pensadores ale- Na análise da sociedade de massa, que se
mães do Instituto de pesquisa Social de Frank- desdobra em vários aspectos, um tema recor-
furt, fundado na década de 1920. entre seus rente é a crítica da razão. De acordo com Max
membros destacaram-se adorno, Horkheimer, Horkheimer (1895-1973) e theodor adorno
Benjamin e Habermas (que veremos em segui- (1906-1969), a razão iluminista – que visava à
da), além de outros, como Herbert Marcuse emancipação dos indivíduos e ao progresso so-
(1898-1979) e erich Fromm (1900-1980). Sua cial – terminou por levar a uma crescente domi-
produção ficou conhecida como teoria crítica. nação das pessoas em virtude justamente do de-
apesar de grandes diferenças entre seus senvolvimento tecnológico-industrial.
pensamentos, identificamos neles a preocupa- para Horkheimer, o problema estaria no sur-
ção comum de estudar aspectos variados da vida gimento de uma razão controladora e instru-
social, de modo a compor uma teoria crítica da mental a partir da Idade Moderna, que está sem-
sociedade. para tanto, investigaram as relações pre em busca de dominação, tanto da natureza
existentes entre os campos da economia, da psi- quanto do próprio ser humano. assim escreveu
cologia, da história e da antropologia. ele em 1946, em Eclipse da razão:
Os pontos de partida fundamentais de suas Parece que enquanto o conhecimento técnico ex-
reflexões foram a teoria marxista – na verdade, pande o horizonte da atividade e do pensamento hu-
uma leitura original do marxismo – e a teoria mano, a autonomia do homem enquanto indivíduo,
freudiana, que trouxe à tona elementos novos a sua capacidade de opor resistência ao crescente
sobre o psiquismo das pessoas. Mas há também mecanismo de manipulação de massas, o seu poder
outras influências, como as de Hegel, Kant e do de imaginação e o seu juízo independente sofreram
sociólogo Max Weber. Vejamos algumas de suas uma redução. O avanço dos recursos técnicos de
concepções principais. informação se acompanha de um processo de de-
sumanização. (p. 6)

Sociedade de massa e em um texto de autoria conjunta com adorno,


A dialética do esclarecimento (1947), ambos fa-
razão instrumental zem dura crítica ao Iluminismo, que estimulou o
a escola de Frankfurt manifestou interesse es- desenvolvimento dessa razão controladora e ins-
pecial na sociedade de massa (termo que caracte- trumental, predominante na sociedade contem-
riza a sociedade atual), na qual – para esses filóso- porânea. Denunciam também a deturpação das
fos – o avanço tecnológico foi colocado a serviço da consciências individuais, a assimilação dos indi-
reprodução da lógica capitalista, ao mesmo tempo víduos ao sistema social dominante e o desen-
em que o consumo e a diversão passaram a ser cantamento do mundo.
tHINKStOCK/Getty IMaGeS

O avanço da industrialização, a
progressiva concentração de grandes
populações nas cidades e o surgimento
dos meios de comunicação de massa
costumam ser apontados como alguns
dos principais fatores que contribuíram
para a massificação das sociedades
contemporâneas. Isso quer dizer que
os indivíduos passaram a ser mais
controlados, e seus gostos e opiniões
se tornaram mais manipuláveis pelas
ideologias dominantes em um processo
de uniformização. Como isso se expressa
na imagem ao lado? De onde viria esse
controle e manipulação?

316 Unidade 3 A filosofia na hist—ria


em resumo, Horkheimer e adorno denun- gandas etc. por meio da indústria cultural e da
ciam a morte da razão crítica, asfixiada pelas diversão se obteria a homogeneização dos com-
relações de produção capitalista. Se denúncias portamentos e a massificação das pessoas (tema
semelhantes já haviam sido feitas no campo do estudado no capítulo 9 e que voltaremos a abordar
marxismo, o que há de característico nesses fi- no capítulo 21).
lósofos da escola de Frankfurt é a desesperança Walter Benjamin (1892-1940) não concorda-
em relação à possibilidade de transformação dessa va totalmente com adorno e Horkheimer, ado-
realidade social. tando uma postura mais otimista no que diz
essa desesperança se deveria ao diagnóstico, respeito à indústria cultural e à emancipação
feito por eles, da ausência de consciência revolu- política. enquanto os dois últimos destacavam
cionária no proletariado, que teria sido assimilado, que a cultura veiculada pelos meios de comu-
absorvido pelo sistema capitalista, seja pelas nicação de massa não permite que as classes
conquistas trabalhistas alcançadas, seja pela assalariadas assumam uma posição crítica em
alienação de suas consciências, promovida pela relação à realidade, Benjamin enfatizava que a
indústria cultural. arte dirigida às massas pode servir como ins-
trumento de politização.
além disso, em seu texto A obra de arte na era de
Indústria cultural
sua reprodutibilidade técnica, Benjamin se mostrou
Indústria cultural é um termo difundido por esperançoso com a possibilidade de que a arte se
adorno e Horkheimer para designar a indústria tornasse acessível a todos com o desenvolvimento
da diversão de massa, veiculada por televisão, das técnicas de reprodução (discos, reprografia e
cinema, rádio, revistas, jornais, músicas, propa- processos semelhantes).

KIKe CalVO/Getty IMaGeS


Cena noturna de
times Square, em
Nova york, com
seus inúmeros
teatros e letreiros
de neon. podemos
ver que a indústria
cultural expõe
seus produtos
como qualquer
outro comércio,
buscando atrair
cada vez mais
consumidores.

razão dialógica e ação comunicativa


Jürgen Habermas (1929-) – um dos pensadores de maior influência nas últimas décadas – também
discorda de adorno e Horkheimer em alguns pontos centrais: razão, verdade e democracia. Vimos que
esses dois filósofos chegaram a um impasse quanto à possibilidade de uma razão emancipatória no
mundo atual, já que a razão contemporânea estaria asfixiada pelo desenvolvimento do capitalismo, o
qual teria narcotizado a consciência do proletariado, perpetuando-se dessa forma como sistema.
De acordo com Habermas, essa é uma posição perigosa em filosofia, pois poderia conduzir a uma
crítica radical da modernidade e, em consequência, da razão, o que levaria ao irracionalismo. para ele,
“o projeto da modernidade ainda não foi cumprido”. Ou seja, o potencial para a racionalização do mundo
ainda não está esgotado. por isso Habermas costuma ser descrito como “o último grande racionalista”.
Capítulo 17 Pensamento do sŽculo XX 317
conversação como meio de conseguir o consenso.
para tanto, é necessária uma ação social que
fortaleça as estruturas capazes de promover as
condições de liberdade e de não constrangimento,
imprescindíveis ao diálogo.

verdade intersubjetiva
e democracia
eFFIGIe/leeMaGe

O conceito de verdade também se modifica em


função dessa nova perspectiva. Habermas propõe
Filósofo e o entendimento da verdade não mais como uma
sociólogo,
Habermas adequação do pensamento à realidade, mas como
nasceu em fruto da ação comunicativa; não como verdade
Düsseldorf, subjetiva, mas como verdade intersubjetiva (entre
alemanha. ele
propôs um novo
sujeitos diversos), que surge do diálogo entre os
conceito de razão – indivíduos. Nesse diálogo aplicam-se algumas
a razão comunicativa – regras: a não contradição, a clareza de argumenta-
como forma de retomar
ção e a falta de constrangimentos de ordem social,
o projeto emancipatório da
humanidade em novas bases. entre outras.
assim, razão e verdade deixam de constituir
De acordo com esse pensador, existem alguns conteúdos ou valores absolutos e passam a ser
pontos falhos na avaliação feita por adorno e definidas consensualmente. e sua validade será
Horkheimer, cuja identificação permitiria esta- tanto maior quanto melhores forem as condições
belecer uma retomada do projeto emancipatório, nas quais se dê o diálogo, o que se consegue com
porém em novas bases. rompendo com a teoria o aperfeiçoamento da democracia.
marxista em alguns de seus pontos fundamen- O pensamento de Habermas incorpora e desen-
tais – por exemplo, a centralidade do trabalho e volve, portanto, reflexões propostas pela filosofia da
a identificação do proletariado como agente da linguagem. a ênfase dada por ele à razão comunica-
transformação social (conforme vimos no capí- tiva pode ser entendida como uma maneira de
tulo anterior) –, Habermas elabora, como nova tentar “salvar” a razão, que teria chegado a um
perspectiva, outro conceito de razão: uma razão beco sem saída. assim, se o mundo contemporâ-
dialógica, isto é, aquela que brota do diálogo e neo é regido pela razão instrumental, conforme
da argumentação entre os agentes interessados, denunciaram os filósofos que o antecederam
em determinada situação. na escola de Frankfurt, para Habermas caberia
trata-se, portanto, da razão que surge da cha- à razão comunicativa, enfim, o papel de resistir a
mada ação comunicativa, do uso da linguagem e da essa razão instrumental e reorientá-la.

análISE E EntEndIMEntO
7. encontre no texto aspectos do pensamento de adorno e Horkheimer que caracterizam o que se poderia
definir como “pessimismo teórico” desses dois filósofos.
8. O pensamento de Benjamin difere do de adorno e Horkheimer? Justifique.
9. Habermas exprime uma visão mais otimista que os demais teóricos da escola de Frankfurt em relação a
três questões: a razão, a verdade e a democracia. Discorra sobre cada uma delas.

cOnvErSa fIlOSófIca
3. Quarto poder
alguns analistas políticos consideram que os meios de comunicação de massa constituem, atualmente,
um quarto poder (além do executivo, do legislativo e do Judiciário).
reflita sobre essa interpretação, observe sua realidade concreta e debata com colegas sobre o tema.
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