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Juventude e o maio de 1968*

Leonardo Venicius Parreira Proto**

Resumo: O artigo é resultado de parte da pesquisa realizada em curso de


especialização e apresenta como temática a participação dos/as jovens no
acontecimento histórico do Maio de 68, importante evento de contestação e
reafirmação das lutas anticapitalistas, do qual a França seria um dos pivôs de
movimentos juvenis em partes do mundo. Uma das problematizações
abordadas é a perspectiva do movimento do Maio de 68 em sua condição de
estabelecer uma revolta cujos interesses estão centrados no poder social,
negando estereótipos advindos de leituras feitas a partir da contracultura, de
percepção do movimento como algo somente cultural ou negação dos
valores da sociedade tradicional, patriarcal e sexista na história do ocidente.
A perspectiva de revolta como poder social no Maio de 68 reinaugura dentro
da tradição marxista as formas autogestionárias de organização da classe
trabalhadora e da expressão de totalidade a qual esse movimento estava
situado historicamente.
Palavras: chave: juventude, maio de 68 e autogestão social.Abstract: The
article is part of the result of ongoing research specialization as a theme and
features the participation of / in the young history of the event May 68,
important event of contestation and confirmation of anti-capitalist struggles,
in which France would be one of the pivots youth movements in the world.
One of problematizations addressed is the prospect of movement in his May
68 provided that a revolt whose interests are focused on social power,
negating stereotypes arising from readings taken from the counterculture, the
perception of movement as something only cultural or denial of values of
traditional society, patriarchal and sexist in the history of the West. The
prospect of revolt and social power in May 68 reopened within the Marxist
tradition the self-managed forms of working class organization and
expression of all this movement which was situated historically.
Key words: youth, May 68 and social ownership.

*
Esse artigo é parte da monografia produzida para o curso de especialização em adolescência e juventude
no mundo contemporâneo, orientada pelo prof. Dr. Nildo Viana (UFG).

**
LEONARDO VENICIUS PARREIRA PROTO é mestrando em História pela Universidade
Federal de Goiás (UFG). Bolsista da CAPES. Professor em regime de contrato especial da Universidade
Estadual de Goiás. Atualmente exerce a função de coordenador do curso de História da UEG/UnU-Iporá.

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movimento insurrecional dos/as
estudantes e trabalhadores/a do Maio de
68 e generalização das lutas na Europa,
como ocorreu na França nesse final da
década de 60.
Seu escrito feito em teses é um
autêntico desdobramento do
aprofundamento do materialismo
histórico. Segundo suas teses sobre a
mercadoria como espetáculo, indicam
um grau elevado de afastamento do ser
humano em relação a si aos outros/as e
a tudo produzido pelos/as mesmas em
esfera social (DEBORD, tese 37, 2007).
E a noção de espetáculo e sua relação
com a idéia/produção da mercadoria,
Uma das representações da revolta do como pode ser mais bem apreendida
Maio de 68, sobretudo relacionado à nesse estudo? Para Débord, “o
juventude, diz respeito apenas à sua espetáculo é o momento em que a
caracterização fenomenológica, de uma mercadoria ocupou totalmente a vida
manifestação de jovens contra o social. Não apenas a relação com a
autoritarismo e a moral social contrária mercadoria é visível, mas não se
às liberdades individuais1. Essa consegue ver nada além dela: o mundo
referência explicita um simplismo na que se vê é o seu mundo” (2007, tese
abordagem política e cultura ao 42, p. 30).
movimento, dificultando encontrar as
Essa é a exata proporção de recepção do
reais e radicais razões da subversão do
sistema por parte dos indivíduos no
estudantado francês naquele período.
início da segunda metade do século XX.
Revolta social como práxis Introjeção dos mecanismos do
revolucionária assentada também na espetacular feito mercadoria por seus
reflexão sobre a sociedade do produtores diretos, o proletariado. Sua
espetáculo, um dos conceitos analíticos capacidade de reação fez-se movimento
do Maio de 68 mais precisos da de revolta dado o grau de consciência
atualização do marxismo como teoria da crítica formulada pela negação dos
classe proletária. Sua análise produzida valores burgueses, e de seu modus
por Guy Debord em 1967 antecipava o operandi de opressão.

1
Outro sociólogo presente no momento
Essa é uma dos discursos produzidos pelos de sublevação da juventude do Maio de
teóricos da pós-modernidade, insistindo no
caráter ontológico dos indivíduos e
68 é Alain Touraine. Para este,
autonomizando suas práticas em relação ao todo “El movimiento de Mayo es uno de
social, como faz a análise foucaultiana sobre os los primeros conflictos de clases
micro-poderes (HARVEY, ANGELFIRE,
que hayan estallado em las
2009). Essa mesma compreensão tem Alain
Touraine, em recente entrevista para a revista do sociedades capitalistas avanzadas.
Instituto Hunanitas Unisinos, de março de 2008, Junto com los grandes
ao afirmar categoricamente o Maio de 68 como movimientos, más dramáticos, de
apenas um movimento cultural, sem ser político los países socialistas, pone de
e social. manifiesto el nacimiento de um
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nuevo período de la historia social A crítica ao Estado capitalista é
de las sociedades industriales” salientada no discurso do poder social
(TOURAINE, 1970, p. 53). de um movimento da juventude
Na última nota de rodapé, estudantil e dos/as trabalhadores/as das
particularmente em sua segunda parte, fábricas, ambos ameaçados pelo
Touraine (2008) visualiza o Maio de 68 discurso preponderante oficial, o
como amplamente “rico” da experiência discurso da assimilação, integração e
de busca pelas liberdades individuais cooptação do sistema. O elemento
reduzidas na direção da chamada radicalizador das lutas sociais faz-se
contracultura, muito em voga na década mediante a radicalização do discurso do
de 60, mas sem qualquer pretensão em contra-poder ou poder social no
criticar os problemas enraizados pela horizonte da contestação.
dinâmica do capitalismo internacional. “Assim, o discurso é não só
Posição encontrada também na década limitado por quem detém o poder,
de 70 ao discutir o Maio de 68 em livro. mas ele é reprodutor do poder e
Para Touraine (1970; 2008), o uma de suas formas de
movimento instaurado pelos/as manifestação. No entanto, não é
todo o discurso, mas sim o discurso
estudantes não estava preocupado em
de quem detém o poder. O discurso
tomar o poder político e sim destruí-lo, dos explorados e oprimidos pode e
e tudo que o mesmo representaria de muitas vezes é um discurso
ocupar representações e postos de emancipador, quando ele rompe
administração nas organizações com a censura do discurso
institucionais; posição reafirmada em dominante ele se transforma, num
sua entrevista para o Instituto meio de libertação. Por
Humanitas Unisinos (em março de conseguinte, é preciso saber qual o
2008) discutindo os 40 anos pós 68. discurso e de quem é o discurso
para saber de suas tendências,
A dissociação entre poder reprodutoras do poder ou
social/político e cultural está marcada questionadoras dele. O discurso de
pelas debilidades do debate teórico Marx sobre a Comuna de Paris, por
acerca do referencial da luta de classes e exemplo, é emancipador, libertário.
como esta não pode negar a totalidade Por isso, o discurso pode tanto ser
das relações sociais e o produto dessas um reprodutor do poder como ser
configurações da sociedade de classes. crítico do poder, bem como ser
manifestação do poder ou
No interior da universidade francesa, em manifestação da luta contra o
Naterre, surgem às insatisfações com o poder” (VIANA, 2005, p. 26).
processo vivido para o enquadramento
da produção do conhecimento nos Discursos contra o poder do Estado, de
moldes industriais. Esse poder do suas táticas belicistas e hostis, eram
Estado capitalista em organizar o construídos na tentativa de superação do
pensamento positivista e liberal dentro procedimento de dominação do
da universidade foi o “barril de pólvora” imperialismo em vigor. Cenário de
para os/as estudantes franceses intensificação de falas e idéias,
perceberem que não haveria outra portanto, de discursos, elaborados, por
possibilidade para a transformação da exemplo, pelos situacionistas, grupo ao
sociedade sem engajamento e qual Débord se filiava.
cooperação com outros grupos sociais “Os situacionistas organizavam-se
explorados e alienados. desde 1958 em torno da revista
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Internacional Situacionista assim, em sua análise do caráter
coordenada por Guy Debord. A afirmativo da cultura, os alicerces
revista não tinha uma periodicidade ainda ocultos da manipulação de
regular pelas dificuldades massas: as bases no plano material-
financeiras do grupo (...).Os doze sensível em que se sustentam,
números da revista constituem-se enquanto satisfação aparente e
hoje como um dos maiores transitória, os mecanismos de
documentos da cultura política obstrução dos potenciais
dissidente dos anos sessenta, com o emancipatórios que poderiam
situacionismo encontramos uma das resultar da anulação direta das
mais expressivas manifestações aspirações e dos objetivos quando
políticas do marxismo conselhista estes são subordinados ao império
do século XX (...) E como direto de uma universalidade
proposição política de práticas social” (MAAR, 2006, p. 27-28).
superadoras de tais realidades,
Debord defenderá no livro em Ainda na correspondência entre cultura
questão a marca institucional e a e sociedade, a afirmação da cultura está
agenda política do Maio de 1968: o para além de uma noção metafísica, mas
autonomismo dos Conselhos constituinte das bases materiais
Operários” (PINTO, 2008). enquanto pressuposto para realização da
De acordo com Matos (1981) a felicidade humana, ou mesmo, uma
Internacional Situacionista se fará aparência na satisfação do mundo. Esse
presente nos acontecimentos do levante mundo é todo relacional com a
mercadoria, seu conteúdo e f(ô)rma
estudantil de 68, atentos ao cotidiano, a
proposição autogestionária e a (MARCUSE, 2006).
expressões artísticas como o Nessa percepção da mercadoria como
surrealismo, entendido como cultura epicentro das relações sociais no
revolucionária. capitalismo contemporâneo, no contexto
Marcuse (2006) contribui com uma histórico-social da revolta dos/as jovens
discussão filosófica do caráter do Maio de 68, há uma respectiva
afirmativo da cultura, numa crítica à concordância entre Debord (2007) e
universalização da idéia de liberdade e Marcuse (2006). Ambos analisam, em
de humanitarismo. Para este autor, a uma síntese, a sociedade capitalista
cultura afirmativa integra as pessoas ao européia, norte-americana e sua
sistema, auxiliando sua perpetuação hegemonização em torno do capital no
tendo como mecanismo ideológico a mundo como um espetáculo da
aparente felicidade, sentida pelos afirmação da cultura, em que a agente
indivíduos em sua razão subjetiva2 e mercadoria reproduz-se pelo aparente,
bastante efêmera (MAAR, 2006). pela satisfação do fetiche e pela
coisificação das relações sociais em
“Para ser afirmativa, a cultura qualquer canto do planeta.
precisa operar no âmbito da
referência material-sensível. A A ótica marcuseana parece ainda
contribuição de Marcuse expõe oferecer subsídios teóricos
fundamentais para analisar processos
2
Esse é um termo conceitual recorrente na revolucionários, ao passo de vivenciar
teoria elaborada por Max Horkheimer (2007) um momento histórico como o Maio de
para explicitar sua tese relacionada ao eclipse da 68. Para ele,
razão, entendendo o conceito, como processo de
subjetivação do pensamento ocidental, “a revolução envolve uma
inclusive, o formalizando. transformação radical das próprias
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necessidades e aspirações, tanto na contribuição de Herbert Marcuse,
culturais como materiais; da não só por ter vivenciado às lutas
consciência e da sensibilidade; do sociais da década de 60, mas por prover
processo de trabalho e do lazer (...). de um debate a partir da produção
A liberdade é entendida com raízes
dos/as jovens em suas particularidades,
na satisfação dessas necessidades,
que são simultaneamente sensoriais,
contribuindo com elementos de
éticas e racionais” (MARCUSE, totalidade sem restringir às partes a
1973, p. 25). atomização de seus indivíduos.

Vemos uma perspectiva de revolução A relação objetividade-subjetividade em


em Marcuse (1973) de superação das Marcuse decorrente da luta de classe no
compreensões limitadoras das análises Maio francês é encarada como a
pós-modernas daqueles/as que vêem na “grande recusa”, enxergando nas
revolta social do Maio de 68 apenas um contradições da formação sócio-
protesto contra as ditas liberdades histórica do capital também presente na
subjetivas dos indivíduos, categorizando práxis do cotidiano. Vai empreender o
os/as jovens franceses e europeus como conceito de “nova sensibilidade” para o
apenas uma geração (a de 68), enfrentamento de novas condutas e
obstaculizando em suas reflexões o práticas sociais, como pressupostos
caráter político do mesmo movimento, revolucionários (MAAR, 2009).
aliás, para alguns debates do pós-68, o Por esse conteúdo, “nova sensibilidade”
aspecto político é totalmente é a negação do isolamento da parte em
deslegitimado. relação dialética com a totalidade social,
mas atualização do materialismo
Discussões sobre o poder no Maio de 68 histórico em sintonia com os
ficam à deriva apenas das análises do referenciais psicanalíticos, base do que
subjetivismo e psiquismo. Em hipótese é denominado de freudo-marxismo3.
alguma, nos defensores de uma pós-
modernidade, de um dito discurso pós- Isso significa uma relação dialética
estruturalista, vêem o movimento dos/as entre liberdade individual e coletiva,
estudantes como um poder social pois não é possível libertação total nessa
constituído como possibilidade concreta sociedade da segmentação e divisão
de perceber novas práticas societárias, social do trabalho, utilizando inclusive a
como a autogestão social. arte, o belo e lúdico como referenciais
importante no combate ao atomismo
Porém, agarra-se a fundamentações dos sujeitos, pois só há criação do
discursivas justificadoras do fracasso do trabalho artístico, autêntico, com a
ideário de modernidade e de instauração emancipação libertária da humanidade4.
de novas identidades, novamente,
situando o indivíduo no interior de si 3
Para um aprofundamento da noção de freudo-
mesmo, ou como já expusemos com marxismo ver análise crítica das duas
Horkheimer (2007), defensor de uma concepções no ensaio (VIANA, 2008).
4
razão meramente subjetiva (MILOVIC, O pensamento marcuseano esboça não só
2008, p. 06). crítica ao sistema capitalista e os seus efeitos
para mobilização dos/as jovens contrários à sua
Sendo esta uma leitura derrotista e reprodutibilidade, como anula toda
conservadora da totalidade social discursividade pós-moderna do tão-somente ato
perceptivo, sensorial, assimilado pela juventude
envolta no Maio de 68, de visualizar o daquele momento, e não só pelos/as
indivíduo autônomo de si próprio, com universitários/as, num referencial apenas
o ideário subjetivista, ainda pensamos ontológico-fenomenológico.

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Referências VIANA, Nildo. Universo psíquico e reprodução
do capital. In: Psicanálise, capitalismo e
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo.
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pós-modernidade. In:
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Goiânia:Alternativa, 2007.
HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. 7 ed.
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MATOS, Olgária C. F. Paris 1968: as ___________. O que é o marxismo. Rio de
barricadas do desejo. São Paulo: Brasiliense, Janeiro: Elo Editora, 2008.
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Revista eletrônica Espaço Acadêmico. Nº 85,
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TOURAINE, ALAIN. El movimiento de Mayo
o el comunismo utópico. Buenos Aires:
Ediciones Signos, 1970.

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