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encontrava em estado prático. Nesse sentido, ele é um corpus que compreende, além da
daqueles que foram, em grau e medida variados, influenciados pelo pensamento de Mao,
como Louis Althusser, Gianfranco La Grassa e Maria Turchetto.2 Mas o maoísmo também
1
Professor aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e autor de A questão do direito
em Marx, São Paulo, Outras Expressões/Dobra, 2014.
2 Além de suas Obras escolhidas, Pequim, Edições em Línguas Estrangeiras, 1975, das Opere complete, Milão,
“posto de comando”, seja com uma nova concepção da transição, que se apóia na tese de que a
mais elevada.
Não será certamente por acaso que o maoísmo (e Mao) seja objeto de uma contumaz e
acesso às massas trabalhadoras, pois de sua apropriação por parte delas é que dependerá a
única possibilidade de ultrapassagem das formas organizativas do capital. É por isso que o
marxista galego Francisco Sampedro pode afirmar que ‚Marx sen Mao significa o
revisionismo‛3, isto é, que foi o maoísmo que libertou a teoria de Marx das sucessivas camadas de
caráter sumário e unilateral deste texto -, concentrarei a minha exposição naquilo que me
Campinas, Editora da Unicamp (no prelo), Ler O capital, t. 1 e 2, Rio de Janeiro, Zahar, 1980 (juntamente com
ÉtienneBalibar, Jacques Rancière, Roger Establet e Pierre Macheray), Resposta a John Lewis e Defesa de tese em
Amiens, ambos in Posições, t. 1, Rio de Janeiro, Graal, 1978; de Gianfranco La Grassa e Maria Turchetto, Do
capitalismo à sociedade de transição, Milão, Franco Angeli, 1978 e Quale marxismo in crise? (juntamente com
Franco Soldani), Roma/Bari, DedaloLibri, 1979, de Gianfranco La Grassa, Strutturaeconomica e società, Roma,
Riuniti, 1973 Valore e formazionesociale, Roma, Riuniti, 1975, Riflessionesullamerce, Roma, Riuniti, 1977, de Maria
Turchetto, As características específicas da transição para o comunismo, in Márcio Bilharinho Naves (org.),
Análise marxista e sociedade de transição, Campinas, IFCH/Unicamp, 2005. Bernard Fabrègues (Bernard
Chavance) e Gianfranco La Grassa abandonaram as suas posições teóricas desse período. Alain Badiou,
embora trabalhe hoje com referências diversas do maoísmo, ainda leva em consideração algumas das
aquisições teóricas e políticas daquele período, especialmente ao tomar a revolução cultural como o mais
importante evento político do séc. 20 (cf. a reprodução de sua conferência ‚La révolutionculturellechinoise‛
na UniversitéPopulairedu Quais Branly, de Paris, em 25 de março de 2014 (disponível em: http://www.canal-
u.tv/video/cerimes/la_revolution_culturelle_chinoise.14453), assim como o capítulo 2, ‚A última revolução?‛,
de A hipótese comunista (São Paulo, Boitempo, 2012).
3 Francisco Sampedro, Louis Althusser, Vigo, Ediciones Baia, 2004, p. 23.
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crítica ao economicismo e, em decorrência disto, a compreensão da natureza efetiva da transição ao
comunismo.4
Essa verdadeira revolução teórica na leitura de Marx – que implicou também na elaboração
nova prática revolucionária estão longe de terem esgotado todas as suas possibilidades
emancipatórias. É por essa razão também, que o aprofundamento teórico do maoísmo, isto
2. Mao Tsé-tung foi, antes mesmo de Althusser e Balibar 6 , quem estabeleceu a tese da
dominância das relações de produção nos processos sociais e históricos, 7 tese que Marx
4 Deixo de abordar, assim, uma questão também fundamental que Mao e a revolução cultural abriram para o
conhecimento: a questão da natureza do Estado na transição socialista, recuperando a correção que Marx
opera em sua obra a esse respeito, sob o efeito da experiência da Comuna de Paris. A revolução cultural
mostrou a necessidade de se transformar o Estado, preparando as condições de sua extinção e substituição
por organizações de massa. Cf. a propósito: Circulairedu Comité central du Parti communistechinois (16 mai
1966), in Gilbert Mury, De larévolutionculturelleau X Congrèsdu parti communistechinois, t. 1, Paris, Union
Générale d’Éditions, 1973, Eugenio Del Río, La teoria de latransición al comunismo em Mao Tsetung (1949-1969),
Madri, Revolución, 1981, Louis Althusser, Sobre a Revolução cultural, in Márcio Bilharinho Naves (org.),
Presença de Althusser, Campinas, IFCH/Unicamp, 2010, Andrea Piazzaroli Longobardi, Bombardeiem os
quartéis-generais – a crise do partido-Estado na Revolução cultural chinesa (disponível em:
http://seminariomarx.com.br/eixo05/Bombardeiem%20os%20quart%C3%A9is%20generais.pdf), e, sobre a
retificação de Marx, ÉtienneBalibar, A ‚retificação‛ do Manifesto comunista, in Cinco estudos do materialismo
histórico, t. 1, Lisboa, Presença, 1975.
5 Sobre a concepção dialética de Mao, de importância decisiva para a compreensão da especificidade da
dialética marxista em relação àquela hegeliana, cf.: Charles Bettelheim, Uma carta sobre ‚O marxismo de
Mao‛, in RossandaRossanda et al., Quem tem medo da China, Lisboa, Publicações Dom Quixote, s/d., Riccardo
Guastini, Sulladialettica in Revista di Filosofia, nº 1, 1975, Louis Althusser, Por Marx, cit. e Luiz Eduardo Motta,
A favor de Althusser: revolução e ruptura na teoria marxista, Rio de Janeiro, Faperj/Gramma, 2014.
6 Cf. ÉtienneBalibar, Os conceitos fundamentais do materialismo histórico, in Louis Althusser, ÉtienneBalibar
coexistência com o economicismo, mas que se dissipa com a emergência da revolução cultural. Esta tese jogou
um papel central no movimento de massas da revolução cultural e forneceu elementos de enorme
importância para sua teorização. Como nos dizem Gianfranco La Grassa, Maria Turchetto e Franco Soldani:
‚Com a ruptura entre Urss e China e a dura polêmica antirevisionista do Pcc – e, sobretudo, com a prática da
‚revolução cultural‛ *...+ opera-se uma mudança radical na reflexão teórica acerca das relações de produção e
das forças produtivas‛, Rapportidiproduzioni e forzeprodutive, in Quale marxismo in crise?, cit., p. 102.
8 Retificando, assim, as suas próprias posições economicistas anteriores.
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Voltemos ao nosso capitalista in spe. Deixamo-lo logo depois de ele ter comprado no
mercado todos os fatores necessários a um processo de trabalho, os fatores objetivos
ou meios de produção e o fator pessoal ou a força de trabalho. Com o olhar sagaz de
conhecedor, ele escolheu os meios de produção e as forças de trabalho adequados
para seu negócio particular, fiação, fabricação de botas etc. Nosso capitalista põe-se
então a consumir a mercadoria que ele comprou, a força de trabalho, isto é, ele faz o
portador da força de trabalho, o trabalhador, consumir os meios de produção
mediante seu trabalho. A natureza geral do processo do trabalho não se altera,
naturalmente, por executá-lo o trabalhador para o capitalista, em vez de para si
mesmo. Mas também o modo específico de fazer botas ou de fiar não pode alterar-se
de início pela intromissão do capitalista. Ele tem de tomar a força de trabalho, de
início, como a encontra no mercado e, portanto, também seu trabalho da maneira
como se originou em um período em que ainda não havia capitalistas. A
transformação do próprio modo de produção mediante a subordinação do trabalho
ao capital só pode ocorrer mais tarde e deve por isso ser considerada somente mais
adiante.9
Mao, por sua vez, ao tratar desse tema, revela compreender perfeitamente o sentido dessa
tese – que permaneceu obscurecida10 até Althusser iniciar nos anos sessenta o seu trabalho
teórico – notando que Marx opera aqui uma ultrapassagem da concepção que concede às
novas relações de produção. É a isso que Mao se refere em suas Notas de leitura do Manual
para a teoria geral do materialismo histórico – porque é ela que vai permitir identificar a
luta de classes como o motor da história –, mas também, particularmente, para a teoria da
9Karl Marx, O capital - crítica da economia política, v. 1, livro primeiro: O processo de produção do capital, t. 1,
São Paulo, Nova Cultural, 1996, p. 303-304.
10 E que, ainda hoje, é objeto de uma sistemática denegação, que diz muito sobre a concepção de comunismo
algumas tantas fórmulas célebres12, como em suas infinitas variações sempre atualizadas – e
interior das formações sociais capitalistas, ocorre o fenômeno da socialização dos meios de
produção não permite que esses emerjam e se constituam então as bases materiais de uma
sociedade socialista.
quando jorrasse a abundância dos meios materiais exigidos para a satisfação das
transformações, não se rompe com o domínio do capital. O que o maoísmo nos mostrou é que
propriedade privada dos meios de produção para o Estado, que a revolução não é uma
12Cf. o conhecido livro de Stalin, Materialismo dialético e materialismo histórico, São Paulo, Global, 1979. Para
uma crítica específica do stalinismo, remeto a estes trabalhos: Bernard Chavance e Charles Bettelheim, O
stalinismo como ideologia do capitalismo de Estado, Serge Vincent-Vidal, A crítica das concepções
econômicas de Stalin por Mao Tsé-tung e Márcio Bilharinho Naves, Stalinismo e capitalismo, todos in Márcio
Bilharinho Naves (org.), Análise marxista e sociedade de transição, cit., Bernard Fabrègues (Bernard Chavance),
Staline et lematérialismehistorique, in Communisme, nº 22-23, 1976, e Staline, lalutte de classe, l’État, in
Communisme, nº 24, 1976, Bernard Chavance, Le capital socialiste. Histoire critique de l’économie politique
dusocialisme – 1917-1938, Paris, Le Sycomore, 1980 e George Labica, Le marxisme-leninisme, Paris, Éditions
Bruno Huisman, 1984.
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operação jurídica de transferência da titularidade, que as relações de produção não são
relações de produção capitalistas não podem ser ‚afetadas‛ por medidas jurídicas, elas são
direto decorre do processo de subsunção real do trabalho ao capital por meio do qual vem a
ocorrer a expropriação das condições subjetivas do trabalho, condições essas que são
dos meios de produção pela massa fabril, que se torna um ‚apêndice da máquina‛. 13 Assim,
desenvolvimento próprio, elas não mantêm com as relações de produção uma relação de
exterioridade, mas, ao contrário, elas estão dentro dessas relações, elas são a forma material
de existência das relações de produção. Desse modo, como ressalta Maria Turchetto, as relações
de produção ‚‘plasmam’ a estrutura das forças produtivas materiais, as quais, assim, não
têm uma posição ‘neutra’, nem uma ‘história’ autônoma e separada face às relações de
produção, *elas+ não apenas não têm leis próprias de ‘desenvolvimento histórico’ como
nada o seu caráter de classe, muito embora crie a ilusão de que a classe exploradora foi
extinta porque não mais existe a propriedade privada desses meios. Ocorre que, como
vimos, não é a propriedade dos meios de produção que define a natureza de uma formação
social, mas a efetiva capacidade de utilização desses meios. Como o processo de valorização
perdura, serão aqueles agentes que o partido designará para ocupar os postos de direção
dirigentes do partido e da máquina estatal – ou seja, todos aqueles que, de algum modo, dirigem
o processo de valorização – eles passarão a compor uma nova burguesia, uma burguesia de
tese de Mao, de que a luta de classes prossegue no socialismo, capta com perfeição,
15 Sobre a contribuição de Mao Tsé-tung à análise dos problemas da transição, cf., notadamente, Eugenio Del
Río, La teoria de latransición al comunismo en Mao Tsetung (1949-1969), cit.
16 Sobre a experiência da revolução cultural, cf., notadamente, o conjunto de textos reunidos in James Myers,
Jürgen Domes e Erik Von Groeling (orgs.), Chinesepolitics – Documentsandanalysis, v. 1: Cultural revolutionto
1969, Columbia, Universityof South Carolina Press, 1986, e James Myers, Jürgen Domes e Milton Yeh (orgs.),
Chinesepolitics – Documentsandanalysis, v. 2: Ninthpartycongress (1969) tothedeathof Mao (1979), Columbia,
Universityof South Carolina Press, 1989, e Raymond Lotta (org.), And Mao makes 5 – Mao
Tsetung’slastgreatbattle, Chicago, Banner, 1978; sobre a história da revolução cultural, cf.: Jean Daubier,
História da revolução cultural, Lisboa, Presença, 1974 e Giovanni Blumer, La revolución cultural china, Barcelona,
Península, 1972; e, ainda, dentre outros, os estudos: Alessandro Russo, La scena conclusiva. Mao e
leguardierossenelluglio 1968, in Tommasodi Francesco (org.),L’assalto al cielo– larivoluzioneculturale cinese
quarant’anni dopo, Roma, Manifestolibri, 2005, Elisabeth Perry e Li Sun, Proletarianpower – Shangai in the
cultural revolution, Boulder, Westview Press, 1997, Andrew Walder, Chang ch’un-
ch’iaoandShanghai’sJanuaryrevolution, Ann Arbor, Universityof Michigan, 1978, Hong Yung Lee, The
politicsoftheChinese cultural revolution, Berkeley University Press, 1978 e Hongsheng Jiang, La Commune de
Shangai et laCommune de Paris, Paris, La Fabrique, 2014.
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