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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

Ângela Maria Alonso Movimentos Sociais: Introdução ao Debate Contemporâneo


Frederico de Oliveira Henriques Nº USP: 4930544

Análise do processo de redemocratização na cidade de São Paulo

Introdução

Pretendo aqui nesta resenha crítica observar as transformações nos movimentos


populares na cidade de São Paulo do final da década de 70 até a redemocratização,
observando as fases e os desafios postos em cada um dos momentos analisados.
Para conseguir atingir este objetivo retomarei Eder Sader em seu clássico, “Quando os
novos personagens entraram em cena”, tentando fazer uma compilação do final da década
de setenta até a redemocratização, junto a isso durante todo o percurso de sua tese irei
retomar diversos autores que debatem contemporaneamente Movimentos Sociais,
conseguindo assim notar as diversas perspectivas que o processo de redemocratização
poderia ser analisado. Ao fim exporei a análise de Sader do movimento de Saúde na cidade
de São Paulo, como exposição prática de sua teoria e utilização de seus instrumentos
analíticos.

PARTE I - Quando os novos personagens entraram em cena


Eder Sader
“O ponto de partida da elaboração crítica é a consciência do que se é
realmente, e é “conhece-te a ti mesmo” como um produto histórico
até o momento que depositou em ti uma infinidade de traços, sem
deixar um inventário. Portanto, é imperativo no início compilar tal
inventário.”
Antonio Gramsci

Biografia
Como mostra a citação de Gramsci, um dos nomes mais retomados durante a década de
setenta e oitenta, é fundamental inicialmente observar a vida do intelectual para
compreender toda a sua elaboração, determinada num período e num contexto e assim fazer
a sua crítica.
Eder Simão Sader nasceu 7 de agosto de 1941 na cidade de São Paulo, desde sua fase
estudantil Sader sempre se vinculou ao ativismo político, dividindo assim a sua vida entre a
intelectualidade e a militância, ambos sempre muito interligados e interdependentes. Nota-
se que ele sempre foi considerado um marxista heterodoxo, colocando-se assim contra as
diversas correntes revolucionárias que hegemonizava naquela época.
Ele se organiza já no movimento estudantil, durante sua juventude, a Liga Socialista,
a qual permaneceu durante um curto período de sua vida. Logo em seguida funda a
Organização Marxista Revolucionária Política Operária, POLOPE, organização que
militaria até antes da criação do Partido dos Trabalhadores.
Com a vinda do Ato Institucional 5, e a mão forte da ditadura descendo junto as
organizações de esquerda com força, em 1969, após anos de perseguição pelos organismos
de segurança teve de deixar o país no ano de 1970.
Inicialmente passou pelo Uruguai durante um curto período, mas com a vitória da
Unidade Popular no Chile logo se desloca a este país. Chegando lá se depara com um
movimento de grande vivacidade e força dando sustentação ao governo, ao observar isso
volta seus estudos aos movimentos populares. Além disso, já ganhando um grande nome foi
professor na Universidad Católica de Chile e em seguida lecionou na Universidad de
Concepción. Durante todo este período não deixou a militância atuando no Movimento
Esquerda Revolucionária, MIR.
Com o golpe em 1973 de Pinochet, parte para o exílio na França aonde lecionará em
Paris VIII. Nesta época irá denunciar a situação que vive a América Latina, sobre a cortina
da ditadura, em seu livro Rumor de Botas. Este é um momento de fundamental importância
para a reflexão política e intelectual do ativista. Que entrará em contato com diversos
intelectuais de grande renome e iniciará o seu trabalho em cima de dois principais temas: A
construção da consciência de classe e a democracia.
Ao ver o surgimento do Novo Sindicalismo e com a vinda da anistia, volta ao Brasil
em 1979 e antecipa a fundação do Partido dos Trabalhadores. Em pouco tempo de casa ele
se torna dirigente do PT em São Paulo, focalizando o seu trabalho, principalmente, com os
movimentos populares.
Na década de oitenta é readmitido no Departamento de Sociologia da USP onde
passou a lecionar e estudar assuntos sobre sociologia e política. Além disso, investe na
construção de sua tese de doutorado, , “Quando os novos personagens entraram em cena”, a
qual defenderá em 1987 com todas as honras e que será publicada um ano mais tarde.
Em 21 de maio de 1988 morre vítima de AIDS, que deve ter adquirido em 1985 em
uma de suas muitas transfusões de sangue que realizou durante esses vários períodos
devido a sua hemofilia.

Influências

Edward Palmer Thompson – Esse historiador inglês, participou junto a Christopher


Hill e Eric Hobsbawn, do Partido Comunista Britânico e no pós-segunda guerra militou no
movimento popular inglês, além de se tornar professor na Universidade de Warwik e depois
passar por diversas universidades inglesas e norte-americanas. A primeira grande
influência, que Sader toma deste autor, é da concepção de Consciências de Classe como
sendo o último estagio da revolução, podendo apenas ser construído por um grande
processo histórico.
Além disso,Thompson elabora teorias em oposição ao Marxismo Francês
estruturalista, de Louis Althusser. E para combatê-lo o historiador cria o conceito de
experiência, onde a classe se forma na esfera da produção e da reprodução, esta será outra
grande referencia do brasileiro em sua tese.
Cornelius Castoriádis – Filosofo francês nascido em Istambul. Este filósofo mostra
um profundo conhecimento de teoria psicanalítica, por toda a sua obra. Autor de inúmeras
obras de filosofia e, em especial, de filosofia política, entre essas destaco aqui “Instituição
Imaginária da Sociedade” que se tratada criação de representações e imaginários, esta obra
vai ser utilizada por Eder Sader para construir a sua perspectiva de representação durante o
capítulo um.
Michel Foucault –Filósofo Francês que trata do poder, rompendo com as percepções
clássicas deste conceito. Para ele, o poder não pode ser localizado em uma instituição ou no
Estado, isto mostra a imensa contradição de tomá-lo junto com o arcabouço marxista que
tem como centro à “tomada do poder”. O poder não é considerado como algo que o
indivíduo cede a um soberano, mas sim como uma relação de forças, com isto a relação de
poder está em todas as partes, uma pessoa está atravessada por elas, não podendo ser
considerada independente delas. Para Foucault, o poder não somente coage com a força,
mas também produz efeitos de verdade e saber, constituindo verdades, práticas e
subjetividades. Sader toma deste autor às bases para analisar as matrizes discursivas como
geração de poder e criadora de representações, assim se pode ver durante toda a sua obra
como as verdades, conhecimentos e ações são constituídos.
Já neste primeiro momento nota-se a grande influência do debate europeu, inclusive
pela nacionalidade destes intelectuais, além disso observa-se o foco que será dado na
questão da cultura, identidade, subjetividade, em fim algo que aproxima Sader de maneira
sólida dos tidos teóricos dos Novos Movimentos Sociais. Outra coisa interessante é o
caráter militante e marxista que também tem presença marcante no debate europeu que ele
invoca não apenas por essas influências como por toda a sua biografia. Este fato ocorre
também devido a grande influência da escola francesa na academia brasileira, não apenas
por Focault e Castoriádis, mas sem dúvida por Touraine, como um dos teóricos dos NMS
que procura discutir a questão da América Latina 1e o aparecimento dos Movimentos
Populares.

O livro
Capítulo 1

A primeira parte, tratada aqui neste capítulo, tem duas principais funções: a primeira
são os levantamentos das questões, como ele observou a conjuntura e construiu o seu
problema; já a segunda toma em conta qual metodologia e teoria que Sader utilizará ao
longo de seu livro.
O livro inicia-se com a narração do aparecimento dos movimentos populares, a
indagação sobre a greve do ABC, em 1978, que tem como conseqüência o aparecimento do
novo sindicalismo. A conjunção desses diversos sujeitos políticos da margem para a criação
do Sujeito Histórico que tem opções e escolhas. Para demonstrar o significado disso e
começar a identificar a questão, ele narra o 1º de maio de 1980 na Catedral da Sé, no centro
de São Paulo2.
A partir deste momento ele retoma a história para ver como foi tratado e como se
passou estes problemas ao longo do tempo. Ele inicia-se observando a derrota do
movimento operário e estagnação dos movimentos, em 1964, com o advento do regime
militar. Estes só passam apresentar uma resposta em meados dá década de setenta com
ressurgimento dos movimentos de bairro promovidos pelo Movimento Democrático
Brasileiro e as Comunidades Eclesiais de Base.

1
Ver: Touraine, A. As possibilidades da democracia na América Latina. RBCS 1,1986.
2
Sader, Eder Simão. Quando os novos personagens entraram em cena. Paz e Terra. São Paulo, 1988. pg. 27.
Estes movimentos são destacados pela crítica ao vanguardismo e ao deslocamento da
esquerda de junto da população. Esta movimentação vai dar as margens para os novos
personagens, estes são novos por ter uma pretensão à autonomia ao Estado e a Partidos,
além disso, são baseados na auto-organização e um novo tipo de sociabilidade. Nota-se ai
que estes se contrastam com os personagens populares que surgiram no inicio do século XX
e no período de populismo no Brasil.
Neste momento nota-se o caráter militante do texto que observa o surgimento destes
movimentos com bons olhos, em contraposição do que existia antes, assim como de uma
certa forma Habermas salienta em seus escritos na Europa da década de 60 e 70. Tanto que
uma das grandes críticas feitas pelos Teóricos da Mobilização de Recursos cai exatamente
nesta conotação tida positiva em cima destes movimentos.
No momento seguinte, começa uma discussão metodológica. Esta tem um importante
caráter devido a constante polemica entre o estruturalismo em voga, principalmente durante
a década de setenta, devido ao estado autoritário, e as análises etnográficas, postas no
começo da década de oitenta.
Ele inicia-se com diversas críticas ao estruturalismo que podem ser traduzidas por
esta passagem: “Das condições do chamado “milagre brasileiro”, com suas fatias de
superexploração para tantos e vantagens para outros, não se consegue deduzir nem
mudanças no comportamento sindical, nem motivações presentes nas comunidades de
base, nem a emergência de donas de casa das periferias em mobilizações de bairro do
modo como fizeram, nem, aliás, qualquer uma das tendências presentes na ação das
classes sociais.”3 Neste trecho conseguimos ver as críticas feita por ele a Louis Althusser e
todo o seu pensamento hegemônico na década anterior deste livro. Essa crítica será
generalizada por todos os autores de discutem os Movimentos Sociais Contemporâneos, o
que veremos de diferente é a resposta apresentada por eles para o problema da ação
coletiva.
Para o autor é necessário superar a dicotomia construída na última década entre
estrutura e sujeito, pois sujeitos estão implicados em realidades objetivas, estruturas, e estas
não são externas a eles, mas estão impregnadas de significados. Também é equivocado
supor que os sujeitos são soberanos indeterminados, mas que são construções sociais. Então
os seres humanos submetidos a determinadas estruturas são capazes de criar inúmeros
significados, a partir dos simbolismos de cada sociedade.
Sendo assim os seres humanos podem dar diversas respostas a uma determinada
situação dada, por isso não basta fator econômico, mas os “processos de atribuição de
significado”. Estes processos podem ser encarados como: ausência, carência, necessidade e
interesse. Em fim, depende de como as experiências são vividas, nas condições dadas e
como ficarão postas as representações, pois daí se tirará os significados. Nota-se como o
autor cita Thompson: “As classes acontecem à medida que os homens e mulheres vivem
suas relações de produção e experimentam suas situações determinantes, dentro do
conjunto de relações sociais com uma cultura e expectativas herdadas, e ao modelar essas
experiências em formas culturais.4”
Esta apresentação será trabalhada de maneira distinta pela Teoria da Mobilização
Política. Assim como Sader, esses outros teóricos vem grande importância no contexto
estudado, para observar as possibilidades de mobilização, então eles utilizaram a “Estrutura
3
_______________. Quando os novos personagens entraram em cena. Paz e Terra. São Paulo, 1988. pg. 38.
4
Thompson, Eduard Palmer. “¿Lucha de clase sin clase?” in Tradición, revuelta y conciencia de clase.
Anagrama, Barcelona. pg. 38.
de Oportunidades Políticas”, para observar o processo de urbanização e redemocratização
no Brasil, se contrapondo ao conceito de experiência de Thompson.
Sader esboça a importância de compreender esses processos como geradores de
consensos e a construtores de artifícios de dominação legítima, ou melhor hegemonia como
Gramsci desenvolve nos Cadernos do Cárcere.
Outra questão fundamental para compreender a obra de Sader é a questão da
autonomia, que não pode ser entendida apenas como autonomia em relação ao estado, ou
antagonismo, mas sim como sujeitos capazes de construir seu próprio projeto histórico. Por
isso se utiliza sujeito, pois o conceito de ator já era utilizado no estruturalismo e no
funcionalismo como personagens pré-determinado a um papel dentro da estrutura. Para ele
este sujeito é capaz de ordenar, atribuir racionalidade, fazer escolhas. Nota-se a alusão neste
momento à obra de Alain Touraine, O retorno do ator, é diversas vezes mencionada
evidenciando a grande influência dos Teóricos dos Novos Movimentos Sociais.
A noção de classe, ganha um grande peso neste capítulo da obra de Sader, para ele, os
comportamentos das classes são construídos em duas esferas na produção e na reprodução.
Para esta construção ele se baseia em Marx, O dezoito Brumário de Luis Bonaparte, e o
Thompson, A Formação da Classe Operária Inglesa, articulando a perspectiva
objetivamente dada e a instituída subjetivamente. Esta é uma certa peculiaridade do autor,
que reinvidica como central a discussão de classe que nunca foi posta no debate Norte-
Americano e é abandonado pelos europeus, pois é tido como central para analisar os
antigos movimentos sociais.
Para ele as matrizes discursivas têm um papel fundamental na construção de
identidades coletivas e revela muito da ação do sujeito. Delas se apreende as pulsações e os
desejos, assim o discurso não é o próprio desejo, mas o que o nomeia, só ai elas podem ser
observadas, mostrando aqui suas influências da psicanálise que estarão mais presentes na
construção do conceito de identidade coletiva do Menucci.
Assim, estes discursos criam um sistema de referência que propiciará ou não a ação
coletiva, expressando as relações de poder construídas até este momento. Pois a linguagem
não é neutra, mas expressa as instituições, cultura e as experiências dadas naquele
momento, sendo assim difícil separar os discursos das relações de poder. Por fim, as
matrizes discursivas é o eixo desencadeador da ação coletiva.
É interessante a questão das matrizes discursivas que tentam responder uma pergunta
que estará no centro do debate deste tema durante um longo período: Como desencadeia a
ação coletiva? O debate norte-americano dará uma primeira resposta como a estrutura de
oportunidades aliados à possibilidade de mobilização de recursos. No fim da década de 80 e
princípios da década de 90 eles acrescentaram um outro elemento o “Frame”, que aludirei
de maneira mais incisiva adiante.

Capítulo 2

Este capítulo o autor irá tratar do processo de urbanização de maneira acentuada como
formador da experiência da condição proletária na cidade, vendo assim as faltas e
necessidades para a construção deste processo. Então aqui ele irá abordar de diversas
perspectivas essa condição, da ordenação do trabalho a crise no eixo familiar, tentarei aqui
abordar esses diversos aspectos. Vale dizer que o autor utiliza diversos relatos para ilustrar
estes acontecimentos.
A primeira experiência analisada é o contato com a cidade. Durante toda a década de
setenta houve um imenso deslocamento da população urbana para a cidade, com ênfase no
crescimento de São Paulo, devido ao grande processo de industrialização ocorrido neste
período. Isto culminou em um deslocamento, cada vez maior, da população para as
periferias, ocasionado pela grande especulação imobiliária vivida neste período. Isto
ocasionou na experimentação da falta de saneamento e infra-estrutura básica, ao mesmo
tempo de condições precárias de vivência nestes espaços.
Outra grande mudança é o ritmo e a rotina vivida por grande parte da população, que
foram vieram do campo em busca de novas e melhores condições encontradas em seus
antigos lares. Mas ao chegarem aqui se deparam com a agitação e a aceleração do tempo,
onde não pode mas ser controlado pela natureza, além do aumento dos ruídos, quantidade
de informação transmitida, luzes, que passam a dominar o cotidiano desta população.
Outra experiência posta neste momento é concretizada na vivência no trabalho vista a
sua ordenação e rotinização, que é intensificada de forma surpreendente, junto à indústria.
Além disso, novas formas de relações de trabalho são experimentadas como emprego
doméstico, vendedores ambulantes, até profissões tidas de doação que podem ser mal
remuneradas, como o caso dos professores. Ou mesmo a noção do desemprego é conhecida
neste novo ambiente que é a falta do recurso, que se torna vital para a sobrevivência neste
espaço, e isto vem junto com problemas objetivos e morais.
Outra questão é a vivência no mercado de trabalho que gera a forte concorrência por
um posto melhor, havendo a disputa entre os tidos iguais, mas ao passo que a relação com
aqueles que vivem a mesma situação estão submetidos à construção de identidades e lastros
de solidariedade, devido às mesmas condições vivenciadas.
A condição de migrante é um outro fator, em São Paulo, que tem distinta relevância
para o autor. Pois um contingente enorme de pessoas de diversas regiões do país chega a
São Paulo, com a ênfase nos nordestinos. Isso provoca um grande choque de problemas
como: moradia, emprego, choque cultural, até mesmo o de documentação que o revela
como um não sujeito para o Estado.
Estes problemas são tencionados com o sentimento de esperança, de uma vida melhor,
que é transformado em revolta devido a seu isolamento e difícil aceitação nesta nova
realidade, onde seus conhecimentos rurais não o valem de nada e muitas vezes são
desvalorizados. Estes problemas só vão terminando com o passar do tempo quando sua
condição de migrante se esvai.
Uma das crises geradas com a experiência urbana é a da Família, que é tida como
grande responsável pelo bem estar e a segurança de seus membros. Sua crise perpassa
desde a necessidade de trabalho de todos, inclusive as mulheres tendo a dupla jornada, em
casa e fora, até o fim de costumes em comuns que funcionavam como estreitamento de
laços de solidariedade, como por exemplo não há mais possibilidades de almoços juntos ou
dificuldades de encontros.
Outro fator relacionado à família é a questão da moradia, como central para esta
instituição. Esta não é acessível a grande parte da população que chega a cidade, sendo
necessário à ocupação de loteamentos irregulares na periferia e a construção através de
mutirões nos períodos “livres”.
E o último fator destacado por Sader é o público, nota-se aqui a influência do
Habermas que é citado inúmeras vezes neste momento. Esta experimentação só pode ser
obtida plenamente com o processo de abertura gradual e constante de ditadura militar, pois
ela propiciou o surgimento das organizações populares e de maior interação junto ao
sindicato, além de participação do processo político das eleições. Por fim nota-se que este
se deu também nos ambientes como as ruas, bares, feiras livres e bailes, sendo estes
espaços de socialização.
A questão da urbanização expõe aqui, de maneira meticulosa, não foi apenas
trabalhada por ele mas também por Ottmann, em seu trabalho “Movimentos sociais urbanos
e democracia no Brasil”5, que analisa o processo de urbanização do Rio de Janeiro. Neste
trabalho ele tenta observar as insatisfações das classes médias, e o diverso problema
apresentado na estrutura da cidade e suas formações.

Capítulo 3

Esta parte do livro irá analisar as matrizes discursivas adotadas neste período que
iriam culminar na construção do novo sindicalismo e os movimentos populares. Entre os
novos discursos encontra-se a crise e reconstrução em três instituições:
A primeira é a igreja que a partir da década de 50 entra em uma grande crise quando a
instituição começa a observar a sua perda acelerada de influência, junto à população, para
os pentecostais.
Então vários grupos de leigos começam a avançar para a base dos esquerdistas que
começavam a crescerem próximos ao povo, estes ficaram conhecidos como Ação Católica.
Assim se forma a AC, que através do método Paulo Freire, começa a avançar para as bases
através da educação de adultos e se engajar em lutas populares. Esse processo terminou
gerando efeitos opostos aos esperados, a AC aproximou-se dos esquerdistas em vez de
disputar a sua base.Mas o golpe de 64 faz com que haja um grande recuo deste processo.
Em 1967, com o Concílio Vaticano II e a reforma da igreja, estas iniciativas são
retomadas agora não só no Brasil, mas em todo o mundo: a igreja como “Povo de Deus”6.
Logo em 1968 a Conferencia dos Bispos latino-americanos, reunida em Medellin, resolve
aplicar um plano para o Continente, que reflete em 1969 com o afastamento dos bispos
conservadores da CNBB e o apoio aos clérigos perseguidos pela ditadura militar, além de
proclamar o envio do evangelho até o povo.
Então, se cria as Comissões Pastorais, dentre elas se destaca a da terra, a operária, da
jovem, da criança, e as Comunidades Eclesiais de Base, inicialmente uma ferramenta da
igreja para gerar mais influencia e intervir no profano, o cotidiano das pessoas, mas que
acabou influenciando na própria estrutura interna da igreja devido à força que ganhou
conforme o tempo. Por fim há um processo de autonomização das CEBs, com relação à
própria hierarquia da instituição.
As Comunidades começaram a se multiplicar, primeiro pela zona rural depois
chegando com força à zona urbana. Elas eram compostas de 10 a 30 membros, e se
organizavam em dois momentos, no primeiro liam a bíblia e num segundo discutiam
experiências do cotidiano. Seu ponto auge foi em 1975, quando houve o primeiro encontro
de CEBs do Brasil.
Com o passar do tempo a Teologia da Libertação, corrente da igreja católica com
maior força no período, passou a implementar o Paulo Freire em oposição ao MOBRAL,
como maneira de autocrítica e libertação, levado para a população através das Pastorais e
CEBs.

5
Ver: Ottmann, G. Movimentos sociais urbanos e democracia no Brasil. Novos Estudos Cebrap, no 41, 1995.
6
Sader, Eder Simão. Quando os novos personagens entraram em cena. Paz e Terra. São Paulo, 1988. Pg.151.
Os discursos centrais da Igreja nesse período são: solidariedade, justiça, serviço
comunitário, capacidade de crítica, luta, identidade comunitária e LIBERTAÇÃO 7, que
acaba tendo uma conotação de revolução visto pela chave dos marxistas, pois se identifica
como acontecimentos totalizantes, tomada de consciência, mudança radical da situação
posta no momento. O discurso também é recheado de atores construídos pos estes agentes:
O primeiro é os pobres, o “povo de Deus”; depois vem a igreja, entendida como hierarquia
interna da instituição; em seguida as autoridades, como surdas para o povo, não atendem os
anseios da população; e os poderosos, oposição ao povo. Desta forma se constrói esta nova
matriz discursiva ligada à igreja.
A outra matriz estudada pelo autor é a tida pela Esquerda que se traduz na seguinte
frase que inicia o capítulo: “Você trocou Lênin por Paulo Freire”8. Este tem como marcos
históricos o Ato Institucional Cinco e o espetacular seqüestro do embaixador norte
americano, estes acontecimentos fazem com que haja uma iniciativa de repressão, cada vez
mais forte, da ditadura militar que tem como reflexo um número acentuado de mortes,
presos e torturas.
Como conseqüência vemos, o fim da guerrilha do Araguaia, a morte de Lamarca, o
término da esquerda inspirada na revolução Cubana, que naufraga a não sendo mais uma
alternativa para a transformação social no Brasil. O Partido Comunista Brasileiro continua
em um forte processo de burocratização e afastamento das suas bases. E por fim as
organizações trotskistas não conseguem oferecer respostas à crise. Isto demonstra um
quadro extremamente frágil para a esquerda e uma grande crise anunciada.
Este processo mostra a necessidade que houve de repensar o projeto, que era tinha
diversas vertentes como: uma revolução Democrática, ou Socialista, Popular, ou de
Libertação Nacional. Mas a principal resposta dada neste período foi à necessidade da
“volta às bases”, abandonando a idéia de vanguardismo e enfraquecendo as antigas
correntes revolucionárias. Isto faz com que haja uma caminhada em direção as
organizações populares, bairros e oposições sindicais.
No campo da intelectualidade também há grande mudança. A esquerda passa a aderir
o método Paulo Freire como a igreja católica o fez, mas negando a parte do humanismo
cristão, e colocando em evidência a elaboração crítica e a exposição da experiência da vida
individual. Assim, grande parte da esquerda passava a se desligar de programas
revolucionários, e se aproximava de estudos do CEBRAP e do jornal Opinião. Por fm a
esquerda estava em um processo de re-elaboração intelectual e apoio a experiência popular.
Abandonando o discurso marxista-leninista e aderindo a camadas tidas populares.
A última matriz discursiva analisada pelo auto é a do novo sindicalismo que tem a sua
construção a partir do cume da crise. Esta tem um tratamento especial pelo autor que vê um
novo período para o sindicalismo brasileiro não mais atrelado ao estado como visto nos
períodos anteriores.
Para compreender o surgimento, Sader, retoma a greve de Osasco, em 1968, quando o
sindicalismo começa a passar por uma grande crise, pois o governo militar resolve intervir
nos sindicatos acompanhado mais próximo os sindicatos através de interventores para não
deixar que isso ocorra novamente. Com isso o sindicato se atrela de maneira mais forte
junto ao governo. Então, acentua-se a crise deste sindicalismo.
Assim, no período posterior, novos sindicalistas se elegem com o objetivo tentar
mediar as reivindicações dos trabalhadores pelo âmbito legal, com a alegação de conseguir
7
_______________. Quando os novos personagens entraram em cena. Paz e Terra. São Paulo, 1988. pg.164.
8
_______________. Quando os novos personagens entraram em cena. Paz e Terra. São Paulo, 1988. pg.167.
mais dignidade para os trabalhadores, em troca de cooperação com o governo e com a
empresa. Dessa forma conseguia manter as entidades em funcionamento abrindo espaço
para surgir uma nova leva de líderes sindicalista.
Assim, por meados de 70 nos principais sindicatos do ABC, começa-se a surgir novas
lideranças que começam a ter um maior enfrentamento junto ao governo. A figura máxima
que representa desse momento é Luis Inácio da Silva, que dirigia o Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo. Estas novas lideranças iram culminar nas greves gerais de
setenta e oito e setenta e nove.
Por fim, Eder analisa os discursos feitos por estes sindicalistas que conseguem
embutir o cotidiano, a experiência vivida dos trabalhadores em suas falas, ocasionando
assim, a mobilização grandes parcelas de trabalhadores. Com isso, surge um sindicalismo
autônomo e sujeito de sua própria história.
Como já destaquei no capítulo 1 autores da vertente norte-americana dariam mais
ênfases a mobilização e recursos proporcionados por estas instituições, salientando desde
recursos financeiro até mesmo o oferecimento de um espaço para a construção coletiva,
além disso descreveria de maneira mais contundente o formato destas instituições,
hierarquias, relações, instrumentos, de maneira que compreendesse melhor o que se passava
nestes ambientes.
Uma outra abordagem interessante a s utilizar para compreender o período seria
Frame em contraposição as Matrizes Discursivas. Frame 9 surgiu por fora da teoria dos
movimentos sociais, mas que ao fim da década de oitenta é incorporado por essa literatura,
principalmente, pela literatura norte-americana que tenta dar conta dos aspectos culturais
que envolvem a ação coletiva. A utilização de Frame em um período com este, analisado
por Sader, seria de grande interesse, pois conseguiria observar não apenas o discurso de um
período, mas daria um caráter de temporalidade no sentido que consegue pegar as
transformações nos discursos como mudanças de estratégias para alcançar os seus
objetivos. Tendo assim um caráter muito mais dinâmico que o conceito de Matriz
Discursiva.

Capítulo 4

Neste capítulo, Sader, trata de quatro movimento que ocorreram na grande São Paulo:
Os clubes de mães na periferia de São Paulo, a oposição metalúrgica de São Paulo, o
movimento de saúde na periferia da zona leste e o sindicato dos metalúrgicos de São
Bernardo. Não tratarei deste capítulo com mais detalhes para entrar no caso que estudarei
aqui, o movimento de saúde de São Paulo, pois acredito esse ser um caso ao qual Sader
utiliza na prática diversos de seus instrumentos analíticos, conseguindo assim fechar
estetrabalho.
Para Sader a construção deste movimento se dá no encontro de dois agentes que
tiveram a intervenção decisiva: o primeiro é a igreja, através das CEBs, levando as
primeiras noções de cidadania, de luta e de direitos; já o segundo são os médicos
sanitaristas, ensinando mecanismos concretos para a população, interessada na em
reivindicar a saúde pública, pudesse pressionar as autoridades públicas, além de levar as
primeiras noções de prevenção a doenças e cuidados.

9
Ver: Snow, D. A. and Benford, R. D. "Ideology, frame resonance and participant mobilization" in
International Social Movement Research v. 1. 1988
Os primeiros médicos a chegar à periferia foram os Sanitaristas devido a sua
formação de lidar com comunidades e saneamento básico. Isso o fez ter mais contato com a
população mais pobre e ter um perfil de esquerda. Essa conjunção de fatores fez deles
pioneiros a organizar junto às organizações populares o movimento de saúde no final da
década de setenta.
A movimentação sobre a questão da Saúde dá os seus primeiros passos no Jardim
Nordeste na região leste da cidade. Neste bairro, e na maioria dos bairros, desde o início
nota-se a predominância de mulheres no movimento, isso ocorre devido à responsabilidade
a qual elas têm pela saúde dos filhos e da família.
Inicialmente, com ajuda da CEB, a população deste bairro inicia a organização da
Comissão de custo de vida, para fiscalizar a subida dos preços que estavam em constante
elevação devido à crise econômica que começava a apontar no Brasil. Mas com o passar do
tempo descobriu-se que a maior necessidade era um posto de saúde. No momento desta
constatação resolveram fazer um abaixo assinado para a instalação de um posto nesta
região.
Com o passar do tempo observou-se que o abaixo assinado não teve nenhum efeito
sobre as autoridades. Os estudantes de saúde pública, vendo a situação resolveram ajudar a
comunidade passando a explicar a importância de prevenir doenças e do atendimento
público. Mas isto era insuficiente, então, os sanitaristas, resolveram ajudar a população
lutar para conquistar posto de saúde na região.
Mas para isso era necessário mobilizar os moradores. Então resolveram construir um
grupo de saúde para organizar o processo no bairro, que apesar da constante pressão da
igreja que gostaria de transformar a comissão de saúde em uma pastoral, ela se manteve
laica para poder comportar qualquer credo ou religião.
Então como primeira atividade lançaram um jornalzinho, com o dinheiro arrecadado
na comunidade, que tinha como função alertar sobre problemas de saúde e expor a
importância da saúde pública para toda a população local. Em fim, com esta iniciativa,
conseguiram juntar cerca de 150 mães para ir até a secretária de saúde pressionar o
secretário que lhes promete um posto, caso eles disponibilizassem uma casa. Apesar da
entrega de um espaço para a construção do posto, ele não veio. Constatando isto, eles
passaram a se mobilizar constantemente para a conseguir um posto de verdade.
Quando conquistaram não se contentaram com o atendimento e voltaram a
reivindicar, mas agora por melhores atendimentos. Com todos esses problemas viram que a
solução era organizar um conselho para fiscalizar e planejar atuação do posto. Apesar de
inicialmente as autoridades não reconhecerem um conselho eleito pelos próprios
moradores, com o passar do tempo e o fortalecimento dos conselhos eles passaram a ser
reconhecidos. Conquistando assim o direito de fiscalizar e participar do planejamento do
posto, com ampla autonomia, diferente de alguns que já existiam apenas de fachada.
Após isso, começaram a aparecer pelo resto da zona leste esse conselhos. Como o
Sarcado e Castro definem a importância desta primeira conquista: “Essa experiência foi
progressivamente a outros bairros da zona leste e marcou a oficialização e a implantação
dos Conselhos Populares de Saúde na cidade de São Paulo. 10” Apesar do movimento mais
forte se estalaram conselhos em todas as outras regiões, cada uma com suas
especificidades.

10
Sacardo, Gislaine A.; Castro, Iracema Ester do N. Conselhos de Saúde. São Paulo, Instituto Polis / PUC-SP,
2002. Pg. 13-14.
A região Sudeste teve um percurso e uma ligação muito próxima ao movimento de
saúde da zona leste. Já na região norte o movimento ganhou corpo nos movimentos contra a
ditadura, por saneamento básico, pelo abastecimento de água e por equipamentos de saúde,
sempre obtendo ajuda do MDB e da igreja católica. Já na região Sul a potencialização do
movimento se deu com a ajuda da oposição sindical metalúrgica, as CEBs e os Clubes de
Mães da região, as principais reivindicações foi o abastecimento de água e saneamento. Já
na zona oeste o movimento se deu com base no movimento operário na luta pelo meio
ambiente e contra a instalação de um lixão na região, além do saneamento básico. E assim
os conselhos se espalham pela cidade antes da constituição de 1988.

Bibligrafia:

Cardoso, R.. Os movimentos sociais na América Latina. Revista Brasileira de Ciências


Sociais, São Paulo, v.3, n.1, 1987.

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