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As Primeiras Notícias de Ouro e a Carta Régia de 1603

Notícias de ouro na Colônia, em São Vicente, surgiram no final do século XVI. Entretanto,
a exploração não foi levada adiante por ser de pequena monta.

A Carta Régia de 15 de agosto de 1603 legislou sobre o assunto, estabelecendo um


princípio, consagrado posteriormente, que liberava a exploração das minas, reservando-
se a Coroa o quinto de todo o ouro encontrado.

As notícias sobre a exitência de ouro pareciam confirmar as opiniões de muitos que,


naquela época, entendiam haver metal precioso na América portuguesa, como havia na
América espanhola.

Há controvérsias quanto aos primeiros achados, atribuídos a Borba Gato, genro


de Fernão Dias, que, em 1695, na área do Rio da Velhas, teria obtido êxito na procura do
metal precioso.

"As Minas Gerais ". A Corrida para o Eldorado

As notícias logo se espalharam, alcançando Lisboa. Portugal vibrou frente às


possibilidades de aliviar, pelo menos momentaneamente, sua crise financeira e
econômica.

Novos interesses e atenções passaram a ser dispensados à Colônia americana: com o


ânimo voltado para o ouro, uma multidão lançava-se à procura de ribeirões auríferos
nos sertões.
Nos primeiros anos do século XVIII, o padre jesuíta Antonil, informado sobre os
acontecimentos naqueles sertões longínquos, observou: "a cada ano vêm nas frotas
quantidades de portugueses e de estrangeiros, para passarem às minas. Das cidades,
vilas, recôncavos e sertões do Brasil vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de
que os paulistas se servem. A mistura é de toda condição de pessoas : homens e
mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e
religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa."

O ouro encontrado era, em grande parte, de aluvião. Depositado nos cursos e margens
dos rios, riachos, e em terrenos superficiais, não exigia técnicas especiais, grandes
investimentos e nem pessoal especializado para sua extração.

Por conta disto, e também pela cobiça que a descoberta das minas de metais preciosos
despertava no espírito daqueles homens, houve uma corrida desordenada para os locais
das descobertas, que ficaria conhecido como "Minas Gerais", assim conhecido por reunir
diferentes jazidas.
Dizia-se, então, que nas Minas não havia justiça, nem governo, apenas "montanhas de
ouro".

O Regimento para as Minas. A Intendência das Minas

A Coroa portuguesa tratou de agir buscando controlar, aos poucos, aquela área. Institui,
em 19 de abril de 1702, o Regimento do Superintendente Guarda Mores e Oficiais para as
Minas de Ouro, estabelecendo a autoridade real na administração da atividade
mineradora.

A propriedade anterior não foi questionada, uma vez que as descobertas ocorreram em
terras ainda não ocupadas pelos colonizadores e colonos.
No Regimento, mantido com algumas alterações até o Império, criava-se o cargo do
Intendente das Minas, cujas atribuições independiam das outras autoridades coloniais, só
prestando contas e obediência ao governo da Metrópole. Entre as múltiplas funções cabia
a este administrador, que na maioria das vezes desconhecia a mineração, a cobrança
do quinto, assim como a supervisão de todos os serviços executados nas lavras (terreno
de onde se extraía metais e pedras preciosas).

A Intendência tinha também como responsabilidade a distribuição das datas,


terrenos auríferos demarcados em lotes. Ao descobridor da jazida cabia o
direito de escolher a sua data. Esta variava de tamanho de acordo com o
número de escravos que o minerador possuísse. Assim, eram dadas 2 �
braças (antiga medida linear de comprimento, equivalente a cerca de 5,5 .m2)
por escravo, até o máximo de trinta. Este sistema de distribuição era excludente.
Privilegiava os indivíduos de maiores posses: quem fosse proprietário de um maior
número de cativos, teria uma data maior.

Onde houvesse extração de ouro criava-se uma Intendência cuja atribuição, com o tempo,
reduziu-se a cobrar o quinto e a fiscalizar os descaminhos do ouro, atividade para a qual
estava bem aparelhada.

A Guerra dos Emboabas


O rápido e caótico povoamento do território das Minas logo provocou problemas. Não era
fácil chegar àquela área, o que tornava complexo o abastecimento que vinha de longe.
Faltavam escravos, utensílios diversos, animais de carga. Tudo isso acrescido aos
perigos dos caminhos nem sempre bem guardados.

Desordem e insegurança associadas serviram de pano de fundo para a chamada Guerra


dos Emboabas.

Nesses conflitos pelo controle das Minas enfrentaram-se, de um lado, os paulistas -


descobridores daquela área - e, do outro, os "emboabas", gente chegada às Minas após
os paulistas terem se estabelecido ali.

Outros interesses estiveram em jogo, em um território onde a autoridade real desejava se


fixar rápida e definitivamente. A disputa pelo monopólio do comércio de gêneros, por
exemplo, gerava desentendimentos com os habitantes das Minas, que pretendiam ver
garantido o abastecimento dos arraiais. A Coroa, que impusera a cobrança de taxas sobre
toda mercadoria que entrasse nas Minas, enfrentava problemas também para reprimir
alguns emboabas que contrabandeavam gêneros alimentícios.

O sangrento conflito, em que o medo, as traições e as vinganças pontuavam como


poderosa artilharia, ao lado de pistolas, facas e setas, terminou em 1709, com a expulsão
dos paulistas da área, abrindo a possibilidade para a ação da Coroa portuguesa naquele
território. Formava-se a região das Minas.
Os Núcleos Urbanos e a Região das Minas

Tornava-se urgente confirmar a autoridade real na região que estava se formando,


através de medidas que garantissem a arrecadação dos tributos e a organização do
povoamento das Minas. Isto implicava estabelecer regras para enfrentar o contrabando,
garantindo o recebimento dos tributos que a Coroa considerava seus, assim como
transformar os acampamentos em núcleos urbanos capazes de abrigar o aparelho
burocrático composto por administração e justiça.

Estas medidas visavam subordinar mais diretamente a região mineradora ao centro de


decisão metropolitano, assegurando o que a Coroa entendia como sendo "lei e ordem" .
Com o fim do conflito dos Emboabas, a criação da capitania real de São Paulo e Minas do
Ouro, em 1709, desmembrada da capitania do Rio de Janeiro era uma tentativa de
integrar a região das Minas à administração colonial controlada pela Metrópole
portuguesa.

O governador desta capitania real, Antônio de Albuquerque, foi designado diretamente por
Lisboa e investido de plenos poderes pelo rei, em 9 de novembro de 1709. Iniciava-se o
controle efetivo da atividade aurífera pelas autoridades reais portuguesas.

Cabia ao governador a responsabilidade de ordenar melhor a população, fundando vilas,


e de neutralizar eventuais conflitos aplicando medidas punitivas.

O Monopólio Régio e os Tributos

A ação fiscal tinha enorme significado para Portugal, pois o que era arrecadado sob forma
de tributos destinava-se ao sustento da corte, financiava a construção de obras
grandiosas (igrejas, conventos, palácios) e pagava as inúmeras dívidas contraídas,
especialmente com a Inglaterra.
Fiscalizar e controlar, evitando o contrabando, não era tarefa fácil. Eram inúmeras as
dificuldades. A região mineradora encontrava-se no interior da Colônia, em um território
cercado por serras e matas. Para diminuir o contrabando foram montadas barreiras nos
três caminhos: de São Paulo a Minas Gerais, passando pelo Rio de Janeiro, chamado de
Caminho Antigo; do Rio de Janeiro para Minas Gerais, denominado Caminho Novo; e o
que ligava a Bahia a Minas Gerais, conhecido como Caminho do Sertão Geral. Isto não
resultou no efeito desejado já que os contrabandistas sempre achavam uma forma de
evitar a fiscalização.

Outras medidas foram tentadas como, por exemplo, a cobrança de tributos de acordo com
o número de escravos que o minerador possuísse - a "capitação". Isto gerou inúmeros
protestos, até a revogação da medida, já que a propriedade de muitos escravos não
significava, necessariamente, a extração de grande quantidade de ouro.

As Casas de Fundição

O rei de Portugal, então, determinou a instalação das Casas de Fundição, subordinadas à


Intendência. Nelas, todo ouro extraído em pó ou em pepitas, seria fundido e "quintado"-
ou seja, retirados os 20% correspondentes ao quinto real. As barras obtidas eram
cunhadas, comprovante do pagamento do tributo, e devolvidas ao portador
acompanhadas de um certificado de origem, confirmando o cumprimento das
formalidades legais.

O estabelecimento dessas Casas de Fundição não foi bem aceito pela população da
capitania onde se localizavam as minas. Falava-se que os mineradores alarmados com a
ação fiscal, sentiam-se cada vez mais insatisfeitos e inseguros.

A Coroa, por sua vez, visando assegurar o controle daquela região, criou juntas de
julgamento. Além disso enviou, em 1719, duas "Companhias de Dragões" - forças
militares profissionais provenientes do norte de Portugal - com a finalidade de controlar os
escravos, escoltar o transporte de ouro e reprimir distúrbios . Nessa época também foram
criadas milícias para enfrentar casos de emergência. Embora formadas, principalmente
por brancos contavam nas sua fileiras, com ex-escravos, negros e mulatos.

A pesada ação fiscal também atingia o Distrito Diamantino onde, a partir de 1729,
no arraial do Tijuco, iniciava -se a extração de diamantes. Naquele território ocorriam
constantes casos de arbitrariedades e violência. A Coroa estabelecia que a extração de
diamantes era negócio exclusivo dela e tentava, através de uma ação rigorosa e enérgica,
proceder à cobrança de tributos e evitar o contrabando.
Neste contexto, aumentavam os protestos entre os mineradores, e a preocupação entre
os contrabandistas , ante a avidez e ao controle do fisco.

O Levante de Vila Rica

Em 1720 a insatisfação crescente levou à revolta conhecida como o Levante de Vila Rica.

O governador da região, Conde de Assumar, estrategicamente recebeu alguns revoltosos


- homens ricos e importantes -, fingindo aceitar as principais exigências que faziam : não
instalar as Casas de Fundição e diminuir o número de tributos. Em seguida , prendeu
todos os implicados punindo-os com rigor e violência. O líder do movimento, Felipe dos
Santos, foi enforcado e esquartejado.

Após a vitória sobre os revoltosos, no mesmo ano, o rei ordenou a separação da capitania
de São Paulo e de Minas Gerais, consolidando-se a autoridade real sobre as "Minas
Gerais."

A Sociedade Mineradora
Desta estrutura social diferenciada faziam parte os setores mais ricos da população - chamados
"grandes" da sociedade - mineradores, fazendeiros, comerciantes e altos funcionários, encarregados d
administração das Minas e indicados diretamente pela Metrópole.

Compunham o contingente médio, em atividades profissionais diversas, os donos de vendas,


mascates, artesãos (como alfaiates, carpinteiros, sapateiros) e tropeiros. E ainda pequenos roceiros
que, em terrenos reduzidos, entregavam-se à agricultura de subsistência. Plantavam roças de milho,
feijão, mandioca, algumas hortaliças e árvores frutíferas. Também faziam parte deste grupo os
faiscadores - indivíduos nômades que mineravam por conta própria. Deslocavam-se conforme o
esgotamento dos veios de ouro. No final do século XVIII, esta camada social foi acrescida de elemento
ligados aos núcleos de criação de gado leiteiro, dando início à produção do queijo de Minas.
Incluíam-se também nessa camada intermediária os padres seculares. Na Colônia, poucos membros
do clero ocupavam altos cargos como, por exemplo, o de bispo. Este morava na única cidade da
capitania: Mariana.

Por outro lado, crescia na capitania real o número de indivíduos sujeitos às ocupações incertas.
Vivendo na pobreza, na promiscuidade e muitas vezes no crime, não tinham posição definida na
sociedade mineradora. Esta camada causava constante inquietação aos governantes. Ela era
geralmente composta por homens livres: alguns brancos, mestiços ou escravos que haviam conseguid
alforria.

O Estado, percebendo a necessidade de agir junto a essa


população incapaz de prover seu próprio sustento,
associou a repressão à "utilidade". O encargo que
eventualmente representava transformava-se, através do
castigo, em trabalhos diversos e, consequentemente, em
"utilidade".

Esta população, entendida como de "vadios",


recrutada à força ou em troca de alimento, foi utilizada em
tarefas que não podiam ser executadas pelos escravos,
necessários ao trabalho da empresa mineradora. Era
frequente a ocupação destes que eram vistos como
desclassificados sociais na construção de obras
públicas como presídios, Casa da Câmara, entre outras.
Também compuseram corpos de guarda e de polícia privad
dos "Grandes" da sociedade mineradora, ou ainda se
empregavam como capitães-do-mato. Em outras
situações, como na disputa pela posse da Colônia do
Sacramento, participaram dos grupos militares que
guardavam as fronteiras do Sul.

Os escravos, ali como de resto em toda a Colônia, representavam a força de trabalho sobre a qua
repousava a vida econômica da real capitania das Minas Gerais. Vivendo mal alimentados, sujeitos a
castigos e atos violentos, constituíam a parcela mais numerosa da população daquela região.

Isto gerava uma constante preocupação para as autoridades já que, apesar da repressão cruel,
não eram raras as tentativas de levantes escravos e a formação de quilombos, como o do Ambrósio e
Quilombo Grande. A destruição de ambos, em 1746 e 1759 respectivamente, não impediu que
ocorressem outras fugas e a formação de novos quilombos.

"Vila Rica, Vila Pobre"

A sociedade mineradora não era constituída, apenas, por senhores e escravos. O grande
fluxo de pessoas na direção do Eldorado produzia um variado mosaico social, formado
também de padres, advogados, artesãos, burocratas e militares.

Esta diversificação de atividades produzia a uma impressão de que, na sociedade


mineradora, as riquezas e as oportunidades eram acessíveis a todos. A vida dessa região
gerava o comércio com outras partes da Colônia, desenvolvia núcleos urbanos,
estabelecia o aparelho burocrático e militar, embelezava os altares das igrejas, sustentava
as despesas do Reino protuguês. O metal precioso, contudo, não enriquecia as Minas do
século XVIII, que foi uma região pobre. A maior parte ia para a Metrópole sob a forma de
tributos ou permanecia entesourada em forma de obras de arte. Por outro lado, gastava-
se muito importando gêneros, adquirindo mão-de-obra escrava para o trabalho em lavras
nem sempre de teor aurífero significativo.

O número crescente de alforrias na região mineradora, resultava mais das dificuldades


enfrentadas pelos senhores do que do desejo da formação de uma sociedade igualitária.

A riqueza estava nas mãos de um número limitado de pessoas naquela sociedade


aparentemente próspera.

Vila Rica, por exemplo, uma das primeiras vilas da região, fundada em 1711, havia
crescido na metade do século XVIII. Sua população alcançava cerca de 20 mil pessoas,
quantidade considerada grande naquela época. Entretanto, a maioria era de negros e
mulatos pobres vivendo em uma estrutura social onde riqueza e opulência eram apenas
aparência...

O historiador Eduardo Frieiro referiu-se à Vila Rica como "Vila Pobre". Entendia nunca ter
havido tal opulência "a não ser na fantasia, amplificadora de escritores inclinados às
hipérboles românticas (...) A realidade foi bem diversa."

A Expansão do Comércio Local

Inicialmente, a população das minas, com o olhar voltado para o enriquecimento rápido,
concentrava suas energias na descoberta e na exploração de jazidas auríferas.
Mineradores e escravos dedicavam-se quase que exclusivamente a estas atividades.
Como consequência, sentiu-se a necessidade do abastecimento dos mais diversos
produtos.

Vendas, boticas, estalagens, negras quitandeiras e ambulantes disputavam, em troca das


suas mercadorias e dos seus serviços, o ouro dos mineradores. Contudo, dessa dinâmica
econômica nem todos participavam, já que os produtos eram caros.

Muitas mercadorias chegavam de Portugal através do porto do Rio de Janeiro: vinhos,


biscoitos, tecidos finos, sapatos, utensílios diversos e, sobretudo, escravos.
Outras vinham de diferentes partes da Colônia, articulando, economicamente, as regiões:
feijão, milho e marmelada, da vila de São Paulo; gado, para o abate, trazido da Bahia
pelos tropeiros: bestas e mulas (para transportes pesados), assim como o charque, do
sul; escravos recém-chegados da África, do nordeste açucareiro, ou do Rio de Janeiro.

Muitos comerciantes enriqueceram. Assim, constituíram um grupo social de peso


considerável, com interesses próprios.

Segundo a historiadora Laura Vergueiro, a maioria das grandes fortunas nas Gerais
formou-se devido "mais ao comércio do que à atividade mineradora".

As Vilas e a Cidade de Mariana

Inúmeras vilas, assim como a cidade de Mariana, foram surgindo, nesta época.

Para a Coroa portuguesa a ocupação da região, através de uma rede de núcleos urbanos,
representava a garantia do seu poder.

Por conta disto, na região mineradora predominou a vida urbana, ao contrário do litoral
açucareiro onde predominava a vida rural.

Os centros urbanos estavam relativamente próximos uns dos outros, ocupando áreas
montanhosas, razão da existência de tantas ladeiras nestas vilas. Subindo por elas, em
ruas calçadas e desalinhadas, os escravos malvestidos transportavam mercadorias,
enquanto mineiros e comerciantes ricos, com roupas luxuosas, caminhavam em torno da
praça.

Em meio ao burburinho das ruas e ao barulho ritmado dos cascos dos animais de carga,
as moradias urbanas eram visíveis. Pelo menos na aparência, assemelhavam-se àquelas
das províncias do norte de Portugal, embora tenham recebido algumas adaptações locais.
A arquitetura utilizada nas construções religiosas sofria a mesma influência.

As casas desse período, erguidas com simplicidade técnica pela mão-de-obra escrava,
geralmente possuíam largas fachadas e recebiam cobertura de telhas. As portas eram de
madeira, assim como as janelas - algumas de treliça, preservando a intimidade e
favorecendo a ventilação interna, pois o vidro importado, era caro e quase inexistente.
Através de uma janela entreaberta observavam-se os aposentos internos espaçosos, com
teto alto que arejava o ambiente. Certas casas aproveitavam o espaço do teto para erguer
um outro piso, gerando um novo andar(sobrado). No porão dos sobrados, geralmente
muito úmido, ficavam os escravos. Um outro tipo de habitação era a casa térrea. Com
piso de "chão batido" distinguia-se do sobrado, com piso assoalhado. E ainda havia as
chácaras, situada nos arredores dos núcleos urbanos.

As casas, construídas lado a lado e separadas por paredes finas, não possuíam água
encanada. Os escravos cuidavam deste abastecimento. Falava-se que, no constante
vaivém ao chafariz, os cativos comentavam sobre o cotidiano de seus senhores, além de,
eventualmente, planejarem fugas.
Quando havia algum mobiliário, geralmente importado, era composto por poucas
cadeiras, alguns tamboretes, uma ou outra mesa com banco, caixas baús, assim como
oratórios com imagens de santos. Nos primeiros tempos a precariedade do mobiliário era
atribuída à falta de recursos. Entretanto, muitos entendiam que, naquela época, também
faltavam carpinteiros competentes.

Em meados do século XVIII as primeiras camas começavam a compor o mobiliário


doméstico, mas, de um modo geral, persistia o uso de redes. Estas podiam assumir o
papel de cadeiras, embora fosse comum sentar no chão.

Nas cozinhas, geralmente localizadas fora da casa, no quintal, os utensílios diários eram
de barro, ferro ou pedra-sabão. Aqui e ali, comentava-se que em algumas casas o
proprietário possuía louças e, até alguns talheres que eram raros. Como era comum
comer com as mãos, a curiosidade crescia em relação a esses objetos.

A crescente urbanização, certamente, possibilitou o desenvolvimento de inúmeras


técnicas na construção civil. Também proporcionou uma migração de construtores,
mestres de ofício e artistas para as vilas mineiras.

As Ordens Terceiras

A Coroa não via com bons olhos a presença do clero regular na região. Entendia que
estes religiosos tinham representado um importante papel nos choques e desafios ao
poder real. Agora, suspeitava que eram também responsáveis pelos desvios do ouro e
dos diamantes para fora das capitanias.

Nos anos 20 do século XVIII, as ordens monásticas regulares - jesuítas, franciscanos,


carmelitas - foram expulsas da capitania das Minas Gerais. Conventos e mosteiros não
podiam ser erguidos na região.

Tal determinação incentivou o aparecimento das ordens religiosas leigas, que


representavam grupos de uma sociedade caracterizada por intensa mestiçagem.
Nas décadas de 40 e 50 do século XVIII, os comerciantes ricos e outros "Grandes"
integravam as ordens terceiras do Carmo e de São Francisco. Os pardos e pretos
participavam de outras ordens como a da Nossa Senhora do Rosário (padroeira dos
negros escravos e forros) e a de Nossa Senhora das Mercês, protetora dos mulatos.

A estratificação existente na sociedade mineradora reproduzia-se nestas corporações que


competiam entre si devido à sua composição.

Por seu turno esta rivalidade desempenhava outro importante papel nas Gerais,
patrocinando a construção de muitas igrejas e, estimulando a vida religiosa.

Muitas capelas e igrejas foram custeadas, erguidas e adornadas pelas irmandades. Ao


clero cabia as funções especificamente religiosas como, por exemplo, o batismo, o
casamento, além dos registros de nascimento e testamento.

Construtores, arquitetos, marceneiros, mestres de obras, entalhadores, escultores,


pintores e músicos formavam também, na região, uma geração responsável pelo
desenvolvimento da arquitetura, das artes plásticas e da música
O Barroco Mineiro

Sob o patrocínio das irmandades ocorreu uma transformação nos conceitos artísticos da
Colônia, que sofriam a influência do estilo barroco europeu. Em um momento em que o
estilo neoclássico começava a dominar Lisboa, o barroco era novidade para aquela
região.

Aos poucos, vencendo algumas limitações técnicas e materiais, delineava-se, na


arquitetura, por exemplo, a fisionomia de uma autêntica arte local conhecida como
Barroco Mineiro. Este estilo utilizou, com grande vantagem, materiais típicos, como o
cedro e a pedra-sabão (uma variedade macia da esteatita), adaptando-os às
necessidades das obras.

As primeiras capelas, erguidas nos arraiais auríferos, seguiu-se a edificação de templos


com magníficos altares, tetos pintados e imagens adornadas com ouro e pedras
preciosas.
Surgiram além das igrejas, edifícios públicos e
inúmeras moradias. As inovações artísticas pareciam
acompanhar a vida econômica e financeira de uma
região ilusoriamente próspera.

Nessa sociedade onde, em função da exploração das


minas, crescia o número de escravos negros, a
mestiçagem ocorria frequentemente. Nos anos 70 do
século XVIII era esmagadora a presença de mulatos e
negros na capitania das Minas. Dados da época
davam conta de que, dos cerca de 320 mil habitantes,
60 mil eram brancos. Então eram mulatos muitos
daqueles que participavam desta verdadeira escola
que, nascida de mestres europeus, frutificou e
amadureceu, encontrando sua própria expressão do
"Belo".

Entre eles o mais famoso foi Antônio Francisco Lisboa


(1730/1814), responsável por uma vasta obra na
arquitetura e na escultura, destacando-se com projetos
nas igrejas e nos centros urbanos.

Nascido filho ilegítimo do português Manuel Francisco Lisboa (autor da planta da igreja do
Carmo da Vila Rica) com uma escrava negra, seus trabalhos revelavam o extraordinário
desenvolvimento do Barroco Mineiro. Considerado gênio por muitos, sofria de uma
doença que o deformava - origem do apelido "Aleijadinho" - e, por isto trabalhava com o
martelo e o cinzel amarrados nos braços. Considerava-se um "escultor ornamental" que
utilizava, no exercício de sua arte, o padrão decorativo do entalhe (madeira esculpida).

Entre as suas inúmeras obras, a mais significativa encontra-se na atual cidade de


Congonhas do Campo, no santuário de Nosso Senhor Bom Jesus de Matosinho.

Decorando o interior das igrejas mineiras, simultaneamente desenvolveu-se uma escola


de pintura que, assimilando elementos estrangeiros, soube traduzi-los e adaptá-los às
características regionais.
Um dos seus representantes mais importantes foi Manuel da Costa Ataíde. Retratou no
teto da igreja de São Francisco, em Ouro Preto, a Virgem Maria como uma mulher
morena que, cercada de anjos mulatos, acolhia piedosamente os fiéis em sua glória no
teto da igreja de São Francisco, em Ouro Preto, fugindo aos padrões da pintura européia.

A música, tanto para o serviço religioso quanto para o entretenimento, era utilizada, desde
o tempo da construção dos primeiros arraiais e das primeiras capelas de taipa, no
território das Minas.

Assim como na arquitetura e nas artes plásticas, os músicos, em sua maioria, eram
negros e mulatos, escravos ou libertos, conduzidos por um regente branco, geralmente
um vigário ou padre.

Para os escravos, mesmo os que não tinham qualquer instrução musical, aquela atividade
era muito atraente. Podiam através dela, desfrutar de melhores condições e prestígio e,
se juntassem algum pecúlio, em certas circunstâncias, podiam comprar a alforria.

Nas festas religiosas, aparentemente o grande momento de congraçamento entre as


irmandades, a música estava sempre presente. Os instrumentos mais utilizados eram o
cravo e a flauta.

Entre os vários músicos, como o português padre José Maurício (1752-1815), destacava-
se Antônio de Sousa Lobo, mulato, chamado de "Mestre Capela," que liderava um grupo
muito conhecido e solicitado.
Festas Barrocas: O Triunfo Eucarístico e o Áureo Trono Episcopal

Entre as manifestações que movimentaram a vida social na região das Gerais ficaram
célebres as opulentas festas do Triunfo Eucarístico e do Áureo Trono Episcopal.
Brilhantes e luxuosas, contavam com a participação de grupos vocais, instrumentais e
dançantes. Conforme registros sobre elas, ao lado de peças religiosas eram executadas
obras não religiosas como serenatas e concertos.

A festa do Triunfo Eucarístico foi realizada com pompa e ostentação, em 25 de maio de


1733, quando o Santíssimo Sacramento foi transferido da igreja do Rosário para a matriz
do Pilar de Vila Rica. Expressava o estado coletivo de euforia, celebrando o apogeu do
metal precioso - símbolo temporal de riqueza e de poder - que "iluminava" a aventura
mineradora, no seu apogeu, nas Gerais.

A outra festividade, do Áureo Trono Episcopal, ocorrida em 1748, teve como objetivo
comemorar a criação do bispado de Mariana, com um variado programa de cerimônias
públicas suntuosas. A celebração tinha como personagem principal, mais do que o metal
precioso, a sociedade mineradora, agora com sua própria sede eclesiástica.

As opulentas festas barrocas, Triunfo Eucarístico e Áureo Trono Episcopal, eram


espetáculos visuais: janelas adornadas com colchas de damasco e seda, flores, alegorias,
figuras a cavalo luxuosamente vestidas etc., mascaravam os conflitos sociais. Davam
ilusão, ao integrar no ritual, por exemplo, "pagens mulatinhos" vestidos com pompa e
requinte, que todos participavam das riquezas. Como se a grandeza e a abundância da
empresa aurífera estivessem ao alcance de toda população.
Tais manifestações barrocas, devem ser percebidas como uma forma de dar visibilidade
ao poder da igreja de Roma e do Estado português.

Segundo documentos da época, entre 1733 e 1748, o ouro extraído na região das Gerais
viveu a etapa de maior produtividade. Os dois festejos barrocos serviram para periodizar o
encerramento do apogeu das minas e o lento processo de decadência que, nos anos 70
do século XVIII, já era visível e palpável.

Em meio a estas festividades e procissões religiosas, organizadas pelas Ordens Terceiras


e pelas Irmandades, a população esquecia a rotina e o trabalho diário. Entendidas como
grandes acontecimentos, enfumaçavam as diferenças sociais que separavam os que
produziam as riquezas daqueles que as usufruíam. Bastava olhar o que acontecia nos
caminhos, nas encostas dos morros, nos becos, nas vendas e nas tavernas, para
entender que, atrelada a uma riqueza ilusória, estava a pobreza.

Usando a linguagem do barroco, encobriam os fatos já que, conforme assinalou a


historiadora Laura de Mello e Souza, (...) "o luxo era ostentação pura, o fausto era falso, a
riqueza começava a ser pobreza e o apogeu a decadência."

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