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Embora a abolição da escravidão seja um dos temas mais conhecidos sobre a história do
Império do Brasil, ainda permanecem muitas interpretações ultrapassadas sobre o processo
que levou à proibição do trabalho escravo no país. Uma noção muito comum é ver o fim do
tráfico internacional de escravos como o primeiro passo no sentido da abolição da
escravidão. A questão abaixo, retirada da prova do Enem de 2007, reproduz essa visão:
A questão é bem fácil e identificamos a alternativa D como correta sem muitos problemas,
não apenas porque a Lei Áurea é bem conhecida como conclusão do processo
abolicionista, como ainda porque as demais alternativas podem ser eliminadas pela
observação da linha do tempo apresentada. Mas o que nos interessa aqui é criticar a
própria concepção dessa linha do tempo. Ao incluir a “Lei Eusébio de Queirós” como marco
marco inicial da “Abolição da escravatura”, a questão reproduziu uma série de erros e
interpretações ultrapassadas sobre essa lei e sobre o “fim do tráfico negreiro”.
Abolição do tráfico atlântico vs. Abolição da escravidão
Na questão da página anterior, o fim do tráfico atlântico de escravos aparece como se fosse
um primeiro passo no sentido de acabar com a escravidão. Como veremos a seguir, essa
interpretação é considerada errada pelos historiadores dedicados ao estudo do período por
uma série de razões. O fim do tráfico atlântico já havia ocorrido no Sul do Estado Unidos
havia algumas décadas, e o número de escravos não deixou de crescer, de forma muito
mais acelerada do que no período de importação de escravos da África, através da
reprodução natural da escravaria sulista. No momento de sua independência, em 1783, os
estados do Sul tinham cerca de 500.000 escravos, aproximadamente o número que
permanecia quando o tráfico internacional para o país foi proibido, em 1808. Devido à
grande expansão da lavoura algodoeira estadunidense no período do “Segundo
Escravismo”, o número de escravos alcançou os 4.000.000 às vésperas da abolição da
escravidão no país, por conta da Guerra Civil, em 1865.
Esse exemplo era conhecido pelos escravistas brasileiros, que tinham os Estados Unidos
como um modelo de desenvolvimento na época. Assim, já temos um primeiro indicador de
que o fim do tráfico internacional não implicava nenhuma previsão de fim da escravidão,
podendo, inclusive, significar sua expansão. A opção pela manutenção do tráfico atlântico
no Império do Brasil, tanto durante sua legalidade, até 1831, quanto durante o período de
clandestinidade, até 1854, deve ser compreendida pela pressão política e influência dos
traficantes de escravos, que desde o século XVI controlavam um dos principais setores do
comércio externo na América portuguesa.
Assim, a abolição do tráfico atlântico de escravos foi um processo bastante lento e marcado
por disputas, que tem que ser compreendido no contexto da transferência da Corte
portuguesa para o Brasil, da Independência do Império do Brasil e do Imperialismo britânico
na África. Por sua vez, a abolição da escravidão foi um processo diferente, também lento e
gradual, que deve ser compreendido no contexto da Guerra Civil estadunidense
(“Secessão”) e da Guerra da Tríplice Aliança (“Guerra do Paraguai”). Em ambos os casos,
houve um defesa política da escravidão no Parlamento brasileiro que procurou evitar as
aprovação de medidas mais radicais e defender os direitos dos senhores de escravos.
Os ingleses, bastante prejudicados pelo Bloqueio Continental, tinham urgência na abertura de novos
mercados, sem o que sua economia poderia sucumbir. Para eles, a América era uma espécie de
compensação para as perdas europeias e, assim, sentiam-se no direito de participar como "sócios
preferenciais" dos negócios portugueses. A Inglaterra pressionava D. João, por intermédio de Lord
Strangford, ex-embaixador em Portugal e enviado ao Brasil para tratar da complementação dos
negócios decididos ainda na Europa. As negociações foram demoradas e difíceis, pois D. João sabia
que as pretensões inglesas iam prejudicar os interesses dos antigos colonizadores e dos
comerciantes portugueses, e tentou minimizá-las. Mas diante da inflexibilidade dos ingleses, aqueles
grupos viram cair por terra seus antigos privilégios e monopólios.
Fonte: http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/presenca_inglesa.html
Sua Magestade El-Rei do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, Adherindo aos Principios que
Manifestaram na Declaração do Congresso de Vienna de 8 de Fevereiro de 1815; e Desejando
Preencher fielmente [...] as mutuas Obrigações, que Contractaram pelo Tratado de 22 de Janeiro de
1815, emquanto não chega a epoca em que, [...] o tempo em que o Trafico de Escravos deverá cessar
inteiramente, e ser prohibido nos Seus Dominios; E Sua Magestade El-Rei do Reino Unido de Portugal,
do Brazil, e Algarves, Tendo-se obrigado [...] a Dar as providencias necessarias para impedir aos seus
Vassalos todo o Commercio illicito de Escravos; e Tendo-se Sua Magestade El-Rei do Reino Unido da
Grã-Bretanha e Irlanda obrigado da Sua Parte a adoptar, [...] as medidas necessarias para impedir, que
os Navios Portuguezes que se empregarem no Commercio de Escravos segundo as Leis do seu Paiz, e
os Tratados existentes, não soffram perdas e encontrem estorvos da parte dos Cruzadores Britannicos:
Suasditas Magestades Determinaram Fazer uma Convenção para este fim [...]
ARTIGO I
O objecto desta Convenção é, por parte de Ambos os Governos vigiar mutuamente que os seus
Vassalos respectivos não façam o Commercio illicito de Escravos. As Duas Altas Partes Contractantes
Declaram, que Ellas consideram como Trafico illicito de Escravos, o que, para o futuro, houvesse de se
fazer em taes circumstancias como as seguintes, a saber:
1º Em Navios e debaixo de Bandeira Britanica, ou por conta de Vassallos Britannicos em quaquer
bandeira que seja.
2º Em Navios Portuguezes em todos os Portos ou Paragens da Costa d'Africa que se acham prohibidas
em virtude do Artigo 1 do Tratado de 22 de Janeiro de 1815.
3º Debaixo de Bandeira Portugueza ou Britannica, quando por conta de Vassallos de outra Potencia.
4º Por Navios Portuguezes que se destinassem para um Porto qualquer fóra dos Dominios de Sua
Magestade Fidelissima.
ARTIGO II
Os Territorios nos quaes, segundo o Tratado de 22 de Janeiro de 1815, o Commercio dos Negros fica
sendo licito para os Vassalllos de Sua Magestade Fidelissima, são:
1º Os Territorios que a Corôa de Portugal possue nas Costas d'Affrica ao Sul do Equador, a saber; na
Costa Oriental da Africa, o Territorio comprehendido entre Cabo Delgado e a Bahia de Lourenço
Marques; e, na Costa Occidental, todo o Territorio comprehendido entre o oitavo e decimo oitavo gráo de
latitude meridional.
2º Os territorios da Costa d'Affrica ao Sul do Equador sobre os quaes Sua Magestade Fidelissima
declarou reservar seus Direitos, a saber;
Os territorios de Molembo e de Cabinda na Costa Oriental da Africa, desde o quinto gráo e doze
minutos o até oitavo de latitude meridional.
Fonte:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/carlei/anterioresa1824/cartadelei-39430-8-novembro-1817-569614-p
ublicacaooriginal-92834-pe.html
O Artigo I estipulou que “acabados três anos depois da troca de ratificações deste Tratado,
não será lícito aos súditos do Império do Brasil fazer o comércio de escravos na Costa da
África, debaixo de qualquer pretexto, ou maneira qualquer que seja”. O tráfico negreiro, que
por três séculos havia se constituído em atividade legítima, principal fonte de mão de obra
na colônia e dominada pelos homens de negócio mais influentes e respeitáveis, passava a
ser considerado pirataria no novo país. Foi também previsto o estabelecimento de uma
Comissão Mista entre Brasil e Grã-Bretanha, nos moldes da que existia com Portugal, para
julgar as apreensões de navios envolvidos no comércio ilícito e decidir sobre o destino da
carga humana.
A previsão seria o tráfico de escravos para o Brasil acabar a partir de março de 1830. No
entanto, naquele ano, o governo de D. Pedro I atravessava um período de crise, motivada,
entre outros fatores pela derrota na Guerra da Cisplatina, que levou à perda do território
desta província, que virou a República Oriental do Uruguai. A aproximação do final do prazo
estabelecido para o tráfico atlântico levou ao crescimento desse comércio, com as lavouras
escravistas brasileiras aproveitando enquanto podiam abastecer seus plantéis de cativos. A
maior procura também levou a um aumento dos preços, de maneira que o comércio passou
a oferecer ainda maiores lucros a quem o praticava. Neste cenário, D. Pedro I não teve
força para acabar com o tráfico e essa tarefa ficou para ser empreendida para o primeiro
governo do Período regencial, após a abdicação do imperador, em 7 de abril de 1831.
Por meio da Lei de 7 de novembro de 1831, o governo da Regência Trina declarou livres
todos os escravos vindos de fora do Império e impôs duras penas a todos os importadores
de escravos envolvidos no comércio ilegal. Esta lei foi chamada à época de “Lei Feijó”,
como referência ao então Ministro da Justiça, e futuro regente, Pe. Diogo Feijó, mas ela
ficou conhecida mesmo como “lei para inglês ver” (dando origem a uma expressão ainda
usual nos dias de hoje para nos referirmos aquilo que é feito para constar, mas não para ser
aplicado). Este apelido foi dado à lei porque, embora tenha diminuído sensivelmente o
comércio de escravos após 1831, em comparação ao que era praticado desde 1827 até
então, este nunca acabou de fato e, na verdade, começou a crescer a partir de 1834.
Inicia-se um período de tráfico ilegal de escravos para o Império do Brasil que duraria mais
duas décadas, devido à impunidade com relação ao contrabando e a crescente demanda
das plantações de café no Vale do Paraíba durante o apogeu do “Segundo Escravismo”.
Os dados acerca do tráfico legal e ilegal de escravos, não apenas para o Brasil, como para
todas as Américas, têm sido constantemente atualizados pelos historiadores e é possível
consultar as estatísticas no banco de dados organizado pelo historiador David Eltis, com
colaboração de diversos pesquisadores, o The Trans-Atlantic Slave Trade Database ,
disponível para consultas no site do projeto Slave Voyages: https://www.slavevoyages.org/
Vemos na tabela 2 que a primeira metade do século XIX, que corresponde ao período de
formação e apogeu do “Segundo Escravismo” apresentou os maiores número para o tráfico
de africanos escravizados para a América portuguesa ou Brasil. Por mais que durante boa
parte desse período (1831-1850) esse comércio fosse ilegal, o contrabando não diminuiu,
tendendo a crescer e ultrapassou durante os períodos de 1836-39 e 1846-49 os números de
escravos introduzidos no país durante o período da legalidade, como é possível ver na
tabela 1, ficando acima de 50 mil escravos por ano.
Tabela 1 - Africanos escravizados introduzidos no Brasil pelo tráfico ilegal
1
O primeiro índice refere-se às crianças e o segundo aos adultos.
2
Dados referentes ao período de atuação da Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba.
Fonte: RODRIGUES, Jaime. O infame comércio. Campinas: Ed. UNICAMP, 2000, p. 215.
A tabela 4 apresenta os dados mais atualizados para todo o período do chamado “Segundo
Escravismo” e também corrobora dois argumentos importantes apresentados: a) apenas
durante os anos imediatamente antes da proibição do tráfico (1826-1830) houve um número
de africanos embarcados em navios negreiro equivalente aos períodos de 1836-1840 e
1846-1850; b) a mortalidade aumentou após o período de proibição, tornando-se
praticamente o dobro do que era no período de legalidade.
Somente pelos dados obtidos em documentos históricos que deram origem à base de
dados Slave Voyages, temos um total de 793.209 desembarcados de forma ilegal no Brasil,
dos 965.213 africanos escravizados embarcados pelos contrabandistas na África. Isso
significa que pouco mais de 170 mil africanos foram mortos e quase 800 mil foram
ilegalmente escravizados no país, fora seus descendentes, que já deveriam ter nascido
livres no país. Apenas cerca de 11 mil desses africanos ilegalmente escravizados foram
declarados “livres” por causa da apreensão dos navios usados no contrabando ou, menos
frequentemente, denúncias e apreensões feitas em terra, após o desembarque.
O trabalho compulsório de africanos livres foi pela primeira vez previsto quanto a Corte
portuguesa do Rio de Janeiro expediu em 26 de janeiro de 1818 um alvará que impunha
penalidades aos eventuais transgressores e determinava que os africanos importados
ilegalmente como escravos e declarados livres seriam utilizados no serviço público ou
alugados a particulares pelo prazo de catorze anos. O serviço era justificado pela
necessidade de alimentar, vestir, doutrinar e ensinar ofício ou trabalho ao liberto, podendo
ser reduzido esse prazo àqueles “que por seu préstimo e bons costumes se fizerem dignos
de gozar antes dele do direito à liberdade”.
Tendo em mente estas questões é possível entender porque os africanos livres viveram,
nas palavras de Robert Conrad, “uma espécie de purgatório legal (e ilegal) entre a
escravidão e a liberdade”, além das maneiras pelas quais a sociedade escravista brasileira
incorporou uma categoria social que lhe era estranha. Assim, houve um esforço no sentido
de reformular as justificativas legais para exploração do trabalho compulsório de africanos,
mesmo no caso em que se comprovasse o crime de reduzir pessoa livre à escravidão. O
período também foi marcado pela demanda por mão de obra para a expansão da lavoura e
as obras públicas, sobretudo de infraestrutura para os transportes. Nesse sentido, tanto a
mentalidade escravocrata dos arrendatários de africanos livres e dos legisladores e
governantes quanto o contexto econômico específico aparecem como determinantes no
processo de sujeição desses homens e mulheres por tanto tempo a um forma de trabalho
análoga à escravidão.
Por um lado, a tarifa Alves Branco aumentou a arrecadação de impostos pelo governo
imperial e estimulou o surgimento de novas atividades manufatureiras no Brasil. Por outro
lado, provocou o descontentamento dos comerciantes britânicos, cuja reação foi pressionar
seu Parlamento para tomar medidas mais duras de repressão ao contrabando de escravos
para o Brasil. Assim, foi aprovado em 1845 o chamado Bill Aberdeen, que autorizava a
marinha britânica a afundar ou capturar os chamados “tumbeiros”. Ao invés desta ameaça
levar ao fim do contrabando, provocou um novo aumento, como vemos na tabela 1.
Importantes mudanças haviam ocorrido na estrutura do tráfico atlântico desde que este
havia se tornado uma atividade ilegal no Brasil. Grandes traficantes do período colonial e do
Primeiro Reinado, haviam deixado o comércio e transferido seus negócios para outras
atividades, investindo em fazendas de café e escravos, por exemplo. O comércio antes
dominado por brasileiros passou a ser feito principalmente por estadunidenses e
portugueses. Embora desde 1820 a legislação dos EUA tivesse se tornado mais severa
contra o contrabando de escravos para o país, que passou a ser considerado pirataria e,
portanto, passível de pena de morte, os traficantes da Nova Inglaterra continuaram a poder
fabricar os “tumbeiros” e tenderam a dominar o contrabando para o Brasil e para Cuba.
Diante desse cenário internacional, tornou-se impossível revogar a lei de 1831 e legalizar a
propriedade escrava ilegal, como muitos senhores desejavam. Por outro lado, a lei de 1831
era muito severa para ser aplicada, já que considerava todos os envolvidos no contrabando
como “importadores”, desde a tripulação até os financiadores, responsáveis pelo
desembarque e os compradores. Daí que o político conservador, Euzébio de Queiroz
Mattoso Câmara, antigo chefe de polícia da Corte envolvido no contrabando, foi convidado
para ser Ministro da Justiça e ficar responsável por elaborar uma lei mais branda que
pudesse ser aplicada. Na apresentação do seu relatório anual à Assembleia Geral no ano
de 1850, o ministro procurou defender diante dos deputados e senadores que fosse feita
uma diferença entre “introdutores” e “compradores”:
O tráfico de Africanos tem até hoje zombado das diligências contra ele empregadas; entretanto
os compromissos a que nos achamos ligados altamente reclamam medidas prontas e eficazes
para reprimi-lo.
Atendendo à natureza do tráfico, às circunstâncias que o revestem, às dificuldades e
embaraços de sua repressão, fácil é reconhecer que para consegui-la é indispensável
distinguir quanto à penalidade, e sobretudo quanto à forma do processo duas fases muito
diversas de sua existência, o transporte e desembarque dos Africanos, ou a sua introdução no
país; e depois sua compra aos introdutores.
Dirigir contra estes os meios da mais eficaz repressão é, além de justo, por serem eles os
verdadeiros autores do crime e seus provocadores, também político, porque divide os
interesses protetores da impunidade, e procura para a repressão do tráfico, o poderoso apoio
da opinião pública.
Pode-se dizer que a maneira pela qual o governo buscou conquistar o apoio da opinião
pública foi tornar a lei de 1831 mais branda, de maneira que a atuação mais vigorosa contra
os envolvidos apenas na primeira fase, os “introdutores” e “verdadeiros autores do crime”,
fosse mais aceita pelos envolvidos na segunda fase, os “compradores”. No entanto, o
ministro da Justiça apresentava essa flexibilização como sendo mais eficaz e, portanto,
mais dura no combate ao tráfico. Curioso que Euzebio de Queiroz é o único ministro em
todo o período analisado a defender que o governo atuasse no sentido de uma
“interiorização” da escravidão. Propunha proibir a aquisição de novos escravos no litoral e
convencer a população e as autoridades dessas cidades a venderem seus escravos para as
fazendas do interior como meio de supri-las de mão de obra e tornar impossível o tráfico.
Por isso, a “Lei Euzébio de Queiroz” (lei n° 581, de 4 de setembro de 1850) acabou
consolidando essa diferença entre “introdutores” e “compradores”. Os compradores
acabaram ficando fora da definição de importadores na nova lei, como podemos ver pelos
artigos abaixo:
Euzebio de Queiroz usou todo o seu conhecimento sobre o tráfico ilegal com o qual foi
conivente durante muitos anos para combatê-lo durante o período em que foi ministro da
Justiça, quando sua supressão se tornou necessária à manutenção da soberania política do
Império. O ministro ainda imprimiu um novo rumo à questão dos africanos livres, acabando
com o arrendamento de serviços a particulares e alocando todos no serviço público.
Após a aprovação da lei de 4 de novembro de 1850, que ganhou o nome do ministro, já não
era permitido arrendar os serviços a particulares, o que levou a um grande número de
africanos distribuídos no serviço público. Essa determinação garantiu que, diante da
iminente supressão daquela fonte de mão de obra escrava ilegal e de africanos livres, o
governo optou por explorar durante o máximo tempo o trabalho compulsório de africanos
livres. Uma vez que o decreto de 19 de novembro de 1835 estipulou um período máximo de
catorze anos para o arrendamento a particulares, antes da emancipação definitiva, mas não
determinou limite para seu emprego no serviço público, a disposição da “Lei Euzébio de
Queiroz” limitou a perspectiva de emancipação africanos livres. Assim, durante o período
1849-1855, o uso de africanos livres nas obras públicas configurou-se numa importante
política pública de trabalho compulsório nas obras públicas, especialmente, no setor de
transportes.
Referências bibliográficas
BERTIN, Enidelce. Os meia-cara: Africanos livres em São Paulo no século XIX. São Paulo, 2006.
Tese (Doutorado em História Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo.
BLACKBURN, Robin. The American Crucible: Slavery, emancipation and human rights. London/New
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BRASIL (Ministério da Justiça). Ministro (Mattoso Camara). Relatorio da Repartição dos Negocios da
Justiça apresentado á Assembléa Geral Legislativa na 1ª sessão da 8ª legislatura em 1850 pelo
respectivo Ministro e Secretario d’Estado Euzebio de Queiroz Coitinho Mattoso Camara. Rio de
Janeiro: Typ. do Diario de N. L. Vianna, 1850.
BRASIL (Ministério da Justiça). Ministro (Mattoso Camara). Relatorio apresentado á Assembléa Geral
Legislativa na terceira sessão da oitava legislatura pelo Ministro e Secretário d’Estado dos Negocio
da Justiça, Euzebio de Queiroz Coitinho Mattoso Camara. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1851.
CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012.
CONRAD, Robert Edgar. Tumbeiros: o tráfico escravista para o Brasil. Tradução de Elvira Serapicos.
São Paulo: Brasiliense, 1985.
MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. Africanos livres: A abolição do tráfico de escravos no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2017.