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Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio

Unidade Curricular: História II


Professor: Guilherme Babo

Eixo temático “Escravidão, Império e Indústria”

Tráfico atlântico de escravos no século XIX:


proibição, ilegalidade e abolição

Embora a abolição da escravidão seja um dos temas mais conhecidos sobre a história do
Império do Brasil, ainda permanecem muitas interpretações ultrapassadas sobre o processo
que levou à proibição do trabalho escravo no país. Uma noção muito comum é ver o fim do
tráfico internacional de escravos como o primeiro passo no sentido da abolição da
escravidão. A questão abaixo, retirada da prova do Enem de 2007, reproduz essa visão:

A questão é bem fácil e identificamos a alternativa D como correta sem muitos problemas,
não apenas porque a Lei Áurea é bem conhecida como conclusão do processo
abolicionista, como ainda porque as demais alternativas podem ser eliminadas pela
observação da linha do tempo apresentada. Mas o que nos interessa aqui é criticar a
própria concepção dessa linha do tempo. Ao incluir a “Lei Eusébio de Queirós” como marco
marco inicial da “Abolição da escravatura”, a questão reproduziu uma série de erros e
interpretações ultrapassadas sobre essa lei e sobre o “fim do tráfico negreiro”.
Abolição do tráfico atlântico vs. Abolição da escravidão

Em primeiro lugar, é fundamental estabelecer uma diferença entre o processo de abolição


do tráfico atlântico de escravos, do qual a “Lei Euzébio de Queiroz” (Lei n° 581, de 4 de
setembro de 1850) foi o marco final, e a abolição da escravidão, que só teve início mais de
duas décadas depois, com a chamada “Lei do Ventre Livre” (Lei n° 2.040, de 28 de
setembro de 1871, também chamada de “Lei Rio Branco”).

Na questão da página anterior, o fim do tráfico atlântico de escravos aparece como se fosse
um primeiro passo no sentido de acabar com a escravidão. Como veremos a seguir, essa
interpretação é considerada errada pelos historiadores dedicados ao estudo do período por
uma série de razões. O fim do tráfico atlântico já havia ocorrido no Sul do Estado Unidos
havia algumas décadas, e o número de escravos não deixou de crescer, de forma muito
mais acelerada do que no período de importação de escravos da África, através da
reprodução natural da escravaria sulista. No momento de sua independência, em 1783, os
estados do Sul tinham cerca de 500.000 escravos, aproximadamente o número que
permanecia quando o tráfico internacional para o país foi proibido, em 1808. Devido à
grande expansão da lavoura algodoeira estadunidense no período do “Segundo
Escravismo”, o número de escravos alcançou os 4.000.000 às vésperas da abolição da
escravidão no país, por conta da Guerra Civil, em 1865.

Esse exemplo era conhecido pelos escravistas brasileiros, que tinham os Estados Unidos
como um modelo de desenvolvimento na época. Assim, já temos um primeiro indicador de
que o fim do tráfico internacional não implicava nenhuma previsão de fim da escravidão,
podendo, inclusive, significar sua expansão. A opção pela manutenção do tráfico atlântico
no Império do Brasil, tanto durante sua legalidade, até 1831, quanto durante o período de
clandestinidade, até 1854, deve ser compreendida pela pressão política e influência dos
traficantes de escravos, que desde o século XVI controlavam um dos principais setores do
comércio externo na América portuguesa.

Assim, a abolição do tráfico atlântico de escravos foi um processo bastante lento e marcado
por disputas, que tem que ser compreendido no contexto da transferência da Corte
portuguesa para o Brasil, da Independência do Império do Brasil e do Imperialismo britânico
na África. Por sua vez, a abolição da escravidão foi um processo diferente, também lento e
gradual, que deve ser compreendido no contexto da Guerra Civil estadunidense
(“Secessão”) e da Guerra da Tríplice Aliança (“Guerra do Paraguai”). Em ambos os casos,
houve um defesa política da escravidão no Parlamento brasileiro que procurou evitar as
aprovação de medidas mais radicais e defender os direitos dos senhores de escravos.

Abolição do tráfico atlântico Abolição da escravidão


Período: 1810 a 1850 Período: 1871 a 1888
Pressões externas: imperialismo britânico Pressões externas: abolição nos EUA
Pressões internas: medo de Pressões internas: campanha
“haitianização” do país e ameaça à abolicionista e aumento dos movimentos
soberania nacional do Império quilombolas (rural e urbano)
O processo de abolição do tráfico atlântico de escravos

1° momento: proibições na Grã-Bretanha e nos EUA

Em 1807, a Grã-Bretanha proibiu o comércio de escravos africanos para as suas colônias.


Isso se deveu tanto ao temor de revoltas escravas como a que ocorria no Haiti, quanto ao
medo da concorrência interna no Império Britânico. Os donos de plantations escravistas nas
antigas colônias de Jamaica, Barbados e Granada temiam que o tráfico para os territórios
recentemente conquistados da França, como a grande ilha de Trinidad e Tobago, levassem
a uma perda de suas posições no mercado britânico. Assim, as pressões pelo fim do tráfico
atlântico partiram dos próprios representantes das colônias no Parlamento britânico.

Em 1808, o tráfico atlântico de escravos se tornou proibido também para os Estados


Unidos. A Corte portuguesa se encontrava nesse momento sobre grande influência
britânica, que tanto foi responsável pela sua transferência para o Rio de Janeiro quanto pela
defesa de Lisboa dos territórios do portugueses na europa diante da tropas de Napoleão.
No entanto, os portugueses procuraram defender seu direito ao tráfico acima da linha do
Equador argumentando que não se tratava de tráfico internacional, mas dentro das colônias
do reino lusitano, o que lhes foi garantido pelo Tratado de Aliança e Amizade de 1810.

A Presença Inglesa. Os Novos Colonizadores e os Tratados de 1810

Os ingleses, bastante prejudicados pelo ​Bloqueio Continental​, tinham urgência na abertura de novos
mercados, sem o que sua economia poderia sucumbir. Para eles, a América era uma espécie de
compensação para as perdas europeias e, assim, sentiam-se no direito de participar como "sócios
preferenciais" dos negócios portugueses. A Inglaterra pressionava D. João, por intermédio de Lord
Strangford, ex-embaixador em Portugal e enviado ao Brasil para tratar da complementação dos
negócios decididos ainda na Europa. As negociações foram demoradas e difíceis, pois D. João sabia
que as pretensões inglesas iam prejudicar os interesses dos ​antigos colonizadores e dos
comerciantes portugueses, e tentou minimizá-las. Mas diante da inflexibilidade dos ingleses, aqueles
grupos viram cair por terra seus antigos privilégios e monopólios.

Em 1810 foram assinados os Tratados de Aliança e Amizade, de Comércio e Navegação e um último


que tratou da regulamentação das relações postais entre os dois reinos. Esses tratados quebraram o
monopólio português em nome do liberalismo, e feriram em cheio os interesses lusos, além de
humilhar a soberania portuguesa. A Inglaterra impôs vantagens, entre elas: o direito da
extraterritorialidade, que permitia aos súditos ingleses radicados em domínios portugueses serem
julgados aqui por juízes ingleses, segundo a lei inglesa; o direito de construir cemitérios e templos
protestantes, desde que sem a aparência externa de templo; a garantia de que a Inquisição não seria
instalada no Brasil, com o que a Igreja Católica perderia o controle das almas; a colocação dos
produtos ingleses nos portos portugueses mediante uma taxa de 15%, ou seja, abaixo da taxação
dos produtos portugueses, que pagavam 16%, e bem abaixo da dos demais países, que pagavam
24% em nossas alfândegas.

Em relação à escravidão ficou determinada uma gradual abolição do comércio de escravos e,


também, que os portugueses só os capturariam nas regiões africanas pertencentes a Portugal. A
ação repressiva inglesa vai mais além, tentando impor um prazo para o encerramento do tráfico
negreiro como, também, a busca em navios que considerasse, "suspeitos" de comerciar escravos
negros.
Houve uma grita geral no Rio de Janeiro e em outros pontos, pois muitos interesses foram
prejudicados, além daqueles dos antigos colonizadores. Os bispos e padres católicos eram contrários
à liberdade de culto para os protestantes; os magistrados não concordavam com a existência do juiz
inglês; os traficantes negreiros protestaram contra as limitações impostas à escravidão; os
comerciantes reinóis sentiram-se totalmente ameaçados nos seus negócios. Para esses grupos, os
ingleses estavam se tornando os novos colonizadores. A Colônia saía da esfera do colonialismo
mercantilista português para ingressar na dependência do capital industrial inglês.

Fonte: ​http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/presenca_inglesa.html

2° momento: proibição acima da linha do Equador

Já em 1815, após o fim das guerras napoleônicas, a Grã-Bretanha voltou suas


preocupações para o continente africano, alvo das políticas imperialistas que começavam a
se delinear. Como as guerras de escravização entre nações africanas dificultava a
dominação imperialista e o os traficantes de escravos se constituíam no grupo
economicamente mais forte no comércio marítimo continente, as pressões britânicas
começaram a ser mais fortes contra o tráfico negreiro português. Assim, em 22 de janeiro
de 1815, durante o Congresso de Viena, os ministros plenipotenciários de Portugal e da
Grã-Bretanha assinaram um tratado que proibia o comércio de escravos na costa africana
acima da linha do Equador. Em 8 de novembro de 1817, D. João VI, rei de Portugal, Brasil e
Algarves, assinou uma carta de lei ratificando o Tratado de 1815 e a convenção adicional a
esse tratado, de 28 de julho de 1817. Segue abaixo um trecho da convenção adicional de
1817, ratificada pela Carta-lei::

Sua Magestade El-Rei do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, Adherindo aos Principios que
Manifestaram na Declaração do Congresso de Vienna de 8 de Fevereiro de 1815; e Desejando
Preencher fielmente [...] as mutuas Obrigações, que Contractaram pelo Tratado de 22 de Janeiro de
1815, emquanto não chega a epoca em que, [...] o tempo em que o Trafico de Escravos deverá cessar
inteiramente, e ser prohibido nos Seus Dominios; E Sua Magestade El-Rei do Reino Unido de Portugal,
do Brazil, e Algarves, Tendo-se obrigado [...] a Dar as providencias necessarias para impedir aos seus
Vassalos todo o Commercio illicito de Escravos; e Tendo-se Sua Magestade El-Rei do Reino Unido da
Grã-Bretanha e Irlanda obrigado da Sua Parte a adoptar, [...] as medidas necessarias para impedir, que
os Navios Portuguezes que se empregarem no Commercio de Escravos segundo as Leis do seu Paiz, e
os Tratados existentes, não soffram perdas e encontrem estorvos da parte dos Cruzadores Britannicos:
Suasditas Magestades Determinaram Fazer uma Convenção para este fim [...]

ARTIGO I
O objecto desta Convenção é, por parte de Ambos os Governos vigiar mutuamente que os seus
Vassalos respectivos não façam o Commercio illicito de Escravos. As Duas Altas Partes Contractantes
Declaram, que Ellas consideram como Trafico illicito de Escravos, o que, para o futuro, houvesse de se
fazer em taes circumstancias como as seguintes, a saber:
1º Em Navios e debaixo de Bandeira Britanica, ou por conta de Vassallos Britannicos em quaquer
bandeira que seja.
2º Em Navios Portuguezes em todos os Portos ou Paragens da Costa d'Africa que se acham prohibidas
em virtude do Artigo 1 do Tratado de 22 de Janeiro de 1815.
3º Debaixo de Bandeira Portugueza ou Britannica, quando por conta de Vassallos de outra Potencia.
4º Por Navios Portuguezes que se destinassem para um Porto qualquer fóra dos Dominios de Sua
Magestade Fidelissima.
ARTIGO II
Os Territorios nos quaes, segundo o Tratado de 22 de Janeiro de 1815, o Commercio dos Negros fica
sendo licito para os Vassalllos de Sua Magestade Fidelissima, são:
1º Os Territorios que a Corôa de Portugal possue nas Costas d'Affrica ao Sul do Equador, a saber; na
Costa Oriental da Africa, o Territorio comprehendido entre Cabo Delgado e a Bahia de Lourenço
Marques; e, na Costa Occidental, todo o Territorio comprehendido entre o oitavo e decimo oitavo gráo de
latitude meridional.
2º Os territorios da Costa d'Affrica ao Sul do Equador sobre os quaes Sua Magestade Fidelissima
declarou reservar seus Direitos, a saber;
Os territorios de Molembo e de Cabinda na Costa Oriental da Africa, desde o quinto gráo e doze
minutos o até oitavo de latitude meridional.

Fonte:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/carlei/anterioresa1824/cartadelei-39430-8-novembro-1817-569614-p
ublicacaooriginal-92834-pe.html

3° momento: proibição do tráfico internacional para o Brasil

A Grã-Bretanha aproveitou o momento de organização do novo Império do Brasil para obter


mais concessões do novo governo no sentido de acabar com o tráfico atlântico. Dessa
forma, a Grã-Bretanha condicionou o reconhecimento da independência do novo Estado a
um compromisso formal de extinção do tráfico atlântico de escravos. Devemos ter em mente
a importância desse reconhecimento para o Império do Brasil, já que a Grã-Bretanha tinha
uma influência na diplomacia internacional da época equivalente aos dos Estados Unidos
ou da ONU atualmente. Assim, foi assinado um tratado internacional em 23 de novembro de
1826, que foi ratificado pela carta de lei do imperador D. Pedro I no mesmo dia e pelo
Parlamento brasileiro em 13 de março de 1827.

O Artigo I estipulou que “acabados três anos depois da troca de ratificações deste Tratado,
não será lícito aos súditos do Império do Brasil fazer o comércio de escravos na Costa da
África, debaixo de qualquer pretexto, ou maneira qualquer que seja”. O tráfico negreiro, que
por três séculos havia se constituído em atividade legítima, principal fonte de mão de obra
na colônia e dominada pelos homens de negócio mais influentes e respeitáveis, passava a
ser considerado pirataria no novo país. Foi também previsto o estabelecimento de uma
Comissão Mista entre Brasil e Grã-Bretanha, nos moldes da que existia com Portugal, para
julgar as apreensões de navios envolvidos no comércio ilícito e decidir sobre o destino da
carga humana.

A previsão seria o tráfico de escravos para o Brasil acabar a partir de março de 1830. No
entanto, naquele ano, o governo de D. Pedro I atravessava um período de crise, motivada,
entre outros fatores pela derrota na Guerra da Cisplatina, que levou à perda do território
desta província, que virou a República Oriental do Uruguai. A aproximação do final do prazo
estabelecido para o tráfico atlântico levou ao crescimento desse comércio, com as lavouras
escravistas brasileiras aproveitando enquanto podiam abastecer seus plantéis de cativos. A
maior procura também levou a um aumento dos preços, de maneira que o comércio passou
a oferecer ainda maiores lucros a quem o praticava. Neste cenário, D. Pedro I não teve
força para acabar com o tráfico e essa tarefa ficou para ser empreendida para o primeiro
governo do Período regencial, após a abdicação do imperador, em 7 de abril de 1831.
Por meio da Lei de 7 de novembro de 1831, o governo da Regência Trina declarou livres
todos os escravos vindos de fora do Império e impôs duras penas a todos os importadores
de escravos envolvidos no comércio ilegal. Esta lei foi chamada à época de “Lei Feijó”,
como referência ao então Ministro da Justiça, e futuro regente, Pe. Diogo Feijó, mas ela
ficou conhecida mesmo como “lei para inglês ver” (dando origem a uma expressão ainda
usual nos dias de hoje para nos referirmos aquilo que é feito para constar, mas não para ser
aplicado). Este apelido foi dado à lei porque, embora tenha diminuído sensivelmente o
comércio de escravos após 1831, em comparação ao que era praticado desde 1827 até
então, este nunca acabou de fato e, na verdade, começou a crescer a partir de 1834.
Inicia-se um período de tráfico ilegal de escravos para o Império do Brasil que duraria mais
duas décadas, devido à impunidade com relação ao contrabando e a crescente demanda
das plantações de café no Vale do Paraíba durante o apogeu do “Segundo Escravismo”.

O tráfico ilegal de escravos para o Império do Brasil

Os dados acerca do tráfico legal e ilegal de escravos, não apenas para o Brasil, como para
todas as Américas, têm sido constantemente atualizados pelos historiadores e é possível
consultar as estatísticas no banco de dados organizado pelo historiador David Eltis, com
colaboração de diversos pesquisadores, o ​The Trans-Atlantic Slave Trade Database ,
disponível para consultas no site do projeto Slave Voyages: ​https://www.slavevoyages.org/

Embora o contrabando no tráfico internacional de escravos já existisse desde 1817, com


operações que visavam burlar a fiscalização de britânicos na costa africana e continuar
importando escravos de portos acima do Equador, pode-se dizer que foi no período entre
1831 e 1852 que se desenvolveu um comércio em larga escala de africanos ilegalmente
introduzidos e escravizados no Império do Brasil.

Observe na tabela 1 as estimativas de introdução de escravos ilegais no país. David Eltis


considerou os 41 mil escravos introduzidos após março de 1830 como ilegais, embora o
Parlamento brasileiro não tivesse feito ainda uma lei de proibição do tráfico para cumprir
com o prazo do tratado de 1817. Estima-se que entre 1831 e 1852 foram introduzidos cerca
de 800 mil escravos de forma ilegal no Brasil.

Vemos na tabela 2 que a primeira metade do século XIX, que corresponde ao período de
formação e apogeu do “Segundo Escravismo” apresentou os maiores número para o tráfico
de africanos escravizados para a América portuguesa ou Brasil. Por mais que durante boa
parte desse período (1831-1850) esse comércio fosse ilegal, o contrabando não diminuiu,
tendendo a crescer e ultrapassou durante os períodos de 1836-39 e 1846-49 os números de
escravos introduzidos no país durante o período da legalidade, como é possível ver na
tabela 1, ficando acima de 50 mil escravos por ano.
Tabela 1 - Africanos escravizados introduzidos no Brasil pelo tráfico ilegal

Ano Embarcados Desembarcados Ano Embarcados Desembarcados


1830 57.893 51.624 1842 31.084 27.347
1831 6.813 5.877 1843 45.025 36.320
1832 11.249 9.398 1844 36.510 30.185
1833 16.548 13.450 1845 28.832 23.796
1834 23.305 18.904 1846 66.191 54.238
1835 46.529 37.522 1847 80.156 65.654
1836 70.784 57.115 1848 81.241 66.336
1837 76.951 62.021 1849 74.150 60.682
1838 70.883 57.209 1850 41.004 34.239
1839 72.697 58.967 1851 7.555 6.014
1840 43.067 37.930 1852 1.234 984
1841 32.886 28.701 1856 520 320
Totais 493.502 406.115
Fonte: slavevoyages.org

Tabela 2 - Tráfico atlântico de africanos escravizados para a Am. Portuguesa / Brasil

Períodos Embarcados Desembarcados


1501-1550 32387 22685
1551-1600 121804 90053
1601-1650 469128 380824
1651-1700 542064 471213
1701-1750 1011143 891468
1751-1800 1201860 1099894
1801-1850 2460570 2136360
1851-1900 9309 7318
Totais 5848265 5099815
Fonte: slavevoyages.org

Outro dado importante de ser observado na tabela 2 é o aumento no número de mortos na


travessia atlântica, obtido pela diferença entre embarcados e desembarcados. Isso se deve
ao fato de que o contrabando, diferente do comércio legal, não esteve sujeito à fiscalização
da capacidade de transporte dos navios. Sendo o contrabando mais arriscado e o valor do
produto ilegal mais alto, os traficantes procuraram transportar o maior número possível de
africanos escravizados em seus navios, o que levou à piora nas condições já precárias de
transporte e ao aumento da mortalidade, dando aos navios do contrabando o apelido de
“tumbeiros”. A tabela 3 apresenta as médias de mortalidade em maior detalhe, entre o
século XVI e o XIX, segundo dados estimados por diversos autores reunidos por Jaime
Rodrigues (2000), e demonstra que não houve durante nenhum momento taxas de
mortalidade maiores do que no período pós-1830:

1​
O primeiro índice refere-se às crianças e o segundo aos adultos.
2​
Dados referentes ao período de atuação da Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba.
Fonte: RODRIGUES, Jaime. ​O infame comércio.​ Campinas: Ed. UNICAMP, 2000, p. 215.

A tabela 4 apresenta os dados mais atualizados para todo o período do chamado “Segundo
Escravismo” e também corrobora dois argumentos importantes apresentados: a) apenas
durante os anos imediatamente antes da proibição do tráfico (1826-1830) houve um número
de africanos embarcados em navios negreiro equivalente aos períodos de 1836-1840 e
1846-1850; b) a mortalidade aumentou após o período de proibição, tornando-se
praticamente o dobro do que era no período de legalidade.

Tabela 4 - Mortalidade no tráfico atlântico para a Am. Portuguesa / Brasil - 1790-1860

Períodos Embarcados Desembarcados Mortos na viagem % de mortes


1791-1795 162644 150248 12396 7,62
1796-1800 145231 133634 11597 7,99
1801-1805 179934 162608 17326 9,63
1806-1810 213458 188335 25123 11,77
1811-1815 246008 222001 24007 9,76
1816-1820 270846 241612 29234 10,79
1821-1825 250355 222785 27570 11,01
1826-1830 344066 313127 30939 8,99
1831-1835 104444 85151 19293 18,47
1836-1840 334382 273242 61140 18,28
1841-1845 174337 146350 27987 16,05
1846-1850 342741 281148 61593 17,97
1851-1855 8789 6998 1791 20,38
1856-1860 520 320 200 38,46
Totais 5848268 5099813 748455 12,80
Fonte: slavevoyages.org
Os “africanos livres” e seu lugar na sociedade imperial

Somente pelos dados obtidos em documentos históricos que deram origem à base de
dados ​Slave Voyages​, temos um total de 793.209 desembarcados de forma ilegal no Brasil,
dos 965.213 africanos escravizados embarcados pelos contrabandistas na África. Isso
significa que pouco mais de 170 mil africanos foram mortos e quase 800 mil foram
ilegalmente escravizados no país, fora seus descendentes, que já deveriam ter nascido
livres no país. Apenas cerca de 11 mil desses africanos ilegalmente escravizados foram
declarados “livres” por causa da apreensão dos navios usados no contrabando ou, menos
frequentemente, denúncias e apreensões feitas em terra, após o desembarque.

Até a proibição do tráfico atlântico, os africanos e afrodescendentes na América portuguesa


ou no Império do Brasil haviam sido classificados em três categorias: escravos, libertos
(ex-escravos) e livres. Os ​libertos tinham restrições na sua cidadania durante o Império, o
que mostrava o quanto seu passado escravo deixava uma herança de exclusão mesmo
após sua alforria. As eleições para o Poder Legislativo do Império eram feitas em duas
fases: os votantes escolhiam os eleitores e os eleitores escolhiam os candidatos a
deputados e senadores. Um liberto poderia ser votante, caso tivesse uma renda mínima
comprovada de Rs. 200$000 (duzentos mil-réis) por ano, mas não poderia ser elitor nem
candidato. Para um afrodescendente ser ​livre​, e gozar de cidadania plena, precisaria ter
nascido do ventre de uma liberta (um “ventre livre”). Os “​africanos livres​” (também
chamados em outras partes da América de “emancipados”), foram uma nova categoria de
homens e mulheres que, por mais contraditório que seja, desfrutaram de menor liberdade
que os libertos, estando praticamente submetidos às mesmas condições de trabalho
compulsório que os escravos. A tabela 5 apresenta os dados para os africanos declarados
livres no Brasil, excluindo aqueles que foram levados para as colônias britânicas.

Tabela 5 - Africanos libertados pela Comissão Mista no Rio de Janeiro - 1818-1845

Fonte: CONRAD, Robert. ​Tumbeiros.​ São paulo: Brasiliense, 1985, p. 213.


Os africanos livres foram submetidos a novas formas de trabalho compulsório na sociedade
brasileira do século XIX, desvelando aspectos que só recentemente vêm sendo discutidos
pelos historiadores, como suas relações com a defesa política da escravidão, com a
ilegalidade do tráfico e da propriedade escrava ou o interesse econômico nessa mão de
obra disponível. Em cada mil escravos que entraram ilegalmente no país, quinze apenas
foram declarados livres. Ainda assim, quase todos eles foram utilizados como mão de obra
barata para serviços insalubres, concessões a particulares e fonte de arrecadação pelo
Estado. Inicialmente, as convenções internacionais com as quais o Reino de Portugal e o
Império do Brasil se comprometeram previam a reexportação dos africanos traficados
ilegalmente como escravos, mas os africanos livres, salvo exceções, permaneceram sob a
tutela do Estado ou cedidos a particulares, até sua emancipação definitiva em 1864.

O trabalho compulsório de africanos livres foi pela primeira vez previsto quanto a Corte
portuguesa do Rio de Janeiro expediu em 26 de janeiro de 1818 um alvará que impunha
penalidades aos eventuais transgressores e determinava que os africanos importados
ilegalmente como escravos e declarados livres seriam utilizados no serviço público ou
alugados a particulares pelo prazo de catorze anos. O serviço era justificado pela
necessidade de alimentar, vestir, doutrinar e ensinar ofício ou trabalho ao liberto, podendo
ser reduzido esse prazo àqueles “que por seu préstimo e bons costumes se fizerem dignos
de gozar antes dele do direito à liberdade”.

Robert Conrad estabeleceu um panorama do tráfico ilegal para o Brasil, analisou os


aspectos políticos, econômicos, diplomáticos e sociais envolvidos na sua manutenção e
lançou várias questões que ainda norteiam a pesquisa sobre os africanos livres. A análise
desenvolvida pelo autor apresenta uma compreensão ampla sobre lugar dos africanos livres
na sociedade imperial, o interesse econômico na exploração de seu trabalho e o papel do
governo na legitimação tanto do contrabando como da escravização, de fato, de homens e
mulheres supostamente livres (CONRAD, 1985, p. 171-186). Além disso, o autor destaca
que o fato de a lei de 1831 ter permanecido em vigor, a despeito de ser negligenciada e dos
esforços por suprimi-la, forneceria um forte argumento para os abolicionistas dos anos 1870
e 1880, uma vez que estes alegavam, com razão, que mais da metade dos escravos de
então haviam sido introduzidos ilegalmente e, portanto, deveriam ser considerados livres,
assim como seus descendentes (CONRAD, 1985, p. 93).

Também é interessante na análise de Conrad a observação do período 1831-1838 como


crucial para entender como o tráfico ilegal se estruturou e legitimou na sociedade brasileira.
Longe de ver na lei de 1831 o intuito de deliberadamente iludir o parlamento britânico (a
ideia da “lei para inglês ver”), o autor a considerou um esforço das forças liberais que
participaram da deposição de D. Pedro I em 7 de abril de 1831. O autor também destacou a
diferença entre os preços dos escravos nos mercados africano entre (3 e 5 libras esterlinas)
e brasileiro (entre 70 e 100 libras esterlinas) ao longo dos anos 1830, o que tornava o
contrabando muito atraente.

Outro aspecto importante na análise de Robert Conrad é a oposição dos conservadores à


lei de 1831. Essa oposição é representada na esfera local pelos magistrados e júris que
deixavam impunes os envolvidos no tráfico e na esfera nacional por Bernardo Pereira de
Vasconcellos, que apresentou na Câmara dos Deputados um projeto de lei para revogação
da lei de 1831 quando era deputado, em 1835. Em setembro de 1837, Vasconcellos
tornou-se chefe de gabinete ministerial e, no mesmo ano, Felisberto Caldeira Brant, o
marquês de Barbacena submeteu ao Senado um projeto de lei para rever a lei de 1831 que
previa a proibição da captura de escravos contrabandeados após seu desembarque e a
inocência dos compradores (CONRAD, 1985, p. 110-113).

Embora a lei de proibição do tráfico atlântico de 1831 previsse a reexportação à África de


todos os escravos apreendidos no comércio ilegal, não houve providências nesse sentido e
o trabalho acabou sendo imposto a esses africanos livres como condição de desonerar as
contas públicas e trazer lucros para a administração da Corte e das províncias. Mesmo sem
qualquer menção ao serviço dos africanos livres na lei de 7 de novembro de 1831, uma vez
que previa o custeamento da reexportação pelas multas impostas aos infratores, os
julgamentos de muitos casos contaram com a conivência e o interesse dos júris e
magistrados, de forma que mesmo quando os traficantes perdiam suas cargas e navios,
não eram cobradas as multas e muitos acabavam absolvidos.

Tendo em mente estas questões é possível entender porque os africanos livres viveram,
nas palavras de Robert Conrad, “uma espécie de purgatório legal (e ilegal) entre a
escravidão e a liberdade”, além das maneiras pelas quais a sociedade escravista brasileira
incorporou uma categoria social que lhe era estranha. Assim, houve um esforço no sentido
de reformular as justificativas legais para exploração do trabalho compulsório de africanos,
mesmo no caso em que se comprovasse o crime de reduzir pessoa livre à escravidão. O
período também foi marcado pela demanda por mão de obra para a expansão da lavoura e
as obras públicas, sobretudo de infraestrutura para os transportes. Nesse sentido, tanto a
mentalidade escravocrata dos arrendatários de africanos livres e dos legisladores e
governantes quanto o contexto econômico específico aparecem como determinantes no
processo de sujeição desses homens e mulheres por tanto tempo a um forma de trabalho
análoga à escravidão.

Do ​Bill Aberdeen​ à Lei Euzébio de Queiroz

Pelos tratados assinados em 1827, além de o Império do Brasil se comprometer com a


abolição do tráfico atlântico, a Grã-Bretanha havia também obtido vantagens comerciais.
Suas exportações tinham tarifas alfandegárias privilegiadas para entrar no mercado
brasileiro por um prazo de quinze anos, o que deveria acabar em 1842. Após muitas
disputas, foi aprovada em 1844 a chamada Tarifa Alves Branco, que elevou o valor dos
impostos sobre produtos manufaturados estrangeiros, principalmente sobre aqueles já
produzidos no país.

Por um lado, a tarifa Alves Branco aumentou a arrecadação de impostos pelo governo
imperial e estimulou o surgimento de novas atividades manufatureiras no Brasil. Por outro
lado, provocou o descontentamento dos comerciantes britânicos, cuja reação foi pressionar
seu Parlamento para tomar medidas mais duras de repressão ao contrabando de escravos
para o Brasil. Assim, foi aprovado em 1845 o chamado ​Bill Aberdeen,​ que autorizava a
marinha britânica a afundar ou capturar os chamados “tumbeiros”. Ao invés desta ameaça
levar ao fim do contrabando, provocou um novo aumento, como vemos na tabela 1.
Importantes mudanças haviam ocorrido na estrutura do tráfico atlântico desde que este
havia se tornado uma atividade ilegal no Brasil. Grandes traficantes do período colonial e do
Primeiro Reinado, haviam deixado o comércio e transferido seus negócios para outras
atividades, investindo em fazendas de café e escravos, por exemplo. O comércio antes
dominado por brasileiros passou a ser feito principalmente por estadunidenses e
portugueses. Embora desde 1820 a legislação dos EUA tivesse se tornado mais severa
contra o contrabando de escravos para o país, que passou a ser considerado pirataria e,
portanto, passível de pena de morte, os traficantes da Nova Inglaterra continuaram a poder
fabricar os “tumbeiros” e tenderam a dominar o contrabando para o Brasil e para Cuba.

O desembarque clandestino de escravos ilegais em praias e ilhas desertas do litoral


demandou o desenvolvimento uma estrutura de apoio e para burlar a fiscalização contou
com a corrupção das autoridades imperiais, de forma semelhante ao contrabando de armas
ou de drogas nos dias de hoje. Uma atividade que antes era lícita e digna, tornou-se
criminosa e marginal, gerando estigma sobre os contrabandistas. Além disso, com a ​Bill
Aberdeen,​ esses “estrangeiros” envolvidos no tráfico passaram a receber a culpa pela
ameaça de ataques britânicos aos navios e portos do Brasil.

Diante desse cenário internacional, tornou-se impossível revogar a lei de 1831 e legalizar a
propriedade escrava ilegal, como muitos senhores desejavam. Por outro lado, a lei de 1831
era muito severa para ser aplicada, já que considerava todos os envolvidos no contrabando
como “importadores”, desde a tripulação até os financiadores, responsáveis pelo
desembarque e os compradores. Daí que o político conservador, Euzébio de Queiroz
Mattoso Câmara, antigo chefe de polícia da Corte envolvido no contrabando, foi convidado
para ser Ministro da Justiça e ficar responsável por elaborar uma lei mais branda que
pudesse ser aplicada. Na apresentação do seu relatório anual à Assembleia Geral no ano
de 1850, o ministro procurou defender diante dos deputados e senadores que fosse feita
uma diferença entre “introdutores” e “compradores”:

O tráfico de Africanos tem até hoje zombado das diligências contra ele empregadas; entretanto
os compromissos a que nos achamos ligados altamente reclamam medidas prontas e eficazes
para reprimi-lo.
Atendendo à natureza do tráfico, às circunstâncias que o revestem, às dificuldades e
embaraços de sua repressão, fácil é reconhecer que para consegui-la é indispensável
distinguir quanto à penalidade, e sobretudo quanto à forma do processo duas fases muito
diversas de sua existência, o transporte e desembarque dos Africanos, ou a sua introdução no
país; e depois sua compra aos introdutores.
Dirigir contra estes os meios da mais eficaz repressão é, além de justo, por serem eles os
verdadeiros autores do crime e seus provocadores, também político, porque divide os
interesses protetores da impunidade, e procura para a repressão do tráfico, o poderoso apoio
da opinião pública.

Pode-se dizer que a maneira pela qual o governo buscou conquistar o apoio da opinião
pública foi tornar a lei de 1831 mais branda, de maneira que a atuação mais vigorosa contra
os envolvidos apenas na primeira fase, os “introdutores” e “verdadeiros autores do crime”,
fosse mais aceita pelos envolvidos na segunda fase, os “compradores”. No entanto, o
ministro da Justiça apresentava essa flexibilização como sendo mais eficaz e, portanto,
mais dura no combate ao tráfico. Curioso que Euzebio de Queiroz é o único ministro em
todo o período analisado a defender que o governo atuasse no sentido de uma
“interiorização” da escravidão. Propunha proibir a aquisição de novos escravos no litoral e
convencer a população e as autoridades dessas cidades a venderem seus escravos para as
fazendas do interior como meio de supri-las de mão de obra e tornar impossível o tráfico.

Por isso, a “Lei Euzébio de Queiroz” (lei n° 581, de 4 de setembro de 1850) acabou
consolidando essa diferença entre “introdutores” e “compradores”. Os compradores
acabaram ficando fora da definição de importadores na nova lei, como podemos ver pelos
artigos abaixo:

Art. 3º São autores do crime de importação, ou de tentativa dessa importação o dono, o


capitão ou mestre, o piloto e o contramestre da embarcação, e o sobrecarga. São cúmplices a
equipagem, e os que coadjuvarem o desembarque de escravos no território brasileiro, ou que
concorrerem para os ocultar ao conhecimento da Autoridade, ou para os subtrair à apreensão
no mar, ou em acto de desembarque, sendo perseguido.

Art. 4º A importação de escravos no território do Império fica nele considerada como


pirataria, e será punida pelos seus Tribunaes com as penas declaradas no Artigo segundo da
Lei de sete de Novembro de mil oitocentos trinta e um. A tentativa e a complicidade serão
punidas segundo as regras dos Artigos trinta e quatro e trinta e cinco do Código Criminal. [...]

Além disso, o julgamento dos importadores passou a ser responsabilidade da Auditoria de


Marinha e do Conselho de Estado, uma medida que visava a aumentar repressão. Por sua
vez, os compradores, mencionados apenas indiretamente no parágrafo primeiro do artigo
9°, continuaram no foro comum, ou seja, julgados pelos juízes de comarcas e júris,
favorecendo a continuação de sua impunidade:

Art. 8º Todos os apresamentos de embarcações, de que tratam os Artigos primeiro e


segundo, assim como a liberdade dos escravos apreendidos no alto mar, ou na costa antes do
desembarque, no acto dele, ou immediatamente depois em armazéns, e depósitos sitos nas
costas e portos, serão processados e julgados em primeira instância pela Auditoria de
Marinha, e em segunda pelo Conselho de Estado. O Governo marcará em Regulamento a
fórma do processo em primeira e segunda instância, e poderá criar Auditores de Marinha nos
portos onde convenha, devendo servir de Auditores os Juízes de Direito das respectivas
Comarcas, que para isso forem designados.

Art. 9º Os Auditores de Marinha serão igualmente competentes para processar e julgar


os réus mencionados no Artigo terceiro. De suas decisões haverá para as Relações os
mesmos recursos e apelações que nos processos de responsabilidade.

Os compreendidos no Artigo terceiro da Lei de sete de Novembro de mil oitocentos trinta


e um, que não estão designados no Artigo terceiro desta Lei, continuarão a ser processados, e
julgados no foro comum.

Art. 10. Ficam revogadas quaisquer disposições em contrário.

Euzebio de Queiroz usou todo o seu conhecimento sobre o tráfico ilegal com o qual foi
conivente durante muitos anos para combatê-lo durante o período em que foi ministro da
Justiça, quando sua supressão se tornou necessária à manutenção da soberania política do
Império. O ministro ainda imprimiu um novo rumo à questão dos africanos livres, acabando
com o arrendamento de serviços a particulares e alocando todos no serviço público.

Após a aprovação da lei de 4 de novembro de 1850, que ganhou o nome do ministro, já não
era permitido arrendar os serviços a particulares, o que levou a um grande número de
africanos distribuídos no serviço público. Essa determinação garantiu que, diante da
iminente supressão daquela fonte de mão de obra escrava ilegal e de africanos livres, o
governo optou por explorar durante o máximo tempo o trabalho compulsório de africanos
livres. Uma vez que o decreto de 19 de novembro de 1835 estipulou um período máximo de
catorze anos para o arrendamento a particulares, antes da emancipação definitiva, mas não
determinou limite para seu emprego no serviço público, a disposição da “Lei Euzébio de
Queiroz” limitou a perspectiva de emancipação africanos livres. Assim, durante o período
1849-1855, o uso de africanos livres nas obras públicas configurou-se numa importante
política pública de trabalho compulsório nas obras públicas, especialmente, no setor de
transportes.

Referências bibliográficas

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Tese (Doutorado em História Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
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BLACKBURN, Robin. ​The American Crucible:​ Slavery, emancipation and human rights. London/New
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Justiça apresentado á Assembléa Geral Legislativa na 1ª sessão da 8ª legislatura em 1850 pelo
respectivo Ministro e Secretario d’Estado Euzebio de Queiroz Coitinho Mattoso Camara​. Rio de
Janeiro: Typ. do Diario de N. L. Vianna, 1850.

BRASIL (Ministério da Justiça). Ministro (Mattoso Camara). ​Relatorio apresentado á Assembléa Geral
Legislativa na terceira sessão da oitava legislatura pelo Ministro e Secretário d’Estado dos Negocio
da Justiça, Euzebio de Queiroz Coitinho Mattoso Camara​. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1851.

CHALHOUB, Sidney. ​A força da escravidão:​ ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo:
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São Paulo: Brasiliense, 1985.

MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. ​Africanos livres:​ A abolição do tráfico de escravos no Brasil. São
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PARRON, Tâmis. ​A política da escravidão no Império do Brasil,​ 1826-1865. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 2011.

RODRIGUES, Jaime. ​O infame comércio:​ propostas e experiências no final do tráfico de africanos


para o Brasil (1800-1850). Campinas: Editora da UNICAMP/CECULT, 2000.

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