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INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO

Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

PARAGUAI, URUGUAI, A II GUERRA


MUNDIAL E O REEQUILÍBRIO DE
FORÇAS NO RIO DA PRATA

DORATIOTO, ​Francisco Fernando Monteoliva


PARAGUAI, URUGUAI, A II GUERRA MUNDIAL E O
REEQUILÍBRIO DE FORÇAS NO RIO DA PRATA

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 181(483): 269-302, mai/ago. 2020

Rio de Janeiro
mai/ago. 2020
Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

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PARAGUAI, URUGUAI, A II GUERRA MUNDIAL


E O REEQUILÍBRIO DE FORÇAS NO RIO DA PRATA
PARAGUAY, URUGUAY, WORLD WAR II AND THE
REBALANCING OF FORCES IN THE RIVER PLATE
Francisco Fernando Monteoliva Doratioto1

Resumo: Abstract:
Este artigo analisa as políticas do Paraguai e do The article analyses the Paraguayan and
Uruguai quanto a II Guerra Mundial e à reper- Uruguayan foreign policies in relation to World
cussão delas nos respectivos posicionamentos War II and their repercussion in each country’s
na dinâmica geopolítica do Rio da Prata, que position in the geopolitical dynamics of the Rio
tinha como polo principal a Argentina. O arti- da Prata, where Argentina was a key player.
go utiliza fontes primárias, entre outras, os ar- We use primary sources, among which are
quivos diplomáticos paraguaios e uruguaios, e the Paraguayan and Uruguayan diplomatic
bibliografia atualizada. A tese central do artigo archives, as well as updated bibliography. The
é a de que, embora Paraguai e Uruguai tenham central argument of the article is that, although
adotado posturas formalmente idênticas – a Paraguay and Uruguay had formally adopted
neutralidade no início do conflito, o rompimen- identical positions, namely that of neutrality in
to de relações diplomáticas com o Eixo, em the beginning of the conflict, the severance of
1942, e a declaração de guerra a este em 1945 diplomatic relations with the Axis in 1942 and
– diferenciaram-se quanto à eficácia de medidas the declaration of war upon it in 1945, they
adotadas contrárias ao nazifascismo e em rela- differentiated from each other in regard to the
ção à Argentina, país até então hegemônico no effectiveness of the measures adopted contrary
Rio da Prata. O impacto geopolítico foi maior to Nazi-fascism and towards Argentina, a
sobre o Paraguai, onde a influência argentina hegemonic country until then in the Rio da
foi rivalizada pela do Brasil, respaldado pela Prata. The geopolitical impact was greater felt
ação dos Estados Unidos, que tomou iniciativas in Paraguay, where the Argentinian influence
para conter a influência nazista na sociedade was rivalled by that of Brazil’s, which was
paraguaia. O impacto geopolítico foi menor no backed by actions taken by the United States
Uruguai, pois sua posição geográfica e suas ca- to counter Nazi influence in the Paraguayan
racterísticas econômicas reduziam a capacidade society. The geopolitical impact was less
de a Argentina influenciá-lo, mas, ainda assim, significant in Uruguay due to its geographical
houve uma sensível alteração da inserção exter- position and economic features which reduced
na uruguaia. Argentinia’s capacity of influence upon the
country. Nonetheless, there was considerable
change in the Uruguayan insertion in the world.
Palavras-chave: o Rio da Prata e a II Guerra; Keywords: The River Plate and World War
Paraguai, Uruguai e a II Guerra; Geopolítica do II; Paraguay; Uruguay and World War II; the
Rio da Prata. River Plate geopolitics.

O subsistema de relações internacionais no Rio da Prata sofreu


alterações, a partir de 1939, causadas pelas políticas do Paraguai e do

1  –  Professor no Programa de Pós-graduação em História da Universidade de Brasília.


Sócio correspondente do IHGB. Pesquisador do CNPq – produtividade 2. E-mail: f_do-
ratioto@yahoo.com.br.

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Uruguai em relação àa II Guerra Mundial e às posturas de Argentina, dos


Estados Unidos e do Brasil quanto ao conflito. O processo de alteração do
equilíbrio de forças nessa região é o tema deste artigo.

A ascendência argentina
Em 1930, um golpe de Estado conservador liderado pelo coronel
José Uriburu pôs fim a mais de um decênio de governos reformistas. O
movimento golpista era composto pelas correntes conservadora-liberal e
nacionalista, esta liderada por Uriburu que se tornou presidente provisó-
rio. O nacionalismo argentino era antiliberal, chauvinista e influenciado
pelo fascismo italiano, enquanto os conservadores-liberais tinham à sua
frente o general Agustín P. Justo e se opunham a medidas extremas e de-
fendiam a preservação de certo legalismo. A corrente de Justo impôs-se
na disputa política e obteve a realização de eleição presidencial em 1932,
tutelada pelos militares e fraudada, que o elegeu presidente da República.
Justo foi apoiado pela Concordancia, uma coalizão entre os conservado-
res do Partido Democrata Nacional, o Partido Socialista Independente,
que estava à direita do Partido Socialista tradicional, e os “radicais an-
tipersonalistas”, os quais predominaram na política argentina durante a
década de 1930. No governo Justo (1932-1938), a economia recuperou-se
em grande parte por ter sido garantido o acesso ao mercado do Reino
Unido para as carnes argentinas graças ao Pacto Roca-Runciman (1933),
que minimizou as medidas protecionistas britânicas2.

No plano internacional, a Argentina gravitava em torno da Europa


desde o final do século XIX. O Velho Continente era destino de 75%
das exportações argentinas de carnes e de cereais nos anos 1930 e, nele,
encontravam-se os referenciais políticos e culturais das elites argenti-
nas. Quanto aos Estados Unidos, desde a Conferência Pan-Americana
de Washington (1889), os diferentes governos argentinos opuseram-se
ao expansionismo norte-americano, pois aspiravam para seu país aà li-

2 – ROCK, David. Argentina, 1516-1987; desde la colonización española hasta Raúl


Alfonsín. Buenos Aires: Alizanza Singular,1995, p. 278-279

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derança das repúblicas latino-americanas3. Esta foi alcançada no Rio da


Prata no início do século XX, com o Paraguai constituindo-se um satélite
geopolítico da Argentina, da qual sua economia era um apêndice, pois,
sendo um país mediterrâneo e sem contar com estradas ou com ferrovias
que dessem acesso ao Brasil, o comércio exterior paraguaio dependia do
porto de Buenos Aires. Desde 1904, quando o Partido Corado tomou o
poder no Paraguai, e até quase o final da década de 1930, houve pratica-
mente um alinhamento das posições da política externa paraguaia com as
da Argentina4.

O Uruguai, por sua vez, teve seu processo histórico fortemente in-
fluenciado pelos seus dois vizinhos, Argentina e Brasil. No século XX,
as relações argentino-uruguaias sofreram o desgaste do litígio sobre a
fronteira marítima no estuário do Rio da Prata, sobre o qual a Argentina
reivindicava soberania exclusiva, o que era recusado pelo Uruguai; o li-
tígio somente foi resolvido em 1973. Em julho de 1932, o Uruguai rom-
peu relações diplomáticas com a Argentina devido ao incidente com seu
cruzador Uruguay, fundeado no porto de Buenos Aires. Era um incidente
menor que poderia ter sido evitado ou solucionado se não fossem delica-
das as relações bilaterais5.

A experiência argentina de golpe contra o regime liberal também


ocorreu no Paraguai e no Uruguai. No caso paraguaio, contribuíram para
o golpe a precária situação econômica e social do país, o desenvolvi-
mento de uma ideologia nacionalista autoritária e a Guerra do Chaco
(1932-1935), travada contra a Bolívia. Apesar da inferioridade militar
inicial do Paraguai, seu Exército comandado de forma competente pelo
general José Félix Estigarribia e em harmonia com o presidente Eusebio

3 – ESCUDÉ, Carlos. Gran Bretaña, Estados Unidos y la Declinación Argentina; 1942-


1949. 4ed. Buenos Aires: Editorial Belgrano, 1996, p. 40.
4 – DORATIOTO, Francisco. Relações Brasil-Paraguai: afastamento, tensões e reapro-
ximação, 1889-1954. Brasília: FUNAG, 2012, p. 122-130, 251-276.
5 – AROCENA OLIVERA, Enrique. Apogeo y evolución de la diplomacia uru-
guaya, 1828-1948. Montevideo: Imprenta del Palacio Legislativo, 1984, p. 194-
195. RUIZ MORENO, Isidoro. Historia de las Relaciones Exteriores Argentinas
(1810-1955). Buenos Aires: Perrot, 1961, p. 169.

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Ayala, do Partido Liberal, obteve a reversão da guerra. As tropas para-


guaias encontravam-se na ofensiva em 1935, quando Bolívia e Paraguai
estabeleceram o armistício e iniciaram, em Buenos Aires, as negociações
de paz. Os paraguaios que vestiram a farda e que lutaram em condições
dificílimas retornaram à vida civil sem compensações, em uma sociedade
pobre que não lhes oferecia oportunidades. Este fato, a situação social do
país e as disputas internas do Partido Liberal criaram as condições para
que, em fevereiro de 1936, um golpe militar depusesse o presidente Ayala
e colocasse no poder o coronel Rafael Franco. Este, porém, foi deposto no
ano seguinte por militares, que puseram à frente do governo provisório o
jurista Félix Paiva, do Partido Liberal6.

Paiva concedeu anistia política e o general Estigarribia, que se asila-


ra no Uruguai, foi nomeado representante paraguaio nos Estados Unidos.
Estigarribia teve papel importante para o sucesso da Conferência de Paz
que pôs fim, em 1938, à Guerra do Chaco, e, mesmo permanecendo no
seu posto diplomático em Washington, foi eleito presidente da República
em 1939, tendo como vice-presidente de sua chapa Luís Riart, que era
o representante paraguaio no Brasil. No poder, com o apoio militar,
Estigarribia levou o Congresso a autodissolver-se, o que permitiu grande
concentração de poder nas mãos do Presidente7.

O Uruguai, por sua vez, possuía um sistema político mais demo-


crático e mais moderno do que os dos demais países latino-americanos,
como consequência das reformas feitas a partir de 1904 pelo presidente
José Battle y Ordoñez, do Partido Colorado. Em 1º de março de 1931, o
também colorado Gabriel Terra assumiu a Presidência (1931-1938), elei-
to pelo facção battlista, mas logo dela afastou-se, em meio ao aprofun-
damento das divisões internas nos dois principais partidos, o Colorado
e o Nacional (também conhecido como Blanco), e às divergências entre
os Poderes do Estado8. Ficaram caracterizadas, então, duas composições
6 – SCAVONE YEGROS, Ricardo. Guerra internacional y enfrentamentos políticos
(1920-1954). In: TELESCA, Ignacio (coord.). Historia del Paraguay. Asunción, Taurus,
2010, p. 225-264, 2010, p. 234, 241.
7 – Idem, p. 244-245.
8  –  ARTEAGA, Juan José. Breve Historia Contemporánea del Uruguay. Buenos Aires:

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políticas. De um lado, havia os herreristas, seguidores de Luis Alberto


Herrera, que controlava o Partido Nacional, juntamente a setores colora-
dos não batllistas, inimigos da crescente intervenção estatal na economia
e favoráveis a uma rápida reforma constitucional. De outro lado, com-
puseram-se os batllistas e os nacionalistas independientes, bem como
radicais blancos e socialistas. Este segundo grupo apresentava respostas
para a crise pelo aumento do estatismo e, no caso do battlismo, opondo-
-se a mudanças na Constituição de 1919 que poderiam colocar em risco a
permanência do Partido Colorado no poder9.

O presidente Terra tornou-se crítico do Conselho Nacional de


Administração, dominado pela aliança entre o battlismo e o nacionalismo
independiente, vendo-o como ineficiente e, após longo desgaste com esse
órgão colegiado, em 31 de março de 1933, deu um golpe de Estado. Este
contou com o apoio de herreristas e de riveristas (facção colorada), do
empresariado, da Polícia e com a aquiescência do Exército. Terra dissol-
veu o Parlamento e o Conselho Nacional de Administração, mas convo-
cou imediatamente uma Constituinte, eleita em junho de 1933, da qual
abstiveram-se de participar os batllistas, os nacionalistas independientes
e outros movimentos políticos. A Constituição ratificada em 1934 con-
figurou o Estado na forma republicana, democrática e neutra quanto ao
aspecto religioso e “institucionalizou o pacto terrista-herrerista”, que se
tornou essencial para o funcionamento do governo10. Definiu uma ordem
política em que o presidente da República tinha mais poderes, mas, ao
mesmo tempo, o Ministério deveria ser composto por 5 ou por 6 membros
da corrente política majoritária no Parlamento e 3 da maior minoria (nes-
se momento, os herreristas); criou-se o Senado de 30 membros, com voto
em lista, correspondendo 15 daquela mais votada e 15 daquela composta
pela minoria mais votada. A ditadura de Terra resultou de golpe palaciano

Fondo de Cultura Económica, 2008, p. 111, 156.


9  –  NAUHM, Benjamín et ali. Historia Uruguaya; crisis política y recuperación econó-
mica, 1930-1958. Montevideo: Banda Oriental, t. 7, 2007, p. 15-17.
10 – Idem, p. 23-26.

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“que impulsionou uma reorientação conservadora ainda que moderada


nas políticas públicas”11.

Coube a Terra abrir a VII Conferência Pan-americana, realizada em


Montevidéu, em dezembro de 1933, em que os EUA debutaram nova
política para o continente americano. Em março desse ano, o democrata
Franklin Delano Roosevelt assumiu a Presidência norte-americana e en-
controu os interesses externos norte-americanos ameaçados pelo crescen-
te fortalecimento de regimes politicamente totalitários, comercialmente
protecionistas e militarmente agressivos. Roosevelt apoiou a Liga das
Nações no esforço de pôr fim às agressões japonesas na Ásia, defendeu o
desarmamento mundial e a cooperação econômica internacional12.

Em relação à América Latina, a administração Roosevelt pôs fim ao


intervencionismo militar e implementou a política da “Boa Vizinhança”.
Esta buscava obter apoio do continente para o funcionamento de um siste-
ma pan-americano de cooperação em defesa e de fim do protecionismo no
comércio entre as repúblicas americanas. O secretário de Estado Cordell
Hull compareceu a VII Conferência e votou a favor da Convenção sobre
os Direitos e Deveres dos Estados, que estabeleceu a igualdade jurídica
entre os países, bem como o princípio de não intervenção de um Estado
nos assuntos internos ou externos de outro. Hull votou a favor para não
ser a voz discordante e foi fortemente pressionado a fazê-lo pelos demais
delegados13.

Simultaneamente a VII Conferência, houve nova possibilidade de


tratar da Guerra do Chaco no âmbito hemisférico. A essa altura, havia
dois grupos mediadores buscando que Bolívia e Paraguai negociassem o

11  –  CAETANO, Gerardo. La vida política in ___ (dir.). América Latina en la Historia
Contemporánea; Uruguay. Montevideo: Planeta, t. III (1930-2010), p. 37-112, 2016, p.
24-25.
12  –  IRIYE, Akira. The Globalizing of America in COHEN, Warren I (ed). The Cam-
bridge History of American Foreign Relations, 1913-1945. New York: Cambridge Uni-
versity Press, v. III, 1993, p. 140.
13  –  MORGENFELD, Leandro. Vecinos en conflito; Argentina y Estados Unidos en las
Conferências Pan-Americanas (1880-1955). Buenos Aires: Peña Lillo/Ediciones Conti-
nente, 2011, p. 240-241.

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fim da guerra, o Comitê de Neutros (EUA, Colômbia, México e Uruguai),


instalado em 1929, e o ABCP (Argentina, Brasil, Chile e Peru) criado
em 1932. O Comitê que, por ser liderado pelos EUA, foi boicotado pelo
chanceler argentino Saavedra Lamas,14 e o ABCP não conseguiram obter
uma solução negociada para a guerra. Em 1933, a Argentina ingressou na
Liga das Nações, da qual o Brasil havia se retirado em 1926, e passou a
defender que essa organização atuasse na questão do Chaco, e a institui-
ção criou uma Comissão Especial para tanto, que chegou a Montevidéu
durante os trabalhos da VII Conferência. Ela foi bem recebida por Hull
e pelos demais representantes das repúblicas americanas, que apoiaram
a iniciativa da Liga das Nações e obteve uma breve trégua. Afinal, não
se conseguiu pôr fim à luta, mas Saavedra Lamas foi bem sucedido em
assumir o comando das negociações de paz e de, nelas, a Argentina ter
papel proeminente15.

O Uruguai de Terra inclinou-se favoravelmente ao pan-americanis-


mo, pois o país sempre apoiou as posições dos Estados Unidos em temas
econômicos, nas conferências pan-americanas, embora divergisse em re-
lação a assuntos vinculados à intervenção nos assuntos de outros países
e à primazia do direito interno de cada Estado. O “pan-americanismo
uruguaio” era fundamentado no fato de ser “um país pequeno procurando
alianças com potências mundiais para conter seus dois grandes vizinhos,
Brasil e Argentina”16. O apoio uruguaio aos EUA na VII Conferência foi
moderado e pragmático, características do governo Terra em outras ini-
ciativas externas, como melhorar as relações com a Grã-Bretanha; refor-
çá-las com a Argentina e com o Brasil e, em movimento de reorientação

14  –  Vicente RIVAROLA, embaixador paraguaio, para o presidente Eusebio AYALA,


Buenos Aires, 23.1.1933 apud DORATIOTO, Francisco. As políticas da Argentina e do
Brasil em relação à disputa boliviano-paraguaia pelo Chaco (1926-1936). In: FUNA. Bra-
sil-Argentina: a visão do outro. Brasília: FUNAG, 439-476, 2000, p. 452.
15 – Idem, p. 451-455.
16  –  MARCHESI, Aldo; MARKARIAN, Vania. Uruguay en el mundo in CAETANO,
Gerardo (dir.). América Latina en la Historia Contemporánea; Uruguay. Montevideo:
Planeta, t. III (1930-2010), p. 113-156, 2016, p. 116-117.

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conservadora, rompê-las com a União Soviética em 1935 e aprofundá-las


com a Alemanha e com a Itália17.

Nas relações comerciais, Terra reabriu em 1935 o mercado britânico


para as carnes uruguaias, do qual fora praticamente excluído em 1932
quando a Grã-Bretanha e os demais membros da Commonwealth estabe-
leceram, pela Convenção de Otawa, um sistema de tarifas preferenciais
de comércio entre si. Ainda em 1935, os presidentes Terra e Justo assi-
naram acordo comercial pelo qual a Argentinaa facilitava a entrada de
reprodutores bovinos e frutas cítricas uruguaias, em troca de um regime
mais liberal pelo Uruguai na importação de peras, maçãs e uvas argenti-
nas. Com os EUA, intensificaram-se as relações comerciais e as conexões
financeiras, enquanto, com a Alemanha, implementou-se a prática do sis-
tema de comércio compensado. Por este, o Uruguai obteve maquinaria e
medicamentos alemães, bem como a construção pela Alemanha de uma
represa hidrelétrica no rio Negro, a ser paga com as exportações uru-
guaias de lã para esse país, mas a obra foi interrompida com o início da
II Guerra18.

O acordo de cessar fogo entre a Bolívia e o Paraguai, em 1935, criou


a oportunidade para o Presidente Roosevelt propor uma conferência de
paz interamericana. Ela teria como objetivos fazer um balanço do sistema
de segurança do continente e discutir o aperfeiçoamento de instrumen-
tos para manter a paz no hemisfério americano. Roosevelt preocupava-se
com o crescimento da tensão mundial e via na Conferência a oportunida-
de de constituir a unidade continental em torno da neutralidade em caso
de conflito em outro continente19.

17  –  CAETANO, 2016, p. 41. O rompimento de relações com a URSS ocorreu como
consequência da pressão do governo brasileiro que, impactado pela levante comunista
de 1935, solicitou ao governo Terra medidas contra a presença de comunistas em Mon-
tevidéu. GOMES, Rafael Nascimento. As relações diplomáticas entre Brasil e Uruguai
(1931-1938). Jundiaí (São Paulo): Paco Editorial, 2017, p. 171.
18  –  AROCENA OLIVERA, p. 186.
19  –  MECHAN, J. Lloyd. The United States and Inter-American Security, 1889-1960
2ed. Austin: University of Texas Press, 1962, p. 122.

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A Conferência Interamericana de Consolidação da Paz foi inaugura-


da em Buenos Aires em dezembro de 1936, com a presença de Roosevelt.
No discurso de abertura, ele afirmou que cada uma das repúblicas ame-
ricanas tinha aprendido as “glórias da independência” e que era hora de
“aprender as glórias da interpendência”20. Os EUA buscavam construir
sua liderança continental, mas a Argentina, que era “o país que mais re-
sistira à influência estado-unidense na América do Sul no último meio sé-
culo”, opôs-se, pois desejava manter-se autônoma e não interdependente.
Afinal, ela aprofundara as relações comerciais com a Grã-Bretanha em
um mundo protecionista, mas não conseguia obter um acordo de comér-
cio com os Estados Unidos21. Aos países americanos, interessava obter
meios de defesa de sua independência e da integridade territorial, exce-
to a Argentina, que recusou a proposta norte-americanas de criar-se um
Conselho Interamericano Consultivo Permanente. A aprovação unânime
do documento final da Conferência só foi obtida mediante uma declara-
ção genérica do princípio de solidariedade continental, e pela criação de
um mecanismo pontual de consulta entre as repúblicas americanas, a ser
feita apenas se a gravidade das circunstâncias assim o requeresse22.

Mesmo sendo pontual, esse mecanismo de consulta era positivo para


os Estados Unidos, ao oferecer possibilidades de cooperação. Ele tam-
bém satisfez à Argentina, que recusava-se a aceitar decisões mandatórias
por irem contra sua autonomia externa. A consulta entre as repúblicas era
simples e eficaz “e lançou as bases para a defesa contra ameaças externas”
e poderia ser aplicada a litígios interamericanos, contribuindo para evitar
guerras como a do Chaco. O Paraguai seguiu a posição da Argentina na
ressalva à aplicação de sanções comerciais e financeiras para evitar que
países começassem uma guerra ou de estabelecê-las, se o conflito tivesse
sido iniciado, de modo a manter a neutralidade das Américas. Os dois
países ressalvaram que poder-se-ia vender matérias-primas, alimentos e
financiar um país em guerra, desde que a população civil fosse a benefi-

20 – Idem, p. 124.
21  –  MORGENFELD, p. 189.
22  –  AROCENA OLIVEIRA, p. 246.

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ciada23. Era uma forma de a Argentina contornar a aplicação de sanções,


pois seria inviável diferenciar esse consumo entre forças militares e a
população civil.

Em 1938, na Argentina, terminou o mandato do presidente Justo


e sua base política, a Concordancia, em eleições fraudulentas, elegeu
Roberto Marcelino Ortiz como sucessor e como vice-presidente alguém
mais conservador, Ramón S. Castillo. Ortiz tomou posse em fevereiro e
nomeou ministro das Relações Exteriores o diplomata José M. Cantillo,
que deu continuidade à política argentina contrária ao pan-americanismo
defendido pelos EUA. No Uruguai, por sua vez, em eleição competitiva,
Terra ajudou a eleger seu sucessor, o general colorado Alfredo Baldomír,
também apoiado pelo herrerismo, que assumiu a Presidência em junho de
1938. Para ministro das Relações Exteriores, Baldomír nomeou o diplo-
mata Alberto Guani, que fez a transição da neutralidade inicial uruguaia
na II Guerra para o alinhamento pró-aliado, ante a observação inicial aten-
ta e, depois, sob pressão clara da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos24.

Em 1938, Roosevelt desencadeou uma contra-ofensiva diplomática


para conter a expansão alemã no continente americano. No Acordo de
Munique, de setembro desse ano, a Grã-Bretanha e a França cederam
a Tchecoslováquia a Hitler e o presidente norte-americano, preocupado
com a situação, propôs, dois meses depois e às vésperas da abertura da
VIII Conferência Pan-Americana, uma aliança defensiva das repúblicas
americanas contra agressão externa. O programa de defesa dos Estados
Unidos para 1939 ampliou o conceito de segurança nacional do seu terri-
tório para a de todo o continente, do Canadá à Terra do Fogo25.

A VIII Conferência Pan-americana foi inaugurada em Lima em 9 de


dezembro de 1938. Nela, a diplomacia norte-americana argumentou ha-
ver a possibilidade de agressão militar às Américas por potência externa
e, para enfrentá-la, defendeu a o princípio de solidariedade continental e
23  –  MECHAN, p. 125, 134-135
24  –  NAHUM, Benjamín et alli. Crisis política y recuperación económica, 1930-1958.
Montevideo: Ediciones Banda Oriental, colección “Historia Uruguaya”, t. 7, 2007, p. 39.
25 – MECHAN, p. 137.

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a assinatura de um pacto militar de segurança entre as repúblicas ameri-


canas26. Antes de ir a Lima, o chanceler Guani encontrou-se com seu co-
lega argentino Cantilo, que não obteve apoio para as posições argentinas,
pois o uruguaio tinha instruções de evitar qualquer compromisso político
com a Argentina, para não parecer que o Uruguai formasse parte de uma
articulação contrária aos EUA27. Em parte devido à pressão argentina, o
Paraguai votou contra a proposta norte-americana de um pacto de defesa
mútua entre os países americanos28, e se posicionou junto ao Uruguai e à
Argentina contra a qualquer referência à Alemanha na declaração final do
encontro de Lima29. A VIII Conferência aprovou declaração de princípios
da solidariedade continental e aperfeiçoou o sistema de consultas entre
os países americanos, estendendo-o para questões econômicas, culturais
ou de outra natureza de interesse dos Estados americanos, mas sem efeito
obrigatório30.

A diplomacia argentina estava em seu apogeu no Rio da Prata e era


eficiente na defesa dos seus objetivos regionais. Respaldava-a a supe-
rioridade econômica, militar e demográfica em relação ao Paraguai e ao
Uruguai, cujos governos tinham de considerar as posições argentinas an-
tes de definirem boa parte das respectivas políticas externas. O Paraguai
era economicamente dependente da Argentina, condição que repercutia
nos demais setores da vida nacional. Ademais, durante a Guerra do Chaco,
embora a Argentina tenha se declarado neutra, forneceu secretamente ao
Paraguai material bélico e informações militares sobre a Bolívia31. O
26  –  GROW, Michal. The Good Neighbor Policy and Authoritarism in Paraguay;
United States Economic Expansion and Great-Power Rivalry in Latin America during
World War II. Kansas: The Regents Press of Kansas, 1981, p. 35.
27  –  RODRÍGUEZ AYÇAGUER, Ana María. El alineamento internacional del Uruguay
durante la Segunda Guerra Mundial: algunas hipótesis y reflexiones. In: V Jornada Intera-
mericana de Historia de las Relaciones Internacionales, La Plata (Argentina), 1999, p. 6-7.
Disponível em: https://www.academia.edu/11782156/El_alineamiento_inernacional_
del_Uruguay_durante_la_Segunda_Guerra_Mundial._Algunas_hip%C3%B3tesis_y_re-
flexiones. Acesso em 5.12.2018.
28  –  MORA, Frank O.; COONEY, Jerry. El Paraguay y Estados Unidos. Asunción: In-
terncontinental, 2009, p. 134.
29  –  GROW, p. 38.
30  –  AROCENA OLIVERA, p. 189.
31  –  Ver as memórias do embaixador paraguaio em Buenos Aires durante a Guerra do

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Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

Uruguai não tinha essa dependência, quer porque sua posição geográfica
dava-lhe acesso direto ao mar e às rotas marítimas comerciais, quer por-
que sua independência e sua construção do Estado Nacional foram feitas
contra os intervencionismos argentino e brasileiro, mas, ainda assim, sua
política externa tinha de equilibrar-se entre autonomia e cordialidade em
relação à Argentina.

A transição da ascendência argentina para a norte-americana


O alinhamento paraguaio com a Argentina começou a ser altera-
do com a ascensão à Presidência paraguaia do genera Estigarribia. Em
Washington, como presidente eleito, ele se reuniu com funcionários do
Departamento de Estado que lhe prometeram ajuda norte-americana à
sua futura administração. Estigarribia informou-os ser importante para o
Paraguai a construção de estradas, principalmente uma ligando Assunção
à fronteira norte com o Brasil, bem como o desenvolvimento da agricul-
tura no leste do território paraguaio32. O próprio Cordel Hull garantiu-lhe
que os EUA financiariam as obras necessárias ao desenvolvimento para-
guaio33. O governo Roosevelt contava com o prestígio de Estigarribia na
sociedade e no Exército do Paraguai para deter a crescente influência do
nazifascismo no país, e o futuro presidente deu garantias de contê-la. De
fato, o presidente Estigarribia recusou propostas alemãs para construir
um oleoduto da Bolívia até as margens do rio Paraguai e, outra, para fa-
zer a estrada ligando Assunção à fronteira brasileira, instalando, em suas
margens, colônias germânicas e fábricas34.

Chaco: RIVAROLA, Vicente. Memorias diplomáticas. Buenos Aires: Ayacucho, 1952 (v.
I) e 1955 (v. II)
32 – Memorandum of conversation by Mr. Andrew E. Donovan II of the Division of the
American Republic, Washington, 20.04.1939. In: DEPARTMENT OF STATE - FOR-
EIGN RELATIONS OF THE UNITED STATES (FRUS). Disponível em: <http://digi-
coll.library.wisc.edu/cgi-bin/FRUS/FRUS-idx?type=article&did=FRUS. FRUS1939v05.
i0029&id=FRUS.FRUS1939v05&isize=M > Acesso em 26.3.2018.
33 – The Secretary of State to the Paraguayan Minister (Estigarribia), Washington,
13.6.1939. Idem.
34  –  MORA; COONEY, p. 133-134.

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Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

Estigarribia retomou o projeto iniciado discretamente pelos gover-


nos liberais da década de 1920, de aproximar o Paraguai do Brasil, como
forma de reduzir a dependência paraguaia em relação à Argentina. Por
diferentes motivos, esse projeto não teve desdobramentos práticos até
o final da década de 1930, embora não tivesse sido abandonado35. Na
viagem de volta ao Paraguai, para assumir a Presidência da República,
Estigarribia fez escala no Rio de Janeiro em 22 de junho, onde foi rece-
bido por Getúlio Vargas com honras de chefe de Estado e foi saudado por
uma multidão nas ruas por onde o seu carro passou. Em entrevista à im-
prensa, perguntado sobre a situação europeia, Estigarribia declarou que
“os povos americanos” deveriam “manter um critério análogo ou idên-
tico em face de uma futura conflagração”36, convergindo para a posição
da diplomacia norte-americana. Ele assistiu a um desfile militar de dez
mil soldados no dia 24; manteve uma reunião com Vargas e assistiu à
cerimônia de assinatura de acordos para a conexão ferroviária; para o in-
tercâmbio cultural e o incremento comercial entre os dois países, ocasião
em que Oswaldo Aranha afirmou que os dois países uniam-se “numa obra
de colaboração”37.

Após assumir a Presidência, Estigarribia autorizou a construção da


rodovia entre Assunção e Coronel Oviedo, metade do trajeto para alcançar
a fronteira com o Brasil, obra financiada pelo Eximbank norte-americano.
O governo Vargas, por sua vez, enviou quatro engenheiros a Assunção,
três para colaborar com as construções ferroviárias do lado paraguaio e
um para promover a cooperação técnica na agricultura. Em dezembro de
1939, o governo paraguaio autorizou a Panair do Brasil S.A. voar comer-
cialmente entre o Rio de Janeiro e Assunção38.

35  –  DORATIOTO, Relações Brasil-Paraguai, p. 257-304; 368-389.


36  –  “O Paraguay quer a paz e eu trabalharei por ella”. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro,
24.6.1939, p. 12. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/103730_06/22340>
Acesso: 15.10.2019.
37  –  “Intercâmbio Ferroviário, Cultural e Econômico Brasileiro-Paraguaio”. Jornal do
Brasil. Rio de Janeiro, 25.6.1939, p. 7. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocRea-
der/030015_05/93904> Acesso em: 15.10.2019.
38 – DORATIOTO, Relações Brasil-Paraguai..., p. 442.

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Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

No final do 1939, Paraguai e Uruguai apoiaram as posições dos


EUA, na I Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores
Americanos, realizada no Panamá, para discutir a postura do continente
na guerra europeia, iniciada há pouco.39. O Uruguai declarou sua neu-
tralidade já em 5 de setembro e, nessa reunião, adotou posição antina-
zista e antifascista. Para a diplomacia uruguaia, a neutralidade não era
sinônimo de indiferença, mas de manter “atitude vigilante” para poder
protestar contra transgressões humanitárias dos países beligerantes. Este
princípio constou em uma das resoluções finais do encontro do Panamá40.
A Argentina também declarou-se neutra antes do início da reunião e seu
representante, o embaixador Leopoldo de Mello, opôs-se às propostas
dos EUA de criar instrumentos efetivos de solidariedade continental41.
A Reunião de Consulta declarou a neutralidade das Américas no conflito
europeu e estabeleceu uma área de segurança marítima de 300 milhas da
costa americana, onde as partes em guerra não deveriam atuar42. Esta foi
logo desrespeitada quando, em dezembro, o encouraçado alemão Graf
Spee foi danificado em combate por três belonaves britânicas no litoral
próximo a Punta del Este, e se refugiou no porto de Montevidéu. Devido
à neutralidade uruguaia, ele teve de partir após pequenos reparos e foi
afundado por seu capitão para não o ser pelos tiros de canhão dos navios
inimigos43.

No entanto, a Argentina persistia na defesa de uma neutralidade não


vinculante ao pan-americanismo e que preservasse sua autonomia, po-
lítica apoiada por diferentes setores da sociedade. No plano comercial,
havia a expectativa de que a neutralidade permitiria a continuidade das
exportações para os dois lados em guerra na Europa. No plano político,
a neutralidade era apoiada inclusive pelos nacionalistas de extrema direi-
ta que eram anti-liberais, contrários à influência britânica na Argentina,
39  –  MORA; COONEY, p. 134.
40  –  AROCENA OLIVERA, p. 205
41  –  SANCHÍS MUÑOZ, José R. La Argentina y la Segunda Guerra Mundial. Buenos
Aires: Grupo Editor Latinoamericano, 1992, p. 47, 59.
42  –  AROCENA OLIVERA, 1984, p. 205-206.
43  –  Lincoln R. MAIZTEGUI CASAS, Orientales, una historia política del Uruguay.
Montevideo: Planeta, t. 3 (1938-1971), 2008, p. 17-30

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Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

antissemitas e defensores da liderança da Argentina na América Latina.


Esse pensamento penetrou nas Forças Armadas argentinas e os nacio-
nalistas viam no projeto de pan-americanismo dos EUA uma ameaça à
construção dessa liderança argentina. Ademais, pela lógica desses nacio-
nalistas, manter a neutralidade na guerra iniciada na Europa era uma for-
ma de evitar a mobilização das Américas contra a Alemanha nazista, que
eles admiravam44.

Em julho de 1940, o nazifascismo dominava boa parte do territó-


rio europeu. Nessa circunstância, ocorreu a II Reunião Interamericana
de Consulta de Havana, reunida entre 21 e 31 de julho de 1940, com
o objetivo de adotar medidas práticas para a defesa das Américas.
Na Reunião, persistiu a posição argentina de esquivar-se a assumir
compromissos práticos, não sem antes tentar convencer outros países a
enviar para a reunião representantes de menor hierarquia do que a de
chanceleres45. O ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Tomás
Salomoni, chefiou a delegação de seu país, enquanto a do Uruguai foi
chefiada pelo ex-chanceler e ex-ministro da Fazenda Pedro Manini Ríos.
O chanceler Guani deixou de ir a Havana por outros motivos que não essa
ação da diplomacia argentina, mas ele expôs ao representante paraguaio,
em Montevidéu, quais seriam as posições uruguaias na Reunião e, para
elas, pediu apoio. Guani informou que seu país era favorável a medidas
de defesa comum e de solidariedade entre os países americanos, desde
que respeitada as autonomias nacionais46.

Na Reunião de Havana, o Paraguai e o Uruguai apoiaram as


posições norte-americanas, inclusive quanto à criação de uma Comissão

44  –  BEIRED, José Luis Bendicho. “A grande Argentina”: um sonho nacionalista para a
construção de uma potência na América Latina. Revista Brasileira de História. São Paulo,
v. 21, n. 42, p. 302-322, 2001, p. 312-314. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000300003>
Acesso em 15.3.2017.
45  –  Encarregado de Negócios José DAHLQUIST para EXTERIORES, telegrama,
Buenos Aires 2.7.1940. Archivo Histórico – Ministerio de Relaciones Exteriores – Para-
guai, DPI, carpeta 353.
46  –  DAHLQUIST para SALOMONI, nota “privada y confidencial”, Montevideo,
4.7.1940. Idem.

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Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

Interamericana para administrar as colônias e as possessões nas Américas


dos países europeus ocupados pela Alemanha. O chanceler Salomoni foi
surpreendido pela divergência entre a Argentina e os EUA, em que este
propunha mandato coletivo americano sobre essas colônias, e a Argentina
era contrária. O ministro paraguaio enviou telegrama a Estigarribia
solicitando instruções, e recebeu a ordem para apoiar a posição norte-
americana47.

A Resolução final da Reunião de Havana declarou que, se houvesse


um ataque de fora do hemisfério a um país americano, o ato seria
considerado uma agressão aos demais países do hemisfério. A Resolução
permitiu que os países americanos assinassem acordos de defesa entre
si, sem a necessidade de autorização unânime das demais repúblicas
do continente. Esse foi o instrumento jurídico que permitiu ao governo
Roosevelt assinar tratados bilaterais de cooperação militar e fornecimento
de armamento a governos estrangeiros amigos, medida fundamental para
o exercício da liderança norte-americana nas Américas durante a guerra48.

Em Havana, o chanceler paraguaio Salomoni teve longo encontro


com Cordell Hull, que lhe agradeceu pelo apoio do Paraguai. Salomoni
disse que o seu país esperava muito dos Estados Unidos, e Hull respondeu
convidando-o para acompanhá-lo a Washington para uma visita oficial.
Em telegrama a Estigarribia, relatou Salomoni estar “preparando terre-
no” para a efetivação do apoio norte-americano e que estava otimista
quanto aos resultados49. Esse apoio era importante, pois, na primeira me-
tade de 1940, as exportações paraguaias declinaram em 30% e a eco-
nomia interna foi impactada pelo déficit na balança comercial do país50.
Em Havana, Salomoni declarou à imprensa estar satisfeito com a notícia
de que Roosevelt concorreria a uma terceira reeleição à Presidência dos

47  –  SALOMONI para EXTERIORES, telegrama n. 4, Havana, 25.7.1940. Id.


EXTERIORES para SALOMI, telegrama n. 2, Asunción, 26.7.1940. Id.
48 – BOERSNER, Demetrio. Relaciones internacionales de America Latina. 4ed Cara-
cas: Nueva Sociedad, 1990, p. 219.
49  –  SALOMONI para ESTIGARRIBIA, telegrama cifrado n. 3, Havana, , 20.7.1940.
Archivo Histórico - Ministerio de Relaciones Exteriores – Paraguai, DPI 353.
50  –  GROW, p. 57.

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Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

EUA por ser “um amigo da América Latina ...[e] do nosso presidente, o
general Estigarribia” e por demonstrar “boa vontade para os problemas da
reconstrução paraguaia depois da guerra do Chaco”51.

Salomoni e Hull viajaram juntos de trem para Washington, onde


chegaram no início de agosto. O chanceler paraguaio foi recebido em
audiência especial por Roosevelt, acompanhado de Hull e de Wells. Em
demonstração de deferência para com Salomoni, o secretário de Estado
ofereceu-lhe um banquete, enquanto o presidente recebeu-o em sua resi-
dência para um almoço52. Wells assegurou a Salomoni que seriam cum-
pridos os planos anteriormente combinados com Estigarribia e que os
EUA prestariam ao Paraguai cooperação concreta nos planos econômico,
político e militar53.

No entanto, Estigarribia foi vítima de acidente aéreo e morreu em 7


de setembro de 1940. Ele assumira a Presidência como resultado de uma
aliança entre militares e liberais, e seu governo, em pouco tempo, pas-
sou a sofrer descontentamento de estudantes que reivindicavam respeito
à autonomia universitária, bem como se desentendeu com o Legislativo e
os partidos políticos. A crise política agudizou-se e, em meados de 1940,
os ministros demitiram-se e o Congresso autodissolveu-se e deixo u ao
presidente da República todos os poderes. Uma comissão de juristas ela-
borou nova Constituição, que estabeleceu um sistema político e social
autoritário. Estigarribia tinha interesse em um Estado forte e implemen-
tou um programa com uma série de medidas sociais nos poucos meses
de seu governo. Sua morte ocorreu em momento de maior popularidade
e de poder54.

51  –  “Disposto o Paraguai a soluções americanas”. Correio da Manhã. Rio de Janei-


ro, 19.7.1940, p. 1. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/089842_05/2420>
Acesso em 29.11.2019.
52  –  Horacio A. FERNÁNDEZ, Ministro Plenipotenciário paraguaio, para EXTERIO-
RES, telegrama B42, Washington, 6.8.1940. Archivo Histórico - Ministerio de Relaciones
Exteriores – Paraguai, DPI 353.
53  –  SALOMONI para ESTIGARRIBIA, telegrama cifrado n. 78, Washington, 6.8.1940.
Idem.
54 – RODRÍGUEZ, José Carlos. El Paraguay bajo el Nacionalismo, 1936-1947.
Asunción: El Lector, colección La Gran Historia del Paraguai n. 11, 1998, p. 47-52.

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Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

A Constituição de 1940 eliminara o cargo de vice-presidente, e ofi-


ciais nacionalistas simpáticos ao nazifascismo obtiveram que o Conselho
de Ministros nomeasse como presidente provisório um dos seus, o mi-
nistro da Guerra general Higinio Morínigo Martínez. Pela norma consti-
tucional, Morínigo deveria convocar novas eleições presidenciais, mas o
fez somente em 1943 e de modo a dar continuidade à sua ditadura55. No
meio civil, o antiliberalismo de Morínigo granjeou o apoio de um grupo
de intelectuais conservadores com inclinação autoritária, conhecido como
tiempista, e um deles, Luis Argaña, foi designado ministro das Relações
Exteriores. Os setores da sociedade paraguaia ligados ao comércio, aos
bancos e a atividades produtivas eram suscetíveis à propaganda nazista
e, mesmo aqueles que eram simpáticos à democracia, reconheciam como
funcionais o nacionalismo e a disciplina alemães56.

Morínigo dispunha, portanto, de condições internas favoráveis ao


exercício autoritário do poder, mas não poderia fazê-lo demonstrando in-
clinação favorável à Alemanha, pois isso não seria aceito pelos EUA.
O Paraguai era um dos países menos desenvolvidos do continente, com
economia basicamente produtora de matérias-primas e incapaz de dar
emprego remunerado à população em idade de trabalhar57. Estigarribia
assumira o compromisso de colaborar com os EUA, o que seria retribuído
com recursos financeiros e com materiais norte-americanos para dinami-
zar a economia local. Apesar de seus ideais autoritários e da sua simpatia
e a de seus chefes militares pela Alemanha nazista, Morínigo não tinha
condições políticas nem razões materiais para descumprir esse compro-
misso. A realidade condicionava e limitava a atuação de Morínigo e, a ele,
aplica-se a célebre frase de Ortega y Gasset: “eu sou eu mesmo e minha
circunstância e se não a salvo, não posso me salvar”58.

55 – Idem, p. 54.
56  –  SEIFERHELD, Alfredo M. Nazismo y fascismo en el Paraguay; los años de la
guerra 1939-1945. Asunción: Editorial Histórica, 1986, p. 23; 103.
57  –  ASHWELL, Washington. Historia Económica del Paraguay. Asunción: Edciones y
Arte, t. II (Colapso y abandono del sistema liberal; 1923-1946), 1996, p. 364.
58  –  ORTEGA Y GASSET, José. Meditaciones del Quijote. Madrid: Revista de Occi-
dente, Obras Completas, v. I, 1966, p. 322.

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Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

Morínigo apresentou-se aos EUA como um parceiro confiável no


contexto regional e internacional. Ele deu garantias nesse sentido por
meio do representante paraguaio em Washington, Horacio A. Fernández,
que comunicou a Cordel Hull a continuidade ao programa de cooperação
estabelecido entre Estigarrribia e a administração Roosevelt. Fernández
também apresentou uma lista com as necessidades que o Paraguai deman-
dava dos EUA59. Em 20 de setembro de 1941, os governos norte-ameri-
cano e paraguaio assinaram um acordo de Leand-Lease em termos muito
mais generosos do que os concedidos a qualquer das repúblicas ameri-
canas. Orme Wilson, funcionário do Departamento de Estado responsá-
vel pela interlocução com o Departamento da Guerra, aconselhou Hull
a evitar qualquer menção do acordo à imprensa, pois “seria lamentável”
que outros governos americanos soubessem das condições de pagamento
concedidas ao Paraguai60.

Para contrapor-se à influência alemã, Roosevelt foi pragmático:


“comprando apoio da América do Sul, sem considerar a orientação ide-
ológica dos regimes da região”61. Morínigo obteve dos Estados Unidos
ajuda militar e econômica que nenhum governante paraguaio conseguira
antes e correspondeu alinhando-se gradualmente à política internacio-
nal norte-americana. O fez superando resistências em contrário de seus
chefes militares, dos alemães que tinham força econômica e política no
Paraguai e da Argentina62. Para vencê-las, também colaborou a ação di-
plomática brasileira visando reduzir a influência argentina no Paraguai.
Em junho de 1941, o chanceler Argaña assinou, no Rio de Janeiro, acor-
dos de cooperação bilateral entre seu país e o Brasil., que constituem
um marco no reposicionamento geopolítico do Paraguai no Rio da Prata.
59  –  FERNÁNDEZ para SECRETARY OF STATE, Washington, 17.9.1940. In: DE-
PARTMENT OF STATE – FOREIGN RELATIONS OF THE UNITED STATES (FRUS)
Disponível em:<https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1940v05/d1197_ >
Acesso em 10.4.2019.
60 – Memorandum by the Liaison Officer (Wilson) to the Secretary of State, Washington,
20.9.1941. In: DEPARTMENT OF STATE – FOREIGN RELATIONS OF THE UNIT-
ED STATES (FRUS). Disponível em: <https://history.state.gov/historicaldocuments/
frus1941v07/d381> Acesso em 10.4.2019
61  –  MORA; COONEY, p. 138-139.
62  –  RODRÍGUEZ, p. 54.

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Dois meses depois, em agosto, Getúlio Vargas fez a primeira visita de um


chefe de Estado brasileiro ao Paraguai e foi recebido apoteoticamente em
Assunção63.

No caso uruguaio, o presidente Baldomír e o chanceler Guani pro-


moveram o progressivo alinhamento pró-aliado uruguaio, ganhando
apoio no batllismo neto, no nacionalismo independiente, bem como em
círculos intelectuais e nos movimentos sindical e estudantil. O sentimento
pró-aliado ganhou adeptos mesmo entre antigos admiradores da ordem
fascista no oficialismo colorado, enquanto o herrerismo permaneceu fir-
memente neutralista64. Este desencadeou forte crítica ao governo quando,
pouco depois do encontro de Havana, o New York Times noticiou que o
Uruguai teria permitido a construção de base aeronaval norte-americana
em seu território. A polêmica foi arrefecida ao vetar o Senado uruguaio a
construção de instalações militares no país que pudessem ser usadas por
potências estrangeiras65.

Sobre esse assunto, Guani teve de explicar-se a seu colega argentino


Julio Roca, em reunião na cidade de Colonia del Sacramento, em de-
zembro de 1940, realizada por insistência argentina. Havia preocupação
do governo argentino da instalação de base norte-americana na margem
esquerda do Rio da Prata, por crer que poderia facilitar aos EUA conver-
ter-se no árbitro dos assuntos da região e, nela, ampliar sua influência.
Ademais, essa presença militar norte-americana fortaleceria a posição do
Uruguai que poderia, eventualmente com o apoio do Brasil, arrancar da
Argentina concessões quanto àà soberania das águas do Rio da Prata66.

63 – DORATIOTO, Relações Brasil-Paraguai..., p. 450.


64  –  NAHUM, p. 41.
65  –  LINCOLN, p. 30-31
66  –  FIGALLO, Beatriz. ¿Bases aeronavales norteamericanas en el Río de la Plata? La
Argentina, el Cono Sur y la Segunda Guerra Mundial. In: Actas de las Sextas Jornadas
Internacionales e Interdisciplinarias de Estudios Portuarios, Rosario (Argentina), 2015,
p. 242-243. Disponível em: <http://www.institutohistoria.com.ar/uploadsarchivos/actas_
digitales_6tas_jornadas_internacionales_e_interdisciplinarias_de_estudios_portuarios-.
pdf> Acesso em 7.7.2019.

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Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

O motivo oficial da reunião do encontro entre Roca e Guani era o


de tratar da cooperação econômica, conforme recomendara a declara-
ção final da Reunião de Havana. Era política argentina assinar acordos
de união aduaneira com os países da região, mas Roca obteve apenas
a criação de uma Comissão binacional para estudar uma possível união
aduaneira, pois Guani afirmou que o Uruguai precisaria estudar melhor o
assunto, pois a Argentina e o Brasil tinham economias mais industrializa-
das. Explica-se essa preocupação devido aos resultados da Conferência
Econômica Argentino-Brasileira, realizada dois meses antes no Rio de
Janeiro com a presença dos ministros da Fazenda dos dois países que
resultou na recomendação de implementar-se progressivamente o livre
comércio entre a Argentina e o Brasil. A união aduaneira não se restringiria
ao Brasil, planejando-se estendê-la aos “países vizinhos” e, na perspec-
tiva de Buenos Aires, marcava uma nova realidade nas relações entre as
repúblicas americanas67.

O real motivo de a Argentina insistir na reunião em Colonia foi o de


questionar Guani sobre a instalação de base norte-americana no Uruguai.
Ele negou a Roca que houvesse essa decisão e esclareceu que a origem da
notícia resultava de reuniões entre oficiais norte-americanos e chefes mi-
litares uruguaios para discutirem temas de defesa. Guani esclareceu que
esses militares norte-americanos eram os mesmos que tinham estado em
Buenos Aires semanas antes, com essa mesma finalidade, e lhe garantiu
que a Argentina seria comunicada caso o Uruguai assinasse acordo mili-
tar com outro país. Na realidade, das reuniões com esses oficiais, partici-
param membros da cúpula política uruguaia, inclusive o próprio Guani,
e, embora não fosse assinado nenhum acordo, o fato é que o governo
Baldomír mostrou-se disposto a colaborar com as necessidades militares
norte-americanas na região, por considerá-las parte do esforço de defesa
do continente68.

67  –  Mensagem do Presidente Ortiz ao Congresso, 1941. Disponível em: <https://www.


hcdn.gob.ar/secparl/dgral_info_parlamentaria/dip/archivos/1941_Mensaje_presidencial_
Ortiz.pdf> Acesso em 10.3.2019.
68  –  FIGALLO, Beatriz. Desde la crisis internacional a los conflictos regionales: la
Argentina y el Uruguay, 1940-1955. Anuario del CEH. Córdoba, n. 1, ano 1, p. 329-350, 2001,

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Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

No mês seguinte, em janeiro de 1941, realizou-se, em Montevidéu, a


Conferência Regional do Prata, convocada pela Bolívia e pelo Paraguai.
O objetivo era o de buscar a cooperação econômica e fiscal regional, para
contornar as dificuldades desses dois países ao não terem saída direta
para o mar. Na realidade, a realização dessa Conferência foi induzida pela
Argentina, com a finalidade de criar um bloco econômico na América
Meridional que se contrapusesse à presença norte-americana na região.
Nessa Conferência, decidiu-se por uma série de medidas a serem imple-
mentadas para facilitar as comunicações físicas e o intercâmbio comercial
da região69.

Nesse mesmo mês de janeiro, Roca e Federico Pinedo, ministro da


Fazenda, renunciaram a seus cargos no ministério de Castillo, basica-
mente por problemas de política interna. O Poder Executivo estava sen-
do exercício em caráter provisório pelo vice-presidente Ramón Castillo
desde agosto de 1940, quando Ortiz licenciara-se do cargo por motivo
de saúde70. O presidente em exercício era contrário ao projeto pan-amer-
icanista dos EUA, mas foi pragmático e tentou uma aproximação dis-
creta com Washington, ao proibir o acesso de submarinos de países em
guerra ao espaço marítimo argentino – que somente atingia o Eixo – e
assinou, em outubro de 1941, um acordo comercial com os EUA que,
por seus termos, era quase irrelevante, mas servia para reduzir a tensão
bilateral. No mês seguinte, Argentina e Brasil assinaram um Tratado de
Livre Comércio Progressivo, dando continuidade ao projeto argentino de
construir um bloco comercial na América Meridional71. No entanto, os
tratados assinados com o Brasil e com os Estados, bem como as medidas
decididas na Conferência Regional do Prata, foram inviabilizadas com

p. 338. Disponível em: <https://cehsegreti.org.ar/archivos/FILE_00000253_1310740171.


pdf> Acesso em 28.10.2018.
AROCENA OLIVEIRA, p. 211-212.
69  –  MORGENFELD, Leandro. La neutralidad argentina y el sistema interamericano:
Panamá, La Habana y Río de Janeiro (1939-1942). Ciclos en la Historia, la Economía y
la Sociedad. Buenos Aires, año XIX, v. XVIII, n. 35-36, p. 145-172, 2009, p. 160.
70  –  ROCK, p. 311-312.
71 – LANÚS, Juan Archibaldo. Aquel apogeo; política internacional argentina 1910-
1939. Buenos Aires: Emecé, 2001, p. 476. SANCHÍS MUÑOZ, p. 121.

290 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 181 (483):269-302, mai./ago. 2020.


Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

as consequências para a América Latina do ataque japonês aos Estados


Unidos, em dezembro de 1941.

Paraguai e Uruguai alinham-se aos EUA


Em janeiro de 1942, reuniu-se, na capital brasileira, a III Reunião de
Consulta dos Chanceleres Americanos. Antes de seu início, a diplomacia
argentina tentou formar um bloco de países que a posição argentina de
autonomia e de neutralidade72. No entanto, o princípio de solidariedade
continental decidido na Reunião de Havana, em 1940, havia sido reite-
rada pelas repúblicas americanas em resposta a um memorandum que o
chanceler Guani enviou, em junho de 1941, consultando-as sobre o as-
sunto73. Em janeiro de 1942, porém, alguns Estados estavam renitentes
em assumir posição dura em relação ao Eixo e havia rumores de que
Peru, Paraguai e Bolivia apoiariam a Argentina; para evitar esse risco,
Washington prometeu-lhes auxílio econômico e fornecimento de equipa-
mento militar74. No caso do Paraguai, Roosevelt buscou apoio do Brasil
e foi, graças às gestões do Itamaraty, que o governo Morínigo adotou
atitude solidária aos Estados Unidos75.

Alberto Guani, por sua vez, partiu para o Rio de Janeiro com instru-
ções de obter que a defesa militar do Uruguai fosse feita pelos Estados
Unidos e não pela Argentina, devido à atitude geral dela e de suas pre-
tensões no Rio da Prata76. Em seu discurso na Reunião, Guani disse que
o Uruguai assinaria uma resolução favorável ao rompimento de relações
“com os países agressores” não só como ato de solidariedade americana,
mas também “como medida eficaz de defesa de nossas rotas marítimas”77.
72  –  CONIL PAZ, Alberto; FERRARI, Gustavo. Política exterior argentina, 1930-1962.
Buenos Aires: Circulo Militar, 1971, p. 76.
73  –  AROCENA OLIVEIRA, p. 209
74 – SEINTENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra: o processo de envolvimento brasi-
leiro na Segunda Guerra Mundial. Barueri: Manole, 2003, p. 272.
75  –  GUTIÉRREZ para chanceler SERRATO, nota 185/943, “muy confidencial”, Rio de
Janeiro, 24.5.1943. Archivo Histórico Diplomático – Ministerio de Relaciones Exteriores
- Uruguai, caixa, caixa 61 “Rio de Janeiro (1920-1968).
76  –  DAWSON, representante norte-americano, para WELLES, telegrama “urgente”,
Montevidéu, 10.01.1942 In RODRÍGUEZ AYÇAGUER, p. 10-11.
77  –  AROCENA OLIVERA, p. 212

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 181 (483):269-302, mai./ago. 2020. 291


Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

O presidente Baldomír enviou-lhe telegrama cumprimentando-o pelo dis-


curso e reiterando que “devemos manter colaboração íntima com Estados
Unidos e Brasil” e que era para ficar essa posição uruguaia bem clara78.

A Argentina e o Chile recusaram a proposta de rompimento obriga-


tório de relações diplomáticas com o Eixo e, no final, acabou tornando-se
uma recomendação nesse sentido, o mesmo ocorrendo quanto a aplica-
ção de medidas contra empresas e contra cidadãos alemães, italianos e
japoneses. O subsecretário de Estado Sumner Welles, chefe da delega-
ção norte-americana, concordou em retirar o obrigatoriedade, para evitar
apresentar o continente desunido, mas, por isso, foi censurado pelo secre-
tário de Estado Cordell Hull79.

Uruguai e o Paraguai romperem relações diplomáticas com as po-


tências do Eixo, respectivamente em 25 e 28 de janeiro de 1942, tendo
como base o princípio de solidariedade continental. Durante esse ano, o
governo Baldomír manteve a disposição de colaborar na defesa do con-
tinente e ofereceu suas instalações militares aos Estados americanos que
delas necessitassem para a defesa do continente80. O chanceler Guani teve
papel importante como avalista do sistema interamericano na condição
de presidente do Comitê de Emergência para a Defesa Política, criado na
Reunião do Rio de Janeiro81.

O alinhamento uruguaio com os EUA causou tensões no interior do


governo Baldomír e pôs fim à coalização nascida com o golpe de Terra
em 1933. Luís Alberto de Herrera, estigmatizado como pró-Eixo por de-

78  –  BALDOMÍR para GUANI, telegrama, Montevideo, 20.1.1942. Archivo Histórico


Diplomático – Ministerio de Relaciones Exteriores – Uruguai, caixa 60 “Rio de Janeiro
(1920-1968), pasta “Guerra Europea – Confidencial”.
79  –  MORGENFELD, p. 163-167. CASTAGNOLA, Gustavo. La Argentina en el mun-
do in CATTARUZZA, Alejandro (coord.) América Latina en la Historia Contemporánea:
Argentina. Madrid: MAPFRE/Taurus, t. 4, 2012, p. 108.
80 – CERRANO, Carolina; LÓPEZ D’ALESSANDRO, Fernando. Dictadura militar
argentina 1943-46. Temor, rechazo y desconfianza en el Uruguay. Anuario de Estudios
Americanos. Sevilla, 74:1. p. 323-352, enero-junio 2017, p. 16-17. Disponível em: <http://
estudiosamericanos.revistas.csic.es/ index.php/studiosamericanos/ article/view/ 711/711>
Acesso em 2.9.2019. DOI: https://doi.org/10.3989/aeamer.2017.v74.i1
81  –  MARCHESI, p. 120-121

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Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

fender a neutralidade uruguaia na guerra, foi para a oposição. Baldomír


dissolveu o Parlamento em 21 de fevereiro de 1942, instalou em seu lu-
gar um Conselho de Estado e convocou eleições nacionais, bem como
encaminhou a reforma da Constituição. O golpe de 1942 ficou conhecido
como “el golpe bueno”, de modo a contrastar com “el golpe malo” de
Terra em 1933. Seu regime de exceção respeitou os direitos humanos
e foi breve, durando até 1º. de março de 194382. O maior vitorioso com
esse golpe foi o Partido Colorado e, nele, a corrente do batllismo neto,
enquanto o grande derrotado foi o herrerismo e, no plano econômico,
significou a vitória dos defensores do modelo industrial de substituição
de importações com proteção estatal83.

Em meados de 1942, o Uruguai e os Estados Unidos assinaram seu


primeiro acordo comercial. Passou a haver entre eles um fluído inter-
câmbio de missões militares, comerciais e culturais, bem como capitais
norte-americanos financiaram um vasto programa de obras públicas do
governo uruguaio84. Em 1º de março de 1943, após eleições competitivas,
o colorado Juan José Amézaga elegeu-se presidente do Uruguai (1943-
1947), tendo Alberto Guani como vice-presidente e José Serrato como
chanceler. No discurso de posse, Amézaga declarou seu alinhamento com
as nações democráticas, em particular a Grã-Bretanha e os EUA85.

Quanto ao Paraguai, o seu posicionamento no Rio de Janeiro rendeu


frutos imediatos a Morínigo. Na avaliação do embaixador uruguaio na
capital carioca, a colaboração do Brasil com o Paraguai era “generosa”
e que as diplomacias brasileira e argentina travavam uma batalha diplo-
mática pela influência na Bolívia e, principalmente, no Paraguai86. E,
nessa batalha, o Brasil ocupou muitas posições em 1942, ao instalar, em

82  –  ARTEAGA, p. 171-173.


83  –  NAHUM, p. 45
84 – ODDONE, Juan. Vecinos en discordia; Argentina, Uruguay y la político hemis-
férica de los Estados Unidos. Selección de documentos. 1943-1945. 2ed Montevideo:
Galeón,2004, p. 18.
85  –  NAHUM, p. 87.
86  –  GUTIÉRREZ para chanceler SERRATO, nota 185/943, “Muy Confidencial”, Rio
de Janeiro, 24.5.43. Archivo - Uruguai, Caixa 61, “Rio de Janeiro (1920-1968)”.

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Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

Assunção, a Missão Militar de Ensino brasileira junto ao Exército local;


ao entregar um armazém no porto de Santos como depósito franco para-
guaio e ao conceder o Banco do Brasil crédito ao Banco del Paraguay
a juros excepcionalmente baixos de 4% ao ano. No mês de agosto, a re-
presentação diplomática brasileira foi elevada ao status de Embaixada. A
resposta argentina nessa batalha foi limitada, mas impactante junto aos
militares e à opinião pública do Paraguai, ao perdoar, em agosto de 1942,
a dívida de guerra paraguaia, referente à Guerra da Tríplice Aliança e ele-
var sua representação diplomática ao nível de Embaixada87.

A posição norte-americana no Paraguai fortaleceu-se em janeiro de


1943, quando foi feita a primeira das duas entregas previstas de equipa-
mentos e armas pelo sistema de Land-Lease. Essa entrega e as vitórias
aliadas na guerra levaram círculos militares paraguaios à posição favorá-
vel aos Estados Unidos, enfraquecendo o setor simpático ao nazismo. Em
outubro desse ano, a Embaixada norte-americana em Assunção estava
satisfeita com as medidas tomadas por Morínigo para colocar sob rígido
controle o Banco Alemão e a colônia japonesa no país88.

Em 1943, o chanceler Argaña organizou bem sucedidas viagens de


Morínigo aos aliados brasileiro e norte-americano. Em maio, ele esteve
no Rio de Janeiro e Vargas, repetindo o que fizera o governo argentino no
ano anterior, cancelou a dívida de guerra paraguaia referente ao conflito
do século XIX. Em junho, Morínigo esteve em Washington, onde foi bem
recebido por Roosevelt, a quem solicitou empréstimos e foi atendido89.

Pouco depois de retornar dos EUA, terminava o mandato para o qual


Estigarribia fora eleito e que Morínigo ocupara. Este convocou eleições
presidenciais por meio de decretos que o levaram a ser candidato único e,
assim, foi reconduzido para novo mandato presidencial de cinco anos. Na
87 – DORATIOTO, Relações Brasil-Paraguai..., p. 456-457.
88  –  FROST para SECRETÁRIO DE ESTADO, oficio 679, Asunción 6.1.1943. In: DE-
PARTMENT OF STATE - FOREIGN RELATIONS OF THE UNITED STATES (FRUS).
Disponível em: <https://history.state.gov/ historicaldocuments/frus1943v06/d547> Aces-
so em 26.3.2018. Idem, oficio 1405, Asunción 12.10.1943. Ibidem.
<https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1943v06/d556> Acesso em 26.3.2018.
89  –  DORATIOTO, p. 457.

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Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

realidade, sua eleição fora um teatro e ele era um ditador, como também
o Brasil e a Argentina eram regimes ditatoriais, pois, nesta, um golpe de
Estado depôs o presidente90.

Em meados de 1943, a Argentina era o único país das Américas a


manter relações diplomáticas com o Eixo, pois o Chile as rompera em
janeiro desse ano. O isolamento argentino e a pressão norte-americana
levaram o presidente Castillo a considerar rompê-las o que juntamente
com seu apoio a um político pró-aliado à sua sucessão, resultaram na sua
deposição em 4 de junho de 194391 . O golpe foi dirigido pelo Grupo de
Oficiais Unidos (GOU), composto por militares impregnados da ideolo-
gia nacionalista, tendo como um dos expoentes o coronel Juan Domingo
Perón, que implantou um regime com características fascistas chefiado
pelo general Pedro Pablo Ramírez92. Um dos seus objetivos do GOU era
o de a Argentina liderar, no mínimo, a América Meridional e via como
obstáculo a aliança entre o Brasil e os EUA. Os militares do GOU de-
fendiam a industrialização argentina, de modo a fabricar armamento que
propiciasse a autonomia e a defesa do país. Sem considerar as mudanças
mundiais e que a Alemanha perdera a iniciativa na guerra, o regime mili-
tar aprofundou a política externa tradicional do país e se isolou em rela-
ção às outras repúblicas do continente no apoio aos Aliados93.

Em 9 de julho, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai reconhe-


ceram o governo Ramírez e, logo em seguida, o fizeram a Alemanha, a
Grã-Bretanha e os Estados Unidos. O novo chanceler, o almirante Storni,
escreveu uma carta confidencial a Cordell Hull, negando que o gover-
no Ramírez fosse simpático à Alemanha e explicando o motivo do não

90  –  DORATIOTO, p. 458-459.


91  –  SANTÍS MUÑOZ, p. 172-173.
92  –  ZANATTA, Loris. The rise and fall of the Third Position: Bolivia, Perón and the
Cold War, 1943-1954 in Desarrollo Económico, Buenos Aires, v. 45, n. 177, abr-jun 2005,
p. 26. Disponível em: <http://socialsciences.scielo.org/pdf/s_rde/v1nse/scs_a04.pdf >
Acesso em 10.8.2018.
93  –  TULCHIN, Joseph S. Una perspectiva histórica de la política argentina frente al
Brasil. Estudios Internacionales. Santiago: Universidad de Chile, v. 13, n. 52, p. 460-
480, oct.-diciembre 1980, p. 470.. Disponível em: <https://rmdd.uchile.cl/index.php/REI/
article/view/16667/21238> Acesso 13.10.2008.

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Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

rompimento de relações diplomáticas com o Eixo. Hull questionou pu-


blicamente essa carta, divulgando-a, incidente que levou ao pedido de
demissão de Storni, seguido por outros três ministros, ironicamente todos
moderados e com inclinação pró-aliados. Enquanto isso, o ministro da
Guerra e membro do GOU, general Edelmiro Farrell, foi nomeado vice-
-presidente da República; dessa forma, em outubro de 1943, o poder na
Argentina estava nas mãos dos nacionalistas e, assim, permaneceria até o
final da guerra94.

Em dezembro de 1943, o general Morínigo fez visita oficial à


Argentina, tendo como uma das pautas o Tratado de Comércio entre os
dois países. Em novembro, o ministro da Fazenda paraguaio Rogelio
Espinoza encontrou-se duas vezes com o embaixador norte-america-
no Frost, informando-o da versão preliminar desse Tratado. Ademais,
Espinoza mostrou-se “ansioso” de que o governo norte-americano acei-
tasse a garantia de continuar o Paraguai fiel aos Aliados, apesar das nego-
ciações com a Argentina95. Em Buenos Aires, Morínigo foi recebido com
um desfile cívico-militar de proporção inédita, tendo o Exército argentino
convocado reservistas para comporem os 150.000 soldados que desfila-
ram durante quatro horas, “causando alarme no continente”, ainda mais
porque, dias depois, um golpe de Estado depôs o presidente boliviano
general Enrique Peñaranda96. O presidente deposto declarara há pouco
guerra ao Eixo e foi derrubado pela extrema direita nacionalista, em um
golpe no qual havia fortes indícios de envolvimento do regime militar ar-
gentino 97. Esse envolvimento era parte de uma política externa agressiva
dos novos governantes argentinos que, na busca de liderança regional,
promoveram a “ação subversiva e a entronização nos países vizinhos de

94  –  CONIL PAZ; FERRARI, p. 123-125.


95  –  FROST para SECRETÁRIO DE ESTADO, oficio 1562, Asunción 23.11.1943.
In: DEPARTMENT OF STATE – FOREIGN RELATIONS OF THE UNITED STATES
(FRUS ). Disponível em: < https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1943v06/
d582> Acesso em: 26.3.2018.
96  –  BREZZO, Liliana; FIGALLO, Beatriz. La Argentina y el Paraguay, de la guerra a
la integración;imagen histórica y relaciones internacionales. Rosario: Instituto de Histo-
ria – Pontificia Universidad Católica Argentina, 1999, p. 360.
97  –  ZANATTA, p. 3.

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Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

governos simpatizantes da Argentina”98. O Comitê de Defesa reuniu-se


e aprovou a proposta de Alberto Guani de que governos instalados pela
força comente seriam reconhecidos pelas repúblicas americanas mediante
prévia consulta entre elas e se aderissem aos compromissos interameri-
canos. Estes princípios ficaram conhecidos como Doutrina Guani. Em
relatório divulgado em 19 de janeiro de 1944, esse Comitê responsabili-
zou, pelo golpe de Estado na Bolíva, militares simpatizantes do nazismo,
apoiados por militares argentinos99.

Embora o governo Ramírez continuasse favorável à união aduaneira


regional, esse projeto da diplomacia argentina foi inviabilizado pela ins-
talação de regime militar nacionalista O Brasil optou pela aliança com
Washington, com a qual teve substanciais ganhos econômicos e militares,
além de Vargas garantir a estabilidade de sua ditadura. O Paraguai, a eco-
nomia local e a ditadura de Morínigo fortaleceram-se com o alinhamento
aos Estados Unidos e ao Brasil. A posição do Uruguai era contrária a
acordos econômicos regionais por constituírem, nas palavras do chan-
celer Serrato, “uma forma de aliança que pode levar a resultados desas-
trosos”. A “pretensão de excluir os Estados Unidos da política sul-ame-
ricana” poderia causar, na análise de Serrato, “gravíssimas repercussões”
a ponto, “se agudizada a tendência de oposição à liderança desse país”,
chegar-se à guerra no continente100. Embora ele não explicitasse quais as
partes fariam a guerra, conclui-se que se referia à Argentina e aos Estados
Unidos, pois essa “pretensão” era somente do regime militar argentino.

Em inferioridade e se sentindo ameaçado pela aliança entre Brasil


e Estados Unidos, o regime militar argentino buscou apoio na Alemanha.
Os militares do GOU, nas palavras de Uki Goñi, “com ingenuidade qua-
se infantil, esperavam receber via submarinos alemães, material bélico,
técnico e humano do Führer”. Osmar Alberto Hellmuth, agente secre-
to da Marinha argentina e com vínculos com a espionagem nazista no
98  –  CONIL PAZ; FERRARI, p.
99  –  SANCHÍS MUÑOZ, p. 245-246
100  –  SERRATO para GUTIÉRREZ, embaixador uruguaio no Brasil, nota 807-1943,
reservada, Montevidéu, 13.12.1943. Archivo Histórico Diplomático – Ministerio de Rela-
ciones Exteriores – Uruguai, caixa 61 “Rio de Janeiro (1920-1968)”.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 181 (483):269-302, mai./ago. 2020. 297


Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

seu país, foi encarregado pelo coronel Perón a viajar a Berlim para con-
firmar a lealdade da Argentina a Hitler e solicitar armas que permitis-
sem ao país resistir às pressões dos Estados Unidos 101. O serviço secre-
to britânico prendeu Hellmuth na escala que seu navio fez em Trinidad
Tobago, apreendeu documentação e obteve confissão dele, comprovan-
do as vinculações do regime militar argentino com a Alemanha nazista.
A Grã-Bretanha ameaçou divulgar essa documentação apreendida com
Hellmuth, se a Argentina não rompesse relações com a Alemanha. Os
EUA, que já haviam retaliado o governo Ramírez por diferentes meios,
informaram-no que divulgariam Memorandum acusando-o de intervir na
Bolívia e em outros países. Ramírez não resistiu às pressões e, em 26
de janeiro de 1943, rompeu relações com a Alemanha e com o Japão,
sob o álibi de que a Argentina fora vítima da espionagem alemã no caso
Hellmuth. No dia 25 do mês seguinte, o GOU deu um golpe e colocou na
presidência o general Edelmiro Farrell102.

O governo Farrell, que teve o coronel Juan Domingo Perón como


vice-presidente, e, cumulativamente, ministro da Guerra, foi reconhecido
e manteve relações diplomáticas com apenas três países americanos: a
Bolívia, o Chile e o Paraguai. Os demais países americanos retiraram
seus embaixadores de Buenos Aires, e a ditadura de Farrell ficou iso-
lada. O chanceler Serrato achava um erro a posição de Washington em
relação à ditadura argentina, por não haver uma política definida em rela-
ção a ela que não o isolamento. Os diversos aspectos no relacionamento
argentino-uruguaio, além do diplomático que era inexistente, pioraram,
principalmente devido às atividades anti-Farrell dos exilados argentinos
em Montevidéu e com as muitas manifestações contrárias à ditadura ar-
gentina103.

No final de 1944, os Estados Unidos convocaram uma Conferência


para discutir a situação do continente após a guerra. Ela ocorreu no caste-

101  –  GOÑI, Uki. Perón y los alemanes; la verdad sobre el espionaje nazi y los fugitivos
del Reich. 2ed Buenos Aires: Sudamericana, 1998, p. 95, 106, 114-115.
102  –  SANCHÍS MUNÕZ, p. 252-255.
103  –  CERRANO..., Las Fuerzas Armadas..., p. 27.

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Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

lo de Chapultepec, na capital mexicana, e os Estados Unidos impediram a


ditadura militar argentina de participar, mas, logo no seu início, o delega-
do paraguaio, embaixador Velázquez, solicitou que o isolamento argenti-
no no continente fosse discutido, para dar-lhe uma solução justa. A maio-
ria dos representantes opôs-se a essa discussão , mas, na elaboração da
Ata Final de Chapultepec, Velázquez divergiu dos demais representantes
e se opôs a uma redação com duras exigências para que o governo Farrell
fosse reconhecido pelas republicas americanas e para que a Argentina
participasse do sistema interamericano104. O próprio governo Farrell recu-
sou as exigências e, no final, chegou-se a uma solução conciliatória, pela
qual a Argentina foi reincorporada ao sistema interamericano e podendo
participar da Conferência de São Francisco105. Para desta poderem parti-
cipar, Paraguai e Uruguai declaram guerra ao Eixo, respectivamente, em
8 e 22 de fevereiro, enquanto a Argentina o fez em 27 de março de 1945.

Desde o início do século XX e até 1938, Paraguai e Uruguai tiveram
suas economias e suas políticas externas influenciadas pela presença do-
minante da Argentina no Rio da Prata. O Paraguai era um país mediterrâ-
neo, tendo única saída para o mar o porto de Buenos Aires, o que resul-
tou em forte dependência da Argentina, que repercutiu no plano político.
O mesmo não ocorreu com o Uruguai, por ser banhado pelo Atlântico
e por seu processo histórico, no qual o equilíbrio entre a Argentina e o
Brasil viabilizou constituir-se como Estado independente e as reformas
feitas pelo presidente José Batlle, no início do século XX, como socie-
dade moderna e aberta para o mundo. No entanto, a proximidade física
entre Montevidéu e Buenos Aires influenciava os governos uruguaios a
manterem uma política externa que se equilibrava entre o não alinhamen-
to e a cordialidade com a Argentina, o país mais rico e mais poderoso da
América Latina nas primeiras décadas do século passado.

Nessas décadas, o Rio da Prata foi argentino, inclusive, porque o po-


tencial rival desse domínio, o Brasil, estava atrás da Argentina nos aspec-
104  –  BREZZO; FIGALLO, p. 363.
105  –  MORGENFELD, Vecinos en conflito…, p. 337.

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Francisco Fernando Monteoliva Doratioto

tos econômico e militar. Essa situação alterou-se com a II Guerra Mundial


e a postura Argentina de, recorrendo ao princípio da neutralidade, opor-se
ao pan-americanismo defensivo elaborado pelos Estados Unidos. Para
os governos argentinos, este era concorrente econômico e político que
comprometia o projeto de liderança da Argentina na América Latina, o
que já era uma realidade no Rio da Prata. Nesta região, a posição argen-
tina começou a deteriorar-se com a I Reunião de Consulta dos Ministros
de Relações Exteriores Americanos, realizada no Panamá, em 1939,
quando as posições norte-americanas foram apoiadas por Paraguai e por
Uruguai. Desde então, houve crescente presença dos Estados Unidos na
América Meridional, estreitamente das relações deste com o Paraguai; o
distanciamento entre Uruguai e Argentina e o alinhamento de Vargas com
Washington.

A disputa diplomática entre Buenos Aires e Washington criou inédi-


to espaço geopolítico de manobra para Paraguai e para Uruguai. Puderam
melhor explorá-lo após o ataque japonês a Pearl Harbor e a recusa ar-
gentina em seguir o princípio de solidariedade americana e romper rela-
ções diplomáticas com o Eixo. O Paraguai obteve vantagens financeiras
e militares não só dos Estados Unidos, mas também do Brasil, que tinha
como objetivo pôr fim ao domínio argentino sobre o vizinho paraguaio.
O governo Roosevelt viu na Argentina potencial ameaça, por ela manter
relações com os países do Eixo e por ser tolerante com os interesses ale-
mães e a espionagem nazista no seu território. A situação tornou-se mais
grave com o golpe de Estado de junho de 1943, que instalou uma ditadura
militar em Buenos Aires que, apesar de dar continuidade à neutralidade
formal na guerra, não conseguia esconder sua simpatia pela Alemanha
nazista e, mais, que adotou uma postura agressiva na busca da liderança
da Argentina na América Meridional. O governo Roosevelt deu garantias
de que, se necessário, respaldaria militarmente os países pró-aliados da
região e o Uruguai, alinhado aos EUA desde 1942, sentiu-se seguro para
não reconhecer o segundo governo da ditadura militar argentina, do gene-
ral Farrell, instalado, em fevereiro de 1944, depois de derrubar o anterior,
do general Ramírez . Não foi o caso do Paraguai, um dos três países do

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Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata

continente – os outros foram Bolívia e Chile – a reconhecer o governo


Farrell.

No Uruguai, o alinhamento pró-aliado respondia a valores políti-


cos liberais construídos em décadas de vida política constitucional, sem
militarismo, por uma sociedade cosmopolita, com acesso à Europa, aos
Estados Unidos e ao Brasil. Mesmo aqueles que defendiam a neutralida-
de uruguaia, o faziam por convicção e não para acobertar simpatia pelos
países do Eixo. Já no Paraguai, o ditador Morínigo e parte dos seus chefes
militares e de alguns setores políticos eram adeptos do autoritarismo e
simpatizavam com a Alemanha nazista na guerra, pois estavam impreg-
nados pelo culto aos ditadores paraguaios do passado e ao militarismo por
parte do movimento nacionalista.. Contrastando com o Uruguai, os vín-
culos da sociedade paraguaia não ia além do Rio da Prata e boa parte de
sua elite tinha mais afinidade com os nacionalistas argentinos de extrema
direita do que com os valores liberais dos Estados Unidos ou da Europa.

O fato é que, com a II Guerra Mundial, erodiu-se a influência argen-


tina sobre o Paraguai e Uruguai. Os dois países alteraram suas políticas
externas, integraram-se ao pan-americanismo antinazista e se alinharam
aos Estados Unidos e ao Brasil, os quais puderam inviabilizar o domínio
geopolítico do Rio da Prata pela Argentina.

Texto apresentado em março de 2020. Aprovado para publicação em


junho de 2020.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 181 (483):269-302, mai./ago. 2020. 301

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