Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Rio de Janeiro
mai/ago. 2020
Paraguai, Uruguai, a II Guerra Mundial
e o reequilíbrio de forças no Rio da Prata
269
Resumo: Abstract:
Este artigo analisa as políticas do Paraguai e do The article analyses the Paraguayan and
Uruguai quanto a II Guerra Mundial e à reper- Uruguayan foreign policies in relation to World
cussão delas nos respectivos posicionamentos War II and their repercussion in each country’s
na dinâmica geopolítica do Rio da Prata, que position in the geopolitical dynamics of the Rio
tinha como polo principal a Argentina. O arti- da Prata, where Argentina was a key player.
go utiliza fontes primárias, entre outras, os ar- We use primary sources, among which are
quivos diplomáticos paraguaios e uruguaios, e the Paraguayan and Uruguayan diplomatic
bibliografia atualizada. A tese central do artigo archives, as well as updated bibliography. The
é a de que, embora Paraguai e Uruguai tenham central argument of the article is that, although
adotado posturas formalmente idênticas – a Paraguay and Uruguay had formally adopted
neutralidade no início do conflito, o rompimen- identical positions, namely that of neutrality in
to de relações diplomáticas com o Eixo, em the beginning of the conflict, the severance of
1942, e a declaração de guerra a este em 1945 diplomatic relations with the Axis in 1942 and
– diferenciaram-se quanto à eficácia de medidas the declaration of war upon it in 1945, they
adotadas contrárias ao nazifascismo e em rela- differentiated from each other in regard to the
ção à Argentina, país até então hegemônico no effectiveness of the measures adopted contrary
Rio da Prata. O impacto geopolítico foi maior to Nazi-fascism and towards Argentina, a
sobre o Paraguai, onde a influência argentina hegemonic country until then in the Rio da
foi rivalizada pela do Brasil, respaldado pela Prata. The geopolitical impact was greater felt
ação dos Estados Unidos, que tomou iniciativas in Paraguay, where the Argentinian influence
para conter a influência nazista na sociedade was rivalled by that of Brazil’s, which was
paraguaia. O impacto geopolítico foi menor no backed by actions taken by the United States
Uruguai, pois sua posição geográfica e suas ca- to counter Nazi influence in the Paraguayan
racterísticas econômicas reduziam a capacidade society. The geopolitical impact was less
de a Argentina influenciá-lo, mas, ainda assim, significant in Uruguay due to its geographical
houve uma sensível alteração da inserção exter- position and economic features which reduced
na uruguaia. Argentinia’s capacity of influence upon the
country. Nonetheless, there was considerable
change in the Uruguayan insertion in the world.
Palavras-chave: o Rio da Prata e a II Guerra; Keywords: The River Plate and World War
Paraguai, Uruguai e a II Guerra; Geopolítica do II; Paraguay; Uruguay and World War II; the
Rio da Prata. River Plate geopolitics.
A ascendência argentina
Em 1930, um golpe de Estado conservador liderado pelo coronel
José Uriburu pôs fim a mais de um decênio de governos reformistas. O
movimento golpista era composto pelas correntes conservadora-liberal e
nacionalista, esta liderada por Uriburu que se tornou presidente provisó-
rio. O nacionalismo argentino era antiliberal, chauvinista e influenciado
pelo fascismo italiano, enquanto os conservadores-liberais tinham à sua
frente o general Agustín P. Justo e se opunham a medidas extremas e de-
fendiam a preservação de certo legalismo. A corrente de Justo impôs-se
na disputa política e obteve a realização de eleição presidencial em 1932,
tutelada pelos militares e fraudada, que o elegeu presidente da República.
Justo foi apoiado pela Concordancia, uma coalizão entre os conservado-
res do Partido Democrata Nacional, o Partido Socialista Independente,
que estava à direita do Partido Socialista tradicional, e os “radicais an-
tipersonalistas”, os quais predominaram na política argentina durante a
década de 1930. No governo Justo (1932-1938), a economia recuperou-se
em grande parte por ter sido garantido o acesso ao mercado do Reino
Unido para as carnes argentinas graças ao Pacto Roca-Runciman (1933),
que minimizou as medidas protecionistas britânicas2.
O Uruguai, por sua vez, teve seu processo histórico fortemente in-
fluenciado pelos seus dois vizinhos, Argentina e Brasil. No século XX,
as relações argentino-uruguaias sofreram o desgaste do litígio sobre a
fronteira marítima no estuário do Rio da Prata, sobre o qual a Argentina
reivindicava soberania exclusiva, o que era recusado pelo Uruguai; o li-
tígio somente foi resolvido em 1973. Em julho de 1932, o Uruguai rom-
peu relações diplomáticas com a Argentina devido ao incidente com seu
cruzador Uruguay, fundeado no porto de Buenos Aires. Era um incidente
menor que poderia ter sido evitado ou solucionado se não fossem delica-
das as relações bilaterais5.
11 – CAETANO, Gerardo. La vida política in ___ (dir.). América Latina en la Historia
Contemporánea; Uruguay. Montevideo: Planeta, t. III (1930-2010), p. 37-112, 2016, p.
24-25.
12 – IRIYE, Akira. The Globalizing of America in COHEN, Warren I (ed). The Cam-
bridge History of American Foreign Relations, 1913-1945. New York: Cambridge Uni-
versity Press, v. III, 1993, p. 140.
13 – MORGENFELD, Leandro. Vecinos en conflito; Argentina y Estados Unidos en las
Conferências Pan-Americanas (1880-1955). Buenos Aires: Peña Lillo/Ediciones Conti-
nente, 2011, p. 240-241.
17 – CAETANO, 2016, p. 41. O rompimento de relações com a URSS ocorreu como
consequência da pressão do governo brasileiro que, impactado pela levante comunista
de 1935, solicitou ao governo Terra medidas contra a presença de comunistas em Mon-
tevidéu. GOMES, Rafael Nascimento. As relações diplomáticas entre Brasil e Uruguai
(1931-1938). Jundiaí (São Paulo): Paco Editorial, 2017, p. 171.
18 – AROCENA OLIVERA, p. 186.
19 – MECHAN, J. Lloyd. The United States and Inter-American Security, 1889-1960
2ed. Austin: University of Texas Press, 1962, p. 122.
20 – Idem, p. 124.
21 – MORGENFELD, p. 189.
22 – AROCENA OLIVEIRA, p. 246.
Uruguai não tinha essa dependência, quer porque sua posição geográfica
dava-lhe acesso direto ao mar e às rotas marítimas comerciais, quer por-
que sua independência e sua construção do Estado Nacional foram feitas
contra os intervencionismos argentino e brasileiro, mas, ainda assim, sua
política externa tinha de equilibrar-se entre autonomia e cordialidade em
relação à Argentina.
Chaco: RIVAROLA, Vicente. Memorias diplomáticas. Buenos Aires: Ayacucho, 1952 (v.
I) e 1955 (v. II)
32 – Memorandum of conversation by Mr. Andrew E. Donovan II of the Division of the
American Republic, Washington, 20.04.1939. In: DEPARTMENT OF STATE - FOR-
EIGN RELATIONS OF THE UNITED STATES (FRUS). Disponível em: <http://digi-
coll.library.wisc.edu/cgi-bin/FRUS/FRUS-idx?type=article&did=FRUS. FRUS1939v05.
i0029&id=FRUS.FRUS1939v05&isize=M > Acesso em 26.3.2018.
33 – The Secretary of State to the Paraguayan Minister (Estigarribia), Washington,
13.6.1939. Idem.
34 – MORA; COONEY, p. 133-134.
44 – BEIRED, José Luis Bendicho. “A grande Argentina”: um sonho nacionalista para a
construção de uma potência na América Latina. Revista Brasileira de História. São Paulo,
v. 21, n. 42, p. 302-322, 2001, p. 312-314. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882001000300003>
Acesso em 15.3.2017.
45 – Encarregado de Negócios José DAHLQUIST para EXTERIORES, telegrama,
Buenos Aires 2.7.1940. Archivo Histórico – Ministerio de Relaciones Exteriores – Para-
guai, DPI, carpeta 353.
46 – DAHLQUIST para SALOMONI, nota “privada y confidencial”, Montevideo,
4.7.1940. Idem.
EUA por ser “um amigo da América Latina ...[e] do nosso presidente, o
general Estigarribia” e por demonstrar “boa vontade para os problemas da
reconstrução paraguaia depois da guerra do Chaco”51.
55 – Idem, p. 54.
56 – SEIFERHELD, Alfredo M. Nazismo y fascismo en el Paraguay; los años de la
guerra 1939-1945. Asunción: Editorial Histórica, 1986, p. 23; 103.
57 – ASHWELL, Washington. Historia Económica del Paraguay. Asunción: Edciones y
Arte, t. II (Colapso y abandono del sistema liberal; 1923-1946), 1996, p. 364.
58 – ORTEGA Y GASSET, José. Meditaciones del Quijote. Madrid: Revista de Occi-
dente, Obras Completas, v. I, 1966, p. 322.
Alberto Guani, por sua vez, partiu para o Rio de Janeiro com instru-
ções de obter que a defesa militar do Uruguai fosse feita pelos Estados
Unidos e não pela Argentina, devido à atitude geral dela e de suas pre-
tensões no Rio da Prata76. Em seu discurso na Reunião, Guani disse que
o Uruguai assinaria uma resolução favorável ao rompimento de relações
“com os países agressores” não só como ato de solidariedade americana,
mas também “como medida eficaz de defesa de nossas rotas marítimas”77.
72 – CONIL PAZ, Alberto; FERRARI, Gustavo. Política exterior argentina, 1930-1962.
Buenos Aires: Circulo Militar, 1971, p. 76.
73 – AROCENA OLIVEIRA, p. 209
74 – SEINTENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra: o processo de envolvimento brasi-
leiro na Segunda Guerra Mundial. Barueri: Manole, 2003, p. 272.
75 – GUTIÉRREZ para chanceler SERRATO, nota 185/943, “muy confidencial”, Rio de
Janeiro, 24.5.1943. Archivo Histórico Diplomático – Ministerio de Relaciones Exteriores
- Uruguai, caixa, caixa 61 “Rio de Janeiro (1920-1968).
76 – DAWSON, representante norte-americano, para WELLES, telegrama “urgente”,
Montevidéu, 10.01.1942 In RODRÍGUEZ AYÇAGUER, p. 10-11.
77 – AROCENA OLIVERA, p. 212
realidade, sua eleição fora um teatro e ele era um ditador, como também
o Brasil e a Argentina eram regimes ditatoriais, pois, nesta, um golpe de
Estado depôs o presidente90.
seu país, foi encarregado pelo coronel Perón a viajar a Berlim para con-
firmar a lealdade da Argentina a Hitler e solicitar armas que permitis-
sem ao país resistir às pressões dos Estados Unidos 101. O serviço secre-
to britânico prendeu Hellmuth na escala que seu navio fez em Trinidad
Tobago, apreendeu documentação e obteve confissão dele, comprovan-
do as vinculações do regime militar argentino com a Alemanha nazista.
A Grã-Bretanha ameaçou divulgar essa documentação apreendida com
Hellmuth, se a Argentina não rompesse relações com a Alemanha. Os
EUA, que já haviam retaliado o governo Ramírez por diferentes meios,
informaram-no que divulgariam Memorandum acusando-o de intervir na
Bolívia e em outros países. Ramírez não resistiu às pressões e, em 26
de janeiro de 1943, rompeu relações com a Alemanha e com o Japão,
sob o álibi de que a Argentina fora vítima da espionagem alemã no caso
Hellmuth. No dia 25 do mês seguinte, o GOU deu um golpe e colocou na
presidência o general Edelmiro Farrell102.
101 – GOÑI, Uki. Perón y los alemanes; la verdad sobre el espionaje nazi y los fugitivos
del Reich. 2ed Buenos Aires: Sudamericana, 1998, p. 95, 106, 114-115.
102 – SANCHÍS MUNÕZ, p. 252-255.
103 – CERRANO..., Las Fuerzas Armadas..., p. 27.