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GUERRA DO PARAGUAY: História e polêmica – Uma síntese1.

Claudemar Costa Müller2


Júlia Campos
Marco Antônio Struve
Tuane Longen

Licenciatura em História FURB – 2017.2


História da América II
Professora Dra. Juliana de Mello Moraes

RESUMO

Este artigo procura traçar uma visão panorâmica da historiografia da guerra que envolveu,
de um lado, a tríplice aliança formada por Brasil, Argentina e Uruguai e, de outro, o
Paraguai. Partindo de uma síntese cronológica do maior conflito armado da América do Sul
e baseado, principalmente, na análise de textos de autoria de Mário Maestri (2009), Carlos
Guilherme Mota (1995) e André Amaral de Toral (2001), busca sumarizar os caminhos
historiográficos e refletir como, depois de 150 anos de seu início, e mesmo após a revisão
de uma história e uma memória oficial, alguns lugares, alguns mortos, alguns nomes,
algumas batalhas, são mais importantes. Percebemos a ausência, nos textos analisados, do
cotidiano do conflito, bem como dos distintos sujeitos históricos que o protagonizaram, tais
como as mulheres, comerciantes, negros e indígenas, entre outros, que não apareceram
como parte dos conteúdos relacionados à Guerra do Paraguai que trabalhamos neste
momento. Há um silenciamento que percorre as narrativas, notadamente marcada pela
ausência desses outros sujeitos históricos, e uma disputa ideológica entre o que, e como,
rememorar e esquecer.

PALAVRAS CHAVES: Guerra do Paraguai. Historiografia. Imprensa e iconografia.

1 – 150 ANOS DEPOIS.

Já se passaram mais de 150 anos do início da Guerra do Paraguai (1864-1870) e


ainda há controvérsia entre historiadores. O Paraguai lutou contra a Tríplice Aliança,
formada por Brasil, Argentina e Uruguai, e acabou derrotado.
Maior conflito armado da América do Sul, a Guerra do Paraguai teve início há mais
de 150 anos, em 13 de dezembro de 1864, e terminou somente com a morte do líder
paraguaio Solano López, em 1º de março de 1870. O país mobilizou quase toda sua
população para a guerra, onde enfrentou o exército da Tríplice Aliança, formada por Brasil,
Uruguai e Argentina. A luta estendeu-se por quase 6 anos graças a resistência aguerrida dos
paraguaios e apesar da superioridade econômica e demográfica dos países aliados.

1
Trabalho feito como requisito para a apresentação de seminário na Disciplina História da América II
ministrada pela Professora Dra. Juliana de Mello Moraes.
2
Licenciandos em História pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. mstruve@furb.br

1
Sintetizamos inicialmente uma cronologia do desenrolar da guerra (DORIOTO,
2002; LIMA, 2016; ORLÉANS, 2017), com um resumo dos principais fatos no sentido de
apresentar, mesmo que superficialmente o desenrolar dos conflitos:

Maio de 1864 - Brasil envia representante ao Uruguai, que convivia com uma guerra civil,
para discutir as ameaças sofridas por cidadãos brasileiros em território uruguaio. Os
brasileiros que tinham fazendas no interior reclamavam que sofriam assaltos violentos.

18 de junho de 1864 - Enviados do Brasil, Argentina e Inglaterra se reúnem para mediar o


fim da guerra civil no Uruguai, com representantes tanto do governo oficial, de Atanásio
Aguirre, quanto do chefe da rebelião, Venâncio Flores. Não há acordo e a guerra civil
continua.

Agosto de 1864 - Governo brasileiro ameaça intervir militarmente no Uruguai, caso o


governo não puna os responsáveis pela violência contra brasileiros no país. Em nota enviada
a diplomatas brasileiros, governo do Paraguai protesta contra qualquer invasão do território
do Uruguai.

30 agosto de 1864 - Uruguai rompe relações diplomáticas com o Brasil.

12 de outubro de 1864 - Brasil invade o Uruguai.

12 de novembro de 1864 - Em retaliação à invasão brasileira ao Uruguai, Paraguai apreende


o vapor brasileiro Marquês de Olinda.

13 de dezembro de 1864 - O líder paraguaio Solano López declara guerra ao Brasil.

27 e 28 de dezembro de 1864 - Exército paraguaio ataca o forte Coimbra, atualmente na


região de Mato Grosso do Sul.

Janeiro de 1864 - Exército paraguaio invade Corumbá, Miranda e Dourados.

7 de janeiro de 1865 - Decreto nº 3.371, do Império do Brasil, cria os Corpos de Voluntários


da Pátria. São prometidas recompensas para quem se voluntariar à luta.

21 de janeiro de 1865 - Decreto nº 3.383, do Império do Brasil, convoca a Guarda Nacional


para se juntar ao Exército. Era composta por cerca de 440 mil homens, mas pouco mais de
40 mil participaram do combate. Na época, o alistamento na Guarda tinha a função de
mostrar status social.

1º de maio de 1865 - Assinatura do Tratado da Tríplice Aliança por Brasil, Argentina e


Uruguai.

Junho de 1865 - Exército paraguaio invade o Rio Grande do Sul e ocupa Uruguaiana.

11 de junho de 1865 - Batalha do Riachuelo, em que a Marinha paraguaia é derrotada pelas


forças aliadas.

18 de agosto de 1865 - Soldados paraguaios em Uruguaiana se rendem.


2
16 de abril de 1866 - Exército aliado na Argentina cruza o rio Paraná e invade o Paraguai,
onde inicia marcha rumo à fortaleza de Humaitá.

24 de maio de 1866 - Batalha de Tuiuti, que é considerada a mais importante e uma das
mais sangrentas da guerra. O exército paraguaio atacou os soldados da Tríplice Aliança que
seguiam para Humaitá. Apesar das inúmeras mortes, os aliados venceram.

12 de setembro de 1866 - López pede encontro com Bartolomeu Mitre, governante da


Argentina. Os dois se reúnem, mas não há acordo para o fim da guerra.

22 de setembro de 1866 - Exército da Tríplice Aliança ataca fortaleza de Curupaiti, mas é


derrotado pelos paraguaios. Foi a maior derrota aliada.

6 de novembro de 1866 - Decreto nº 3.725-A, do Império do Brasil, liberta escravos que


servissem no exército contra o Paraguai.

Abril e maio de 1867 - Tropas aliadas invadem o Paraguai rumo à fazenda Laguna, mas
são atacadas pelos paraguaios e obrigadas a recuar. Episódio é conhecido como Retirada da
Laguna.

Julho de 1867 - Tropas brasileiras partem em direção a Humaitá, para atacar a fortaleza.

15 de agosto de 1867 - Esquadra do governo imperial segue pelo rio Paraguai e ultrapassa
a fortaleza de Curupaiti, mas não tenta passar por Humaitá. Permanece seis meses entre as
duas fortalezas e, apesar de bombardeá-las, não consegue destruí-las.

3 de março de 1868 - López deixa a Fortaleza de Humaitá e arma quartel-general em San


Fernando, distante cerca de 10 quilômetros.

25 de julho de 1868 -Exército aliado toma posse da Fortaleza de Humaitá.

Dezembro de 1868 - Paraguaios são derrotados nas batalhas de Itororó, Avaí, e Lomas
Valentinas, no que ficou conhecido por “dezembrada”.

1º de janeiro de 1869 - Tropas brasileiras invadem e saqueiam Assunção.

5 de maio de 1869 - Fundição de Ibicuí, onde eram feitas as armas do exército paraguaio,
é destruída.

16 de agosto de 1869 - Batalha de Acosta-Ñu, em que 20 mil soldados da Tríplice Aliança


enfrentam e vencem as tropas formadas por 6 mil paraguaios, em sua maioria idosos e
crianças. Em homenagem às vítimas, 16 de agosto se tornou o Dia das Crianças no Paraguai.

1º de março de 1870 - Solano López é morto em Cerro Corá. O líder paraguaio foi ferido
com um golpe de lança pelo brasileiro José Francisco Lacerda, o Chico Diabo, e foi atingido
por um tiro de fuzil. A morte de López encerra a guerra.

2 - HISTÓRIA DE UM SILÊNCIO: A GUERRA CONTRA O PARAGUAI (1864-


1870) 130 ANOS DEPOIS.
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Em novembro de 1864 o presidente do Paraguai, ordena a apreensão do vapor
brasileiro Marques de Olinda, com esse ato o Paraguai declara guerra ao Brasil, invadindo,
em dezembro do mesmo ano, a região de Mato Grosso cujas fronteiras encontravam-se em
disputa por colonos espanhóis e portugueses há mais de 200 anos.
O período em que ocorreu a guerra, 1864 a 1870, foi marcado por mudanças em todo
o continente americano, do fuzilamento do Arquiduque Maximiliano da Áustria e a
proclamação da república no México até a ascensão ao poder no Peru do General Prado e
que depois, entre 1879 e 1883, aliado com a Bolívia confrontariam o Chile na Guerra do
Pacífico, ou salitreira. Esse mesmo período foi caracterizado ainda por pesados
investimentos de capitais estrangeiros, sobretudo em infraestrutura, como estradas de ferro,
portos e serviços públicos e pelo aumento da imigração européia principalmente em direção
à Cuba, ao Brasil, à Argentina e ao Uruguai. A guerra do Paraguai, ou a Guerra da Tríplice
Aliança, ou a Grande Guerra, como assinala a historiografia paraguaia, foi o maior conflito
da América do Sul, comparável em violência e extensão, embora não em seus resultados,
com a Guerra Civil americana que ocorreu entre 1861 e 1865 (MOTA, 1995). Por si só,
como toda guerra destas dimensões, a guerra da Tríplice Aliança foi um marco, um
acontecimento histórico de pesadas consequências e que daria uma nova dimensão à história
da América Latina.

2.1 - Reavaliação da Guerra Grande

“A historiografia mais recente já consolidou a ideia de que a Guerra marca um


momento de integração da bacia do rio da Prata na economia mundial sob a preeminência
inglesa” (MOTA, 1995, p. 245) com Argentina, Brasil e Uruguai opondo-se à uma
autossuficiência paraguaia.
A Guerra teve importantes repercussões político-culturais, socioeconômicas e
diplomáticas para as nações envolvidas e para a região que não passam despercebidas
mesmo que examinadas por alto. Apesar de toda a impopularidade da guerra, tanto no Brasil
quanto na Argentina, está unificou sob o general Bartolomé Mitre, o primeiro presidente
(1862-68) e pai da Argentina moderna. Já o Império brasileiro, única monarquia americana,
passaria, a partir do retorno das tropas vencedoras, por um processo de aumento da
influência política do exército que terminará na abolição da escravatura em 1888 e na
proclamação da República em 1889. Para o Paraguai a guerra significou, além de um grande

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sacrifício humano no qual perdeu-se quase todo seu contingente masculino, uma
reconstrução que se “fez sob o signo da grande propriedade privada, e de maneira muito
lenta” obrigando a uma “vinculação econômica com a Argentina, para onde se dirige a maior
parte de suas exportações, e de cujo sistema de navegação fluvial depende em sua
comunicação com o ultramar" (MOTA, 1995, p. 247).

2.2 - Dimensões da Guerra

Os lugares da memória são bem-delineados, e sugerem que se na história e na


memória oficial, alguns lugares, alguns mortos, alguns nomes, algumas batalhas, são mais
importantes, há muitos silêncios, muitos rostos anônimos que cabe a historiografia ouvir e
mostrar. A história desses silêncios precisa ser escrita, e revisitada pela historiografia.
Os números elevados de mortos de ambos os lados; o despreparo das forças da
Tríplice Aliança; os conflitos pelo comando militar das operações; os grandes
deslocamentos de tropas; a criação de instituições de ensino e treinamento dos militares
principalmente no Brasil, como a criação da Escola Superior de Guerra no Rio de Janeiro;
a ampliação na participação política dos militares brasileiros; a disseminação das teorias
positivistas; as inúmeras questões de fronteira; o fluxo e controle da navegação nos dois
grandes rios da região (Paraná e Paraguai); a abertura ao comércio exterior; as migrações;
o caudilhismo e o coronelismo; os regimes escravagistas (existente, apenas oficialmente no
Brasil, mas ainda vigente nos outros países); confrontos étnicos e culturais; tudo se
misturava nesse meado de século, naquela região e são algumas das várias dimensões da
guerra, abordadas pelos historiadores, professores, diplomatas e estudiosos em todos os
países envolvidos na guerra.

2.3 - A eclosão da guerra. O problema das origens.

Há certo consenso: uma das causas próximas da eclosão da guerra foi a intervenção
político-militar do Brasil no Uruguai em 1864, com o objetivo de ajudar a colocar os
colorados no poder. O presidente paraguaio Francisco Solano López protestou contra a
intervenção brasileira, considerando que o esforço expansionista brasileiro e argentino
estava em marcha e acabaria por se voltar ao Paraguai. Decidiu tomar a iniciativa. Em 11
de novembro de 1864, uma canhoneira paraguaia aprisionou no rio Paraguai o navio
brasileiro Marques de Olinda, que acabou provocando o rompimento das relações

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diplomáticas entre os dois países. A guerra efetivamente se inicia em 23 de dezembro de
1864 quando López lançou uma ofensiva contra o Mao Grosso e pediu autorização, negada,
para passar com tropas pela Província de Corrientes, com o objetivo de atacar as forcas
brasileiras no Rio Grande do Sul e no Uruguai. Aparentemente ele, com o apoio dos blancos
uruguaios e das províncias argentinas adversárias de Mitre, esperava transformar o Paraguai
em uma força no jogo politico do continente, a partir de uma vitória no desguarnecido Mato
Grosso, levando o Brasil a um acordo. Essas expectativas não se realizaram. (FAUSTO,
2015)

2.4 - A guerra: um nó histórico, político e ideológico

A guerra do Paraguai constitui um claro exemplo de como a História, sem ser


arbitrária, é um trabalho de criação que pode servir a vários fins. Na versão tradicional da
historiografia brasileira, o conflito resultou da megalomania e dos planos expansionistas do
ditador paraguaio Solano López, olhado sempre com desdém. As forças armadas,
especialmente o exército, veem na guerra exemplos da capacidade militar brasileira,
exaltando os feitos heroicos de Tamandaré, Osório, e, em especial, Caxias. No Paraguai a
historiografia mostra o conflito como a agressão de vizinhos poderosos a um pequeno país
independente. Como mostra Boris Fausto, “essa versão serviu em anos recentes para
glorificar o ditador paraguaio Alfredo Stroessner [...]” que “apresentava-se como
continuador da obra do general Bernardino Caballero, fundador dos colorados paraguaios,
1887, e oficial de confiança de Solano López nos anos da guerra” (FAUSTO, 2015, p. 178
- 179).
Na década de 1960, surgiu entre os historiadores de esquerda, como o argentino
León Pomer, uma nova versão. O conflito teria sido fomentado pelo imperialismo inglês. O
Paraguai era um país de pequenos proprietários que optara pelo desenvolvimento autônomo,
livrando-se da dependência externa. Brasil e Argentina definiam-se como nações
dependentes, baseadas no comércio externo e no ingresso de recursos e tecnologia
estrangeiros (FAUSTO, 2015). Esses dois países teriam sido manipulados pela Inglaterra
para destruir uma pequena nação cujo caminho não lhe convinha. Além disso, os ingleses
estariam interessados em controlar o comércio do algodão paraguaio, matéria-prima
fundamental para a indústria têxtil britânica. Essa interpretação está muito ligada às
concepções correntes na esquerda latino-americana das décadas de 1960 e 1970. Pensava-
se naqueles anos que os problemas do continente resultavam basicamente da exploração

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imperialista. “A Guerra do Paraguai seria um exemplo a mais de como a América Latina,
ao longo do tempo, tinha apenas trocado de dono, passando de mãos inglesas para norte-
americanas” (FAUSTO, 2015, p. 179).
Na década de 1990 e início dos anos 2000, a partir de historiadores como Francisco
Doratioto (2002) e Ricardo Salles (1990), surgiu uma nova explicação “menos ideológica,
mais coerente e bem apoiada em documentos” (FAUSTO, 2015, p. 179), centrada nas
relações entre os países envolvidos no conflito e procurando entender cada um desses países
a partir e sua fisionomia própria, sem negar a grande influência do capitalismo inglês na
região e ao mesmo tempo chamando a atenção para o processo de formação dos Estados
nacionais da América Latina e da luta entre eles para assumir uma posição dominante no
continente.
O Paraguai termina a guerra exaurido. Um país de sobreviventes. O Brasil também
sofreu os efeitos da guerra, e a inflação, produzida pelos empréstimos tomados da Inglaterra
e emissão de papel-moeda elevaram o custo de vida, e a emergência do Exército como força
organizada e ideologicamente marcada por ideias positivistas e republicanas. “Nascia então
um novo tipo de oficial militar caracterizado por um autoritarismo progressista, defensor da
abolição da escravidão” (MOTA, 1995, p. 252).
Na perspectiva de uma História contemporânea da América Latina que contemple a
historicidade específica do subcontinente em sua longa duração a revisão desse momento-
chave da história sul-americana torna-se fundamental para consolidar a própria ideia de
América Latina. Afinal, como afirma Carlos Guilherme Mota
Nessa encruzilhada reside o nó histórico de nosso passado comum e traumático que
espera por mais estudos e reflexões. Um nó histórico-ideológico que, uma vez
desatado, permitirá talvez o arranque para um futuro crítico e democrático, no qual
as disputas sejam equacionadas em fóruns internacionais legítimos, abertos e
modernos. (MOTA, 1995, p. 253)

3 - A GUERRA CONTRA O PARAGUAI: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA: DA


INSTAURAÇÃO À RESTAURAÇÃO HISTORIOGRÁFICA [1871-2002]

A Guerra do Paraguai foi um dos mais marcantes acontecimentos do século XIX do


Brasil. Estimasse uma média de 150 mil soldados brasileiros, e uma baixa de
aproximadamente 50 mil, já a população do Paraguai foi praticamente dizimada.
Sobre as obras escritas sobre a guerra, as obras brasileiras sobre a Guerra foram
realizadas durante ou logo após o conflito. Elas constituíam-se em narrativas sobre heroísmo
e a defesa do Brasil e da civilização contra a barbárie do ditador paraguaio.

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Umas das principais obras desse período é a Retirada da laguna: episódio da Guerra
do Paraguai, Alfredo de Escragnolle-Taunay, 1871. Ela:

Narra a expedição que, enviada do litoral, no início da guerra, para abrir


segunda frente no norte do Paraguai, invadiu em janeiro de 1867, com 1600
homens, poucos quilômetros daquele país, até a fazenda da Laguna, para
empreender a seguir, desastrada retirada, sobretudo em território mato-
grossense, fustigada pelos paraguaios” (MAESTRIA, 2009, p. 2)

As características dessa obra se resumem em: operação arriscada e mal planejada,


decidida por oficiais sedentos de consagração, medo, suicídio, indisciplina e deserção.
referencias depreciativas de Solano López, referencias frequentes a admiração aos guaranis,
defesa da honra do país feridos pela agressão paraguaia, sem descrição dos soldados,
“narrativas patrióticas subsequentes apresentando a patética operação como feito bélico e
humano superior aos mais heroicos atos militares universais” (MAESTRIA, 2009, p. 3)

3.1 Historiografia Republicana e Historiografia paraguaia

A historiografia republicana consolidou a narrativa nacional-patriótica construída


das apologias do estado e das classes dominantes, bem como despertou as razões e os
cenários sociais e nacionais da Guerra, esta historiografia ignorava o fato de que o Império
se preparava para uma Guerra.
A historiografia republicana brasileira propôs que a guerra era apenas contra Solano
López; colocou a responsabilidade pela dizimação da população sobre o ditador e sobre o
povo, por apoia-lo. E registrava quase perplexa a resistência do Paraguai.

3.2 O revisionismo historiográfico: por uma história dos povos

O revisionismo veio com, como o próprio nome diz, revisar a historiografia sobre a
guerra do Paraguai,
“Em um sentido lato, o revisionismo historiográfico, como interpretação
contraditório às explicações justificadoras do Império e da Argentina ministra, é
contemporâneo à própria guerra, expressando-se sobretudo através de intelectuais
argentinos, que denunciaram o confronto como agressão do Império e do
Unitarismo liberal portenho contra os direitos provinciais argentinos e autonomia
uruguaia e paraguaia” (MAESTRI, 2009, p. 4)

As principais obras do revisionismo são (MAESTRI, 2009):

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- La Guerra del Paraguay: gran negócio! (Guerra do Paraguai: a grande tragédia rio-
platense), León Pomer, 1968.
- Ensaio sobre a ditadura do Paraguai [1814 – 1840], Raul de Andrade e Silva, 1978
- Genocídio americano: a Guerra do Paraguai, Júlio José Chiavenetto,1979.

O Genocídio americano, foi uma das mais célebres obras do período, com seu autor
retomando algumas teses revisionistas que superavam as apresentações factuais nacional-
patriótica

3.3 A restauração historiográfica: retorno às trincheiras

Na década de 1980, no campo historiográfico, decretou-se a impossibilidade de


interpretar o passado, desta forma a história como ciência foi substituída pelo relato da vida
privada, do imaginário do exótico, etc. Valorização das novas histórias políticas e cultural.
Quanto a Guerra do Paraguai, o movimento historiográfico apoiado pelas forças sociais e
impulsionado pela mídia, desqualificou os trabalhos anteriores.
Uma das principais obras desse período é A Guerra do Paraguai: escravidão e
cidadania na formação do Exército, Ricardo Salles, 1991. Onde critica a ignorância dos
interesses do Estado imperial brasileiro além de apontar que o estudo da sociedade paraguaia
para a compreensão da guerra. O autor se foca no livro na fragilidade estrutura do Exército
e da Guarda Nacional, a necessidade de construir um “exército profissional”. As propostas
do autor se baseavam em reflexões logicas e circulares e ele tinha como objetivo registra o
caráter não-cidadão e não-nacional das tropas.

3.4 - Exército cidadão

Um novo exército, ligado aos interesses gerais da nação, porta voz das camadas
médias, populares, escravas. Tinham como base a crítica aos princípios das forças armadas
imperiais, suas práticas desiguais, bem como seu caráter elitista e autoritário. Percebe-se
uma influência popular sobre a visão e representação das tropas imperiais. Para exemplificar
isso, utiliza-se do posicionamento não-nacional de Caxias ao reiterar a hierarquia existente
no exército, causando conflito entre “inferiores” e “superiores” nos acampamentos,
demonstrando oposição social, a essa atitude.

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3.5 - Restauração historiográfica

Fins de 1990, criavam-se as condições apropriadas para a concretização do processo


de restauração referente à Guerra do Paraguai. Apresenta dois trabalhos de Francisco
Doratioto, publicados em períodos diferentes, com visões diversas sobre o conflito.
A guerra do Paraguai: 2ª visão – Busca romper com a historiografia tradicional,
onde uma figura é responsabilizada pelo conflito, ou então algo maior, como a “teoria
imperialista”. Para o autor, é preciso analisar a Guerra do Paraguai sob a visão do contexto
de “formação e definição do caráter dos Estados nacionais” (MAESTRI, 2009, P. 10), onde
a hegemonia e disputa entre setores das classes dominantes estriam no centro do conflito.
Analisa o conflito a partir do desejo do Paraguai de demarcar as fronteiras após o
fim do regime colonial. Justifica a ação do Império com base na busca pela hegemonia,
tendo o conflito ocorrido, justamente pelo choque das “classes dominantes”, fazendo assim,
uma crítica à tese “imperialista”.
O conflito com o Paraguai: a grande guerra do Brasil – aborda o conflito
propriamente dito. É caracterizado pela mudança de interpretação sociológica que
enfatizava uma defesa das ações do Império.
Inicia a obra discutindo sobre as características modernas apresentadas pelo exército
imperial no Paraguai, retomando a ideia de que, a partir desse momento, se deu a gênese
dos instrumentos que colocaram um fim ao governo monarquista.
O segundo capítulo apresenta um debate sobre as disputas em torno do Rio da Plata,
antes do conflito, entretanto, sem muita ênfase ao papel exercido pela elite portenha, como
no primeiro ensaio, entretanto, mantendo uma permanente relativização das
responsabilidades do Império. Realiza uma abordagem, a qual MAESTRI denomina de
“Trincheira”, pois é uma análise ainda feita pelas classes dominantes, onde apena um lado
apresenta os acontecimentos. Para exemplificar essa abordagem, MAESTRI, utiliza uma
parte da obra onde a ação do Imperador de continuar com a luta, se não apenas para
conseguir a vitória é exaltada. É retomado também nesse trabalho, a demonização do
inimigo, enfatizando atitudes cruéis tomadas pelos paraguaios.

3.6 - 130 Anos Depois

Apresenta o livro Guerra do Paraguai: 130 anos depois, destacando a participação e


análise do historiador inglês, Leslie Bethell. Para o autor, a Guerra do Paraguai foi uma

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decisão de López, consequência de realizar o “sonho de construir um império” (MAESTRI,
2009, P. 14). Questiona principalmente a tese da responsabilidade direta ou indireta do
imperialismo britânico, assim como o fato das políticas sul-americanas de se voltar a ela.
Contra argumenta a partir das “vantagens do relacionamento dos latino-americanos com o
capital inglês”.
Finaliza sua defesa ao imperialismo, ressaltando a importância do Brasil e Argentina
para os interesses capitalistas britânicos e a pouca relevância do Paraguai, segundo
MAESTRI, justamente por suas divergências econômicas. Afirmando, desse modo, que os
responsáveis pelo conflito foram as próprias nações envolvidas.

3.7 - Hiato sem repercussão

Abordando a participação dos escravos brasileiros na Guerra do Paraguai, apresenta


a dissertação de mestrado, Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do
Paraguai de Jorge Luiz Prata de Sousa, “[...] destaca a importância das apologias sobre o
“voluntariado” na construção das narrativas sobre o Exército como expressão da
nacionalidade, que praticamente obscureceram o caráter coercitivo do recrutamento.”
(MAESTRI, 2009, P.15), lembrando também, que a decisão de incorporar os cativos ao
exército, derivou da própria resistência dos homens livres em se alistarem. Apoia-se para
desenvolver seu trabalho nas cartas de alforria, concedida no Rio de Janeiro, relatando
algumas das dificuldades de obtê-las. Infelizmente, a dissertação não encontrou muito
espaço nos debates sobre o tema.

3.8 - Vinte e Cinco Anos Mais Tarde

Abordando a linha revisionista sobre a Guerra do Paraguai, entre os anos de 2002 e


2004, apresenta dois trabalhos. A catástrofe dos erros: razões e emoções na Guerra contra o
Paraguai do coronel do Exército Maya Pedrosa, se propõe a ser uma resposta à historiografia
de visão marxista sobre o conflito.
A segunda obra Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai, de Francisco
Doratioto, apresenta uma riquíssima revisão bibliográfica sobre o tema, com característica
parecida com a obra citada anteriormente, ao não abordar as produções marxistas sobre a
Guerra do Paraguai em sua revisão. Desse modo, “A historiografia revisionista avançara o

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conhecimento histórico sobre a Guerra ao propor a necessidade da elucidação do caráter das
sociedades em luta, em geral, e do Paraguai, em especial [...]” (MAESTRI, 2009, P.16).
Entretanto, MAESTRI critica a obra de Doratioto devido à sua homogeneização
sobre as nações envolvidas no conflito. Ressalta como o autor não registra as diferenças
existentes entre o Brasil e o Paraguai, citando como exemplo a escravidão, que enquanto no
Império, este era o sistema vigente, o Paraguai era um país com homens livres, enfatiza
como essa questão modifica a visão dos soldados sobre o combate, pois os paraguaios
lutavam pela manutenção de sua autonomia e liberdade, enquanto os brasileiros
considerando-se ainda escravos, não sabiam o que isso significava, obtendo êxito, somente
por conta das forças desiguais do Império.
Finaliza o artigo com sua análise sobre o conflito, em síntese critica a ação do Estado
Imperial e Argentino para com as nações vizinhas e defende que tanto o Uruguai, quanto o
Paraguai, tinham o direito de persistir na luta pelo que defendiam.

4 - IMAGENS EM DESORDEM: A ICONOGRAFIA DA GUERRA DO PARAGUAI.

O trabalho de André Toral, Imagens em desordem: a iconografia da Guerra do


Paraguai (2001), que serve de base deste relato, deriva de parte de sua tese de doutorado,
elaborada sob orientação do Prof. Dr. Marcos Antônio da Silva e como o próprio título
sugere, trata-se, em síntese, de um levantamento da iconografia produzida entre os anos de
1864 e 1870, o período da guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e
Uruguai) incluindo também o material pictórico produzido até o final da década de 1870.
Ao mesmo tempo, que pretende “servir de referência aos interessados em imagens do
período”, seu objetivo principal é constituir-se em uma “reflexão crítica e descritiva das
representações do conflito produzidas entre 1864 e 1870 nos países em guerra” (TORAL,
2001, p, 20) mas não esquecendo que “os acontecimentos são sempre captados valendo-se
de um determinado ponto de vista, de maneira unilateral e incompleta” possuindo, assim,
uma “subjetividade, implícita no seu registro a partir de um dado lugar” (TORAL, 2001, p,
23), ou seja, “o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto
da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder” (LE
GOFF, 2012, p. 517), e deste modo, não é inócuo, mas como afirma Jacques Le Goff, o
documento
“é, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente,
da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas
sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais

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continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que
fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele
traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado
aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas
para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de
si próprias.
(LE GOFF, 2012, p. 521-522)

4.1 - Guerra de imagens: A imprensa ilustrada entre 1864 e 1870

A Guerra do Paraguai foi a primeira, na imprensa sul-americana, a receber uma


cobertura visual feita pelos jornais ilustrados, cujo grande atrativo era exatamente as
imagens. Produzidas, no Brasil, Uruguai e Argentina, através da litografia, gravura em pedra
feita com lápis especial, que permitia a rápida elaboração de desenhos ou a cópia de
fotografias, daguerreótipos e pinturas e no Paraguai, devido às limitações impostas pela
guerra, através da xilogravura, gravura feita utilizando de facas e canivetes sobre pequenas
tábuas de madeira, cujo acabamento, e a impressão, eram mais rústicos e menos bem-
acabados que os dos trabalhos argentinos e brasileiros. A maioria deles era publicado
quinzenal, ou semanalmente, em um formato aproximado de tabloide, com quatro a oito
páginas, sendo a maior parte do espaço dedicado às imagens. A Guerra tornou-se
rapidamente o tema principal de boa parte dessas publicações durante os anos de duração
do conflito gerando uma grande demanda por imagens e, ao mesmo tempo, fazendo que
aumentassem tiragens e vendas (TORAL, 2001).
A imprensa ilustrada, na sua maioria, eram pequenos negócios de um único homem
que atuava como jornalista, gravador e impressor, não se vinculando, exclusivamente, aos
partidos Liberal e Conservador que se constituíam as tendências políticas dominantes do
Segundo Reinado. “O clima de liberdade de imprensa existente durante o Segundo Império,
permitia ataques à figura do imperador, a componentes do governo, militares e demais
autoridades” (TORAL, 2001, p. 59). O público destes periódicos ilustrados, como se deduz
das matérias, era a elite urbana, letrada, principalmente da capital do Império.
A pauta dos jornais ilustrados brasileiros era variada, mas em sua maioria, versava
sobre a guerra, a política, a polícia, a vereança, o asseio público, a via férrea, a guarda
nacional, os estudantes, os “filantes”3, os agiotas, as denúncia de arbitrariedades
eclesiásticas, os protestantes, as “carolas”, a temporada lírica, na repercussão de exposições
de artistas visitantes ou residentes no Rio de Janeiro, os hábitos da corte e das províncias e

3
Diz-se de, ou pessoa que não compra as coisas, para obtê-las gratuitamente dos outros.
https://www.dicio.com.br/filante/

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nas fofocas sociais, porém com a guerra, entre 1865 e 1867, dominando a pauta, mas depois
deste período inicial, mesclando-se em igualdade com os outros assuntos. Publicações como
as cariocas Semana Ilustrada e A Vida Fluminense e o paulista Cabrião, se celebrizaram
por sua cobertura imagística da guerra, no entanto, a imprensa ilustrada era, de certo modo,
oportunista, procurando estar em sintonia com a opinião pública sobre a guerra. Quando a
guerra tornou-se impopular, a partir de 1866, a imprensa ilustrada passou a atacá-la; quando
a proximidade da vitória a tornou popular, a imprensa mudou de opinião. Depois de cinco
anos de críticas, à continuidade da guerra, aos custos humanos e econômicos, ao sistema de
alistamento compulsório e a prepotência dos oficiais, a imprensa ilustrada mudou
radicalmente de opinião ao receber, em triunfo, as tropas vitoriosas que voltavam do
Paraguai, em 1870. “A guerra transformou-se em passado, e os que nela serviram se
tornaram exemplos de patriotismo” (TORAL, 2001, p. 62).
Na Argentina, onde, como no Brasil, as revistas ilustradas eram um negócio de um
homem solitário, com o principal desenhista assumindo, ao mesmo tempo, as funções de
editor e articulista, durante o governo Mitre gozavam de uma ampla liberdade de imprensa
em um clima de reunificação nacional, destacavam-se dois jornais ilustrados publicados em
Buenos Aires: El Mosquito e El Correo del Domingo
El Mosquito (1862-86) que se definia como “periódico satírico, burlesco” e mostrou-
se implacável no tratamento da guerra criticando tanto aos governantes argentinos, quanto
as autoridades brasileiras, ridicularizadas por sua, alegada, morosidade e por sua origem
racial, com um macaco de uniforme retratando militares brasileiros (TORAL, 2001).
El Correo del Domingo, apesar de ilustrado, não publicava charges ou piadas sobre
autoridades ou sobre a guerra e não seguia uma linha “jocosa”, e definia-se como “um jornal
literário semanal ‘sério’, mais patriota e literário que crítico” (TORAL, 2001, p, 66).
Tornou-se responsável pela divulgação pioneira de numerosas imagens inéditas da Guerra
do Paraguai que seriam, posteriormente, copiadas e republicadas por mais de um século.
Se no Brasil e na Argentina a imprensa era livre e independente, no Paraguai os
jornais, inclusive os ilustrados, eram, publicações mantidas pelo governo e refletiam suas
opiniões de forma direta, sendo os redatores funcionários públicos ou oficiais e soldados do
exército (TORAL, 20010. Os textos eram submetidos à uma censura rígida, exercida
pessoalmente por Solano López, que lia tudo que seria publicado e, normalmente,
encomendava artigos. “Até o final da guerra, nunca existiu imprensa particular e autônoma
no país” (TORAL, 2001, p. 68). No Paraguai, o exército, como a maioria da população, era
alfabetizado, fruto do sistema educacional implantado desde o tempo de Francia. O

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Cabichuí era publicado pela “Imprenta del Ejercito”, em precárias oficinas instaladas junto
aos quartéis-generais de López em Paso Pucu e San Fernando, os demais jornais paraguaios,
El Centinela e Cacique Lambaré, totalmente ditado em guarani, eram publicados pela
“Imprenta Nacional” em Assunção. apesar de todas as dificuldades materiais impostas pelo
bloqueio aliado, que cortou o abastecimento de papel e tinta. Os textos das legendas dos
desenhos no Cabichuí e em outras publicações paraguaias apareciam escritos não só em
espanhol, mas em guarani e português e eram deliberadamente espalhadas nos
acampamentos aliados como propaganda. “A imagem, pensada e produzida como arma de
combate, era encarada, sem mais delongas, como instrumento de propaganda das ações do
governo López, num contexto de guerra total ou, se quisermos, um ‘instrumento de defesa
nacional’” (TORAL, 2001, p. 70)

4.2 – A Fotografia vai a guerra

O registro fotográfico da guerra foi, em termos gerais, uma continuação do tipo de


fotografia que se fazia entre 1860 e 1870. Mas foi também mais que isso. A força do assunto
trouxe uma mudança qualitativa mesmo em gêneros há muito tempo explorados, como
retratos e paisagens. Se, por um lado, a guerra ajudou a aumentar as vendas de retratos, por
outro lado, sua precoce impopularidade acarretou o insucesso comercial de outros gêneros
de fotografias do conflito. No Brasil, Argentina e Uruguai a fotografia desenvolveu-se como
atividade comercial particular, sendo muito poucos os casos em que foi subvencionada por
governantes, porém no Uruguai uma firma norte-americana teria recebido apoio oficial,
embora sem subvenção, para fazer a documentação da Guerra (TORAL, 2001).
A Guerra do Paraguai estabeleceu a importância da utilização jornalística da
fotografia de guerra, mesmo que por intermédio de cópias, em litografias, no Brasil, na
Argentina e, num grau menor, no Uruguai. A fotografia, enquanto assunto, deixou de ser
uma coisa familiar e privada e transformou-se em coisa de interesse público (TORAL,
2001). Sem dúvida, a guerra fez que a fotografia se transformasse em fonte de informação
histórica.

4.3 – A Pintura como construção da brasilidade.

No Brasil, tivemos apenas três artistas contemporâneos à guerra que produziram


pinturas históricas sobre o tema: Victor Meirelles, Pedro Américo e Domingos Teodoro de

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Ramos. Na Argentina, basicamente Cándido López. No Paraguai, Saturio Ríos e Aurélio
García não deixaram senão alguns poucos retratos antes de serem tragados pela guerra
(TORAL, 2001).
A pintura feita contemporaneamente à Guerra do Paraguai no Brasil representa um
projeto de romantismo moral e heroico que buscava os elementos fundadores da nação,
realizando uma articulação entre as concepções do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro – IHGB – e as artes visuais produzidas a partir da Academia Imperial de Belas
Artes produzindo uma afirmação pictórica de nacionalidade (ROSSETTO, 2005) sendo, em
sua maioria, subsidiadas pelo Estado e pelas Forças Armadas, os grandes interessados em
estabelecer uma iconografia nacional. Vitor Meireles e Pedro Américo representariam, entre
1860 e 1870, estes ideais artísticos no Brasil de produzir uma arte, capaz de expressar temas
regionais numa linguagem universal e consagrada, na qual os episódios de história pátria,
sejam convertidos em símbolos de nacionalidade, que destinavam-se a criar uma imagem
patriótica para ser apreciada e vivenciada dentro do país, mas também eram destinados a
projetar o país no exterior a ideia do Brasil como nação com um território unificado,
pacificado e centralizado pelo imperador (TORAL, 2001). A figura do imperador seria a
garantia da harmonia interna, da coexistência fraterna de seus elementos constitutivos, por
meio da miscigenação e da confraternização racial (ROSSETTO, 2005).

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes da mais nada, não esperamos esgotar as reflexões sobre a Guerra do Paraguai
neste texto, muito pelo contrário, esperamos que ele seja apenas um início. O conflito
denominado oficialmente no Brasil de Guerra do Paraguai (1864-1870) foi, ao longo dos
séculos, alvo de inúmeras e diferenciadas manipulações históricas e historiográficas. A
Guerra do Paraguai, como qualquer outra guerra, não deve ser celebrada nem comemorada.
Mas, por outro lado, também não deve ser esquecida. Toda guerra é tormentosa e em
qualquer conflito armado o que há de pior na natureza humana - que é bastante violenta -
costuma se revelar com uma sinceridade assustadora. E é importante não esquecer
justamente para que não volte a acontecer.
Para finalizar, registramos a ausência do cotidiano do conflito, bem como dos
distintos sujeitos históricos que o protagonizaram, tais como as mulheres (enfermeiras,
prostitutas, esposas, mães, soldados etc.), comerciantes, negros e indígenas, entre outros,
que não apareceram como parte dos conteúdos relacionados à Guerra do Paraguai que

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trabalhamos neste momento. Somam-se a esses, o enorme contingente de Voluntários da
Pátria envolvidos nos combates e suas famílias que ficaram no Brasil, e os milhões de
soldados e habitantes Paraguaios vítimas do conflito, além dos veteranos de guerra destes
países. Há um silenciamento que percorre as narrativas, notadamente marcada pela ausência
desses sujeitos históricos e que transita entre a rememoração e o esquecimento. Nosso
próximo desafio será o de lembrar a estes “excluídos da história”, assim como apresentar
uma narrativa comprometida com a análise histórica da realidade na qual nos inserimos.

REFERÊNCIAS:

DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: Nova história da Guerra do Paraguai. 2ª. ed.
rev. São Paulo: Cia das Letras, 2002.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 14ª.ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2015.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 6ª. ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012.

LIMA. Luiz Octavio. A Guerra do Paraguai. São Paulo: Planeta, 2016.

MAESTRI, Mário. A Guerra Contra o Paraguai: História e Historiografia: Da instauração à


restauração historiográfica [1871-2002], Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne],
Colloques, mis en ligne le 27 mars 2009, consulté le 08 novembre 2015. URL :
http://nuevomundo.revues.org/55579 ; DOI : 10.4000/nuevomundo.55579

MOTA, Carlos Guilherme. História de um silêncio: a Guerra contra o Paraguai (1864-1870)


130 anos depois. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 9, n.24, p. 243-254, 1995.

ORLÉANS, Gastão de, Conde d’Eu. Diário do Conde d’Eu, comandante em chefe das
tropas brasileiras em operação na República do Paraguai. Rio de Janeiro / São Paulo: Paz
e Terra, 2017.

ROSSETTO, Lourdes. Victor Meirelles – Construção. Florianópolis, SC: Museu Victor


Meirelles, 2005.

SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do Exército.


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

TORAL, André Amaral de. Imagens em desordem: a iconografia da Guerra do Paraguai.


São Paulo: Humanitas / FFLCH / USP, 2001.

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