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Nos últimos anos, o Brasil assistiu a um processo de migração das mortes violentas
para a região Nordeste. O ano de 2017 foi o pior da história brasileira em número de
homicídios: quase 64 mil pessoas perderam suas vidas. Naquele ano, os estados do
Nordeste apresentaram as maiores taxas de homicídios do país, encabeçados pelo Rio
Grande do Norte, com 68 mortes por cem mil habitantes. O cenário começou a mudar a
partir de 2018, quando teve início uma tendência de queda expressiva e contínua nos
números de violência letal em todo o Brasil, e especialmente nos estados nordestinos. No
Ceará, por exemplo, o número de crimes violentos letais intencionais em 2019 foi 50% mais
baixo do que o registrado em 2018. No caso da Bahia, há dificuldade de analisar com
profundidade a queda nos indicadores, uma vez que o governo estadual não divulga com
regularidade os dados sobre violência e crime.
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Para calcular os homicídios, são somados os grandes grupos do CID10: Agressões (X85-
Y09) e Intervenções legais e operações de guerra (Y35-Y35).
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não registraram mortes em 2017 (18) passaram a contabilizar mortes violentas em 2018. Em
movimento oposto, dos municípios que não registraram mortes violentas em 2018, 30
tinham contabilizado 59 mortos no ano anterior.
A cor da violência
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Como se sabe, jovens, homens e negros2 formam a população mais afetada por
mortes violentas no Brasil. Esse cenário é mais dramático na Bahia. Ao todo, em 2018,
5.427 homens negros foram mortos, ao passo que o número de homens brancos mortos foi
350. Ao fazer essa comparação, é importante ter em mente que a população negra é mais
numerosa na Bahia do que na média do país. Mesmo quando calculamos as taxas de
homicídio para cada uma dessas populações, as diferenças são chocantes. Em 2018, a taxa
de homicídios para homens negros na Bahia foi de 103 por cem mil habitantes, enquanto,
para homens brancos, a taxa ficou em 23 por cem mil habitantes. Ou seja: a taxa de
homicídios entre negros é 4,5 vezes maior do que entre brancos. No Brasil, no mesmo ano,
homens negros tiveram uma taxa de 89 por cem mil habitantes; entre os homens brancos, o
indicador foi 28 por cem mil.
O gráfico acima ilustra o abismo que separa homens brancos e negros na Bahia no
que se refere à mortes violentas. As taxas para a população total de homens negros e
brancos já são suficientes para sustentarmos que há viés racial na violência letal na Bahia;
mas, quando se acrescenta o dado idade à análise, o resultado é mais alarmante. É na faixa
etária dos jovens de 20 a 29 anos que as diferenças são maiores: entre jovens negros, a
taxa chega a 236 por cem mil habitantes, enquanto os jovens brancos apresentam uma taxa
de 55 por cem mil habitantes. Ou seja: a letalidade violenta entre jovens negros nessa faixa
etária é quase 4,3 vezes superior à dos jovens brancos.
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Pretos e Pardos, segundo o IBGE.
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Apesar de não serem vítimas preferenciais dos homicídios, as mulheres são as
principais afetadas pela violência doméstica e sexual no Brasil. O machismo presente na
base da sociedade brasileira é o principal fator de vitimização das mulheres de todas as
idades e, principalmente, as mulheres negras. De 2009 a 2017, 6.975 mulheres foram
vítimas de violência sexual na Bahia, com aumentos sucessivos de ano a ano: em 2009,
foram registrados 121 casos; oito anos depois, em 2017 (últimos dados disponíveis), o
número de ocorrências foi de 1.194, um aumento de 887%.
Nas três cidades que concentraram mais de 50% dos casos, os aumentos foram ainda
mais expressivos. Em Feira de Santana, o total de ocorrências cresceu 130% no período de
2009 a 2017; em Vitória da Conquista, 1.750%; e na capital Salvador, o aumento foi de
2.464%! Mais de 58% dos casos ocorreram com meninas, adolescentes e jovens de de 10 a
29 anos e crianças de 0 a 4 anos foram mais de 17% das vítimas. Ao compararmos as taxas
por faixa etária, o grupo etário mais vitimado proporcionalmente foi o das meninas de 10 a
14 anos (38 casos por cem mil habitantes).
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0 a 4 anos 127 24,4
5 a 9 anos 97 16,6
40 a 49 anos 88 10,2
50 a 59 anos 39 6,2
Assim como nos casos dos homicídios entre os homens, as mulheres vítimas de
estupro são majoritariamente negras. Mulheres negras sofreram 73% dos casos de violência
sexual registrados em 2017, enquanto as brancas foram vítimas em 12,8%. De 2009 a 2017,
o número de mulheres negras vítimas de estupro aumentou quase 10 vezes! A taxa deste
crime entre mulheres negras habitantes da Bahia é 16 casos por cem mil, o dobro da taxa
entre brancas, que é de 8 por cem mil mulheres.
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Os dados aqui apresentados cobrem largos períodos de tempo e apontam para
dinâmicas de evolução lenta e contínua. O que os números mostram é que a violência que
atinge essa parcela importante da população baiana há muito tempo segue em alta ou em
patamares inadmissíveis. É preciso que o governo estadual se comprometa com a
promoção de políticas públicas de prevenção da violência de maneira qualificada e
focalizada nos municípios em que mais ela ocorre, bem como nos setores da população
mais atingidos.
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Anexo
Número e taxa de homicídios nos municípios da Bahia para os anos de 2017 e 2018
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Paulo Afonso 49 40,59 37 30,65 -24,49
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Rio Real 33 79,01 20 47,88 -39,39
10
Ituberá 11 37,38 12 40,78 9,09
11
Olindina 16 54,74 9 30,79 -43,75
12
Retirolândia 2 13,58 6 40,73 200,00
13
Sapeaçu 6 33,12 5 27,60 -16,67
14
Itaju Do Colônia 6 83,13 4 55,42 -33,33
15
Antas 5 25,55 3 15,33 -40,00
16
Santana 2 7,27 2 7,27 0,00
17
Antônio Cardoso 1 8,19 1 8,19 0,00
18
Barra Do Rocha 8 127,84 1 15,98 -87,50
19
Brotas De Macaúbas 1 9,11 0 0,00 -100,00
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