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Combate em Múltiplos

Domínios
Impulsionando a Mudança para
Vencer no Futuro
Gen Ex David G. Perkins, Exército dos EUA
Este é o primeiro de três artigos que abordam o impacto Em vez do combate estático, a partir de trincheiras, as
do conceito de Combate em Múltiplos Domínios pelo brigadas norte-americanas empregariam, supostamente,
prisma do U.S. Army Training and Doctrine Command a velocidade e a mobilidade para infligir derrotas deci-
— TRADOC. Este artigo descreve as ideias que vêm sivas aos alemães. Embora Pershing houvesse cunhado
tomando forma sobre como as forças terrestres poderão a expressão open warfare, essas ideias condiziam com a
conduzir futuras operações dentro do conceito de Combate doutrina pré-guerra — fortemente influenciada pelo
em Múltiplos Domínios que vem sendo desenvolvido pelo pensamento militar alemão — que minimizava o empre-
Army Capabilities and Integration Center (ARCIC). go da artilharia e metralhadoras.
Em reconhecimento ao centenário da entrada das Forças Contudo, as baixas sofridas pelas forças alemãs e
Expedicionárias Americanas na Primeira Guerra pelas forças aliadas a partir de 1914 obrigaram os comba-
Mundial, os artigos incluirão relevantes observações e lições tentes a compreender que a letalidade da artilharia de
históricas, para ajudar na compreensão do novo conceito e tiro rápido, metralhadoras e morteiros — e, mais tarde,
diferenciá-lo dos anteriores. gás, carros de combate e aeronaves — fez com que táticas
como as defendidas na doutrina de Pershing passassem a

T alvez estejamos perdendo homens demais” não


é o modo de iniciar uma conversa sobre mudar
a doutrina1. O Gen John J. Pershing escre-
veu essas palavras em agosto de 1918, após as Forças
Expedicionárias Americanas (AEF, na sigla em inglês)
ser praticamente suicidas. Os exércitos europeus, diante
de uma quantidade insustentável de baixas, tiveram de
adaptar-se e formular novas doutrinas e táticas após se
estabelecer um impasse.
Enfrentando sua própria insustentável lista de baixas,
sofrerem mais de 60 mil baixas, em um período de Pershing determinou que seu QG realizasse uma revisão
cerca de quatro meses2. doutrinária4. A pequena mudança que houve chegou tar-
Quando os Estados Unidos da América (EUA) de demais: mais da metade das baixas norte-americanas
entraram na Primeira Guerra Mundial, na primeira na Primeira Guerra Mundial aconteceram no final de
metade de 1917, Pershing estava convencido de que os 1918, durante a Ofensiva Meuse-Argonne5. Apesar do
alemães seriam expulsos das trincheiras e derrotados a discurso de mudança, a guerra de movimento persistiu,
descoberto por uma infantaria autossuficiente empre- com comandantes como Pershing criticando as táticas
gando a doutrina de open warfare [guerra aberta, tam- e a doutrina das forças aliadas, ao mesmo tempo que
bém traduzida por guerra de movimento — N. do T.]3. continuavam a formular planos de ataque extraordina-
Essa doutrina propunha que três brigadas de infantaria riamente agressivos e otimistas6. Eles subestimaram a
manobrassem fora das trincheiras que haviam imobi- importância do poder de fogo pesado e de seu controle,
lizado a guerra alguns meses após seu início, em 1914. comunicação e coordenação7.

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Obtenção da Sinergia entre os Diferentes Domínios

Legenda
AI – Interdição Aérea
Air – Aéreo
CAS – Apoio Aéreo Aproximado
Cyberspace – Ciberespaço
Electronic Warfare – Guerra Eletrônica
EMS Recon – Reconhecimento do Espectro Eletromagnético
Land – Terrestre
Maritime – Marítimo
SOF – Forças de Operações Especiais
Space – Espaço
UAS – Sistemas Aéreos Não Tripulados
USMC – Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA

Esta representação gráfica é uma das primeiras a ilustrar a integração


e convergência inerentes do futuro campo de batalha em múltiplos
domínios. Este cenário mostra forças conjuntas obtendo a sinergia
o Exército não se pode permitir pagar o mesmo preço
entre os diferentes domínios mediante a aplicação do conceito pago em vidas durante a Primeira Guerra Mundial.
Combate em Múltiplos Domínios. (Imagem cedida pelo autor) Desta vez, o Exército dos EUA precisa compreender
as mudanças conforme elas forem ocorrendo e prever
A aproximação do centenário do fim da Primeira como elas afetarão as operações. A doutrina deve evo-
Guerra Mundial oferece uma ocasião para se refletir luir antes que o Exército enfrente potenciais inimigos, e
sobre o modo pelo qual as forças terrestres devem se não depois. Precisamos aprender a partir de um estudo
adaptar a mutáveis ambientes operacionais. Apesar e análise cuidadosos, para não termos de aprender por
do heroísmo das AEF em 1917 e 1918, fica claro que o meio de experiências amargas.
Exército não adaptou sua doutrina para as condições
operacionais que existiam na Frente Ocidental antes de Mudanças no Modo Pelo Qual o
os EUA entrarem na guerra. Os EUA tiveram a opor- Exército Combaterá
tunidade de observar e aprender com a experiência Quando a nação convocar o Exército dos EUA
europeia. Em vez disso, o Exército norte-americano a lutar e vencer sua próxima guerra, o ambiente
persistiu com uma doutrina que já havia sido avalia- operacional será diferente das circunstâncias de
da como insatisfatória. Os EUA hoje enfrentam uma nossas experiências recentes. Será definido por um
situação comparável. Os ambientes operacionais estão inimigo que desafiará nossa capacidade de manter a
mudando rapidamente. Quando chamado ao combate, liberdade de manobra e superioridade nos domínios

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COMBATE EM MÚLTIPLOS DOMÍNIOS

aéreo, cibernético, terrestre, marítimo e espacial uma simples questão de dar nova redação à doutrina
e no espectro eletromagnético. Quando as tropas e comprar novos equipamentos. Por seu tamanho, o
norte-americanas chegarem no campo de batalha Exército dos EUA mudará em uma escala além da que
com caros e avançados mísseis dirigidos de precisão, seria concebível para quase todas as empresas da lista
os inimigos poderão contra-atacar com respostas Fortune 500. Essa transformação requer que ele desen-
inovadoras e eficazes, a um custo bem mais baixo. volva um conceito operativo baseado em uma detalha-
Para se oporem à nossa rede de comunicações de úl- da campanha de aprendizagem que guiará mudanças
tima geração, eles podem violar, abalar ou negar nos- por toda a Força.
sas garantias por meio de um grupo bem organizado Em Forging the Sword—Doctrinal Change in the U.S.
de hackers que ataquem alvos deliberadamente sele- Army (“Forjando a Espada — Mudança Doutrinária
cionados com base em Inteligência e em conformida- no Exército dos EUA”, em tradução livre), Benjamin M.
de com um plano de manobra mais amplo — execu- Jensen explica que a mudança doutrinária se consolida
tando todas essas ações fora da área de operações. O pelo choque e competição ou por uma escolha cultural
ARCIC está desenvolvendo o conceito de Combate voluntária9. A mudança decorrente do choque e com-
em Múltiplos Domínios para ajudar a preparar o petição é a que ocorre à força, devido ao insucesso ou à
Exército para esses possíveis campos de batalha fu- observação do insucesso de outros. Os exércitos que fa-
turos, em que as atuais vantagens norte-americanas lham antes de mudar talvez não possam se dar ao luxo de
poderão se transformar em fraquezas e os domínios manter suas estruturas organizacionais preferidas; pre-
nos quais temos superioridade, atualmente, poderão cisarão adaptar-se rapidamente à realidade imediata do
se converter em áreas de um violento embate. que funcionará no combate em que estejam envolvidos.
A doutrina descreve como o Exército conduz e Com o insucesso, um exército é obrigado a se adaptar
se adestra para as operações na atualidade, com as imediatamente; caso contrário, vai continuar falhando
capacidades que ele já tem. Por outro lado, os conceitos ou até perder. Entre muitos exemplos, os insucessos de
descrevem como o Exército poderá operar no médio Pershing no campo da doutrina refletem essa verdade: as
e longo prazo, com base nos ambientes operacio- forças norte-americanas foram vitoriosas no final, mas só
nais previstos para o futuro. Quando publicados nos após muitas vidas terem sido perdidas.
manuais do Comando de Instrução e Doutrina do Contudo, a mudança
Exército dos EUA (U.S. Army Training and Doctrine baseada em uma escolha O Gen Ex David G. Perkins,
Command — TRADOC), os conceitos orientam o cultural voluntária é uma do Exército dos EUA,
estudo, a experimentação e a avaliação de novas mudança proativa. É uma é o Comandante do U.S.
soluções para doutrina e para organização, ades- mudança por opção, que é Army Training and Doctrine
tramento, material, liderança e educação, pessoal e feita com base em prever Command — TRADOC.
instalações (dimensões da Força, conhecidas, coletiva- problemas e evoluir para Concluiu o bacharelado pela
mente, como DOTMLPF). [Comparar com os fatores evitar o insucesso. Na Academia Militar dos EUA;
DOAMEPI – doutrina, organização (e/ou processos), mudança proativa, os co- o mestrado em Engenharia
adestramento, material, educação, pessoal e infraes- mandantes têm o tempo Mecânica pela University
trutura — N. do T.] Quando validados, os conceitos e a oportunidade para of Michigan; e o mestrado
levam a mudanças dentro dessas dimensões da Força, focalizar transformações em Estudos Estratégicos e
incluindo a doutrina. que reflitam seus pontos Segurança Nacional pela
Mudar nunca é fácil, especialmente nas grandes fortes culturais e orga- Naval War College. Serviu,
organizações. O Exército como um todo, incluindo os nizacionais10. O melhor anteriormente, como
componentes da Ativa, Reserva e Guarda Nacional, exemplo histórico de uma Comandante do Centro
consiste em uma enorme organização de mais de mudança por opção é a de Armas Combinadas do
1.030.000 militares, além de milhares de funcionários Doutrina de Combate Exército dos EUA, em Fort
civis espalhados por todo o mundo, em uma grande va- Ar-Terra (AirLand Leavenworth, Estado do
riedade de operações e níveis de aprestamento8. Mudar Battle, em inglês) dos Kansas.
o Exército e prepará-lo para futuras operações não é anos 80.

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Combate Ar-Terra como Modelo combate integrado — integrated battle, termo cunhado
para a Mudança por Douglas Skinner — foi a ideia de manobra, sin-
Comparado à sangrenta lição aprendida pela expe- cronização e poder de fogo sendo integrados na exe-
riência sofrida pelas AEF na Primeira Guerra Mundial, cução no campo de batalha14. Ainda que não definido,
o desenvolvimento da Doutrina de Combate Ar-Terra especificamente, no FM 100-5, a ideia de combate
oferece um melhor modelo para a mudança. A origem integrado permeia o documento. O apoio integrado de
do Combate Ar-Terra baseou-se na observação da todas as armas e serviços é crucial nas ações aproxima-
devastadora falta de prontidão de Israel no início da das, incluindo a integração de poder aéreo para atacar o
Guerra do Yom Kippur em 1973 (também chamada de inimigo de forma escalonada15.
Guerra de Outubro ou Guerra do Ramadã), quando o O colapso da União Soviética e do Pacto de Varsóvia
Egito e a Síria atacaram o país na Península do Sinai. pôs um fim à ameaça que o Combate Ar-Terra se desti-
Desde 1967, Israel se sentia confiante e pronto para nava a neutralizar. Em seu lugar, em 1991, a Operação
repetir sua decisiva vitória sobre a coalizão árabe na Desert Storm ofereceu uma oportunidade de validar,
Guerra dos Seis Dias. Entretanto, em 1973, os exércitos integralmente, o Combate Ar-Terra como doutrina.
árabes avançaram rapidamente, e as forças israelenses Ao executar a aparentemente impossível ação left hook
sofreram uma grande quantidade de baixas antes de [pelo flanco esquerdo], o Gen Norman Schwarzkopf se
obterem, por fim, a vitória. Como os árabes recebiam apoiou fortemente nos planejadores que haviam cursa-
suprimentos da União Soviética e os israelenses, dos do a School of Advanced Military Studies, versados em
EUA, o conflito confrontou as capacidades soviéticas guerra de mobilidade e arte operacional. A execução
e as norte-americanas em combate11. A capacidade do descentralizada, aliada à manobra de armas combi-
Exército dos EUA para observar e aprender com os er- nadas, havia sido bem afiada por meio de constantes
ros de Israel permitiu-lhe mudar de um modo proativo rodízios e exercícios em centros de adestramento para
e desenvolver pontos fortes seus e da Organização do o combate. Essa superioridade tática ficou evidente
Tratado do Atlântico Norte (OTAN). para o mundo durante a guerra terrestre de cem horas.
O comando percebeu, em 1973, que a Força estava A Operação Desert Storm representou a estreia do
pronta para combater a contrainsurgência no Vietnã, Combate Ar-Terra, provando que um processo eficaz
mas não para conduzir um combate de grande porte ajusta a doutrina antes do combate seguinte.
nas planícies da Europa Central. Entendeu que seus
prováveis ambientes operacionais haviam mudado O Conceito de Combate em
e que o Exército dos EUA precisava se transformar Múltiplos Domínios para o Futuro
para acompanhá-los. Ao longo de mais de oito anos, o Ao desenvolver o conceito de Combate em
Combate Ar-Terra foi desenvolvido em um processo Múltiplos Domínios, o Exército dos EUA busca
contínuo, primeiro como conceito e, mais tarde, como trilhar o caminho aberto pelos formuladores da
doutrina, na versão de 1982 do Manual de Campanha Doutrina de Combate Ar-Terra. Deseja evitar passar
100-5, Operações (FM 100-5, Operations). por uma lição sangrenta e traumática como a vivi-
Dos vários pontos importantes da Doutrina de da pelas AEF em 1918. O Combate em Múltiplos
Combate Ar-Terra, três são de grande valia para o Domínios é um conceito movido por uma escolha
Combate em Múltiplos Domínios. O primeiro foi proativa, que leva em consideração a ameaça de
a introdução da arte operacional, como é conhecida insucesso. É uma evolução do conceito operativo do
atualmente, e da estrutura do campo de batalha12. Tal Exército dos EUA, detalhando uma resposta às nossas
estrutura proporcionou aos comandantes uma clara observações dos acontecimentos no Mar do Sul da
visualização de seu campo de batalha, codificado como China, Guerra de Nova Geração da Rússia e desafios
áreas profunda, aproximada e de retaguarda. O segundo em curso no Oriente Médio. É um reconhecimento de
ponto foi a execução descentralizada, exigindo que os que os EUA estão chegando ao fim de um período em
comandantes monitorassem seus setores continuamen- que ainda podem efetuar uma mudança por opção,
te para identificar possibilidades a serem exploradas sem terem sofrido graves perdas. O Exército precisa
— um precursor do Comando de Missão13. O terceiro, evoluir e mudar.

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COMBATE EM MÚLTIPLOS DOMÍNIOS

Fases do Seis Espaços Físicos


plano de
operações

V
Área de apoio Área de apoio Área de apoio Área aproximada Área profunda Área de fogos
estratégico operacional profundos
IV
Combate Ar-Terra
III Área de Área Área
Retaguarda Aproximada Profunda

II

0
∞ ∞
Sequência do espaço geográfico

Manifestação física das capacidades e efeitos nos diferentes níveis de guerra (fases 0-V)
Tático (espaço, ciberespaço, guerra eletrônica e informação)

Operacional (espaço, ciberespaço, guerra eletrônica e informação)

Estratégico (espaço, ciberespaço, guerra eletrônica e informação)

Legenda
Ponto de manifestação física das capacidades/efeitos Vias que as capacidades precisam cruzar para gerar efeitos

Fases do plano de operações (JP 5-0, Planejamento de Operações Conjuntas)


0-Moldar I-Dissuadir II-Obter a iniciativa III-Dominar IV-Estabilizar V-Capacitar a autoridade civil

(Gráfico do autor)

Figura – Versão Preliminar da Estrutura do


Campo de Batalha Comparada à do Combate Ar-Terra

O desenvolvimento de conceito nos confere a opor- atualmente, suficientemente treinadas, organizadas,


tunidade de definir problemas complexos, criar um mo- equipadas ou posicionadas para dissuadir ou derrotar
delo para entendê-los melhor e, então, decompô-los em inimigos capazes e com poder de combate equivalente
problemas menores, mais detalhados e solucionáveis, para poderem vencer em futuras guerras”16. Enquanto no
por meio de cenários do mundo real. Eles nos conferem Combate Ar-Terra, o terreno, a política e o inimigo eram
a oportunidade de formular, completamente, o quê, o conhecidos, hoje em dia diferentes adversários com capa-
porquê e o como da mudança. Eles nos forçam a mudar. cidades diversas e crescentes têm alcançado, ativamente,
Para que o conceito de Combate em Múltiplos seus objetivos sem chegar ao nível de conflito armado.
Domínios funcione como doutrina, e nas demais dimen- A realização de uma ação militar em resposta às ações
sões ou fatores da força, o primeiro passo é entender, de nossos adversários depara-se com vários problemas
claramente, os possíveis ambientes operacionais aos complexos. Os adversários podem ameaçar impor os cus-
quais ele se destina. A publicação “Multi-Domain Battle: tos de um campo de batalha extremamente letal, limitar
Combined Arms for the 21st Century” (“Combate em o acesso a domínios essenciais, desafiar a capacidade de
Múltiplos Domínios: Armas Combinadas para o Século manter a superioridade nos domínios aéreo e marítimo e
XXI”, em tradução livre), de 2017, define o problema tentar negar acesso ao teatro de operações.
central desta forma: “As forças de combate terrestre dos Com base nesses problemas complexos e
EUA, que operam como parte […] de equipes conjun- inter-relacionados, o conceito de Combate em
tas, interorganizacionais e multinacionais, não estão, Múltiplos Domínios chegará a um nível de detalhe em

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que soluções possam ser formuladas, aplicadas, testa- • Uma área profunda contém desafios que precisam
das e avaliadas. Algo essencial para se chegar até esse ser superados para se obter sucesso na área aproxi-
nível de detalhe é o estabelecimento de uma estrutura mada. Em uma área profunda, as forças de manobra
do campo de batalha. A estrutura do campo de batalha devem ter a capacidade de convergir e criar inter-
é uma ferramenta cognitiva utilizada para ajudar os valos de superioridade nos domínios para obter a
comandantes a exercerem o Comando de Missão. iniciativa operacional.
Uma adequada estrutura do campo de batalha permite • Uma área aproximada é onde ocorre a principal
que os comandantes visualizem, descrevam, dirijam, troca direta de fogos. Em uma área aproximada, as
liderem e avaliem claramente a aplicação do poder forças terrestres conquistam e mantêm acidentes
de combate em termos de tempo, espaço, finalidade capitais, manobram para destruir as formações ter-
e recursos. À medida que os ambientes operacionais restres do inimigo e controlam as populações.
mudarem, as estruturas anteriores se mostrarão ina- • Uma área de apoio fornece suporte direto ao
dequadas para essas tarefas. Reformular a estrutura do combate avançado. Uma área de apoio possibilita
campo de batalha é essencial para o êxito do Combate as operações nas áreas aproximada, de manobra
em Múltiplos Domínios. profunda e de fogos profundos com capacidades
O Combate Ar-Terra nos proporcionou uma estru- de sustentação (logística), fogos, apoio à manobra e
tura do campo de batalha dividida em ações profundas, Comando de Missão.
aproximadas e de retaguarda para definir o problema • Uma área de apoio operacional contém o ponto
de como as Forças Armadas dos EUA combateriam e central, as capacidades essenciais e a sustentação
venceriam em condições de inferioridade numérica. A das forças conjuntas. Fornece, ainda, o local das
estrutura do Combate em Múltiplos Domínios precisa capacidades fundamentais de Comando de Missão,
possibilitar a vitória em um mundo ainda mais comple- sustentação e fogos e ataques ar-terra da Força
xo. O Combate em Múltiplos Domínios está expandindo Conjunta.
a estrutura do campo de batalha para conduzir o comba- • Uma área de apoio estratégico se estende do territó-
te em toda a amplitude e profundidade das capacidades rio nacional, ao longo das linhas de comunicação da
inimigas, estendendo-se, de forma totalmente integrada, missão, até o ponto de entrada inicial no teatro de
do campo de batalha à Zona do Interior (ZI) e ao longo operações. Em detalhes, a área de apoio estratégico
de múltiplos domínios. A figura apresenta uma versão engloba portos e unidades no território nacional,
preliminar da estrutura do campo de batalha, conforme linhas de comunicação marítimas e aéreas estratégi-
ele evoluiu a partir da Doutrina de Combate Ar-Terra, cas e comunicações no âmbito nacional. Atravessar
baseado no estágio de desenvolvimento do conceito e operar na área de apoio estratégico decerto exigirá
quando da publicação deste artigo. uma afiada coordenação entre os comandos geográ-
A estrutura preliminar sendo desenvolvida pelo ficos combatentes.
ARCIC compreende seis espaços físicos: área de fo- É importante que até mesmo os locais virtuais
gos profundos, área profunda, área aproximada, área de estejam atrelados a locais físicos nessa estrutura. Espaço,
apoio, área de apoio operacional e área de apoio estratégico. ciberespaço e ambiente informacional são frequente-
Quando aplicadas a missões no mundo real, essas áreas mente citados como domínios ou dimensões exclusiva-
não são, necessariamente, lineares ou contíguas; sua mente virtuais, mas essa caracterização está incorreta.
designação e demarcação dependem, totalmente, do A obtenção de um efeito físico requer a localização
terreno geopolítico onde estejam localizadas: física de um mecanismo de lançamento ou produção de
• Uma área de fogos profundos está além do alcance efeitos, pontos de apoio para facilitar tal lançamento e o
útil das forças de manobra convencionais, mas está ponto do efeito pretendido.
situada onde fogos conjuntos e capacidades nacio- Além disso, em todos os níveis da guerra e fases ope-
nais podem ser empregados para efeito operacional racionais, as capacidades virtuais são posicionadas no es-
ou estratégico. Por estar, provavelmente, dentro de paço físico segundo seu nível de emprego. Por exemplo,
um território soberano, ela é negada, em grande um grupo organizado de hackers que esteja operando em
parte, por elementos de manobra. uma área de fogos profundos pode utilizar servidores

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COMBATE EM MÚLTIPLOS DOMÍNIOS

proxy de uma outra área de fogos profundos, fora do ideias passadas. A estrutura do campo de batalha
teatro de operações, para produzir efeitos contra uma apresenta um conceito semelhante a ações profundas,
unidade específica que esteja mantendo um acidente ca- aproximadas e de retaguarda — o conceito operativo
pital na área aproximada. Os hackers podem realizar isso vigente no Exército dos EUA até ser substituído, em
visando familiares de seus inimigos em seu território de 2001, por operações no amplo espectro, apenas para
origem. Esses efeitos podem ser letais, utilizando as mí- ser retomado na Publicação Doutrinária do Exército
dias sociais e imagens de fontes ostensivas para selecio- 3-0, Operações (ADP 3-0, Operations), dez anos mais
nar alvos na sede e comunidade de origem da unidade, tarde17. Também há um claro foco no nível operacional
mais vulneráveis, ou não letais, como esvaziar contas da guerra e na ideia de combate integrado de Skinner.
bancárias. Qualquer uma das duas abordagens distrairia Por fim, a gênese do Combate em Múltiplos Domínios
a unidade visada, o que criaria uma oportunidade a ser resulta, em parte, da diretriz do Vice-Secretário de
explorada pelo inimigo. Defesa Robert Work determinando a criação de uma
Por meio dessa estrutura do campo de batalha, os nova versão da Doutrina de Combate Ar-Terra como
problemas identificados na publicação “Multi-Domain meio de operacionalizar a terceira estratégia offset [ou
Battle: Combined Arms for the 21st Century” passam de compensação, que visa a manter a vantagem sobre
de linhas gerais para problemas detalhados, que pode- os adversários — N. do T.], iniciada em novembro de
mos resolver. Esses problemas são concebidos ao longo 2014 pelo então Secretário de Defesa Chuck Hagel18.
da estrutura do campo de batalha contra capacidades Embora o Combate em Múltiplos Domínios descen-
específicas do adversário. Por meio dessa abordagem, da do Combate Ar-Terra, cada etapa de seu processo
quer estejamos lidando com a letalidade do campo de de evolução é concebida para confrontar os desafios
batalha quer aprimorando capacidades para mitigar correntes mediante a formulação de soluções novas e
fraquezas em nossas redes de comando e controle, a diferentes.
estrutura do campo de batalha fornece uma base para Os atuais desafios diante das Forças Armadas dos
aprofundarmos o entendimento de modo que soluções EUA demonstram um campo de batalha sendo compri-
nas dimensões DOTMLPF possam começar a tomar mido. Na enorme estrutura, sob o aspecto geográfico,
forma. do Combate em Múltiplos Domínios, planejar para a
incapacidade de garantir comunicações e superioridade
Combate em Múltiplos Domínios — nos domínios seria um foco inteiramente novo, embora
Evolução de um Conceito Anterior ou a ameaça não seja inteiramente nova na guerra. Dessa
Algo Fundamentalmente Único? ótica, o Combate em Múltiplos Domínios evolui como
A questão agora é se a estrutura do campo de bata- algo que toma como base o passado, mas está posiciona-
lha ampliou-se, contraiu-se ou ambos. Embora tenha do para lidar com circunstâncias novas e muito diferen-
se expandido muito além da constante da Doutrina de tes das que as forças terrestres dos EUA enfrentaram
Combate Ar-Terra, a estrutura proposta parece ter, na gerações atrás.
verdade, comprimido o campo de batalha. Na versão Além da estrutura, integrar os domínios espacial e
preliminar, contudo, a vastidão do espaço e ciberespaço cibernético e o espectro eletromagnético no modo pelo
— além dos efeitos de longo alcance das operações de qual as tropas do Exército e forças conjuntas combate-
informação, guerra eletrônica e até mesmo algumas ar- rão é algo que o Departamento de Defesa está apenas
mas convencionais — faz com que o campo de batalha começando a entender. O Combate em Múltiplos
seja ilimitado. Da ZI à área aproximada, há o potencial Domínios reintroduz a ideia de que a convergência
para um engajamento imediato com fogos de longo de capacidades em diferentes domínios ao longo das
alcance, ciberespaço, espaço, guerra eletrônica e infor- dimensões DOTMLPF são um pré-requisito para o
mação. Se o campo de batalha estiver, verdadeiramente, sucesso; é assim que o conceito define integração. Por
comprimido, ele mudará radicalmente o porquê e o fim, em virtude do papel de novas tecnologias, indo
modo pelo qual soluções DOTMLPF serão buscadas. da inteligência artificial à robótica, o Combate em
O Combate em Múltiplos Domínios, como con- Múltiplos Domínios leva em consideração o fato de que
ceito, e a expansão do campo de batalha se valem de o caráter do combate no futuro campo de batalha será

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diferente. Entretanto, como conceito, o Combate em em como responder às capacidades de nossos adver-
Múltiplos Domínios se distancia da ficção científica e sários, os conceitos e subsequente doutrina que
se volta às capacidades específicas que serão necessárias criarmos continuarão a melhorar nossas capacidades
para vencer no futuro combate. de DOTMLPF de uma maneira convergente e
O Exército — juntamente com as demais Forças integrada ao longo de todas as funções de combate, e,
Singulares — tem uma clara oportunidade. O espera-se, das forças conjuntas, de modo que possa-
ambiente de segurança está evoluindo e continuará a mos chegar no futuro campo de batalha com conver-
mudar rapidamente. Nossos desafios podem se gência e integração — um passo adiante e em um
estender além dos adversários imediatos nos quais ritmo mais rápido que nosso inimigo. A vitória
nos concentramos. Contudo, ao nos concentrarmos começa aqui.

Referências
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3. Grotelueschen, The AEF Way of War, p. 31–32. 15. FM 100-5, Operations, p. 36.
4. Ibid., p. 45. 16. Edwin B. Werkheiser, “Multi-Domain Battle: Combined
5. Richard S. Faulkner, “Hard Knocks, Hubris and Dogma: Arms for the 21st Century”, Army–Marine Corps white paper
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10 Primeiro Trimestre 2018  MILITARY REVIEW

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