Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Projeto e Publicação Stills retirados do filme Sudário: Carlos Vergara e São Miguel
Coordenação das Missões, de Carlos Vergara e Gustavo Moura, produzido
Gerência de Cultura/DPS por Duas águas.
Márcia Leite
Revisão de Texto
Assessoria de Artes Plásticas Clarisse Cintra
Caroline Soares de Souza
Leidiane Alves de Carvalho Produção Gráfica
Lúcia Helena Cardoso de Mattos Celso Mendonça
espetáculos e exposições.
Ao possibilitar o livre acesso às artes plásticas, assim como ao cinema, ao teatro e à literatura, o SESC
incentiva a produção artística, investindo em espaço e estrutura para apresentações culturais e, acima
de tudo, promovendo a formação e qualificação de um público que habita os quatro cantos do Brasil.
A credibilidade alcançada pelo SESC nesse âmbito faz da entidade uma referência nacional, o que
revela a reciprocidade entre suas ações e políticas e as atuais necessidades de sua clientela.
cultural em projetos que percorrem todo o país, contemplando algumas de suas diretrizes intrín-
secas, dentre elas a promoção da melhoria do nível intelectual do nosso povo. Diante do cenário
artístico atual, o projeto ArteSESC celebra a arte contemporânea por meio de obras que propor-
cionam novas tendências para a arte brasileira, contribuindo, assim, para o fortalecimento do
Com esse propósito, a concepção da exposição Carlos Vergara viajante―— Experiências de São
Miguel das Missões está fincada tanto na missão do SESC de levar a arte Brasil afora por meio da
Em todo o seu trabalho, Carlos Vergara perfaz um itinerário de parte da nossa cultura e história,
utilizando-se dos mais variados tipos de materiais e técnicas. Isso o constitui como um artista de
extrema importância para a arte contemporânea, característica que faz sua obra manter relação
de afinidade com o papel afirmado pelo SESC para a cena cultural brasileira.
Apresentação 13
Entrevista 33
Obras em exposição 36
Lenços 45
Pinturas 53
Carlos Vergara
Carlos Vergara também foi cenógrafo e figurinista de peças teatrais; suas obras dialogavam com
o expressionismo e a arte pop. Inseriu a fotografia e os filmes super-8 em sua prática e desenvol-
veu uma série de trabalhos sobre o carnaval carioca. No âmbito da arquitetura, criou painéis para
edifícios com materiais e técnicas do artesanato popular. Na pintura, produziu quadros abstratos
geométricos, explorando tramas de losangos em campos cromáticos. A partir de suas diversas
viagens pelo Brasil, Vergara ampliou sua técnica por meio do uso de elementos naturais locais,
figurando com uma exímia contribuição para a inserção do rico cenário brasileiro no universo
das artes plásticas.
tinha uma marca política. Vivíamos sob uma ditadura. Na década seguinte, época de ressaca
e desorientação ideológica, ela vai mergulhar fundo na energia popular, extrair daí um tônus
poético que atravessasse a paralisia criativa. Suas fotografias do bloco de carnaval Cacique de
Ramos já são parte de nossa iconografia histórica. Nos anos 1980, de retomada democrática
silêncio e uma opacidade que garantissem algum travo reflexivo à pintura. Sempre enfren-
Dos anos 1990 até o presente, Vergara vem inserindo em seu trabalho novas geogra-
fias poéticas que tragam o susto da diferença para a superfície do trabalho, extraindo da
visão sua dobra de invisibilidade e suspensão. Vergara viaja para pintar, buscando
no deslumbramento do ver pela primeira vez a força motriz da sua poética visual.
A viagem desnaturaliza o olhar, tira dele a força do hábito e das convenções. Daí
salto, típico do susto admirado diante do novo e do outro, não se torne algo
um sentimento tão fugaz. Isso não se faz sem a mediação da obra, sem
13
deslumbramento.
quer falar pelo outro, quer possibilitar outros modos de falar a partir
14
de ser no mundo.
15
18
Filho de um reverendo da Igreja Anglicana, Vergara conviveu desde cedo com a abertu-
índios. Criou-se ali, no extremo sul da América, uma possibilidade singular de vida
teceu nas missões requer cuidado justamente por conta da impossível imparcialidade
19
único, cuja lógica não era apenas cristianizar os índios, mas formar
simbólicas, sem com isso tornarem-se outra coisa que não guaranis.
20
admirado.
não servem para ilustrar nada. Não se representa São Miguel por
21
24
tação civilizatória peculiar. Mas será que todo olhar está sempre
implica assinar um seguro contra a dúvida, cujos prêmios são mais onerosos
do que a perda que deve ser indenizada, pois implica renunciar ao mundo efe-
tivo e passar a um tipo de certeza que nunca nos dará o ‘há’ do mundo.” Essa
noção de fé perceptiva vem a calhar nesse contexto, pois o que se quer mostrar
ras de vê-lo cuja apreensão requer sempre criação. O mundo é o que se vê, junto
25
28
29
revelar algo não sabido, mas sentido. Deixar surgir uma multiplicidade
situação. Nas cores, nas muitas cores que vemos nessas telas, em sua
opacidade mineral que nos abre para uma profundidade, quase delirante,
tência, aderindo aos lenços de Vergara, seus sudários iluminados pelo chão que
de nós possa exercitar essa potencialidade vendo o outro que se insinua, sempre
Referências
FOSTER, H. O artista como etnógrafo. Arte e Ensaio. Rio de Janeiro, p. 146, 2005.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 45
30
Faz uso dos mais diversos suportes: pintura, fotografia, vídeo, colagem e
olhar para fora, que será seguido por um olhar mais introspectivo, para den-
32
do artista por aquelas experiências, ao mesmo tempo espirituais e utópicas, que ocorreram no
sul do Brasil no século 18. Interessa a Carlos Vergara o encontro cultural, a abertura do sagrado
e o esforço de fazer conviver, mesmo que muitas vezes de modo opressivo, mundos e modos de
vida diferentes. Para entender melhor como foi esse processo, confira a entrevista exclusiva com
Luiz Camillo Osório: Vergara, uma vez que essa entrevista acompanha a exposição oriunda das suas
viagens à Missão Jesuítica de São Miguel, creio que seria pertinente você falar um pouco da
sua relação com a questão religiosa. Trata-se de uma exposição de arte, ou seja, os trabalhos valem
por si, têm força poética, encantam ao olhar independentemente do conteúdo. Todavia, esse é o
segundo ponto a que quero me referir, não é por acaso que você foi até São Miguel, uma comunida-
de espiritual e utópica que se construiu no sul das Américas. Trocando em miúdos: esse conteúdo
— histórico e espiritual — é determinante para a força estética do trabalho, pois há um diálogo seu
que potencializa esse deslocamento do conteúdo para a forma. Faz sentido isso?
Carlos Vergara: Das questões que me assaltam, uma tem sido mais frequente: como viver junto?
O indício de um paradigma que tente responder essa questão me atrai. Isso me moveu na direção
das missões jesuíticas do sul, como me moveu na direção do Bloco Cacique de Ramos. Alterno
olhar para dentro e olhar para fora. Quando “estou” artista viajante, estou olhando para fora, e
33
dentro pode fazer com que o procedimento para criar o trabalho, e inventar soluções para a sua
visualização, seja seu próprio pretexto. Daí a escolha de diversas mídias em busca da que melhor
revele o que me interessa, e que pode interessar aos outros. Também me chama à atenção a rela-
ção do homem com o sagrado, com o sublime, e fico procurando desvendar a visualidade disso,
Luiz Camillo Osório: Um elemento que é sempre bom explicar é sua operação poética, suas op-
ções relativas aos meios de expressão. Você é pintor, fotógrafo, artista gráfico etc. Cada lingua-
gem tem o seu lugar e a sua ocasião. Fale um pouco desse processo e das decisões presentes em
cada trabalho ou série. Comente também as monotipias, o seu interesse em trazer vestígios
de um lugar, uma memória física que é retrabalhada (ou não) simbolicamente no ateliê. As
suas séries são potencialmente inacabadas. A força delas vem desse inacabamento constituti-
vo. Fale sobre esse inacabamento, essa renovação constante das suas séries.
Carlos Vergara: A repetição me aflige e muito, o estilo... Só vai ser novo para o outro o que for novo
para mim. Isso não impede que eu retorne de tempos em tempos a pretextos antes utilizados,
uma vez que, de repente, você percebe que existem aspectos que não foram nem vistos, nem
revelados na potência possível. Por isso as “séries” serão sempre inacabadas. O próprio inacaba-
mento do trabalho puxa o espectador, creio, para uma fruição participativa no esforço que ele faz
34
a exposição no MAM-Rio em 1972, em que você abriu o seu espaço para mostrar os trabalhos
dos seus colegas e realizar uma mostra coletiva. Essa prática colaborativa se desdobra em vários
outros momentos — na criação das fantasias e dos adereços do bloco para serem usados, na
parceria com o Hélio Oiticica, com os operários dos fornos em Minas Gerais, com músicos,
cineastas, fotógrafos, até os próprios índios guaranis. Como você vê isso? De que maneira um
artista contemporâneo como você lida com essa dimensão do sagrado que está presente em São
Carlos Vergara: “Nenhum homem é uma ilha” e tenho prazer no coletivo. Desde o meu tempo
outros me anima a fazer o meu. A diferença é que no esporte a competição é parte do jogo e quem
ganha, ganha, e quem perde, perde. Comemore o vencedor, pois existem métodos e pontuação
para dizer quem é o vencedor. Em arte não. A subjetividade torna a competição só um trunfo do
mercado, e quem perde é a cultura. Por isso eu gosto do que vem escrito no abre-alas da Escola
de Samba Salgueiro: “Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro pede passa-
gem; uma escola nem melhor nem pior, apenas diferente...” No Carnaval de 1973 ou 1974, eu estava
fotografando na avenida, e ia entrar a Mangueira, quando morreu uma senhora da ala das baianas e
e adereços de cabeça, só ao som do surdo base marcando o passo. Tive ali uma sensação do
sublime tão grande, quanto tive em São Miguel das Missões e nas cavernas da Capadócia. Talvez,
por essa dimensão do sagrado que está no homem, não se deva desistir de procurar.
35
Obras em exposição
36
37
38
39
40
41
42
43
45
47
48
49
50
51
53
54
55