Você está na página 1de 3

QUALIDADE DA DEMOCRACIA1

Polianna Pereira dos Santos2

Determinar a qualidade da democracia, segundo Hans-Joaquim Lauth, implica


em esclarecer como ela deve ser mensurada (LAUTH, 2013, p. 116). Ou seja, trata-se da
definição metodológica e teórica específica para bem apresentar a – ou as – medidas
adotadas para essa parametrização, na qual se deve incluir uma definição de democracia.
Dois dos pressupostos básicos para a abordagem da qualidade da democracia são
o reconhecimento de que esta é uma obra aberta, supondo-se a possibilidade de expansão;
bem como a finalidade de tornar o regime efetivo no cumprimento de suas promessas –
por exemplo, a igualdade e a participação (MOISÉS, 2005).
Diamond e Morlino desenvolveram uma linha metodológica, dentro da teoria da
qualidade da democracia, que tem como pressuposto o fato de que aprofundar os estudos
sobre democracia é um imperativo, e que reformas para melhorar sua qualidade são
essenciais, mesmo para democracias estabilizadas. Para trabalhar com a concepção de
qualidade da democracia, delimitam cinco dimensões conceituais mínimas, que não
constituem totalmente a democracia, mas que são imprescindíveis: liberdade, Estado de
Direito, accountability vertical, responsividade e igualdade. (DIAMOND; MORLINO,
2004, p. 2)
Além disso, definem democracia a partir de quatro requisitos: (a) sufrágio
universal adulto; (b) eleições recorrentes, livres, competitivas e justas; (c) mais de um
partido sério; e (d) fontes alternativas de informação. Compreendem qualidade com
significado de procedimento, de conteúdo e de resultado, de forma que uma democracia
de boa qualidade deve satisfazer as expectativas dos eleitores sobre governança
(qualidade em termos de resultado). Os cidadãos, associações e a comunidade aproveitam
a extensa liberdade e igualdade política (qualidade em termos de conteúdo) e os cidadãos
têm soberania para que possam, eles mesmos, avaliar se o governo provê liberdade e
igualdade de acordo com o Estado de Direito (qualidade em termos de procedimento).
(DIAMOND; MORLINO, 2004, p. 4-5)
A partir desses preceitos, os autores sugerem oito dimensões em que as
democracias variam em qualidade – que podem, por essa razão, ser utilizadas como
indicadores para avaliação da qualidade da democracia nas sociedades, divididos em
dimensões procedimentais, substanciais, e uma ligação entre as duas primeiras.
São consideradas dimensões procedimentais (princípios concernentes a regras e
práticas): o Estado de Direito (Rule Of Law), a Participação, a Competição, o
accountability vertical e o accountability horizontal. As dimensões substanciais são o

1
Texto extraído do Dicionário das Eleições. (SANTOS, Polianna Pereira dos. Qualidade da Democracia.
In: Cláudio André de Souza; Frederico Franco Alvim; Jaime Barreiros Neto; Humberto Dantas. (Org.).
Dicionário das Eleições. 1ed.Curitiba: Juruá, 2020, v. 1, p. 592-593.)
2
Mestra em Direito Político (UFMG). Especialista em Ciências Penais (PUC MINAS). Membro-Fundadora
e Coordenadora Institucional da Academia Brasileiro de Direito Eleitoral e Política – ABRADEP.
Presidenta da Associação Visibilidade Feminina. Professora de Pós-Graduação em Direito Eleitoral na
PucMinas e no ILB.
respeito por liberdades civis e políticas, e a progressiva implementação de maior
igualdade política (social e econômica). Por fim, conectando as dimensões
procedimentais e substanciais, está a responsividade3.
Para os autores, nenhum regime pode ser considerado democrático a menos que
assegure a todos os adultos direitos de participação política, incluindo direito ao voto.
Para além de um critério mínimo de definição da democracia, destaca-se que maior é a
sua qualidade quanto maiores forem as garantias para a ampla participação popular,
incluindo, além do direito de voto, o direito de reunião, de protesto e de buscar por seus
interesses, participação em partidos políticos, de discussões públicas, demandando
prestação de contas de seus representantes, entre outros.
Veja-se, nesse aspecto, que o direito do voto para definição dos representantes é
requisito mínimo ou basilar para a democracia e primeiro passo para identificação sua
qualidade. Para dar suporte a esse requisito/dimensão da qualidade da democracia, a
cultura política exerce um papel muito importante, assim como a difusão da educação
básica e mesmo a alfabetização. Os autores destacam ainda uma forma comum de
subversão da participação, que passa pela apatia dos cidadãos, que duvidam da eficácia
dos mecanismos democráticos ou se tornam alienados do processo democrático como
resultado da baixa qualidade da democracia em outros aspectos – corrupção, por exemplo
(DIAMOND; MORLINO, 2004, p. 11).
Lauth esclarece que “a democracia é um construto social”, que, apesar das
diversas possibilidades, possui um núcleo normativo subjacente, qual seja, a soberania
popular (LAUTH, 2013, p. 117). A partir dessa compreensão, o autor discorre sobre a
necessidade de adotar regras pragmáticas para determinar a qualidade da democracia, e
afirma que a democracia é melhor entendida com bases em três dimensões: liberdade
política, igualdade política e controle político e judicial. Essas três dimensões coexistem
em permanente tensão, de forma que passa a ser importante trabalhar com a perspectiva
de limites que são continuamente redefinidos, sem a perda de identidade (LAUTH, 2013,
p. 124).
Alfredo Alejandro Gugliano pontua haver uma multiplicidade de conceitos de
qualidade de democracia, cita algumas classificações internacionais e traz ponderações
importantes sobre as críticas à metodologia das pesquisas, sobre a dificuldade para a
seleção e uso de indicadores e sobre a articulação entre os indicadores e seus referenciais
conceituais (GUGLIANO, 2013, p. 230-231).

Referências

DIAMOND, Larry; MORLINO, Leonardo. The Quality of Democracy. CDDRL


Working Papers, page 37. 2004. Disponível em: <

3
Sobre a correlação entre accountability e responsividade, Luis Felipe Miguel esclarece: “Os conceitos
sobrepõem-se, em parte, pois a sensibilidade dos representantes em relação às preferências dos
constituintes (‘responsividade’) é em grande medida derivada do poder que estes dispõem sobre o futuro
político daqueles (‘accountability’)”. (MIGUEL, 2009, p. 184)
http://cddrl.fsi.stanford.edu/publications/the_quality_of_democracy>. Acesso em:
30.05.2020.
GUGLIANO, Alfredo. Apontamentos sobre o conceito de qualidade da
democracia. Revista Debates, v. 7, n. 1, p. 229, 2013.

LAUTH, Hans-Joachim. Critérios Básicos para a Democracia: É a responsividade parte


de seu círculo íntimo?. Revista Debates, v. 7, n. 1, p. 115, 2013.

MOISÉS, José Álvaro. Cidadania, confiança e instituições democráticas. Lua Nova, São
Paulo, n. 65, p. 71-94, ago. 2005. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64452005000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30.05.2020.

Você também pode gostar