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5 REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

No que tange à aplicabilidade do princípio da anterioridade, este gera enorme


divergência tanto no meio doutrinário, quanto jurisprudencial. Isto ocorre principalmente
quando se discute a relação entre o princípio da Anterioridade e a revogação dos benefícios
fiscais, através dos questionamentos de se esta estaria ou não sujeita a ele.

Conforme disposto previamente, este princípio possui a função de garantir que seja
respeitado o prazo estabelecido entre a publicação de lei que institui tributo e sua entrada em
vigor. Desta forma, entende boa parte dos autores e do magistrado que tal princípio é
aplicável somente a instituição ou majoração de um tributo, dando-se início ao debate sobre o
encaixe das revogações de benefícios fiscais.

Primeiramente, entende-se que, ao se conceder determinada isenção fiscal, é


suspendida a eficácia da norma que impôs o tributo, no entanto, esta readquire tal eficácia
quando o benefício é revogado (ARAÚJO e PIMENTA, 2017). A partir deste ponto, o
doutrinador Paulo Barros de Carvalho “(...) defende que a revogação tem por efeito a retirada
da vigência da norma em relação aos casos futuros, mantendo-as apenas para os casos que
ocorreram sob sua égide” (2009, apud FERREIRA, 2018).

Por este mesmo caminho o Supremo Tribunal Federal por muitas vezes proferiu
decisões que reforçaram o entendimento de que a revogação de um benefício fiscal não
ensejaria majoração ou instituição de um tributo, portanto a elas não se aplicaria o referido
princípio. Uma das decisões que precedeu este posicionamento foi o Recurso Extraordinário
nº 204.062/ES, como demonstra-se abaixo (BRASIL, 1996):

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO: REVOGAÇÃO.


PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. I. – Revogada a isenção, o tributo
torna-se imediatamente exigível. Em caso assim, não há que se observar o
princípio da anterioridade, dado que o tributo já é existente. II. – Precedentes
do Supremo Tribunal Federal. III. – R.E. conhecido e provido.

(STF - RE: 204062, Relator: Carlos Velloso, Data de Julgamento:


27/09/1996, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 19/12/96)

Destarte, a decisão supracitada abriu parâmetros para o que alguns teóricos – a


exemplo de Luís Eduardo Schoueri – denominam mitigação do princípio da anterioridade, ou
seja, sua fragilização. Tal movimento pode ser percebido mediante jurisprudências posteriores
emitidas pelo mesmo tribunal, como a que diz respeito à redução ou extinção de desconto
para pagamento de tributo sob determinadas condições, vide seguinte citação:

Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 3º da Lei nº


15.747, de 24 de dezembro de 2007, do Estado do Paraná, que estabelece
como data inicial de vigência da lei a data de sua publicação. 3. Alteração de
dispositivos da Lei nº 14.260/2003, do Estado do Paraná, a qual dispõe sobre
o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA. 4. Alegada
violação ao art. 150, III, alínea c, da Constituição Federal. 5. A redução ou a
extinção de desconto para pagamento de tributo sob determinadas condições
previstas em lei, como o pagamento antecipado em parcela única, não pode
ser equiparada à majoração do tributo em questão, no caso, o IPVA. Não-
incidência do princípio da anterioridade tributária. 6. Vencida a tese de que a
redução ou supressão de desconto previsto em lei implica, automática e
aritmeticamente, aumento do valor do tributo devido. 7. Medida cautelar
indeferida.

(STF - ADI: 4016 PR, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de


Julgamento: 01/08/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-075
DIVULG 23-04-2009 PUBLIC 24-04-2009 EMENT VOL-02357-01 PP-
00047 RDDT n. 165, 2009, p. 187-193)

Ademais, pode-se mencionar outros julgados que seguiram a mesma orientação – os


quais são inclusive citados no voto do relator Ministro Gilmar Mendes, na ADI exposta
acima:

“Este Supremo Tribunal Federal, nas oportunidades em que teve de


resolver sobre a aplicação da regra da anterioridade tributária, também
fixou algumas balizas, a saber: 1) a modificação dos fatores de indexação,
simples atualização monetária, não se confunde com majoração de tributo
(RE 200.844-AgR, Rel. Min. Celso de Mello. D.J. de 16-8-02); 2) alteração
do prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao
princípio da anterioridade (Súmula 669);” (BRASIL, 2008)

Portanto, verifica-se a um entendimento bem firmado sobre o assunto: que revogar


benefício fiscal não equivaleria a instituir novo tributo ou aumenta-lo, de modo que não
ensejaria aplicação do princípio da anterioridade.
Todavia, há uma parcela da doutrina que se posiciona contra este entendimento,
afirmando que ele ocasionaria a banalização da anterioridade da lei, a qual advém inclusive do
próprio princípio da legalidade. Sobre isto discorre Luís Eduardo Schoueri:

“Preocupante tendência de mitigação do Princípio da Anterioridade deve ser


denunciada quando a jurisprudência, invocando o argumento de que revisão
ou revogação de benefício fiscal seria questão vinculada à política
econômica, não estaria sujeita aos limites do artigo 150, III, “b” e “c”, do
texto constitucional. (...) A fragilidade de tal tese será exposta naquele
Capítulo, bastando registrar, neste ponto, que tal entendimento foi firmado
ainda em fase incipiente dos estudos de Direito Tributário, em época em que
a Anterioridade se aplicava apenas a poucos tributos.” (2018, p. 312)

Ainda, Schoueri ressalva a fragilidade de tal tese, expondo que na época que elas
foram proferidas, o estudo de direito tributário ainda se encontrava em fase incipiente –
menos desenvolvido que hoje – de modo que o próprio princípio da anterioridade se aplicava
a poucos tributos somente.

Sendo assim, não se deve medir que esta posição – a despeito de ter sido majoritária à
época – seja unificada, tanto que hoje já existe jurisprudência do mesmo tribunal em sentido
contrário, como por exemplo o Agravo Regimental no RE nº 564.225-RS de 2014. Neste
julgamento, a turma recursal julgou que a revogação do benefício fiscal – naquele caso a
majoração da base de cálculo do ICMS devido por prestadores de serviços de televisão por
assinatura – deveria sim observar o princípio da anterioridade.

O ministro Marco Aurélio ainda incluiu em seu voto que uma das funções do princípio
da Anterioridade seria evitar que o contribuinte fosse surpreendido com o ônus, considerando
também que “[o]s atos infralegais implicaram aumento indireto do imposto, porquanto
revelaram redução de benefício fiscal vigente, devendo ser observado, também nesses casos, o
princípio da anterioridade” (2014 apud 2018, SCHOUERI).

Por fim, também entende o Supremo Tribunal Federal que mesmo o aumento de
alíquota por decreto deve ser submetido ao princípio da anterioridade, conforme julgado da
Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 4.681-DF sobre a tentativa de aumentar o IPI através
do Decreto n. 7.567, de 15 de setembro de 2011.

Quanto às medidas provisórias, a Emenda Constitucional nº 32 determina:


“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República
poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de
imediato ao Congresso Nacional. (...)

§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos,


exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos
no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o
último dia daquele em que foi editada.” (BRASIL, 2001)

Isto significa que ela terá efeitos somente no próximo exercício financeiro e se tiver
sido convertida em lei até o último dia no qual foi editada, com as devidas ressalvas daqueles
impostos que excepcionalmente não se submetem à anterioridade. (PINHEIRO, 2017)

esta somente produzirá seus efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida
em lei até o ultimo dia daquele em que foi editada, ressalvados os impostos, que, por expressa
previsão constitucional, não se submetem ao princípio da anterioridade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, D. F.; PIMENTA, L. C. Análise do princípio da anterioridade tributária: limite para


revogação de benefício fiscal anteriormente concedido. Roraima, 2017.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001. In: Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 11 set. 2001.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direita de inconstitucionalidade nº 4.016-PR. Requerente:
Partido da Social Democracia Brasileira. Requeridos: Afonso Assis Ribeiro e outros. Relator: Ministro
Gilmar Mendes. Decisão em 01 de agosto de 2008. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 24
abr. 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 204.062-ES. Recorrente: Município
de Vitória. Recorrido: Conbras Engenharia LTDA. Relator: Ministro Carlos Velloso. Decisão em 27
de setembro de 1996. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 19 dez. 1996.
FERREIRA, Stéfano V. M. Benefícios fiscais: definição, revogação e anulação. São Paulo, 2018.
PINHEIRO, Marcos. Relação entre a criação de tributo por medida provisória e o princípio da
anterioridade. Jus Brasil. Tocantins, 2017.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

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