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Estudos Histéricos Através desta colegio, visa-se a dar maior divulgagdo 3s mais recentes pesquisas realizadas entre nés, nos dominios de Clio, bem como, através de cuidadosas tradugdes, por ao alcance de um maior publico ledor as mais significativas produg6es da historiografia mundial. No primeiro caso, j4 foram publicadas vias teses universitérias, que vinham circulando em edigdes mimeografadas; no segundo, tradugdes de autores como Paul ‘Mantoux e Manuel Moreno Fraginals. Entre uns ¢ outros, sto 6 entre a historiografia brasileira ¢ a estrangeira, a colegio também procuraré divulgar trabalhos de estrangeiros sobre 0 Brasil, isto é de “brasilianistas”, bem como estudos brasileiros sais abrangentes, que expressem a nossa visio de mundo. Em coutras etapas, projetam-se coletancas de textos para o ensino superior. A metodologia da histéria deverd ser devidamente contemplada. Como se vé, 0 projeto ¢ ambicioso, e se destina nao apenas aos aprendizes ¢ mestres do oficio de historiador, ‘mas ao ptblico cultivado em geral, que cada vez mais vai sentindo a necessidade ¢ importancia dos estudos histéricos, ‘Nem poderia ser de outra forma: conhecer o passado a tinica maneira de nos libertarmos dele, isto é, destruir os seus mitos. jed¥sp @ZFAPESP se =prrora HUCITEC I om Pedro Puntoni Estudos Histéricos Pedro Puntoni A GUERRA DOS BARBAROS POVOS INDIGENAS E A COLONIZACAO DO SERTAO NORDESTE DO BRASIL, 1650-1720 SFAPESP EDITORA HUCITEC eo ESTUDOS HISTORIGOS ‘ituLos #8 c4réuoso Ponagal Bra na Cris do Aig Sistem Coloial 1777-1808), Pemando Novais aoe et Rguca — Sto Poul, 145-155, Zli Mata Cds de Mello 6 Enpnd fo. , Manvel Moreno Fragials SP eeetns e Capita (A Pormagt do Bras Colona), Seti Hirano ‘nga (cos 11 1, Noel Moreno Frias ieee ee aman: Expansda« Decade (1850-1920), aoaa Weinstein sree pace Caan Orgs do Capi! strane ne Bra Desise Monti Takey A reba de Bre, Carlos Guise Nowa & Fernando Novais Set pomoceso Exit, « Gur do Parguaie a Crise do pera, Wil Peres Costa See Come a upro: Histria do Ensaio de Sei de 1798 vin Jess ne Code na Transpo. Sata: 1870-1913, a Lala Dusee Lana Mga Woe Vio na Baia do él XIX, Wale Frag Filho (Coin e Noise: A Hiatria como “Bvgrafa de Nacdo", Rogédo Forested Siva ternal na Epoca de Restaura, Bavaro D'Oliveta Franga ere Mada de Spice Martins: Natureza« iia na Vege peo Bra (1817-1820), ‘Karen Macknow Lisboa ‘Barna ents ida Familiar om Minas Gerais ny Stal XVI), Livia Raposo de Almeida Figueiredo Lima pin de Litre Mitra «Membrane Recto das Cares Chiles (1845-1999), Josh Persia Frade 0 Uisuats so Indint: Estado Sasedade nas Minas Scents (175-1808), Marco Antonio Silvera Ends Agata wo Bra Polio Agricola eMedernizaso Eznbmcn Brain 1960-1990, ‘Wenceslay Gongalves Neto [A Git dos Trp Are Mica no Brasil do Stealo XVI, Missa Moises Ribeiro {h Repibiee Enna a Mora (Meloy), Cates A.C. eres 4h Neto ie: Dewees do rai nas ors Portus (1821-1822), Msc Regina Besbel “Admintact «Ese: ides sobre a gest do agente eect bras, Rafe de Biv Marguese A Mitr Sorte A eri efrcana no Bras! olands eas gras do tice no Stn sal (1621-1645), Peo Punoni Homers ds Nai: nein de meripole do com nas Mina stents, ni Festi, Fureado A Repibics Rnvna @ Morar (Mellor), Osls A.C. Lemos 4 Hariri Portage, Hoje Jose Teng ‘Baws de Formogdo Terria do Bra O tartriocolnal bras no “long sl XVI. “Antoni Carlos Robert Moraes [A Debio ea Caria da Ina, Jos Roberto do Amara Laps 4 Imigrocto Poraguesa no Brasil, Eula Maia Lahmeyer Lobo A GUERRA DOS BARBAROS POVOS INDIGENAS E A COLONIZACAO, DO SERTAO NORDESTE DO BRASIL, 1650-1720 DOMES AUTOR NAMESMA.COLEGKO,WABDITORAHUCKTEC “AdMoera Sorta Ecerie fica no Brasil BolandscasGuervasde Trico Antico Sl 1998 TSP onivensnoevesto mito Reior — Adolpho José Mel Vice-reicor Helio Nogueira da Cruz [Se corromoxcsmversonne vestonnio Comissto Eattrial ont Mbinalin (Presiden) Laura de Mello e Sou ‘Musillo Mare Oswaldo Paulo Forti Plinio Mastin Fiho Dinter prsidente Plinio Martins Filho Diora Ediorial Silvana Bist Dintore Comercial Bana Urabayashi Dirctera Adminitratioa Angela Masia Conceigio Torres Esdtor-asisente Joao Bandeira PEDRO PUNTONI A GUERRA DOS BARBAROS POVOS INDIGENAS E A COLONIZAGAO DO SERTAO NORDESTE DO BRASIL, 1650-1720 cee SA-FAPESP Copyright © 2000 by Pedro Puntoni ‘Dados lntemacionsis de Catalogacio na Publicgio (CIP) “(Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Puntoni, Pedro ‘A Guerta dos Basbaros; Povos Indigenas e a Colnizagto do Sectio Nor- ‘dese do Brasil, 1650-1720 / Pedro Puntoni,~ Sio Paulo: Huctes: ‘Buitorada Universidade de Sto Paulos Fapesp, 2002. (Estudos Hi tésicos 44) ibliogeafia. ISBN 85-271-0568-3 ucitec) ISBN 85-314-0684.6 (Edusp) 1, Brasil ~ Histria ~ Periodo colonial 2. Brasil, Nordese - Histé- $3. lndios da America do Sul - Guerras— Brasil, Nordeste 4. Povos| Indigcnas— Basi, Nordeste Titulo. I, Ticlo:Povos Indigemssex Colenizagzo do Serio Nerdesce do Brasil 1650-1720. IIL. Série. 92-0803 cDD-s0413 {ces para eattogo sistemtin: 1 Brasil Seredo Nordeste: Povosindigenas: Guertss Perfodo colonia Hiseéria 98013 2.Gueres: Povosindigenas: Sertio Notdeste: Brit Perodo colonial: Hissin 980-13 Direios reservados 4 Editor Hucitee Lede Roa Gil Eanes, 713 ~ 4601-042 ~ Sto Paulo SP ~ Brasil “Tal, Oxxl) 5044-9518 ~(Oxxt 1) 5543-5810 (ea comercial) ~ (Oxx11) 5098-5958 (aes) swrhucite.com.br— cml hucitee@eerma.combr Co-ed com a -Eduap —Ealtora da Universidade de Sto Paulo Av. Prof, Luciano Gulberto, Travessa 374 6 andar — Ed, da Bntiga Rekoria~ Cidade Universitcs -05508-900 ~ Sto Paulo ~ SP — Brasil Fax (Oxxt1) 3091-4151— Tel. xx11) 3091-4008/3091-4150 smarsp brledusp ~e-mailedusp@edu uspbr Printed ia Brazil 2002 Foi feito 0 depésto legal. “Lignorance du passé ne se borne pas 8 nuire & la compréhension du présent; elle compromet, dans le présent, I’action méme.” Maxcn Buocu. Apologie pour I'Histoire ou Métier d'historien, 1949. “O meu intento neste trabalho foi servic ainda c4 aos indios, j4 que no posso mais fazer 1A [...]” BERNARD De Nantes. Katecismo Indico da lingua Kariri, 1707. SUMARIO PREFACIO pag. Agradecimentos 1. NO {NTIMO DOS SERTOES A pecusiria € 0s caminhos do sertio Minas de salitre Fazendas e currais, Resisténcia indigena ¢ exterminio 2. O PAIS DOS TAPUIAS. © “muro do deménio” A missionacao entre os tapuias Confederagao clos cariris? 3. GUERRAS NO RECONCAVO Jornadas do sertao, 1651-1656 A Guerra do Orobé, 1657-1659 A Guerra do Apori, 1669-1673 As guerras no Sio Francisco, 1674-1679 4. AGUERRA DO AGU A campanha de AntOnio de Albuquerque Camara, Domingos Jorge Velho © Manuel Abreu Soares, 1687-1688 A campanha de Matias Cardoso de Almeida, 1690-1695 A tendigio dos janduis, 1692 Guerra ofensiva x guerra defensiva ‘O tergo do mestre-de-campo Manuel Alvares de Morais Navarro 13 18 a 22 29 4 43 49 61 n 1 89 1 7 107 116 123, 133 145 157 163 7 10 SUMARIO 5,0 TERGO DOS PAULISTAS pt, ‘A “guerta do Brasil” ‘A Guerra dos Barbaros ¢ as jornadas do sertio Pauliseas ¢ os “ares do sertio” Cabos e soldados Dinheiro e farinha ICONOGRAFIA, 6. PAULISTAS x MAZOMBOS O massacre no Jaguaribe, 1699 Uma guerra injusta ‘A devassa de Joao de Matos Serra Armas de fogo Da prisio do mestre-de-campo a dissolugio do tergo EPILOGO Anexo 1. Quadio eronolégico ‘Ancxo 2. Reis, governadores e capities-mores ‘Anexo 3. Misses ¢ aldeamentos no sertio nordeste do Brasil no século XVIT Anexo 4. Tratados de paz, 1692-1697 . ‘Anexo 5. O tergo do mestre-de-campo Manuel Alvares de Morais Navarro em 1698 FONTES E BIBLIOGRAFIA Indice das tabelas ¢ dos mapas “Tabela 1. Dist Navarso “Tabela 2. Motivo das baixas no tergo de Morais Navarro Tabela 3. Valor das contribuigies previstas na finta de 1654 para a jornada do sertio, segundo as companhias das ordenangas ‘Tabela 4. Valor dos soldas no tergo do mestre-de-campo Morais Navarro € cstimativa de custos totais “Tabela 5. Dinheiro despendide com o tergo do mestre-de-campo Morais, ‘Navarro, 1698-1702 1uiglo das etnias no texgo do mestre-de-campo Morais “Mapa 1. Bahia, Pernambuco e capitanias anexas, século XVI Mapa 2. 0 Recdneavo Baiano ¢ 0 sertio de dentro, sécuto XVIL Mapa 3. Pernambuco eas capitanias anexas, século XVII 181 186 192 196 202 210 225 2aL 243, 245 255 266 an 283 291 293 295, 300 305 307 206, 209 215 217 219 93 130 ABREVIATURAS ANU Arguive Miso Ukeamain, Lisboa APED Angie Palin do Fst do Bae: Sado Anda Bilncca do Psi de jude, tno BNL Bilveca Naim de Laon Liss BNP iblotees Nacional de Pass: Pr TER Toss de stn nein Sp Pal Insite Hisonco€ Geico Bre. Rio de Jancio IHGRN- Instituto Histérico ¢ Geogrifico do Rio Grande. nee ‘Natal coLESOEE DE DOCUMENTOS INFRESSOS B PEAIODICOS ABN Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro om 46S nar Decne Hn do A Moni. So ACSP Auda Cimara Vile de Sto Pano. S30 Palo oe dais do Museu Paulista, $i0 Paulo ats do Smad, Docuvenn TUsticon Cast St Docent TstisJo Maivo Moi DA Documents Hist da Biren Nacional Ri RAM: Revista do Arquivo Municipal, Sio Paulo fir Re et ota Pat ‘ Reito Gia a Camara Manipal de Sdo Pal. So Pa ‘RIAP Revista do Instituto Arqueoligico, Histérico ¢ eres Pern Kei uci Hise Copia Pernambucne RIHGB — Rita de Ist Hiri Gr bie Geaiico Basie. Ra deni RING ‘Ravi tenn Hiri cao dea sce Googie de Gerd. Foralera Revista do Instituto Historic e Geogrfico do Rio Grands do Norte. Natal PREFACIO «Murra conrusko. Muita Iuta, Muito mistério.” E assim que Camara Cascudo define a guerra dos indios no sertio do Rio Gran- de, entre 1687 ¢ 1704. Nas suas palavras, “a maior [campanha] que 0 Brasil conheceu em todos os tempos”.' Este episédio da Guerra dos Barbaros, conhecide como a Guerra do Agu, em razao da ribeira do rio que abrigou a maior parte dos combates, foi sem diivida o mais impor- tante do longo ciclo de guerras movidas contra os povos do sertio nor destino. A Guerra dos Barbaros, iniciada no que chamamos aqui as Guer- tas no Recéncavo Baiano (1651-1679), marcou o destino da América Portuguesa e das civilizagées indigenas que resistiam & sua expansio. Na verdade, mais se aproximou de uma séric heterogénea de contflitos que foram o resultado de diversas sicuagdes criadas ao longo da segun- dda metade do século XVII, no quadro das transformagées do desenvol- vimento do mundo colonial, do que de um movimento unificado de resisténcia. Estes conflitos envolyeram indios, moradores, soldados, mis- siondrios e agentes da Coroa portuguesa, ¢ tiveram lugar na ampla te- iio do sertdo norte: 0 atual Nordeste interior do Brasil, que compreen- de a grande extensio de terras semi-aridas do leste do Maranhio até 0 norte da Bahia (ou seja, 0 vale do Sao Francisco), englobando parte do Ceara, do Piaui, do Rio Grande do Norte,’ da Paraiba ¢ de Pernambuco. ‘Um dos episédios mais violentos de nossa historia, a Guerra dos Bar- baros foi também um dos mais longos (1651-1704), concorrendo com as guerras dos Palmares, ocorridas na mesma época. Contudo, apesar da "Luis da Camara Cascudo, Histiria do Rio Grande do Nort. Rio de Fanci, 1955, p. 96. 2 Neste livro, a capitania do Rio Grande € nomeada sem 0 adjeo “do Norte”, que ppassou a ser cortente apés 1737 para diferencié-la da capitania do Rio Grande de So Pedro, depuis Rio Grande do Sul. 14 pREPACIO vasta quantidade de documentos — muito maior, aids, do que a relat yaa “Tidia negra" —, muito pouco foi escrito sobre ela, € isso por v tios motivos. Primeiro, certo desencantamento da historiografia por um. periodo de nossa hist6ria fo importante, mas cujo trato com a docu- mentagao parecia muito arduo. Comprimida entre as guertas holande- ‘sas ea descoberta do ouro em Minas, com todo o encanto do século das Luzes, a segunda metade do século XVII, “diante da pletora arquivistica do Brasil Holandés”, nas palavras de Evaldo Cabral de Mello, “faz ain- da hoje figura de parente pobre”. Pois “so raras as fontes narrativas; a documentagdo, quase toda monotonamente administrativa, € de consul- ta dificil e penosa e, mercé deste caréter oficial, exclui automaticamen- te grandes fatias do passado colonial”. De maneira que esta documen- tagio impossibilitou “as sinteses de periodo, tao ao gosto da historiografia oitocemtista”.’ Capistrano de Abreu, que entendia do assunto, confes- sava em 1887 a scu amigo Rio Branco que o que mais Ihe seduzia era “o século XVI, principalmente depois da guerra holandesa”. Na obra de Varnhagen, nas suas palavras, “tirando 0 que diz respeito &s guerras espanholas © holandesas, quase nada ha para representar este século. Preencher essas lacunas € portanto o meu interesse principal, Para 0 estado do Maranhio, 0 problema nio é dificil, mas para o resto, sem cerdnicas ¢ apenas com documentos ofic nt parece-me tarefa ardua”. ‘Varnhagen, com efeito, nio dedica mais que duas paginas 4 Guerra dos Barbaros na sua Historia Geral do Brasil, nas quais conclui, com adigio de fazendeito: “Nas capitanias do Ceari c Rio Grande davam entio 0s {indios muito o que fazer”.5 Com excegiio do tratamento dado ao epis6- dio dos Palmares, impulsionado com o fortalecimento do movimento negro, € 0 espago conquistado pelo escravo na historiografia moderna, principalmente de cepa marxista, que se preocupou em analisar a dind- ‘mica das classes no periodo formativo de nossa nacio, nada, quase nada, ficou do periodo. 5 Bvaldo Cabral de Mello. A fronda des mazombos. Sao Paulo, 1996, p. 12 «Carta a Rio Branco, 30/3/1887. J. H, Rodrigues (ed). Correspondincia de Capistrano de Abreu, Rio de Janeiro, 1954, vol 1,9. 113. Capistrano de Abreu, desta vez em earta a Jodo Liicio de Azevedo (14/9/1916), explicava que “o ideal da histria do Brasil seria. ‘uma em que o lugar ecupado pelas guestas lamengas e castelhanas passesse 208 Su ‘ce5s05estranhos a tais sicessos". Ni acreditava, contudo, que tl coisa pudesse ser feita de imediato: “talvez nossos netos eonsigam ver isto”. Citado ma José Honsrio Rodrigues a0s Capitulo de histria colonial & Os caminhos antigas ¢ 0 pacoamento do Brasil. Brasilia, 1963, p. 12 Francisco Adolfo de Varnhagen. Histria geal do Brasil. Sio Paulo, 1975, tomo 3; p. 256. PREFAGIO 15 O segundo motivo ainda pertence ao ambito da documentagao, que no apenas dificulta a pesquisa, como de fato nao registrou a série de conflitos com a dimensio pertinente. O fato é que pouco interessava 3 mfsera epopéia portuguesa nos trépicos a sequiéncia quase ininterrupta de assassinios € massacres que acabaram, por pouco, reduzindo os po- ‘vos autéctones até a sua completa extingio, Dessa maneira, os depoi- mentos, 0s relatos € 0s testemunhos ficaram por séculos guardados no recéndito de uma documentagao administrativa, referida as mercés € promogies de funcionarios da Coroa, as politicas mesquinhas que mais, diziam respeito a contabilidade das fazendas ou aos arreglos entre pe- {quenos poderosos, leais stiditos, do que a histéria dos homens. Nao hé sequer uma crénica coeva dos acontecimentos. O historiador dessas guerras se vé, entio, diante de um papelério no qual deve garimpar, aqui e acolé, pequenos indfcios, com base nos quais poder formar uma visio mais abrangente dos sucessos. Por fim, como na época nao havia interesse em sequer registrar quem se aniquilava (e, como veremos, esta é sem diivida uma das mais cho- cantes complicagées encontradas pelo historiador; afinal, quem eram ‘08 birbaros?), isso ecoava, sem diivida, na historiografia oitocentista, formadora dos cdnones factuais de nossa Hist6ria. A lengalenga indianista de nossos romAnticos, primevos historiadores, néo vingara para além da pura afirmagio do mito de um indio ancestral, espécie de ele- mento referencial na reconstrugio historicista da literatura romantica € de simbolo privilegiado da especificidade da patria. Neste momento, afora a Confederagdo dos Tamoios, que Gongalves de Magalhies publi- ‘cout no mesmo ano em que Varnhagen trouxe a lume o primeiro volu- me de sua Histéria (1857), quase nada mais se escreveu sobre a resis- «éncia indigena ao invasor curopeu. Os indios ficaram, por muitos anos, assunto apenas dos arquedlogos ou dos antropdlogos. Foram estes, cn- fim, que trouxeram, pouco a pouco, a necessidade de se escrever a his- t6ria destes povos. Fendmeno que ganhou impulso, como jé foi dito, com a nova carta constitucional de 1988, que garantiu direitos 20s habi- antes ancestrais do (hoje) territério nacional, como que reconhecendo, desse modo, séculos de lutas por sua sobrevivencic Em nosso século, a hist6ria da Guerra dos Barbaros jé havia sido timidamente tratada por duas vertentes da historiografia. Uma pri- meira, 2 historiografia regional, cearense, potiguar ou pernambucana, insereveu os episédios na cronologia local ou, a0 correr da pena, na biografia dos pré-homens. Mais recentemente, historiadores como Carlos Studart Filho, para o Ceari, e Olavo de Medeiros Filho, para 0 Rio Grande do Norte, atualizaram em termos modernos esta perspec 16 PREFACIO tiva local. Em Sao Paulo, jé que os “bandeirantes” se haviam metido indelevelmente nas guerras do Nordeste, a historiografia regional pro- duziu talvez.a melhor eronologia, na letra de Affonso de Taunay. Seu estudo, contudo, esté quase que restrito @ andlise da documentacio {da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, publicada integralmente, para o assunco, nas paginas da série Documentos Histéricos. Inserido na Sua Historia Geral das Bandeiras Paulistas, 0 episédio da Guerra dos Barbaros ganhou até uma edi¢io em separata nas paginas da Revista do Arquivo Municipal?’ Outros conterrineos seguiram esses passos € nos deixaram paginas sobre tais guerras, algumas vezes até um pouco constrangedoras, nas crOnicas das atividades desses sertanejos. ‘Uma segunda vertente est relacionada a uma tentativa de escrever uma histéria da resistencia indigena e articula-se, assim, com as pers- pectivas renovadas da histéria dos indios. Trata-se de um capitulo, na verdade, do estudo mais compreensivo de John Hemming, sobre a con- quista dos indios “brasileiros” (sie), ¢ do livro de Maria Idalina da Cruz Pires, Guerra dos Barbaros.* Esta autora, com efcito, foi a primeira a ul- trapassar o universo restrito da documentagio da Biblioteca Nacional, incorporando pesquisa nos papéis do Arquivo Histérico Ultramarino. Originalmente dissertagao de mestrado, este livro, que € referencia obsi gatoria 2 histéria da Guerra dos Barbaros, restringe-se, porém, ao epis6- dio aqui denominado “Guerra do Acu”, no focalizando a Guerta de ‘maneira integral, como ela mesma explica. Hemming, por sua vez, esté preocupado em historiar a conquista e 0 desaparecimento desses “in- dios brasileiros”, mas com interesse muito mais voltado para sua situa- fo presente. De toda maneira, ainda estava por fazer uma narrativa mi- uciosa dos acontecimentos, pelo menos © quanto permitisse 0 maior esforgo de pesquisa. ‘A perspectiva desse trabalho € inserir esses conflitos no quadro mais compreensivo da formagio de uma sociedade na periferia do Antigo Sistema Colonial. A dindmica da série sucessiva de batalhas ¢ recontros, que se articulam nesse todo chamado de Guerra dos Barbaros, foi pro- curada sobretudo na estratégia militar implementada no contexto me- * Cailos Swudare Filho, Paginas de histéria e pré-histria. Fortaleza, 1966; ¢ Olavo de Medeitos Filho, Aconeceu na capitania do Ria Grande, Natal, 1997. Affonso de E. Taunay. Hiséria geal das banderas paulistas. Sto Paulo, 1950, pri ppalmente © vol. 6; ¢ "A Guerra dos Bérbacos”. RAIM, 221-331, 1936, * ‘Maria Tdalins da Crue Pires. Guerra ds Rrbaros:resiicia indligenaeconfitos wo Nor- dese colonial. Recife, 1990; e John Hemming. Red Gold. The conquest ofthe brasilian indians, Cambridge, 1978, capitulo 16, “Cattle”, p. 345-76. PREPACIO 17 soligico do sertio € em suas conexdes com as politicas indigenistas em pritica, Neste sentido, procurei compreender os novos padrdes que se imprimiam no relacionamento do Império com as nagdes indigenas, to- madas, desde entio, como estorvo a expansio € ocupagio do territério. Em outras palavras, se as guerras seiscentistas estio na raiz dos meca- nismos de aniquilamento destas humanidades originérias — consticui do 0 preambulo do genocidio que seria em grande medida completado ao longo de século XIX —, 0 que vimos surgir no decorrer da Guerra dos Barbaros foi uma nova orientagio politica do Império portugues, Ievada a termo pelos seus agentes coloniais com o fim de produzir 0 exterminio das nagdes indigenas do sertio norte. Diferentemente do século XV1, quando, em contato com os grupos tupis da costa e no con- texto de afirmagio do dominio, estas guerras objetivavam o extermin’ total e no a integragao ou submissao. E certo que os Quinhentos assis- tiram a guerras implaciveis contra os habitantes originais, como os caetés, quc haviam comido o bispo Sardinha, ou os aimorés mesmo 0s tamoios, massacrados pelo governador do Rio de Jancito, Anténio Salema, no ano de 1575. No entanto, jamais se haviam mobilizado tantas tropas € ‘tanto esforco para debelar de “maneira definitiva” a resistencia dos au- téctones 2 ocupagio de um vasto territ6rio. Os tapuias eram tomados por ampla ¢ duradoura muralha que se erguia no sertio, obstando a ex- pansio do Império e a propagagao da “verdadeira” £6, como empecilho ao desenvolvimento da economia pastoril ¢ & exploragao dos minérios. O livro esté dividido em seis capitulos. No primeiro, procuro apre- sentar 0 quadro geral da expansio da pecudria, nos marcos do sistema colonial, para compreender os vetores da penetra¢io nos serties e a dinamica dos conflitos que se estabeleceu, notadamente na segunda metade do século XVII, na fronteira do nordeste da América portugu sa. A idéia € entender a natureza da resistencia indfgena que implicaré a guerra de extermfnio promovida pelos luso-brasilciros. No segundo ‘capitulo, discuto como as classificagdes conferidas aos povos ind{genas estio na raiz da definicio de uma politica indigenista relativa aos ha- bitantes do sertio e embasam os sucessos da Guerta dos Barbaros. Os dois capitulos seguintes, “Guerras no Recéneavo” € “Guerra do Agu”, recuperam a narrativa dos acontecimentos, batalhas € recontros no Re- céncavo Baiano, entre 1651 ¢ 1679, ¢ no Rio Grande ¢ Card, entre 1687 ¢ 1699, isto €, até a formacio do tergo do mestre-de-campo Ma- rnuel Alvares de Morais Navarro. No quinto capitulo, procuro compre- ender a exata dimensto desse tergo, no quadro mais amplo das forgas militares na Coldnia, e apresento uma anilise de sua formacio, com- posiclo, financiamento e dinamica. O capitulo final trata da atividade 18 PREFACIO do tergo dos paulistas no sertio do Rio Grande, entre 1699 ¢ 1716. “Tomando por base @ narrativa do massacre de quattocentos paiacus na ribeira do Jaguaribe, em 4 de agosto de 1699, ¢ dos desdobramentos posteriores, com a centincia de abusos feita pelos oratorianos de Pesnam- buco, missiondrios dos ditos tapuias, procuro compreender os conflitos entre os paulistas e os moradores associados a “nobreza” pernambucana. Para além da anélise da sieuago do conflito intra-elite colonial, quanto a disputas por terzas, este episédio foi visto a luz da “fronda dos ma- ‘Zombos”, tal como estudada por Evaldo Cabral de Mello. Trata-se, en- to, de perceber as relagdes da guerra de exterminio movida contra os indios do sertao, tidos por birbaros ¢ indoméveis, com as disputas poli- ticas que se gestavam na América portuguesa no final do século XVIL Disputas que estavam articuladas com as identidades regionais em for- magio, fosse no rocante ao nativismo pernambucano, fosse no Aambito de identidades “grupais”, no caso dos paulistas. A proposta deste trabalho é, portanto, desvendar esses mistérios, nar- rar essas lutas, entender a confusio. No mais, como dizia 0 Rosa, “mes- mo, da mesmice, sempre vem a novidade” Agradecimentos Este livro é versio, ligeiramente modificada, de minha tese de dou- toramento apresentada em junho de 1998 a0 Programa de Pés-Gradua- gio em Hist6ria Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Hu- manas da Universidade de Sao Paulo. Na ocasiio, contei com a erftica judiciosa da banea, formada pelos professores José Jobson de Andrade ‘Arruda, Istvan Jancsé, Manuel Correia de Andrade ¢ Eduardo Viveitos de Castro, Agradeco a cada um deles pelas sugestées, que espero ter conseguido incorporar nessa versio que se apresenta ao leitor. Sou gra- to pela confianga ¢ dedicagio de meu orientador ¢ amigo, Fernando Novais. Nos tltimos quinze anos, sua presenea marcou niio apenas este trabalho, mas sobretudo minha formagao e meu destino. : ‘Agradego ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnolégico (GNPa), que financiou este trabalho e me concedeu bolsa para estagiar um ano nos arquivos ¢ universidades europeus. Agradego também a Fundagito de Amparo @ Pesquisa do Estado de Sdo Paulo que concedeu auxilio para a publicagio deste livro. © Centro Brasileiro de Andlise ¢ Plancjamento (Cebrap), desde os tem- pos de bolsista do Programa de Formacio de Quadros, foi lugar de de~ bate e reflextio no qual encontrei grande vigor ¢ rigor intelectual. O projeto da tese ali nasceu e foi conclufdo, com 0 suporte generaso dos PREFACIO 19 colegas ¢ amigos. Agradego a José Arthur Giannotti ea Luiz Felipe de Alencastro, pela confianga ¢ incentivo, € aos colegas da irea de histéria ¢ antropologia, John Manuel Monteiro, Miriam Dolhnikoff, Angela Alonso € Paula Montero, assim como aos outros amigos da Rua Morga- do de Mateus. Agradeco, em especial, ao grande companheiro, de idéi- as e prinefpios, Omar Ribeiro Thomaz, Agradeco 20s funcionsrios das diversas instituigdes, arquivos ¢ biblio- tecas onde realizei a pesquisa, especialmente os do Arquivo Histérico Uhtramarino em Lisboa ¢ 0s da Biblioteca Nacional de Paris. Parte impor- ante do trabalho foi feita na magnifica biblioteca de José Mindlin, a quem agradeco, assim como a Cristina Antunes. Em Paris, encontrei um ambiente de agradivel discusso nos semi: narios da Sorbonne IV e da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Agradego a Katia de Queités Mattoso, professora, admirada historiado- rae amiga. Outros mestres ajudaram este aprendiz, entre os quais, gos- taria de destacar Vera Liicia Amaral Ferlini, Stuart Schwartz, Serge Gruzinski, Laura de Mello € Sousa e Mary del Priore. ‘Agradego também o apoio dos colegas da pés-graduagio, companhei- ros de geragio, particularmente a Iris Kantor, Karen Lisboa, Marcia Padilha Lotito, Maria Cristina Wissenbach, Maria Fernanda Bicalho, Silvia Barreto Lins € Paulo Garcez Marins. No Nordeste, fiz amigos que partilham o interesse pelos tapuias indOmitos: Fétima Martins Lopes, Maria [dalina da Cruz Pires, Marcos Galindo ¢ Luiz Sévio de Almeida. Olavo de Medeiros Filho, que co- nheci em um encontro em Penedo, orientou-me nos arquivos do Lnsti- tuto Histérico do Rio Grande do Norte com a mesma inteligéncia e gene- rosidade com que me guiou pelos caminhos do sertio, na ribeira do ‘Agu ou no sopé da serra do Acaua, Evaldo Cabral de Mello, mestre ¢ professor, auxiliou-me com docu- ‘mentos, livros ¢ conversas. Em sua prosa encontrei Pernambuco ¢ 0 Nordeste, aprendendo “um certo equilibrio leve, na escrita, da arquite- ura”, Outros amigos estiveram préximos nos momentos mais dificeis ou divertidos destes anos de pesquisa. E entre eles, goscaria de agradecer especialmente a Ana Lticia Duarte Lanna, Clovis Cunha, Iside Mes- quita, Maria Isabel Limongi, Rodrigo Naves, Vinicius de Figueiredo ¢ ‘Tales Ab’Saber. Fernanda Barbara esteve presente em todos 0s pasos deste trabalho, um pouco menos ao final, mas sempre presente. Dela aprendi muito, em longos ¢ prazerosos anos de convivio. Sou grato a meus pais, Geraldo e ‘Tiche Puntoni, que me apoiaram incondicionalmente e permitiram a conclusio deste trabalho. 20. pREFACIO fa iveira, carinhosamente incentivo' Minha companheira, Malu de Oliveira, me e tornou possivel superar todos os obsticulos finais, todas as di culdades. Leitora primeira, soube apontar os problemas ¢ ajudou a resolvé-los. Sem cla, este livro no chegaria a seu bom termo. Para éla, este trabalho € dedicado, Com amor. z 1 NO [NTIMO DOS SERTOES Auwiano, nos Didlogos das Grandczas (1618), reclamava dos moradores do Brasil por no buscarem alargar a conquista para o sertio, “contentando-se de, nas fraldas do mar, se ocuparem somente de fazer agiicares”. Posto que concordava com a idéia, seu interlocutor, Bran- dOnio, explicava que os portugueses o faziam por preferirem ocupar-se “naquele exercicio de que primeiramente tiraram proveito”. Tal didlo- go prefigurava a percepgio de frei Vicente do Salvador, para quem os portugueses, avessos a interiorizagao da conquista, arranhavam a costa como carangucjos.' De maneira geral, a historiografia tem seguido es- se passos, a0 relegar um papel secundério a pecudria, atribuindo & mi- neragio, j no infcio do século XVIII, todos os méritos de permitir e sustentar a ecupacdo do interior da Coldnia. Caio Prado Jr. via certa injustiga nisso, dado que a pecutia fora atividade de grande importin- cia, tanto para a economia como para a hist6ria da ocupagao do terti- ‘Mais essencial, no particular, que a minerago, a pecustia ficara “recaleada para o intimo dos sertées”.? Economia acess6ria 20 6 todav’ ‘complexo acucareito, a eriagao de bovinos forne a tragdo animal para ' Ambrésio Femandes Brando. Didlogas das grandezas do Bracl (1618). Recife, 1966, . Tye frei Vicente do Salvador. Histria do Brasil, 1500-1627 (1627). S40 PauloBelo Horizonte, 1982, p, 59. Frei Gaspar da Made de Deus, lembrando os primers tem- ‘os da colonizacio, notava que todos os géneros produzdos junto ao mar podiam ser onduzidos faciimente & Europa, ao passo que “os do sertio, pelo contrtio, nunca chegariam a portos onde os embarcassem, ou se chegassem, seriam 2s despesas tis ‘que aos lavradores nao fariam conta larg-tos pelo prego por que se vendessem os da ‘marinha”. Memérias para a bistéria da capitania de S. Vent, hoje chamada Sia Paulo (1797), Sio Paulo/BeloHorizonte, 1975, p92, § 118. * Caio Prado Junior. Formacdo do Brasil contemporineo, Si0 Paul, 1953, p. 182, 22, No [NTIMO DOS SERTOES mover as méquinas dos erapiches, notadamente a moenda, € para 0 rans~ porte das mercadorias; servia também de alimento, nos dias nito proibi- os, para os habitantes dos canaviais das cidades do litorak ¢ fornecia, Scesvoriamente, 0 couto, que era utilizado para embalar os rolos de ta- aco ou exportado como matéria-prima para Porcugal.” ‘A pecudria e os caminhos do sertio O ctescimento desta economia, bem como, paradoxalmente, suas difi- ‘culdades, € que permitiram a expansio do povoamento para o sertio. A busca dos minerais preciosos, de maneita acesséria, ajudaria a promover 6 desbravamento do interior. As necessidaiies da criagao do gado, como a ‘extensionalidade, forgavam a pecusria a ocupar regiées mais interioranas, ainda mais quando se valorizou o prego das terras préximas dos portos de fembarque € dos cursos fluviais. A separagéo entre a cultura da cana € a pecustia resultava, entio, do sistema geral da economia colonial, no qual {tgs terras aproveitiveis, tanto pela sia qualidade como localizagao ao al- ‘cance do comércio exterior, sio avidamente ocupadas, niio sobrando es~ aco para outras inckistrias”, nas palavras de Caio Prado Jr.‘ Por outro lado, a eriagio dos animais nestes pastos sem fechos, isto €, na situacio particular de inexisténcia de formas mais aprimoradas de controle (tais ‘como cercas), € meio a0 deus-dard, fazia-se extremamente perigosa as plantagoes de cama, mandioca € outras, Daf a necessidade de uma carta 1égia, em 1701, que proibiu a criago a menos de 10 léguas dla costa.* > O couroera um produto semi-industsalizado que se preparava em fibrcas de atanados fou curtumes de solas, As primeiras eram indistras maiores, seja pela quaneidade de tanques ¢ palames, seja pelo niimero de escrayos, Na metade do séeulo XVIML, nas ‘Gineo fibrieas de atanados existentes no baitro da Boa Vista, em Recife, 0 mtimero nédio de escravos era de 28 por instalagao. O de Domingos Ribeiro de Carvalho, 0 Iaiordeles, inka 127 tanques para cutir “com casea” (easca de angico) 49 eseravos Uc servigo, Neste mesmo momento, os curtumes de solas de Pernambueo, mais mo~ ‘deston,nbam em média dez excravos de servo. Existiam, entio, 22 deles no mes- fn baito de Boa Vista, no Mercatudo, nos Afogados ¢ na vila de Tgaragu,“Informa- ‘qdo gerl da capitania de Pernambuco” ABN, 2847981, 1906. $6 0 tabaco consumia Em 1711, se flar em Antonil cerca de 27.000 solas; ea exportagio de couro do sertio. ‘do Nordeste para Portugal aleangava 90 mil meios de sola. No total, portanto, © co- tmérco atlintico consumia cerea de 72 mil sols, o que resultava no mesmo mimero {de reses abatidas, Pe. André Jodo Antonil. Cultura ecpultncia do Brasi, por suas drogas ‘eminas.. de, Lisboa, 1711, p. 187-8. Veja ainda 0 segundo volume do liveo de José ‘Alipio Goulart, 0 Brasil do bot edo cour. Rio de Janeiro, 1965. Calo Prado JGnior. Formapio do Brasil contempordneo, io Paulo, 1983, p. 182. abet Ceehane Simonsen Hii ond Bri 15018205 Pal, 1978, p. 151. ¢ ‘ ‘ i ‘ é ' | ' | | } ' i i 4 | iiss NO INTIMO DOS SERTOES Le, ‘Mapa 1. Bahia, Pernambuco e eapitanias anexas, século XVI. 23 24 NO INTIMO DOS SERTORS Segundo Antonil, as fazendas ¢ os currais de gado se situavam onde havia “largueza de campo € figua sempre manante de rios ou lagoas”, De fato, as condigdes climaticas ¢ de relevo do sertdo, ao tempo que impossibilicavam a agriculeura, dada a aridez do solo, permitiam a eria~ ‘gio. Ainda que a forragem da caatinga nio fosse ideal, a “largueza” dos Chapaddes e a formacao rala da vegetacdo facilitavam a passagem fran- ‘ca dos homens ¢ animais, dispensando qualquer preparo prévio da pai- sagem.* Segundo 0 autor andnimo do “Roteiro do Maranhio”, docu- mento do final do século XVIII, nao havia nestes sertdes “aquele hor- roroso trabalho de deitar grossas matas abaixo ¢ romper as terras & forga do braco"; “pouco se muda na superficie da terra, tudo se conserva quase no seu primeiro estado”? As fazendas de gado, grosso modo, acompa- nhavam as margens dos rios, uma vex. que na regiao semi-

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