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Mara Viveros Witclon PANS (eolKea ert masculinidade’ a2 Experiénciasinterseccronais Sea uranecs el adele DNA Maz Ten 3 a3} & ach 3 ae By ZB a 5 oA 73) Pa 5 2 3. oy ES Mara Viveros Vigoya MARA VIVEROS VIGOYA AS CORES DA MASCULINIDADE Experiéncias interseccionais e priticas de poder na Nossa América ‘Tradugio de Allyson de Andrade Perez PAPEIS SELVAGENS ‘Copyright © Papi Selvagens, 2018 CCopyrshe © Mara Vieros Vigeys, 2018 Copyright da tradusdo © Allyson de Andrade Perez Coordenaga Coleg Nata Maria Evra Diss Beutee Projet gripico Maren Rodrigues Imagem de Cape Gloucs Noi Diagramagio Paps Selvagene Treducto Allyson de Andrade Peres evisao Brena Dwyer Consol Editorial Alora Glordane (UNR-Argontina} | Ana Cesta Olas (USP) Elena Palmero Gonziler (UFR) | Gustavo Silvera bet (UMC) Jaime Arocha (UNAL-Colombia) | offre Cedefo [PU Bagots} Juan Pablo Vilalobos (Escritor- México) | Luis Fernando Bis Duarte (MN/UFR)) Maria Filomena Gregori (Unicamp) | Manica Menezes (UFHA) Davis Internationals de Catalogasio na Pubicago (CP) (eDOC BRASIL, Delo Hortzonte/ MG) ViverosVigoya, Mara, ‘As cores da mastulinidade: experincias interseccionase priticas ‘de poder na Noasa América / Mara Viveros Vigoys Cadutor Alfons ‘Andrade Pore “Rie ds anera(R) Topets Sevegens Sooo "224 p.:16x25 em: (kalelss« 3) Biogas p. 199-202 Bande Meiies 1. Antropol. 2. Mentidade de genera. 3, Masculnidade 4 Semilidade 1 eres, Allyson de Andrade I Tila corey (2019) Papi Sehagens papetselvagens@gualcom Papeiselvagenscom SUMARIO Preficio por Raewyn Connell Introdugio Como e quando cheguei ao estudo sobre homens e masculinidades? Por que, como e para que trabalha uma mulher feminista sobre homens e masculinidades? ‘As cores da masculinidade, Identidades intersec praticas de poder na Nossa América O contetico deste livre Primetra parte ‘Teorias feministas e masculinidades 1, Para além do binarismo: teoriasfeministas, homens & rmascultatdades © feminismo da "segunda onda os homens ¢ 6 maseatino Os estudos sobre masculinidade O surgimento das diferencas entre mulheres e sua relacéo com a masculinidade Masculinidades sem homens? Conelusio 2. Trinta anos de estudos sobre homens ¢ masculinidades nna Nossa América O que se estuda ao se estudar os homens eas ‘masculinidades na Nossa América? Iientidades masculinas Identidades masculinas nossamericanas Trabalho e identidade profissionais masculinas Masculinidades ¢ identidades nacionais e étnico-raciais Masculinidades « violéncias Violéncias politics socials 4s violencias das torcidas desportivas ¢ das gangues juvenis 15 18 21 24 32 Violéncias domésticas Problemas, dilemas e tensies em torno da saide dos homens {As pesqutisas sobre sauide sexual e reprodutiva Fatores de risco para a sade masculina ou a masculinidade como fator de visco Afetos e sexualidades Priticas e culturas homoerdticas Priticas e representagbes da patenidade ‘Actos e expresséas emocionais de homens heterossexuals Corpos de mulheres e identidades masculinas Reflesdes epistemaldgicas RepresentagSes culturais das masculinidades Espagos de homossocialidade masculina Conclustio Segunda parte Masculinidades nossamericanas 3, Corpos negros masculinos! mais além ou mais aquém da pele ‘Alinguagem racista ea experiencia vivida do corpe negro masculino ‘Aimaginatia europeia dos corposafricanos Sexo, sexuaidade e raga nos estercdtipos sobre os homens negros Dionisios negros:o sabor, agente traz no sangue” Reststinciaslimitadas -05 do interior te do fama” Somos Pactico/Estamos unidos/Nos unem a regtio/ 6 visual, a rapa/e o dom do sabor.. Conclusio 4. Os boneficios da masculinidade branca: entre raca, classe, enero e mayo [A branquidade, esse obscuro objeto de estudo 81 83 ot 85, 86 90 31 92 94 96 7 101 103, 105 107 108 iL iit us 124 129 129 Branquidade e masculinidade hegemdnica na Nossa Amé Branquidade e masculinidade hegemOnica na Colbmbio| experiencia local da identidade masculina brancae seus beneficios paliticos recentes "Q homem que as colombianos elegeram por stias calgas bem postas” Um discurso politico ancorade em uma identidade masculina regional Pistas de genero ¢ raga para decifrar o enigma do Presidente Teflon’ Conclusio 5, As masculinidades no continuum da violencia na Nossa América (6 continuum da violencia na histéria da Nossa América [Alguns consensos em torno da relacdo entre violencia e masculinidade Projetos de intervenigao com homens para prevenir € redugir a violencia de género Violéncias e resisténcia masculinas A mudanga social Conclusao Conclusio geral Masculinidades, homens ¢ dindenicas sociais nossamericanas Agradecimentos Bibliografia 134 14a 144 45, 148 151 155 157 138 162 165 170 175 77 187 189 PREFACIO Raewyn Connell? As cores da masculinidade é um livro importante e inspirador Combina pesquisa social agudamente observada, apresentacao clara de ur campo de conhecimento emergente e uma perspectiva pés-colonial particular sobre ginero, homens ¢ masculinidade. Abordando questées sobre masculinidades negras, 0 livro também revela a fabricagao da branquidade e da masculinidade hegeménica banca. 0 public letor alcancaré uma compreensio mais profunda da violéncia social, da cultura popullar do racismo, bem como das mudangas contemporineas nas relagdes de genero. 0 tivro é, em primeiro lugar, urna importante contribuicio paraecrescente campo de estudos sobre masculinidades. Este campo que comegou a partir de sementes plantadas pelo movimento de liveragdo das mulheres. Como Mara Viveros aponta, hd uma tradiga0 ‘tiva e complicada no pensamento feminista sobre os homens, Nat keragao passada, uma onda de pesquisa social, cultural epsicotégica conduzida tanto por mulheres como por homens, tragou as formas pelas quais so construfdas as masculinicades. Estas pesquisas mostraram que nao hé uma masculinidade, fixada por nossos genes, mas muitas masculinidades, feitaserofetas ha histéria, Algumas verses da masculinidade tém uma posisao hogeménica culturalmente central eligada & subordinagao social das ‘mulheres. Outras sdo marginalizadas ou abjetadas, Entrelacamentos e combinacdes cormplexas ocorrem a medida que a ordem de género da Sociedade se transforma. Em algumas circunstancias, a ‘masculinidade pode ser exercida por pessoas com corpos femininos, como, em outras circunstancias, 2 feminilidade pode ser encarnada Por pessoas com corpos maseulinos. Pesquisas desse tipo tém sido realizadas nos mals diversos palses em todas as regites do mundo. Nés temos, hoje, uma vasta Rien Canna & uma 2ociSlaga auerliana eosheca por seus rabbis sobce 2 mascelinidudes Sua obra elislea Masculine (195) ainda no teat ag2o ‘no Brasil Encontramse tradusidas pla Nversosduas obras mals recenes: Gene, uma perspective global (2015) eGénerv em terpus ects (2016). (1) 10 | Mara Viveros Viens biblioteca de estudos sobre construgdes locals e histéricas “da masculnidade. Mas, como Mara Viveros destaca, essa situagio apresenta um risco. Se maginarmos © mundo como um mosaico de culturas separadas, facilinente caimos em uma visdo estitica, cultural essencialista da feminilidade e da masculinidade, Podemos nos deixar seduzir pelo esteredtipo do "machismo" dos homens na regido comumente chamada de “América Latina’, Uma das virtudes de As ‘cores da mascultnidade ¢ rejeltar de mode decisivo este essencialismo = ao mesmo tempo em que é capaz de falar sobre as especificidades da ‘regio, suas culturas e suas construgies de masculinidade. 0 livre pode fazer isso porque Mara Viveros também posiciona seu trabalho em outra tradiygo de pensamento. 0 mundo colonial e p6s-colonial (fora da metropole global da Europa e da América do Norte) sempre loi importante no sistema de conhecimento moderno, tanto nas ciéncias naturais como nas sociais. Mas seu papel tem sido historicamente o de uma vasta mina de dados, alimentando com matéria-prima uma maquina de conhecimento universal controlada pelo Norte global. Sempre hhouve contestagao ens torno desta maquina. Em décadas recentes, as perspectivas criticas se multiplicaram as ciéncias sociais e nas humanidades. Elas incluem 0 pensamenta pos-colonial, 2 opgao decolonial, a tooria do Sul, 2s perspectivas afrocéntricas, as ciéncias Islamicas e mats. ‘AS cores da masculinidade ¢ um dos textos pioneiros que se constraem a partir de eistemologias pés-coloniais e mostram sua jmportancia para a compresnsio das masculinidades ~ de fato, para ‘a compreensao do préprio genero, 0 livro se baseia no trabalho de intelectuais negros da diaspora, notadamente Frantz Fanon ¢ W. E.B. Du Bois, e no trabalho das feministas negras, na Africa e nas Américas, analisando a interagio ontre género e raga. Baseia-se na ampla tradigao de estudos hist6ricos pés-coloniais para mostrar como uma ordem de género de tipo particular emerge do caldetrao de conquista, colonizagio, escravidao, conflitos pés-independénciae mudangas econdmalcas. ‘ho fazer isso, Mara Viveros ust 0 concelro de intorseccionalidade", mas também faz uma_revisdo importante dessa ideia, Ela trata come uma dindmics histérics endo roma uma geometria estitica, Por exemplo, ela mostra cumo a necessidade de solidariedade sob a opressio racial modifica a politica de Prafica | 11 desigualdade de género e a forma de mobilizasao das mulheres nas comunidades indigenas e afro-colombianas, A autora deste livro possui uma combinacio finica de experigneia ¢ habilidades. Ela questoes de genero, allando a pesquisa de campo socioldgica a uma perspicaz andlise cultural, Ela tem uma compreensio da literatura académica em francés, inglés, espanhol e portugués ~ poucas(os) pesquisadoras(es) sobre masculinidades podem dizer o masmo. Mara YViveros nao 6 apenas uma pesquisadora empirica, mas também uma teérica, com um olhat afiado para os limites das ideias convencionais. ‘A autora vem da intelligentsia de um estado pés-colonial (que sintetiza a histéria do império, Nas terras que se torraram Colémbia, a conquista esmagou a resistencia indigena e foi seguida pela colonizagia e pelo mestizaje (mesticagem). Uma economia tescravocrata, instalada nae regides costeiras, originou a segunda maior populagio afrodescendeute do continents, menor em proporsio apenas que a brasilciza, A violencia em grande escala irrompeu em virios estagios da historia do pais, na qual estiveram fem jogo 0 poder neocolonial, 2 dependéncia, a insurreigao ¢ 0 narcotrico. A vida intelectual fol afetada pelas politicas culturais da Jatinidade; Mara Viveros toma distancia disso, reivindicandoa regiao como Nuestra América (Nossa América). No entanto, ela é consciente da politica da linguagem, sendo ¢ castellano (castelhano), lingua do Império, hoje cada vez mals deslocado pelo dominio global do inglés. Como uma mulher negra, Mara Viveros vive de perto a hierarquia de rac2 e de género. Sem sentimentalismo, mas sem hesitar, ela registra a terrivel histdria da escravidio e da violéncia racial e suas consequéncias na sociedade contemporanea. Ela explora os compromissos, as reivindicacies e os atos de solidariedade através dos quais as comunidades negras tém sobrevivido. As cores da masculinidade oferece uma notavel prova de como a posigéo de ‘um(a) autor(a} pode se tornar um recurso para compreender a sociedade contemporanea O livro conta uma série de histérias. Uma é a narrativa geral da mudanga social na Colombla ~ colonizagao, independéncia, as lutas por influéncia e sobrevivencia, modernidade, desenvolvimento dependente ¢ guerra civil. A trajetiria historica das masculinidades é tecida através desta narvativa, incluindo as das elites do Estado independente voltacas para a Europa e as das uma pesquisadora experiente em 12 | Mara Viveros Vigoya comunidades subordinadas, sejam indigenas, mestizo (mestisas) ou afro-colombianas. Outra € a histGria do conhectmento - conhecimento sobre género, sobre masculinidaies e sobre colonialidade. Uma caracteristica especial do livro 6 a apresentagio do panorama da pesquisa sobre masculinidades por toda a Nuestra América (Nossa ‘mérica). Poucas pessoas fora da regido percebem quaa rica € essa literatura. Seus temas variam do poder e da violéncia a said, semtaidade, cultura popular e corporificasio masculina, Suas preocupasées incluem as tensies entre as normas de genera e as rudangas suciais,e 0 impacto da reestruturacao neoliberal precoce ¢ devastador nessa regizo ~ nas relacdes de gener Finalmente, 0 livro conta hist6rias especifias, as vezes contundentes e as vezes confruntadoras: 0 trabalho de dols grupos de misica popular; a perspectiva de um grepo de jovens negros do interior chegando & capital: as taticas de um politico de direita de sucesso e 0 assassinata brutal de uma muller que despertou a indignagéo popula Em cada caso Mara Viveros elucida o significado mais amplo sem perder a realidade lo: ‘Além de apresentar as histérias e seus antecedentes, 0 livro reelabora alguns concsitos importantes no campo. Examina cciticamente a iceia de “multculturalismo" como uma politica de estado que nomeia a diversidade socal ¢ até incentiva a diferenga, mas a separa das ideias de poder e exploragio. O lia usa a conecito de “masculinidade hegeménieat, mas também reclabora criativamente esta ideia no contexto pés-colonial Um verdadeiro tour de force & a anilise que o livro faz das masculinidades brancas ~ em um capitulo inteiro que alga a diseussio dessa questo a um novo nivel. Apropriando-se das recentes discussdes dos “estudos criticos sobre a branquidad Mara Viveros posiciona firmemente este problema na histér Go império. No (como em certa literatura decoloaial) através dde uma simples polaridade entre colonizador cotontzada(o); mas sim, como um conjunto de wansformagoes que conduzem dda eolonizacio a0 preseme A ideia de “puro sangue’ por exemplo, transformou-se de usa preocupasio aristocratica entre conquistadores espanhois em uma ieologia da diferenga dentro de uma sociedade colonial multiracial; depois, fundiu-se a uma ideologia da modernidade e d= nagao na qual o direito&lideranca | + Prefiio | 13 cra culturalmente garantido a uma minoria, Em um livro tio abrangente, diferentes leitoras(es) encontrarao diferentes pontos altos. Para mim, estes incluer a discussio sobre a politica cultural de Alvaro Uribe Yélez, 0 Presidente Teflon’. Uribe foi um politico claramente de direita (contemporaneo de George W. Bush nos EUA) que atuou na "guerra a0 terror" para validar sua linha agressiva na guerra civil, Ele acionou com sucesso uma masculinidade branca autoritéria¢ sua reivindicasao para representar a nagao, bem como uma equacdo simbélica de virilidade e protecio contra o perigo. Igualmente fascinante, embora diferente no estilo, é a anilise de Mara Viveros sobre a encarnagao das masculintdades negras © a presenga fisca da raga. Distinguindo entre um foco na pele etm foco za carne, e baseando-se no pensamento de Fanon, ela tece um relato sabre misica, sexaalidade e danga em sua conceituagao da encarnagso smazculina dentro de um contexto socal e politico de vulnerabllidade, ‘Um outro destaque, ainda, €o tratamento sutil que o livro faz da resistencia & mudanca. Embora identifique alguns ideélogos dos “direitos dos homens", a principal preocupagio do livro é a recusa nals dfusa que tornou a igualdade de genero tio dill de alcangar, Muitos homens, € claro, ndo se eniendem como defensores de uma Posigzo de privilégio - por mais claro que possa parecer o privilégio de ginero para a(o) cientista social, Em vez disso, muitos homens ‘tém experimentado, nos ditimos anos, perda de rend, seguranga & poder no curso da reestruturaco econémica neoliberal. Nesse contexto, mesmo 0s ganhos ecanémicos limitados das roulheres, ou ‘o reconhecimento dos direitos dos homens homossexuais, podem ser ressentidas e resistidos, Os homens que lucram com o patriarcado, observa Mara Viveros,ndo slo os mesmas homens que pagama maior parte dos custos de masculinidades rigidas ou mudangas econdmicas. As cores da masculinidade pode ser lido como urn rico estado sobre a Coldmbia, Mas 0 trabalho é relevante de forma mais ampla, ‘uma vez que os processos analisados aqui podem ser encantrados em todo 0 tnndo, Come Horicio observou, mutato nomine, de te fabsla narrater: mude 0 nome e a histdrla & sua! A dinamica do neoliberal na Fecentemente uma influéncia dramitica sobre a politica dos EUA; «@ profunda historia da masculinidade ¢ da colonialidade se tornou 14 | Mara Vioros Vigore um foco de debate na india ena Africa. Mara Viveros demonstra que as relacéies de género, localmente realizadas, devem ser entendidas ‘em um contexta global. Eu acredito que este livro magnifico tem importantes ligdes para o mundo. ‘sydney, 2017 INTRODUGAO Quanclo comecei etrabalhar sobre homens e maseulinidades, hha quase vinte anos, ja tinha acumulado uma s6lida experiencia fem pesquisas sobre mulheres, Como tantas outras pesquisadoras feministas, antes, com ou depois de mim, contribut para a desconstrugdo da categoria "mulher", no singular, abstrata e geral, que definiria experiéncias universais. Foi assim que, @ partir de minhas pesquisas sobre o trabalho ferminino na floricultura, as representagdes ¢ priticas de satide © docnga de mulheres camponesas,s direitos das empregedas domésticas ouas trajetérias de trabalho e familiares de mulheres executivas, pude captar a diversidade das experiéncias do sexismo, conforme a classe social 0 local de residéncia, mas também a idade e a geragio. Todavia, ainda que tenha me interessado muito cedo pelo carter relacion) do género, as légicas sexuadas que estruturavam as experiencies dos "homens" como empregadores, colegas, vizinhos, cOnjuges, nais. irmaos ou filhos dessas mesmas mulheres, permanecoram durante ‘muito tempo na sombra de meu traballio. ‘Trabalhar sobre homens e masculinidades, sendo ferinista, nfo 6 de forma alguma evidente. Os riscas sa muitas. Eu destacaria trés que me parecem importantes para situar minha prépria perspectiva de andlise, alimentada tanto por minhas experiéncias de vida, como por minha pritica intelectual. 0 primeito risco é 2 ilusdo de simetria. Se o género é, de fato,relacional, ele 0 é enquanto relago de poder. Pode-se mesmo dizer, como a historiadora Joan W. Scott, que o género é uma “forma primaria de significar as relacoes de poder” (Scott, 1986). Nao se trata de considerar os homens como parte de um binémio simétrico, mas de historicizar e contextuslizar estas relagdes desiguals para compreendé-las a partir de uma perspectiva critica. Se estudar as mulheres de forma separada pode confirmar sua marginalidade, de forma contréria e inversa, pesquisar sobre os homens separadamente traz 0 risco de ocultar as desigualdades de género, reificands sua posic30 dominante. Pera evitar esta armadilha, é necessério entender a masculinidade como tum elemento no interior de uma estrutura e de uma configurag30 desta pritica social que chamamos género: foi o que propds R. W. Connell (2005) ha mais de vinte anos, destacando 0 fato de que se 16 | Mara Viveros Vigoya trata de um processo dinamico. (0 segunda risco remete 20s sofrimentos © aos custos que representa pars os homens responder ou no as rfgidas expe-tativas sociais ¢ culturais em relagao & masculinidade que determinam seu valor social. Como destaca Christine Guionnet (2012), a questo dos sofrimentos e dos custos masculinos é um campo minado. A maioria, dos trabalnos que descrevem as normas que oprimem os homens adotam uma perspectiva muito subjetiva, sem identificar com ‘lareza a origem social do mal-estar identitério gue alguns homens no conformes as natmas podem experimentar. Ora, a andlise desse mal-estar nao pode ser feita unicamente a partir do discurso dos atores sociais; convém levar em conta as relacdes de genera, entre fs sexos, mas também entre os homens, Por exempla, 2 anslise éos riscos para a satide das condutas associadas & virilidade, tais como ‘os comportamentos perigosas relacionados ao consumo de alcoo!, tum elevado niimero de parceiras sexuais ow a negligéncia com relagdo aos servigos de satide ~ deve sa inserever om ums roflexio soclol6glca mais ampla sobre a masculinidade dominente © suas distintas expressdes eefeltos socials Considerar essa posi¢ao ambivalente dos homens no deve impedir os astudos sobre a dominagio masculina como omonopslio soclalmente construfdo dos homens sobre certus instrumentos, saberes praticos e dominios da vida social (Tabet, 1993). £ necessirio, entio, analisar, simultancamente, os efeitos objetivos ¢ subjetivos da posigdo dominante dos homens sobre as mulheres @ as consequéncias nefastas para certos homens das exigéncias da ‘masculinidade.Parafaz3-o, deve-se considerar que, damesma forma aque na diversidade de experiéncias do sexismo vivido pelasdistintas mulheres, as diferengas de classe, etnicidade/raga, orientario sexual @ idade, entre outras, atravessam a categoria “homens” e distribuem entre eles custos e beneficios de modo desigual (Connell, 2005). Deve-se levar em conta também que os homens, em seu conjumto. se beneficiam dos dividendes assegurades pela sociedade patriacal, isto 6, das vantagens que tram, enquanto grupo, da suberdingga0 cas mulheres. 0 tercsiro risco 6 0 de afirmar que 0 sexismo 6 fruto da ignordncia © que os homens poderiam, portanto, aprender a nao ser sexistas: assim, se eliminaria & violencia contra as mulheres saravés da educaclo, de oficinas de sensibilizario, des grupos de Mewenenressn Inudagio | 17 apoio ete. sso equivale a ignorar a profunda cumplicidade que os homens compartilham no modelo hegeménico de mascalinidade e © interesse que eles poriem encontrar em apoté-lo, mesmo quando seus comportamentos individuais se distanciam parcialmente dele. Sem divida, & bem-vinda a perguata sobre o que os homens podem fazer para combater 0 sexismo. Seu desejo de agir nesse sentido 6 compreenstvel enecessério; mas no é menos complexo de interpretar. Com efeito, pode provir de uma atitude defensiva em face ao mal-estar de tomar consciéncia de sua prépria cumplicidade no sexismo ou, para dissipar este mal-estay, signifiar a busea de uma reconcliagio ‘Obtida com a condigao de enterrar 0 passado (animado pelo desejo de se sentir melior). Pela dentincia publica dos danas do sexismo para com as mulheres, pode também expressa, simplesiente, uma solidariedade ou uma forma de abertura para agbes futuras No entanto, antes de chegar & pao, falta muita escuta por parte doshomens e antes dese orientarem para. futuro, 6necessério que eles enfrentom os desafios postos pela deminagio masculina em vigor. Nao basta supor que o ato performativo que afirmaaenisténcia de “novas masculinidades” Ines confere existéncia social real, como se apenas 2 enunciacio desta postura realizasse uma api, Antes de afirmar "eu nio sou sexista ou mackista, eu no sow umn homer, dagueles que o feminismo critica’ (que no é sempre umaafirmasio de ma £6, nem implica necessariamente a ocultacao da intensidade dos efeitos do sexismo), deve-se habitar o espaco da critica, em sua temporalidade de longs duracio, e reconhecer que o mundo que se critica € 0 mundo no qual vivemos e para 0 qual contibufines com comportamentos cotidianns. Esta postura, que poderia ser pereebida como prescritiva e capaz de obstaculizar as poucas iniciativas masculinas nesta direeio, provém de minba desconfianga em face ao répido advento das “novas masculinidades” nas agendas "mora as novas masculinidades"wenham sido descritas como ‘posconamentas aque recucam 2 ser gendrals ¢assoviador pormanentemeate 30 modelepatiarest Tnegomdnico’ » come ta "insitincis eminentemente poles” (Carder 2022, 94), dove-a lovar em conts que afirni-o Sa signin tornso at, Pare que Wf ounce soja performativ, vomserprecridescertancondigaex Ea aso dss “owas mascullnidades decals sea evar em conia as coudisbes qe perme este enunciado [a exisdncia préve de atos que elas aukoriem) & maginar que luma pratica pose Ser “rarca a experiencia atraves da fala eda reprsentagao (2 mesma perspeciva, vera critica de Anmed, 200, rlativa& afiemagio do eariter performativo do antirraismo),

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