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EDUCAÇÃO1
Introdução
Nas reformas educacionais ocorridas entre as décadas de 1920 e 1930, tendo como
pano de fundo as idéias da Escola Nova brasileira, os reformadores partindo de pressupostos
da neutralidade científica e inspirados nos princípios de racionalidade, eficiência e
produtividade, com o intuito de tornar o processo educativo mais eficiente, enfatizaram a
“racionalização” e “tecnificação” das atividades educacionais.
O processo de racionalização institucional, segundo Habermas (1975), é entendido
por Weber como a ampliação dos setores sociais submetidos a padrões de decisão racional, ou
seja, isso corresponderia à
qualquer professor paulista, até o mais humilde, terá a liberdade para sugerir e
criar, será incentivado para o estudo científico da criança, para o
conhecimento da nova psicologia e de suas surpreendentes aplicações.
(LOURENÇO FILHO, 1930a, p.4)
Esse trecho citado, certamente, pode nos revelar aspectos e experiências que
vinham acumulando-se para a montagem de um sistema de ensino no qual o aparelho escolar
seria organizado, planejado e assistido por um quadro de técnicos a fim de gerenciar as
transformações educacionais e culturais tidas como necessárias.
Uma das criações mais importantes concretizadas na sua gestão, portanto, refere-
se ao Serviço de Assistência Técnica que trouxe mudanças significativas para a prática
docente; legitima-se, assim, a necessidade de o professor ser orientado externamente ao seu
contexto de trabalho.
Escola Nova trazia ao longo de suas páginas propostas, sugestões, orientações,
enfim, procedimentos que visavam um modo considerado mais eficiente de ensino e trabalho
pedagógico a fim de proporcionar economia de tempo e de recursos materiais. Há de se
ressaltar que todas essas iniciativas no campo da educação aconteciam simultaneamente às
experiências de setores empresariais, científicos e intelectuais irmanados na criação de formas
e modelos de controle, normalização e eficiência das relações sociais (MATE, 2002).
Por conseguinte, Escola Nova foi um significativo veículo de inovações com o fito
de, entre outros:
Escola Nova, como órgão prestador de serviço, cuja natureza se evidencia como de assistência
técnica” (Idem, p.77).
Assim Lourenço Filho procurou implantar uma estrutura administrativa tendo em
vista a organização de um sistema de ensino, que implicaria numa rede de normatizações a
qual abrangeria desde a administração central até as mais minuciosas atividades de
escrituração escolar, passando por todas as atividades desenvolvidas no âmbito escolar, fosse
de professores, alunos, funcionários ou diretores.
Tendo como objetivo amparar o trabalho docente, Escola Nova, apropria-se de
diversos conhecimentos adequando-os em escritos claros e concisos, ora para explicar
questões ligadas à escola, ora para fundamentar recomendações aos professores em sala de
aula, sempre embasados em teorias e experiências científicas.
No primeiro número da revista observa-se que a preocupação foca-se na difusão
das idéias de inovação educacional, como evidenciam os artigos “A Escola Nova” de
Lourenço Filho, “Porque Escola Nova?”, apresentado por Anísio Teixeira e, o texto “A
criança e o progresso escolar”, de John Dewey, um dos nomes mais reconhecidos do
movimento.
Já no segundo número, com a temática “Programas Escolares”, o foco recaia
sobre a prática docente. Pode-se dizer, nessa perspectiva, que se trata primeiramente de
informar aos leitores práticas inovadoras e as múltiplas modalidades de “escolas novas”
surgidas na Europa e América do Norte, para em seguida, trazer suportes teórico-
metodológicos, como também conhecimentos produzidos por psicólogos, biólogos,
sociólogos e outros profissionais para divulgar uma “orientação científica” do ensino.
Portanto, a presença de técnicos passa a ter uma atuação mais significativa a partir
da reforma idealizada e realizada por Lourenço Filho com a implantação do Serviço de
Assistência Técnica da Diretoria Geral da Instrução.
Como foi visto anteriormente, Lourenço Filho, já no primeiro número da revista
enfatizava importância da assistência técnica que seria prestada pela Diretoria Geral aos
professores. Nesse mesmo número, na seção “Informações” ele reforça as orientações a serem
dadas.
E, mais do que isso significava, também, economia de gastos como concluía sua entrevista, o
Secretário dos Negócios do Interior:
Conforme Saviani (1984, p.18), do ponto de vista pedagógico, pode-se dizer que a
pedagogia tradicional a questão central é aprender, na pedagogia nova seria aprender a
aprender já, na pedagogia tecnicista o que se prioriza é aprender a fazer. Assim, no processo
de tecnificação do trabalho docente, a revista Escola Nova, executa papel fundamental de
trazer ao professorado os ensinamentos do “como se deve fazer”. Ensinamentos, esses, que
conforme Lourenço Filho seriam realizados por um "corpo de assistentes técnicos" destinados
aos estudos dos problemas do aperfeiçoamento do ensino e de seu controle objetivo.
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1) verificar com que material se trabalha, e para que ele serve; 2) descobrir
quais os meios mais seguros e econômicos, a serem postos em prática, em
vista de um fim determinado; 3) indagar si se obteve realmente o que se
pretendia, ou em que medida foi atingido o fim desejado. (LOURENÇO
FILHO, 1931a, p.253)
Para Mate (2002), todos os procedimentos técnicos implantados com os usos dos
testes revelam, segundo ela, que o tema dos testes veio fundamentar, dar materialidade ao
discurso da pedagogia objetiva, da técnica mensurável, já que se tratava de planejar, prever e
obter resultados para um amplo universo de alunos. A educação pública, nestes termos,
“agora era alvo de um projeto racional inspirado em estatísticas e complexos suportes
técnicos para fixação de padrões ideais de aprendizagem” (p.115).
Nesse processo de tecnificação, caberia ao professor, não questionar os testes, mas
apenas aplicá-los, pois, estes eram resultados de experiências científicas realizadas por nomes
significativos do campo da psicologia e pedagogia experimental. Desse modo, o bom
professor devia ter “consciência técnica”, como dizia Alexandre Gali, Secretário do Conselho
de Pedagogia de Barcelona, no artigo “Conceito da medida do trabalho escolar”: “A
consciência técnica está determinada, precisamente, pelo desejo de não se basear em nada o
que costuma constituir o orgulho do bom mestre. Nem o bom sentido, nem a prática, nem o
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golpe de vista – como diz Claparède – satisfazem a consciência técnica” (GALI, 1931, p.268).
Ou seja, a idéia de conceber a técnica separada da prática e experiência do professor era
enfatizada, daí, ser necessário “não se basear em nada” do que constituía “o orgulho do bom
mestre”, pois, nem sempre o que ele preparava poderia ser adequado a situação:
A questão da saúde também foi tema abordado nas páginas de Escola Nova,
demonstrando preocupação com hábitos de higiene, alimentação, vestuário e moradia, e
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Dada a importância do tema, o número especial de Escola Nova veiculava inúmeros artigos
de especialistas no assunto com o objetivo de orientar as ações do professorado.
trabalho. Isso se explica, conforme Cunha (2000, p.457), que a campanha educacional movida
pelos educadores pregava que, medidas de políticas sanitárias não seriam suficientes para a
modernização da sociedade, caso não fossem acompanhadas de medidas educacionais
correspondentes. Nesses termos as mudanças educacionais necessárias e almejadas no país
deveriam assentar no trinômio saúde, moral e trabalho.
A questão do trabalho, ou melhor, da formação do trabalhador, levou a revista a
dedicar um número a respeito à temática da orientação profissional. Por exemplo, o artigo
“Orientação profissional” assinado por Lourenço Filho, relevava como a correta orientação
profissional poderia colocar o “homem devido no lugar devido”; isto é, o indivíduo seria
orientado a fazer aquilo que realmente estivesse ao alcance de suas aptidões e de seu gosto e,
com isso, não só realizaria sua felicidade pessoal, como também haveria maior equilíbrio
social, eficiência do trabalho e progresso técnico (LOURENÇO FILHO, 1931c, p.3).
Todos os artigos relacionados à “orientação profissional” enfatizavam, acima de
tudo, a importância de aproveitar as tendências e aptidões psicofisiológicas das crianças no
estágio da educação primária, para posteriormente desenvolver inserções e adaptação no
mundo do trabalho. Na visão dos especialistas, a “orientação profissional”, era algo de suma
importância, pois, além de vantagens e benefícios ao próprio indivíduo, proporcionaria
economia, eficiência, e rendimento de trabalho. É o que podemos observar no trecho assinado
por Plínio Olinto, médico da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, ao ressaltar o “valor
do exame psicofisiológico na pesquisa das aptidões”.
profissionais ainda mal suspeitadas, ou excitando iniciativas para maior e melhor forma de
produção” (LOURENÇO FILHO, 1931d, p.141-143).
Assim o reformador recomendava o cinema educativo como meio, dentre os vários
utilizados, para a implantação de uma nova cultura social, objetivando um ensino dinâmico, e
apresentar e despertar “novas formas de trabalho” e “maior e melhor forma de produção”.
De modo que o papel desempenhado pela revista Escola Nova no contexto
reformista ultrapassava o simples papel de veículo de difusão de informação, para assumir a
função de disseminar a inovação educacional, isto é, outros modos de fazer e organizar a
educação escolar e, claro, conceber a infância. Em muitos pontos, pode-se até afirmar que o
modelo fabril foi inspirador de certos procedimentos. Assim, a racionalização e tecnificação
do processo de aprendizagem tornaram-se alvo privilegiado da reforma capitaneada por
Lourenço Filho.
Considerações
Com este texto tivemos a intenção de contribuir para o debate sobre a educação na
década de 1930, partindo de análises realizadas por destacados pesquisadores da área
educacional; concebendo a história como um permanente fazer-se e a investigação histórica
como um universo aberto a novas abordagens procuramos apresentar uma outra abordagem de
análise da reforma Lourenço Filho, realizada em São Paulo, entre 1930-1931, elegendo como
corpus a revista Escola Nova, concebendo-a como porta-voz do reformador veículo de
difusão de diretrizes entre o professorado.
Assim, tivemos como preocupação fundamental responder as questões formuladas
no início deste artigo, a saber: como os técnicos lotados na diretoria de ensino e responsáveis
pela assistência teórico/prático aos professores atuaram por meio da revista Escola Nova?
Pode-se falar de um tecnicismo educacional presente nas reformas concretizadas pelo
professor Manoel Bergström Lourenço Filho, durante sua gestão à frente da diretoria de
ensino, entre 1930 e 1931?
Os técnicos por meio de artigos, relatos de experiências, traduções de obras de
autores estrangeiros, conceituados no âmbito do movimento Escola Nova, sugeriram,
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Referências e Notas
1. Fontes
ESCOLA NOVA. Órgão da Diretoria Geral da Instrução Pública de São Paulo, v.1, n.1, out.
1930.
GALI, Alexandre. Conceito da medida do trabalho escolar. Escola Nova. São Paulo. Órgão
da Diretoria Geral do Ensino de São Paulo, v.2, n. 3-4, mar./abr. 1931, p.260-303.
18
LOURENÇO FILHO, Manoel Bergström. A Escola Nova. Escola Nova. São Paulo. Órgão da
Diretoria Geral do Ensino de São Paulo, v.1, n. 1, out./dez. 1930a, p.3-7.
______.A questão dos programas. Escola Nova. São Paulo. Órgão da Diretoria Geral do
Ensino de São Paulo, v.1, n. 2-3, nov./dez. 1930b, p.81-85.
______. Os testes. Escola Nova. São Paulo. Órgão da Diretoria Geral do Ensino de São
Paulo, v.2, n. 3-4, mar./abr. 1931a, p.253-259.
______. Primeiro a saúde. Escola Nova. São Paulo. Órgão da Diretoria Geral do Ensino de
São Paulo, v.2, n. 1-2, jan./fev. 1931b, p.3-6
______. Orientação profissional. Escola Nova. São Paulo. Órgão da Diretoria Geral do
Ensino de São Paulo, v.3, n. 1-2, maio/jun. 1931c, p.3-7.
______. O cinema na escola. Escola Nova. São Paulo. Órgão da Diretoria Geral do Ensino de
São Paulo, v.3, n. 3, julho 1931d, p.141-144.
OLINTO, P. Do valor do exame psíco-fisiológico na pesquisa das aptidões. Escola Nova. São
Paulo. Órgão da Diretoria Geral do Ensino de São Paulo, v.3, n. 1-2, maio/jun. 1931, p.9-118.
WOOD, Thomaz D. A educação da saúde. Escola Nova. São Paulo. Órgão da Diretoria Geral
do Ensino de São Paulo, v.2, n. 1-2, jan./fev. 1931, p.7-224.
TEIXEIRA, A. Porque Escola Nova? Escola Nova. São Paulo. Órgão da Diretoria Geral do
Ensino de São Paulo, v.1, n. 1, out./dez. 1930, p.8-26.
2. Bibliografia
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A escola nova e o impresso: um estudo sobre
estratégias editoriais de difusão do escolanovismo no Brasil. In: FARIA FILHO, Luciano
Mendes (org.). Modos de ler, formas de escrever: estudos de história da leitura e da
escrita no Brasil. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 65-86.
19
CUNHA, Marcus Vinicius da. A escola contra a família. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira;
FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de educação no Brasil.
2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 497-517. (Coleção História, 6).
LOPES, Eliana Marta Teixeira; GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da educação.
Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha; KHOURY, Yara
Maria Aun. A pesquisa em história. 4 ed. São Paulo: Ed. Ática, 2002. (Série Princípios).
MATE, Cecília Hanna. A instituição escolar como higienizadora da sociedade dos anos 20.
In: SILVA, Zélia Lopes da (org.) Cultura histórica em debate. São Paulo: Ed. da Unesp,
1995, 156p. (Seminários & Debates)
3. Instituições consultadas
4. Notas
1
Trabalho desenvolvido no âmbito do projeto integrado de pesquisa “Revistas de educação e
ensino – São Paulo: 1892-1944”, coordenado pelo Prof. Dr. Carlos Monarcha com apoio e
auxílio à pesquisa do CNPq- FAPESP
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Professor Titular do Quadro do Magistério Público do Ensino Fundamental e Médio do
Estado de São Paulo na disciplina de História; mestrando em Educação Escolar pela
Universidade Estadual Paulista – FCL- Unesp/Araraquara-SP; e membro do Grupo de
Pesquisa “História da Educação no Brasil”.
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O autor é atualmente estudante desta instituição matriculado no curso de Pós-Graduação em
Educação Escolar - Mestrado - (ingressante em 2007) sob a orientação do Prof. Dr. Carlos
Monarcha.