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A contra-reforma do Estado no Brasil:

uma análise crítica


Rodrigo Ferreira Oliveira*

Resumo
Este estudo tem como objetivo analisar o processo de reforma do Estado no
Brasil. Trata-se de uma pesquisa de natureza exploratória, delineada por
meio de pesquisa bibliográfica e documental. As análises e reflexões críticas
estão apoiadas no método dialético. A bibliografia e a análise documental
permitem afirmar que o Estado Brasileiro nos anos 1990 vivenciou um
processo de contra-reforma marcado pela expropriação de direitos,
principalmente os sociais. Esse processo está articulado à ascensão do
neoliberalismo nos anos 1980, conseqüência da crise do Estado de Bem-
Estar Social na década de 1970.
Palavras-chave: Reforma do Estado, Neoliberalismo, Cidadania.

The counter-reform of State in Brazil: a analysis critical


Abstract
This study aims the analysis of the State Reform process taken in Brazil
trough a research of exploratory nature, delineated by bibliographical and
documental research, as well based on the critical reflections given by the
dialectic method. References and documental analysis supported the
statement that Brazilian State in the 1990s has gone through a counter-
reform process highlighted by the privation of social rights in order to the
ascension of neoliberalism in the 1980s after the crisis of the Welfare State
in the 1970s.
Key words: State Reform, Neoliberalism, Citizenship

*
RODRIGO FERREIRA OLIVEIRA é Graduado em Serviço Social pela Universidade Estadual de
Montes Claros – Unimontes. Assistente Social da Prefeitura Municipal de Varzelândia-MG. Trabalho
orientado pela Profª doutoranda Rosenária Ferraz de Souza.

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1. Introdução previdenciários conquistados
historicamente com a finalidade de
Este artigo tem como objetivo
abrandar a crise fiscal do Estado e gerar
apresentar de forma crítica os elementos
poupança para alavancar o crescimento
centrais do processo de reforma do
econômico.
Estado no Brasil nos anos 1990. Este
estudo tem caráter exploratório e foi 2. Crise do Capital e ofensiva
desenvolvido através de pesquisas neoliberal: elementos introdutórios
bibliográfica e documental. Quanto à
metodologia utilizada optou-se pelo A reforma do Estado deve ser analisada
método dialético por oferecer subsídios como parte de um processo histórico e
para uma abordagem crítica do nosso conjuntural de crise do capital nos anos
objeto, a Reforma do Estado. 1970, reestruturação produtiva,
mundialização do capital e redução do
A reforma do Estado é parte de um papel Estado.
processo global de reestruturação
capitalista iniciado após a crise do Conforme Mandel (1990, p. 10), o
capital nos 1970. Com a crise do Estado padrão de acumulação capitalista
de Bem-Estar Social, expressão da crise baseado no modelo fordista-keynesiano
dos anos 1970, emerge com toda força começa a dar sinais de esgotamento na
nos anos 1980 o projeto neoliberal. A década de 1960, porém “a
resposta neoliberal a crise consistiu na dessincronização do ciclo industrial no
redução do papel do Estado e ampliação período 1948/68 tinha reduzido a
da esfera do mercado econômico. amplitude das recessões”. A primeira
recessão generalizada no pós-guerra
Seguindo as tendências internacionais, a aconteceu somente em 1973, tendo em
reforma do Estado brasileiro tem sido vista a existência de uma situação de
conduzida sob a pauta do ajuste fiscal, sincronização do ciclo industrial em
com a privatização de empresas âmbito internacional.
públicas e desvinculada da idéia de
fortalecimento da proteção social. Mota (2005) aponta alguns fatores que
indicam o esgotamento do período de
Conforme Nogueira (1998), a Reforma expansão baseado no padrão da
do Estado, tratada no governo Collor de acumulação fordista-keynesiano: a
maneira vazia e irreal, ganhará impulso queda das taxas de lucro, as variações
no governo de Fernando Henrique na produtividade, o endividamento
Cardoso, sob a influência intelectual de internacional e o desemprego.
Luiz Carlos Bresser Pereira, Ministro da
Administração Federal e Reforma do A crise dos anos 1970 é analisada por
Estado. Nesse sentido, é central a Mandel (1990) como uma “clássica
análise do Plano Diretor da Reforma do crise de superprodução”. O autor aponta
Aparelho do Estado (1995), expressão que
institucional do projeto de reforma do Na história do capitalismo, cada
governo de Fernando Henrique Cardoso crise de superprodução combina
(FHC). traços gerais, que dizem respeito às
contradições fundamentais do
O Plano traduziu as reais tendências do modo de produção capitalista, com
governo FHC: privatizar a economia traços particulares que resultam do
nacional, realizar uma reforma do momento histórico preciso no qual
Estado centrada no funcionalismo ela se produz no curso do
público, restringir os direitos desenvolvimento desse modo de

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produção. A recessão econômica catalisar mudanças que permitam a
generalizada de 1973/74 não escapa reestruturação da produção.
a essa regra (MANDEL, 1990, p. (MOTA, 2005, p. 88).
29).
Para Behring (2002, p. 94), “a idéia de
Seguindo essa linha de pensamento, é crise significa rupturas no processo de
coerente a afirmação de que a crise dos reprodução, que levam um intenso
anos 1970 é uma crise econômica do período de criação social, com
sistema capitalista cuja principal transformações irreversíveis do modo
expressão é um colapso gerado pela de produção, seja no sentido de sua
superprodução do regime fordista- continuidade sob novas formas, seja no
keynesiano (HARVEY, 1999; sentido de sua superação”.
MANDEL, 1990; MOTA, 2005).
Conforme Mandel (1990, p. 13), esta O surgimento de um novo regime de
acumulação deve ser interpretado como
[...] é uma crise social do conjunto
da sociedade burguesa, uma crise
um conjunto de medidas econômicas,
das relações de produção políticas e sociais adotadas em
capitalistas e de todas as relações contextos de superacumulação
sociais burguesas, que se imbrica (HARVEY, 1999).
com a diminuição durável do
crescimento econômico capitalista, Diante da estagflação econômica gerada
acentua e agrava os efeitos das pela crise do regime de produção e
flutuações conjunturais da acumulação fordista-keynesiano, era
economia, e recebe por sua vez necessário, para a sobrevivência do
novos estímulos dessas flutuações. sistema capitalista, colocar em prática
um novo regime de acumulação e de
A crise dos anos 1970 assumiu uma
controle das massas operárias, retirando
roupagem econômica – haja vista a
dessas o poder de barganha conquistado
estagnação do modo de produção
no período de vigência do fordismo.
capitalista –, social e política, uma vez
Nesse contexto emergem novas formas
que teve rebatimentos sobre o projeto
organizacionais e de reajustamento
de classe hegemônico, o da burguesia, e
social e político, a reestruturação
a legitimidade política e cultural do
produtiva.
sistema capitalista.
Mota (2005), a exemplo de Mandel A reestruturação produtiva não deve ser
(1990), interpreta essa crise como um entendida apenas como um processo de
fato histórico que não possui apenas reestruturação econômica e tecnológica
condicionantes econômicos, mas do capital, nestes termos não seria
representou uma crise global da possível apreender o verdadeiro sentido
sociedade burguesa. da acumulação capitalista, que é a
reprodução da totalidade da vida social.
A idéia de crise global ou societal, É um processo que tem uma dimensão
aqui adotada, diz respeito ao política, social e cultural, visto que o
conjunto de transformações
capital diante de um quadro de crise se
econômicas, políticas, sociais,
institucionais e culturais que
vê desafiado a engendrar uma nova
interferem no processo de correlação de forças para a sua
reprodução social, seja no sentido sobrevivência e reprodução. Então, não
de incorporar potencialmente ocorreram mudanças apenas no
elementos ameaçadores da processo de produção, mas também na
reprodução, seja no sentido de correlação de forças entre capital e

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trabalho e um redirecionamento do empregatícios através da terceirização
papel do Estado. dos serviços e dos contratos temporários
(ANTUNES, 1999).
A centralidade do processo de
reestruturação produtiva recai sobre a A base ideológica dessa cultura política
necessidade de recuperação do ciclo de foi alicerçada sobre os escombros das
reprodução do capital, no entanto foi frustrações do movimento da classe
ausente nesse processo o trabalhadora, expressas na crise do
questionamento do modo de produção socialismo real no Leste Europeu e do
capitalista (ANTUNES, 1999). Estado de Bem-Estar Social nos países
desenvolvidos (MOTA, 2005).
A reestruturação produtiva marca o
desenvolvimento de um novo padrão de O neoliberalismo, como doutrina
acumulação e a palavra de ordem deste econômico-filosófica, nasceu no pós II
novo padrão é a flexibilização. Há uma Guerra Mundial. As principais idéias
tendência generalizada de flexibilizar os deste projeto estão condensadas no livro
contratos e o mercado de trabalho, o “O Caminho da Servidão”, de Friedrich
processo produtivo e o regime de Hayek, produzido em 1944.
acumulação. Este novo padrão de Intelectuais como Milton Friedman,
acumulação tem conjugado altos índices Karl Popper, Ludwig Von Misses,
de desemprego estrutural, maior Walter Lipman, entre outros,
exploração do trabalhador, ganhos compartilhavam das mesmas idéias de
modestos de salários e a desestruturação Hayek. Inconformados com o modelo
do poder sindical (ANTUNES, 1999). keynesiano de Estado, argumentavam
Harvey (1999) denominou o novo que “a desigualdade era um valor
padrão de “acumulação flexível”, tendo positivo – na verdade imprescindível
em vista a oposição direta à rigidez do em si –, pois disso precisavam as
regime fordista. As mudanças sociedades ocidentais” (ANDERSON,
produzidas traduzem-se num amplo 1995, p. 10).
processo de flexibilização dos processos Em sua obra “O Caminho da Servidão”
e dos mercados de trabalho, dos Hayek (1994) faz uma defesa
produtos e padrões de consumo. intransigente à liberdade econômica ou
A filosofia do novo modelo é produzir o de mercado, sem a qual “a liberdade
máximo com o mínimo de política e social jamais existiu”.
trabalhadores, o que só é possível Qualquer tentativa de controle aos
através da exploração máxima da força mecanismos de concorrência do
de trabalho aliada às novas tecnologias mercado através de sistemas
e técnicas gerenciais. A empresa enxuta planificados era vista como um passo
passa a ser um modelo a se seguir. As para a implantação de um regime de
conseqüências para a classe governo totalitário, ou seja, ao caminho
trabalhadora são estarrecedoras: altos da servidão. Hayek a todo o momento
índices de desemprego (cuja finalidade faz referência a valores como a
é aumentar o exército industrial de liberdade e a democracia, mas a
reserva); precarização das condições de liberdade a que ele faz referência é a
trabalho; rompimento com a política econômica, “condição indispensável à
sindical ou desenvolvimento da cultura autêntica liberdade”, e a democracia é
do sindicalismo de empresa; sinalizada apenas como um mero
flexibilização dos vínculos princípio ornamental.

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Conforme Bobbio (1998, p. 87-88), o reformas a serem implementadas pelos
neoliberalismo é países periféricos”. Foram utilizadas
[...] uma doutrina econômica como fator de pressão as dívidas destes
conseqüente, da qual o liberalismo países junto às agências financeiras
político é apenas um modo de internacionais, como o Banco Mundial
realização, nem sempre necessário; e o Fundo Monetário Internacional,
ou, em outros termos, uma defesa criados desde o acordo de Bretton
intransigente da liberdade Woods na década de 1940.
econômica, da qual a liberdade
política é apenas um corolário. Estamos diante de um movimento que
Ninguém melhor do que um dos vem na contracorrente das conquistas
notáveis inspiradores do atual históricas, principalmente as sociais. É a
movimento em favor do representação da luta de classes em
desmantelamento do Estado de torno do controle do Estado. A
serviços, o economista austríaco burguesia se afirma como detentora do
Friedrich von Hayek, insistiu sobre poder político-econômico, propondo um
a indissolubilidade de liberdade programa de reforma do Estado para
econômica e de liberdade sem libertar o mercado das amarras do
quaisquer outros, reafirmando modelo de bem-estar social e
assim a necessidade de distinguir
enfraquecer os movimentos sociais,
claramente o liberalismo, que tem
seu ponto de partida numa teoria principalmente o movimento operário.
econômica, da democracia , que é 3. Da autocracia burguesa à Nova
uma teoria política, e atribuindo à República: crise e reforma do Estado
liberdade individual um intrínseco e no Brasil
à democracia unicamente um valor
instrumental. O contexto de reforma do Estado no
Brasil deve ser analisado dentro do
Sader (1995) identifica o neoliberalismo
processo de crise do capital e ascensão
como uma estratégia de dominação da
do neoliberalismo, em âmbito
classe burguesa que desemboca em
internacional, e no contexto histórico de
relações econômicas, sociais e
ascensão e crise do regime ditatorial no
ideológicas. Não preconiza a extinção
Brasil, em âmbito nacional. Dessa
do Estado, mas sim um novo Estado,
forma, faremos uma breve análise do
forte para garantir as liberdades do
período ditatorial no sentido de
mercado e parco na proteção ao mundo
compreendermos a crise do capitalismo
do trabalho.
brasileiro nos anos 1970.
Nos anos 80 emerge um conjunto de
Segundo Netto (2002), a explicação do
políticas macroeconômicas direcionadas
golpe militar de 19641 deve ser buscada
para um amplo programa de reformas
a partir da observância da
estruturais dirigidas aos países da
particularidade da formação sócio-
periferia capitalista, conhecido como
Consenso de Washington.
Conforme Mota (2005, p. 80), o 1
Não nos aprofundaremos no estudo do período
Consenso de Washington “deve ser ditatorial porque este não é nosso objeto de
pensado como um dos meios pelos estudo, realizaremos uma breve reflexão do
quais a burguesia internacional imprime período porque ele contém os germes do
processo de reforma do Estado no Brasil. Para
uma direção política de classe às um estudo mais aprofundado da “autocracia
estratégias de enfrentamento da crise de burguesa” no Brasil sugerimos Netto (2002) e
80, especialmente no que diz respeito às Fernandes (1975).

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histórica do Brasil2, mas sem modernização econômica, feita sob o
menosprezar o contexto internacional interesse do capital monopolista,
de contra-revoluções incitadas e acarretou um pesado ônus à sociedade
financiadas pelos grandes países brasileira e acabou por jogar o país,
imperialistas, sob hegemonia norte- após um curto ciclo expansivo (1967-
americana. 73), em uma grave crise inflacionária e
recessiva que se arrastou por toda a
Uma análise detida apenas no panorama
década de 1980 (NOGUEIRA, 1998).
internacional levaria fatidicamente a
uma concepção unilateral de que as A crise do milagre econômico – que na
revoluções se iniciam nas metrópoles percepção de Netto (2002) foi um
imperialistas, o que desconsideraria os entrecruzamento entre a crise cíclica do
movimentos históricos e as capital de proporções internacionais e a
particularidades da formação social crise estrutural do capitalismo brasileiro
brasileira (NETTO, 2002). – se transformou numa crise política e
O Golpe de 1964 foi a solução de legitimidade do regime ditatorial.
encontrada pela burguesia brasileira Ante o avanço das forças democráticas,
para assegurar seu poder de dominação outrora neutralizadas pelo terror e pela
e neutralizar as forças democrático- coerção da ditadura, a transição política
populares. O Estado erigido para um regime democrático foi
posteriormente à revolução de 1964 dá inevitável.
continuidade ao padrão de heteronomia
Esses fatores contribuíram para
econômica e exclusão política das
processo de transição democrática, que
classes populares (NETTO, 2002).
culminou na eleição indireta via
O regime político pós-1964 aliou-se ao Colégio Eleitoral de Tancredo Neves
grande capital monopolista e às forças para a Presidência da República em
político-econômicas dominantes mais 1985, que faleceu antes de tomar posse,
atrasadas, o que possibilitou a assumindo o cargo o seu vice, José
promoção de uma rápida modernização Sarney.
econômica. A busca por uma rápida
acumulação financeira levou o regime a Na percepção de Nogueira (1998), a
investir em uma economia de produção transição democrática não ocorreu
de bens de consumo duráveis, a concomitantemente e nem propiciou a
beneficiar o capital estrangeiro e as reforma política e a construção de um
grandes indústrias nacionais, a novo regime, embora tenha eliminado o
privatizar a economia, diminuir arcabouço institucional e as práticas do
drasticamente os salários e estimular o regime ditatorial e delineado uma
inchaço do sistema financeiro. Porém, a Constituição com inclinações
democráticas e sociais.
2
Para Netto (2002) alguns fatores – como o Sob clara inspiração neoliberal, Collor
desenvolvimento do capitalismo sem uma
oposição às expressões do atraso e às velhas
adotou uma série de medidas
práticas coloniais, mas absorvendo o passado de econômicas que tencionavam reverter o
forma funcional, um processo de socialização grave quadro inflacionário que se
da política inconcluso, sendo as massas arrastava desde os anos 1980. Dessa
populares neutralizadas, e um Estado que atuou forma, propõe uma reforma econômica
historicamente como vetor de desestruturação
da sociedade civil, de forma a coibir a emersão
que assumiria a forma de “um ultimato:
de projetos democráticos alternativos – são o fio para derrubar a inflação, tudo seria
condutor da formação sócio-histórica brasileira. admissível, até mesmo a ignorância das

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leis do país e o abuso na utilização das cujo fim último era a estabilizar a
constitucionais medidas provisórias” economia nacional.
(NOGUEIRA, 1998, p.131).
Contudo, ressalta Nogueira (1998), o
Em resumo, as medidas econômicas do fim da inflação não foi acompanhado
Governo Collor visavam: pelo desenvolvimento da economia
a) alavancagem do processo de nacional, ou seja, não se avançou
privatização das empresas expressivamente no que diz respeito à
nacionais; b) abertura econômica modernização da infra-estrutura
para capitais estrangeiros; c) econômica. O quadro econômico e a
retomada do processo inflacionário; grande margem de apoio político e
d) minimização dos gastos públicos social do governo FHC não impetraram
governamentais na área social, resultados significativos sobre os
entre outras características, o que indicadores sociais. “Tudo parece
aponta seu perfeito alinhamento travado pela forte concentração de
com as indicações feitas pelos energias na estabilidade monetária e
organismos internacionais
numa fileira de reformas e ajustes
(COUTO, 2004, p. 146-147).
extraídos do receituário das agências
A Era Collor chegou ao fim dois anos financeiras internacionais, portanto
após a sua posse, mais precisamente em revestidos de uma pretensa validade
1992, através de um impeachment universal” (Ibidem, p. 173).
político, fato inédito na história
republicana do Brasil. Este governo foi O governo de FHC “priorizou o
marcado por escândalos, corrupção e controle da inflação e a manutenção da
isolamento político. Identificamos que estabilidade da moeda e encaminhou,
Collor não conseguiu recuperar a como plataforma política, a necessidade
legitimidade governamental abalada de reformar o Estado, prioridades
desde o período ditatorial, aprofundou vinculadas ao paradigma teórico
ainda mais a crise política por que neoliberal” (COUTO, 2004, p. 148).
passava o país desde os fins dos anos O governo de Fernando Henrique
1970. Cardoso mostrou-se um adepto do
A partir de uma coalizão centro-direita projeto político-econômico capitaneado
liderada pelo PSDB e PFL foi eleito pelo grande capital financeiro
Presidente da República nas eleições de internacional. Em seu governo colocou
1994 o sociólogo Fernando Henrique em pauta os preceitos neoliberais.
Cardoso. FHC buscou consolidar o Ideologia que se esforça no plano
legado deixado por Itamar Franco, macroeconômico para superpor o
expressos pelas metas do Plano Real3, mercado ao Estado, a esfera privada à
esfera pública.

3
[...] Trata-se de uma ideologia que
As metas do Plano Real, criado no governo de opera quase por ameaças: não
Itamar Franco e consolidado no governo de teríamos mais história, já que hoje
Fernando Henrique Cardoso, eram:
tudo estaria ao sabor do mercado e
“estabilidade de preços, incorporando
alternativas de crescimento do mercado, bem
como investimentos e avanços tecnológicos desregulamentação do setor produtivo público,
setorizados; modernização como redefinição da redefinindo seu papel como administrador de
estrutura produtiva nacional, tendo como políticas macroeconômicas e de produção de
referência as novas tecnologias disponíveis no bens sociais e de políticas sociais
mercado internacional; integração econômica no compensatórias” (REIS E PRATES apud
cenário globalizado; e, por fim, COUTO, 2004, p. 147).

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o mercado, ao se revelar capaz de gerencial no Brasil. Colocou-se
autocorrigir espontaneamente, toda a ênfase na descentralização,
tornaria supérflua a intervenção da mediante a autonomia da
vontade humana, de sujeitos administração indireta, a partir do
coletivos ou mesmo de pressuposto da rigidez da
individualidades humanas administração direta e da maior
(NOGUEIRA, 1998, p. 176). eficiência da administração
descentralizada. O decreto-lei
O projeto “reformista” do governo de promoveu a transferência das
FHC ganhará corpo institucional a partir atividades de produção de bens e
da elaboração do Plano Diretor da serviços para autarquias, fundações,
Reforma do Aparelho do Estado (1995). empresas públicas e sociedades de
O Plano constitui um conjunto de economia mista, consagrando e
esforços constitucionais para a reforma racionalizando uma situação que já
do Estado. se delineava na prática (BRESSER
PEREIRA, 2001b, p. 244).
4. O Plano Diretor da reforma do
aparelho do Estado no Brasil Conforme Bresser Pereira (2001b), o
A idéia de racionalização da Decreto-lei n° 200, entretanto, contribui
administração pública no Brasil não é para a sobrevivência e perpetuação de
recente, já estava presente na primeira práticas patrimonialistas, já que deixou
reforma da administração pública nos brechas para a contratação de
anos 1930. Com a implantação do funcionários sem a realização de
Departamento Administrativo do concurso público. Nesses termos, a
Serviço Público (DASP) em 19374 reforma administrativa proposta pelo
inseriu os princípios da administração Decreto nº 200 fracassou e ficou pela
burocrática clássica no Brasil. Porém, a metade. Para o referido autor, a situação
perspectiva reformadora do DASP não da administração pública ficou ainda
se concretizou, ou seja, dele não mais grave após a crise do modelo
produziu uma administração pública ditatorial, uma vez que a burocracia
moderna, ágil e eficiente5 (MARE, passou a ser relacionada ao modelo
1995; NOGUEIRA, 1998). autoritário de governo em estágio de
degeneração .
A primeira tentativa de reforma
gerencial da administração pública Conforme informações contidas no
ocorreu em 1967, por meio do Decreto Plano Diretor da Reforma do Aparelho
nº 200. Este decreto representou do Estado (1995), estabelecida a Nova
República a reação dos dois primeiros
Uma tentativa de superação da
rigidez burocrática, podendo ser
governos democráticos no Brasil em
considerada como o primeiro relação à crise financeira que assolava o
momento da administração mundo foi ignorá-la, não houve
empenho em rever a forma de
4
Há uma divergência de datas no que se refere à intervenção estatal.
implantação do DASP no Brasil, Nogueira
(1998) afirma que este foi criado em 1937, já As estratégias adotadas para retomar o
Bresser Pereira (2001) assinala que foi em 1936. desenvolvimento econômico foram o
5
O DASP funcionou como um órgão de aumento do gasto público e a elevação
modernização administrativa e foi influenciado forçada dos salários reais. Esta
por teorias tidas como renovadoras naquele
período, como as técnicas da administração
intervenção teve como conseqüência o
científica de Taylor e a burocracia nos moldes fracasso do Plano Cruzado, concebido
weberianos. por Bresser Pereira (2001b, p. 245)

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como “[...] um plano inicialmente bem medidas com a finalidade de tornar a
concebido que foi transformado em administração pública mais eficiente,
mais um clássico caso de ciclo nos moldes da administração gerencial
populista”. (BRESSER PEREIRA, 2001a).
Em meados da década de 1990, no O Plano Diretor toma como base para as
governo de Fernando Henrique propostas contidas em seu texto o
Cardoso, a idéia de reformar o Estado diagnóstico da administração pública
ganha força. A reforma proposta tinha brasileira. O real objetivo deste
como objetivos, a curto prazo, diagnóstico foi identificar o retrocesso
promover o ajuste fiscal, principalmente que teria sido causado pela Constituição
nos estados federados e nos municípios, de 1988, que, na visão dos redatores no
e, a médio prazo, transformar a Plano, reduziu a capacidade operacional
administração pública brasileira em do aparelho do Estado brasileiro.
uma administração gerencial.
Conforme os autores deste documento,
A emenda constitucional da reforma após a promulgação da Constituição
administrativa do Estado foi remetida Federal de 1988 houve um
ao Congresso Nacional em agosto de encarecimento expressivo do custeio da
1995. À emenda seguiu-se a publicação máquina pública. O crescimento dos
do Plano Diretor da Reforma do gastos foi mais expressivo nas esferas
Aparelho do Estado. estadual e municipal, pois passaram a
O receituário do Plano Diretor alude receber uma parcela maior da
como inadiáveis para a estruturação do arrecadação tributária. A Constituição
Estado brasileiro de 1988 estaria, então, fundamentada no
formalismo, no excesso de normas e na
(1) o ajustamento fiscal duradouro; rigidez de procedimentos.
(2) reformas econômicas orientadas
para o mercado, que, O diagnóstico da máquina
acompanhadas de uma política administrativa brasileira contida no
industrial e tecnológica, garantam a Plano Diretor identificou três problemas
concorrência interna e criem as centrais: a) um problema de ordem
condições para o enfrentamento da
institucional-legal, que diz respeito aos
competição internacional; (3) a
reforma da previdência social; (4) a desafios de ordem legal para o alcance
inovação dos instrumentos de de uma maior eficiência no aparelho do
política social, proporcionando Estado; b) um problema de dimensão
maior abrangência e promovendo cultural, referente à convivência de
melhor qualidade para os serviços valores patrimonialistas e burocráticos
sociais; e (5) a reforma do aparelho com os modernos princípios gerenciais
do Estado, com vistas a aumentar na administração pública brasileira; e c)
sua “governança”, ou seja, sua um problema de dimensão gerencial ou
capacidade de implementar de de gestão, relacionado às práticas
forma eficiente políticas públicas administrativas.
(MARE, 1995, p. 11).
O diagnóstico mostra que para uma
Há que se fazer uma importante
reforma consistente do aparelho do
distinção entre reforma do Estado e Estado necessita-se, hoje, mais que
reforma do aparelho do Estado, a um mero rearranjo de estruturas. A
primeira tem dimensões políticas, superação das formas tradicionais
econômicas e sociais, enquanto a de ação estatal implica
segunda diz respeito a um conjunto de descentralizar e redesenhar

140
estruturas, dotando-as de produção de bens e serviços, através do
inteligência e flexibilidade, e processo de privatização das empresas
sobretudo desenvolver modelos estatais.
gerenciais para o setor público
capazes de gerar resultados O Plano apresenta uma estratégia de
(MARE, 1995, p. 40). transição balizada em três dimensões: a)
dimensão institucional-legal, refere-se à
No campo administrativo o Plano
necessidade de reformas constitucionais
Diretor tem como objetivos a superação
– através de emendas constitucionais e
dos princípios e práticas
legislação infraconstitucional – para
patrimonialistas e burocráticas
eliminar os principais entraves jurídico-
arraigadas na administração pública
legais à construção de uma
brasileira e implantar uma
administração eficiente, ou seja,
administração gerencial com a
gerencial; b) dimensão cultural, está
finalidade de aumentar a governança
centrada na introdução de uma nova
estatal. A administração pública
cultura administrativa no Brasil,
gerencial pode ser definida por alguns
transformando assim uma cultura
aspectos particulares como:
burocrática em gerencial; e, c)
[...] é orientada para o cidadão e dimensão da gestão, está relacionada a
para a obtenção de resultados; implementação de novas práticas
pressupõe que os políticos e os gerenciais na administração pública
funcionários públicos são brasileira (MARE, 1995).
merecedores de grau limitado de
confiança; como estratégia, serve- É no contexto das emendas
se da descentralização e do constitucionais que se localiza a
incentivo à criatividade e à proposta de reforma da Previdência
inovação; e utiliza o contrato de Social. O Plano prevê o fim das
gestão como instrumento de aposentadorias integrais e precoces e a
controle dos gestores públicos substituição do conceito de tempo de
(BRESSER PEREIRA, 2001a, p.
serviço por tempo de contribuição. E,
28).
ainda, dá um “breve incentivo” a
A reforma prevê, também, a diminuição contratação de um sistema de
da área de abrangência da ação estatal, aposentadoria complementar via fundos
de forma a limitar a ação do Estado privados.
apenas às áreas que lhes são próprias.
Assim, a reforma tem como objetivo É preciso esclarecer que a proposta de
transferir para o setor público não- reforma do sistema previdenciário tem
estatal os serviços não-exclusivos, por como objetivo reduzir a previdência
meio de um amplo programa de pública e fomentar o crescimento da
publicização que prevê a transformação previdência privada ou complementar.
de fundações públicas em organizações Através da privatização da previdência
sociais6, e para o mercado privado a pública é possível gerar poupança para
financiar o crescimento econômico
(CABRAL, 2004; JAMES, 2001). O
6
Conforme Bresser Pereira (2001b, p. 263) as
programa reformista sobrepõe o
organizações sociais são “entidades que crescimento econômico ao ideário de
celebram um contrato de gestão com o Poder justiça social.
Executivo e contam com autorização do
Parlamento para participar do orçamento
público. A organização social não é, na verdade, uma qualidade dessas entidades, declarada pelo
um tipo de entidade pública não-estatal, mas Estado”.

141
As emendas constitucionais e a (BEHRING, 2003; MOTA, 2005;
legislação infraconstitucional, contidas FILGUEIRAS, 2006).
no Plano Diretor, dizem respeito à
Conforme Behring (2003, p. 198) “[...]
criação de mecanismos de demissão e
esta opção implicou uma forte
contratação de funcionários públicos e,
destruição dos avanços, mesmo que
de modo geral, à flexibilização das
limitados, sobretudo se vistos pela ótica
relações trabalhistas no setor público.
do trabalho, dos processos de
Ressalta-se que historicamente a
modernização conservadora que
flexibilização vem acompanhada pela
marcaram a história do Brasil”.
precarização. Esta palavra traduz bem
os ideais do neoliberalismo e da Para esta autora a expressão reforma do
reestruturação produtiva, que se referem Estado tem um sentido totalmente
à redução da segurança do trabalhador ideológico. Tratar-se-ia, ao contrário de
no emprego. uma “contra-reforma” do Estado. Pois o
discurso do programa de reforma se
A centralidade do Plano Diretor é fundamenta apenas em elementos
promover a transição de uma fiscais. O discurso de preocupação com
administração burocrática para uma a proteção social presente nos planos e
administração gerencial, como se essa emendas constitucionais que dão
transição fosse o elixir da salvação para embasamento legal à reforma mais
os problemas enfrentados pelo Estado e parece uma pintura para deixá-la mais
pela economia brasileira. aceitável socialmente.

A reforma do Estado estabelecida pelo Conforme Filgueiras (2006, p. 196),


Plano Diretor representou um ataque a [...] a retirada do Estado de setores
Constituição de 1988, principalmente ao estratégicos da atividade
princípio da Seguridade Social e ao econômica, juntamente com o
funcionalismo público. Construiu-se agravamento de sua fragilidade
uma idéia de reforma sustentada em financeira, a redução de sua
orientações econômicas, com funções capacidade de investimento e a
do Estado sendo transferidas para o perda de autonomia da política
econômica, enfraqueceu-lhe a
mercado, principalmente as mais
possibilidade de planejar, regular e
rentáveis, e redução dos direitos sociais induzir o sistema econômico. O
com a reforma previdenciária, pois ao crescimento acelerado da dívida
se incentivar os planos de previdência pública – com encargos financeiros
complementar (privados) transforma-se elevadíssimos –, juntamente com a
direitos em mercadorias. livre mobilidade dos fluxos de
capitais, é parte central da
5. Apontamentos críticos ao Projeto subordinação da política
de Reforma do Estado brasileiro: o macroeconômica aos interesses do
debate contra-hegemônico capital financeiro, ao mesmo tempo
em que redefiniu a presença dos
Os críticos da reforma do Estado no interesses das distintas classes e
frações de classe no interior do
Brasil argumentam que, da forma como
Estado.
vem sendo direcionada, esta é uma
versão brasileira de uma estratégia de Para Behring (2003), o processo de
inserção passiva e forçada na dinâmica privatização significou uma profunda
internacional e representa uma escolha desnacionalização do parque industrial
político-econômica regressiva de base nacional e o aniquilamento de

142
alguns setores intermediários, sem, em necessárias à modernização e à
contrapartida, diminuir um real se quer viabilização econômico-financeira do
das dívidas externa e interna.7 Estado nacional. A reforma “[...]
escolhe como bode expiatório, o gasto
Na interpretação de Dain e Soares
fiscal, e como vilão, o funcionalismo
(1998), a Reforma do Estado
público, na verdade partes essenciais de
implementada no Brasil, diante de uma
qualquer processo de Reforma” (DAIN
análise mais cuidadosa e densa, tem se
e SOARES, 1998, p. 72).
mostrado insuficiente e consoante com
o modelo de Estado mínimo defendido Em nome da purificação ética, da
pelas correntes neoliberais, o que afasta modernidade e da eficiência, os
a sociedade brasileira de um modelo de ataques acabavam por atingir as
proteção social universal, sem com isso instituições e a própria política,
gerar um ajuste, mesmo que a curto aprofundando as separações entre
prazo, nas contas públicas. cidadão e o Estado e transformando
o ajuste de contas com as práticas
Conforme Nogueira (1998), a reforma do velho patrimonialismo em mero
do Estado no Brasil foi comprometida espetáculo de mocinhos e bandidos,
pelo ambiente político-social em que foi sem maiores desdobramentos
projetada, era nítida a precariedade dos virtuosos (NOGUEIRA, 1998, p.
sujeitos reformadores e a presença de 170).
uma intensa campanha de Dain e Soares (1998) ressaltam que os
desqualificação do Estado e da esfera documentos que dão corpo institucional
pública, cuja imagem foi comprometida a esse programa têm uma conotação
pelos anos de ditadura. O conteúdo meramente “administrativa”, desviando
desta campanha, bem como sua do caminho de uma verdadeira reforma
inspiração neoliberal e as graves do Estado, haja vista a ausência de uma
imperfeições históricas do Estado preocupação com os problemas de
brasileiro acabavam por desvirtuar o fundo, como o padrão de financiamento
“plano dos valores”, levando à críticas, do Estado e a sua capacidade de
percepções e estratégias pouco minimizar as profundas desigualdades
construtivas. sociais e econômicas do país por meio
As medidas reformistas adotadas para a das políticas públicas de distribuição de
“modernização do Estado” representam renda. A centralidade da reforma
procedimentos evasivos, ou melhor, localiza-se na substituição da
subterfúgios que não apontam os administração burocrática pela
problemas centrais ou as soluções gerencial, direcionando os problemas do
Estado e sua solução para a mudança de
7
padrão na administração pública.
Conforme Filgueiras (2006, p. 195) “o
processo de desregulamentação – com a quebra Conforme Nogueira (1998), há uma
dos monopólios estatais em vários setores da notável mudança de linguagem da
economia– juntamente com o processo de
privatização das empresas públicas, reduziu
reforma do Estado e da Administração
bastante a presença do Estado nas atividades pública no governo de Fernando
diretamente produtivas, fortalecendo grupos Henrique Cardoso, uma tentativa de
privados nacionais e estrangeiros – dando demarcar uma linha divisória entre seu
origem a oligopólios privados, redefinindo a programa de governo, pretensamente
força relativa dos diversos grupos econômicos e
enfraquecendo grupos políticos regionais
social-democrático, e o projeto
tradicionais; além de permitir demissões em neoliberal de reforma. A nova
massa e enfraquecer os sindicatos”. linguagem adotada não se orientava

143
mais por uma perspectiva quantitativa, O programa reformista implementado
primava aparentemente pela idéia de pelo governo de Fernando Henrique
dignificação da função pública e pela Cardoso baseou-se em uma escolha pelo
implantação de uma administração projeto neoliberal, primou pela
pública gerencial no país. privatização dos bens públicos e
redução do papel do Estado. Os
[...] A orientação mais geral,
porém, continua tingida pelas cores funcionários públicos foram escolhidos
do neoliberalismo: descentralizar a como vilões da pátria e a reforma da
gestão, transferir atribuições para a administração pública como a solução
sociedade e para o terceiro setor, para os problemas e imperfeições
reduzir o déficit público. Fala-se históricas do Estado brasileiro. O Plano
pouco, por exemplo, sobre o padrão Diretor da Reforma do Estado fomentou
de regulação e coordenação estatal a depreciação do setor público e
que acompanhará a reforma do superdimensionou o mercado
Estado. A reconstrução do Estado financeiro.
tem sido sobretudo desconstrução,
fazendo com que perspectivas A reforma previdenciária, da forma
indicadas pelo governo fiquem como foi conduzida, representou a
suspensas no ar e atravessadas por cruzada dos setores conservadores e das
uma certa ambigüidade (Ibidem, p. agências financeiras internacionais para
174). privatizar o sistema previdenciário
Dain e Soares (1998) apontam que a através da redução da previdência
reforma do Estado no Brasil está pública e supervalorização da
estruturada sob falsas premissas, o que previdência complementar. O que
tem levado, consequentemente, a falsas caracteriza uma transgressão ao pacto
respostas. O maior exemplo desta social, baseado nos princípios da
situação foi a responsabilização dos seguridade social, firmado na
funcionários públicos pelas mazelas Constituição de 1988. A reforma não
históricas do aparelho do Estado, o que fortaleceu a seguridade social e nem
tem focado as propostas de reforma buscou unificar as três políticas públicas
excepcionalmente sobre o que a compõe (saúde, previdência e
funcionalismo público. assistência social).
As autoras interpretam como um fato Diante de tais elementos críticos,
contraditório a criação de um Ministério defendemos que esse processo não se
de Administração e Reforma do Estado, trata de uma reforma, mas de uma
ou seja, uma nova burocracia para “contra-reforma do Estado” Behring
reformar e desburocratizar a si mesma. (2003). Conforme Granemann (2004, p.
30), a contra-reforma pode ser
6. Considerações finais entendida como um conjunto de
O governo de Fernando Henrique “alterações regressivas nos direitos do
Cardoso colocou em prática no Brasil o mundo do trabalho. As contra-reformas,
projeto macroeconômico capitaneado em geral, alteram os marcos legais –
pelas agências financeiras rebaixados – já alcançados em
internacionais, promovendo reformas determinado momento pela luta de
constitucionais orientadas pela classe em um dado país”.
ideologia neoliberal que representaram
Neste contexto de contra-reforma, de
um ataque a seguridade social
rompimento e solapamento dos direitos
proclamada pela Constituição de 1988.
sociais em nome de uma inserção

144
forçada na ordem financeira CABRAL, Maria do Socorro Reis. As Políticas
internacional, se faz necessária uma Brasileiras de Seguridade Social: previdência
social. Curso de especialização à distância em
sociedade civil atuante e capaz de Serviço Social. Brasília: UNB, 2004.
propor um projeto alternativo de
mudança compatível com os princípios COUTO, Berenice Rojas. O Direito Social e a
Assistência Social na Sociedade Brasileira:
da justiça social. uma equação possível? São Paulo: Cortez, 2004.
Para Vázquez (2006, p. 305-306) é DAIN, Sulamis; SOARES, Laura Tavares.
preciso construir uma alternativa Reforma do Estado e políticas públicas: relações
política ao injusto mundo do intergovernamentais e descentralização desde
capitalismo neoliberal, sendo esta 1988. In: OLIVEIRA, Marco Antonio de (org.).
Reforma do Estado e Políticas de Emprego
desafiada a unir o que se encontra no Brasil. Campinas: UNICAMP, 1988, p. 31-
desmembrada neste mundo, a política e 72.
a moral. Por conseguinte, “trata-se de
FERNANDES, Florestan. A Revolução
uma alternativa possível e realizável, Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar,
porque a história, que é feita pelos 1975.
homens, não chegou nem pode chegar
FILGUEIRAS, Luiz. O neoliberalismo no
ao fim”. Brasil: estrutura, dinâmica e ajuste do modelo
econômico. Em publicación: Neoliberalismo y
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