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1.

Diversidade étnico-racial: conceitos e reflexões na escola

Renato Ferreira dos Santos1


Ana José Marques2

Introdução

O texto em tela tem por objetivo apresentar conceitos básicos da diversidade,


em geral, e das diversidades étnico-racial, de gênero, e da língua. No que tange ao
gênero pretende-se abordar, de forma breve, o histórico que demonstra a construção do
processo de dependência em que a mulher foi submetida e de lutas pelas mudanças, que
paulatinamente, vem conseguindo alcançar, bem como, as transformações ocorridas na
sociedade, no que se refere às escolhas sexuais praticadas por homens e mulheres.
Quanto à temática étnico-racial, a abordagem será no campo conceitual de raça, etnia,
de como se processa o racismo no mundo capitalista e os estabelecimentos das
diferenças entre racismo, preconceito e discriminação. E em relação à diversidade
linguística serão apontados três campos importantes: várias línguas nativas do Brasil;
línguas estrangeiras incorporadas ao nosso sistema escolar, e as variantes linguísticas
dos grupos socioculturais.
Vale salientar, que desde a metade do século XX ocorre uma série de
discussões sobre a dimensão da liberdade, a essas discussões associa-se a noção de
cidadania, “que implica a conquista de um amplo leque de direitos civis, políticos,
sociais e, mais recentemente, os direitos culturais” (SILVERIO, 2006, p. 7). O sentido
original da idéia de liberdade transformou-se, deixando de ser uma idéia abstrata e

1
Professor de História da SEDF, com especialização em Educação de Jovens e Adultos, formador do Curso Construindo Práticas
Educativas na Modalidade EJA: Concepções Teórico-Metodológicas, promovido pela EAPE.
2
Professora de História da SEDF, com especialização em Administração Escolar, mestrado na área de Políticas Públicas e Gestão da
Educação e formador do Curso Construindo Práticas Educativas na Modalidade EJA: Concepções Teórico-Metodológicas,
promovido pela EAPE.
vazia, passando a ser um desejo dos indivíduos poderem controlar suas auto-realizações.
Essa evolução leva os grupos de excluídos a formarem movimentos sociais (de
mulheres, negros, índios, homossexuais), que visam a sua melhor qualidade de vida de
inserção na sociedade e de aquisição de direitos e acesso aos bens e serviços.
Diante dessa realidade, conhecer e reconhecer os grupos socialmente
excluídos torna-se necessário. Além disso, existe a necessidade de identificar os fatores
geradores de tais exclusões, pois as estratégias de conhecimento geram o entendimento
e a possibilidade de se pensar ações concretas que impeçam a reprodução da exclusão.

1.1 O significado de diversidade

Ao iniciar uma conversa sobre diversidade e currículo na Educação de


Jovens e Adultos, faz-se necessário o entendimento de que a diversidade pode ser um
construto histórico, cultural e social das diferenças. As diferenças são construídas para
além das características biológicas, observáveis a olho nu. Elas perpassam as ações dos
sujeitos sociais ao longo de sua vida sócio-político-histórica e está presente em seu meio
social e no contexto das relações de poder.
Portanto, perceber as diferenças é uma construção que começa com o
nascimento da pessoa e se processa no decorrer de toda a sua vida enquanto sujeitos
sociais. Ao conceituar diversidade Elvira de Souza Lima afirma, que

a diversidade é norma da espécie humana: seres humanos são diversos em suas


experiências culturais, são únicos em suas personalidades e são também diversos
em suas formas de perceber o mundo. Seres humanos apresentam, ainda,
diversidade biológica. Algumas dessas diversidades provocam impedimentos de
natureza distinta no processo de desenvolvimento das pessoas (as comumente
chamadas de “portadoras de necessidades especiais”). Como toda forma de
diversidade é hoje recebida na escola, há a demanda óbvia, por um currículo
que atenda a essa universalidade. (LIMA, 2006, p.17).

Assim, tomando por base o conceito de diversidade apresentado por Lima,


um trabalho pedagógico que contemple aspectos históricos, sociais, raciais e de gênero
dos sujeitos sociais presentes no contexto da educação escolar, passa a ser
imprescindível, esse tipo de trabalho acaba fazendo da escola um espaço democrático
de convivência.

1.2 Diversidade etnicorracial


1.2.1 Raça e etnia

O termo raça tem sua origem datada do século XVII (MARTINS, 1985, p.182).
Com o passar do tempo, mais especificamente a partir do século XIX, passou a ser
utilizado no sentido de justificar as diferenças fenotípicas entre seres humanos e marcar
relações de dominação político-cultural de um grupo sobre outro.
Há uma linha de intelectuais, dentre eles Paul Gilroy, que argumentam sobre a
não existência de raça, visto que, no tocante à espécie humana, não existem “’raças’
biológicas, ou seja, não há um mundo físico e material nada que possa ser corretamente
classificado como ‘raça’”. (GILROY apud GUIMARÃES, 2006, p. 46). Mas, esse
argumento fica no campo biológico, porque no mundo social, raça, além de ser uma
categoria política, é analítica também, pois “é a única que revela que as discriminações
e desigualdades, que a noção brasileira de ‘cor’ enseja, são efetivamente raciais e não
apenas de ‘classe” (GUIMARÃES, 2006, p.46).
Com isso, o sentido biológico do termo raça foi abandonado e está passando
por ressignificações, por meio do movimento negro brasileiro e das ciências sociais. O
movimento negro utiliza-se desse termo de forma estratégica, pois assim, consegue
valorizar o legado deixado pelos africanos, inclusive, informando como que nas
relações sociais brasileiras, algumas características físicas, por exemplo: formato do
nariz e da boca, cor da pele, tipo de cabelo, dentre outras, exercem ascendência,
intervém e até mesmo, decidem o rumo e o espaço que os sujeitos ocuparão na
sociedade (GOMES, 2004).
O entendimento de que o conceito de raça, no campo social existe, foi
confirmado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que
definem a raça como “a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e
negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito
biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado.” (BRASIL,
2004).
Outro conceito bastante utilizado nos estudos sobre as relações raciais é o de
etnia. O termo é derivado do grego ethnikos, adjetivo de ethos, e se refere a povo,
nação. O conceito de etnia baseado no pensamento de Cashmore (2000), diz respeito a
um grupo que possui algum grau de coerência, solidariedade, origens e interesses
comuns. Um grupo étnico é mais do que um ajuntamento de pessoas, às pessoas deve
ser agregado seu pertencimento histórico e cultural.
Gomes (2004) destaca que, “o uso do termo etnia ganhou força para se referir
aos ditos povos diferentes: judeus, índios, negros, entre outros. A intenção era enfatizar
que os grupos humanos não eram marcados por características biológicas herdadas dos
seus pais, mães e ancestrais, mas sim, por processos históricos e culturais”. (2004,
p.50).
Vale destacar, que ao serem subjugados, total ou parcialmente, os povos, tanto
nativos quanto do grupo de invasores, passam por provações e carências, que vão desde
material, até cultural, política e econômica e, em muitas vezes, por todas essas privações
juntas. Quando esses povos tomam consciência destas adversidades, se estabilizam, se
apóiam e se conformam para com àqueles que passaram pelas mesmas experiências. “O
grupo étnico é, portanto, um fenômeno cultural, mesmo sendo baseado originalmente
numa percepção comum e numa experiência de circunstâncias materiais desfavoráveis”
(CASHMORE, 2000, p.197).
Assim, o termo “raça” diz respeito aos atributos dispensados a certo grupo e
“grupo étnico” se refere a uma resposta original de um povo quando, em alguma
situação, se sente marginalizado pela sociedade. Um vocábulo que passou a ser utilizado
no Brasil e merece destaque é a expressão etnicorracial. Seu sentido determina que as
tensas relações raciais estabelecidas no país, vão para além das diferenças na cor da pele
e traços fisionômicos, mas correspondem também à raiz cultural baseada na
ancestralidade afro-brasileira que difere em visão de mundo, valores e princípios da
origem européia (Brasil, 2004, p.13-14).
Nesse sentido, raça e etnia são expressões que se fundem no contexto social
brasileiro, visto que ambos os termos são carregados de significações e podem
determinar o pensamento, a atitude e forma de ser e pensar o mundo e as nuances que o
cercam.

1.2.2 Preconceito – discriminação - racismo

A distinção entre os termos preconceito, discriminação e racismo é fundante


para o entendimento dos processos psicossociais em que tais comportamentos se
assentam. O preconceito, segundo Jones, “é o julgamento negativo e prévio dos
membros de uma raça, uma religião ou um dos ocupantes de qualquer outro papel social
significativo, e mantido apesar de fatos que o contradizem” (JONES, 1973, p.54), sendo
assim, o preconceito tem a ver com um conceito anterior, um julgamento prévio que
grupos majoritários ou dominantes encontram para manterem sua supremacia. Gomes
afirma que o “preconceito é um juízo de valor ou opinião que são formados
antecipadamente, sem haver conhecimento dos fatos ou ponderação” (Gomes, 2004,
p.54).
O preconceito tem uma dinâmica capaz de criar uma rede de relações entre
as pessoas que, de maneira gradativa, ganha corpo e transforma-se em percepções de
mundo. O maior problema é que essa dinâmica gera atitudes diante das variadas
situações e pessoas, produzindo deformidades nas relações sociais, como: o
homofobismo, o racismo, a discriminação, o sexismo, dentre outros (SANT’ANA,
2005).
Quanto à palavra discriminar que significa “estabelecer diferenças”,
“diferençar”, “discernir”, “distinguir” é possível, a partir disso, verificar que há uma
relação entre a prática do racismo e o ato dinâmico do preconceito. Enquanto o racismo
e o preconceito encontram-se no âmbito das doutrinas e dos julgamentos, das
concepções de mundo e das crenças, a discriminação é a adoção de práticas que os
efetivam (GOMES, 2004).
Pesquisa realizada por Cavalleiro sobre discriminação em escola pública da
Cidade de São Paulo evidencia que o preconceito racial está presente no cotidiano da
escola, desde quando as crianças muito pequenas entram na escola. Os exemplos que se
seguem deixam evidentes que as atitudes de preconceito representam situações de
conflitos e tensões geradas pela verberação de um grupo sobre outro. Esse tipo de
comportamento gera um sentimento de recusa ao contato com pessoas negras:

[Alguma criança da escola já xingou você?] Sim, a Dalila me chamou de cabelo


duro, daí eu falei para a professora. A Dalila falou que era mentira. Outro dia ela
falou que eu era bruxa. Eu falei de novo para a professora e a professora disse
que da próxima vez chamava o pai dela (...) ela é branquinha, mais baixa do que
eu, o cabelo é meio liso e cacheado (Márcia, 10 anos, negra, escola C) [Você tem
amigos negros?] Não. (...) Porque eu não gosto. [Tem algum motivo especial
para você não gostar?] Porque é muito feio. [Se você tivesse um vizinho negro,
você brincaria na casa dele?] Não. Não. Porque eu não gosto de negros. (Ignácio,
branco, 10 anos, escola B) (CAVALLEIRO, 2005, p. 85-87)

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de


Discriminação Racial, de 1966 considera discriminação racial, como sendo:

[...] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor,


descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular
ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em
igualdade de condição) de direitos humanos no domínio político, social, cultural
ou em qualquer outro domínio da vida pública (Art. 1º).

Dessa forma, as leis estão postas e apontam para o fim de toda e qualquer
prática de discriminação presente na sociedade, mas as ações das pessoas ainda são
insipientes nesse sentido.
O racismo é uma construção ideológica que afirma ser uma raça superior a
outra. São vários os racismos. As primeiras manifestações racistas aconteceram no
século XVI; dos colonizadores europeus contra as populações nativas das Américas e
contra os negros africanos. Mas, foi no século XIX, a partir da expansão do capitalismo
industrial, que o racismo se transformou numa política justificada ideologicamente e
praticada pelos Estados Europeus.
1.2.3 Racismo e capitalismo

Na primeira metade do século XIX, na Europa, estava estabelecida a livre


concorrência entre as empresas dos países industrializados em busca de mercados. As
crises cíclicas de superprodução, inerentes ao capitalismo, aliadas ao avanço
tecnológico geravam desemprego e a redução dos salários dos operários.

... a tendência centralizadora da concorrência, que leva os braços expulsos de um


setor para outros mais facilmente acessíveis, e transfere os bens que não podem ser
dispostos em um mercado para outros mercados , gradualmente aproximou as crises
individuais menores e as uniu em uma crise periodicamente recorrente. (ENGELS
apud ROMERO, 2009, p.28)

A redução da massa de mais-valia obrigava as empresas a aumentar a taxa de


mais-valia, através da redução dos salários, a fim de manter os lucros. “Por outro lado, a
queda da taxa de lucro que anda junto com a acumulação provoca necessariamente uma
luta concorrencial” (MARX, 1988). As falências eram inevitáveis. A reação política
dos operários desencadeou vários movimentos de protestos, a criação de poderosos
sindicatos e partidos políticos de cunho socialista. A saturação do mercado europeu agia
como um garrote. A saída foi a expansão do capitalismo para as regiões onde ele ainda
não existia como modo de produção dominante. Essa expansão imperialista se
concretizou na busca de mercados consumidores e fornecedores de matéria-prima a
preço irrisório. O objetivo era reaver os lucros que estavam em queda livre. Era,
também, a valorização do capital. E para isso era necessário o domínio e a submissão
dos povos da África, Ásia e Américas.

1.2.4 África, rico continente.

A África é um continente de muitos contrastes. Fora o berço de inúmeras


civilizações avançadas na antiguidade, mas em pleno século XIX ainda abrigava grande
parte de sua população organizada em tribos, cujo nível social e econômico remontava
as sociedades comunistas primitivas.
A agricultura, principal base da riqueza social, assentava-se sobre a posse coletiva
da terra e a sua utilização era familiar e/ou associada. Os campos eram trabalhados
com técnicas rudimentares e extensivas e utilizavam-se instrumentos simples de
ferro. Não eram conhecidos nem o arado nem a tração animal. A adubação, a
irrigação, a rotação dos gêneros cultivados etc. eram pouco desenvolvidas e
empregavam-se como energia o fogo e a força humana. (MAESTRI, 1988, p.23)

Sua imensa riqueza natural transformada em fonte de matéria-prima para as


indústrias européias atraiu a ambição empresários europeus. Mas, como transformar
essas populações cuja organização social era tribal e praticante de uma agricultura de
subsistência e auto-sustentável em assalariados a serviço da empresa européia e em
consumidores dos produtos de suas indústrias. Só havia um jeito: tomar-lhes as terras. E
isso foi feito através do incentivo às guerras tribais com a conivência e o apoio de um
setor dessa população que constituía o setor social privilegiado.
Foi, portanto, um processo violento em que os governos europeus utilizaram a
força militar para subjugar e explorar as populações do continente africano. A
imposição da cultura européia se deu em simultaneidade com a desvalorização da
cultura local. Uma guerra de conquista foi perpetrada, um massacre foi consumado. E
esse verdadeiro genocídio precisava ser justificado perante as Instituições guardiãs da
democracia burguesa.

1.2.5 A justificativa ideológica

Mas o século XIX foi também o século da afirmação e consolidação da


sociedade capitalista cujo lema continuava sendo a igualdade, a fraternidade e a
solidariedade exortado na revolução francesa e que estava sendo exportado da França
para o restante da Europa. A França pós-revolucionária detinha o modelo de civilização
a ser seguido e a Inglaterra o modelo econômico. Haveria, então, que surgir uma
justificativa plausível para oprimir e explorar os povos africanos: a superioridade racial
dos brancos sobre os negros.
Assim, o racismo assumiu as vestes de missão redentora da civilização
europeia sobre a barbárie negra. A guerra de conquista assumiu o manto de missão
civilizatória. A ciência, sem o véu da imparcialidade, mostrou sua verdadeira face:
surgiu o eugenismo, que pretendeu comprovar a superioridade biológica da raça branca
sobre a raça negra. Portanto, o racismo é uma política cuja justificativa ideológica
esconde sua verdadeira intenção: valorizar o capital.

1.2.6 Racismo e imperialismo

Nosso tempo histórico é o da fase imperialista do capital. A decadência desse


modo de produção é evidenciada na impossibilidade de valorizar-se sem que milhões de
seres humanos sejam condenados à masmorra da exclusão social, da miséria e da fome;
da impossibilidade de valorizar-se sem que o planeta seja colocado em risco de se tornar
inviável à vida. “E num momento de crise estrutural do sistema do capital global em
que mesmo os resquícios mínimos para a satisfação humana são insensivelmente
negados à esmagadora maioria da humanidade (MESZAROS, 2008, p.73). E, na medida
em que a concentração capitalista avança, fica cada vez mais difícil para o capital
exercer a sua verdadeira vocação: valorizar-se. A decadência desse sistema econômico
engendra a decadência da atual sociedade.
“Assim, os racismos tendem a aumentar em todo o planeta. Povos ou minorias
etnicorraciais serão discriminadas para justificar a super-exploração.” (Marxismo Vivo,
2007, p. 61). Para o ativista negro estadunidense Malcoln-X, “Não há capitalismo sem
racismo”.

1.2.6 O Capitalismo brasileiro e o racismo contra os afrodescendentes

Se o atual sistema hegemonicamente vigente tem uma só matriz e é


planetário, o desenvolvimento desse modo de produção é diferente em diferentes países.
Tendo como referência os países centrais, o capitalismo brasileiro sofreu um atraso, na
sua implantação, de mais de cem anos. Para BASBAUM, a versão do capital que
chegou ao Brasil ocorreu de cima para baixo, como decorrência e para atender as
necessidades da expansão imperialista. (BASBAUM, 1975). Aqui o sistema econômico
surgiu dependente dos capitais externos, dependente do Estado e num país de mercado
interno pífio. Subalterno e periférico, o capitalismo brasileiro sofre, desde o seu início, a
dependência dos países centrais do sistema.
A maior parte da riqueza nacional é enviada para os países centrais através do
pagamento de juros das Dívidas externa e interna; da remessa de lucros das empresas
transnacionais etc. Pelas razões da natureza do capitalismo-centralizador e
concentrador- essa exigência tende a ser cada vez maior. “Os governos adotarão
políticas para a redução dos direitos trabalhistas e sociais, de reduções salariais e
desemprego.” (MV, 2008, p.37)
Por conta do exposto acima pode ser inferido que a discriminação racial
imposta aos afrodescendentes e expressa na forma discriminação salarial tende a
aumentar. Se homens negros e mulheres negras recebem menos que homens brancos e
mulheres brancas pelo mesmo trabalho, esse fosso social pode se aprofundar. Percebe-
se assim que as demandas por políticas públicas compensatórias e de reparação se
intensificarão nos próximos períodos a serem mantidas essas tendências.
A condição para a eliminação definitiva da discriminação racial sobre a
população afrodescendente brasileira só poderá vir a partir do fim do capitalismo no
Brasil. Enquanto esse fim não ocorre cabe aos movimentos sociais organizados exigir
do Estado Brasileiro a adoção de políticas que diminuam as desigualdades, dentre elas
as de ações afirmativas, como veremos a seguir.

1.2.7 Política de ações afirmativas

Para atender as reinvindicações de grupos sociais por políticas específicas que


pudesse diminuir as desigualdades foi criado, por Decreto Presidencial de 20 de
novembro de 1995, o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI). Este Grupo apresenta o
conceito de ações afirmativas, como:

medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo estado,


espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades
historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e
tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e
marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e
outros. Portanto, as ações afirmativas visam combater os efeitos acumulados em
virtude das discriminações ocorridas no passado. (GTI, 1997; SANTOS,
2001;SANTOS, 2005).

O GTI foi encarregado de formular políticas públicas para valorização e


promoção dos direitos dos afro-brasileiros e para a valorização da população negra. Foi
o primeiro ato de reconhecimento do racismo pelo Estado Brasileiro.
As ações afirmativas não são necessariamente desenvolvidas pelo Estado, elas
podem partir de instituições da sociedade civil, que tenham autonomia suficiente para
decidir por meio de seus regimentos internos, tais como: centrais sindicais, escolas,
igrejas, partidos políticos, sindicatos, instituições privadas, dentre outras. Portanto, as
ações afirmativas, podem ser temporárias ou não, isso fica a critério dos princípios em
que foram pautadas.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana definem que
políticas de reparações e de reconhecimento devam formar ações afirmativas, isto é:
“conjuntos de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e sociais,
orientadas para oferta de tratamento diferenciado com vistas a corrigir desvantagens e
marginalização criadas e mantidas por estrutura social excludente e discriminatória”
(BRASIL, 2004, p.5).
A partir das reflexões a respeito dos conceitos apresentados observa-se que a
exclusão ocorre a parcelas da população que não têm acesso a bens e serviços. Nessa
parcela encontram-se os jovens e adultos que não tiveram acesso aos estudos em idade
própria.
Assim, vale destacar alguns dados sobre as taxas de analfabetismo na
população negra, para que, a partir disso, seja possível uma análise mais precisa de
como se opera a exclusão de parcelas da população de acesso a direitos básico como é o
caso da educação.
A Tabela 1 demonstra que o analfabetismo entre a população negra de 15
anos ou mais, no ano de 2003, era de 16,84% e entre os brancos era de 7,09%. Já o
analfabetismo entre as mulheres negras era de 16,47% em contraposição à taxa de
mulheres brancas que era de 7,42%, portanto, é necessário, com base nesses números a
instituição de políticas de alfabetização de adultos que levem em conta as desigualdades
de gênero e raça, esses números sugerem também, que as políticas de alfabetização de
jovens e adultos precisam focar estes grupos em sua concepção e implementação.

TABELA 1 - Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade por sexo
segundo cor/raça – 2003
Brasil e Grandes Regiões – 2003
Grandes Regiões e Cor / População total (%) Homens (%) Mulheres(%)
Raça
Brasil 11,56 11,67 11,45
Branca 7,09 6,71 7,42
Negra 16,84 17,22 16,47
Norte 10,56 10,85 10,28
Branca 7,19 7,33 7,06
Negra 11,77 11,99 11,55
Nordeste 23,17 25,14 21,34
Branca 17,69 19,72 15,96
Negra 25,40 27,20 23,66
Sudeste 6,81 5,92 7,61
Branca 5,03 4,10 5,84
Negra 10,02 9,03 10,98
Sul 6,37 5,75 6,94
Branca 5,24 4,64 5,80
Negra 12,10 11,08 13,14
Centro-Oeste 9,47 9,74 9,20
Branca 6,89 6,74 7,02
Negra 11,52 11,98 11,06
Fonte: IBGE/Pnad microdados.
Elaboração: Ipea/Disoc e Unifem.
Nota: Analfabeta é a pessoa que não é capaz de ler um bilhete simples.
Os indicadores que apontam o acesso à educação, na Tabela 2, mostram a
média de anos de estudo da população brasileira de 15 anos ou mais, apresentam que a
universalização do acesso à educação no país, no que diz respeito à população negra,
ainda está longe de acontecer. Percebe-se que, enquanto os brancos têm-se uma média
de 7,61 anos de estudo, os negros apresentam, em média 5,61 anos de estudo.
Ainda na mesma tabela, observa-se a intersecção entre discriminação de raça
e de gênero. Os números apresentam que a média de anos de estudos de um jovem
negro é de 5,48; de um jovem branco é de 7,58. Entre as mulheres negras a média de
anos de estudos é de 5,82 e para as mulheres brancas é de 7,64 anos.
Com isso, a expressiva diferença entre jovens negros e brancos, de 2,1 e
entre as jovens negras e brancas é de 1,82. A intensidade da discriminação racial, na
escolaridade formal, fica explícita e continua extremamente alta, sobretudo se for
considerado que trata-se, em média, de dois anos de estudos em uma sociedade cuja
escolaridade média dos adultos gira em torno de 6 anos.

TABELA 2 - Média de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais de


idade por sexo segundo cor/raça
Brasil e Grandes Regiões - 2003
Grandes Regiões e População Total Homens Mulheres
Cor / Raça
Total 6,72 6,60 6,83
Norte 6,61 6,39 6,81
Nordeste 5,32 4,96 5,65
Sudeste 7,40 7,42 7,38
Sul 7,12 7,12 7,14
Centro-Oeste 6,95 6,73 7,16
Branca 7,61 7,58 7,64
Norte 7,52 7,36 7,66
Nordeste 6,34 4,58 6,66
Sudeste 8,04 8,11 7,98
Sul 7,39 7,36 7,42
Centro-Oeste 7,85 7,71 7,98
Negra 5,65 5,48 5,82
Norte 6,27 6,06 6,49
Nordeste 4,90 4,58 5,21
Sudeste 6,24 6,24 6,24
Sul 7,39 5,73 5,66
Centro-Oeste 7,85 5,98 6,46
Fonte: IBGE/Pnad microdados.
Elaboração: Ipea/Disoc e Unifem.
Nota: Média de anos de estudo: fornece a média de séries concluídas com aprovação.
Obs: É considerada população negra a composição de pardos e pretos.

É importante verificar que não só na educação, mas se fosse realizada uma


análise dos indicadores sociais nos setores do trabalho e emprego, da saúde e da
segurança, os números seriam próximos aos apresentados no setor da educação.

Considerações finais
O texto apresentado não constitui uma receita para ser seguida a risca, mas sim
uma tentativa de provocar a discussão sobre uma série de fatores culturais, históricos,
políticos e sociais que estão presentes no âmbito da escola e que interferem de forma
positiva e/ou negativa no trabalho didático-pedagógico do cotidiano da sala de aula.
A diversidade etnicorracial deve ser pensada não apenas pelos professores
regentes, mas por toda a comunidade escolar, aqui entendida como: alunos e alunas,
pessoal técnico-administrativo, pessoal de conservação e limpeza, pais, mães e
responsáveis e, mais especificamente, pelos gestores educacionais, que são figuras que
têm trabalho determinante para que o sucesso escolar ocorra.
Por fim, a escola tem que ser um espaço livre de preconceitos, de racismo, de
discriminação e de estereótipos, que, querendo ou não, são atitudes que corroboram de
forma decisiva para o desencadeamento de ações de violência, hostilidade, evasão e
repetência no contexto escolar

Referências bibliográficas

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