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Como Deleuze e Guattari (1991, 192 p.) afirmam, “o pintor não pinta sobre uma tela virgem,
nem o escritor escreve sobre uma página em branco, mas a página e a tela estão de tal forma
cobertos de clichês preexistentes, preestabelecidos, que é preciso primeiro apagar, limpar, limar,
mesmo estraçalhar para fazer passar uma corrente de ar, vinda do caos, que nos aporta a visão”. À
luz dessa posição, é igualmente possível afirmar que a “página em branco” de uma tese sobre
Nietzsche está igualmente coberta de clichês sobre Nietzsche. Com o intuito de evitá-los, não
abordarei o texto de Nietzsche diretamente. Primeiramente, me deterei sobre o que foi dito acerca
desse por Heidegger, Foucault e Moore. Ver DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Qu´est-ce que la
philosophie?, ed.Minuit., Paris, 2005 (1991). 192 p. Minha tradução.
2
Ver MARTON, S (org). Nietzsche na Alemanha. SP, ed. Unijuí, 2005. _______ Nietzsche abaixo
do equador: A recepção na América do Sul. SP, ed. Unijuí, 2006. _______ Nietzsche pensador
Mediterrâneo: A recepção italiana. SP, ed. Unijuí, 2007. _______ Nietzsche, um “francês” entre
franceses. SP, ed. Unijuí, 2009.
3
Primeiramente, as preleções de Heidegger ocorreram na Universidade de Freiburg “entre os
difíceis anos de 1936 e 1940” –– observa Casanova na apresentação do primeiro volume da
edição brasileira. O segundo volume da edição nacional –– ainda de acordo com Casanova –– é
composto pelas “preleções do semestre de verão de 1939 que não chegaram a ser apresentadas, de
uma preleção do primeiro trimestre de 1940 interrompida pela convocação geral para o auxílio no
serviço de colheita e de ensaios datados como tendo sido escritos em 1941 e 1944-46”. A
publicação desses textos, entretanto, só ocorreu em 1961. A tradução brasileira data de 2007.
18
2.1
O problema mente e corpo
2.1.1
Dualismo Metafísico Invertido
4
Mais recentemente, as interpretações de Poellner (1995) e de Richardson (1996) também seguem
esse viés. Ver POELLNER, P. Nietzsche and Metaphysics. Oxford: Oxford University Press,
1995.RICHARDSON, J. Nietzsche’s system. NY: Oxford University Press, 1996.
20
nada seria de fato mais forçado e sobretudo mais inútil do que tentar encobrir ou
mesmo apenas atenuar a evidente terminologia biologista de Nietzsche do que
tentar ignorar que essa terminologia implica um modo de pensar biologista e que
ela não é, com isso, nenhuma capa extrínseca. Não obstante, a caracterização
corrente, e, em certo aspecto, até mesmo correta, do pensamento de Nietzsche
como biologismo apresenta um obstáculo principal para uma penetração em seu
pensamento fundamental.
5
Ainda assim, é preciso ressaltar que as relações do próprio Heidegger com o nazismo são
consideravelmente ambíguas. Nesse viés, ver DERRIDA, J. Do Espírito. SP, ed. Papirus, 1990
(1989). E SHEEHAN, T. Reading a life: Heidegger and hard times. In Cambridge companion to
Heidegger. Cambridge, Cambridge University Press, 1993.
6
Posteriormente (1959), Heidegger pretende mostrar que a poesia também teria essa tarefa. Ver
Heidegger, M. A caminho da linguagem. RJ, ed. Vozes, 2008 (1959).
22
7
O seguinte extrato pode ser lido nesse sentido: “nós nunca nos encontramos “acima” da história e
muito menos “acima” da história da metafísica, se é que ela é o fundamento essencial de toda
história” [nosso grifo] (Heidegger, 1961, vol II, 151 p.) O período grifado aponta para uma
relativização da posição que Heidegger assume a maior parte do tempo. Nesse momento, ele
parece dizer que talvez a história da metafísica não seja o fundamento essencial da história e que,
sendo assim, outras histórias do Ocidente também poderiam ser narradas.
8
HEIDEGGER, M. A tese de Kant sobre o ser. In_______ Conferências e escritos. SP, ed.Abril,
1994 (1962). 237 p.
9
Ibid.
23
compreendida como uma criação histórica nova, mas como uma descoberta a-
histórica verdadeira acerca da história do Ocidente. A metafísica, em suma,
inevitavelmente perpassaria todos os pensamentos. É nesse viés que Heidegger
(1961, vol I, 395 p; vol I, 383 p. respectivamente) diz que
10
Ver ainda Heidegger (1961, vol I, 198 p, 199 p e 418 p.).
24
11
Tomemos a análise de Heidegger sobre Descartes como um exemplo de sua análise histórico
metafísica. Heidegger (1961, vol II, 98 p.) diz que, com Descartes, “a pergunta sobre o ‘método’,
isto é, a pergunta sobre como ‘encontrar o caminho’, a pergunta sobre a conquista e a
fundamentação de uma segurança fixada pelo próprio homem ganha o primeiro plano”. Mas “a
sentença ‘ego cogito, ergo sum’ não é a primeira e a mais certa em um sentido genérico e
indeterminado para qualquer opinar e representar. Ela só o é para aquele pensamento que pensa no
sentido da metafísica e de suas tarefas primeiras propriamente ditas, isto é, para aquele
pensamento que pergunta o que é o ente e no que está fundada de maneira inabalável a verdade
sobre o ente” (1961, vol II, 117 p.).
12
Heidegger (1961, vol I, 137 p.) ressalta a diferença entre Platão e platonismo do seguinte modo:
“dizemos platonismo e não Platão porque não pretendemos dar sustentação à concepção de
conhecimento aqui em questão a partir de uma análise originária e minuciosa da obra de Platão,
mas apenas realçamos de maneira rudimentar um traço determinado por ela”.
25
13
Ainda que Heidegger não mencione diretamente os intérpretes aos quais ele se contrapõe, é
evidente que a sua pretensão é dissociar Nietzsche de uma leitura biológica. Ver, sobretudo, as
seções intituladas “O suposto biologismo de Nietzsche” (1961, vol I, 402p.) e “A interpretação
“biológica” do conhecimento dado por Nietzsche” (1961, vol I, 459 p.).
26
2.1.2
Monismo ficcionalista
14
FOUCAULT, M. Le retour de la morale (entrevista com G. Barbette e A. Scala, em 29 de maio
de 1984). In Dits et écrits, vol IV. Paris, ed. Gallimard, 1994 (1984), 703p. Minha tradução.
27
15
Ibid.
16
Ibid.
28
O objeto da genealogia nietzschiana, por sua vez, não seria expresso pela
palavra Ursprung, mas, sim, pela noção de Herkunft –– “proveniência” na
tradução de Foucault. A pesquisa da “proveniência” (Herkunft) se oporia aos três
postulados da Ursprung: Nietzsche não pretenderia buscar uma origem pré-
histórica “essencial”, “perfeita” e “verdadeira”; tratar-se-ia, sim, de se perguntar
por um
17
Melo Sobrinho (2003, 57p.) segue essa posição, ao concluir seu artigo afirmando explicitamente
que “é possível que Heidegger tenha querido para si o mérito de ter ultrapassado a metafísica, mas,
na verdade, ele também parece ter caído vítima de seus próprios argumentos”. Ver MELO, N. C.
S. de. A interpretação de Heidegger a propósito da crítica de Nietzsche ao sujeito cartesiano. In
Comum. RJ, v. 7, n. 20, p. 35-69, 2003.
18
Ver HEIDEGGER, M. A tese de Kant sobre o ser. In_______ Conferências e escritos. SP, ed.
Abril, 1994 (1962). 237 p.
19
Em linhas gerais, a crítica de Derrida (1989 ) à Heidegger também aponta para esse viés. Ver
DERRIDA, J. Do Espírito. SP, ed. Papirus, 1990 (1989). Nesse sentido, Rorty (1991, 130 p.) diz
que “a avaliação que Derrida faz de Heidegger sugere a seguinte imagem: o primeiro Heidegger
percebe as similaridades entre Platão e Hegel (apesar do historicismo de Hegel); o segundo
Heidegger percebe as similaridades fatais entre os dois, Nietzsche e o próprio primeiro Heidegger.
Derrida vê as similaridades fatais entre todos os quatro e o próprio segundo Heidegger. Assim,
vemos Hegel, Nietzsche, Heidegger, Derrida, bem como os comentadores pragmatistas desse
último –– dentre os quais me incluo ––, lutando pela posição de primeiro antiplatonista radical da
história. Essa tentativa algo ridícula de ser sempre mais não-platônico produziu a suspeita de que,
como bonecos de dar corda, os filósofos desse século ainda estariam implementando as mesmas
inversões dialéticas entediantes que Hegel fez até a morte na Fenomenologia, e que Kierkegaard
gostava de chama de ‘corridas atrás do próprio rabo’. A única diferença talvez seja que todo
mundo está agora tentando se afastar cada vez mais do conhecimento absoluto e do fechamento
filosófico, ao invés de se mover para um espaço cada vez mais próximo deles”. Ver RORTY, R.
Desconstrução e artimanha. In _______ Ensaios sobre Heidegger e outros: escritos filosóficos 2.
RJ, ed. Relume Dumará, 2002. Trad: Marco Antônio Casanova.
29
(a) contingente
(b) imperfeito e
(c) falso.
Em outras palavras: por um “ficcional / cultural” historicamente
estabelecido. Nietzsche explicitaria, assim, que não existe uma forma ou natureza
humana perfeita, verdadeira e originária para além dessas construções histórico /
culturais. De modo que seria ele –– e não Heidegger –– quem problematizaria o
pensamento metafísico. Nesse sentido, as perguntas “diretriz” e “fundamental”20o
que é o ente? e o que é o ser? não estariam presentes na obra nietzschiana21. Na
verdade, a questão de Nietzsche seria, sobretudo, política: i.e., uma vez que só
existem descrições epistemologicamente e metafisicamente i-legítimas de
proveniência (Herkunft) histórica, meras “ficções”22 que se inscrevem sobre o
corpo, é preciso se deter genealogicamente sobre quem? fala culturalmente a
partir dessas ficções como se elas fossem verdades23. Nas palavras de Foucault
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20
Ver Heidegger (1961, vol I, 61 p. )
21
Foucault não aborda a vontade de poder nesse artigo. Mas é importante frisar que intérpretes
ficcionalistas, tais como Nehamas (1985) e Wotling (1995), não acreditam que esse conceito
implicaria um pensamento metafísico. Segundo eles, a vontade de poder seria uma “ficção
reguladora”, uma “hipótese”. Ver NEHAMAS, A. Nietzsche, life as literature. Cambridge, ed.
Harvard University Press, 1985. E WOTLING, P. Nietzsche et le problème de la civilization. Paris,
ed. Puf, 1995.
22
Nesse viés, Klossowski (1963, 193 p.) diz que, para Nietzsche, “o mundo tal e qual não é senão
fábula: fábula significa alguma coisa que se conta e que existe apenas dentro da narrativa”. Ver
KLOSSOWSKI, P. Nietzsche, le polythéisme et la parodie. In Un si funeste désir. Paris, ed.
Gallimard, 1963, 193 p. Minha tradução.
23
Para uma diferenciação mais detalhada entre as questões o que é? e quem?, ver DELEUZE, G.
Nietzsche et la philosophie. Paris, ed. Puf, 2005. 86p. Ressalto, porém, que não acredito que
Deleuze deva ser incluído entre os intérpretes ficcionalistas de Nietzsche. Farei outras referências
a sua leitura ao longo do texto que justificam essa posição.
30
então, a tarefa da filosofia seria filológica: i.e., seria preciso deter-se sobre textos24
que explicitem a “proveniência” (Herkunft) histórica das metáforas que se
inscrevem sobre o corpo. A abertura do artigo de Foucault aponta para essa
direção: “a genealogia”, diz Foucault (1971, 12 p.), “é cinza; ela é meticulosa e
pacientemente documentária. Ela trabalha com pergaminhos embaralhados,
riscados, várias vezes, reescritos.” Por outro lado, Nietzsche pretenderia explicitar
que o próprio corpo cria resistências. Há, em suma, uma “emergência”
(Entstehung) de forças singulares que resiste a qualquer apreensão histórica e que,
desse modo, instaura a descontinuidade entre as diferentes metáforas
culturalmente estabelecidas. Por conseguinte, seria impossível separar
dualisticamente corpo e cultura, tratar-se-ia, sim, de pensar o corpo culturalmente
por meio dessas duas noções. Essa posição implica a solução para o problema
mente e corpo definida acima: i.e., o Monismo Ficcionalista. A passagem a seguir
(Foucault, 1971, 18 p.) justifica essa afirmação:
pensamos em todo caso que o corpo tem apenas as leis de sua fisiologia, e que ele
escapa à história. Novo erro; ele é formado por uma série de regimes que o
constroem; ele é destroçado por ritmos de trabalho, repouso e festa; ele é
24
Nesse sentido, Wotling (1995, 43 p.) afirma que “independente do problema abordado”, seu
pensamento [o de Nietzsche] se apresenta sempre como uma elucidação de um ‘texto’”. Ver
WOTLING, P. Nietzsche et le problème de la civilization. Paris, ed. Puf, 1995. Minha tradução.
31
25
Blondel (1986, 286 p.), p.ex., afirma que “o mundo subterrâneo das pulsões inconscientes é
menos uma causa ou uma natureza do que um invisível”. Ver BLONDEL, E. Nietzsche, le corps et
la culture. Paris, ed. Presses Universitaires de France, 1986, 286 p. Minha tradução.
32
26
FOUCAULT, F. Verdade e Poder. In Microfísica do poder. RJ, ed.Graal, 2000 (1977) Trad:
Roberto Machado. 9 p. Ver original Verité et pouvoir, in "L’Arc", nº70, 1977. Entrevista
originalmente publicada como introdução de Microfisica del Potere, Torino, Einaudi, 1977.
27
Para uma abordagem mais detalhada da questão do estilo de Nietzsche, ver KOFMAN, S.
Nietzsche et la métaphore. Paris, ed. Payot, 1971. E DERRIDA, J. Éperons: les styles de
Nietzsche. Venezia, ed. Corbo e Fiori, 1976.
28
Nesse sentido, Rosset (1973, 300 p.) afirma que “o trágico na existência é prescindir de qualquer
referencial ontológico”. ROSSET, C. A antinatureza: elementos para uma filosofia trágica. RJ, ed.
Espaço e tempo, 1989 (1973).
29
Seguindo esse caminho, Lampert (1993, 347p.) argumenta que “a filosofia pode se tornar
vítima da verdade, de um “conhecendo”, o qual a filosofia sabe ser uma série de opiniões
autoritárias que se passam por conhecimento. Nenhum filósofo jamais acreditou em
“conhecedores”, mas agora a filosofia se defronta com uma raça global de conhecedores
legitimados por um método científico uniforme e a autoridade de um saber universal. Um dia
talvez nós pereçamos dessa estupidez, talvez um dia a filosofia será abolida por essa nova religião
que “conhece” o fim do homem, a religião bacon / cartesiana”.
Ver LAMPERT, L. Nietzsche and modern times. NH, ed. Yale University Press, 1993, 347 p.
Minha tradução.
33
2.1.3
Monismo Naturalista
30
A seguinte passagem de Müller-Lauter (1978, 163p.) é um indicativo particularmente forte dessa
tática argumentativa: “eu”, diz Müller-Lauter, “estimo que só é possível estabelecer uma coerência
global da obra filosófica tardia de Nietzsche, quando se leva em conta os póstumos numa medida
maior do que seria oportuno em relação a outros autores. Para mim, testar a coerência interna do
pensamento nietzschiano não é somente legítimo –– isso constitui igualmente uma tarefa filosófica
necessária, mesmo que, para tanto, seja preciso citar um número não habitual de notas
fragmentadas retiradas dos póstumos e ler umas a partir das outras. É preciso, então, “construir”,
desse modo preciso se nós queremos levar Nietzsche a sério como filósofo: deve-se fazer isso,
naturalmente, com muita precaução e se orientando exclusivamente no que ele redigiu”. [meus
grifos]
Ver MÜLLER-LAUTER, W. L´organism comme lutte intérieure. In Physiologie de la volonté de
Puissance. Paris, ed. Allia, 1998 (178), 163p. Trad: J. Champeaux. Minha tradução do francês para
o português.
34
31
Stiegler (2001, 28p, 54p e 71p ) aproxima a filosofia de Nietzsche de Simondon; Richardson
(2004, 43-44p., 53p., 58p., 61p. e 82p.), de Dawkins. Ver STIEGLER, B. Nietzsche et la biologie.
Paris, ed. Puf, 2001. RICHARDSON, J. Nietzsche´s new darwinism. Oxford, ed. Oxford
University Press, 2004.
32
DENNETT, D. A perigosa ideia de Darwin: a evolução e os significados da vida. RJ, ed.
Rocco, 1998, 37 p.
35
meio. Há, em suma, uma luta pela sobrevivência (“struggle for existence”). De
maneira que “qualquer variação na estrutura do organismo –– não importa quão
pequena” (Moore, 2002, 58p.) –– à qual o torne mais bem adaptado ao meio será
bem sucedida: i.e., fará com que ele sobreviva e, sendo assim, se reproduza;
enquanto os demais organismos menos adaptados morrem e não se reproduzem.
Como essas variações bem sucedidas tendem a ser herdadas pelos descendentes
do organismo, com o passar de longos períodos de tempo, a espécie como um
todo evolui. Darwin procurou mostrar como tal era possível. Mas a seguinte
pergunta insistia: “como e por que essas variações surgem?”. Ou seja, por que
uma adaptação favorável não se torna majoritária e a espécie pára de variar? A
teoria de Darwin não conseguia responder essas questões empiricamente. Moore
(2002, 24p.) conclui, então, que a
herdadas que a seleção natural tem algum material a partir do qual ela pode
trabalhar. Mas como e por que essas variações surgem? A ausência de um
entendimento da natureza e do veículo da hereditariedade até a redescoberta das
leis da genética de Gregor Mendel em 1900 afetaria drasticamente o modo como
a teoria de Darwin foi interpretada e recebida pelos seus contemporâneos. [meus
grifos]
33
Ver MÜLLER-LAUTER, W. L´organism comme lutte intérieure. In Physiologie de la volonté
de Puissance. Paris, ed. Allia, 1998 (178), 163p. Trad: J. Champeaux. Minha tradução do francês
para o português. STIEGLER, B. Nietzsche et la biologie. Paris, ed. Puf, 2001. E RICHARDSON,
J. Nietzsche´s new darwinism. Oxford, ed. Oxford University Press, 2004.
34
Richardson (2004), por sua vez, privilegia as respostas de Nietzsche ao próprio Darwin. Ver
RICHARDSON, J. Nietzsche´s new darwinism. Oxford, ed. Oxford University Press, 2004.
36
35
Müller-Lauter (1974) ressalta que Nietzsche escreve constantemente vontades de poder no
plural. Ver MÜLLER-LAUTER, W. La pensée nietzschéenne de la volonté de puissance. In
Physiologie de la volonté de Puissance. Paris, ed. Allia, 1998 (1974), 163p. Trad: J. Champeaux.
38
Não é difícil mostrar, então, que ao aferir essa posição a Nietzsche, Moore
pressupõe que a solução nietzschiana para o problema mente e corpo seria o
Monismo Naturalista definido acima. Moore (2002, 65 p.) diz que, para
Nietzsche,
36
Ver Heidegger (1961, vol I, 402 p.)
39
Moore não acredita que Heidegger define metafísica como uma concepção
acerca da totalidade dos entes –– tal como defendi na minha apresentação da
leitura de Heidegger. “Metafísica” no sentido que Moore confere a Heidegger
significaria o mero uso de uma linguagem antropomórfica. O termo “metafísica”,
portanto, não especificaria o texto de Nietzsche em relação a qualquer outro e se
tornaria pouco informativo nesse viés: i.e., uma vez que é impossível conceber um
texto que não seja antropomórfico, é igualmente impossível pensar um texto que
não seja metafísico. O pensamento de Nietzsche seria, então, “metafísico” como
todos os demais, mas esse termo não serviria para especificar sua filosofia, à qual
na visão de Moore (2002, 8 p.) deveria ser entendida como “metafísica e
biológica”. Ou seja: uma descrição empírico / fisiológica dos entes que
inevitavelmente faz uso de uma linguagem antropomórfica, “metafísica”. Moore
(2002, 13p.) também critica implicitamente37 a leitura de Foucault. Segundo ele,
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pode parecer
37
Curiosamente, ainda que Moore cite recorrentemente A história da sexualidade de Foucault, o
artigo desse último sobre Nietzsche não é mencionado nem na bibliografia.
40
2.2.
Doença e saúde
2.2.1
Metafísica
38
Na edição alemã: vol I, 494p, 523p, 524p respectivamente. Ver HEIDEGGER, M. Nietzsche
(vol I e II). Koch, ed. G. Neske, 1961.
41
Se interpretarmos essa passagem, à luz dos três extratos abaixo, não será
difícil concluir que a partir dos elementos fornecidos pela interpretação de
Heidegger, só parece ser possível aferir a Nietzsche concepções metafísicas de
doença e de saúde. Segundo Heidegger (1961, vol I, 402 p; vol II, 150 p., Ibid.
respectivamente):
39
Na edição alemã: vol I, 525 p.
40
Na edição alemã: vol I, 532p.
42
2.2.2
Cultural
41
Num âmbito teatral, Thomas Bernhard (1984) desenvolve uma visão da lógica como uma
espécie de clínica. Na sua peça –– “Ritter, Dene, Voss”, no original; “Déjeuner chez Wittgenstein”
(“Almoço com Wittgenstein”) na tradução francesa –– “Frege” é o nome do doutor, cuja pretensão
é curar “Wittgenstein”, o doente mental. Ver BERNHARD, T. Déjeuner chez Wittgenstein. Paris,
ed. l´arche, 1997.
42
Wotling (1995), nesse sentido, é uma exceção entre os intérpretes ficcionalistas de Nietzsche,
posto que ele procura mostrar como seria possível ler esse vocabulário medicinal de Nietzsche
metaforicamente. Ver WOTLING, P. Nietzsche et le problème de la civilization. Paris, ed. Puf,
1995. Sobretudo, parte II, Capítulo I.
43
Acontece também que a força luta contra si mesma: e não somente na embriaguez
de um excesso que lhe permite se dividir, mas no momento em que ela se
enfraquece. Contra sua lassidão ela reage, extraindo sua força desta lassidão que
não deixa então de crescer, e se voltando em sua direção para abatê-la, ela vai lhe
impor limites, suplícios, macerações, fantasiá-la de um alto valor moral e assim
por sua vez se revigorar. Este é o movimento pelo qual nasce o ideal ascético “no
instinto de uma vida em degenerescência [Degenerirenden Lebens] (...) que luta
por sua existência. 43 [meu grifo]
Foucault indica que haveria uma relação entre “forças” e doença (no caso,
“degeneração”) na obra nietzschiana: as forças fracas que perderam seu “vigor”
são doentes, degeneradas; as forças fortes que vigoram são saudáveis, “generadas”
[sic]. De modo que –– como indica a segunda passagem acima –– o ideal ascético
seria o resultado de uma força que age contra si mesma. O jogo de forças
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43
Na edição francesa: 143 / 144p. Ver FOUCAULT, F. Nietzsche, la genealogie et histoire. In
Dits et écrits (vol II). Paris, ed. Gallimard, 1994 (1971).
44
O problema é que poder-se-ia dizer que Foucault adota uma espécie de ontologia das forças
singulares e que a partir dessa nova ontologia ele diferencia doença (forças fracas, inferiores,
reativas) e saúde (forças fortes, superiores, ativas). Essa posição, porém, parece mais próxima da
leitura que Deleuze faz de Nietzsche (1962) e da pretensão deleuziana (1968) de criar uma
ontologia da imanência ou da diferença e da repetição do que dos projetos arqueológico e
genealógico que Foucault (1961, 1963, 1975) desenvolve nos seus outros livros. Por conseguinte,
44
não acredito que o artigo de Foucault deva ser lido assim, de modo que me limito a observar que
esses extratos são problemáticos. Além disso, é importante citar a seguinte crítica que Wotling
(1995, 101 p.) faz a esse aspecto da leitura de Deleuze: “se a descrição do corpo a partir do modelo
da hierarquia dos instintos ou das forças permite concluir que existem instâncias dirigentes e
subordinadas; é, todavia, transgredir as condições de validade da metáfora, hipostasiar essas
instâncias e falar das forças superiores e inferiores em um sentido absoluto. Uma tal leitura
reintroduz o dualismo, ou mesmo a moral, no pensamento de Nietzsche. É por conta disso que a
interpretação de G. Deleuze, à qual tenta atingir, de imediato, uma definição do ativo e do reativo a
partir da hierarquia de forças nos parece precipitada” .Ver DELEUZE, G. Nietzsche et la
philosophie. Paris, ed. Puf, 2005. _______ Diferença e repetição. SP, ed. Graal, 2006 (1968).
FOUCAULT, M. História da Loucura na Idade Clássica, SP, ed. Perspectiva, 1978 (1961).
_______ Nascimento da Clínica, SP, ed. Forense, 1963. _______ Vigiar e punir. RJ, ed.
Petrópolis, 2005 (1975). E WOTLING, P. Nietzsche et le problème de la civilization. Paris, ed.
Puf, 1995. 101 p. Minha tradução.
45
Derrida (1976) mostra de que modo Nietzsche procura conceber a verdade como uma
singularidade feminina que resiste às dicotomias masculinas. Ver DERRIDA, J. Éperons: les
styles de Nietzsche. Venezia, ed. Corbo e Fiori, 1976.
45
2.2.3
Fisiológica
para Morel, um católico devoto, o homem não era o produto das transformações
aleatórias da espécie. Pelo contrário, ele alegava, seguindo a Gênesis, que na
origem da espécie humana havia um ser perfeito, divinamente criado e perfeito. A
humanidade moderna, por outro lado, era, na famosa definição de Morel, ‘uma
mórbido desvio de um tipo original’, um descendente biologicamente inferior
desse pré-lapsariano Urmensch, uma nova sub-espécie humana caracterizada por
certas deformidades hereditárias mentais e físicas.
demais espécies, a causa da sua doença também deveria ser encontrada no corpo
fisiológico; e mesmo as doenças aparentemente psicológicas e o problema
aparentemente cultural da religião deveriam ser pensadas fisiologicamente. Nesse
viés, a posição de Moore não se difere consideravelmente da heideggeriana. No
sentido que, também para ele, a saúde nietzschiana parece depender de uma
espécie de retorno a essa forma ou natureza humana animal originária.
2.3
Conclusão
46
Essa expressão é utilizada por Clark (1990, 21p.). Ver CLARK, M. Nietzsche on truth and
philosophy. Cambridge, ed. Cambridge University Press, 1990. 21 p.