Você está na página 1de 81

DADOS

DE ODINRIGHT
Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizada pela equipe eLivros e seus diversos


parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em
pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da
qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou


quaisquer uso comercial do presente conteúdo.

Sobre nós:

O eLivros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico


e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que
o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e
qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site:
eLivros.

Como posso contribuir?

Você pode ajudar contribuindo de várias maneiras, enviando livros para


gente postar Envie um livro ;)

Ou ainda podendo ajudar financeiramente a pagar custo de servidores e


obras que compramos para postar, faça uma doação aqui :)

"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não


mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá
enfim evoluir a um novo nível."

eLivros .love
Converted by ePubtoPDF
Apresentação: Concepção Materialista e Dialética da
História desde A Ideologia Alemã
Marlon Garcia da Silva*

A Ideologia Alemã, primeira parceria de Marx e Engels na produção de um


texto comum, de acordo com o testemunho dos próprios autores, foi escrita em
fins de 1845/princípios de 1846, tendo por objetivo mais direto um balanço
crítico e “acerto de contas” com a filosofia idealista alemã que se estendia desde
a tradição vinda de Hegel. Embora o texto se voltasse, em primeiro plano, à
contestação do conjunto dos filósofos neo-hegelianos, as teses originais ali
defendidas e a argumentação desenvolvida confrontam visceralmente não apenas
os epígonos de Hegel, mas as próprias posições do filósofo clássico alemão.
Como sabido, as condições políticas adversas à época impossibilitaram a
publicação do texto, que infelizmente para a tradição marxista, só veio a público
em 1926 (o excerto sobre Feuerbach), a partir dos trabalhos desenvolvidos no
Instituto Marx-Engels de Moscou. Os manuscritos, conforme palavras de Marx
anos mais tarde, acabaram, no plano imediato, relegados à “crítica roedora dos
ratos”.
Os jovens Marx e Engels – que não alcançavam ainda a idade de trinta anos –
haviam percorrido já experiências e estudos que os ligavam aos problemas
centrais do seu tempo, ao contato inicial com contradições fundamentais da
sociedade burguesa, suas potências e misérias intrínsecas.
Basta mencionar as experiências de Engels desde a realidade das indústrias
inglesas da primeira metade do século XIX, que renderam argutas reflexões
críticas sobre a “situação da classe trabalhadora” explorada na Inglaterra, e sobre
contradições evidentes que despontavam no capitalismo. Marx, por um itinerário
peculiar, também avançava numa crítica que se afinava com a de Engels. Desde
seus trabalhos e inserção teórica e política na Gazeta Renana, periódico de
orientação burguesa liberal e progressista nos quadros prussianos, Marx se vê
crescentemente desafiado por questões candentes do seu tempo, da realidade
alemã e europeia, contradições das relações da moderna propriedade privada, das
relações da produção capitalista, passando pelos debates acerca da natureza e
função de classe do Estado político moderno, às expressões ideais de tais
relações, às representações filosóficas, científicas, religiosas.
De sua identificação inicial com o cerne do pensamento hegeliano, Marx
passa a buscar na própria realidade sócio-material a orientação do pensamento.
Neste caminho que vai do distanciamento crescente à ruptura com o idealismo,
as ideias materialistas defendidas por Feuerbach em fins da década de 1830 e
inícios de 1840 desempenham um papel importante para identificação do ser à
objetividade, e à decorrente reivindicação do “homem como ser soberano para
si”. Num movimento original, Marx muito rapidamente estende os enunciados
materialistas feuerbachianos para o campo da vida social: a materialidade do
mundo e das relações humanas é produto dos próprios homens: “a raiz para o
homem é próprio homem”. O produto, o mundo e as relações sociais podem ser
conhecidos pela investigação dos seus processos de entificação em sua
materialidade presente e pretérita, em seu devir e movimentos próprios.
Pode-se afirmar que nos Manuscritos Econômico-filosóficos de 1844
prevalecem os estudos iniciais da sociedade civil burguesa de então, a busca de
sua anatomia, formas e estruturas, seu metabolismo, explicitados desde as
relações da propriedade burguesa, capitalista. A propriedade privada é decifrada
como relação social onde a burguesia explora e expropria as forças sociais dos
produtores, da classe trabalhadora. O trabalho assalariado, alienado e estranhado,
nas relações de produção capitalistas, constitui o processo de transferência e
perda de si dos produtores para os produtos do trabalho, para o capital,
materializando a inversão pela qual o produto domina o produtor, as forças do
capital se sobrepõem, dominam e subjugam as forças sociais e a vida humana.
Nestas formulações e nos seus desdobramentos, Marx avança nas polêmicas
contra a economia política clássica, que reconhece no trabalho “a essência
subjetiva da riqueza”, ignorando as relações da exploração do trabalho
assalariado, da propriedade privada da riqueza produzida socialmente.
Estas elaborações iniciais de Marx ajudam a esclarecer os contornos da nova
teoria social em formação. O campo da economia, das relações sócio-materiais
de produção é tomado como raiz para a compreensão não apenas da dinâmica da
produção da riqueza material, mas também para a compreensão da inteira vida
social. As relações da propriedade privada desbordam para o conjunto das
relações dos indivíduos e das classes sociais.
A inversão real pela qual, no capitalismo, o produto, o capital, domina e
subjuga, em geral, o produtor, se expressa subjetiva e teoricamente como
estranhamento, como não-reconhecimento e não-efetividade do protagonismo
humano nestas relações.
Este tipo de elaboração evidencia como Marx se distancia dos seus mestres e
interlocutores precedentes. Tanto o idealismo objetivo de Hegel como o
materialismo sensualista de Feuerbach se erigiam e integravam como expressões
ideais do mundo burguês. Uma ilustração importante de tal situação está na
abordagem da religião em suas elaborações. Enquanto Hegel integrava a religião
no seu complexo sistema filosófico, Feuerbach, não obstante sua argumentação
materialista a respeito da natureza material-objetiva do ser, a criticava sem
ultrapassar o campo estritamente filosófico, ou seja, mantinha o combate e
pretendia a refutação restrita ao campo ideológico. Marx, de um modo original,
integra a religião no conjunto dos problemas do ser social, mais especificamente,
como expressão “espiritual”, subjetiva, de circunstâncias e situações reais,
objetivas, nas quais os produtores encontram-se subordinados a forças e relações
que o dominam materialmente. Neste sentido, somente a subversão e a reversão
prática dos pressupostos reais, das bases sócio-materiais de sustentação da
religião podem efetivamente superar tal forma estranhada de representação
social.
Na Ideologia Alemã, os autores abordam com originalidade este conjunto de
problemas. Eles denunciam que “a crítica alemã, até em seus mais recentes
esforços, não abandonou o terreno da filosofia” (Marx; Engels, 2007, 83). Além
disso, “toda a crítica filosófica alemã, de Strauss a Stirner limita-se à crítica das
representações religiosas”. Aos neohegelianos em geral, conservadores ou
críticos, inclusive Feuerbach, jamais “ocorreu a ideia de perguntar sobre a
conexão entre a filosofia alemã e a realidade alemã, sobre a conexão de sua
crítica com seu próprio meio material”.
Conforme indicado, Marx e Engels se atentam para os pressupostos sócio-
materiais que estão na base da formação do idealismo religioso e do idealismo
em geral. Tanto na sociedade burguesa como ao longo de toda a “pré-história da
humanidade”, o produto domina o produtor. Por isso, encontram-se nesta obra
afirmações fortes, tais como: “até o momento, os homens sempre fizeram
representações falsas de si mesmos, daquilo que eles são ou devem ser”. A falsa
consciência não tem aqui o sentido de engodo deliberado, mas o sentido forte de
expressões ideais de inversões reais, prático-sensíveis, do mundo dos homens.
“Se, em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem de cabeça para
baixo como numa câmara escura, este fenômeno resulta de seu processo
histórico de vida, da mesma forma como a inversão dos objetos na retina resulta
de seu processo de vida imediatamente físico”.
De acordo com as teses desenvolvidas na Ideologia Alemã, ao longo da sua
“pré-história”, os homens estiveram submetidos e subjugados por forças e
poderes objetivos da natureza e da sociedade, os quais não eram capazes de
dominar. A era burguesa instaura e desenvolve contradições sociais superiores,
nas quais a humanidade permanece subjugada a poderes estranhos velhos e
novos: o dinheiro, a mercadoria, o capital, o mercado mundial, a divisão social
do trabalho, a divisão entre trabalho manual e trabalho “espiritual”, a divisão
entre cidade e campo, as relações da propriedade privada. Contudo, estas
mesmas relações engendram a realidade potencial e as possibilidades de sua
própria negação – o que será abordado mais ao final do presente artigo.
Um dos desenvolvimentos originais e mais fecundos que A Ideologia Alemã
apresenta está na abordagem materialista e dialética da história. A abordagem,
desenvolvida com o interesse mais direto de estabelecer os fundamentos da
crítica ao idealismo filosófico alemão, apresenta o devir material, histórico,
humano-genérico. O próximo tópico do presente artigo é dedicado à abordagem
inicial da matéria.
A “viagem” empreendida por Marx e Engels pela história humano-genérica
tem alguns pressupostos e finalidades principais.
Como referido, a finalidade mais direta é a refutação do idealismo hegeliano
conforme as vulgarizações dos epígonos de Hegel. A crítica, contudo, se volta
contra os fundamentos do idealismo em geral, denunciando suas raízes sócio-
materiais nas relações da sociedade burguesa, bem como sua vigência ao longo
da “pré-história” da humanidade.
Os autores desenvolvem ao mesmo tempo as bases de uma nova concepção
materialista do ser social e da história. A decifração radical do mundo dos
homens em sua atualidade é potencializada pela compreensão dos processos
pretéritos de entificação do humano, pela consideração das particularidades da
produção e das conexões materialistas da história humano-genérica. Ilumina-se,
assim, a compreensão do “de onde para onde” do gênero humano, o passado do
presente, e as virtualidades reais do futuro presente. A história não pode ser uma
“coleção de fatos mortos”, tampouco pode ser tomada pela preponderância das
ideias, tal como nas concepções do idealismo e do materialismo abstratos.
As referidas aquisições dos jovens Marx e Engels desde os primeiros esforços
de compreensão da “anatomia” e do metabolismo da sociedade civil burguesa
esclarecem os pressupostos a partir dos quais se avança na compreensão
materialista da realidade e da história em devir. Desde as publicações de ambos
nos Anais Franco-alemães, se adensa a compreensão de que as relações
econômicas, as relações sociais de produção e reprodução da vida material são
“matrizadoras” das formas de ser, sentir, se relacionar, pensar, dos indivíduos na
sociedade burguesa. Na Ideologia Alemã, esta constatação é elevada a enunciado
geral, a pressuposto geral orientador da investigação das formações sócio-
históricas particulares, dos seus processos e conexões materialistas no espaço e
no tempo. Trata-se de pressuposto geral e razoável porque extraído das
evidências prático-sensíveis e sócio-históricas das formas e modos de ser e
existir dos homens, constatáveis por vias empíricas. O mundo dos homens não
pode ser explicado a partir das ideias, e também não servem para tanto quaisquer
pontos de partida ou bases de sustentação.
Tais enunciados aparecem por diversas vezes e formulações, e são declarados
pelos autores como “os pressupostos de que partimos”, “os indivíduos reais, sua
ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas
como as produzidas por sua própria ação”. A história humano-genérica faculta e
autoriza a afirmação geral de que “tal como os indivíduos exteriorizam sua vida,
assim são eles. O que eles são coincide, pois, com sua produção, tanto com o que
produzem como também com o modo como produzem. O que os indivíduos são,
portanto, depende das condições materiais de sua produção” .
Sobre tais bases sócio-materiais, em diferentes tempos e lugares, se erigem e
esclarecem determinadas estruturas e complexos sociais, políticos e ideológicos.
Nas palavras dos autores: “indivíduos determinados, que são ativos na produção
de determinada maneira, contraem entre si estas relações sociais e políticas
determinadas. A observação empírica tem de provar, em cada caso particular,
empiricamente e sem nenhum tipo de mistificação ou especulação, a conexão
entre a estrutura social e política e a produção”.
O último enunciado desta passagem introduz a ideia fundamental de que
somente a consideração concreta da própria materialidade sócio-histórica
particular avança na produção do conhecimento real ou científico de
determinada realidade. Ou seja, os pressupostos orientadores mais gerais
adquirem concreção via análise empírica da própria realidade específica.
Portanto, somente “ali onde termina a especulação, na vida real, começa
também, portanto, a ciência real, positiva, a exposição da atividade prática, do
processo prático de desenvolvimento dos homens”.
Por tal caminho, as abstrações arbitrárias da filosofia idealista e as
formulações também abstratas do materialismo sensualista feuerbachiano são
substituídas por pressupostos reais, gerais, materialistas, sem os quais não se
pode falar de consciência, ideia, pensamento, tampouco de história humana. No
tópico seguinte, acompanhando Marx e Engels, seguem destacados “alguns
destes pressupostos gerais” que esclarecem e orientam a abordagem materialista
da história, da consciência, dos estranhamentos, das contradições e
potencialidades do humano em seu devir.
Produção, Socialidade e Consciência
A consideração materialista da história faculta, pois, a identificação de
pressupostos gerais fundantes do humano, dos processos e categorias moventes e
movidos pelos homens, como a produção, a socialidade e a consciência.
Contrapondo-se às formulações filosóficas idealistas, Marx e Engels destacam
“o primeiro pressuposto de toda a existência humana e também,
portanto, de toda a história, a saber, o pressuposto de que os homens
têm de estar em condições de viver para poder ‘fazer história’. Mas,
para viver, precisa-se antes de tudo, de comida, bebida, moradia,
vestimenta e alguma coisa mais. O primeiro ato histórico é, pois, a
produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção
da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma
condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há
milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente
para manter os homens vivos [...]”
A gênese e os fundamentos do humano são identificados a partir das forças e
potências surgidas num ser que se destaca e eleva da natureza, de um ser que se
autoproduz e desenvolve desde a natureza e as necessidades materiais,
produzindo em contextos concretos e a cada passo de sua autoconstrução um
mundo de instrumentos, meios e objetos inéditos. A explicação da história
humana pretérita e presente, bem como da natureza e do lugar das categorias que
vão surgindo e se explicitando na especificidade ser social, dentre as quais, a
consciência, não pode desconsiderar tal pressuposto fundamental.
Prosseguindo suas elaborações, os autores sustentam que “o segundo ponto é
que a satisfação dessa primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o
instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades”. O
homem se autoproduz como um ser aberto, que cria em contextos concretos um
mundo de instrumentos, objetos, relações e movimentos propriamente humanos,
sociais, transformando crescentemente a natureza e a si mesmo, ao seu próprio
ser social.
Os movimentos de autoprodução de si dos homens se fazem no sentido do
“recuo das barreiras naturais” e do avanço na direção da crescente socialidade do
ser. Uma evidência desta tendência geral é destacada pelos autores na
consideração de um “terceiro pressuposto” fundamental da existência e da
história dos homens, a constatação de que “os homens, que renovam diariamente
sua própria vida, começam a criar outros homens, a procriar”, numa dinâmica
social e histórica pela qual a simples relação natural se eleva à socialidade
rudimentar nas relações da família. Tais relações evidenciam a direção do
movimento de autoprodução do humano que propende à crescente socialidade,
em consonância com o desenvolvimento das relações contraditórias de produção
e troca. A sociedade civil se torna o palco real das contradições e lutas das
classes sociais ao longo da “pré-história” da humanidade, inclusa a sociedade
burguesa.
Estes aspectos e pressupostos gerais, de acordo com Marx e Engels, só podem
ser compreendidos como aspectos ou “momentos” coexistentes, simultâneos,
integrados, articulados no interior das formações sócio-históricas concretas e
suas relações.
Percorrido este itinerário, os autores afirmam, confrontando o idealismo neo-
hegeliano, que “somente agora descobrimos que o homem tem também
‘consciência’”. A consciência é um produto material e social que os homens
forjam e desenvolvem “no interior do desenvolvimento histórico real”. Ela não
pode existir autônoma e independentemente de bases sócio-materiais que a
constituem, “não pode jamais ser outra coisa que o ser consciente, e o ser dos
homens é o seu processo de vida real”.
Sobre tais fundamentos materialistas, podem-se apreender as forças motrizes
da gênese e das metamorfoses das formas de consciência na história. A
consciência, que é “antes de tudo a mera consciência do meio sensível mais
imediato e consciência do vínculo limitado com outras pessoas e coisas
exteriores é, ao mesmo tempo, consciência da natureza que, inicialmente, se
apresenta aos homens como um poder totalmente estranho, onipotente e
inabalável, com o qual os homens se relacionam de um modo puramente
animal”. Ela “obtém seu desenvolvimento e seu aperfeiçoamento ulteriores por
meio da produtividade aumentada, do incremento das necessidades e do aumento
da população”.
Com o desenvolvimento das forças produtivas, do intercâmbio entre os
homens, “desenvolve-se a divisão do trabalho, e em consequência, surge uma
divisão entre trabalho material e [trabalho] espiritual”, quando, nos termos de
Marx e Engels, “a consciência pode realmente imaginar ser outra coisa diferente
da consciência da práxis existente, representar algo realmente sem representar
algo real”. As ideologias em geral se assentam sobre tais bases e relações sócio-
materiais.
Dimensão Genérica da História do Desenvolvimento
Humano
Este tipo de elaboração teórica se eleva, pois, das formações sócio-históricas
concretas, particulares, para uma tematização sobre o gênero humano em sua
universalidade. Conjugando o que é comum e o que é específico nos processos
de constituição do gênero humano, a reflexão se move num nível de
generalidade que apanha certos pressupostos, fundamentos, leis e tendências da
história humana em processo.
É o caso da constatação das formas particulares assumidas pela luta de classes
desde as sociedades contraditórias, nas relações de produção e na luta pela
apropriação do excedente econômico socialmente produzido, formas particulares
que atravessam e se conectam na “pré-história” da humanidade.
Marx e Engels buscam demonstrar os movimentos pelos quais o mundo
humano, as categorias e relações sociais, surgem e se desenvolvem
contraditoriamente, propendendo à universalidade crescente. A investigação dos
movimentos e relações da autoprodução de si dos homens permite extrair das
evidências certos denominadores comuns:
- como já mencionado, a história humano-genérica demonstra um
desenvolvimento de forças produtivas (forças humanas de produção dos
indivíduos sociais), imbricado a um crescente domínio da natureza (não
importa aqui o quanto contraditórias sejam suas formas concretas),
materializando, nos termos de Marx, “um recuo das barreiras naturais”;
- outro sentido deste mesmo movimento mostra-se na autoprodução do
humano na direção da crescente socialidade do seu ser;
-tais movimentos apontam uma “conexão materialista dos homens entre
si” (“sem que existam quaisquer absurdos religiosos ou políticos que
mantenham os homens unidos”), conexão que demonstra o suceder-se de
gerações, no rico movimento de continuidades e rupturas onde, de qualquer
modo, há uma herança e um legado, uma cultura humano-genérica em
gestação como afirmação e como crítica. Na afirmação de Marx em O
Dezoito Brumário de Luis Bonaparte, os “homens fazem a sua própria
história; contudo [...] não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as
quais ela é feita”;
- tais movimentos de ampliação, complexificação e intensificação do
mundo e das relações humanas, de constituição e adensamento da cultura
humana, se materializam e expressam na polaridade constitutiva do ser
social, quer dizer, no singular e no plural, no indivíduo e no gênero.
As categorias e relações humanas são, pois, consideradas tanto em suas
configurações particulares como em suas conexões no interior do
desenvolvimento histórico humano. Neste sentido, são diversos, vastos, os
caminhos das investigações concretas e os resultados particulares e gerais
expostos por Marx e Engels na Ideologia Alemã.
Assim, são tematizados formas e modos particulares de produção, de
desenvolvimento de forças produtivas e intercâmbio entre os homens, traços
particulares, concretos, das configurações da divisão social do trabalho e da
propriedade privada, da divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual
(importante para os fundamentos do debate sobre a ideologia, pois desde então
“a consciência pode realmente representar algo, sem representar algo real”),
divisão entre cidade e campo, a gênese, as funções e formas particulares de
configurações do Estado e das ideologias.
A título de ilustração, pode-se considerar que o feudalismo tanto sintetiza uma
cultura humana precedente (não importa a dureza e o ônus do beco-sem-saída
humano-genérico a que chegaram as chamadas civilizações clássicas antigas),
como a movimenta em sentidos inéditos, inclusive na direção da superação das
suas próprias bases sócio-materiais, “rurais”, de sustentação e existência. O
desenvolvimento das forças produtivas, dos instrumentos, técnicas e meios de
produção nos feudos está na base do denominado “renascimento comercial e
urbano”, da moderna divisão social do trabalho e da moderna propriedade
privada, ou seja, na própria base do processo de dissolução do feudalismo. Marx
e Engels identificam nestes movimentos a crescente contradição entre as forças
produtivas – que se complexificam do artesanato para os mecanismos das
manufaturas, bases da grande indústria capitalista – e as relações sociais
predominantes no modo de produção feudal.
Desaparecem, pois, as bases de sustentação das relações servis, fixas, restritas,
locais, nas unidades feudais, com a vitalização das trocas, do comércio, dos
burgos, das manufaturas, das bases sócio-materiais das modernas cidades e do
capitalismo, num movimento que percorre uma dinâmica cada vez mais mundial
e universal. Os homens vão desenvolvendo, neste sentido, um conjunto de forças
sociais às quais acabam subsumidos, tais como a mercadoria, o dinheiro, o
mercado mundial, o capital e a indústria capitalista.
Marx e Engels podem assim indicar em suas formulações as determinações
genéticas, sócio-históricas, da sociedade burguesa, do capitalismo, o seu “de
onde”, suas particularidades, sua posição no evolver da autoprodução humano-
genérica, identificando suas relações e forças progressistas na história, como
também suas contradições, limites e os sinais de seu esgotamento histórico e
becos-sem-saída.
Neste sentido, na sociedade burguesa, no capitalismo, os autores identificam
um conjunto de forças produtivas que entram em contradição com as relações da
propriedade privada, se tornando na realidade social forças destrutivas. A
indústria capitalista é movida pelas forças da propriedade privada e do capital, a
produção social regida e voltada aos interesses e lógica da apropriação privada.
Trata-se de um conjunto de relações de poder e dominação material, de classe,
que engendram e expressam, por outro lado, suas forças sociais antípodas, as
forças da classe trabalhadora, da potência radical de produção da riqueza na
sociedade burguesa, classe e potência agrilhoada pelos poderes da burguesia e do
capital. Se é certo que esta ideia não pode ser reproduzida no sentido original
dos autores da Ideologia Alemã se formulada de maneira maniqueísta ou
simplista, é igualmente certo, a nosso ver, que traz consigo uma força e verdade
afiançadas tanto pela consideração dos movimentos históricos mais amplos da
sociedade burguesa e suas contradições, como pela análise de suas configurações
na atualidade.
Prefácio
Até o presente os homens sempre fizeram falsas representações sobre si
mesmos, sobre o que são ou deveriam ser. Organizaram suas relações em função
de representações que faziam de Deus, do homem normal etc. Os produtos de
sua cabeça acabaram por se impor à sua própria cabeça. Eles, os criadores,
renderam-se às suas próprias criações. Libertemo-los, pois, das quimeras, das
ideias, dos dogmas, dos seres imaginários, sob o jugo dos quais definham.
Revoltemo-nos contra este predomínio dos pensamentos. Ensinemos os homens
a substituir estas fantasias por pensamentos que correspondam à essência do
homem, diz um, a comportar-se criticamente para com elas, diz outro; a expurgá-
las do cérebro, diz um terceiro - e a realidade existente cairá por terra.
Estas fantasias inocentes e pueris formam o núcleo da atual filosofia neo-
hegeliana que, na Alemanha, não somente é acolhida pelo público com horror e
veneração, mas apresentada pelos próprios heróis-filosóficos com a solene
consciência de sua periculosidade revolucionária mundial e de sua brutalidade
criminosa. O primeiro tomo da presente obra tem por finalidade desmascarar
esses carneiros que se julgam lobos e que assim são considerados; propõe-se a
mostrar como nada mais fazem do que balir filosoficamente as representações
dos burgueses alemães e que as fanfarronices desses intérpretes filosóficos
apenas refletem a derrisória pobreza da realidade alemã. Tem por finalidade
colocar em evidência e desacreditar essa luta filosófica com as sombras da
realidade, que convém ao sonhador e sonolento povo alemão.
Certa vez, um bravo homem imaginou que, se os homens se afogavam, era
unicamente porque estavam possuídos pela ideia da gravidade. Se retirassem da
cabeça tal representação, declarando, por exemplo, que se tratava de uma
representação religiosa, supersticiosa, ficariam livres de todo perigo de
afogamento. Durante toda sua vida, lutou contra essa ilusão da gravidade, cujas
consequências perniciosas todas as estatísticas lhe mostravam, através de provas
numerosas e repetidas. Esse bravo homem era o protótipo dos novos filósofos
revolucionários alemães.
Feuerbach: A Oposição Entre a Concepção
Materialista e a Idealista
Como ideólogos alemães informam, a Alemanha teria sido, nos últimos anos,
cenário de uma revolução sem precedentes. O processo de decomposição do
sistema hegeliano, que começara com Strauss, conduziu a uma fermentação
universal em que se envolveram todas as "potências do passado": Nesse caos
geral, formaram-se poderosos impérios para logo soçobrarem; heróis efêmeros
surgiram para serem, por sua vez, lançados às trevas por rivais mais audazes e
poderosos. Foi uma revolução frente à qual a Revolução Francesa não foi senão
brinquedo de crianças, uma luta mundial que fazia parecer mesquinhos os
combates dos diádocos. Os princípios deslocaram-se; os heróis do pensamento
lançaram-se uns contra os outros com inaudita precipitação, e em três anos - de
1842 a 1845 - removeu-se o solo da Alemanha mais do que antes em três
séculos.
Tudo isso teria ocorrido nos domínios do pensamento puro.
Trata-se, certamente, de acontecimento pleno de interesse: o processo de
decomposição do espírito absoluto. Desde que se extinguiu a última chama de
vida, os vários elementos dessa cabeça morta entraram em decomposição,
formando novas combinações e constituindo-se em novas substâncias. Os
industriais da filosofia, que até então haviam vivido da exploração do espírito
absoluto, lançaram-se então a novas combinações. Cada um se dedicava a
explorar, com zelo inaudito, o negócio da parte que lhe coubera por sorte. Mas
isto não poderia se dar sem concorrência. Inicialmente, tal concorrência foi
conduzida de maneira burguesa e sólida. Depois, quando o mercado alemão
encontrou-se abarrotado e, apesar dos esforços, a mercadoria não encontrava
saída no mercado mundial, os negócios começaram a se deteriorar, como é
comum na Alemanha, por força da produção fabril adulterada, da alteração da
qualidade, da sofisticação da matéria-prima, da falsificação dos rótulos, das
compras simuladas, dos cheques girando a descoberto e de um sistema de
créditos carente de toda base real. Essa concorrência culminou numa luta
encarniçada, que hoje nos é apresentada e exaltada como uma revolução
histórico-mundial e como a produtora de conquistas e resultados prodigiosos.
Mas, para apreciar em seu justo valor essa gritaria de filósofos-comerciantes
que, mesmo no íntimo do honesto burguês alemão, desperta um agradável
sentimento nacional; para dar uma ideia clara da pequenez, da limitação local, de
todo este movimento neo-hegeliano e, especialmente, do contraste tragicômico
entre as proezas reais de tais heróis e as ilusões suscitadas em torno delas - é
necessário examinar, ao menos uma vez, todo esse espetáculo de um ponto de
vista situado fora da Alemanha.
A. A Ideologia em Geral, Especialmente a Alemã
Até em seus últimos esforços, a crítica alemã não abandonou o terreno da
filosofia. Longe de examinar seus pressupostos filosóficos gerais, todas as suas
questões brotaram de um sistema filosófico determinado, o sistema hegeliano.
Não apenas em suas respostas, mas já nas próprias questões, havia uma
mistificação. Essa dependência de Hegel é a razão pela qual nenhum desses
novos críticos tentou uma crítica de conjunto do sistema hegeliano, embora cada
um deles afirme ter ultrapassado Hegel. Suas polêmicas contra Hegel e entre eles
a isto se limitam: cada qual isola um aspecto do sistema hegeliano, dirigindo-o,
ao mesmo tempo, contra o sistema inteiro e contra os aspectos isolados pelos
outros. Inicialmente, tomam-se categorias hegelianas puras, isentas de
falsificação, tais como as de substância e autoconsciência; depois, profanam-se
as categorias com nomes mais mundanos, tais como os de Gênero, o único, o
Homem etc.
Toda a crítica filosófica alemã de Strauss a Stirner limita-se à crítica das
representações religiosas. Partia-se da religião real e da verdadeira teologia.
Aquilo que se entendia por consciência religiosa, por representação religiosa, foi
posteriormente determinado de diferentes formas. O progresso consistia em
subsumir também à esfera das representações religiosas ou teológicas as
representações metafísicas, políticas, jurídicas, morais e outras, consideradas
predominantes; do mesmo modo, proclamava-se a consciência política, jurídica
ou moral como consciência religiosa ou teológica, e o homem político, jurídico
ou moral e, em última instância, "o Homem", como religioso. O domínio da
religião foi pressuposto. E, aos poucos, declarou-se que toda relação dominante
era uma relação religiosa e se a converteu em culto, culto do direito, culto do
Estado etc. Por toda parte, tratava-se apenas de dogmas e da crença em dogmas.
O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla até que o
venerável São Max pôde canonizá-lo em bloco e liquidá-lo de uma vez por
todas.
Os velhos hegelianos haviam compreendido tudo, desde que tudo fora
reduzido a uma categoria da lógica hegeliana. Os jovens hegelianos criticavam
tudo, introduzindo sorrateiramente representações religiosas por baixo de tudo
ou proclamando tudo como algo teológico. Jovens e velhos hegelianos
concordavam na crença no domínio da religião, dos conceitos e do universal no
mundo existente. A única diferença era que uns combatiam como usurpação o
domínio que os outros aclamavam como legítimo.
Desde que os jovens hegelianos consideravam as representações, os
pensamentos, os conceitos - em uma palavra, os produtos da consciência por eles
tornada autônoma - como os verdadeiros grilhões dos homens1, é evidente que
os jovens hegelianos têm que lutar apenas contra essas ilusões da consciência.
Uma vez que, segundo suas fantasias, as relações humanas, toda a sua atividade,
seus grilhões e seus limites são produtos de sua consciência, os jovens
hegelianos, consequentemente, propõem aos homens este postulado moral:
trocar sua consciência atual pela consciência humana, crítica ou egoísta,
removendo com isso seus limites. Exigir, assim, a transformação da consciência
vem a ser o mesmo que interpretar diferentemente o existente, isto é, reconhecê-
la mediante outra interpretação. A despeito de suas frases que supostamente
"abalam o mundo", os ideólogos da escola neo-hegeliana são Os maiores
conservadores. Os mais jovens dentre eles descobriram a expressão exata para
qualificar sua atividade quando afirmam que lutam unicamente contra
fraseologias. Esquecem apenas que opõem a estas fraseologias nada mais do que
fraseologias e que, ao combaterem as fraseologias deste mundo, não combatem
de forma alguma o mundo real existente. Os únicos resultados aos quais pôde
conduzir essa crítica filosófica foram alguns esclarecimentos histórico-religiosos
- e assim mesmo de um ponto de vista parcial- sobre o cristianismo; todas as
outras afirmações são apenas novas maneiras de embelezar suas pretensões de
haver proporcionado descobertas de alcance histórico-mundial graças a estes
esclarecimentos insignificantes.
A nenhum destes filósofos ocorreu perguntar qual era a conexão entre a
filosofia alemã e a realidade alemã, a conexão entre a sua crítica e o seu próprio
meio material.
Os pressupostos de que partimos não são arbitrários, nem dogmas. São
pressupostos reais de que não se pode fazer abstração a não ser na imaginação.
São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto
aquelas por eles já encontradas, como as produzidas por sua própria ação. Estes
pressupostos são, pois, verificáveis por via puramente empírica.
O primeiro pressuposto de toda história humana é naturalmente a existência
de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar é, pois, a organização
corporal destes indivíduos e, por meio disto, sua relação dada com o resto da
natureza. Não podemos, evidentemente, fazer aqui um estudo da constituição
física dos homens, nem das condições naturais já encontradas pelos homens -
geológicas, oro hidrográficas, climáticas e outras. Toda historiografia deve partir
destes fundamentos naturais e de sua modificação no curso da historia pela ação
dos homens.
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou
por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais
tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo este que é condicionado
por sua organização corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens
produzem indiretamente sua própria vida material.
O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de
tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que têm de reproduzir. Não
se deve considerar tal modo de produção de um único ponto de vista, a saber: a
reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se, muito mais, de uma
determinada forma de atividade dos indivíduos, determinada forma de
manifestar sua vida, determinado modo de vidados mesmos. Tal como os
indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide,
portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo
como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições
materiais de sua produção.
Essa produção aparece inicialmente com o aumento da população. Ela própria
pressupõe um intercâmbio dos indivíduos uns com os outros. A forma desse
intercâmbio é, por sua vez, condicionada pela produção.
As relações entre umas nações e outras dependem do estado de
desenvolvimento em que se encontra cada uma delas no que concerne às forças
produtivas, à divisão do trabalho e ao intercâmbio interno. Tal princípio é em
geral reconhecido. Entretanto, não apenas a relação de uma nação com outras,
mas também toda a estrutura interna desta mesma nação depende do grau de
desenvolvimento de sua produção e de seu intercâmbio interno e externo. O
quanto as forças produtivas de uma nação estão desenvolvidas é mostrado da
maneira mais clara pelo grau de desenvolvimento atingido pela divisão do
trabalho. Na medida em que não se trata de simples extensão quantitativa de
forças produtivas já conhecidas (arroteamento de terras, por exemplo), cada nova
torça produtiva tem como consequência um novo desenvolvimento da divisão do
trabalho.
A divisão do trabalho no interior de uma nação leva, inicialmente, à separação
entre o trabalho industrial e comercial, de um lado, e o trabalho agrícola, de
outro, e, com isso, a separação da cidade e do campo e a oposição de seus
interesses. Seu desenvolvimento ulterior leva à separação entre o trabalho
comercial e o trabalho industrial. Ao mesmo tempo, através da divisão do
trabalho dentro destes diferentes ramos, desenvolvem-se diferentes subdivisões
entre os indivíduos que cooperam em determinados trabalhos. A posição de tais
subdivisões particulares umas em relação a outras é condicionada pelo modo
pelo qual se exerce o trabalho agrícola, industrial e comercial2. Estas mesmas
condições mostram-se ao se desenvolver o intercâmbio entre as diferentes
nações.
As diversas fases de desenvolvimento da divisão do trabalho representam
outras tantas formas diferentes da propriedade: ou, em outras palavras, cada
nova fase da divisão do trabalho determina igualmente as relações dos
indivíduos entre si, no que se refere ao material, ao instrumento e ao produto do
trabalho.
A primeira forma de propriedade é a propriedade tribal. Ela corresponde à fase
não desenvolvida da produção, em que um povo se alimenta da caça e da pesca,
da criação de gado ou, no máximo, da agricultura. Neste último caso, a
propriedade tribal pressupõe grande quantidade de terras incultas. Nesta fase, a
divisão do trabalho está ainda pouco desenvolvida e se limita a uma maior
extensão da divisão natural no seio da família. A estrutura social limita-se,
portanto, a uma extensão da família: os chefes patriarcais da tribo, abaixo deles
os membros da tribo e finalmente os escravos. A escravidão latente na família
desenvolve-se paulatinamente com o crescimento da população e das
necessidades, e também com a extensão do intercâmbio externo, tanto da guerra
como da troca.
A segunda forma de propriedade é a propriedade comunal e estatal que se
encontra na Antiguidade, que provém, sobretudo, da reunião de muitas tribos
para formar uma cidade, por contrato ou por conquista, e na qual subsiste a
escravidão. Ao lado da propriedade comunal, desenvolve-se já a propriedade
móvel e, mais tarde, também a imóvel, mas como uma forma anormal
subordinada à propriedade comunal. Os cidadãos possuem o poder sobre seus
escravos trabalhadores apenas em sua coletividade, e já estão por isso ligados à
forma de propriedade comunal. Esta é a propriedade privada coletiva dos
cidadãos ativos que, em face dos escravos, são obrigados a permanecer neste
modo de associação surgido naturalmente. Eis por que toda a estrutura social
baseada nesta propriedade coletiva, e com ela o poder do povo no mesmo grau,
decaem na medida em que se desenvolve a propriedade privada imóvel. A
divisão do trabalho já é mais desenvolvida. Encontramos já a oposição entre a
cidade e o campo, e mais tarde a oposição entre os Estados que representam o
interesse das cidades e os que representam os interesses do campo; e
encontramos no interior das próprias cidades a oposição entre o comércio
marítimo e a indústria. As relações de classe entre cidadãos e escravos estão
agora completamente desenvolvidas.
O fato da conquista parece contradizer toda esta concepção da história. Até
agora, considerou-se a violência, a guerra, o saque, o latrocínio etc., como a
força propulsora da história. Aqui, ternos de nos limitar necessariamente aos
aspectos principais, razão pela qual tomaremos o exemplo mais notável - a
destruição de uma velha civilização por um povo bárbaro e, com isto, a
formação desde o princípio de uma nova estrutura da sociedade.3 Por parte do
povo bárbaro conquistador, a guerra continua sendo, como já assinalamos
anteriormente, uma forma regular de intercâmbio, explorada tanto mais
zelosamente quanto mais o incremento da população, dentro do tosco modo de
produção tradicional4, engendra a necessidade de novos meios de produção. Na
Itália, ao contrário, em virtude da concentração da propriedade territorial5 e da
transformação das terras em pastos6, quase desapareceu a população livre; os
próprios escravos morriam com frequência e tinham que ser sempre substituídos
por novos. A escravidão continuava sendo a base de toda a produção. Os
plebeus, que ocupavam uma posição intermediária entre os livres e os escravos,
nunca foram mais do que uma espécie de lumpemproletariado. Com efeito,
Roma nunca foi mais do que uma cidade, e mantinha com as províncias uma
relação quase exclusivamente política, a qual, como é natural, podia quebrar-se
ou alterar-se novamente por acontecimentos políticos.
Com o desenvolvimento da propriedade privada, começam a surgir pela
primeira vez as mesmas relações que encontraremos, só que em escala mais
ampla, na propriedade privada moderna; de um lado, a concentração da
propriedade privada, que começou muito cedo em Roma, como o a testa a lei
agrária de Licinius, e progrediu rapidamente a partir das guerras civis e,
sobretudo, sob os imperadores; de outro lado, em correlação com estes fatos, a
transformação dos pequenos camponeses plebeus em um proletariado, cuja
situação intermediária entre os cidadãos possuidores e os escravos não levou a
nenhum desenvolvimento autônomo.
A terceira forma é a propriedade feudal ou estamental. Enquanto a
Antiguidade partia da cidade e de seu pequeno território, a Idade Média partia:
do campo. A população existente, dispersa e disseminada por uma vasta
superfície a que os conquistadores não trouxeram grande incremento,
condicionou essa mudança de ponto de partida. Ao contrário da Grécia e de
Roma, o desenvolvimento feudal inicia-se, pois, em terreno muito mais extenso,
preparado pelas conquistas romanas e pela expansão da agricultura e está, desde
o começo, com elas relacionado. Os últimos séculos do Império Romano em
declínio e as próprias conquistas dos bárbaros destruíram grande quantidade de
forças produtivas: a agricultura declinara, a indústria estava em decadência pela
falta de mercados, o comércio adormecera ou fora violentamente interrompido, a
população, tanto a rural como a urbana, diminuíra. Essas condições preexistentes
e o modo de organização da conquista por elas condicionado fizeram com que se
desenvolvesse, sob a influência da organização militar germânica, a propriedade
feudal. Como a propriedade tribal e a comunal, esta também repousa numa
comunidade em face da qual não são mais os escravos - como no sistema antigo
- mas os pequenos camponeses servos da gleba, que constituem a classe
diretamente produtora. Tão logo o feudalismo se desenvolve completamente,
aparece a oposição entre as cidades. A estrutura hierárquica da posse da terra e a
vassalagem armada a ela conectada davam à nobreza o poder sobre os servos.
Essa estrutura feudal, como toda a antiga propriedade comunal, era uma
associação contra a classe produtora dominada; o que variava era a forma de
associação e a relação com os produtores diretos, já que as condições de
produção haviam mudado.
A essa estrutura feudal da posse da terra correspondia, nas cidades, a
propriedade corporativa, a organização feudal dos ofícios. Aqui, a propriedade
consistia, principalmente, no trabalho de cada indivíduo. A necessidade de
associação contra a nobreza rapace associada, a necessidade de locais de troca
comuns numa época em que o industrial era ao mesmo tempo comerciante, a
concorrência crescente dos servos que fugiam em massa para as cidades
prósperas, a estrutura feudal de todo o país - deram origem às corporações; os
pequenos capitais economizados pouco a pouco pelos artesãos isolados e o
número estável destes numa população crescente desenvolveram a condição de
oficial e de aprendiz, engendrando nas cidades uma hierarquia semelhante à do
campo.
Assim, a propriedade principal durante a época feudal consistia, de um lado,
na propriedade territorial à qual estava ligado o trabalho dos servos e, de outro,
no trabalho próprio com pequeno capital dominando o trabalho dos oficiais. A
estrutura de cada uma dessas duas formas era condicionada pelas condições
limitadas da produção, pelo escasso e tosco cultivo da terra e pela indústria de
tipo artesanal. No apogeu do feudalismo, houve pequena divisão do trabalho.
Cada país trazia em si a oposição entre a cidade e o campo; a estrutura
estamental estava profundamente estabelecida, mas fora a separação em
príncipes, nobreza, clero e campesinato, no campo, e em mestres, oficiais e
aprendizes, e logo também a plebe de trabalhadores assalariados ocasionais, nas
cidades, não se encontra nenhuma outra divisão importante. Na agricultura, a
divisão do trabalho tornava-se mais difícil pelo cultivo parcelado, ao lado do
qual surgiu a indústria doméstica dos próprios camponeses; na indústria, o
trabalho era dividido dentro de cada ofício e muito pouco dividido entre os
diferentes ofícios. A divisão entre o comércio e a indústria existia já nas cidades
antigas, mas não se desenvolveu senão tardiamente nas cidades novas, ao se
estabelecerem relações mútuas entre as cidades.
A reunião de grandes territórios em reinos feudais era uma necessidade, tanto
para a nobreza rural, como para as cidades. Por conseguinte, a organização da
classe dominante, da nobreza, tinha em todas as partes um monarca à frente.
O fato, portanto, é o seguinte: indivíduos determinados, que como produtores
atuam de um modo também determinado, estabelecem entre si relações sociais e
políticas determinadas. É preciso que, em cada caso particular, a observação
empírica coloque necessariamente em relevo - empiricamente e sem qualquer
especulação ou mistificação - a conexão entre a estrutura social e política e a
produção.
A estrutura social e o Estado nascem constantemente do processo de vida de
indivíduos determinados, mas destes indivíduos não como podem aparecer na
imaginação própria ou alheia, mas tal e como realmente são, isto é, tal e como
atuam e produzem materialmente e, portanto, tal e como desenvolvem suas
atividades sob determinados limites, pressupostos e condições materiais,
independentes de sua vontade.
A produção de ideias, de representações, da consciência, está, de início,
diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material
dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o
intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu
comportamento material. O mesmo ocorre com a produção espiritual, tal como
aparece na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica
etc. de um povo. Os homens são os produtores de suas representações, de suas
ideias etc., mas os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados por
um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio
que a ele corresponde até chegar às suas formações mais amplas. A consciência
jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu
processo de vida real. E se, em toda ideologia, os homens e suas relações
aparecem invertidos como numa câmara escura, tal fenômeno decorre de seu
processo histórico de vida, do mesmo modo por que a inversão dos objetos na
retina decorre de seu processo de vida diretamente físico.
Totalmente ao contrário do que ocorre na filosofia alemã, que desce do céu à
terra, aqui se ascende da terra ao céu. Ou, em outras palavras: não se parte
daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos
homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos
homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu
processo de vida, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos
e dos ecos desse processo de vida. E mesmo as formações nebulosas no cérebro
dos homens são sublimações necessárias do seu processo de vida material,
empiricamente constatável e ligado a pressupostos materiais. A moral, a religião,
a metafísica e qualquer outra ideologia, assim como as formas de consciência
que a elas correspondem, perdem toda a aparência de autonomia. Não têm
história, nem desenvolvimento; mas os homens, ao desenvolverem sua produção
material e seu intercâmbio material, transformam também, com esta sua
realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar. Não é a consciência que
determina a vida, mas a vida que determina a consciência. Na primeira maneira
de considerar as coisas, parte-se da consciência como do próprio indivíduo vivo;
na segunda, que é a que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos
reais e vivos, e se considera a consciência unicamente como sua consciência.
Esta maneira de considerar as coisas não é desprovida de pressupostos. Parte
de pressupostos reais e não os abandona um só instante. Estes pressupostos são
os homens, não em qualquer fixação ou isolamento fantásticos, mas em seu
processo de desenvolvimento real, em condições determinadas, empiricamente
visíveis. Desde que se apresente este processo ativo de vida, a história deixa de
ser uma coleção de fatos mortos, como para os empiristas ainda abstratos, ou
uma ação imaginária de sujeitos imaginários, como para os idealistas.
Ali onde termina a especulação, na vida real, começa também a ciência real,
positiva, a exposição da atividade prática, do processo prático de
desenvolvimento dos homens. As frases ocas sobre a consciência cessam, e um
saber real deve tomar o seu lugar. A filosofia autônoma perde, com a exposição
da realidade, seu meio de existência. Em seu lugar pode aparecer, quando muito,
um resumo dos resultados mais gerais, que se deixam abstrair da consideração
do desenvolvimento histórico dos homens. Estas abstrações, separadas da
história real, não possuem valor algum. Podem servir apenas para facilitar a
ordenação do material histórico, para indicar a sequência de suas camadas
singulares. Mas de forma alguma dão, como a filosofia, uma receita ou um
esquema onde as épocas podem ser enquadradas. A dificuldade começa, ao
contrário, apenas quando se passa à consideração e à ordenação do material, seja
de uma época passada ou do presente, quando se passa à exposição real.
A remoção destas dificuldades depende de pressupostos impossíveis de
desenvolver aqui, mas que resultam somente do estudo do processo de vida real
e da ação dos indivíduos de cada época. Destacaremos aqui algumas destas
abstrações, para contrapô-las à ideologia, ilustrando-as com alguns exemplos
históricos.
História

Em relação aos alemães, situados à margem de qualquer pressuposto, somos


forçados a começar constatando que o primeiro pressuposto de toda a existência
humana e, portanto, de toda a história, é que os homens devem estar em
condições de viver para poder "fazer história". Mas, para viver, é preciso antes
de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro
ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas
necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato
histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como há
milhares de anos, deve ser cumprida todos os dias e todas as horas,
simplesmente para manter os homens vivos. E ainda quando o mundo sensível se
veja reduzido a um mínimo, a um bastão, como em São Bruno, ele pressupõe a
atividade de produção deste bastão. A primeira coisa, portanto, em qualquer
concepção histórica, é observar este fato fundamental em toda sua significação e
em toda sua extensão e render-lhe toda justiça. Sabe-se bem que isto nunca foi
feito pelos alemães, que, por isso, nunca tiveram uma base terrena para a história
e, consequentemente, nunca tiveram um historiador. Embora não tenham
percebido a conexão deste fato com a assim chamada história senão de maneira
extremamente unilateral, sobretudo quando se mantinham presos à ideologia
política, os franceses e os ingleses, mesmo assim, realizaram as primeiras
tentativas para dar à historiografia uma base materialista, ao escreverem as
primeiras histórias da sociedade civil, do comércio e da indústria.
O segundo ponto é que, satisfeita esta primeira necessidade, a ação de
satisfazê-la e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas
necessidades - e esta produção de novas necessidades é o primeiro ato histórico.
Aqui se mostra, ao mesmo tempo, a descendência espiritual da grande sabedoria
histórica dos alemães, os quais, quando lhes falta o material positivo e quando
não adianta debater tolices teológicas, políticas ou literárias, nada nos oferecem
em matéria de história, mas sim de "tempos pré-históricos"; de resto, porém, não
nos explicam como se passa deste, absurdo da "pré-história" à história
propriamente dita - embora, por outro lado, sua especulação histórica se lance
em especial sobre esta "pré-história", porque acreditam estar a salvo da
interferência dos "fatos crus" e também porque, ao mesmo tempo, podem dar
rédea solta aos seus impulsos especulativos e propor e lançar por terra milhares
de hipóteses.
A terceira condição que já de início intervém no desenvolvimento histórico é
que os homens, que diariamente renovam sua própria vida, começam a criar
outros homens, a procriar: é a relação entre homem e mulher, entre pais e filhos,
a família. Esta família, que no início é a única relação social, torna-se depois,
quando as necessidades ampliadas engendram novas relações sociais e o
acréscimo de população engendra novas necessidades, uma relação secundária7 e
deve, portanto, ser tratada e desenvolvida segundo os dados empíricos existentes
e não segundo o "conceito de família", como é hábito na Alemanha. Além do
mais, não se deve considerar estes três aspectos da atividade social como três
fases diferentes, mas simplesmente como três aspectos ou, para escrever de
maneira clara aos alemães, como três "momentos", que coexistem desde os
primórdios da história e desde os primeiros homens, e que ainda hoje se fazem
valer na história.
A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, como da alheia, na
procriação, aparece agora como dupla relação: de um lado, como relação natural,
de outro como relação social - social no sentido de que se entende por isso a
cooperação de vários indivíduos, quaisquer que sejam as condições, o modo e a
finalidade. Donde se segue que um determinado modo de produção ou uma
determinada fase industrial estão constantemente ligados a um determinado
modo de cooperação e a uma fase social determinada, e que tal modo de
cooperação é, ele próprio, uma "força produtiva"; segue-se igualmente que a
soma de forças produtivas acessíveis aos homens condiciona o estado social e
que, por conseguinte, a "história da humanidade" deve sempre ser estudada e
elaborada em conexão com a história da indústria e das trocas. Mas é claro
também que é impossível escrever tal história na Alemanha, pois faltam aos
alemães não apenas a capacidade de concepção e o material, mas também a
"certeza sensível"; e além do Reno não se pode ter nenhuma experiência sobre
estas coisas, pois ali já não ocorre história alguma. Desde o início mostra-se,
portanto, uma conexão materialista dos homens entre si, condicionada pelas
necessidades e pelo modo de produção, conexão esta que, é tão antiga quanto os
próprios homens - e que toma, incessantemente, novas formas e apresenta,
portanto, uma "história", sem que exista qualquer absurdo político ou religioso
que também mantenha os homens unidos.
Somente agora, depois de ter examinado quatro momentos, quatro aspectos
das relações históricas originárias, verificamos que o homem tem também
"consciência". Mas, ainda assim, não se trata de consciência "pura". Desde o
início pesa sobre "o espírito" a maldição de estar "contaminado" pela matéria,
que se apresenta sob a forma de camadas de ar em movimento, de sons, em
suma, de linguagem. A linguagem é tão antiga quanto a consciência - a
linguagem é a consciência real, prática, que existe para os outros homens e,
portanto, existe também para mim mesmo; e a linguagem nasce, como a
consciência, da carência, da necessidade de intercâmbio com outros homens.
Onde existe uma relação, ela existe para mim: o animal não se "relaciona" com
nada, simplesmente não se relaciona. Para o animal, sua relação com outros não
existe como relação. A consciência, portanto, é desde o início um produto social,
e continuará sendo enquanto existirem homens. A consciência é, naturalmente,
antes de tudo, mera consciência do meio sensível mais próximo e consciência da
conexão limitada com outras pessoas e coisas situadas fora do indivíduo que se
torna consciente; é ao mesmo tempo consciência da natureza que, a princípio,
aparece aos homens como um poder completamente estranho, onipotente,
inexpugnável com o qual os homens se relacionam de maneira puramente animal
e perante o qual se deixam impressionar como o gado; é, portanto, uma
consciência puramente animal da natureza8.
Vê-se logo que essa religião natural, ou esta relação determinada com a
natureza, é condicionada pela forma da sociedade e vice-versa. Aqui, como em
toda parte, a identidade entre o homem e a natureza aparece de modo a indicar
que a relação limitada dos homens com a natureza condiciona a relação limitada
dos homens entre si, e a relação limitada dos homens entre si condiciona a
relação limitada dos homens com a natureza, exatamente porque a natureza
ainda está pouco modificada pela história. E, por outro lado, a consciência da
necessidade de estabelecer relações com os indivíduos que o circundam é o
começo da consciência de que o homem vive em sociedade. Este começo é tão
animal quanto à própria vida social nesta fase: trata-se de simples consciência
gregária e o homem se distingue do carneiro unicamente pelo fato de que nele
sua consciência toma o lugar do instinto ou de que seu instinto é consciente. Esta
consciência de carneiro ou tribal desenvolve-se e aperfeiçoa-se ulteriormente em
razão do crescimento da produtividade, do aumento das necessidades e do
aumento da população, sendo este último a base dos dois primeiros. Com isto,
desenvolve-se a divisão do trabalho, que originariamente nada mais era do que a
divisão do trabalho no ato sexual e, mais tarde, divisão do trabalho que se
desenvolve por si própria "naturalmente", em virtude de disposições naturais9,
necessidades, acasos etc. A divisão do trabalho torna-se realmente divisão
apenas a partir do momento em que surge uma divisão entre o trabalho material
e o espiritual. A partir deste momento, a consciência pode realmente imaginar
ser algo, diferente da consciência da práxis existente, representar realmente algo
sem representar algo real; desde este instante, a consciência está em condições
de emancipar-se do mundo e entregar-se à criação da teoria, da teologia, da
filosofia, da moral etc., "puras". Mas ainda que esta teoria, esta teologia, esta
filosofia e esta moral etc. entrem em contradição com as relações existentes, isso
só pode acontecer porque as relações sociais existentes se encontram em
contradição com as forças de produção existentes; o que, além disso, também
pode acontecer num determinado círculo nacional de relações, pelo fato de que a
contradição se instala não neste âmbito nacional, mas entre esta consciência:
nacional e a práxis de outras nações, isto é, entre a consciência nacional de uma
nação e sua consciência universal10.
Além disso, é inteiramente indiferente o que a consciência sozinha
empreenda; de toda esta porcaria conservamos apenas um resultado, a saber: que
esses três momentos - a força de produção, o estado social e a consciência -
podem e devem entrar em contradição entre si, porque, com a divisão do
trabalho, fica dada a possibilidade, mais ainda, a realidade, de que a atividade
espiritual e a material - a fruição e o trabalho, a produção e o consumo - caibam
a indivíduos diferentes; e a possibilidade de não entrarem esses elementos em
contradição reside unicamente no fato de que a divisão do trabalho seja
novamente superada. É evidente por si mesmo que "espectros", "nexos", "ser
mais elevado", "conceitos", "escrúpulos" são apenas a expressão espiritual
idealista, a representação aparente do indivíduo isolado, a representação de
grilhões e limites muito empíricos no interior dos quais se movem o modo de
produção da vida e a forma de intercâmbio a ele conectada.
Com a divisão do trabalho, na qual todas estas contradições estão dadas e que
repousa, por sua vez, na divisão natural do trabalho na família e na separação da
sociedade em diversas famílias opostas umas às outras, dá-se ao mesmo tempo a
distribuição, e com, efeito a distribuição desigual, tanto quantitativa como
qualitativamente, do trabalho e de seus produtos; ou seja, a propriedade, que já
tem seu núcleo, sua primeira forma, na família, onde a mulher e os filhos são
escravos do marido. A escravidão na família, embora ainda tosca e latente, é a
primeira propriedade, que aqui, aliás, já corresponde perfeitamente à definição
dos economistas modernos, segundo a qual a propriedade é o poder de dispor da
força de trabalho de outros. Além disso, divisão do trabalho e propriedade
privada são expressões idênticas: a primeira enuncia em relação à atividade,
aquilo que se enuncia na segunda em relação ao produto da atividade.
Além do mais, com a divisão do trabalho é dada ao mesmo tempo a
contradição entre o interesse do indivíduo ou da família singulares e o interesse,
coletivo de todos os indivíduos que se relacionam entre si; e, com efeito, este
interesse coletivo não existe apenas na representação, como "interesse geral",
mas se apresenta, antes de tudo, na realidade, como a dependência recíproca de
indivíduos entre os quais o trabalho está dividido, Finalmente, a divisão do
trabalho nos oferece, desde logo, o primeiro exemplo do seguinte fato: desde que
os homens se encontram numa sociedade natural e também desde que há cisão
entre o interesse particular e o interesse comum, desde que, por conseguinte, a
atividade está dividida não voluntariamente, mas de modo natural, a própria ação
do homem converte-se num poder estranho e a ele oposto, que o subjuga ao
invés de ser por ele dominado. Com efeito, desde o instante em que o trabalho
começa a ser distribuído, cada um dispõe de uma esfera de atividade exclusiva e
determinada, que lhe é imposta e da qual não pode sair; o homem é caçador,
pescador, pastor ou crítico crítico, e aí deve permanecer se não quiser perder
seus meios de vida - ao passo que na sociedade comunista, onde cada um não
tem uma esfera de atividade exclusiva, mas pode aperfeiçoar-se no ramo que lhe
apraz, a sociedade regula a produção geral, dando-me assim a possibilidade de
hoje fazer tal coisa, amanhã outra, caçar pela manhã, pescar à tarde, criar
animais ao anoitecer, criticar após o jantar, segundo meu desejo, sem jamais
tornar-me caçador, pescador, pastor ou critico. Esta fixação da atividade social -
esta consolidação de nosso próprio produto num poder objetivo superior a nós,
que escapa ao nosso controle, que contraria nossas expectativas e reduz a nada
nossos cálculos - é um dos momentos capitais do desenvolvimento histórico que
até aqui tivemos. É justamente desta contradição entre o interesse particular e o
interesse coletivo que o interesse coletivo toma, na qualidade de Estado, uma
forma autônoma, separada dos reais interesses particulares e gerais e, ao mesmo
tempo, na qualidade de uma coletividade ilusória, mas sempre sobre a base real
dos laços existentes em cada conglomerado familiar e tribal - tais como, laços de
sangue, linguagem, divisão do trabalho em maior escala e outros interesses - e
sobretudo, como desenvolveremos mais adiante, baseada nas classes, já
condicionadas pela divisão do trabalho, que se isolam em cada um destes
conglomerados humanos e entre as quais há uma que domina todas as outras.
Segue-se que todas as lutas no interior do Estado, a luta entre democracia,
aristocracia e monarquia, a luta pelo direito de voto etc., etc., são apenas as
formas ilusórias nas quais se desenrolam as lutas reais entre as diferentes
classes11; segue-se, além disso, que toda classe que aspira à dominação, mesmo
que essa dominação, como no caso do proletariado, exija a superação de toda a
antiga forma de sociedade e de dominação em geral, deve conquistar primeiro o
poder político, para apresentar seu interesse como interesse geral, ao que está
obrigada no primeiro momento. Justamente porque os indivíduos procuram
apenas seu interesse particular, que para eles não coincide com seu interesse
coletivo12, este interesse comum faz-se valer como um interesse "estranho" aos
indivíduos, "independente" deles, como um interesse "geral" especial e peculiar;
ou têm necessariamente de enfrentar-se com este conflito, tal como na
democracia. Por outro lado, a luta prática destes interesses particulares, que
constantemente e de modo real chocam-se com os interesses coletivos e
ilusoriamente tidos como coletivos, torna necessário o controle e a intervenção
prática através do ilusório interesse "geral" como Estado. O poder social, isto é,
a força produtiva multiplicada que nasce da cooperação de vários indivíduos
exigida pela divisão do trabalho, aparece a estes indivíduos, porque sua
cooperação não é voluntária mas natural, não como seu próprio poder unificado,
mas como uma força estranha situada fora deles, cuja origem e cujo destino
ignoram, que não podem mais dominar e que, pelo contrário, percorre agora uma
série particular de fases e de estágios de desenvolvimento, independente do
querer e do agir dos homens e que, na verdade, dirige este querer e agir.
Esta "alienação" - para usar um termo compreensível aos filósofos - pode ser
superada, naturalmente, apenas sob dois pressupostos práticos. Para que ela se
torne um poder "insuportável", isto é, um poder contra o qual se faz uma
revolução, é necessário que tenha produzido a massa da humanidade como
massa totalmente "destituída de propriedade"; e que se encontre, ao mesmo
tempo, em contradição com um mundo de riquezas e de cultura existente de fato
- coisas que pressupõem, em ambos os casos, um grande incremento da força
produtiva, ou seja, um alto grau de seu desenvolvimento; por outro lado, este
desenvolvimento das forças produtivas13 é um pressuposto prático,
absolutamente necessário, porque, sem ele, apenas generalizar-se-ia a escassez e,
portanto, com a carência, recomeçaria novamente a luta pelo necessário e toda a
imundície anterior seria restabelecida; além disso, porque apenas com este
desenvolvimento universal das forças produtivas dá-se um intercâmbio universal
dos homens, em virtude do qual, de um lado, o fenômeno da massa "destituída
de propriedade" se produz simultaneamente em todos os povos14, fazendo com
que cada um deles dependa das revoluções dos outros; e, finalmente, coloca
indivíduos empiricamente universais, histórico-mundiais, no lugar de indivíduos
locais. Sem isso, 1º) o comunismo não poderia existir a não ser como fenômeno
local; 2.°) as próprias forças do intercâmbio não teriam podido se desenvolver
como forças universais, portanto insuportáveis, e permaneceriam
"circunstâncias" domésticas e supersticiosas; e 3.°) toda ampliação do
intercâmbio superaria o comunismo local. Empiricamente, o comunismo é
apenas possível como ato dos povos dominantes "súbita" e simultaneamente, o
que pressupõe o desenvolvimento universal da força produtiva e o intercâmbio
mundial conectado com o comunismo. De outro modo, como poderia a
propriedade, por exemplo, ter uma história, tomar diferentes figuras, e a
propriedade territorial - segundo os diferentes pressupostos dados - passar, na
França, do fracionamento à centralização nas mãos de uns poucos e, na
Inglaterra, da centralização nas mãos de alguns ao fracionamento, como hoje
realmente é o caso? Ou como ocorre que o comércio, que nada mais é do que a
troca de produtos de indivíduos e países diferentes domine o mundo inteiro
através da relação entre a oferta e a procura - relação que, segundo um
economista inglês, paira sobre a terra como o destino dos antigos, repartindo
com mão invisível a felicidade e a desgraça entre os homens, fundando e
esmagando impérios, fazendo povos nascerem e desaparecerem - enquanto que
com a superação da base, da propriedade privada, com a regulamentação
comunista da produção15, o poder da relação entre a oferta e a procura dissolve-
se no nada, os homens readquirem o poder sobre a troca, a produção e o modo de
seu relacionamento mútuo?
O comunismo não é para nós um estado que deve ser estabelecido, um ideal
para o qual a realidade terá que se dirigir. Denominamos comunismo o
movimento real que supera o estado de coisas atual. As condições desse
movimento resultam de pressupostos atualmente existentes. Além disso, a massa
dos simples trabalhadores - força de trabalho excluída em massa do capital ou de
qualquer outra satisfação limitada - pressupõe o mercado mundial; e, portanto,
pressupõe também a perda, não mais temporária e resultante da concorrência,
deste próprio trabalho como uma fonte segura de vida. O proletariado só pode,
pois, existir mundial e historicamente, do mesmo modo que o comunismo, sua
ação, só pode ter uma existência "histórico-mundial". Existência histórico-
mundial de indivíduos, isto é, existência de indivíduos diretamente vinculada à
história mundial.
A forma de intercâmbio, condicionada pelas forças de produção existentes em
todas as fases históricas anteriores e que, por sua vez, as condiciona, é a
sociedade civil; esta última, como se depreende do anteriormente exposto, tem
como pressuposto e fundamento a família simples e a família composta, o que se
costuma chamar de tribo, cujas determinações mais precisas foram dadas
anteriormente. Vê-se, já aqui, que esta sociedade civil é a verdadeira, fonte, o
verdadeiro cenário de toda a história, e quão absurda é a concepção histórica
anterior que, negligenciando as relações reais, limitava-se às ações altissonantes
dos príncipes e dos Estados.
A sociedade civil abrange todo o intercâmbio material dos indivíduos, no
interior de uma fase determinada de desenvolvimento das forças produtivas.
Abrange toda a vida comercial e industrial de uma dada fase e, neste sentido,
ultrapassa o Estado e a nação, se bem que, por outro lado, deve se fazer valer
frente ao exterior como nacionalidade e organizar-se no interior como Estado. A
expressão "sociedade civil" aparece no século XVIII, quando as relações de
propriedade já se tinham desprendido da comunidade antiga e medieval. A
sociedade civil, como tal, desenvolve-se apenas com a burguesia; entretanto, a
organização Social que se desenvolve imediatamente a partir da produção e do
intercâmbio e que forma em todas as épocas a base do Estado e do resto da
superestrutura idealista, foi sempre designada, invariavelmente, com o mesmo
nome.
Sobre a Produção da Consciência

Na história existente até aqui é certamente um fato empírico que os indivíduos


singulares, com a extensão da atividade para uma atividade histórico-mundial,
tornam-se cada vez mais submetidos a um poder que lhes é estranho16, um poder
que se torna cada vez maior e que se revela, em última instância, como mercado
mundial. Mas também está empiricamente fundamentado que, com a derrocada
do estado da sociedade existente por obra da revolução comunista17 e com a
superação da propriedade privada, que é idêntica à referida revolução, este
poder, que tanto confunde os teóricos alemães, será dissolvido; e então a
libertação de cada indivíduo singular é alcançada na mesma medida em que a
história transforma-se completamente em história mundial. Pelo que já foi
exposto, é claro que a verdadeira riqueza espiritual do indivíduo depende da
riqueza de suas relações reais. É apenas desta forma que os indivíduos singulares
são libertados das diversas limitações nacionais e locais, são postos em contato
prático com a produção18 do mundo inteiro e em condições de adquirir a
capacidade de desfrute desta multiforme produção do mundo inteiro19. A
dependência multiforme, esta forma natural de cooperação histórico-mundial dos
indivíduos, será transformada por essa revolução comunista no controle e
domínio consciente destes poderes que, engendrados pela ação recíproca dos
homens, impuseram-se a eles como poderes totalmente estranhos e que os
dominaram. Ora, esta concepção pode ser expressa em termos especulativos e
idealistas, isto é, fantásticos, tais como "auto-criação do gênero"20, e com isto a
série sucessiva de indivíduos relacionados entre si pode ser representada como
um único indivíduo que realiza o mistério de criar-se a si próprio. Vê-se aqui que
os indivíduos fazem-se uns aos outros, tanto física como espiritualmente, mas
não se fazem a si mesmos, nem na absurda concepção de São Bruno nem no
sentido do "único", do homem "feito".
Esta concepção da história consiste, pois, em expor o processo real de
produção, partindo da produção material da vida imediata; e em conceber a
forma de intercâmbio conectada a este modo de produção e por ele engendrada21
como o fundamento de toda a história, apresentando-a em sua ação enquanto
Estado e explicando a partir dela o conjunto dos diversos produtos teóricos e
formas da consciência - religião, filosofia, moral etc. - assim como em seguir seu
processo de nascimento a partir desses produtos; o que permite então,
naturalmente, expor a coisa em sua totalidade22. Não se trata, como na
concepção idealista da história, de procurar uma categoria em cada período, mas
sim de permanecer sempre sobre o solo da história real; não de explicar a práxis
a partir da ideia, mas de explicar as formações ideológicas a partir da práxis
material; chegando-se, por conseguinte, ao resultado de que todas as formas e
todos os produtos da consciência não podem ser dissolvidos por força da crítica
espiritual, pela dissolução na "autoconsciência" ou pela transformação em
"fantasmas", "espectros", "visões" etc. - mas só podem ser dissolvidos pela
derrocada prática das relações reais de onde emanam estas tapeações idealistas;
não é a crítica, mas a revolução a força motriz da história, assim como da
religião, da filosofia e de qualquer outro tipo de teoria. Tal concepção mostra que
a história não termina dissolvendo-se na "autoconsciência", como "espírito do
espírito", mas que em cada uma de suas fases encontra-se um resultado material,
uma soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a
natureza e entre os indivíduos, que cada geração transmite à geração seguinte;
uma massa de forças produtivas, de capitais e de condições que, embora sendo
em parte modificada pela nova geração, prescreve a esta suas próprias condições
de vida e lhe imprime um determinado desenvolvimento, um caráter especial.
Mostra que, portanto, as circunstâncias fazem os homens assim como os homens
fazem as circunstâncias. Esta soma de forças de produção, de capitais, de formas
sociais de intercâmbio, que cada individuo e cada geração encontram como algo
dado, é o fundamento real daquilo que os filósofos representaram como
"substância" e "essência do homem", aquilo que eles endeusaram e combateram;
fundamento real que, em seus efeitos e influências sobre o desenvolvimento dos
homens, não é em nada perturbado pelo fato destes filósofos se rebelarem contra
ele como "autoconsciência" e como o "Único". Estas condições de vida, que as
diferentes gerações encontram já existentes, decidem também se as convulsões
revolucionárias que periodicamente se repetem na história serão ou não o
suficientemente fortes para subverter as bases de todo o existente. Os elementos
materiais de uma subversão total são, de um lado, as forças produtivas existentes
e, de outro; a formação de uma massa revolucionária que se revolte, não só
contra as condições particulares da sociedade existente até então, mas também
contra a própria "produção da vida" vigente, contra a "atividade total" sobre a
qual se baseia. Se tais elementos materiais não existem, então, no que se refere
ao desenvolvimento prático, é absolutamente indiferente que a ideia desta
subversão tenha sido já proclamada uma centena de vezes, como o demonstra a
história do comunismo.
Toda concepção histórica, até o momento, ou tem omitido completamente esta
base real da história, ou a tem considerado como algo secundário, sem qualquer
conexão com o curso da história. Isto faz com que a história deva sempre ser
escrita de acordo com um critério situado fora dela. A produção da vida real
aparece como algo separado da vida comum, como algo extra e supra-terrestre.
Com isto, a relação dos homens com a natureza é excluída da história, o que
engendra a oposição entre natureza e história. Consequentemente, tal concepção
apenas vê na história as ações políticas dos príncipes e do Estado, as lutas
religiosas e as lutas teóricas em geral, e vê-se obrigada, especialmente, a
compartilhar, em cada época histórica, a ilusão dessa época. Por exemplo, se
uma época imagina ser determinada por motivos puramente "políticos" ou
"religiosos", embora a "política" e a "religião" sejam apenas formas de seus
motivos reais, então o historiador da época considerada aceita essa opinião. A
"imaginação", a "representação", que esses homens determinados fizeram de sua
práxis real transforma-se na única força determinante e ativa que domina e
determina a práxis desses homens. Quando a forma tosca sob a qual se apresenta
a divisão do trabalho entre os hindus e entre os egípcios suscita nesses povos um
regime de castas próprio de seu Estado e de sua religião, o historiador crê que o
regime de castas é a força que engendrou essa forma social tosca. Enquanto os
franceses e os ingleses se atêm à ilusão política, que está certamente mais
próxima da realidade, os alemães se movem na esfera do "espírito puro" e fazem
da ilusão religiosa a força motriz da história. A filosofia hegeliana da história é a
última consequência, levada à sua "expressão mais pura", de toda esta
historiografia alemã, que não gira em torno de interesses reais, sequer de
interesses políticos, mas em torno de pensamentos puros, os quais
consequentemente devem aparecer a São Bruno como uma série de pensamentos
que se devoram entre si e perecem, finalmente, na "autoconsciência"; e, de modo
ainda mais consistente, ao sagrado Max Stirner, que nada sabe da história real, o
curso da história aparece como um simples conto de "cavaleiros", bandidos e
fantasmas, de cujas visões só consegue naturalmente se salvar pela
"dessacralização". Tal concepção é verdadeiramente religiosa; ela postula o
homem religioso como sendo o proto-homem do qual parte toda a história; e, em
sua imaginação, coloca a produção religiosa de fantasias no lugar da produção
real dos meios de vida e da própria vida. Toda esta concepção da história,
inclusive sua dissolução, os escrúpulos e as dúvidas que dela resultam, não é
mais do que um assunto puramente nacional dos alemães e apenas tem interesse
local para os alemães, como, por exemplo, a importante questão, tratada já
inúmeras vezes, a saber: como se passa realmente "do reino de Deus para o reino
do homem" - como se esse "reino de Deus" tivesse sempre existido a não ser na
imaginação e como se os eruditos senhores não tivessem vivido sempre, sem
sabê-lo, no "reino dos homens", para o qual procuram agora o caminho; e como
se esse divertimento científico (pois não passa disso) de explicar o que há .de
curioso nessas formações teóricas nebulosas não residisse em demonstrar, ao
contrário, que suas origens estão nas condições terrestres reais. Em geral, para
estes alemães, trata-se simplesmente de dissolver o absurdo já existente em
quaisquer outras extravagâncias, isto é, de pressupor que todo, este absurdo
possui um sentido à parte que pode ser descoberto; enquanto se trata, apenas, de
explicar esta fraseologia teórica a partir das relações reais existentes. A
dissolução real, prática, desta fraseologia, a remoção destas representações da
consciência dos homens, só será efetivada, como já dissemos, por circunstâncias
alteradas e não por deduções teóricas. Para a massa dos homens, isto é, para o
proletariado, tais representações não existem e não necessitam, portanto, ser
dissolvidas, e embora esta massa ainda tenha representações teóricas desse tipo,
tais como a religião etc., há muito tempo estas foram dissolvidas pelas
circunstâncias.
O caráter puramente nacional destas questões e de suas soluções manifesta-se,
ainda, no fato de que esses teóricos creem seriamente que fantasias, tais como as
de "homem-Deus", "o homem" etc., têm presidido as diferentes épocas da
história23 - e quando eles próprios se entregam a construções históricas saltam
com grande pressa por sobre todos os períodos anteriores, e da civilização
mongol passam de imediato para a história propriamente "rica de conteúdo", isto
é, para a história dos Hallische e dos Deutsche Jahrbucher, e passam para a
dissolução da escola hegeliana numa briga geral. Todas as outras nações, todos
os acontecimentos reais, são esquecidos; e o teatro do mundo limita-se à Feira de
Livros de Leipzig e às disputas mútuas entre a "Crítica", o "Homem" e o
"Único". E quando a teoria se decide a cuidar de temas verdadeiramente
históricos - como o século XVIII, por exemplo - esses filósofos dão-nos apenas a
história das representações, desligada dos fatos e dos desenvolvimentos práticos
que lhes servem de base, e também isto com a intenção de apresentar a época em
questão como a primeira etapa imperfeita, como a precursora ainda incipiente da
verdadeira época histórica, isto é, da época da luta entre filósofos alemães de
1840 a 1844. Seu objetivo é, portanto, escrever uma história do passado para
fazer brilhar a glória de um personagem não histórico e de suas fantasias, e de
acordo com isso não mencionar todos os acontecimentos históricos reais,
inclusive as ingerências realmente históricas da política na história, e oferecer,
em compensação, uma narração não baseada em estudos mas em artifícios e
tagarelices literárias - como faz São Bruno em sua já esquecida História do
Século XVIII. Esses mascates do pensamento, cheios de pretensão e arrogância,
que se creem infinitamente acima de preconceitos nacionais, são, na prática,
muito mais nacionais do que os filisteus de cervejaria que sonham com a
unidade alemã. Não reconhecem nenhum caráter histórico aos atos de outros
povos; vivem na Alemanha, com a Alemanha e para a Alemanha, convertem a
canção do Reno em hino religioso e conquistam a Alsácia-Lorena despojando a
filosofia francesa ao invés de despojar o Estado francês, germanizando os
pensamentos franceses em lugar das províncias francesas. O senhor Venedey
figura como cosmopolita ao lado de São Bruno e São Max, os quais proclamam,
no domínio mundial da teoria, o domínio mundial da Alemanha.
Vê-se igualmente nesta discussão o quanto Feuerbach se engana24 quando, por
meio da qualificação de "homem comum", declara-se um comunista e
transforma este último em predicado "do" homem, acreditando, assim, poder
transformar em mera categoria a palavra comunista que, no mundo real, designa
o adepto de determinado partido revolucionário. Toda a dedução de Feuerbach
no que concerne às relações recíprocas entre os homens visa unicamente a
provar que os homens têm necessidade uns dos outros, e sempre tiveram. Ele
quer estabelecer a consciência sobre este fato, quer, portanto, como os outros
teóricos, criar apenas uma consciência correta sobre um fato existente, ao passo
que para o verdadeiro comunista o que importa é derrocar este existente.
Reconhecemos plenamente que Feuerbach, em seus esforços por criar
justamente a consciência desse fato, vai tão longe quanto pode chegar um teórico
sem deixar de ser teórico e filósofo. É sintomático, entretanto, que São Bruno e
São Max coloquem imediatamente a representação feuerbachiana do comunista
em lugar do comunista real - o que fazem, em parte, para que também possam,
como adversários da mesma estirpe, combater o comunismo como "espírito do
espírito", como uma categoria filosófica e, no caso de São Bruno, além disso,
por interesses pragmáticos. Como exemplo do reconhecimento e, ao mesmo
tempo, do desconhecimento do existente, que Feuerbach continua
compartilhando com nossos adversários, recordemos a passagem de sua
Filosofia do Futuro onde desenvolve o ponto de vista de que o ser de uma coisa
ou do homem é, simultaneamente, sua essência; de que as determinadas
condições de existência, o modo de vida e a atividade de um indivíduo animal ou
humano são aquilo em que sua "essência" se sente satisfeita. Toda exceção é
aqui expressamente concebida como um acidente infeliz, como uma
anormalidade que não pode ser modificada.
Quando, portanto, milhões de proletários não se sentem de forma alguma
satisfeitos com suas condições de vida, quando seu "ser" em nada corresponde à
sua "essência", isto então seria, de acordo com a passagem citada, uma desgraça
inevitável que se deveria suportar tranquilamente. Contudo, milhões de
proletários ou de comunistas pensam de modo inteiramente diferente e provarão
isto no devido tempo, quando puserem seu "ser" em harmonia com sua
"essência" de uma maneira prática, através de uma revolução. É por isto que em
casos dessa espécie Feuerbach jamais fala do mundo dos homens, mas refugia-se
na natureza exterior, na natureza ainda não dominada pelos homens. Mas, com
cada nova invenção, com cada progresso da indústria, uma nova parte é
arrancada deste terreno e o solo sobre o qual crescem os exemplos de tais
proposições feuerbachianas se restringe cada vez mais. A "essência" do peixe é
seu "ser": a água - para retomar uma das proposições de Feuerbach. A "essência"
do peixe de rio é a água do rio; contudo, esta água deixa de ser sua "essência"
quando se torna um meio de existência que não mais lhe convém, tão logo o rio
sofra a influência da indústria, tão logo seja poluído por colorantes e outros
dejetos, tão logo navios a vapor naveguem pelo rio, tão logo suas águas sejam
dirigidas para canais onde simples drenagens podem retirar do peixe seu meio de
existência. Declarar que contradições deste gênero são anormalidades inevitáveis
não difere, fundamentalmente, do consolo que São Max Stirner oferece aos
insatisfeitos, ao afirmar que esta contradição é sua própria contradição e que esta
má situação é sua própria má situação, na qual poderiam, ou acalmar-se, ou
guardar sua própria indignação para si, ou rebelar-se contra isso de modo
fantástico. Isto difere muito pouco da alegação de São Bruno de que estas
circunstâncias infelizes seriam provenientes do fato de que os insatisfeitos se,
detiveram no lixo da "substância", não progrediram para a "autoconsciência
absoluta" e não reconheceram estas más condições de vida como espírito de seu
espírito.
Naturalmente, não nos daremos ao trabalho de explicar aos nossos sábios
filósofos que a "libertação" do "homem" não deu sequer um passo adiante ao
dissolverem a filosofia, a teologia, a substância e todo este lixo na
"autoconsciência", ao libertarem o "homem" da dominação desta fraseologia,
dominação sob a qual nunca esteve escravizado. Nem lhes explicaremos que
somente é possível efetuar a libertação real no mundo real e através de meios
reais; que não se pode superar a escravidão sem a máquina a vapor e a Mule-
Jenny, nem a servidão sem melhorar a agricultura; e que não é possível libertar
os homens enquanto não estiverem em condições de obter alimentação e bebida,
habitação e vestimenta, em qualidade e quantidade adequadas. A "libertação" é
um ato histórico e não um ato de pensamento, e é efetivada por condições
históricas, pela situação da indústria, do comércio, da agricultura, do
intercâmbio, e então, posteriormente, conforme suas diferentes fases de
desenvolvimento, o absurdo da substância, do sujeito, da autoconsciência e da
crítica pura, assim como o absurdo religioso e teológico, são novamente
eliminados quando suficientemente desenvolvidos. Naturalmente, num país
como a Alemanha, onde não ocorre senão um desenvolvimento histórico
miserável, estes desenvolvimentos intelectuais, estas trivialidades glorificadas e
ineficazes, servem naturalmente de substitutos para a ausência de
desenvolvimento histórico: incrustam-se e têm que ser combatidos. Mas esta luta
tem apenas importância local.
Na realidade, para o materialista prático, isto é, para o comunista, trata-se de
revolucionar o mundo existente, de atacar e transformar, praticamente, o estado
de coisas que ele encontrou. E se, por vezes, encontram-se em Feuerbach pontos
de vista desse gênero, eles não são mais do que intuições isoladas e têm muito
pouca influência sobre toda sua concepção geral para serem aqui considerados
como algo mais do que embriões capazes de desenvolvimento. A "concepção"
feuerbachiana do mundo sensível limita-se, de um lado, à simples contemplação
deste último e, de outro lado, ao simples sentimento; ele diz "o homem" ao invés
de dizer os "homens históricos reais". "O homem" é na realidade "o alemão". No
primeiro caso; na contemplação do mundo sensível, ele se choca,
necessariamente, com coisas que contradizem sua consciência e seu sentimento,
que perturbam a harmonia por ele pressuposta entre todas as partes do mundo
sensível e sobretudo entre homem e natureza. Para eliminar estas coisas, tem que
se refugiar numa dupla concepção, oscilando entre uma concepção profana, que
percebe apenas o que é "imediatamente palpável", e uma concepção mais
elevada, filosófica, que contempla a "essência verdadeira" das coisas. Ele não
percebe que o mundo sensível que o envolve não é algo dado imediatamente por
toda a eternidade, uma coisa sempre igual a si mesma, mas sim o produto da
indústria e do estado da sociedade; isto, na verdade, no sentido de que é um
produto histórico, o resultado da atividade de toda uma série de gerações, cada
uma das quais se alçando aos ombros da precedente, desenvolvendo sua
indústria e seu comércio, modificando a ordem social de acordo com as
necessidades alteradas. Mesmo os objetos da mais simples "certeza sensível" são
dados a Feuerbach apenas através do desenvolvimento social, da indústria e do
intercâmbio comercial. Sabe-se que a cerejeira, como quase todas as árvores
frutíferas, foi transplantada para nossas zonas pelo comércio, há alguns séculos
apenas, e foi, portanto; tão somente através dessa ação de uma determinada
sociedade em uma época determinada que foi dada à "certeza sensível" de
Feuerbach.
Aliás, nesta concepção que vê as coisas tais como são e aconteceram
realmente, todo profundo problema filosófico resolve-se simplesmente num fato
empírico, como adiante se verá de maneira ainda mais clara. Tomemos, por
exemplo, a importante questão das relações entre o homem e a natureza (ou
então, como Bruno nos mostra na pág. 110, "as oposições em natureza e
história", como se as duas "coisas" fossem separadas uma da outra, como se o
homem não se encontrasse sempre em face de uma natureza histórica e de uma
história natural). Esta questão, donde surgiram todas as "obras de grandeza
insondável" sobre a "substância" e a "autoconsciência", desaparece por si mesma
perante a compreensão do fato de que a célebre "unidade do homem com a
natureza" sempre existiu na indústria e se apresenta de maneira diferente, em
cada época, segundo o desenvolvimento maior ou menor da indústria; e o
mesmo no que se refere à "luta” do homem com a natureza, até o
desenvolvimento de suas forças produtivas sobre uma base correspondente. A
indústria e o comércio, a produção e a troca das necessidades de vida,
condicionam, por seu lado, a distribuição, a estrutura das diferentes classes
sociais, para serem, por sua vez, condicionadas por estas em seu modo de
funcionamento. Eis porque Feuerbach, em Manchester por exemplo, vê apenas
fábricas e máquinas onde há cem anos atrás havia apenas rodas de fiar e teares
manuais, ou por que, na Campagna di Roma, encontra apenas pastagens e
pântanos onde, no tempo de Augusto, não teria encontrado mais do que as
vinhas e quintas dos capitalistas romanos. Feuerbach fala em particular da
concepção da ciência natural e menciona segredos que se revelam apenas aos
olhos do físico e do químico; mas, o que seria da ciência natural sem o comércio
e a indústria? Mesmo esta ciência natural "pura" adquire tanto sua finalidade
como seu material graças apenas ao comércio e à indústria, à atividade sensível
dos homens. E até tal ponto é esta atividade, este contínuo trabalhar e criar
sensíveis, esta produção, a base de todo o mundo sensível tal e como agora
existe, que, se fosse interrompida até mesmo por um ano apenas, Feuerbach não
só encontraria enormes mudanças no mundo natural, mas logo sentiria falta de
todo o mundo dos homens e de sua própria capacidade de percepção, e até
mesmo de sua própria existência. Certamente, em tudo isto, a prioridade da
natureza exterior subsiste, e tudo isto não pode ser aplicado aos homens
primitivos produzidos por geração espontânea; mas esta diferenciação só tem
sentido na medida em que o homem é considerado como distinto da natureza. De
resto, a natureza, a natureza que precede a história humana, não é de forma
alguma a natureza na qual vive Feuerbach, é natureza que hoje já não existe em
parte alguma25 e que, portanto, não existe para Feuerbach.
É verdade que Feuerbach tem sobre os materialistas "puros" a grande
vantagem de compreender que o homem é também um "objeto sensível". Mas,
façamos abstração do fato de que ele concebe o homem apenas como "objeto
sensível" e não como "atividade sensível", pois ainda permanece no reino da
teoria e não concebe os homens em sua conexão social dada, em suas condições
de vida existentes, que fizeram deles o que são; por isto mesmo, jamais chega até
os homens ativos realmente existentes, mas se detém na abstração "o homem" e
apenas consegue reconhecer sentimentalmente o "homem real, individual,
corporal", isto é, não conhece outras "relações humanas" "entre o homem e o
homem" senão as do amor e da amizade, sendo estas, além disso, idealizadas.
Não nos oferece crítica alguma das condições de vida atuais. Não consegue
nunca, portanto, conceber o mundo sensível como. a atividade sensível, viva e
total, dos indivíduos que o constituem, razão pela qual é obrigado, ao ver, por
exemplo, ao invés de homens sadios um bando de pobres-diabos, escrufulosos,
esgotados e tísicos, a recorrer a uma "concepção superior" e à ideal "igualização
no gênero"; ou seja, por conseguinte, a reincidir no idealismo precisamente ali
onde o materialista comunista vê a necessidade e simultaneamente a condição de
uma transformação, tanto da indústria como da estrutura social.
Na medida em que Feuerbach é materialista, não aparece nele a história, e na
medida em que toma a história em consideração, não é materialista.
Materialismo e história aparecem completamente divorciados nele, fato que é
explicado pelo que até aqui dissemos.
A história nada mais é do que a sucessão de diferentes gerações, cada uma das
quais explora os materiais, os capitais e as forças de produção a ela transmitidas
pelas gerações anteriores; ou seja, de um lado, prossegue em condições
completamente diferentes a atividade precedente, enquanto, de outro lado,
modifica as circunstâncias anteriores através de uma atividade totalmente
diversa. O que pode ser especulativamente distorcido, na medida em que se
converte a história posterior em finalidade da anterior, na medida em que, por
exemplo, é atribuída à descoberta da América a finalidade de auxiliar a erupção
da Revolução Francesa - com o que a historia recebe finalidades à parte,
tornando-se uma "pessoa ao lado de outras pessoas"26, enquanto que o que se
designa com as palavras "destinação", "finalidade", "núcleo", "ideia", da história
anterior nada mais é do que uma abstração da história posterior, uma abstração
da influência ativa que a história anterior exerce sobre a posterior.
Ora, quanto mais os círculos singulares que atuam uns sobre os outros se
expandem no curso desse desenvolvimento, quanto mais o isolamento primitivo
das diferentes nacionalidades é destruído pelo modo de produção desenvolvido,
pelo intercâmbio e pela divisão do trabalho que surge de maneira natural entre as
diferentes nações, tanto mais a história torna-se uma história mundial. Assim é
que se inventa, por exemplo, na Inglaterra uma máquina que, na índia ou na
China, rouba o pão a milhares de trabalhadores e subverte toda a forma de
existência desses impérios, tal invento torna-se um fato histórico-mundial. E
vemos também como o açúcar e o café demonstram sua importância histórico-
mundial no século XIX, pelo fato de que a escassez desses produtos, resultante
do sistema continental napoleônico, incitou a sublevação dos alemães contra
Napoleão, estabelecendo-se com isso a base real das gloriosas guerras de
libertação de 1813. Segue-se daí que essa transformação da história em história
mundial não é, digamos, um simples fato abstrato da "autoconsciência", do
espírito mundial ou de qualquer outro fantasma metafísico, mas sim uma ação
puramente material, verificável de maneira empírica, uma ação para a qual cada
indivíduo fornece a prova, na medida em que anda e para, come, bebe e se veste.
As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto
é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo,
sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de
produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o
que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as ideias
daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As ideias dominantes
nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as
relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, a expressão das
relações que tornam uma classe a classe dominante; portanto, as ideias de sua
dominação. Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre
outras coisas, também consciência e, por isso, pensam; na medida em que
dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é
evidente que o façam em toda sua extensão e, consequentemente, entre outras
coisas, dominem também como pensadores, como produtores de ideias; que
regulem a produção e a distribuição das ideias de seu tempo e que suas ideias
sejam, por isso mesmo, as ideias dominantes da época. Por exemplo, numa
época e num país em que a aristocracia e a burguesia disputam a dominação e
em que, portanto, a dominação está dividida, mostra-se como ideia dominante a
doutrina da divisão dos poderes, enunciada então como "lei eterna".
A divisão do trabalho, de que já tratamos acima como uma das forças
principais da história até aqui, se expressa também no seio da classe dominante
como divisão do trabalho espiritual e material, de tal modo que, no interior desta
classe, uma parte aparece como os pensadores desta classe27, enquanto que os
outros relacionam-se com estas ideias e ilusões de maneira mais passiva e
receptiva, pois são, na realidade, os membros ativos desta classe e têm pouco
tempo para produzir ideias e ilusões acerca de si próprios. No interior desta
classe, essa cisão pode mesmo conduzir até a certa oposição e hostilidade entre
ambas as partes, mas esta hostilidade, entretanto, desaparece por si mesma logo
que surge qualquer colisão prática capaz de colocar em perigo a própria classe,
ocasião em que desaparece também a aparência de que as ideias dominantes não
são as ideias da classe dominante e têm um poder diferente do poder desta
classe. A existência de ideias revolucionárias numa determinada época já
pressupõe a existência de uma classe revolucionária, sobre cujos pressupostos já
dissemos anteriormente o necessário.
Se, na concepção do decurso da história, separarmos as ideias da classe
dominante da própria classe dominante e se as concebermos como autônomas, se
nos limitarmos a dizer que em uma época estas ou aquelas ideias dominaram,
sem nos preocuparmos com as condições de produção e com os produtores
destas ideias, se, portanto, ignorarmos os indivíduos e as circunstâncias mundiais
que são a base destas ideias, então podemos afirmar, por exemplo, que, na época
em que a aristocracia dominou, os conceitos de honra, fidelidade etc.
dominaram, ao passo que na época da dominação da burguesia dominaram os
conceitos de liberdade, igualdade etc. É o que, em média, imagina a própria
classe dominante. Tal concepção da história, comum a todos os historiadores,
especialmente desde o século XVIII, defrontar-se-á necessariamente com o
fenômeno de que ideias cada vez mais abstratas dominam, isto é, ideias que
tomam cada vez mais a forma de universalidade. Com efeito, cada nova classe
que toma o lugar da que dominava antes dela é obrigada, para alcançar os fins a
que se propõe, a apresentar seus interesses como sendo o interesse comum de
todos os membros da sociedade, isto é, para expressar isso mesmo em termos
Ideais: é obrigada a emprestar às suas ideias a forma de universalidade, a
apresentá-las como sendo as únicas racionais, as únicas universalmente válidas.
A classe revolucionária surge, desde o início, não como classe, mas como
representante de toda a sociedade, porque já se defronta com uma classe; aparece
como a massa inteira da sociedade frente à única classe dominante. Ela consegue
isso porque no início seu interesse realmente ainda está ligado ao interesse
coletivo de todas as outras classes não dominantes e porque, sob a pressão das
condições prévias, esse interesse ainda não pôde desenvolver-se como interesse
particular de uma classe particular. Sua vitória é útil, também, a muitos
indivíduos de outras classes que não alcançaram uma posição dominante, mas
apenas na medida em que coloque agora esses indivíduos em condições de
elevar-se à classe dominante. Quando a burguesia francesa derrubou a
dominação da aristocracia, permitiu que muitos proletários se elevassem acima
do proletariado, mas unicamente na medida em que tornaram-se burgueses. Cada
nova classe estabelece sua dominação sempre sobre uma base mais extensa do
que a da classe que até então dominava, ao passo que, mais tarde, a oposição
entre a nova classe dominante e a não dominante se agrava e se aprofunda ainda
mais.
Ambas estas coisas condicionam o fato de que a luta a ser conduzida contra
esta nova classe dominante propõe-se novamente a uma negação mais decisiva e
radical das condições sociais anteriores, mais do que a que puderam fazer todas
as classes precedentes que haviam aspirado à dominação.
Toda esta aparência, a aparência de que a dominação de uma classe
determinada é somente a dominação de certas ideias, desaparece naturalmente,
por si mesma, tão logo a dominação de classe deixe de ser a forma da ordem
social, tão logo não seja mais necessário apresentar um interesse particular como
geral ou "o geral" como dominante.
Uma vez que as ideias dominantes tenham sido separadas dos indivíduos
dominantes e, principalmente, das relações que nascem de uma dada fase do
modo de produção, e que com isso chegue-se ao resultado de que na história as
ideias sempre dominam, é muito fácil abstrair dessas ideias "a ideia" etc. como o
dominante na história e nesta medida conceber todos estes conceitos e ideias
particulares como "autodeterminação" do conceito que se desenvolve na historia.
É então também natural que todas as relações dos homens podem ser deduzidas
do conceito de homem, do homem representado, da essência do homem, do
homem. Assim procedeu a filosofia especulativa. O próprio Hegel confessa no
final da Filosofia da História que "só considera o progresso do conceito" e que
expõe na história a "verdadeira teodicéia". Agora pode-se voltar novamente aos
produtores "do conceito", aos teóricos, ideólogos e filósofos, e chega-se então ao
resultado de que os filósofos, os pensadores como tal, dominaram sempre na
história - um resultado que também Hegel já proclamara, como acabamos de ver.
Todo truque que consiste em provar a supremacia do espírito na história28 limita-
se aos três esforços seguintes:
1º) Deve-se separar as ideias dos dominantes29 destes próprios
dominantes, reconhecendo com isso a dominação das ideias ou ilusões na
história.
2º) Deve-se introduzir uma ordem nesta dominação das ideias, estabelecer
uma conexão mística entre as ideias sucessivamente dominantes, o que se
consegue concebendo-as como "autodeterminações do conceito"30.
3°) Para eliminar o aspecto místico deste "conceito que se autodetermina"
transforma-se-o numa pessoa - "a autoconsciência" - ou a fim de aparecer
exatamente como materialista, numa série de pessoas que representam "o
conceito" na história, a saber, os "pensadores", os "filósofos", os ideólogos,
concebidos como os fabricantes da história, como o "conselho dos
guardiães", como os dominantes ". Desta forma, eliminam-se todos os
elementos materialistas da história e pode-se então soltar, tranquilamente, as
rédeas do corcel especulativo.
Enquanto que na vida comum qualquer comerciante sabe perfeitamente
distinguir entre o que alguém diz ser e o que realmente é, nossa historiografia
não alcançou ainda este conhecimento trivial. Toma cada época por sua palavra e
acredita no que ela diz e imagina a respeito de si mesma.
Este método histórico, que reinou sobretudo na Alemanha, e com razão, deve
ser explicado a partir da conexão com a ilusão dos ideólogos em geral - por
exemplo, com as ilusões dos juristas, dos políticos31 - a partir dos devaneios
dogmáticos e das distorções destes fulanos, o que se explica de forma muito
simples a partir de sua posição prática na vida, de seus negócios e da divisão do
trabalho.
B. A Base Real da Ideologia
A maior divisão entre o trabalho material e o intelectual é a separação entre a
cidade e o campo. A oposição entre a cidade e o campo começa com a transição
da barbárie à civilização, da organização tribal ao Estado, da localidade à nação,
e persiste através de toda a história da civilização até nossos dias.
Com a cidade aparece, simultaneamente, a necessidade de administração, de
polícia, de impostos etc., em uma palavra, a necessidade da organização comunal
e, portanto, da política em geral. Aqui, manifesta-se pela primeira vez a divisão
da população em duas grandes classes, divisão que repousa diretamente na
divisão do trabalho e nos instrumentos de produção. A cidade já é o fato da
concentração da população, dos instrumentos de produção, do capital, dos
prazeres e das necessidades, ao passo que o campo evidencia exatamente o fato
oposto: o isolamento e a separação. A oposição entre a cidade e o campo só pode
existir nos quadros da propriedade privada. É a expressão mais crassa da
subsunção do indivíduo à divisão do trabalho, a uma determinada atividade que
lhe é imposta - subsunção que converte uns em limitados animais urbanos e
outros em limitados animais rurais, reproduzindo diariamente a oposição entre
os interesses de ambos. O trabalho volta a ser aqui o fundamental, o poder sobre
os indivíduos, e enquanto existir esse poder deve existir a propriedade privada. A
superação da oposição entre a cidade e o campo é uma das primeiras condições
da coletividade, uma condição que depende, por sua vez, de uma massa de
pressupostos materiais que não pode ser satisfeita por obra da simples vontade,
como qualquer um pode perceber à primeira vista32. A separação entre a cidade e
o campo pode ser concebida também como a separação entre o capital e a
propriedade da terra, como o começo de uma existência e de um
desenvolvimento do capital independente da propriedade da terra, como o
começo de uma propriedade que tem por base somente o trabalho e a troca.
Nas cidades que, na Idade Média, não foram transmitidas já prontas pela
história anterior, mas que se formaram mais recentemente a partir dos servos que
se tornaram livres, o trabalho particular de cada um era sua única propriedade
além do pequeno capital, que consistia quase unicamente nas ferramentas mais
necessárias que trazia consigo. A concorrência dos servos fugitivos que não
cessavam de afluir às cidades e, com isso, a necessidade de uma força militar
urbana organizada, o vínculo da propriedade em comum com um determinado
trabalho, a necessidade de edifícios comuns para a venda de mercadorias - numa
época em que os artesãos eram também comerciantes - e a consequente exclusão
de pessoas não qualificadas de tais estabelecimentos, a oposição de interesses
entre os diferentes ofícios, a necessidade de proteger o trabalho aprendido a
duras penas e a organização feudal de todo o país: estas foram as causas que
levaram os trabalhadores de cada ofício a se unirem em corporações. Não vamos
aprofundar, aqui, as múltiplas modificações do sistema de corporações,
introduzidas por desenvolvimentos históricos ulteriores. A fuga dos servos para
as cidades ocorreu ininterruptamente por toda a Idade Média. Esses servos,
perseguidos no campo por seus senhores, chegavam isoladamente às cidades,
onde encontravam uma comunidade organizada contra a qual eram impotentes e
na qual deviam se submeter à posição que lhes designavam a procura por seu
trabalho e o interesse de seus concorrentes urbanos já organizados. Esses
trabalhadores, que chegavam isoladamente, jamais podiam chegar a ser uma
força, já que, se seu trabalho fosse de tipo corporativo e tivesse que ser
aprendido, os mestres da corporação os subjugavam e os organizavam de acordo
com seus interesses; ou então, se seu trabalho não tivesse que ser aprendido e,
portanto, não fosse de tipo corporativo, tornavam-se trabalhadores diaristas e
jamais chegavam a formar uma organização, permanecendo como uma plebe
desorganizada. A necessidade de trabalhadores diaristas nas cidades criou a
plebe.
Estas cidades eram verdadeiras "associações", criadas pela necessidade
imediata, pela preocupação em defender a propriedade e aptas a multiplicar os
meios de produção e os meios de defesa de seus membros individuais. A plebe
destas cidades encontrava-se privada de todo poder, compunha-se de indivíduos
estranhos uns aos outros, que chegavam isoladamente e que não possuíam
organização frente a um poder organizado, equipado para a guerra, que os
vigiava zelosamente. Oficiais e aprendizes estavam organizados em cada ofício
conforme melhor correspondesse aos interesses dos mestres; a relação patriarcal
existente entre eles e seus mestres conferia a estes últimos um duplo poder - de
um lado, os mestres exerciam influência direta sobre toda a vida dos oficiais; de
outro lado, porque, para os oficiais que trabalhavam com o mesmo mestre, havia
um vínculo real que os mantinha unidos frente aos oficiais dos outros mestres e
os separavam destes; por último, os oficiais estavam ligados à ordem existente
pelo interesse que tinham em se tornarem também mestres. Por consequência,
enquanto a plebe se lançava, ao menos, a sublevações contra toda a ordem
urbana, sublevações que, pela sua impotência, eram completamente ineficazes,
os oficiais não promoveram senão pequenos atos de insubordinação no interior
de corporações isoladas, atos que pertencem à própria natureza do regime
corporativo. As grandes sublevações da Idade Média partiram todas do campo,
mas igualmente não tiveram o menor sucesso, em virtude da dispersão e da
consequente rusticidade dos camponeses.
Nas cidades, a divisão do trabalho entre as diferentes corporações era ainda
inteiramente natural e, nas próprias corporações, ela não se estabelecia de forma
alguma entre os diferentes trabalhadores. Cada trabalhador devia estar apto a
executar todo um ciclo de trabalhos e preparado para fazer tudo o que pudesse
produzir com suas ferramentas. O intercâmbio restrito e a frágil ligação entre as
diversas cidades, a escassa densidade da população e as necessidades exíguas,
não permitiam que a divisão do trabalho fosse mais extensa; e cada um que
quisesse tornar-se mestre deveria dominar inteiramente seu ofício. Por isso
encontra-se entre os artesãos medievais um interesse por seu trabalho especial e
pela habilidade em exercê-lo, que podia chegar até certo sentido artístico
limitado. Por isso também cada artesão medieval estava completamente
absorvido por seu trabalho, com o qual mantinha uma agradável relação de
servidão e ao qual estava muito mais subordinado do que o trabalhador moderno,
para o qual seu trabalho é indiferente.
O capital, nestas cidades, era um capital surgido naturalmente, que consistia
em habitação, ferramentas e em uma clientela natural e hereditária; transmitia-se
de pais para filhos como capital irrealizável, devido ao incipiente comércio e à
escassa circulação. Este capital não era, como o moderno, um capital avaliável
em dinheiro, que pode ser investido indiferentemente: mas era um capital
diretamente ligado ao trabalho determinado do possuidor e dele inseparável; era,
portanto, neste sentido, um capital corporativo.
O passo seguinte no desenvolvimento da divisão do trabalho foi a separação
entre a produção e o comércio, a formação de uma classe especial de
comerciantes, uma separação que já era tradicional nas cidades transmitidas por
um período anterior33 e que logo surgiu nas cidades de formação recente. Com
isto estava dada a possibilidade de um vínculo comercial que ultrapassava os
círculos mais próximos, uma possibilidade cuja realização dependia dos meles
de comunicação existentes, do estado da segurança pública atingido no país e
condicionado pelas circunstâncias políticas34, e das necessidades das regiões
acessíveis ao comércio, necessidades cujo grau de desenvolvimento
determinava-se, em cada caso, pelo correspondente grau de cultura.
Com a constituição de uma classe especial dedicada ao comércio, com a
extensão do comércio através dos comerciantes para além das vizinhanças mais
próximas da cidade, surgiu logo uma ação recíproca entre a produção e o
comércio. As cidades entram em relação umas com outras, novas ferramentas
são levadas de uma cidade para outra e a separação entre a produção e o
comércio não tarda a suscitar uma nova divisão da produção entre as diversas
cidades, cada uma das quais logo explorará predominantemente um ramo
industrial. A limitação inicial à localidade começa, pouco a pouco, a desaparecer.
Na Idade Média, os burgueses em cada cidade eram constrangidos a se unir
contra a nobreza rural para salvar sua pele. A extensão do comércio e o
estabelecimento de comunicações levaram cada cidade a conhecer outras cidades
que haviam imposto os mesmos interesses na luta contra a mesma oposição. A
partir das numerosas burguesias locais de diferentes cidades nasceu lentamente a
classe burguesa. As condições de vida dos diferentes burgueses, em decorrência
da oposição às relações sociais existentes e do tipo de trabalho que isto impunha,
tornaram-se simultaneamente condições comuns a todos eles e independentes de
cada indivíduo. Os burgueses criaram essas condições na medida em que se
destacavam da associação feudal, e foram criados por essas condições na medida
em que estavam determinados por sua oposição à feudalidade existente. Com o
surgimento do vínculo entre as diferentes cidades, essas condições comuns se
transformaram em condições de classe.
As mesmas condições, a mesma oposição, os mesmos interesses tinham
também, necessariamente, que engendrar em todas as partes os mesmos
costumes. A própria burguesia só se desenvolve paulatinamente dentro de suas
condições; ramifica-se, por sua vez, em diferentes frações, de acordo com a
divisão do trabalho, e acaba por absorver em si todas as classes possuidoras
preexistentes (ao mesmo tempo em que transforma numa nova classe - o
proletariado - a maioria da classe não possuidora que existia anteriormente e
uma parte das classes até então possuidoras), na medida em que toda a
propriedade existente é transformada em capital comercial ou industrial. Os
indivíduos isolados apenas formam uma classe na medida em que têm que
manter uma luta comum contra outra classe; no restante, eles mesmos
defrontam-se uns com outros na concorrência. Por outro lado, a classe
autonomiza-se em face dos indivíduos, de sorte que estes últimos encontram
suas condições de vida preestabelecidas e têm, assim, sua posição na vida e seu
desenvolvimento pessoal determinados pela classe; tornam-se subsumidos a ela.
Trata-se do mesmo fenômeno que o da subsunção dos indivíduos isolados à
divisão do trabalho, e tal fenômeno não pode ser suprimido se não se supera a
propriedade privada e o próprio trabalho. Indicamos várias vezes como essa
subsunção dos indivíduos à classe transforma-se, ao mesmo tempo, em sua
subsunção a todo tipo de representações etc.
Depende simplesmente da extensão do comércio se as forças produtivas
alcançadas em uma localidade - especialmente as invenções - perdem-se ou não
para o desenvolvimento ulterior. Quando ainda não existe comércio para além
dos círculos mais próximos, cada invenção deve ser feita separadamente em cada
localidade, e meros acasos, tais como irrupções de povos bárbaros, inclusive
guerras habituais, são suficientes para fazer com que um país com forças
produtivas e necessidades desenvolvidas tenha que recomeçar novamente. No
início da história, todas as invenções tinham que ser refeitas diariamente e em
cada localidade, de maneira independente. Quão pouco salvas de uma destruição
total estão as forças produtivas desenvolvidas - mesmo no caso em que o
comércio tenha logrado relativa extensão - é demonstrado pelos fenícios, cujas
invenções na maior parte desapareceram por longo tempo pelo fato desta nação
ter sido excluída do comércio pela conquista de Alexandre e pela sua
consequente decadência. O mesmo ocorreu na Idade Média, por exemplo, com a
pintura sobre vidro. A permanência das forças produtivas adquiridas só é
assegurada quando o comércio torna-se comércio mundial e tem por base a
grande indústria, quando todas as nações são levadas à luta da concorrência.
A imediata consequência da divisão do trabalho entre as diferentes cidades foi
o nascimento das manufaturas, ramos da produção que escapavam dos limites do
sistema corporativo. O primeiro florescimento das manufaturas - na Itália e mais
tarde em Flandres - teve como seu pressuposto histórico o comércio com nações
estrangeiras. Em outros países - Inglaterra e França, por exemplo - as
manufaturas limitaram-se, inicialmente, ao mercado interno. Além dos
pressupostos já indicados, as manufaturas pressupõem ainda uma concentração
bem avançada da população - sobretudo no campo - e do capital, que começa a
acumular-se em poucas mãos, em parte nas corporações, apesar das leis
corporativas, e em parte entre os comerciantes.
Aquele trabalho que, desde o início, pressupunha a utilização de uma
máquina, mesmo sob forma rudimentar, não tardou a revelar-se como o mais
capaz de desenvolvimento. A tecelagem, que os camponeses praticavam até
então como atividade acessória para obter as vestimentas necessárias, foi o
primeiro trabalho que recebeu um impulso e um amplo desenvolvimento graças
à extensão do comércio. A tecelagem foi a primeira e continuou sendo a mais
importante manufatura. A crescente procura de tecidos para roupas, em
consequência do aumento da população, o começo da acumulação e da
mobilização do capital surgido naturalmente através da circulação acelerada, a
necessidade de luxo disso resultante e favorecida, sobretudo, pela extensão
progressiva do comércio, proporcionaram à tecelagem, quantitativa e
qualitativamente, um impulso que a obrigou a abandonar a forma de produção
anterior. Ao lado dos camponeses, que teciam para seu próprio uso - que
continuaram a subsistir e continuam ainda hoje - apareceu nas cidades uma nova
classe de tecelões, cujo os tecidos eram destinados ao conjunto do mercado
interno e, frequentemente, também aos mercados externos.
A tecelagem, trabalho que exige, na maioria dos casos, pouca habilidade e que
não tardou a desdobrar-se em incontáveis ramos, resistia, por sua própria
natureza, aos grilhões da corporação. Por isso, a tecelagem foi exercida
principalmente em aldeias e povoações sem organização corporativa, as quais
gradualmente tornaram-se cidades e, inclusive, as mais florescentes cidades de
cada país.
Com a manufatura livre da corporação, transformaram-se também as relações
de propriedade. O primeiro passo para ultrapassar o capital surgido naturalmente
foi dado pelo aparecimento de comerciantes cujo capital foi desde o início um
capital móvel - isto é, um capital no sentido moderno, na medida em que se pode
falar disso - dadas as circunstâncias de então, O segundo passo foi dado pela
manufatura, que mobilizou novamente uma massa de capital surgido
naturalmente e aumentou a massa do capital móvel em relação à do capital
surgido naturalmente.
Ao mesmo tempo, a manufatura tornou-se um refúgio dos camponeses contra
as corporações que os excluíam ou os pagavam mal, da mesma maneira que
anteriormente as cidades dominadas pelas corporações lhes tinham servido de
refúgio contra a nobreza rural opressora.
O começo das manufaturas trouxe consigo, simultaneamente, um período de
vagabundagem causado pelo desaparecimento da vassalagem feudal, pela
dispensa dos exércitos que haviam sido reunidos e servido aos reis contra os
vassalos, pela melhoria da agricultura e pela transformação em pastagens de
vastas zonas de cultivo. Isso já mostra como esta vagabundagem está
estreitamente ligada à decomposição do feudalismo. Já no século XIII nos
encontramos com épocas isoladas desse tipo, mas a vagabundagem só se
estabelece de maneira permanente e generalizada em fins do século XV e
começos do século XVI. Estes vagabundos - tão numerosos que o rei Henrique
VIII da Inglaterra, entre outros, mandou enforcar cerca de 72 mil - foram
obrigados a trabalhar com as maiores dificuldades, em meio à mais extrema
miséria e somente após longas resistências. A rápida prosperidade das
manufaturas, sobretudo na Inglaterra, absorveu-os paulatinamente.
Com a manufatura, as diversas nações entraram numa relação de
concorrência, empenhando-se em lutas comerciais por meio de guerras, direitos
alfandegários protecionistas e proibições, ao passo que, antes, as nações, quando
em contato, mantinham entre si trocas inofensivas. O comércio, a partir de então,
tem significação política.
Com o advento da manufatura, as relações entre trabalhador e empregador
mudaram. Nas corporações subsistiam as relações patriarcais entre oficiais e
mestres; na manufatura estas relações foram substituídas por relações monetárias
entre o trabalhador e o capitalista, relações que permaneceram com vestígios de
patriarcalismo no campo e nas pequenas cidades, mas que logo perderam quase
todo o matiz patriarcal nas cidades maiores, verdadeiramente manufatureiras.
A manufatura e em geral o movimento da produção receberam um enorme
impulso através da extensão do comércio, em consequência da descoberta da
América e da rota marítima das índias Orientais. Os novos produtos importados
destas regiões, e principalmente as massas de ouro e prata que entraram em
circulação, transformaram totalmente a situação recíproca das classes sociais e
desfecharam um rude golpe na propriedade feudal da terra e nos trabalhadores.
As expedições de aventureiros, a colonização e sobretudo a extensão dos
mercados até a formação de um mercado mundial - que se tornara possível e se
ampliava cada dia mais - provocaram, nova fase no desenvolvimento histórico,
fase na qual, em geral, não nos deteremos aqui. Através da colonização dos
países de descoberta recente, a luta comercial entre as nações recebeu novo
alimento e, com isso, tornou-se mais extensa e encarniçada.
A expansão do comércio e da manufatura acelerou a acumulação do capital
móvel, enquanto que nas corporações - que nenhum estímulo recebiam para
aumentar sua produção - o capital surgido naturalmente permanecia estável ou
até diminuía. O comércio e a manufatura criaram a grande burguesia; nas
corporações concentrava-se a pequena burguesia, que então já não dominava
mais, com antes, nas cidades, mas devia curvar-se à dominação dos grandes
comerciantes e manufatureiros. Daí a decadência das corporações, tão logo
entraram em contato com a manufatura.
As relações comerciais entre as nações assumiram duas formas diferentes no
período a que nos temos referido. No começo, o escasso volume de ouro e de
prata em circulação determinou a proibição da exportação desses metais; a
indústria, na maior parte importada do estrangeiro e exigida pela necessidade de
empregar a crescente população urbana, não podia dispensar os privilégios a ela
concedidos, não só, naturalmente, contra a concorrência interna, mas sobretudo
contra a concorrência externa. O privilégio corporativo local estendia-se, nessas
proibições primitivas, a toda a nação. Os direitos alfandegários surgiram dos
tributos que os senhores feudais impunham aos comerciantes que atravessavam
seus territórios, como resgate da pilhagem; tais tributos foram, mais tarde,
igualmente impostos pelas cidades e, com o aparecimento dos Estados
modernos, constituíram o recurso mais ao alcance do fisco para obter dinheiro.
O aparecimento do ouro e da prata americanos nos mercados europeus, o
desenvolvimento progressivo da indústria, a rápida expansão do comércio e a
consequente prosperidade da burguesia não corporativa e do dinheiro deram a
essas medidas um significado diferente. O Estado, que era cada dia menos capaz
de dispensar dinheiro, mantinha a proibição da exportação de ouro e prata por
razões de ordem fiscal; os burgueses, cujo objetivo principal agora era
açambarcar as massas de dinheiro lançadas novamente no mercado, sentiam-se
plenamente satisfeitos com isso; os antigos privilégios converteram-se em fonte
de renda para o governo e foram vendidos por dinheiro; na legislação
alfandegária surgiram tributos sobre a exportação, os quais, desde que apenas
colocavam um obstáculo no caminho da indústria, tinham fins puramente fiscais.
O segundo período começou em meados do século XVII e durou quase até
fins do século XVIII. O comércio e a navegação tinham se desenvolvido mais
rapidamente do que a manufatura, que desempenhava papel secundário; as
colônias começavam a se tornar fortes consumidoras; as diferentes nações
dividiam-se, através de longas lutas, no mercado mundial que se abria. Esse
período começa com as leis sobre a navegação e os monopólios coloniais. A
concorrência das nações entre si era eliminada, dentro do possível, por meio de
tarifas, proibições e tratados; e, em última instância, as guerras35 decidiam a luta
da concorrência. A nação marítima mais poderosa, a Inglaterra, mantinha sua
preponderância no plano comercial e na manufatura. Nota-se já aqui a
concentração em um só país.
A manufatura estava constantemente amparada pelos impostos alfandegários
protecionistas no mercado interno, pelos monopólios no mercado colonial e,
tanto quanto possível, pelos impostos alfandegários diferenciais no exterior.
Favoreceu-se a elaboração da matéria-prima produzida no próprio país36;
proibiu-se a exportação da matéria-prima produzida no interior do país37 e
negligenciou-se ou reprimiu-se a elaboração da matéria-prima importada38. A
nação predominante no comércio marítimo e como potência colonial assegurou-
se também da maior expansão quantitativa e qualitativa da manufatura. Esta não
podia de modo algum prescindir de proteção, já que a menor modificação
ocorrida em outros países poderia levá-la a perder seus mercados e a arruinar-se;
é fácil introduzi-la num país de condições até certo ponto favoráveis, mas isso
também faz com que seja facilmente destruída. Ao mesmo tempo, segundo a
maneira como é praticada no país, sobretudo no século XVIII, a manufatura está
ligada tão intimamente às condições de vida de grandes massas de indivíduos
que nenhum país pode aventurar-se a pôr em jogo sua existência, permitindo a
livre concorrência. Na medida em que é levado a exportar, passa a depender,
pois, inteiramente da extensão ou da limitação do comércio, e exerce sobre ele
uma influência relativamente muito pequena. Daí sua importância secundária e
também a influência dos comerciantes no século XVIII. Foram os comerciantes
e particularmente os armadores que, mais do que os outros, insistiram na
proteção do Estado e nos monopólios; os manufatureiros também exigiram e
obtiveram proteção, mas estavam constantemente abaixo dos comerciantes em
importância política. As cidades comerciais e particularmente as marítimas
tornaram-se relativamente civilizadas e aburguesadas, enquanto que nas cidades
fabris prevalecia a pequena burguesia. O século XVIII foi o século do comércio.
Assim informa Pinto expressamente: "O comércio é a mania do século"; e:
"Desde há algum tempo só se fala de comércio, de navegação e de marinha".
O movimento do capital, embora consideravelmente acelerado, ainda
permaneceu relativamente lento. A fragmentação do mercado mundial em
diferentes partes, cada uma delas explorada por uma nação distinta, a exclusão
da concorrência entre as nações, a imperícia na própria produção e o sistema
monetário, que apenas começava a emergir de suas primeiras fases, inibiam
bastante a circulação. Consequência disto era aquele sujo e mesquinho espírito
de merceeiro que ainda permanecia aderido a todos os comerciantes e a todo o
modo de atividade comercial. Em comparação com os manufatureiros e
principalmente com os artesãos, eles eram, com efeito, grandes burgueses, mas
em comparação com os comerciantes e industriais do período seguinte
permaneceram pequeno burgueses.
Esse período é também caracterizado pela abolição das proibições de
exportação de ouro e prata, em virtude do surgimento do comércio de dinheiro,
dos bancos, das dívidas de Estado, do papel-moeda, das especulações com ações,
da agiotagem em todos os artigos e do desenvolvimento do sistema monetário
em geral. O capital perdeu mais uma vez uma grande parte do caráter natural a
que ainda estava preso.
A concentração do comércio e da manufatura em um só país, a Inglaterra -
concentração que se desenvolveu ininterruptamente no século XVII - criou
progressivamente para este país um relativo mercado mundial e, com isso, uma
procura dos produtos ingleses manufaturados, procura esta que as forças
produtivas industriais anteriores não podiam mais satisfazer. Tal procura, que
ultrapassava as forças de produção, foi a força motriz que, criando a grande
indústria e com ela a utilização de forças elementares para fins industriais, a
maquinaria e a mais extensa divisão do trabalho, deu nascimento ao terceiro
período da propriedade privada desde a Idade Média. As outras condições desta
nova fase, tais como a liberdade de concorrência no interior da nação, o
desenvolvimento da mecânica teórica39 etc. - já existiam na Inglaterra.40 A
concorrência logo obrigou todo país que quisesse conservar seu papel histórico a
proteger suas manufaturas por meio de novas medidas alfandegárias41, e logo
depois a introduzir a grande indústria sob tributos protecionistas. Apesar destas
medidas protecionistas, a grande indústria universalizou a concorrência42;
estabeleceu os meios de comunicação e o mercado mundial moderno, submeteu
a si o comércio, transformou todo capital em capital industrial e engendrou, com
isso, a rápida circulação43 e a centralização dos capitais. Através da concorrência
universal, obrigou todos os indivíduos ao mais intenso emprego de suas energias.
Destruiu, onde foi possível, a ideologia, a religião, a moral etc., e onde não pôde
fazê-lo converteu-as em mentiras palpáveis. Foi ela que engendrou a história
mundial, na medida em que tornou cada nação civilizada e cada indivíduo
membro dela dependentes do mundo inteiro para a satisfação de suas
necessidades, e que destruiu o anterior caráter exclusivista e natural das
diferentes nações. Subsumiu a ciência da natureza ao capital e retirou à divisão
do trabalho sua última aparência de naturalidade. Destruiu em geral a
naturalidade, tanto quanto isto é possível no interior do trabalho, e dissolveu
todas as relações naturais em relações monetárias. No lugar das cidades surgidas
naturalmente, criou as grandes cidades industriais modernas que nasceram da
noite para o dia. Onde quer que penetrou, destruiu o artesanato e, em geral, todas
as fases anteriores da indústria. Completou a vitória da cidade comercial sobre o
campo. Seu primeiro pressuposto é o sistema automático. Seu desenvolvimento
engendrou uma massa de forças produtivas, para a qual a propriedade privada
tornou-se um entrave, tal como a corporação havia sido para a manufatura e o
pequeno empreendimento agrícola para o progresso do artesanato. Essas forças
produtivas, sob o regime da propriedade privada, experimentam apenas um
desenvolvimento unilateral, convertem-se para a maioria em forças destrutivas e
grande quantidade delas não encontram a menor utilização sob este regime. Em
geral, a grande indústria engendrou em todas as partes as mesmas relações entre
as classes da sociedade, destruindo com isso a peculiaridade das diferentes
nacionalidades. Finalmente, enquanto a burguesia de cada nação conserva ainda
interesses nacionais particulares, a grande indústria criou uma classe cujos
interesses são os mesmos em todas as nações e em que toda nacionalidade está já
destruída; uma classe que, realmente, se desembaraçou do mundo antigo e que,
ao mesmo tempo, com ele se defronta. Não é apenas a relação com o capitalista,
mas é o próprio trabalho, que a grande indústria torna insuportável para o
trabalhador.
É evidente que a grande indústria não alcança o mesmo grau de
desenvolvimento em todas as localidades de um mesmo país. Mas isso não
detém o movimento de classe do proletariado, dado que os proletários
engendrados pela grande indústria põem-se à testa desse movimento e arrastam
consigo toda a massa, e dado também que os trabalhadores excluídos da grande
indústria veem-se atirados por ela a uma situação ainda pior do que a dos
trabalhadores da própria grande indústria. Do mesmo modo, os países em que se
desenvolve uma grande indústria influem sobre os países mais ou menos não
industriais, na medida em que estes últimos são compelidos pelo comércio
mundial à luta universal da concorrência.
A concorrência isola os indivíduos uns dos outros, não apenas os burgueses,
mas ainda mais os proletários, apesar de aglutina-los. Por isso, decorre sempre
um longo período antes que os indivíduos possam unir-se, abstração feita do fato
de que, para esta união - quando não for puramente local - os meios necessários,
as grandes cidades industriais e as comunicações rápidas e acessíveis, devem ser
primeiro produzidos pela grande indústria; por isso, toda força organizada frente
a estes indivíduos isolados, que vivem em condições que reproduzem
diariamente o isolamento, só pode ser vencida após longas lutas. Exigir o
contrário equivaleria a exigir que a concorrência não deve existir nessa época
histórica determinada ou que os indivíduos devem expulsar de suas mentes
relações sobre as quais não têm qualquer controle como indivíduos isolados.
Essas diversas formas são outras tantas formas de organização do trabalho e,
portanto, da propriedade. Em cada período, ocorreu uma união das forças
produtivas existentes, na medida em que as necessidades assim o exigiram.
A Relação do Estado e do Direito com a Propriedade

Tanto no mundo antigo como na Idade Média, a primeira forma de


propriedade é a propriedade tribal, condicionada entre os romanos
principalmente pela guerra e entre os germanos pela pecuária. Entre os povos
antigos, já que muitas tribos viviam juntas em uma mesma cidade, a propriedade
tribal aparece como propriedade do Estado e o direito do indivíduo sobre ela
como simples posse que, entretanto, limita-se, como a propriedade tribal em
geral, apenas à propriedade da terra. A verdadeira propriedade privada começa,
tanto entre os antigos como entre os povos modernos, com a propriedade
mobiliaria44. Nos povos surgidos da Idade Média, a propriedade tribal
desenvolve-se passando por várias etapas diferentes - propriedade feudal da
terra, propriedade mobiliaria corporativa, capital manufatureiro - até chegar ao
capital moderno, condicionado pela grande indústria e pela concorrência
universal, isto é, até chegar à propriedade privada pura, que se despojou de toda
aparência de comunidade e que excluiu toda influência do Estado sobre o
desenvolvimento da propriedade. A esta propriedade privada moderna
corresponde o Estado moderno, o qual, comprado paulatinamente pelos
proprietários privados através dos impostos, cai completamente sob o controle
destes pelo sistema da dívida pública, e cuja existência, como é revelado pela
alta e baixa dos valores do Estado na bolsa, tornou-se completamente
dependente do crédito comercial concedido pelos proprietários privados, os
burgueses. A burguesia, por ser já uma classe e não mais um estamento, é
obrigada a organizar-se nacionalmente, e não mais localmente, a dar uma forma
geral a seu interesse médio. Através da emancipação da propriedade privada em
relação à comunidade, o Estado adquire uma existência particular, ao lado e fora
da sociedade civil; mas este Estado não é mais do que a forma de organização
que os burgueses necessariamente adotam, tanto no interior como no exterior,
para a garantia recíproca de sua propriedade e de seus interesses. A autonomia
do Estado ocorre hoje em dia apenas naqueles países onde os estamentos ainda
não se desenvolveram totalmente até se transformarem em classes, onde ainda
desempenham certo papel os estamentos já eliminados nos países mais
avançados, onde existe certa mistura; países nos quais, por conseguinte,
nenhuma parte da população pode chegar a dominar as outras. Este é
particularmente o caso da Alemanha. O exemplo mais acabado do Estado
moderno é a América do Norte. Os modernos escritores franceses, ingleses e
americanos, sem exceção, consideram que o Estado só existe por causa da
propriedade privada, de tal forma que isto também passou para a consciência
comum.
Como o Estado é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante
fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de
uma época, segue-se que todas as instituições comuns são mediadas pelo Estado
e adquirem através dele uma forma política. Daí a ilusão de que a lei se baseia na
vontade e, mais ainda, na vontade destacada de sua base real - na vontade livre.
Da mesma forma, o direito é reduzido novamente à lei.
O direito privado desenvolve-se simultaneamente com a propriedade privada,
a partir da desintegração da comunidade natural. Entre os romanos, o
desenvolvimento da propriedade privada e do direito privado não teve nenhuma
consequência industrial ou comercial porque todo o seu modo de produção
continuou a ser o mesmo. Entre os povos modernos, onde a comunidade feudal
foi dissolvida pela indústria e pelo comércio, o nascimento da propriedade
privada e do direito privado marcou o começo de uma nova fase, capaz de
ulterior desenvolvimento. Amalfi, a primeira cidade da Idade Média que teve um
extenso comércio marítimo, foi também a primeira a elaborar o direito marítimo.
Tão logo o comércio e a indústria desenvolveram a propriedade privada,
primeiro na Itália e mais tarde em outros países, o altamente desenvolvido
direito privado romano foi imediatamente adotado de novo e considerado como
autoridade. Quando, mais tarde, a burguesia adquiriu poder suficiente para que
os príncipes protegessem seus interesses com o fim de derrubar a nobreza feudal
por meio da burguesia, o desenvolvimento propriamente dito do direito começou
em todos os países - na França, no século XVI - e, em todos eles, à exceção da
Inglaterra, teve por base o Código Romano. Mesmo na Inglaterra tiveram que ser
introduzidos princípios do direito romano para o posterior desenvolvimento do
direito privado45.
No direito privado, as relações de propriedade existentes são declaradas como
sendo resultado da vontade geral. O próprio direito de usar e de abusar exprime,
de um lado, o fato de que a propriedade privada tornou-se completamente
independente da comunidade e, de outro lado, a ilusão de que a própria
propriedade privada repousa unicamente na vontade privada, na disposição
arbitrária da coisa. Na prática, o abusar tem limites econômicos muito bem
determinados para o proprietário privado, se este não quer que sua propriedade, e
com ela seu direito de abusar, passe para outras mãos, já que a coisa, considerada
simplesmente em relação com a sua vontade, não é inteiramente uma coisa, mas
apenas se torna uma coisa, uma verdadeira propriedade, no comércio e
independentemente do direito46. Esta ilusão jurídica, que reduz o direito à mera
vontade, conduz necessariamente, no desenvolvimento ulterior das relações de
propriedade, ao resultado de que uma pessoa pode ter um título jurídico em
relação a uma coisa sem realmente ter a coisa. Assim, por exemplo, se a renda de
um lote de terra é suprimida pela concorrência, o proprietário do mesmo
conserva, sem dúvida, seu título jurídico, bem como o direito de usar e de
abusar. Mas nada poderá fazer com ele: nada possuirá enquanto proprietário de
terra se não possuir também capital suficiente para cultivar seu lote. Esta ilusão
dos juristas também explica o fato de que, para eles e para todos os códigos
jurídicos, é algo fortuito que indivíduos estabeleçam relações entre si47; explica
porque consideram que essas relações podem ser estabelecidas de acordo ou não
com a vontade, e que seu conteúdo descansa inteiramente sobre o arbítrio
individual das partes contratantes.
Cada vez que, através do desenvolvimento da indústria e do comércio, surgem
novas formas de intercâmbio48, o direito tem sido sempre obrigado a admiti-las
entre os modos de adquirir a propriedade.
Formas de Propriedade e Instrumentos de Produção Naturais e
Civilizados
Do primeiro ponto resulta o pressuposto de uma divisão do trabalho bastante
desenvolvida e de um comércio extenso; do segundo ponto, a localidade. No
primeiro caso, os indivíduos devem estar reunidos; no segundo, encontram-se
como instrumentos de produção ao lado do instrumento de produção dado.
Manifesta-se aqui, portanto, a diferença entre os instrumentos de produção
naturais e aqueles criados pela civilização. O campo49 pode ser considerado
como um instrumento de produção natural. No primeiro caso, quando se trata de
um instrumento de produção natural, os indivíduos são subsumidos à natureza;
no segundo caso, a um produto do trabalho. Por isto, no primeiro caso, a
propriedade50 aparece como dominação imediata e natural; no segundo, como
dominação do trabalho, especialmente do trabalho acumulado, do capital. O
primeiro caso pressupõe que os indivíduos estão unidos por um laço qualquer,
por exemplo a família, a tribo, o próprio solo etc.; o segundo caso pressupõe que
são independentes uns dos outros e que se mantém juntos apenas através da
troca. No primeiro caso, a troca é essencialmente troca entre os homens e a
natureza, uma troca na qual o trabalho dos primeiros é trocado pelos produtos da
natureza; no segundo caso, é predominantemente uma trocados homens entre si.
No primeiro caso, o senso comum é suficiente - a atividade corporal ainda não
está de forma alguma separada da atividade espiritual; no segundo, a divisão
entre trabalho corporal e espiritual já deve estar praticamente realizada. No
primeiro caso, a dominação do proprietário sobre os não proprietários pode
descansar nas relações pessoais, numa espécie de comunidade; no segundo caso,
deve ter tomado uma forma reificada em uma terceira coisa, o dinheiro. No
primeiro caso, existe a pequena indústria, mas subsumida à utilização do
instrumento de produção natural e, portanto, sem distribuição do trabalho entre
diferentes indivíduos; no segundo, a indústria existe apenas na e através da
divisão do trabalho.
Partimos, até aqui, dos instrumentos de produção e já aqui se mostra a
necessidade da propriedade privada para certas fases industriais. Na indústria
extrativista, a propriedade privada ainda coincide inteiramente com o trabalho;
na pequena indústria e em toda a agricultura anterior, a propriedade é a
consequência necessária dos instrumentos de produção existentes; na grande
indústria, a contradição entre o instrumento de produção e a propriedade privada
é o produto da grande indústria, que deve estar já bastante desenvolvida para
criá-la. A superação da propriedade privada, portanto, só se torna possível com a
grande indústria.
Na grande indústria e na concorrência todo o conjunto de condições de
existência, inclinações e limitações individuais está fundido em duas formas
mais simples: propriedade privada e trabalho. Com o dinheiro, toda forma de
intercâmbio e o próprio intercâmbio estão postos para os indivíduos como algo
acidental. No próprio dinheiro já está implícito, portanto, que todo intercâmbio
anterior, era apenas intercâmbio de indivíduos sob determinadas condições, e
não de indivíduos enquanto indivíduos. Estas condições, agora, se reduzem a
duas: trabalho acumulado ou propriedade privada e trabalho real. Se ambas ou
uma delas desaparece, o intercâmbio se interrompe. Os próprios economistas
modernos, por exemplo, Sismondi, Cherbuliez etc., opõem a associação dos
indivíduos à associação dos capitais. Por outro lado, os próprios indivíduos estão
inteiramente subsumidos à divisão do trabalho e, por isso mesmo, se veem na
mais completa dependência de uns em face dos outros. Na medida em que, no
interior do trabalho, a propriedade privada se defronta com o trabalho, ela se
desenvolve partindo da necessidade da acumulação e, inicialmente, ainda
apresenta bastante a forma da comunidade; mas, em seu desenvolvimento
ulterior, aproxima-se cada vez mais da moderna forma da propriedade privada.
Através da divisão do trabalho, já está dada desde o início a divisão das
condições de trabalho, das ferramentas e dos materiais, e, com isso, a
fragmentação do capital acumulado entre diferentes proprietários; e, com isso, a
fragmentação entre capital e trabalho, bem como as diferentes formas da
propriedade. Quanto mais a divisão do trabalho se desenvolve e a acumulação
aumenta, mais se torna aguda essa fragmentação. O próprio trabalho só pode
subsistir sob o pressuposto dessa fragmentação.
Dois fatos, então, revelam-se aqui. Primeiro, as forças produtivas aparecem
como inteiramente independentes e separadas dos indivíduos, como um mundo
próprio ao lado destes, o que tem seu fundamento no fato de que os indivíduos,
que são as forças daquele mundo, existem fragmentados e em oposição mútua,
ao passo que, por outro lado, essas forças só são forças reais no intercâmbio e na
relação desses indivíduos. De um lado, portanto, temos uma totalidade de forças
produtivas que adquiriram como que uma forma objetiva e que, para os próprios
indivíduos, não são mais suas próprias forças, mas as da propriedade privada e,
por isso, são apenas as forças dos indivíduos enquanto proprietários privados.
Em nenhum período precedente as forças produtivas tinham adquirido esta
forma indiferente para o intercâmbio entre os indivíduos enquanto indivíduos,
porque seu próprio intercâmbio era ainda limitado. De outro lado, enfrenta-se
com estas forças produtivas a maioria dos indivíduos, dos quais estas forças se
destacaram e que, portanto, despojados de todo conteúdo real de vida, tornaram-
se indivíduos abstratos; mas que, por isso mesmo, só então são colocados em
condições de relacionar-se uns com os outros enquanto indivíduos.
A única relação que os indivíduos ainda mantém com as forças produtivas e
com sua própria existência - o trabalho - perdeu para eles toda aparência de
autoatividade e só conserva sua vida atrofiando-a. Enquanto que, em períodos
anteriores, a autoatividade e a produção da vida material estavam separadas pelo
fato de recaírem sobre pessoas distintas, e enquanto que a produção da vida
material, pela limitação dos próprios indivíduos, valia ainda como uma
modalidade subordinada de autoatividade, agora estes dois aspectos se
desmembram de tal forma que a vida material aparece como a finalidade, e o
criador desta vida material, o trabalho51, aparece como meio.
As coisas, portanto, foram tão longe que os indivíduos devem apropriar-se da
totalidade existente de forças produtivas, não só para alcançar a autoatividade,
mas tão somente para assegurar sua existência. Esta apropriação está
condicionada, em primeiro lugar, pelo objeto a ser apropriado, isto é, pelas
forças produtivas que se desenvolveram até formar uma totalidade e que existem
apenas no interior de um intercâmbio universal. Sob este ângulo, portanto, tal
apropriação deve necessariamente apresentar um caráter universal
correspondente às forças produtivas e ao intercâmbio. A apropriação destas
forças nada mais é do que o desenvolvimento das capacidades individuais
correspondentes aos instrumentos materiais de produção. A apropriação de uma
totalidade de instrumentos de produção é, exatamente por isso, o
desenvolvimento de uma totalidade de capacidades nos próprios indivíduos. Esta
apropriação é, além disso, condicionada pelos indivíduos apropriadores. Apenas
os proletários da época atual, inteiramente excluídos de toda autoatividade, estão
em condições de impor sua autoatividade completa e não mais limitada, que
consiste na apropriação de uma totalidade de forças produtivas e no
desenvolvimento daí decorrente de uma totalidade de capacidades. Todas as
apropriações revolucionárias anteriores foram limitadas; os indivíduos, cuja
autoatividade estava limitada por um instrumento de produção e por um
intercâmbio limitados, apropriavam-se deste limitado instrumento de produção e
não alcançavam assim mais do que uma nova limitação. Seu instrumento de
produção tornava-se sua propriedade, mas eles mesmos permaneciam
subsumidos à divisão do trabalho e a seu próprio instrumento de produção. Em
todas as apropriações anteriores, uma massa de indivíduos permanecia
subsumida a um único instrumento de produção; na apropriação por parte dos
proletários, uma massa de instrumentos de produção deve ser subsumida a cada
indivíduo, e a propriedade a todos. O moderno intercâmbio universal não pode
ser subsumido aos indivíduos senão quando for subsumido a todos.
A apropriação é, além disso, condicionada pelo modo como deve ser
realizada. Só pode ser realizada através de uma união que, dado o caráter do
próprio proletariado, só pode ser uma união universal, e através de uma
revolução que, de um lado, derrube o poder do modo de produção e de
intercâmbio anterior e da estrutura social, e que desenvolva, de outro lado, o
caráter universal e a energia do proletariado necessária para a realização da
apropriação; e na qual, além disso, o proletariado despoja-se de tudo o que nele
ainda resta de sua anterior posição na sociedade.
Apenas nesta fase a autoatividade coincide com a vida material, o que
corresponde à transformação dos indivíduos em indivíduos totais e ao
despojamento de todo seu caráter natural. A transformação do trabalho em
autoatividade corresponde à transformação do limitado intercâmbio anterior em
intercâmbio entre indivíduos enquanto tais. Com a apropriação das forças
produtivas totais pelos indivíduos unidos, termina a propriedade privada.
Enquanto na história anterior cada condição particular aparecia sempre como
acidental, agora torna-se acidental o isolamento dos próprios indivíduos, a
aquisição privada particular de cada um.
Os indivíduos não mais subsumidos à divisão do trabalho foram representados
pelos filósofos como um ideal sob o nome "o homem", e todo este processo que
acabamos de expor foi concebido como sendo o processo de desenvolvimento
"do homem", de tal modo que, em cada fase histórica, "o homem" foi
introduzido sorrateiramente por sob os indivíduos anteriores e apresentado como
a força motriz da história. Todo o processo foi então concebido como processo
de auto-alienação "do homem", e isto se deu essencialmente porque o indivíduo
médio da fase posterior sempre foi introduzido sorrateiramente na anterior e a
consciência da fase posterior nos indivíduos da fase anterior. Graças a esta
inversão, que desde o início faz abstração das condições reais, foi possível
transformar toda a história num processo de desenvolvimento da consciência.
Finalmente, da concepção de história que acabamos de expor obtemos os
seguintes resultados: 1º) No desenvolvimento das forças produtivas chega-se a
uma fase onde surgem forças produtivas e meios de intercâmbio que, no quadro
das relações existentes, apenas causam estragos e não são mais forças
produtivas, mas forças destrutivas52; e, ligada a isto, surge uma classe que tem
de suportar todos os encargos da sociedade sem usufruir de suas vantagens; que,
expulsa da sociedade, é forçada a mais decidida oposição a todas as outras
classes - uma classe que engloba a maioria dos membros da sociedade e da qual
emana a consciência da necessidade de uma revolução radical, a consciência
comunista, que pode se formar, naturalmente, também entre as outras classes,
graças à percepção da situação dessa classe; 2º) As condições sob as quais
determinadas forças produtivas podem ser utilizadas são as condições de
dominação de determinada classe da sociedade, cujo poder social, decorrente de
sua riqueza, encontra sua expressão prático-idealista na forma do Estado
imperante em cada caso; eis por que toda luta revolucionária é dirigida contra
uma classe, que até agora dominou; 3º) Em todas as revoluções anteriores o
modo de atividade permanecia intacto, e tratava-se apenas de conseguir outra
forma de distribuição dessa atividade, uma nova distribuição do trabalho entre
outras pessoas, enquanto que a revolução comunista é dirigida contra o modo
anterior de atividade, suprime o trabalho e supera a dominação de todas as
classes ao superar as próprias classes, porque esta revolução é feita pela classe
que não é mais considerada como uma classe na sociedade, não é mais
reconhecida como tal, e que já é em si mesma a expressão da dissolução de todas
as classes, de todas as nacionalidades etc., no interior da sociedade atual; 4º) A
transformação em larga escala dos homens torna-se necessária para a criação em
massa desta consciência comunista, como também para o sucesso da própria
causa. Ora, tal transformação só se pode operar por um movimento prático, por
uma revolução; esta revolução é necessária, entretanto, não só por ser o único
meio de derrubar a classe dominante, mas também porque apenas uma revolução
permitirá à classe que derruba a outra varrer toda a podridão do velho sistema e
tornar-se capaz de fundar a sociedade sobre bases novas.
C. Comunismo, A Produção da Própria Forma de
Intercâmbio
O comunismo distingue-se de todos os movimentos anteriores pelo fato de
que subverte os fundamentos de todas as relações de produção e de intercâmbio
anteriores, e de que aborda pela primeira vez conscientemente todos os
pressupostos naturais como criação dos homens que nos precederam,
despojando-os de seu caráter natural e submetendo-os ao poder dos indivíduos
unidos. Sua instituição é, portanto, essencialmente econômica, a produção
material das condições dessa união; faz das condições existentes condições da
união. O existente, que o comunismo está criando, é precisamente a base real
para tornar impossível tudo o que existe independentemente dos indivíduos, na
medida em que o existente nada mais é do que um produto do intercâmbio
anterior dos próprios indivíduos. Assim, os comunistas tratam, praticamente, as
condições criadas pela produção e pelo intercâmbio anteriores como condições
inorgânicas, mas sem imaginar que gerações precedentes tinham como plano ou
como destino fornecer-lhes materiais, e sem crer que essas condições fossem
inorgânicas para os indivíduos que as criavam. A diferença entre o indivíduo
como pessoa e o indivíduo naquilo que tem de acidental não é uma diferença
conceitual, mas um fato histórico. Tal distinção tem um sentido diverso em
épocas diferentes - por exemplo, o estamento como algo acidental para o
indivíduo do século XVIII e também, mais ou menos, a família. Não é uma
distinção que tenhamos que estabelecer para cada época, mas que cada época
estabelece por si mesma a partir dos diferentes elementos com que se encontra,
não segundo qualquer teoria, mas obrigada por colisões materiais da vida. O que
à época posterior aparece como acidental em oposição à anterior - e isso se
aplica também aos elementos que da anterior a ela passaram - é uma forma de
intercâmbio que correspondia a um determinado estágio de desenvolvimento das
forças produtivas. A relação entre as forças produtivas e a forma de intercâmbio
é a relação da forma de intercâmbio com a atuação ou atividade dos
indivíduos.53 As condições sob as quais os indivíduos mantêm intercâmbio entre
si, enquanto a contradição não aparece, são condições inerentes à sua
individualidade e não algo externo a eles; condições nas quais estes
determinados indivíduos, existentes sob determinadas relações, podem produzir
sua vida material e tudo o que com ela se relaciona; são, portanto, as condições
de sua autoatividade, produzidas por esta autoatividade. A condição determinada
sob a qual produzem corresponde, pois, enquanto a contradição não aparece, à
sua existência unilateral, unilateralidade esta que se mostra apenas com o
surgimento da contradição e que existe, portanto, para os que vêm depois.
Assim, esta condição aparece como um entrave acidental, e a consciência de que
é um entrave é também infiltrada na época anterior.
Essas diferentes condições, que surgem primeiro como condições da
autoatividade e, mais tarde, como entraves a ela, formam ao longo de todo o
desenvolvimento histórico uma série concatenada de formas de intercambio, cuja
concatenação consiste em que a forma anterior de intercâmbio, transformada
num entrave, é substituída por outra nova que corresponde às forças produtivas
mais desenvolvidas e, por isso mesmo, ao modo avançado da autoatividade dos
indivíduos - uma forma que, por sua vez, torna-se um entrave e é então
substituída por outra forma. Desde que, em cada fase, essas condições
correspondem ao desenvolvimento simultâneo das forças produtivas, sua história
é ao mesmo tempo a história das forças produtivas em desenvolvimento e
herdadas por cada nova geração, e também, portanto, é a história do
desenvolvimento das forças dos próprios indivíduos.
Desde que esse desenvolvimento ocorre naturalmente, isto é, não está
subordinado a um plano geral de indivíduos livremente associados, ele parte de
diferentes localidades, tribos, nações, ramificações do trabalho etc., cada uma
das quais começa por desenvolver-se independentemente das outras e só
paulatinamente entra em relações com as outras. Além disso, esse processo
ocorre muito lentamente; as diferentes fases e os diversos interesses jamais são
completamente ultrapassados, mas apenas subordinados ao interesse vitorioso, e
vão-se arrastando durante séculos ao lado deste. Disso resulta que, inclusive no
interior de uma nação, os indivíduos têm desenvolvimentos diferentes,
independentemente de suas condições pecuniárias, e que um interesse anterior,
cuja forma peculiar de intercâmbio já foi desalojada por outra correspondente a
um interesse posterior, pode manter-se durante muito tempo de posse de um
poder tradicional na coletividade aparente e autônoma em face dos indivíduos54;
um poder que, em última instância, só pode ser quebrado por uma revolução.
Isto explica por que, em relação a certos pontos específicos que permitem um
resumo mais geral, a consciência pode às vezes parecer mais avançada do que as
relações empíricas contemporâneas, de tal forma que nas lutas de um período
posterior possa-se apoiar nos teóricos anteriores como autoridades.
Em contrapartida, em países como a América do Norte, que começam em um
período histórico já avançado, esse processo de desenvolvimento ocorre com
muita rapidez. Estes países não têm nenhum outro pressuposto natural senão os
indivíduos, que ali se instalaram como colonos, movidos pela s formas de
intercâmbio dos velhos países que já correspondem às suas necessidades. Tais
países começam, pois, com os indivíduos mais avançados dos velhos países e,
portanto, com a correspondente forma de intercâmbio mais desenvolvida, antes
mesmo que essa forma de intercâmbio tenha podido impor-se nos países velhos.
Tal é o caso de todas as colônias, quando não se trata de simples bases militares
ou entrepostos comerciais. Cartago, as colônias gregas e a Islândia dos séculos
XI e XII servem de exemplo. Situação análoga apresenta-se em caso de
conquista, quando se transplanta diretamente ao país conquistado a forma de
intercâmbio desenvolvida em outro solo; enquanto em seu país de origem esta
forma estava ainda impregnada de relações procedentes de épocas anteriores,
aqui, ao contrário, ela pode e deve implantar-se totalmente e sem obstáculos, ao
menos para assegurar de modo estável o poder dos conquistadores.55
Nada mais usual do que a ideia de que na história até agora tudo tem
consistido na ação de tomar. Os bárbaros tomam o Império Romano e com esse
fato explica-se a transição de mundo antigo para o mundo feudal. Mas, nessa
tomada pelos bárbaros, trata-se de saber se a nação conquistada tinha chegado a
desenvolver forças produtivas industriais como ocorre entre os povos modernos,
ou se suas forças produtivas repousavam no fundamental unicamente sobre sua
união e sobre a comunidade.
A ação de tomar está, além disso, condicionada pelo objeto que é tomado. A
fortuna de um banqueiro, consistindo de papéis, não pode de modo algum ser
tomada sem que aquele que a toma se submeta às condições de produção e de
intercâmbio do país conquistado. O mesmo ocorre com todo o capital industrial
de um país industrial moderno. Finalmente, a ação de tomar termina sempre
rapidamente, e quando já não há mais nada a tomar é necessário que se comece a
produzir. Dessa necessidade de produzir, que logo se manifesta, decorre que a
forma de comunidade adotada pelos conquistadores instalados no país deve
necessariamente corresponder à fase de desenvolvimento das forças produtivas
ali encontradas; ou, quando não é esse o caso desde o início, deve a forma de
comunidade transformar-se em função das forças produtivas. Isso explica,
também, o fato que se pensou ver em todas as partes na época posterior às
grandes invasões, a saber: que os vassalos transformaram-se em senhores e os
conquistadores adotaram, sem demora, a língua, a cultura e os costumes dos
conquistados.
O feudalismo não foi levado pronto e acabado da Alemanha, mas teve sua
origem, até no que diz respeito aos conquistadores, na organização militar que os
exércitos foram adquirindo durante a própria conquista, e apenas se desenvolveu
após a conquista - sob a ação das forças produtivas existentes nos países
conquistados - até se converter no feudalismo propriamente dito. As fracassadas
tentativas de impor outras formas nascidas de reminiscências da antiga Roma56,
mostram até que ponto a forma feudal estava condicionada pelas forças
produtivas.
Segundo nossa concepção, portanto, todas as colisões na história têm origem
na contradição entre as forças produtivas e a forma de intercâmbio. Aliás, não é
necessário que esta contradição, para provocar colisões num pais, alcance seu
limite extremo neste mesmo país. A concorrência com países industrialmente
mais desenvolvidos, concorrência provocada pela expansão do intercâmbio
Internacional, é suficiente para engendrar uma contradição semelhante também
em países com indústria menos desenvolvida57.
Esta contradição entre as forças produtivas e a forma de intercâmbio, que,
como vimos, ocorreu várias vezes na história anterior sem, contudo, ameaçar-lhe
o fundamento, teve que irromper numa revolução, na qual a contradição tomou
ao mesmo tempo diferentes formas acessórias, tais como totalidade de colisões,
colisões entre diferentes classes, contradições da consciência, luta de ideias, luta
política etc. De um limitado ponto de vista, pode-se isolar uma dessas formas
acessórias e considerá-la como à base dessas revoluções, o que é tanto mais fácil
porquanto os indivíduos que promoveram as revoluções tinham ilusões a
respeito de sua própria atividade, segundo seu grau de cultura e o estágio de
desenvolvimento histórico.
A transformação, pela divisão do trabalho, de forças relações pessoais em
forças objetivas, não pode ser superada arrancando-se da cabeça essa
representação geral, mas apenas se os indivíduos subsumirem novamente essas
forças objetivas a si mesmos e superarem a divisão do trabalho. Isto não é
possível sem a coletividade. Apenas na coletividade de uns e outros é que cada
indivíduo encontra os meios de desenvolver suas capacidades em todos os
sentidos; somente na coletividade, portanto, torna-se possível a liberdade
pessoal. Nos sucedâneos da coletividade existentes até aqui, no Estado etc., a
liberdade pessoal tem existido apenas para os indivíduos desenvolvidos dentro
das relações da classe dominante e apenas na medida em que eram indivíduos
dessa classe. A coletividade aparente, em que se associaram até agora os
indivíduos, sempre adquiriu uma existência autônoma em relação a eles e, ao
mesmo tempo, por ser uma associação de uma classe contra outra classe, era,
para a classe dominada, não só uma coletividade inteiramente ilusória, como
também um novo entrave. Na coletividade real, os indivíduos adquirem sua
liberdade na e através de sua associação.
De toda a exposição anterior resulta que a relação coletiva em que entraram os
indivíduos de uma classe, relação condicionada por seus interesses comuns
frente a um terceiro, foi sempre uma coletividade à que pertenciam estes
indivíduos apenas como indivíduos médios, apenas enquanto viviam dentro das
condições de existência de sua classe - ou seja, uma relação na qual participavam
não como indivíduos, mas como membros de uma classe. Por outro lado, com a
coletividade dos proletários revolucionários, que tomam sob seu controle suas
condições de existência e as de todos os membros da sociedade, acontece
exatamente o contrário: nela os indivíduos participam como indivíduos. É
exatamente esta união de indivíduos58 que coloca sob seu controle as condições
de livre desenvolvimento e de movimento dos indivíduos - condições que até
agora se encontravam à mercê do acaso e tinham assumido uma existência
autônoma frente aos diferentes indivíduos precisamente por sua separação como
indivíduos, por sua união necessária determinada pela divisão do trabalho e por
sua separação transformada num vínculo alheio a eles. A união anterior59 era
simplesmente uma união com base nestas condições no interior das quais os
indivíduos desfrutam o acaso60. Este direito de poder desfrutar
imperturbavelmente, dentro de certas condições, o acaso, tem sido chamado até
agora de liberdade pessoal. Estas condições de existência são apenas,
naturalmente, as forças de produção e as formas de intercâmbio existentes em
cada época.
Se considerarmos filosoficamente este desenvolvimento dos indivíduos nas
condições comuns de existência dos estamentos e das classes, que se sucedem
historicamente, e nas representações gerais que lhes foram impostas, é
certamente muito fácil imaginar que nestes indivíduos desenvolveu-se o gênero
ou o homem, ou que eles desenvolveram o homem - uma imaginação através da
qual são dados alguns fortes bofetões na história. Podemos conceber estes
diferentes estamentos e classes como especificações da expressão geral, como
variedades do gênero, como fases de desenvolvimento do homem.
Esta subsunção dos indivíduos a determinadas classes não pode ser superada
até que se forme uma classe que já não tenha qualquer interesse particular de
classe a impor à classe dominante.
Os indivíduos partiram sempre de si mesmos, mas, naturalmente, dentro de
suas condições e relações históricas dadas, e não do indivíduo "puro", no sentido
dos ideólogos. Porém, no curso do desenvolvimento histórico e precisamente
devido ao inevitável fato de que, no interior da divisão social do trabalho, as
relações sociais adquirem uma existência autônoma, surge uma divisão na vida
de cada indivíduo, na medida em que uma vida é pessoal e na medida em que
está subsumida a um ramo qualquer do trabalho e às condições a ele
correspondentes.61 No estamento62 isto ainda é dissimulado: por exemplo, um
nobre continua sendo sempre um nobre e um vilão sempre um vilão,
independentemente das suas demais relações, por ser aquela uma qualidade
inseparável de sua individualidade. A divisão entre o indivíduo pessoal e o
indivíduo de classe, a contingência das condições de vida para o indivíduo,
aparecem apenas com a emergência da classe, que é, ela mesma, um produto da
burguesia. Esta contingência apenas é engendrada e desenvolvida pela
concorrência e pela luta dos indivíduos entre si. Assim, na imaginação, os
indivíduos parecem ser mais livres sob a dominação da burguesia do que antes,
porque suas condições de vida parecem acidentais; mas, na realidade, não são
livres, pois estão mais submetidos ao poder das coisas. A diferença do estamento
aparece particularmente na oposição da burguesia ao proletariado. Quando o
estamento dos burgueses urbanos, as corporações etc., emergiu frente à nobreza
rural, sua condição de existência - a propriedade mobiliária e o trabalho
artesanal, que já existiam de forma latente antes de sua separação dos laços
feudais - apareceu como algo positivo, que se fazia valer contra a propriedade
feudal da terra; por isso, a seu modo, assumiu primeiramente uma forma feudal.
É certo que os servos fugitivos consideravam sua servidão anterior como algo
acidental para sua personalidade. Mas, assim, apenas faziam o que toda classe
que se liberta de um entrave faz; além disso, não tinham se libertado como
classe, mas isoladamente. Mais ainda: não saíam dos quadros do sistema de
estamentos, mas apenas formavam um novo estamento, conservando seu anterior
modo de trabalho em sua nova situação e até desenvolvendo-o ao libera-lo de
seus entraves anteriores, que não mais correspondiam ao desenvolvimento já
alcançado.
Para os proletários, ao contrário, a condição de sua existência, o trabalho, e
com ela todas as condições de existência que governam a sociedade moderna,
tornaram-se algo acidental, algo que eles, como indivíduos isolados, não
controlam e sobre o qual nenhuma organização social pode dar-lhes o controle.
A contradição entre a personalidade de cada proletário isolado e a condição de
vida a ele imposta, o trabalho, torna-se evidente para ele mesmo, pois ele é
sacrificado desde a juventude e porque, no interior de sua própria classe, não tem
chance de alcançar as condições que o coloquem na outra classe.
Teses sobre Feuerbach
I - O principal defeito de todo materialismo até aqui (incluído o de Feuerbach)
consiste em que o objeto, a realidade, a sensibilidade, só é apreendido sob a
forma de objeto ou de intuição, mas não como atividade humana sensível, como
práxis, não subjetivamente. Eis porque, em oposição ao materialismo, o aspecto
ativo foi desenvolvido de maneira abstrata pelo idealismo, que, naturalmente,
desconhece a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis
- realmente distintos dos objetos do pensamento: mas não apreende a própria
atividade humana como atividade objetiva. Por isso, em A Essência do
Cristianismo, considera apenas o comportamento teórico como o autenticamente
humano, enquanto que a práxis só é apreciada e fixada em sua forma fenomênica
judaica e suja. Eis porque não compreende a importância da atividade
"revolucionária", "prático crítica".

II - A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva


não é uma questão teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve
demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu
pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade do pensamento isolado
da práxis - é uma questão puramente escolástica.

III - A doutrina materialista sobre a alteração das circunstâncias e da educação


esquece que as circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprio
educador deve ser educado. Ela deve, por isso, separar a sociedade em duas
partes - uma das quais é colocada acima da sociedade.
A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou
alteração de si próprio só pode ser apreendida e compreendida racionalmente
como práxis revolucionária.

IV - Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do


mundo em religioso e terreno. Seu trabalho consiste em dissolver o mundo
religioso em seu fundamento terreno. Mas o fato de que este fundamento se
eleve de si mesmo e se fixe nas nuvens como um reino autônomo, só pode ser
explicado pelo autodilaceramento e pela auto-contradição desse fundamento
terreno, Este deve, pois, em si mesmo, tanto ser compreendido em sua
contradição, como revolucionado praticamente. Assim, por exemplo, uma vez
descoberto que a família terrestre é o segredo da sagrada família, é a primeira
que deve ser teórica e praticamente aniquilada.

V - Feuerbach, não satisfeito com o pensamento abstrato, quer a intuição; mas


não apreende a sensibilidade como atividade prática, humano-sensível.

VI - Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a


essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua
realidade, é o conjunto das relações sociais.
Feuerbach, que não empreende a crítica dessa essência real, é por isso
forçado:
1. a abstrair o curso da história e a fixar o sentimento religioso como algo
para si, e a pressupor um indivíduo humano abstrato, isolado.
2. Por isso, a essência só pode ser apreendida como "gênero", como
generalidade interna, muda, que liga de modo natural os múltiplos
indivíduos.

VII - Por isso, Feuerbach não vê que o próprio "sentimento religioso" é um


produto social e que o indivíduo abstrato por ele analisado pertence a uma forma
determinada de sociedade.

VIII - Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que


levam a teoria para o misticismo encontram sua solução racional na práxis
humana e na compreensão dessa práxis.

IX - O extremo a que chega o materialismo intuitivo, isto é, o materialismo


que não apreende a sensibilidade como atividade prática, é a intuição dos
indivíduos singulares e da sociedade civil.

X - O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade civil; o ponto de


visto do novo é a sociedade humana ou a humanidade social.

XI - Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o


que importa é transformá-lo.
Nota

* - Docente do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Santa


Catarina. Especialista em filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto,
mestre e doutorando em Serviço Social pela UFSC. Integrante do Grupo Futuro
Presente/CNPq.

1 - Exatamente da mesma maneira que os velhos hegelianos neles viam os


autênticos laços da sociedade humana.

2 - Patriarcalismo, escravidão, estamentos e classes.

3 - Roma e os bárbaros, o feudalismo e as Gálias, o Império Romano do


Oriente e os turcos.

4 - O único possível para este povo.

5 - Causada não apenas pela compra em massa e pelo endividamento, como


também pela herança, desde que, em consequência da grande licenciosidade e da
escassez de casamentos, as velhas linhagens iam-se extinguindo pouco a pouco e
seus bens ficavam reunidos em poucas mãos.

6 - Provocada não apenas pelas causas econômicas normais vigentes ainda na


atualidade, como também pela importação de cereais roubados e arrancados
como tributos e pela consequente escassez de consumidores para os cereais
italianos.

7 - Exceto na Alemanha.

8 - Religião natural.

9 - Vigor físico, por exemplo.

10 - Como atualmente na Alemanha.


11 - Fato de que os teóricos alemães não têm a menor ideia, apesar de ter-se-
lhes facilitado as orientações necessárias nos Anais Franco-Alemães e na
Sagrada Família.

12 - O geral é de fato a forma ilusória da coletividade.

13 - Que contém simultaneamente uma verdadeira existência humana


empírica, dada num plano histórico-mundial e não na vida puramente local dos
homens.

14 - Concorrência universal.

15 - Que determina a destruição da relação alienada entre os homens e os seus


próprios produtos.

16 - Uma pressão que representavam como uma travessura do assim chamado


espírito universal etc.

17 - De que falaremos mais adiante.

18 - Inclusive a espiritual.

19 - As criações dos homens.

20 - A "sociedade como sujeito".

21 - Ou seja, a sociedade civil em suas diferentes fases.

22 - E também, por isso mesmo, examinar a ação recíproca entre estes


diferentes aspectos.

23 - São Bruno chega mesmo a afirmar que "só a crítica e os críticos têm feito
a história".

24 - Na Revista Trimestral de Wigand, 1845, tomo II.


25 - Exceto talvez em algumas ilhas de coral australianas de formação recente.

26 - Tais como: "autoconsciência, crítica, o Único" etc.

27 - Seus ideólogos ativos, conceptivos, que fazem da formação de ilusões


desta classe a respeito de si mesma seu modo principal de subsistência.

28 - A hierarquia em Stirner.

29 - Que dominam por razões empíricas, sob condições empíricas e como


indivíduos materiais.

30 - Isto é, possível porque, em virtude de sua base empírica, essas ideias


estão realmente ligadas entre si e porque, concebidas como meras ideias,
convertem-se em autodiferenciações, diferenças estabelecidas pelo pensamento.

31 - Incluindo entre estes os estadistas práticos.

32 - Estas condições têm ainda que ser enumeradas e desenvolvidas.

33 - Com os judeus, entre outras coisas.

34 - Durante toda a Idade Média, como é bem conhecido, os comerciantes


viajavam em caravanas armadas.

35 - Sobretudo as guerras marítimas.

36 - Lã e linho na Inglaterra, seda na França.

37 - Lã na Inglaterra

38 - Algodão na Inglaterra.

39 - A mecânica aperfeiçoada por Newton foi a ciência mais popular na


França e na Inglaterra no século XVIII.

40 - A livre concorrência no interior da própria nação teve que ser conquistada


em toda parte por uma revolução - em 1640 e em 1688 na Inglaterra, em 1789 na
França.

41 - As antigas eram já insuficientes em face da grande indústria.

42 - Ela é a liberdade prática de comércio e o tributo protecionista não passa


de paliativo, de arma defensiva na liberdade de comércio.

43 - O desenvolvimento do sistema monetário.

44 - (Escravidão e comunidade) (propriedade de acordo com a lei).

45 - (Em particular no caso da propriedade mobiliaria). (Não se deve esquecer


que tanto o direito como a religião não têm história própria.).

46 - Uma relação, a que os filósofos chamam de ideia.

47 - Por exemplo, contratos.

48 - Por exemplo, companhias de seguros etc.

49 - A água etc.

50 - Propriedade territorial.

51 - Agora a única forma possível mas, como veremos, negativa, da


autoatividade.

52 - Maquinaria e dinheiro.

53 - A forma fundamental dessa atividade é, naturalmente, material, e dela


dependem todas as outras formas: a espiritual, a política, a religiosa etc. A
variada configuração da vida material depende em cada caso, naturalmente, das
necessidades já desenvolvidas, e tanto a produção como a satisfação dessas
necessidades é um processo histórico que não encontramos no caso de uma
ovelha ou de um cão (recalcitrante argumento fundamental de Stirner contra o
homem), se tem que ovelhas e cães, sob a forma atual, são também, apesar deles,
produtos de um processo histórico.

54 - Estado, direito.

55 - A Inglaterra e Nápoles após a conquista normanda, quando receberam a


forma mais acabada de organização feudal.

56 - Carlos Magno, por exemplo.

57 - Por exemplo, o proletariado latente na Alemanha evidenciou-se devido à


concorrência da indústria inglesa.

58 - Pressupondo naturalmente as atuais forças produtivas desenvolvidas.

59 - De forma alguma arbitrária, como é apresentada, por exemplo, no


Contrato Social, mas necessária.

60 - Comparar, por exemplo, a formação do Estado da América do Norte e das


repúblicas da América do Sul.

61 - Não devemos entender isto no sentido de que, por exemplo, o que vive de
rendas, o capitalista etc., deixem de ser pessoas, mas sim no sentido de que sua
personalidade está condicionada e determinada por relações de classe bem
definidas; a divisão surge apenas na oposição destes indivíduos a uma outra
classe e, com relação a eles, apenas quando entram em bancarrota.

62 - E mais ainda na tribo.


Table of Contents
Apresentação: Concepção Materialista e Dialética da História desde A
Ideologia Alemã
Produção, Socialidade e Consciência
Dimensão Genérica da História do Desenvolvimento Humano
Prefácio
Feuerbach: A Oposição Entre a Concepção Materialista e a Idealista
A. A Ideologia em Geral, Especialmente a Alemã
B. A Base Real da Ideologia
C. Comunismo, A Produção da Própria Forma de Intercâmbio
Teses sobre Feuerbach

Você também pode gostar