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Silo - Tips Villa Lobos em Perspectiva 1
Silo - Tips Villa Lobos em Perspectiva 1
Villa-Lobos em perspectiva1
Paulo de Tarso Salles
ECA/USP
Naquela ocasião, ainda não estava claro qual o tema de minha tese; meu orientador,
Prof. Dr. Silvio de Mello Ferraz, foi quem sugeriu que eu estudasse a obra villalobiana. Aceitei,
com algum desconforto. Meu contato com a música de Villa-Lobos se dera até aquele momento
principalmente pela minha atividade como violonista; além da obra para violão, conhecia
algumas peças para piano, algumas Bachianas, alguns Choros. Mas o que me preocupou foi a
quase total ausência de literatura analítica. O mais importante compositor brasileiro ainda era
um assunto quase intocado pela teoria musical.
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Tabela 1: campos de estudo aplicáveis à música villalobiana
inviabilizava uma interpretação linear, fazendo com que a narrativa analítica fosse alterada a
todo momento. Ficou claro que a maior referência que dispunha para iniciar essa tarefa eram os
estudos sobre compositores como Stravinsky, Debussy, Bartók.
O fato de que muitas vezes o material harmônico empregado por Villa-Lobos sugere o
emprego de modos, escalas tradicionais e tríades perfeitas, não é suficiente para explicar muitos
eventos e passagens em sua música. Pode-se ilustrar isso facilmente com a bem conhecida peça
da Prole do Bebê nº1 (1918), o “Polichinelo”, onde toda a seção inicial se baseia na oposição
entre teclas brancas (mão direita) e pretas (esquerda), até a entrada da melodia infantil “Ciranda,
cirandinha”, em Dó maior (Fig. 1).
Outras pistas nos foram dadas pelo estudo do compositor Lorenzo Fernandez
(1946) demonstrando algumas constâncias harmônicas villalobianas. Obviamente, mesmo
desconhecendo a nomenclatura pós-tonal – àquela época até mesmo Boulez desqualifica
2 Straus, 2013:153-4.
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Isso suscitou algumas perguntas que então comecei a fazer mais sistematicamente: o que
é direcionalidade harmônica para Villa-Lobos? Como se estrutura uma cadência em sua música?
Qual a relação entre consonância e dissonância? Por que alguns acordes são recorrentes?
Tabela 2: distribuição dos acordes simétricos e assimétricos como finalização dos movimentos dos quartetos
villalobianos.
Partindo de uma proposição feita por Bruno Kiefer (1981), pude observar como o acor-
de de Tristão serve como centro propulsor em obras como Uirapuru, Prelúdio nº3 e até mesmo
o Choros nº8. Curiosamente, as frases e seções analisadas apresentavam estruturas balanceadas,
até mesmo rigorosamente simétricas. Aquilo a princípio me pareceu absurdo, dada a fama de
“intuitivo” do compositor, que seria avesso a esquemas mais rígidos, segundo boa parte das
narrativas biográficas e reminiscências de seus colegas e amigos. Passei a explorar sistematica-
mente a teoria dos conjuntos, de modo a buscar relações intervalares que ficam escondidas do
3 Boulez, 1995:81. Escrito originalmente em 1951, o artigo de Boulez, “Stravinsky permanece”, desqualifica
a linguagem harmônica d’A Sagração, que só passou a ser apreciada a partir do artigo escrito por Arthur Berger
(1963).
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ouvido e ocultas pela complexidade cromática da partitura. Essa acabou por ser a matriz teórica
de minha tese, concluída em 2005 e publicada em livro em 2009 pela editora da Unicamp. Na
esteira dessa realização, o I Simpósio Internacional Villa-Lobos (2009), organizado pela USP,
promoveu o encontro de diversos pesquisadores que andavam dispersos pelo país.4
A análise de obras para violão como os Estudos nº1, 10 e 11 (Salles, 2009) mostrava
como os processos de geração de simetria estavam relacionados com o próprio dedilhado do
instrumentista. A essa altura, pude me beneficiar de pesquisadores trabalhando em conjunto
comigo, e com metodologia semelhante. Ciro Visconti (2015) ampliou consideravelmente
a mirada analítica sobre os estudos para violão, demonstrando como a estrutura intervalar
dos acordes deriva da distribuição em torno de eixos de simetria. Walter Nery Filho (2012)
analisando peças da Prole do Bebê nº2, também destaca o mesmo fenômeno; e além deles, Joel
Albuquerque (2014) mostra como os eixos de simetria são determinantes de direcionalidade
harmônica em larga escala em obras como os Choros nº4 e nº7.
Outro ponto de minha pesquisa inicial foi entender o uso dos ostinatos, associado
com outras figuras típicas do “contraponto villalobiano”, como os diversos usos da frase em
ziguezague (estrutura de prolongamento, mudança de registro, polarização, etc.). Concluída
a tese, experimentei analisar outras obras como trechos do Noneto, do Quarteto de Cordas
nº15, e algumas das Cirandas. Decidi então investir no estudo do ciclo de quarteto de cordas,
procurando por elementos formais que pudessem revelar novos aspectos com relação ao
uso da simetria. Estaria a simetria relacionada às cadências, ou à forma? O estudo mostrado
anteriormente revela que há uma tendência à cadência em acordes simétricos, porém a associação
com a funcionalidade formal permite compreender as cadências de frase e nos demais pontos
de articulação estrutural.
Influência de Haydn
Os quartetos se revelaram o cenário ideal para essa pesquisa. Arnaldo Estrella
(1970:7) conta como Villa-Lobos revelou que sua principal influência na composição de
quartetos foi Joseph Haydn.5 Ao investigar essa possibilidade, encontrei diversas relações de
intertextualidade bem verossímeis entre o Quarteto de Cordas nº7 (1942) e os quartetos do
Op. 76 do mestre austríaco. Contrariando o senso comum, que nega o interesse de Villa-Lobos
pela forma sonata, observei que no ciclo de 17 quartetos apenas dois deles (Quartetos nº1 e
nº5) não apresentam sequer um movimento com alusão a essa estrutura formal; além disso, há
quartetos que apresentam até mais de um movimento em forma sonata. Naturalmente, o assunto
A progressão omnibus
O mapeamento das características harmônicas preferidas por Villa-Lobos levou também
à detecção da chamada “progressão omnibus”, descrita pelo teórico estadunidense Victor Yellen
(Fig. 2). Trata-se de uma sequência de acordes onde baixo e soprano se movem em sentido
contrário, em passos cromáticos; as vozes internas ficam estacionárias. Disso resulta uma
estrutura harmônica a um só tempo simétrica e imbuída de direcionalidade.
Yellin apresenta diversos casos em que essa progressão ocorre, em compositores que
vão desde o renascimento até Scott Joplin.8 A estrutura “clássica” da progressão omnibus é
um prolongamento de um acorde de sétima de dominante, mas o princípio pode ser levado a
outros tipos de acordes. Villa-Lobos emprega esse tipo de estrutura (simétrica, por movimento
contrário entre os extremos) com variações e ornamentações. O início do quarto movimento do
Quarteto de Cordas nº5 é um desses casos (Fig. 3).
6 Salles, 2012b.
7 Salles, 2012c.
8 Yellin, 1998.
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9 Entenda-se por “acorde simétrico” a noção geralmente abstrata – e ocasionalmente concreta – da presença
de eixo de simetria intervalar.
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Fig. 5: QC4, III, c. 28, análise dos eixos de simetria em torno da bordadura.
Considerações finais
O estudo dos quartetos villalobianos proporcionou a oportunidade de traçar analogias
importantes com o conceito de forma clássica segundo o modelo haydniano. Por meio dessa
investigação, pode-se deduzir de maneira mais clara o conceito de cadência empregado pelo
compositor, bem como a importância dos acordes simétricos na função tonalmente atribuída à
consonância. O caráter formal do quarteto, por dialogar com a tradição herdada do classicismo,
possibilita essa abordagem de maneira mais clara do que em obras livremente estruturadas, como
os Choros. Em contrapartida, as obras villalobianas ditas “livres”, podem ser reinterpretadas
de acordo com esses critérios, o que poderá confirmar a hipótese além do âmbito das formas
tradicionais.
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REFERÊNCIAS
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