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ALPHAS
Mário Lucas
1ª Edição
Lembro do som dos tiros ecoando por meus ouvidos, de ver o amor da
minha vida, Erick, na areia, sangrando, morrendo, e o rosto feliz do
assassino. O meu sofrimento é agonizante. Tudo passa por minha cabeça em
flashes descontrolados. Ao abrir os olhos, pisco, voltando à realidade, saindo
de todos os meus devaneios.
Estou numa festa de gente poderosa e rica, numa mansão moderna e
gigantesca, na área externa, no vasto jardim onde o evento acontece. É noite,
convidados andam luxuosos de um lado a outro, uma banda de requinte entoa
uma música clássica dominada por um maravilhoso saxofone, que combina
com o ambiente sofisticado. É o aniversário de sessenta anos das indústrias
automobilísticas Foxhill.
Uso um vestido branco, justo, que deixa bem à amostra todas as minhas
curvas, o coque prende os meus cabelos louros de maneira fina, destacando
os brincos caros, os últimos que me restaram.
Estou parada sozinha em uma mesa estratégica, a metros das paredes de
vidro que cercam o escritório de Hector Foxhill, o anfitrião. Vejo ele sair do
local, momento em que as luzes se desligam. Levo a minha taça à boca,
bebendo mais um pouco do meu champanhe. Volto a ficar atenta mesmo após
ser invadida por lembranças do passado, fito o homem poderoso sair pela
porta da frente, escoltado por seus dois seguranças, passando a conversar
socialmente com os convidados.
Olho discretamente para a direita, faço um sinal de positivo com o rosto
para Suzy, a minha amiga, que está distante. Em seguida, vejo-a sumir de
vista, como combinado. Preparo-me para mudar de lugar, mas bato em
alguma coisa, caindo sentada sobre as pernas de alguém, assim, de repente!
Minha taça se quebra no chão, levo alguns milésimos de segundos até
perceber que estou nas coxas de um cadeirante.
Levanto-me completamente sem jeito, desnorteada.
— Oh meu Deus, me desculpe! — Peço, olhando para o homem que ri
lindamente. Rapidamente noto o quanto ele é bonito, ainda mais sob esse
terno, os cabelos de um castanho louro, lisos, penteados para trás, os olhos
azuis, o rosto tão perfeito quanto o de um anjo.
— Está tudo bem — ele diz, calmamente, ao mesmo tempo em que
percebo que chamei a atenção de algumas pessoas com o incidente, tudo que
eu menos queria.
— Não, não está. Eu não te vi, me desculpe mesmo.
— Já estou acostumado, as pessoas geralmente não veem um
paraplégico — ele abaixa os olhos por um segundo, fico compadecida.
— Não sei os outros, mas eu geralmente vejo sim, e tenho grande
respeito. Isso foi realmente um aci...
— Já disse que está tudo bem, relaxa — ele estende a mão para mim, a
qual aperto. — David — se apresenta.
— Kelly — trocamos sorrisos. Logo procuro por Hector, mas não o
vejo em lugar algum. Também não vejo sinal de Suzy. Droga! — Ah..., eu
preciso ir.
— É, seu namorado já deve estar preocupado.
— Ah não, eu estou sozinha.
— Até qualquer dia — David se despede. Me afasto, lhe deixando com
um sorriso. Nossa, isso não podia ter acontecido, eu não devia me distrair!
Caminho entre as pessoas, passando por algumas mesas, olhando para
todos os lados discretamente, mas nada do anfitrião com os seus seguranças.
Pego o celular da bolsa, envio uma mensagem para a minha amiga:
SUZY: Se quer ver a sua amiga viva, é melhor vir agora ao escritório do Dr.
Foxhill.
Paraliso, em choque com este texto. E agora? O que farei? Não há para
quem pedir socorro, somos só eu e ela!
Respiro fundo, processando este chamado até me dirigir para dentro da
casa, não posso abandoná-la! Não posso fugir. Um segurança me acompanha
em silêncio até o escritório, todo o imóvel é um luxo, em tons escuros. A
porta me é aberta, entro com coragem e medo, vendo Hector Foxhill parado,
de costas para mim, olhando a festa lá fora pela vidraça. A luz continua
desligada, o ambiente é iluminado apenas pela claridade da parte externa, me
pergunto o porquê.
— Era isso que você e sua amiguinha queriam? — O homem ergue a
mão, mostrando a gargantilha em diamantes.
— Onde ela está? — Pergunto, com medo.
— Eu perguntei primeiro — a sua voz é gélida, grossa, com um toque
de ódio.
— Eu... não sei do que está falando...
Ele gargalha, sua risada sinistra corta o ar, me arrepiando.
— Amadoras — diz, com desprezo. — Mas confesso que estou
impressionado com a audácia. Se infiltraram em minha festa sem serem
convidadas, invadiram a minha casa e tentaram roubar uma das joias mais
importantes para mim...
— Eu...
— Isso tudo terá um preço, senhorita, e posso lhe garantir que será
muito caro — o homem finalmente se vira, mostrando-me sua face
ameaçadora, com o maxilar cerrado, e seu olhar parece que vai me destruir.
Olho para a porta às minhas costas, estou nervosa, mas não quero demonstrar.
Ele faz deboche. — Desista, a partir de hoje não há mais como fugir de mim.
Agora você e a outra ladra estão em dívida comigo, e irão me pagar de um
jeito ou de outro.
— Onde está a Suzy? — Repito a pergunta, sentindo o perigo.
— Ela ficará comigo, será minha propriedade, e você se casará com o
meu filho — afirma, em plenitude, como se fosse a coisa mais normal do
mundo, enquanto acende um charuto.
— O quê? — Estou incrédula, assustada.
— Ele gostou de você, há muito tempo uma mulher não chama a sua
atenção — Hector volta a mirar a vidraça, despreocupado, fumando,
enquanto a fumaça se dissolve no ar.
— Não sei o que está pretendendo com isso, mas...
— Quero um neto, um herdeiro saudável. Após isso, te devolvo sua
amiguinha, viva, e deixo vocês em paz se... você fizer exatamente tudo o que
eu mandar e não sair da linha, pois meu filho não pode saber de nada.
Meus olhos se enchem de água, mas não quero chorar diante dele,
porém estou desesperada!
— Você... não pode fazer isso! — Tento retrucar, há ódio em minha
voz. — É sequestro! Cárcere privado!
Hector ri, maléfico.
— Blábláblá..., garota, não sabe mesmo com quem está lidando. A sua
sorte e da sua amiguinha é que são bonitas, do contrário... — ele não conclui,
isso me deixa aterrorizada.
— Eu vou chamar a polícia...
— Faça isso, e a Suzy... morre. Deixe de me obedecer pelo menos por
algum segundo e você morre também.
Me sinto indefesa, incapaz, sem saídas! Minha mão está tremendo, meu
coração quase saindo pela boca. Engulo em seco, chego a pensar que vou
desmaiar a qualquer segundo. Estou em pânico!
— Estamos de acordo? — Ele solta baforadas no ar, é incrível a sua
frieza, a maneira como conversa comigo, como se suas imposições fossem
pedidos comuns. Uma lágrima desce, não sei o que fazer. — Perguntarei só
mais uma vez: estamos de acordo? — Sua voz grave corta o ar novamente.
— Sim — respondo, sem chão, encurralada.
— Ótimo. Agora venha aqui — fico imóvel, não quero me aproximar
deste homem, sou um misto de fúria e medo, quero acabar com a raça dele,
porém o temo. Ele é um dos homens mais poderosos de NY, detentor de uma
imagem impecável, jamais imaginei que pudesse se submeter a este tipo de
coisa. Isso é coisa de... criminoso, mafioso, de gente inescrupulosa. — Venha
agora! — Ordena. Finalmente o obedeço, parando ao seu lado. — Lá está o
meu garoto. Não vai ser difícil, ele até que é bonito, uma vez recebeu convite
para modelar, seu único defeito é não andar — percebo que ele está se
referindo ao cadeirante no qual esbarrei minutos atrás, fico chocada! — Você
já o conhece..., David.
— Eu não o conheço, só tive um esbarrão com ele ali fora, isso é
loucura! — Rosno.
— Loucura ou não, ele gostou de você, eu vi como a olhava, e será
mais fácil assim, pois David é um jovem tolo, precisa gostar para foder
alguém. Patético. — Foxhill olha para mim, sarcástico, impiedoso com o meu
sofrimento. — Você precisará conquistá-lo, quero que se casem, pois essa
gestação terá que acontecer perto de mim, apesar que... a partir de hoje, meu
pessoal irá vigiá-la vinte e quatro horas.
— Por favor, me deixe ir embora com a Suzy, não conseguirei fazer
isso, você está enganado... — imploro, desesperada.
— Shhh — Hector faz sinal de silêncio. — Veja pelo lado bom, você
terá uma vida que com certeza nem chegou perto de possuir algum dia.
Depois que meu herdeiro nascer, poderá ir para onde quiser e receberá uma
pequena comissão se for uma boa menina — ele tenta acariciar a minha face,
mas me afasto, enojada, contudo, Hector segura meu queixo com força,
esbugalhando os olhos, aterrorizante, aproximando o rosto do meu. — É
melhor você ser uma boa menina — diz em meu ouvido, entredentes, em
ameaça, enquanto mantenho os olhos fortemente fechados, apavorada.
Sou jogada para longe como uma coisa qualquer. Desgraçado! Hector
volta a fumar seu charuto, envolto do seu terno preto. Odeio admitir que nele
agora vejo uma imagem não só de poder, mas também de maldade absoluta.
— Agora vá e faça o meu querido David se apaixonar por você. E
lembre-se: a partir de hoje eu sou a sua sombra, estou com a Suzy — diz, de
costas para mim. Definitivamente não sei o que fazer. Caminho rumo à porta,
pensando em um milhão de coisas, todas ruins.
Preciso protegê-los!
É a única coisa que grita na minha mente! O segurança me acompanha
até a saída da casa, enquanto caminho. Busco algum sinal de Suzy,
esperançosa, mas sem sucesso. Meu Deus, por que tudo isso?
De volta ao jardim, sigo para o banheiro mais próximo, choro feito uma
criança. Levo alguns minutos para me recompor. Enxugo as lágrimas, dou
um retoque na maquiagem, e regresso para o evento, vendo os seguranças
pelos cantos me observarem.
Miro David Foxhill à distância, solitário, em sua cadeira de rodas
moderna. Um garçom passa ao meu lado, tomo-lhe uma taça de espumante na
qual dou um virote para criar coragem. Respiro fundo, e sigo até o meu
inesperado objetivo, com a plena consciência de que este inferno está só
começando.
PECADOR
ERICK LOBO
Acordo de um pesadelo terrível, em que o meu plano com Kelly foi por
água abaixo, e ao me dar conta do lugar onde me encontro, tenho novamente
a infeliz certeza de que é mesmo real. Estou num quarto luxuoso, moderno, e
ao mesmo tempo introspectivo, frio, sinto como se este espaço não tivesse
vida. Ele é quase todo em tons escuros, com o piso em mármore negro.
Há dois meses sou refém de Hector Foxhill, e não sei por quanto tempo
irá durar esse martírio. Nunca sofri nenhum tipo de violência a não ser a
maior de todas: ter a minha liberdade cerceada. E o pior de tudo é que não
faço ideia do porquê estou sendo mantida em cárcere e não presa numa
penitenciária, já que o meu crime foi a tentativa de roubo daquela maldita
joia!
Por que Hector Foxhill me mantém presa dentro de sua própria casa? E
o que houve com a Kelly? Ela não está me procurando? Ela me esqueceu?
Morreu? Isso não pode ser possível! Não quero nem imaginar qualquer
atrocidade que magoe o meu coração! Enxugo uma lágrima que desce por
minha face como em todos os dias, e miro a câmera no alto, no canto da
parede, que me observa vinte e quatro horas.
Nunca ninguém falou nada, Hector jamais conversou comigo, estou
alheia a tudo, ao mundo lá fora. No início fiquei desesperada, pensei milhares
de coisas, gritei, pedi socorro, até concluir que era inútil, todos os seguranças
estão cumprindo ordens de me vigiar e me manter retida. Ainda não encontrei
uma forma de fugir, mas assim que achar, não pensarei duas vezes.
O mais contraditório é que Hector mora aqui, nesta mansão afastada da
cidade. Já o vi duas vezes, de longe, sempre fumando seu charuto. Gritei por
ele, mas não me deu atenção, fui impedida de me aproximar. É como se eu
não existisse, como se o meu sequestro fosse uma brincadeira, algo sem
importância, mas sei que há um motivo, e não suporto mais não sabê-lo!
Aqui tenho alguns "direitos", como andar pelo vasto jardim, mas só
durante o dia. Também me disseram que posso banhar na piscina, mas nunca
me atrevi, que ridículo! Me tratam como se eu morasse na casa, só que sem
poder sair dela. Eles me deixam ler livros, comer o que quiser, há uma TV no
meu quarto, e não tenho acesso a telefone ou a qualquer outro meio de
comunicação, claro. A comida é entregue dentro de material descartável, não
tenho acesso a coisas cortantes, sorte deles, porque já não aguento mais e
acho que sou capaz de tudo!
Levanto, vestida em um baby-doll preto, até roupas no meu manequim
compraram. Sou uma negra da cor de Nutella, gordinha com curvas, do
cabelo preto, liso. Sigo ao banheiro, lavo o rosto, escovo os dentes e faço a
minha higiene. Volto para o quarto enxugando o rosto na toalha, fico alguns
segundos escorada na janela, mirando o imenso jardim ensolarado, e os
seguranças passeando por ele, de terno preto.
Toc! Toc! Toc!
— Pode entrar — minha voz é frágil, de tristeza.
A empregada entra, com uma bandeja na mão, deixando meu café da
manhã sobre a mesa, como faz todos os dias também com o almoço e janta.
Se eu quiser posso comer em uma das mesas de pedra do jardim. O único
cômodo da casa ao qual tenho acesso é o meu próprio quarto.
A empregada ri para mim, e olho para ela com repulsa. No início
supliquei por sua ajuda, mas foi inútil. Tenho ranço dela e de todos os
funcionários dessa casa por compactuarem com isso! A mulher vai embora, o
segurança fecha a porta, ele é o cão de guarda que fica na saída do meu
quarto. Respiro fundo, inconformada, ligo a televisão, sento à mesa e me
alimento.
Depois, troco de roupa, bato na porta e peço para ir para o jardim,
respirar um pouco, pegar um sol, e assim faço. Há um muro distante, que
cerca toda a propriedade, mas parece ter um pinguim (segurança) em cada
canto dele. Mesmo assim, não me canso de analisar cada parte do espaço,
tentando encontrar alguma rota de fuga.
Ao passar pela frente do imóvel, vejo as vidraças que cercam o
escritório, e lá, parado, de terno, fumando seu charuto, se encontra Hector, o
meu algoz. Ele ainda não está me vendo, pois mira o nada, bem tranquilo,
reflexivo, soltando baforadas pelo ar. Há dias não o vejo.
Miro meu cão de guarda, que se distrai, mexendo no celular por um
instante, então aproveito para correr até as vidraças. O segurança percebe e
vem atrás de mim logo em seguida, mas não paro.
— EI! — Grito, batendo na parede de vidro com o punho cerrado. —
EI! POR QUE EU ESTOU AQUI?! EU QUERO IR EMBORA!
O homem me olha, sério, com cara de mau, mas não move um dedo, e
continua fumando, como se nada estivesse acontecendo. Ele parece estar na
casa dos cinquenta anos de idade, mas muito bem de saúde, é branco, alto, o
cabelo cortado em estilo social, preto, e a barba toda branca, cheia e bem
aparada, sem um fio fora de ordem.
O pinguim me alcança e me puxa pelos braços, mas luto, acertando o
joelho em seu saco, o fazendo ir ao chão gemendo de dor. Volto a encarar
Foxhill, agora ele está rindo de mim, mas não consigo ouvi-lo bem daqui.
Mostro o dedo a ele, com ódio, desgraçado, mais dois seguranças aparecem e
me obrigam a sair de perto do infeliz.
Por causa do que fiz, sou levada de volta para o quarto. Um dos
pinguins me joga para dentro, como se eu fosse um objeto, e tranca a porta.
— EU QUERO SAIR DAQUI! — Chuto a porta com força, depois
caio de joelhos no chão, desesperada, chorando.
Levanto, vou para a cama, arrasada, sofrendo. Não aguento mais ficar
reclusa, não suporto mais todo mundo agindo como se o meu sequestro fosse
algo comum. As lágrimas banham o meu rosto, me sinto incapaz, frágil,
vulnerável. Não tenho mais dignidade, não sou ninguém aqui. Não possuo
mais vida, somente uma sobrevida.
A cada dia que passa, a única coisa que habita os meus pensamentos é
em como vou me livrar de Hector Foxhill e salvar Suzy. Há dois meses penso
nisso todos os dias, e enquanto não consigo achar uma saída, vou levando
com a barriga o meu "relacionamento" com David.
David..., como posso defini-lo? Ele é um fofo, um homem adorável,
culto, inteligente, romântico, sensível, o completo oposto do maldito pai por
quem também não morre de amores, foi o que percebi pelas poucas conversas
que tivemos sobre ele. Até por que tento não falar muito sobre Hector para
não dar bandeira, pois David não pode desconfiar que estou com ele a mando
do pai.
No início investiguei se David estava por dentro do esquema de Hector
e se se fazia de fingido, mas cheguei à conclusão de que não, de que ele é
realmente do jeito que Hector disse mesmo, tanto que ainda não transamos,
mas dessa questão também ando fugindo, e..., além disso, "namorar" com um
paraplégico é algo que leva um pouco de tempo para se acostumar, pelo
menos comigo, e estou me adequando à vida dele, me adaptando aos
impasses.
Por mais que esteja sendo obrigada a ficar com David, não consigo
sentir raiva dele, o rapaz parece um anjo inocente. Apesar da sua deficiência,
David Foxhill já se acostumou ao seu estado físico. Ele tem um enfermeiro
particular que o auxilia de vez em quando, mas a maioria das coisas já faz
sozinho, é muito independente, tanto que morava só até eu passar a morar
com ele.
É muito difícil ser atriz o tempo todo, fingir que sou uma mulher
normal diante dele, quando na verdade, por trás, há uma tristeza profunda,
preocupações com quem amo. Choro quase todos os dias, mas tenho que me
manter forte e pensar em como encontrar uma salvação.
Devido à carência de David, a minha aproximação não foi nada difícil.
Depois da festa passamos a nos encontrar, assim como passei a ser vigiada
vinte e quatro horas por seguranças do Hector, e por pressão dele, já estou
morando com o rapaz, já me apresento e sou apresentada como sua
namorada. A cada dia que passa, sinto que o círculo está se fechando, que
estou ficando sem espaço para correr e fugir dos planos malignos daquele
desgraçado, já que conviver com David diariamente nos aproximou muito
mais.
Só que não posso fazer isso, engravidar não é uma possibilidade, seria
uma loucura e jamais aceitaria entregar um filho meu como parte de um
negócio sujo desses, mas tem a Suzy também.
Vivo numa sinuca de bico, e por outro lado não quero magoar os
sentimentos do David, o pai dele nem pensa nisso, mas eu sim. Ele está
apaixonado por mim, isso é nítido, me trata como uma princesa, após se
envolver comigo anda bem mais radiante e confiante. Não pude evitar, não
queria que ele gostasse de mim, mas não consegui.
Como não transamos ainda, fico cheia de dúvidas sobre a sexualidade
do meu “namorado”. Por ele ser cadeirante, me pergunto se pode mesmo
fazer um filho, coisa que nunca lhe indaguei, pois como disse, fujo de
assuntos relacionados a sexo.
Entretanto, pela forma como Hector me exigiu um herdeiro, deduzo
que David é plenamente capaz de reproduzir, já andei pesquisando e vi que
há vários casos de paraplégicos que conseguem ter ereção e também
ejaculação a depender da extensão da lesão medular, e no caso do David, isso
me preocupa, porque não quero ter um filho dele, eu não o amo, e não entra
na minha cabeça depois ser obrigada a me separar desse filho.
O que farei?
Deixo a água morna cair sobre mim enquanto penso em tudo isso,
passo a mão por minhas madeixas louras, de olhos fechados, tentando relaxar
diante do caos que agora é a minha vida. Por fim, desligo o chuveiro, me
enrolo na toalha, e ao sair do banheiro pela porta de vidro, levo um pequeno
susto ao ver David, parado, em sua cadeira de rodas motorizada, perto da
porta do quarto que está fechada. Ele tem um sorriso afetuoso no rosto,
olhando-me com encantamento.
— David — falo, ainda surpresa com a sua presença.
— Desculpe-me, amor, voltei antes de você sair do banho. Quebrei o
nosso acordo — sua voz é macia e grave ao mesmo tempo. Ele tem vinte e
sete anos, é um lindo homem com rosto de anjo, vestido em uma camisa
social azul-bebê e uma calça jeans bege. Suas pernas estão juntas, para o lado
direito da cadeira, imóveis, como sempre.
— Tudo bem, não tem problema, esta é a sua casa, eu que estou sendo
intransigente com essa besteira de privacidade — falo, sem jeito, sobre algo
que inventei para manter um pouco de distância dele nos momentos íntimos.
— Não fala assim, é como se você não fosse a minha namorada, a
pessoa mais importante para mim atualmente. Quero que se sinta bem ao meu
lado, quero que esta seja a sua casa também. Foi por isso que a convidei para
morar comigo.
— É que ainda estou me acostumando, você tem sido um gentleman,
me ajudou quando fiquei sem ter para onde ir.
— Aquela sua amiga ainda não voltou de viagem?
— Não — repondo, cabisbaixa, pensando na Suzy. — Mas... ela
mandou notícias, e voltará assim que der.
David se aproxima um pouco mais, fazendo a cadeira andar,
controlando pelo joystick.
— Eu sinceramente não entendo uma pessoa que se diz sua amiga,
porém viaja sem prévio aviso e te deixa pagando um aluguel caro sozinha.
Ela sabia que você não teria condições de manter aquele apartamento.
— Eu a entendo, foi um caso de urgência, problema de saúde na família
— minto.
— É, família é complicado, eu que o diga — ele olha para o chão por
um momento, refletindo. Depois pisca, voltando a me observar.
— O que foi? — Indago.
— Você... é tão linda — em sua voz há sentimento. Rio, sem jeito,
pondo uma mecha molhada para trás da orelha, ainda sob seus olhos.
— Kelly..., eu sei que... você pediu um tempo, que... com você as
coisas são devagar, mas... — a sua voz falha, me fazendo engolir em seco,
temendo por suas próximas palavras. — Ah, esquece, eu te espero na sala —
desiste de falar e faz menção em ir embora.
— Fala — peço, me sentindo um pouco culpada por mentir para ele
toda hora. David retira um estojo de dentro do bolso da calça, o abre, e
mostra as alianças, me deixando boquiaberta.
— Case-se comigo. Fique comigo para sempre — ele pede, romântico,
com ternura no olhar, me deixando comovida, pois não sabe um terço do
buraco tão fundo em que estamos.
— Oh, David...
— Eu juro que continuarei respeitando o seu espaço, sem cobranças de
momentos a dois, esperarei por ti quando estiver preparada para ser minha
por completo, mas... case-se comigo, e seja a minha mulher. Eu te amo. — Se
declara.
As lágrimas rolam por minha face com esta declaração. Meu Deus, ele
é muito intenso. Me ajoelho em sua frente, fecho o estojo, e seguro as suas
mãos.
— David, você é lindo... e suas palavras ainda mais. Eu sei que não
estou sendo uma boa namorada...
— Você é uma ótima namorada...
— Só te peço um pouco mais de paciência. Tudo vai se resolver no
tempo certo, e... você ficará sabendo dos meus reais... sentimentos — enxugo
as lágrimas com as costas das mãos.
— O que quer dizer com isso? — Ele jamais poderá compreender. Fico
sem resposta. — Você ainda não me ama, eu sei. E... sei que não sou um
homem completo, as minhas pernas...
— David...
— Mas posso te fazer feliz, Kelly. Posso te dar o mundo!
— Não tem nada a ver com as suas pernas. Você é um homem
completo sim! Eu que sou um pouco difícil mesmo, sabe. Quero que as coisas
entre a gente aconteçam naturalmente, por isso te pedi paciência.
— Tudo bem — ele guarda o estojo de volta no bolso, cabisbaixo, e
isso me corta o coração. Como corresponder alguém que você não ama?
Estou acabando com a vida desse homem sem querer. — Te espero o tempo
que for.
Fecho os olhos por um instante, acaricio seu rosto e o beijo com afeto,
nossos lábios se misturam por alguns segundos, e depois vejo a feição dele
melhorar com um sorriso contente, como se houvesse recebido um prêmio
meu.
— Vou te esperar na mesa, amor — diz, e sai do quarto.
Suspiro, enxugando mais lágrimas, em um misto de alívio e culpa.
Tranco a porta, e me preparo para fazer tudo o que tenho que fazer o mais
rápido possível. Ponho um vestido preto, colado, que vai até os joelhos, e
saltos nude. Pego uma bolsa de lado, grande, uma das maiores que tenho,
guardo nela tudo o que irei precisar.
Saio do quarto, caminho pela cobertura que é simplesmente incrível, o
verdadeiro significado de requinte e luxo, bem planejada, arejada, iluminada.
Tomo café com David, a empregada nos serve um manjar. Sobre a mesa, ele
aperta a minha mão, o correspondo — é o mínimo que posso fazer.
Em seguida, invento-lhe uma desculpa para sair, ele não faz
contestações e nem muitas perguntas, sempre me deixa à vontade, faz de tudo
para me agradar, para me manter perto, para não me perder. Assim que saio
do AP, o elevador se abre à minha frente, dele sai o vizinho da cobertura do
lado, um rico metido que se acha o dono de tudo, mais um. Assim que me vê,
ele já abre seu sorriso cafajeste, não me deixando passar.
— Oi delícia... — diz.
— Dá licença, eu preciso pegar o elevador — falo, desgostosa.
— Quando é que vai deixar aquele aleijado e vir para o papai aqui? —
Indaga, tomando o meu pulso.
— Não fale assim do David! — Retruco, me libertando dele,
enraivecida.
— Ah, para de fingir, gata. ‘Tá na cara que só está com ele para dar um
golpe, porém comigo você terá não só dinheiro, mas um homem de verdade
pra te fazer gozar gosto...
Lhe dou uma bofetada antes que ele termine suas palavras sujas,
caminho depressa rumo ao outro elevador que está se abrindo.
— Aquele aleijado não aguenta uma mulher do seu porte, mas eu sim, e
vou te mostrar! — Exclama.
Assim que saio do prédio imenso, no meio de Nova York, já noto
seguranças do Hector pelos cantos, me observando, todos de ternos pretos. Já
sei que eles irão me seguir como em todos os dias
Pego um táxi, e sigo para o shopping mais próximo, quero um local de
muito movimento. Entro no banheiro feminino sendo observada. Tranco-me
no box, abro a minha bolsa de lado, pego a outra roupa, e me troco. Pego uma
peruca preta, coloco, ajusto-a à minha cabeça, olhando pela câmera frontal do
celular, me transformando em morena. Por último, os óculos escuros. Pronto!
Saio do box, olho-me no espelho, ao lado de outras mulheres, e sem
que elas percebam, as espero sair, para que eu vá no grupo. Vejo os
seguranças já incomodados com a minha demora, mirando desconfiados a
porta do banheiro, mas não me veem passar disfarçada.
Lá fora, pego outro táxi e sigo para o endereço tão esperado, sempre
atenta para ver se ainda não estou sendo seguida, com medo de que Foxhill
me descubra. Ele não pode me descobrir! Desço num bairro simples, um
pouco aflita, sempre olhando em todas as direções até adentrar num prédio
humilde.
Duas horas depois, saio de lá renovada, mas novamente de coração
partido, rindo e chorando. Me troco em algum banheiro público, pego um táxi
de volta para casa. Assim que desço do táxi, um homem de terno me agarra
com rapidez, tapando a minha boca com a mão, e nem tenho tempo de lutar
ao ser lançada com força dentro de um carro que dispara em alta velocidade.
O medo se apodera de mim enquanto sou levada para algum lugar. Não
consigo enxergar, há um saco na minha cabeça, mãos de homem seguram
fortemente os meus braços, me conduzindo. Estou aterrorizada, mas tento
manter algum controle.
Ouço uma porta se abrir e depois fechar, sou obrigada a dar mais
alguns passos, o saco é retirado com brutalidade. Vejo Hector Foxhill à
minha frente, sentado em uma cadeira, enquanto o segurança me faz sentar na
outra, diante dele. Estamos numa sala vazia, com pouca iluminação, parece
até um tipo de cativeiro. As batidas do meu coração aceleram, engulo em
seco.
— Foi bom o passeio? — Ele pergunta, enquanto acende um charuto.
— Que lugar é este, Hector? — Minha voz sai fraquejada. Acho que
vou morrer!
— Aonde você foi? Aonde vai toda semana? O que está escondendo de
mim? — Ele cruza as pernas, com classe, e solta baforadas no ar. Está sob
um smoking, como sempre.
— Não estou escondendo nada — minto.
Ele pega a minha bolsa ao pé da cadeira — que eu ainda não havia
notado que estava ali —, retira a peruca e a outra roupa que usei mais cedo,
jogando no chão, à minha frente.
— Então é assim que despista os meus homens? Com disfarces?
— Às vezes preciso respirar, Hector! — Tento lhe persuadir.
— Respirar onde? Na polícia? Tenho informantes lá, sabia? Cuidado
com quem você fala — ele nem precisa alterar o tom de voz para me fazer se
sentir ameaçada.
— Não fui à polícia! — Rebato.
— Que bom, isso mostra que tem amor à sua amiga.
— Onde ela está?
— Por que não aceitou o pedido de casamento do meu filho? — Muda
de assunto.
Fico surpresa por ele já estar sabendo disso.
— Liguei para ele hoje, perguntei como estavam, notei tristeza na sua
voz, não quis me dizer o motivo, mas insisti e ele contou o que houve.
— Não preciso casar com o David!
— Não precisa?
— Você falou em herdeiro, e para ter um filho não é preciso ter
casamento.
— Também falei em casamento, David está apaixonado por você...
— Ele não sabe que estou com ele a mando seu. Será que não pensa no
seu filho? Como quer que me case e tenha uma criança dele para depois
largar tudo e desaparecer? Isso não faz sentido, Hector!
— Você não deve se preocupar com o futuro, deve se preocupar apenas
com a Suzy, só com ela. Quero que David realize todos os seus sonhos, e se
ele quer casar com você, ele vai casar, está me ouvindo? — Me ameaça mais
uma vez.
Fico em silêncio, inconformada, com raiva por não poder fazer nada.
— E quanto ao meu neto? Ele já está a caminho? — Este homem é o
mais sórdido e frio de todos.
— Ainda não — respondo, com uma lágrima descendo por minha face.
— Você já transou com o David? — Fico chocada e sem palavras com
essa pergunta. — Responde.
— Não, ainda não transamos...
Hector ri, maldoso.
— Ah, senhorita Smith, só pode estar brincando comigo. Eu vou matar
a sua amiga e vou matar você, está me ouvindo? — É uma promessa, já não
aguento maisisso.
— Não farei nada até ver a Suzy! — Disparo, corajosa.
— Acha que ainda está em posição de exigir algo?
— Há dois meses não vejo a minha amiga, não sei como ela está, se
está viva, e já estou namorando e morando com o David, como você mandou!
Como vou saber que não está me enganando?
— Não a matei, se é o que quer saber.
— Então prove! — Exijo, tentando não demonstrar o meu medo.
— Imaginei que falaria isso.
Hector levanta, vai até a porta de ferro às suas costas e dá três batidas.
Uma mulher mal-encarada aparece, com uma arma na mão direita, puxando
Suzy pelo braço com a mão esquerda. Quando vejo a minha irmã de coração,
levanto, em um misto profundo de emoções. Choro imediatamente, ela do
mesmo jeito. Hector faz um sinal com o rosto para a mulher, e ela solta Suzy
que vem correndo em minha direção, enquanto ele e sua comparsa saem da
sala.
Abraço Suzy como se fosse o último dia da minha vida, ao mesmo
tempo em que nos derramamos em lágrimas, murmurando todo o nosso
sofrimento. Me sinto tão feliz em vê-la, em saber que está bem.
— Eles te maltrataram? Eles te fizeram mal? — Pergunto, desesperada.
— Não, estou bem. E você? — Ela indaga, aos soluços.
— Também estou...
— Você não vai fazer o que ele quer, não vai! — A voz dela é
carregada de ódio.
— Mas tenho que te salvar...
— Não, não se importe comigo, vou me virar, mas você precisa fugir.
— Não vou fugir para lugar algum sem você, minha amiga! — A
abraço novamente, aflita.
— Eu achei que tinha me esquecido... — ela choraminga.
— Jamais! Jamais te esqueceria, como pôde pensar isso?
— E como está o...?
Balanço a cabeça negativamente para ela, em desespero, a fazendo
calar. E então elevo os olhos para a câmera na parede que nos observa. Suzy
entende, e se cala.
— Está tudo bem. Está tudo bem — repito.
— Você tem que fugir e me deixar para trás.
— Nunca! — Afirmo. — Não vou te abandonar, Suzy!
A porta se abre e a mulher entra com Hector novamente.
— A festa acabou — ele diz, sério.
— Não! — Grito, abraçando Suzy, porém dois homens de preto
aparecem e a retiram dos meus braços, indo embora com ela e a mulher que a
trouxe, me deixando sozinha novamente com Foxhill.
— Não chore, honey. Entenda que será mais fácil se me obedecer.
— Desgraçado — rosno, enquanto ele pega a minha bolsa do chão,
jogando-a para mim.
— Agora volte para David e seja uma boa noiva de hoje em diante.
Vou esperar ele me contar a novidade. Se eu sentir que está me enrolando,
Kelly, não terei piedade na próxima vez, pois não sou homem de paciência.
Destruirei todos que entrarem no meu caminho!
Ele se aproxima de mim, ameaçador.
— E se inventar de brincar de pique-esconde com os meus homens de
novo, vou mandar um pedaço da Suzy para você como lembrança da
desobediência.
Depois o homem bate na outra porta de ferro, e dois seguranças
aparecem, pondo o saco novamente na minha cabeça e me levando
embora.Sou liberada a uma rua do meu prédio, devastada por dentro. Ao
chegar na frente do edifício, vejo carros da polícia, uma ambulância e várias
pessoas em volta de algo. Logo percebo que houve um acidente, o que me
deixa ainda mais assustada do que já estou.
Como está muito tumultuado, decido entrar logo. Avisto um policial no
hall, dispensando o porteiro, me aproximo dele.
— O que houve? — Pergunto, curiosa.
— O vizinho da senhora, que morava na cobertura do lado, caiu lá de
cima.
Fico chocada com a informação.
— Parece que estava bêbado, e se desequilibrou.
— Oh, meu Deus! — Estou aterrorizada, e imediatamente começo a
cogitar se essa morte não tem algo a ver comigo, já que esse homem dava em
cima de mim. Será que foi o Hector? Será que ele tem informantes aqui
dentro? Meu Deus, estou perdida!
Pego o elevador, ao chegar na cobertura, vejo David na porta, dando
depoimento a outro policial. Acabo recebendo perguntas dele também e falo
o que sabia sobre o vizinho, que não é praticamente nada. Depois, entro para
dentro do apartamento com David.
— Meu Deus que loucura! Você acha que foi mesmo um acidente? —
Pergunto a ele, aflita.
— Acho que sim, mas já ouvi os policiais falando de um provável
homicídio. O problema é que as câmeras deste andar estão em manutenção, e
não pegaram nada — diz David, entristecido. Cada vez mais concluo que tem
dedo do Hector nisso, ou sou eu que estou ficando paranoica. — Que pena, o
vizinho era meio boêmio, mas parecia gente boa, apesar de nunca termos nos
falado.
Sento no sofá, pensativa. Lembro das palavras de Foxhill:
Destruirei todos que entrarem no meu caminho!
— Está tudo bem, meu amor? Você demorou voltar hoje — Ele se
aproxima de mim, parando em minha frente e segurando as minhas mãos com
carinho. David busca um beijo, o correspondo. Não adianta, não tenho outra
alternativa.
— David, eu pensei melhor e... aceito o seu pedido de casamento.
SUZY SMITH
Reviro os olhos com essa cantada barata! Isso está pior que as cantadas
que recebo do Agenor no elevador. Quer dizer que até no mundo BDSM
existem homens assim? Nossa, que decepção. O mundo real é bem diferente
do literário, realmente, só que quando penso no Sr. Lobo, o vejo como um
perfeito crush dos livros.
COELHINHA: Não, obrigada.
Fecho o note mais uma vez, desistindo dessa loucura. A verdade é que,
eu não gostaria de ser apenas mais uma submissa do Apolo, quero algo mais.
Quero que ele me enxergue, que tenha sentimentos por mim como tenho por
ele. Eu quero ele! É incrível como todos os dias estamos tão próximos e ao
mesmo tempo parecemos remotos. É como se esse homem possuísse uma
espécie de barreira invisível à sua volta que não lhe permite ser tocado.
Tiro a roupa e sigo para o banheiro, fecho os olhos enquanto a água me
molha inteira, instantaneamente lembro dele pegando aquela mulher com
força naquela mesa, de como o seu quadril trabalhava poderoso, indo e vindo,
carregando o seu mastro tão grande e grosso. Ao abrir os olhos, percebo que
estou me tocando, sinto a minha intimidade já completamente encharcada.
Mesmo sob a água, meu corpo queima. Fico espantada ao notar o quanto a
lembrança dele mexe comigo de uma forma colossal, pego o sabonete para
me limpar.
Reflito o quanto me surpreendeu ver o meu chefe numa situação tão
íntima e tão inesperada aos meus olhos. Quem diria que aquele homem tão
imponente e intimidador, de personalidade tão forte e gélida, sob seus caros
ternos de grife que lhe resplandecem tanto poder, fosse um sádico dominador
libertino.
Descobrir tudo isso abalou todas as minhas estruturas, se antes eu já era
caidinha por ele, agora posso dizer que estou ainda mais, porém não sei
explicar o motivo. Acho que se eu fosse uma mulher normal, já teria pedido
demissão. Mas está óbvio que não sou.
Me arrumo toda para o trabalho, ponho uma saia preta e uma blusa
branca social de mangas longas, que com os meus óculos forma o verdadeiro
look secretária do ano. Pego a minha bolsa de lado, a pasta com alguns
documentos, e desço para tomar café, ainda é cedo.
Moro na cobertura de um prédio de luxo. A minha família é rica pra
xuxu, como diz Alice. Meu pai é Desembargador do Tribunal de Justiça do
Piauí e minha mãe é médica. Eu faço parte de uma das maiores empresas do
estado, ganho muito bem para gastar comigo mesma, tenho pretensões de
crescer na área, meus pais estão satisfeitos com o meu desempenho.
Já o meu irmão, Samuel, nunca quis nada com a vida, sempre andou
torrando o dinheiro dos nossos pais, mas recebeu uma dura deles anos atrás,
que o fez se fingir de bom moço, fazendo faculdade de Direito. Depois
enveredou pela influência social de papai e conseguiu se tornar vereador em
Teresina. Agora ele lançou a candidatura para Prefeito.
Não sei como conseguiu se eleger como vereador, pois é corrupto, e
será uma tristeza se ocupar o cargo de Prefeito, pois aí terá mais poder e fará
mais besteiras. Só que Samuel é trapaceiro fino, consegue sempre esconder
tudo por debaixo dos panos, nem os nossos pais sabem, mas eu, por acidente,
descobri algumas de suas falcatruas, sei que nesse angu tem mais caroço.
Mas, desde que ele não se meta na minha vida, não me meterei na sua.
Encontro os três tomando café na mesa, me junto a eles. Troco bom dia
com todos, e o clima está superagradável, até Samuel abrir a boca:
— Já vai sair pro seu cargozinho de secretária, maninha? — Ele ri com
deboche, me fazendo revirar os olhos enquanto levo minha caneca de café à
boca.
— Samuel, já falamos sobre isso. Respeite o trabalho da sua irmã —
repreende papai, ele e Samuel se parecem muito fisicamente, mas só até aí,
pois meu pai é justo e correto. Samuel é loiro, dos olhos azuis, eu puxei à
minha mãe, mas também herdei os olhos azuis de papai.
— Ela ganharia mais se estivesse trabalhando como minha assessora na
campanha para prefeito.
— Vai sonhando que farei parte dessa sua política podre — retruco, o
fazendo semicerrar os olhos em minha direção.
— Bianca — minha mãe tenta me repreender, mas meu irmão não a
deixa terminar.
— O que está querendo dizer, hein, sua fedelha?
— O que você está querendo dizer? Por que não me deixa em paz?
Saiba que ganho muito bem, obrigada. Conquistei o meu emprego sozinha,
não com a influência de papai. Ah, esqueci, ser político não é um emprego,
ou é para você? — O provoco, o deixando vermelho feito tomate.
Ele levanta e bate as mãos na mesa, furioso, assustando a empregada
que acaba de aparecer com uma bandeja de tapiocas.
— Retire o que disse, senão acabo com a tua raça! — Exclama, me
ameaçando, apontando o dedo para mim, mas não o temo, já passei dessa
fase.
— Samuel! — Exclama papai, também perdendo o controle.
Levanto, enraivecida, corajosa
— Pensa que ainda me põe medo, é? Pensa que ainda sou aquela
garotinha que você oprimia e batia quando nossos pais não estavam por
perto? — O desafio, lembrando do que sofri nas mãos dele quando criança.
— Cale a boca! — Ele fica ainda mais nervoso, pois sabe que tem um
passado sujo.
— Meus filhos, pelo amor de Deus! — Mamãe se estressa, preocupada.
— Me deixa em paz, Samuel, pois se eu abrir a boca, posso acabar com
você! — O ameaço, enquanto ele está puto!
— Ora, sua...
— Cale a boca, Samuel! — Papai o enfrenta, cara a cara, e ele recua.
— Pelo visto já perdeu o voto da Cleide — o provoco novamente,
falando da empregada que está de olhos esbugalhados para ele.
Pego as minhas coisas e me retiro, quando chego no elevador deixo
algumas lágrimas escaparem. Parece que esse início de dia abriu a porta para
o resto dele ser todo péssimo. Chego no hall da Cordeiro e vejo eletricistas
concertando algo em um dos elevadores, o que aumenta o fluxo de pessoas
no outro. Atrasada e sem paciência, penso em subir a escada, mas ao lembrar
de todos os andares que terei que passar, desisto e aguardo.
Quando finalmente chego no andar da presidência, tenho que ficar
calada diante da bronca do meu chefe.
— Está atrasada — ele diz, enquanto ponho os documentos sobre sua
mesa, bem organizados.
— Desculpe-me, chefe, tive problemas em casa — me justifico.
— Problemas pessoais é da porta da empresa para fora.
— Claro, desculpe-me. O elevador também está em manu...
— Onde está o meu café?
Fecho os olhos, frustrada comigo mesma por ter esquecido!
— Eu esqueci — minha voz é pura desanimação.
— Um dia você derrama, no outro esquece. Qual o seu problema? — A
voz dele é grossa e mansa, não altera o tom em nenhum momento, e mesmo
assim consegue me atingir.
— Nenhum, senhor. Qual é o seu problema? — Disparo, sem querer
querendo, e me arrependo imediatamente ao perceber que fui longe demais!
— O quê? — Apolo Lobo está perplexo.
— É que... o senhor parece meio abatido — lhe abro um sorriso
amarelo. Oh Deus, é agora que serei demitida.
APOLO LOBO
Após meu pai, Erick e meus pequenos irmãos irem embora, fico
afetado, pensando em tudo o que ouvi. Eu não posso abrir o jogo com eles e
contar que fui traído e roubado, que com isso cedi aos fantasmas do passado e
agora sou atormentado por pesadelos quase todas as noites. Que criei aversão
ao amor e a qualquer tipo de afeto.
Emoções não servem para nada. Meu mundo é bem melhor gelado.
Ainda estou no escritório, vestido em um suéter preto e uma calça bege,
olhando para o jardim pela grande janela, observando a minha agora ex-
submissa entrar no carro, chorando. Ela será levada pelo meu motorista para
bem longe de mim. Não houve outro jeito, tive que dispensá-la, seu olhar não
me engana, ela estava se apaixonando por mim. O automóvel parte com seus
olhos mirando-me em desolação por saber que não mais me servirá, ela devia
ter se atentado às regras, assim não haveria decepções, nem por parte dela,
nem minha.
Devo confessar que é difícil encontrar uma submissa à minha altura,
que me agrade, mas ninguém é insubstituível. Talvez eu deva ficar uns dias
sem uma, para arejar os pensamentos, pois as palavras de meu pai e meu
irmão, me afetaram. Foi inevitável não me afastar deles, tive que criar essa
barreira entre a gente para não me sentir obrigado a lhes contar tudo. Tenho
direito à minha privacidade, mas às vezes bate saudade de conversar com
eles. Entretanto, é bem melhor não demonstrar as minhas fraquezas, assim
acredito que não as tenho.
No final de semana, lembro que Erick viajará para Nova York, olho seu
contato no celular, penso em ligar ou mandar uma mensagem, mas travo. Não
é necessário.
Dias depois vou ao trabalho, e ver eletricistas concertando o elevador
em pleno expediente me deixa irritado, odeio essa bagunça, mas os ignoro.
Sigo para o outro elevador onde há um grupo de funcionários o esperando,
mas, ao me verem, todos abrem espaço, e quando me dou conta, estou
subindo nele sozinho. É incrível como me respeitam e me temem, é bom que
continuem assim.
Chego ao andar da presidência, e de cara percebo a ausência de Bianca.
Alice me dá bom dia, sorridente como sempre, apenas lhe faço um sinal com
o rosto. Meu subconsciente indaga: onde está Bianca? Ela deve chegar
sempre mais cedo que eu, porém hoje está atrasada, e nesses dois meses de
trabalho nunca se atrasou, nem um segundo.
O que falar dessa minha secretária? Bianca consegue me impressionar e
me tirar do sério ao mesmo tempo. Por um lado, é inteligentíssima,
competente, focada, linda, proativa..., gostosa, sexy sem ser vulgar. A sua
sensualidade é tão natural, que nem ela mesma percebe. A mulher parece que
foi feita no Olimpo, seus lábios são carnudos e extremamente rosados, seu
rosto é angelical, muitas vezes me parece uma garotinha inocente, que se
revela uma mulher por trás daqueles óculos atraentes, que em seu rosto ficam
perfeitos, sem deixar de ressaltar seus olhos profundamente azuis.
Não posso negar que quando a vi pela primeira vez, tive uma louca
vontade de erguê-la no ar em minhas cordas de juta, beber todo o suco que
faria ser esguichado da sua boceta após devorá-la inteiramente, contudo,
tenho a regra de não me envolver com funcionárias, e as minhas regras não
quebro jamais.
Tive que buscar as raízes do meu autocontrole para olhar Bianca apenas
como mais uma das minhas secretárias, sem segundas intenções, e estava
indo bem, mas com o tempo a mulher revelou-se uma língua solta, espoleta.
Ela simplesmente é a primeira dessa empresa com coragem o suficiente para
me "enfrentar". Já não foi uma e nem duas vezes que teve a audácia de me
responder, e às vezes na frente de outros funcionários, como no dia em que
esbarrou em mim e derramou café em tudo.
Essa sua impetuosidade me deixa puto! Consequentemente, a primeira
imagem que vem à minha mente, é dela curvada sobre as minhas pernas
recebendo umas boas palmadas naquele traseiro apertado sob a sua saia, que
por sinal, me chama muita atenção pelo tamanho.
Bianca, Bianca, Bianca... ai se eu te pego. Sento à minha mesa com
este pensamento malévolo, mas logo balanço a cabeça para me livrar dele,
recordando que ela é proibida para mim, por imposição minha. Mas tenho
uma vontade de morder aquela língua afiada, aqueles lábios por onde saem
argumentos contra os meus. Odeio ser contestado ou contrariado, e Bianca
Vasconcelos anda testando a minha paciência.
Devido a esse comportamento dela, confesso que me divirto sendo
ainda mais carrasco com sua pessoa do que com os demais funcionários.
Assim que percebi sua personalidade forte, dividida entre sua competência e
ímpeto, decidi ver até onde ela aguentaria ir comigo no serviço. Eu não sou
fácil, e só quero os fortes comigo.
Já que Bianca gosta de me responder, quero fazê-la "pedir para sair",
quero ver se sua braveza cede à sua imagem delicada e feminina, e também
ao seu histórico, pois descobri que ela é rica. Quero entender se está aqui por
status ou porque realmente quer o cargo. Mas se ela continuar desaforada, ou
ultrapassar limites, realmente terei que mandá-la para o olho da rua, pois não
aceitarei que subordinados me desafiem. A questão é que quanto mais ela faz
esse tipo "rebelde", mais tenho vontade de lhe mostrar o seu lugar, de fazê-la
entender que está abaixo de mim, que é minha... submissa.
Rio com esse pensamento louco. Se Bianca fosse a minha submissa,
abaixaria a cabeça todas as vezes em que me aproximasse, seu nariz
empinado enrubesceria somente com a minha presença. Se bem que... já notei
as bochechas dela enrubescerem algumas vezes ao me ver. Já notei alguns
olhares de interesse, mas sem perder o respeito, o que é muito interessante.
Apolo, pare de pensar sacanagem. Você é o chefe, ela sua secretária,
fim. Assim que começo a analisar arquivos no meu computar, a dita cuja
chega, linda e bem vestida como sempre, atrapalhada, parecendo não saber
manipular muito bem tudo o que tem nas mãos. Engatamos uma conversa,
que chega a um desrespeito dela comigo.
— O quê? — Fico perplexo com mais essa ousadia.
— É que... o senhor parece meio abatido.
Vejo seu sorriso cara de pau, respiro fundo, fechando os olhos por um
instante, e tento não ser grosseiro:
— Você tem a língua muito afiada, senhorita Vasconcelos, desde que
entrou aqui percebi isso, mas escute-me bem: não vou tolerar que a minha
secretária seja desaforada comigo. Mais um comentário desse tipo e a
demitirei sem pensar duas vezes.
— Desculpe-me, Dr. Apo...
— Se não aguenta, se está pesado demais para você, faça como lhe
disse na sua entrevista, dê meia-volta e vá embora...
— Eu aguentarei, não está pesa...
— Pode sair — a dispenso, a mirando terrivelmente. Ela sente isso com
profundidade, é perceptível.
Durante o restante do dia, tento evitar mais contato com ela, chamo
somente por Alice. À tarde, após participar de uma longa e cansativa reunião,
volto para a minha sala com o prédio praticamente vazio, pois já passa das
17h, quase todos os funcionários já foram embora.
Chego ao andar da presidência e me surpreendo ao encontrar Bianca
em sua mesa, trabalhando no computador. Paro diante dela, miro meu relógio
de pulso e indago:
— O que ainda está fazendo aqui?
— Ah..., desculpe, Doutor, achei que já tinha ido embora, eu... decidi
adiantar serviço — ela ri, sem graça, parece estar mentindo.
— A reunião demorou mais que o esperado, e esqueci uma pasta na
minha sala. Daqui a pouco a empresa irá fechar este departamento, é melhor
você ir para casa — dou a dica.
— É verdade, eu vou — ela começa a se organizar.
Sinto que Bianca hoje não está mesmo bem. Parece que o tal problema
familiar foi real, mas decido não dar atenção a isso. Vou à minha sala, pego o
que esqueci e retorno, encontrando com ela na porta do elevador. Ficamos
lado a lado, mas não trocamos olhares. Permaneço distante e impenetrável. A
porta se abre, nós adentramos, porém, assim que o elevador começa a descer,
parece emperrar bruscamente, a luz pisca, não seguimos viagem.
— AAH! — Bianca grita, amedrontada. Num piscar de olhos está me
abraçando, o que me faz paralisar em choque. Permaneço imóvel enquanto a
mulher olha para todos os lados, com medo, parece até um gatinho assustado.
— O que está acontecendo??
Ela leva alguns longos segundos para perceber que está agarrada a mim
e que eu a miro muito sério e sedento, aprofundando os meus olhos em sua
face inocente e assustada, sentindo o seu calor através dos seus braços que
contornam o meu corpo. Sou um misto de surpresa com uma súbita vontade
de beijá-la.
Nunca estivemos tão próximos.
O AMOR NÃO EXISTE
APOLO LOBO
BIANCA VASCONCELOS
Que dia foi esse? Uma loucura. Chego em casa exausta, digo o motivo
do meu atraso aos meus pais e tranco-me no quarto. No banho, reflito acerca
das novas percepções que pude captar do meu chefe nesse tempo em que
fomos obrigados a passar juntos.
Foi uma provação tê-lo tão perto e tão distante como sempre. Foi uma
tentação vê-lo abrir a camisa, mostrando aquele peitoral bem definido e
inflado. Mas foi uma surpresa imensa vê-lo me elogiar pela primeira vez na
vida, e ainda por cima descobrir que não acredita no amor. Mas por quê?
Naquele elevador senti-me atraída por Apolo ainda mais do que antes.
O desejei, pensei obscenidades, e, por algum motivo, senti compaixão. Ele só
me provou que a minha descoberta sobre os seus gostos sádicos não me fez
saber quase nada sobre quem é de verdade. O que vi foi uma forma de
transar, nada além disso. Não conheço a mente desse homem, não sei o que
se passa por seu coração, se é que tem um.
Quero me aproximar mais do meu chefe. Quero que se apaixone por
mim como sei que sou apaixonada por ele, mesmo às vezes me odiando por
isso. Mas, chego à conclusão de que para que isso aconteça, é preciso uma
aproximação além daquele escritório.
Sento em frente à escrivaninha e abro o notebook ainda enrolada na
toalha. Entro no site de BDSM, decidida a me comunicar com ele. Vou
provar ao meu chefe que o amor existe.
ERICK LOBO
Sinto que estou morrendo. Alguém me pega no colo, vejo o céu, a luz
do sol, as árvores, tudo embaçado. Consigo ouvir a minha própria respiração,
decaindo, sucumbindo, um rosto familiar olha para mim até que tudo se
apaga mais uma vez.
KELLY SMITH
BIANCA VASCONCELOS
BIANCA VASCONCELOS
Meu Deus! O que foi que eu fiz? Não conseguirei entrar naquela boate!
Oh! Se arrependimento matasse. Não devia ter feito isso, não devia! E agora?
Abro os olhos, suspirando diante da penteadeira, analiso a maquiagem
novamente, está tudo ótimo, adoro me maquiar, mas a tensão me domina,
meu coração bate forte. Calma, Bianca, coragem!
Levanto-me, observo meu look no espelho grande, estou em uma calça
jeans, uma blusa preta, e salto alto. Pego a minha bolsa, respiro fundo, e saio
do quarto.
— Vai sair, maninha? — Ouço a voz de meu irmão às minhas costas, o
que me faz fechar os olhos, gelada, não queria ser vista.
— Vou, Samuel — confirmo, ríspida, encarando seu rosto cínico.
— Para onde, posso saber?
— Não é da sua conta, me deixa em paz.
— Você não é de sair de casa...
Lhe dou as costas e desço pela escada, chegando à sala. Avisto meus
pais assistindo TV, saio de fininho pela porta, sem ser vista.
Em minutos, estou na estrada, ao chegar na Alcateia, estaciono em um
estacionamento seguro. Antes de descer do carro, retiro uma peruca loura que
comprei da bolsa, a ajusto na minha cabeça, cobrindo minhas madeixas
castanhas. Meu chefe não pode me reconhecer!
Ainda bem que nesse ambiente pode-se usar máscara, senão eu estaria
ferrada. Pego a minha no banco traseiro do carro, ela é preta, feminina, tem
orelhas de coelho, sexy, combina com o meu pseudônimo. Sinto uma imensa
vontade de chorar ao mirar o objeto. Isso vai dar merda! Ele vai me
descobrir, e perderei o emprego!
— Oh Cristo! Não posso fazer isso! É loucura, Bianca! — Murmuro a
mim mesma. Estou atordoada, medrosa.
Ponho a máscara e saio do carro, caminhando depressa, nervosa, com
medo de ser reconhecida, mesmo disfarçada. Mas Apolo me explicou tudo
sobre o primeiro andar da boate, onde só entram clientes exclusivos, o sigilo
é absoluto e geralmente as pessoas que frequentam esse lugar ficam
mascaradas, pois é gente da alta sociedade, que não podem ter sua imagem
posta em risco.
Sigo as recomendações do Sr. Lobo, entro pela área vip, chegando
diretamente no primeiro andar do prédio. Fico impressionada com o
ambiente, com dominadoras e dominadores brincando com pessoas, há
strippers no palco, gente em todos os cantos. O espaço é bem climatizado,
luxuoso. Vou até as salas íntimas, engolindo em seco, tomando coragem para
pedir o cartão que me foi orientado pedir.
O segurança me olha dos pés à cabeça, me analisando, não com
segundas intenções, mas sim como se estivesse conferindo algo, e só então
me dá o cartão e me deixa passar. Chego a um corredor de portas vermelhas,
encontro a minha, sinto minhas pernas bambas. Por duas vezes faço menção
em ir embora, de sair correndo daqui!
O que estou fazendo? Será que é realmente necessária essa situação
para poder me aproximar do meu chefe! Por que ele tem que ser tão coração
de gelo? Tão impenetrável? Por que não acredita no amor? Quem é Apolo
Lobo de verdade? São perguntas que só poderei obter com ele!
Passo o cartão e abro a porta. Entro, me deparando com um homem
poderoso, sob o terno, com as pernas cruzadas, no sofá, me aguardando. A
máscara o deixa sexy. Apesar da luz vermelha atrapalhar um pouco a visão
ampla da sua face, sei que é ele, e o medo se apossa de cada célula do meu
corpo.
Sinto seus olhos vasculharem cada pedaço do meu corpo, com
segundas intenções, o que me faz quase ofegar. Meu corpo está frio, por um
momento penso que vou desmaiar, mas me mantenho firme, preciso ser forte.
— Boa noite, senhorita. Creio que será um prazer conhecê-la — sua
voz grossa e viril rasga o ar, me despertando de qualquer pensamento. É
agora. Já estou aqui, e não tenho como voltar atrás.
APOLO LOBO
Observo a mulher à minha frente, sua linguagem corporal demonstra
um pouco de nervosismo. Ela fica parada que nem uma estátua, me dando
tempo o suficiente para analisá-la dos pés à cabeça e constatar que realmente
é uma delícia assim como na foto que me foi enviada. Não é fake, é a mais
pura e tentadora realidade. Logo fico interessado.
— Boa noite, senhorita. Creio que será um prazer conhecê-la — falo,
ela não tem reação, continua imóvel, o que me faz franzir a testa.
Após longos segundos, responde:
— Boa noite — sua voz é estranha, parece forçada.
— Sente-se — convido. A porta é fechada vagarosamente, como se
pensasse duas vezes em fazê-lo, e finalmente ela senta, a um metro e meio de
mim.
Tenho vontade de rir do seu comportamento incomum, já tenho várias
impressões dela, sua timidez me aguça os sentidos.
— Está tudo bem? — Indago.
Seu rosto faz sinal de positivo. Está mentindo.
— Está nervosa?
Assente mais uma vez.
— Está com medo?
Sua mão faz sinal de mais ou menos. Me remexo, ficando de frente
para ela, um pouco incomodado e curioso pela falta de resposta verbal.
— Você não precisa ficar nervosa nem com medo. Está tudo bem, só
vamos conversar — falo, manso, para que fique a vontade.
A mulher força um sorriso, mexe no cabelo mais uma vez que, por
sinal, também me parece estranho, como se não pertencesse a ela. Quando me
disse que era iniciante, não achei que fosse tanto, geralmente as outras
submissas com quem me encontro são um pouco mais... desinibidas.
— Há algum problema na sua voz?
— É que estou rouca — sua voz é forçada novamente, e me passa até
agonia.
Sorrio, sacando o que está acontecendo. Levanto, e vou até ela,
sentando ao seu lado, sentindo seu nervosismo aumentar. Capturo a mão dela,
a surpreendendo, e a acaricio.
— Olhe para mim — peço, leva alguns segundos até a mulher erguer o
rosto, e me fitar. A máscara cobre do seu nariz para cima, gostei do formato
com as orelhas de coelho, ficou sensual, deixando de fora seus lábios
carnudos e tentadores, perfeitos.
Pelo pouco que estou vendo, deduzo que é uma moça linda, mas algo
não está certo.
— Acalme-se, está tudo bem — digo, percebendo que está dando certo.
— Sabe, eu aposto que você está escondendo muito o jogo. É normal não
querer se expor, é exatamente por isso que também estou mascarado, mas
você não precisa forçar a voz, ou... usar peruca.
Sua mão foge da minha, a mulher fica tensa novamente.
— Eu... acho melhor ir embora — diz, me deixando ainda mais curioso,
sem entender nada.
— Calma, vamos conversar um pouco — peço.
— Não..., eu tenho que ir — levanta, pegando sua bolsa de lado.
Apesar de cogitar que é muito linda não só de corpo, mas também de rosto,
não insistirei para que fique, no estado em que ela está não dá para conversar.
— Tudo bem — assinto, ficando de pé. — Adeus — estendo a mão
para ela, que me corresponde. Sinto o seu cheiro. — Seu perfume, me é
familiar — observo.
— Ah..., é..., eu tenho mesmo que ir, até amanhã, doutor Apolo — ela
me dá as costas, contudo, sou rápido como um guepardo e a tomo pelo braço,
impedindo-a de andar.
— Do que me chamou? — Pergunto, incrédulo.
Ela está boquiaberta, sem saber o que dizer.
— Quem é você? — Indago, assustado, pensando milhares de coisas
ruins.
A mulher tenta fugir, mas a jogo contra a parede, puxando sua peruca e
máscara. Esbugalho os olhos ao me deparar com Bianca Vasconcelos, a
minha secretária, bem na minha frente!
Ela me olha sem chão, com os olhos lacrimejando, sem saber o que
fazer. Foi pega em flagrante! Mas que diabos!
— Bianca?! Mas que porra significa isso? — Exclamo.
As lágrimas rolam por sua face assustada, mas isso não me comove
nem um pouco! Que raios ela está fazendo aqui?! Retiro a minha máscara,
jogando-a no chão. É hora de jogar limpo!
— FALA! — Exijo, abominado com essa situação e indignado! Como
ela descobriu que eu gosto de BDSM??
— Eu tenho que ir — diz, abrindo a porta depressa, chorando, mas a
trago de volta para o mesmo lugar, fechando a porta com violência, a
assustando.
— Você não vai a lugar nenhum enquanto não me explicar o que está
acontecendo — rosno. Fico impaciente — Me fala! O que você quer? Por que
está aqui? — Só consigo pensar em merda!
— Porque estou... apaixonada por você — ela declara, com a voz frágil.
Faço uma careta, ficando mais confuso ainda.
— O quê? O que disse?
— Que... estou... apaixonada por você — aos poucos ela se recompõe.
— E..., é por isso que estou aqui.
— Como assim? O que pretendia com isso?
— Me aproximar do senhor..., ser notada — confessa. Rio, incrédulo. É
inacreditável! Passo as mãos no rosto, esperando para ver se ela está
brincando com a minha cara, mas me abomina perceber que Bianca fala
sério!
— Não estou ouvindo isso..., isso não está acontecendo..., só pode ser
uma pegadinha! Você é louca, mulher?
Ela abaixa a cabeça, de abraços cruzados, se encolhendo.
— Como me descobriu no site?
Ela hesita.
— Fala! — Exijo.
— Eu... sem querer... vi a página aberta no seu computador... na sua
sala.
Fecho os olhos, com a mão na testa, tentando assimilar essa loucura
dela.
— Me fala a verdade, Bianca! Estava tentando me expor de alguma
forma, é isso?
— Não...
— Está gravando a nossa conversa? Tem alguma escuta aí...?
— Não, Dr. Apolo, jamais faria isso!
— Então por que está aqui?!
— Eu já disse! — Rebate, e suas lágrimas não param de descer.
— Quer mesmo que eu acredite neste papinho de que está apaixonada?
Isso é uma piada! Você invadiu a minha privacidade, a minha intimidade,
quebrou todos os conceitos de respeito que eu tinha sobre você.
— Não queria que fosse assim... — ela soluça, em pranto. — Não achei
que fosse assim...
— E o que diabos achou, garota?! Não passa mesmo de uma menina
boba e iludida! Como pude me enganar tanto contigo achando que era
profissional?! É uma maluca! É isso que é! — Vocifero, enraivecido.
— Não precisa falar neste tom! Pare de ser este ogro, mal-educado! —
Exclama, com raiva, entre lágrimas, me surpreendendo. — Sei que tudo isso
é loucura, mas... só queria conhecê-lo melhor
Isso não está acontecendo. O silêncio nos toma por longos instantes.
Reflito, a observando, assimilando terrivelmente que não é uma mera
invenção dela, é real. Será que... Bianca gosta tanto assim de mim? Mas...,
não é possível!
Lhe dou as costas, pondo as mãos na parede, confuso..., estranho, com
o coração batendo forte.
— Não tem noção do que tudo isso se trata..., da dimensão. Ninguém
pode se apaixonar por mim..., ninguém pode gostar de mim — murmuro,
agora mais calmo, mirando o chão.
Ouço a mulher fungar e ir embora, me deixando sozinho, tenso, sem
saber como agir, o que pensar ou o que fazer.
SUZY SMITH
Acordo com dor no corpo todo, é o terceiro dia que teimo em dormir no
sofá. O lado bom é que me mantenho distante de Hector Foxhill, mas o ruim
é que fico toda desconjuntada. Procuro-o pelo quarto, concluindo que já foi
embora. Que bom!
Tomo um banho relaxante, com água morna, e me assusto ao perceber
que já estou meio que acostumada com essa vida de refém. É possível alguém
se acostumar em viver presa? Nossa, que horror! Acorda Suzy, quanto mais
tempo passa aqui, mais as pessoas que ama ficam em perigo!
Alguns minutos depois, penteio minhas madeixas, ponho uma roupa
confortável, e ao abrir a porta do quarto, dou de cara com a carrapato,
mirando-me com ódio.
— Oi, inseto — ela rosna, sacando a arma, apontando-a para mim, me
deixando nervosa. — Hoje vamos acertar as contas! Você vai pagar pelo que
me fez, vai perceber que a dor de uma bala é bem maior e mais fatal que a de
uma faca.
Dou dois passos para trás, enquanto ela avança dois adiante.
— Onde está o Hector? — Minha voz sai trêmula. A desgraçada abre
um sorriso debochado.
— Não se preocupe, eu planejei tudo. O Dr. Hector só chegará à noite,
como sempre. Eu estava passando, e por um acaso te vi com outra faca, você
tentou me atacar e tive que atirar em você para me defender. Olha aqui a sua
faca! — Ela joga aos meus pés uma lâmina grande, bem maior que a
primeira, branca, pontuda, afiada. — É normal você ter pego mais uma, já
que agora o Dr. Hector te deixa livre para transitar por toda a casa! — As
últimas palavras são rosnadas, e isso me faz perceber o que está acontecendo.
— Você tem ciúmes? — Indago, erguendo uma sobrancelha.
— O quê? — A mulher fica incrédula.
— É por isso que sempre me odiou, porque tem ciúmes de mim com o
Hector — afirmo, a provocando, tentando com isso desestabilizá-la.
— Ora, cale a sua boca! — Ela exclama, avançando em mim,
abaixando a arma por um instante, é o momento que começo uma luta com
ela, a segurando fortemente pelo pulso.
Nós rodamos pelo quarto, tentando assumir o controle do revólver.
— Desgraçada, vou acabar com você! — Promete, entredentes, furiosa,
enquanto sou movida pelo medo, pelo instinto de sobrevivência.
— SOCORRO! — Berro, mirando a porta por um instante, na
esperança de algum outro segurança aparecer.
A arma cai no chão, a carrapato me empurra, me fazendo desabar,
tomando vantagem, e chuta a minha canela com o seu salto, cortando a minha
carne.
— AAI! — Grito, em dor. Ela chuta de novo, no mesmo lugar, me
ferindo ainda mais, me fazendo agonizar. A vagabunda empunha a arma
novamente, apontando para mim, sorrindo, malévola, é o meu fim.
— Diga as suas últimas palavras, inseto.
— Vai para o inferno! — Cuspo nela, a deixando furiosa, acho que
pensava que eu iria me humilhar para viver.
— O que está acontecendo aqui? — Ouço a voz imperativa de Hector,
às minhas costas, fecho os olhos, aliviada, deixando as lágrimas caírem.
— Dr. Hector? — A carrapato está sem saídas, nervosa, foi pega de
surpresa.
— Me dê a sua arma — ele ordena.
— Mas Dr. Hector, ela, ela...
— Me dê a sua arma agora! — Exclama, com raiva, e a mulher
obedece. — Levem-na daqui — ele manda aos demais seguranças, que
desaparecem com a desgraçada.
Vejo a faca e empurro-a com o calcanhar para debaixo da cama
rapidamente, a ocultando. Ouço a porta ser fechada, o homem alto, sob um
terno de luxo, para à minha frente, me olhando, preocupado. Ele se agacha, e
me pega no colo. Não reluto, estou frágil, quase morri e ele me salvou
novamente.
Hector me deita sobre a cama, observando o corte na minha perna,
sangrando.
— O que houve? — Pergunta, manso.
— Ela tentou me matar, queria vingança — conto, enquanto as
lágrimas descem. — Ela disse que você chegaria só de noite como sempre.
— Eu ia, mas tive um imprevisto, então voltei para casa. Não achei que
ela seria capaz disso, de me fazer tamanha desobediência. Isso terá sérias
consequências.
— Você me salvou... pela segunda vez — ressalto, enxugando os olhos.
Hector não diz nada, e acaricia o meu rosto, que diz muito mais, me
surpreendendo profundamente. Seu olhar que outrora forte e sem
sentimentos, dá lugar à ternura e compaixão, me deixando confusa, em uma
ebulição de sentimentos desconhecidos.
Então o homem pisca, parecendo voltar a si.
— Vou chamar o médico para cuidar de você. Hoje passará o dia na
cama — afirma, e sai do quarto.
Passo o dia deitada, recebendo cuidados, sendo servida na cama. O
médico disse que o ferimento não foi nada grave, mas um pouco profundo.
Ele fez um curativo, e passou alguns remédios.
Hector entra e sai do quarto, passando o dia comigo, me observando,
perguntando como estou, seus cuidados me fazem não reconhecê-lo. Nem
parece o mesmo cara que me sequestrou, parece outra pessoa, fico
impressionada.
Quando chega à noite, tomo um belo banho, ponho a camisola, e
quando estou organizando o sofá para dormir, Hector entra no quarto.
— O que está fazendo aí? — Pergunta.
— Ora, estou me preparando para dormir, como sempre...
— Chega! — Ele me pega no colo, não dando ouvido às minhas
contestações e me joga na cama. — Você vai dormir aqui! Não permitirei que
durma ferida naquele sofá.
— E você vai dormir aonde? — Indago, fazendo bico.
— Ora, ao seu lado! E não vai acontecer nada, então pode parar com
essa infantilidade! Só estou zelando pelo seu conforto porque você está
machucada!
— O médico disse que não foi nada demais...
— Já está decidido! — Ele volta a ser grosseiro, e mandão! Estava bom
demais para ser verdade, ai que ódio!
Pigarreio, enquanto o homem segue para o closet. Minutos depois, sai
de lá enrolado na toalha, musculoso, lindo, quase me fazendo engolir a saliva,
assustada, enquanto passa por mim e entra no banheiro. Droga!
Lembro da faca, procuro-a embaixo da cama. Acho-a, e a guardo sob
meu travesseiro. Posso até dormir com ele, mas não sem segurança.
Quando o homem volta para o closet, finjo que estou dormindo, de
olhos semicerrados. Depois ele vem para a cama, ainda de toalha. Estou de
ladinho, de costas para ele, amedrontada ao perceber que o infeliz está
deitando nu!! Oh meu Deus!
Meu coração está acelerado, fico com medo, assustada, nervosa, e
lembro do tamanho do seu pênis. Sinto uma ardência, uma quentura entre as
pernas, só de imaginá-lo tão perto de mim, e pelado. Engulo em seco, me
detestando por perceber que estou atraída por este canalha!
As duas horas seguintes são uma aflição, pois não consigo dormir, mas
Hector sim, pelo menos acho que sim..., pelo silêncio.
Uma ideia arriscada domina a minha mente. Talvez esta seja uma
chance de fugir. Viro lentamente, a única luz acesa no ambiente é a do abajur,
a suficiente para que eu veja a face do meu sequestrador dormindo..., lindo! É
incrível como seus músculos são bem definidos, o seu peitoral tão inflado.
Engulo em seco novamente e pego a faca. Olho para a lâmina e depois
para Hector. Levo-a até a sua garganta, nervosa. Os olhos do homem se
abrem lentamente, encontrando com os meus.
— Eu devia matá-lo — sussurro, com o coração quase saindo pela
boca.
— Então faça — me incentiva, me surpreendendo. — Mate-me...,
mate-me!
O MONSTRO
SUZY SMITH
BIANCA VASCONCELOS
O que Bianca estava pensando ao ter essa ideia maluca? Essa mulher é
completamente pirada, sem noção, louca! O que estava pensando? Que eu
não iria reconhecê-la e que passaríamos a ter uma relação sadomasoquista
com ela fingindo estar rouca ou coisa do tipo? Que ridículo!
Como pode a minha secretaria ser capaz de descobrir os meus segredos
e pior... tentar fazer parte deles? Bianca falou que fez tudo por estar
apaixonada por mim, mas é claro que é mentira! Com certeza fez essa
besteira com segundas intenções, talvez... talvez para tentar me chantagear
após conseguir alguma prova da minha vida particular.
Contudo, a senhorita Vasconcelos não parece ser tão vil assim, tão
baixa. Ela não faz esse tipo e negou qualquer intenção maléfica. Mas não é a
primeira mulher que se demonstra um anjo para mim e depois se revela o
demônio. Não é a primeira que soa sua voz doce e angelical por meus
ouvidos e depois mostra sua verdadeira face. Foi por isso e mais outras
milhares de coisas que me fizeram desacreditar em sentimentos puros.
Porém, não posso deixar de cogitar que, por trás daquele mulherão,
realmente há uma jovem boba e inocente que acredita no amor como um dia
eu já acreditei.
Ela pode sim, na pior das hipóteses, ter visto em mim algum tipo de
príncipe encantado e assim levou a sério quando comentei no elevador que
queria alguém para me provar que o amor existe, que não é uma quimera.
Penso em tudo isso enquanto bebo minha tequila e uma stripper se
esfrega no mastro de ferro à minha frente, na mesma sala onde minutos antes
Bianca estava comigo, amedrontada, parecendo uma coelhinha assustada
como sempre fica quando está bem próxima de mim.
Ela é uma mistura de coragem e temor, de tesão e inocência, e estou
com um ódio tão intenso por ter me feito de bobo, que seria capaz de rasgar
aquela sua roupa e lhe foder como um selvagem após judiar da sua bunda
com o meu chicote, para aprender a me respeitar e nunca mais abusar de
tamanha ousadia!
A stripper vem para cima de mim de repente, tentando chamar a minha
atenção, sentando em meu colo e esfregando a bunda contra o meu caralho
escondido sob as vestes. Entretanto, continuo fitando o nada, como se
somente o meu corpo estivesse nesta sala enquanto minha alma frustrada
viaja rumo à minha secretária, querendo penetrar sua mente e entender o que
a levou a realizar essa merda!
— Ei gostoso, olha pra mim, eu estou aqui — pede a mulher, tocando
em meu queixo, virando meu rosto em sua direção.
Penso que, talvez um bom sexo me faça esquecer daquela doida.
— Quer ganhar um extra? — Pergunto.
— Adoro um extra — ela sorri, saliente.
— Então fica de quatro.
— Aqui na Alcateia não pode sexo, senhor. Me leva para algum lugar.
— Eu sou um dos donos, então comigo aqui pode tudo.
A mulher parece surpresa, e segundos depois me obedece. Não estou
preocupado, a câmera foi desligada desde quando entrei nesta sala, sempre é
desligada para mim. E assim, fodo ela com força por muito tempo até desistir
de gozar com a demora. Minha cabeça está longe, não consigo me concentrar
nem para ter um orgasmo. Pago a stripper e vou embora.
Já em casa, em meu quarto enorme e gélido, não consigo dormir,
lembrando do momento em que Bianca chorou, indefesa, com aqueles lábios
tão atraentes que me fazem engolir em seco agora, só de lembrar. Sento na
cama praguejando mentalmente. Merda, eu a desejo! A desejo! A quero! Mas
possuí-la vai contra todos os princípios que construí duramente após tantos
socos que a vida me deu!
Levanto, caminho nu pelo quarto, abrindo as portas de vidro que dão
acesso à sacada, mirando a lua brilhante no céu. O que posso fazer diante
dessa situação? Como irei agir com Bianca de agora em diante? Posso
simplesmente dispensá-la do serviço, lhe dar adeus e nunca mais vê-la na
minha frente. Pronto! Assim me livro do problema sem mais estresse.
Por outro lado..., por outro lado eu posso... testá-la. Sim, Apolo, você
pode testar a sua secretária, dar o que ela teoricamente queria e ver até onde
Bianca é capaz de ir com a sua mentira, e assim descobrir as suas reais
intenções. E se ela realmente acredita no amor como diz, se estava
verdadeiramente, na pior e mais louca das hipóteses, disposta a ser a minha
submissa só para, através disso, de alguma forma, se aproximar e me
conhecer melhor, eu posso lhe fazer um favor e fazê-la enxergar a verdade.
Será até divertido! Mostrarei a Bianca o mundo real, onde as pessoas
são incapazes de amar verdadeiramente umas às outras. Onde amor e paixão
nada mais são que uma mercadoria facilmente comprada, e relacionamentos
não duram, ou são falsos, ludibriosos, com traições, com facadas no peito tão
profundas que te fazem sangrar até sugar toda a sua vida de merda!
Mostrarei o meu lado sádico a Bianca, para que ela entenda de uma vez
por todas que não se pode confrontar um homem como eu daquela maneira e
sair impune! E isso não vai durar muito, aposto que bastará entregar-lhe o
meu contrato de submissão que a verei sair correndo novamente.
Reconheço que a sua ousadia foi imensa, a ponto de ir me encontrar na
boate, mas ela não teria pulso para seguir adiante, tanto que quis fugir quando
viu que eu estava prestes a descobri-la. Bianca com certeza achou que viveria
um romance comigo, mesmo sabendo que sou um dominador. Está iludida
com o que lê em livros ou tem segundas intenções.
É claro que... seria interessante tê-la como submissa, tenho curiosidade,
mas não sou mais um adolescente que não consegue controlar os próprios
desejos. Sou um homem feito! Esse impulso, esse tesão que me deixa duro
por ela vai passar assim que eu descobrir a verdade.
Após estabelecer esse plano, finamente consigo agarrar no sono. Passo
o resto do final de semana inteiro pensando nisso a todo instante. Cogito a
possibilidade de Bianca aceitar e assinar o contrato, mas em seguida rio em
deboche. Não, ela jamais faria isso, foi tudo um blefe.
Sigo para a empresa, apostando que ela irá aparecer. Será que pedirá
demissão ou desculpas? Essa também é uma forma de saber mais sobre o seu
caráter. Estou com o pé atrás quanto a esta mulher, não ponho mais a mão no
fogo por mulher alguma, não acredito em nenhuma.
Saio do elevador e não a vejo, pergunto por ela para Alice e descubro
que ainda não chegou, irei esperá-la. Dispenso Alice, quero ficar a sós com
Bianca.
Uma hora depois olho pela câmera, no computador, vendo a senhorita
Vasconcelos preparando-se para partir. Ligo, ordenando que venha até mim.
Ela entra na sala já se despedindo, tentando se mostrar firme, mas ao me
ouvir disparar a pergunta, fica mole, mole feito geleia.
Agora a mulher está presa entre os meus braços, que a cercam contra a
parede, e aproximo tanto o meu rosto do seu que o arrependimento me ataca
com força no momento em que a súbita vontade de devorar os lábios
carnudos e rosados dela vem a mim com intensidade outra vez!
— Por que..., por que está me perguntando isso agora? — Ela indaga, e
seu coração bate tão forte que sou capaz de ouvi-lo. A minha secretária é um
misto de temor e inocência envolto de uma sensualidade natural absurda,
consigo sentir o cheiro do seu tesão aflorando por mim enquanto estamos
bem próximos um do outro.
Me afasto, contente em perceber o quanto mexo com o seu corpo e
psicológico, isso afaga o meu ego.
— Não era isso que você queria? — Pergunto, voltando ao assunto.
— Mas não era o que o senhor queria — relembra.
— Pensei bem e acho que pode ser... interessante — encosto-me na
grande escrivaninha, cruzando os braços, me divertindo ao ver a mulher toda
sem jeito.
Ela engole em seco e responde:
— E me enganei..., não quero mais, não estou mais afim. Muito
obrigada — ela quase gagueja. Aconteceu o que eu esperava, está correndo.
Miro-a com olhar de vencedor. — E o senhor não me respondeu..., por que
está me perguntando isso agora? — Insiste, sei o que ela quer ouvir.
— Porque agora eu quero — afirmo, a surpreendendo. — Ninguém me
afronta como me afrontou e sai impune, senhorita Vasconcelos. Se tudo
aquilo que me falou na boate for verdade, se realmente acha que está
apaixonada por mim, se acha que o amor existe, então estou disposto a deixá-
la entrar no meu jogo e ser a minha submissa. Do contrário, se tudo o que me
disse for mesmo mentira como desconfio, pode sair por essa porta e nunca
mais nos veremos.
Me sinto vitorioso com o rosto amedrontado de Bianca, pensando em
tudo o que acabei de dizer. Ela vai sair correndo, tenho certeza disso, meu
sorriso sarcástico no rosto anseia por esta cena agora, mesmo que lá no fundo
do meu ser..., bem lá no fundo, eu... talvez... acharia interessante que ela
aceitasse, gostaria de vê-la de joelhos diante de mim, falando apenas quando
lhe fosse permitido.
Mas, como previsto, a mulher dá um passo para trás, depois me dá as
costas. E quando a porta se abre, dou de ombros, não me importo que ela
desapareça. Será melhor assim, continuarei sem transgredir as minhas regras.
Esta é uma bela forma de me livrar dela e confirmar que todo aquele seu
papinho era mentira.
— Eu aceito — sua voz chama a minha atenção e me tira de todos os
pensamentos. Bianca volta para dentro mais uma vez, corajosa.
— O... quê? — Fico embasbacado, não esperava por isso.
— Eu disse que... aceito — ela repete, e agora me sinto acuado,
inseguro.
— Você... não sabe o que está dizendo — quase gaguejo, meio
nervoso. — Não seja tola..., não precisa me provar nada, é claro que não quer
realmente, é claro que nada do que me disse é... verdade. Vá embora.
Seus olhos se esbugalham diante de mim. Por que Bianca não foge
como eu esperava que fugisse?
— Eu quero, não está me ouvindo? — Sua voz se torna desafiadora. —
O que foi? Era um blefe? O senhor está com medo? Está fugindo? — Me
provoca, me deixando sem palavras, desgraçada! — Não é homem o
suficiente para me dominar?
Avanço nela puto de raiva, furioso, a segurando pelos braços.
— Se você fosse a minha submissa, já estaria levando umas boas
palmadas para aprender a me respeitar! — Rosno, respirando forte, vidrado
em seus olhos profundamente azuis, como um anjo lindo, e ao mesmo tempo
acuado, agora intimidado. Ela engole em seco. Desço o olhar para os seus
lábios entreabertos, sensuais, atraentes, de Afrodite. — Então você acha que
aguenta brincar comigo? — Pergunto, sedutor, retomando o controle ao sentir
suas pernas bambas.
Tomo a sua boca com a minha de forma voraz, fechando os olhos ao
sentir a maciez da sua carne derretendo na minha, numa mistura tão intensa
que até me surpreende. É uma química forte, e vê-la se entregando me tira
ainda mais do equilíbrio. O toque começa lento, sem quase movimento
algum, nossos lábios grudando uns nos outros, colados, unidos. Então, inicio
os primeiros movimentos, esfregando as nossas carnes, pedindo passagem
com a língua, que é cedida, e logo se enrosca na dela.
É quente, molhado, ávido! Minhas mãos gigantes escorregam dos seus
braços e correm por suas costas, trazendo seu corpo que bate contra o meu
que mais parece uma rocha gigante diante dela. Meu pau já está trincando,
tão duro, a ponto de explodir. O pressiono contra o seu abdômen, e nesse
momento sinto as mãos dela contra o meu peitoral, talvez com um pouco de
medo misturado ao fogo que o nosso contato exala.
Estou incendiando e ela também, continuo a beijando, estou quase a
devorando com a boca, tomando a sua língua viciante, roçando meus lábios
nos seus em um toque grosso e libidinoso. Não quero que acabe, mas Bianca
foge, virando o rosto, ofegante, sem estruturas, entregue.
— Doutor Apolo... — ela murmura, sem fôlego, enquanto arrasto a
língua por seu queixo e pescoço, sorrindo, safado, feliz com a sua fraqueza,
subindo uma das mãos para os seus cabelos, e segurando-os ao pé da nuca,
prendendo-a a mim, respirando forte, como um animal feroz, no cio.
Mordisco seu lábio inferior e ela geme, fechando os olhos, manhosa, fazendo
a cabeça do meu cacete latejar e quase rasgar a cueca, queimando.
Tomo seus lábios outra vez, vendo Bianca se derreter em meus braços,
me correspondendo, atiçada e me atiçando também. O contato das nossas
carnes é surreal, não achei que chegaria a tanto, perco totalmente o controle,
parece que no mundo só há eu e ela. É tão doce, tão gostoso, tão quente. Vou
fodê-la agora mesmo!
— Não... — Bianca me empurra e descola os nossos corpos, assanhada,
quase cambaleando, buscando respirar incessantemente, sem ar.
Passo os dedos nos lábios, ainda sentindo o seu gosto delicioso. É,
talvez, pela primeira vez, eu deva quebrar uma das minhas regras e me
envolver com alguém do trabalho, especificamente com a minha secretária.
Bianca é um misto de surpresa e tesão intenso! Ela parece que não sabe o que
falar tanto quanto eu. Pego o contrato de submissão sobre a mesa, e lhe
entrego.
— Pegue..., leia com calma, atente-se a cada cláusula. E se... realmente
quiser isso, traga-me estes papéis assinados amanhã — falo, esforçando-me
para me manter calmo.
A mulher sai, desconcertada, enquanto eu sorrio, incrivelmente
gostando do que houve aqui. Agora ela está sendo um desafio e uma diversão
ao mesmo tempo, vamos ver até quando vai aguentar. Sua impetuosidade, sua
negativa em desistir, só me instiga a continuar e vê-la fazer o contrário.
SUZY SMITH
Os dias se passam lentamente, e está cada vez mais difícil para mim
conviver com este homem. Qualquer interesse que eu tive por ele caiu por
terra, agora voltou a ser apenas ódio e rancor.
Certa manhã, enquanto pego um pouco de sol em uma das
espreguiçadeiras da piscina, uma sombra sobre meu rosto me faz abrir os
olhos, é o Hector.
— O que você quer? — Pergunto, desgostosa, levantando e me
preparando para me afastar dele.
— Eu pensei bem, você está certa. Já estou fazendo David infeliz sem
que ele saiba, e tenho que cortar esse mal pela raiz antes que seja tarde
demais. Amanhã acontecerá um baile beneficente da empresa, e você irá
comigo. Kelly estará lá com David, eu irei chamá-lo e lhe contarei a verdade,
e assim vocês duas estarão livres para sempre das nossas vidas — declara,
deixando-me desconcertada.
MÁSCARAS
SUZY SMITH
Fico desconfiada, Hector não pode ter mudado assim. Faz alguns dias
desde a nossa discussão, mas, algo me diz que não posso confiar nele.
— Você está mentindo — afirmo.
Ele estica um pequeno sorriso.
— Sei que só vai acreditar quando ver a minha palavra se
concretizando — o homem respira fundo, olhando em volta e me dá as
costas. — A questão é que, as suas palavras naquela noite me atingiram mais
fundo do que possa imaginar. Estes dias que se passaram eu refleti bastante
sobre tudo, e concluí que toda aquela felicidade que eu já tive aqui nesta casa,
vendo meu filho David feliz, não será reconquistada através de um casamento
forçado.
As suas palavras parecem muito sinceras, o homem observa ao redor
outra vez, como se estivesse recordando de algo. Ele respira fundo e me olha,
me surpreendendo ao mostrar seus olhos vermelhos se esforçando para
segurar as lágrimas que querem sair. Outra vez Hector se mostra vulnerável,
mas agora não sei se acredito, por mais que eu sinta sinceridade na sua voz
quebrada.
— Eu agradeço... por você ter me aberto os olhos, e me mostrado o
quanto eu estava cego — ele força um sorriso, pela primeira vez parecendo
até um menino, tocando o meu coração. O homem se afasta, me deixando
sem saber como agir.
Na noite seguinte, a noite do baile, me olho pela última vez no grande
espelho, vendo meu corpo emoldurado num belíssimo vestido vinho. Pego a
máscara sobre a cama, que Hector também comprou para mim, e caminho
lentamente até a porta. Não sei explicar o que está acontecendo comigo, eu
devia estar saltando de felicidade por saber que finalmente estarei livre.
Eu devia..., mas... olho uma última vez para o espaço onde fui mantida
presa, sinto um vazio me cercando. Sigo para a sala, Hector está me
esperando, coberto por seu smoking, poderoso, e parece... triste. Ele vira, me
vendo chegando, e força um sorriso pequenino.
— Você está incrivelmente linda — me elogia, com a voz frágil. —
Você é linda.
— Você também não está nada mal — sorrio, selando uma espécie de
paz entre nós.
Ficamos em silêncio, estamos sozinhos, a tristeza volta a nos rondar
simultaneamente. Hector se aproxima, grande, intenso, perfumado, e acaricia
o meu rosto que hoje está bem maquiado, meu cabelo está feito. Me sinto
aprofundada no olhar enigmático deste homem. O que ele está pensando?
— A minha vontade... é de prendê-la para sempre. Mas não mais nesta
casa... e sim no meu coração — se declara, enchendo os meus olhos de
lágrimas. Meu coração fica comprimido em meu peito. Merda, acho que
estou apaixonada por ele!
— Hector... — murmuro, surpresa com as suas palavras. Ele aproxima
o rosto lentamente, penso em negar, mas no fundo deixo acontecer, e assim,
sou beijada, um beijo de despedida, um beijo com sentimento! E quando
finalmente o sonho acaba, volto a trocar olhares com ele. — Se tudo fosse
diferente... — choramingo.
— Mas não é...
— Se estivéssemos em outro lugar...
— Mas não estamos...
— Se tivéssemos nos conhecido em outra ocasião...
— Mas não nos conhecemos — Hector enxuga as minhas lágrimas e eu
enxugo as dele.
— Me perdoa..., me perdoa por ter invadido a sua casa, por ter tentado
tirar o que é seu — soluço.
— Me perdoa por tudo..., por tudo, honey — pede, e me abraça forte.
Por fim, Foxhill segura a minha mão e me leva para fora da casa. Sinto
a brisa do vento tocar a minha face, então entramos no carro, e saímos da
propriedade. Suspiro, vendo que é verdade mesmo, só agora há um alívio em
meio ao sofrimento. É real, ele está falando a verdade.
Logo passamos pela cidade de Nova York, pelos prédios iluminados,
pelas pessoas que andam de lá para cá, pela vivacidade desse lugar. Quando
me dou conta, estou sorrindo, mas meu sorriso termina quando vejo a face de
Hector confusa, mirando a tela do celular. Olho-a também, e vejo uma foto de
David e Kelly, sorrindo, e isso também me deixa confusa.
— Não posso fazer isso — ele sussurra, me deixando tensa.
— O quê, Hector? — Pergunto, com temor.
— Motorista, pare o carro — ordena, e logo estacionamos no
acostamento de uma avenida.
— O que houve?
Hector balança a cabeça, pensando, contrariado.
— Não dá Suzy..., não posso desistir agora. Prometi fazer o meu filho
feliz custe o que custar.
— Mas Hector... — antes de conseguir argumentar, ele abre a porta ao
meu lado.
— Vá, fuja! — Ordena.
— Não! — Retruco.
— Vá! E para o seu próprio bem... nunca mais apareça na minha frente
— diz, sério, assustador, ameaçador, voltando a ser o monstro de antes outra
vez, me deixando perplexa e amedrontada.
Decido que é melhor seguir a sua ordem antes que mude de ideia. Saio
do automóvel arrasada, segurando a máscara, chorando feito uma criança. Ele
fecha a porta do carro, o nosso olhar cessa quando o vidro da janela é
erguido, e assim Hector Foxhill vai embora para sempre da minha vida.
— E agora, meu Deus..., o que é que eu vou fazer? — Me pergunto,
desesperada.
KELLY SMITH
ERICK LOBO
HECTOR FOXHILL
BIANCA VASCONCELOS
SUZY SMITH
Estou com Erick, em seu carro, ele segue as minhas instruções rumo ao
nosso destino. Durante a viagem, conto-lhe tudo o que aconteceu comigo e
Kelly.
— Quer dizer então que vocês tinham uma empresa de organização de
eventos e sofreram um golpe da sócia? — Ele pergunta.
— Sim, ela nos roubou tudo, e fugiu. A gente denunciou, mas a polícia
nunca a encontrou. E depois disso tivemos que lidar com o desfalque, com os
imensos débitos em aberto que tínhamos, com os roubos e desvios de
dinheiro que ela já vinha fazendo. A nossa situação piorou gradativamente...,
até o ponto de nos vermos totalmente falidas; dobra a esquerda — ele me
obedece, adentramos numa rua.
— E por isso, a única opção viável que vocês encontraram para sanar
todas as dívidas foi roubar o Hector? — Erick não consegue acreditar que
fizemos isso, está perplexo!
— Não. O que nos levou a chegar nesse ponto, foi algo muito mais
grave; para naquele prédio ali — aponto, Erick estaciona.
— Então foi o quê? — Ele está curioso e procurando uma forma de não
nos julgar, é visível.
Respiro fundo, me preparando para o que está prestes a acontecer.
— Acompanhe-me, é melhor que veja com os seus próprios olhos —
ele não entende nada, mas me segue em silêncio.
Adentramos no prédio humilde, subimos a escada até chegar no
segundo andar e bato na porta de um dos apartamentos.
— Sou eu, a Suzy! — Digo, e a porta se abre. Uma mulher baixinha,
que usa óculos, de trinta e cinco anos, nos atende e ri ao me ver. — Mary! —
Falo, a abraçando muito forte, tentando matar a saudade, enquanto as
lágrimas correm.
— Que bom que você voltou! — Diz a mulher, chorando, emocionada.
Não nos vemos desde que fui sequestrada.
— Vocês ficaram bem? — Indago, mais calma.
— Na medida do possível, sim, o menino está bem.
Neste momento, um garotinho de nove anos aparece na porta de um dos
cômodos, ele é magrinho, franzino, com o cabelo ainda nascendo. Usa
máscara hospitalar, e esbugalha seus intensos olhos azuis-piscina ao nos ver.
— Oi, meu amor! — Abro os braços e ele vem correndo me abraçar
com força, me fazendo derramar ainda mais lágrimas! — Como eu estava
com saudades de você! — O aperto em meus braços, enquanto o menino
choraminga, ele também sentiu a minha falta!
Finalmente volto os olhos para Erick, que nos observa confuso, sem
entender nada. Sorrio para ele.
— Erick, esta é a Mary, Mary, esye é o Erick — os apresento primeiro,
e eles se cumprimentam.
— E este... — acaricio o rosto do menino — é o Gael..., o filho da
Kelly..., o seu filho, Erick. Quando fugimos do Brasil e chegamos aqui, Kelly
descobriu que estava grávida de você.
O homem fica simplesmente bestificado com a notícia impactante. De
olhos arregalados, boquiaberto, chocado!
— Eu... tenho... um filho? — Ele pergunta, sem acreditar.
— Sim..., você já é papai.
Não leva dois segundos, e Erick desaba duro no chão.
VIRGINDADE
KRONOS FOXHILL
Chego com a minha amada noiva no nosso prédio, e mais uma vez
tenho que fazer o papel do pobre homem aleijado que espera seu motorista
retirá-lo do carro e colocá-lo na cadeira de rodas. Maldita cadeira! Não vejo a
hora de me livrar dela!
Calma, Kronos, você já acabou com o Hector, agora só falta mais um.
Abro um sorriso vitorioso ao lembrar daquele otário desnorteado no chão
após a pancada que lhe dei. Esse é o preço a pagar por tudo o que me fez.
Observo Kelly descer do carro, linda, gostosa e maravilhosa no seu
vestido. Não sei mais por quanto tempo irei aguentar sem sexo com ela, tenho
vontade de fodê-la até deixá-la toda roxa. Essa merda de ser educadinho e
compreensível como o David não serve para porra nenhuma! Kelly pensa que
eu não sei que está enrolando para me dar, mas ela vai me dar, quer queira,
quer não! Já a escolhi para ser a minha mulher, e absolutamente ninguém
pode mudar isso. A minha vingança está se saindo mais bem-sucedida do que
eu esperava. Esplêndido!
— Vamos, querida — a chamo, sorrindo. A loira assente e me
acompanha.
Ao chegarmos no hall, vejo os dois moleques que me derrubaram mais
cedo passando correndo e sorrindo rumo à piscina. Eles ainda estão por aqui?
Desgraçados. O elevador se abre, Kelly entra.
— Você não vem? — Me indaga.
— Ah..., acho que esqueci meu celular no carro. Vá subindo, já lhe
acompanho.
— O.K. — Confirma, as portas do elevador se fecham.
Olho rumo à piscina com o instinto assassino já me cercando mais uma
vez. Sigo até lá, dirigindo a cadeira pelo joystick.
— Boa noite, Sr. David — o porteiro me cumprimenta, do balcão.
— Boa noite — forço um sorriso para ele, e prossigo.
— O senhor está indo para a área externa?
— Sim, de repente me deu vontade de ficar um pouco ao ar livre —
sinto ódio por ter que parar e respondê-lo novamente.
— Ah sim, é..., só tome um pouco de cuidado, porque tivemos um
curto circuito nessa área e algumas lâmpadas queimaram, as câmeras não
estão funcionando.
— Ah, é mesmo? — Isso me deixa feliz, mas me faço de curioso,
apenas.
— Pois é — o porteiro me abre seu sorriso ridículo e amarelado.
— Ultimamente este condomínio anda com muitos problemas de
energia. Isso é grave, e pode acabar perdendo moradores.
— Tudo será resolvido amanhã de manhã.
— Assim espero — falo, sério, e saio de perto dele.
Chego na área externa, me aproximo da piscina, constatando que o que
me foi informado pelo porteiro imbecil é mesmo verdade. Tudo está escuro.
Ouço risos, avisto um dos moleques correndo.
— Ei, garoto! Vem cá! Ei, vem cá! — O chamo, com o meu sorriso
falso, olhando em volta, verificando se não há ninguém por perto.
O menino hesita um pouco, mas enfim, vem.
— Chega mais perto, não vou te morder, não — sorrio, transpassando
uma imagem amigável. Ele parece estar com medo de mim, que interessante.
Adoro quando sentem medo. O garoto finalmente para à minha frente. —
Onde está o outro menino que brincava com você?
— O meu irmão? — Indaga, acho que tem no máximo sete anos de
idade.
— Ah, ele é o seu irmão?
— Sim..., e está escondido em algum lugar, tenho que achá-lo.
— Ah, é que... eu tô com um problema, achei que você ou ele poderia
me ajudar — minto, olhando ao redor, me certificando de que estamos só eu
e ele.
— Que problema? — Pergunta, curioso, inocente.
— É que o meu anel caiu dentro da piscina, será que pode pegá-lo para
mim?
— É que não sei nadar — responde, sem jeito.
— Ah, não? — Indago, fazendo carinha de triste, o vendo balançar a
cabeça negativamente. — Então aprende! — Rosno, como o demônio,
chutando o garotinho na barriga, o fazendo cair na água.
Sorrio, maléfico, o vendo afundar e se debater, tentando emergir sem
sucesso. Observo em volta rapidamente, na adrenalina de alguém aparecer e
me pegar em flagrante. É tão fascinante este momento onde me sinto
poderoso ao tirar a vida de alguém.
— Morre..., morre... — murmuro, ansiando por este momento.
Minhas pupilas se dilatam, meu coração bate forte, estou triunfante ao
ver o moleque lutar para sair da água e ir pro fundo cada vez mais. Deixo
algumas gargalhadas escaparem, controlando a vontade de gritar. Morra,
desgraçado, morra!
— Socorro... Socorro... — atuo, fingindo pedir por ajuda, falando
baixinho, ninguém vai me escutar.
Meus olhos brilham quando o menino não tem mais força alguma e
para de lutar, morrendo. Consigo ver seus olhos se fechando, no fim do seu
desespero, e lhe dou tchauzinho com a mão. Vai embora o seu último fôlego
de vida.
— Bye, bye. Vai correr no inferno — falo, amargo, malévolo, e volto
para o prédio, me sentindo bem melhor agora, revigorado.
Paro na bancada do porteiro e digo:
— Olha, lá fora há umas crianças correndo, é melhor tomar cuidado —
faço cara de preocupado.
— Ah, eu já conversei com eles e disse para se cuidarem.
Vou para o elevador, sorridente. Antes de entrar no meu apartamento,
miro a porta do vizinho que dava em cima da Kelly, recordando que o fiz
voar pela janela. Maldito, achava que iria tocar na minha mulher. Ninguém
tocará na Kelly além de mim, ninguém!
Ao entrar no nosso quarto, a vejo sair do banheiro enrolada na toalha,
toda gostosinha. Nunca vi uma mulher mais sexy do que ela. Ela é perfeita
para mim, e jamais se verá livre de mim.
— Oi — digo, fascinado por seu corpo.
— Encontrou o celular? — Pergunta.
— Que celular? — Fico confuso.
— O seu. Não esqueceu no carro?
— Ah, sim, encontrei — minto.
Kelly sorri, e tenta passar por mim rumo ao closet, mas a seguro pela
mão. Não a deixarei fugir dessa vez.
— O que foi? — Ela indaga.
— Por que não se troca na minha frente? — Minha voz é mansa, faço
rostinho de anjo injustiçado.
— David...
— Sei que me pediu para esperar, e estou esperando, mas até quando?
Nosso casamento é daqui há dois dias, e ainda não a tenho como mulher.
A loira abaixa a cabeça, sem saber o que dizer.
— É que..., é que... — balbucia.
— É que eu sou um maldito aleijado! É por isso que você me renega!
— Faço drama.
— Não...
— Deve ter nojo de mim! — Adoro o teatro de pobre coitado, a
deixando com o coração na mão.
— David, não é isso, pelo amor de Deus...
— Então me prove. Seja minha Kelly, por favor. Eu te amo tanto —
estou quase implorando, quero ganhá-la pela piedade que tem de David, pois
sei que será menos complicado do que se eu fizer do meu jeito. Mas caso isso
não funcione, então será do meu jeito.
Vejo a loira sem saídas dessa vez, e alguns minutos depois, a guerra é
vencida. Kelly finalmente cede. Agora a deixo tirar cada peça de roupa
minha, até me ter completamente nu.
— Você tem tatuagens? — Pergunta, estranhando, olhando algumas
que desenham partes do meu corpo, presentes da Itália. — Engraçado..., eu
não lembro delas antes.
— É porque você nunca me viu totalmente sem roupa como agora, meu
amor. Então vem..., vem — a chamo, já excitado, ansiando por vê-la deixar a
toalha cair, e cai.
Kelly põe a camisinha em mim, e depois me cavalga bem gostosinho. É
o meu sonho se realizando! Consegui, caralho! Hoje é verdadeiramente o
meu dia!
ERICK LOBO
Chego ao hotel com Gael no colo, Suzy e Mary me seguem até a minha
suíte. Destranco a porta e entro com eles no espaço enorme e luxuoso. Gael
desce a máscara, observa tudo atentamente, e depois olha para Suzy.
— Parece com o nosso primeiro apartamento, titia — diz, nos fazendo
rir.
— É, meu amor, parece mesmo — confirma Suzy, acariciando o braço
dele e pondo a mala de viagem num canto.
— Nós agora vamos morar aqui?
— Não, filho, não podemos morar no hotel. Vamos ficar aqui só até eu
pegar a sua mãe. Depois vamos todos para o Brasil, para você conhecer a sua
família — repondo, o beijando na testa e depois o coloco no chão.
— E quando você vai buscar a mamãe?
— O mais rápido possível... eu só preciso saber primeiro onde ela está
— murmuro as últimas palavras para as duas mulheres atrás de mim. — Mas
agora tenho que cuidar de você — volto a falar com o meu bebê.
Ele se aproxima da cama, e senta, analisando-a.
— Gostou? — Indago.
— Gostei, é melhor do que a outra — comenta, me enchendo de
emoção. — Mas não vai caber todo mundo.
— Ah não, o papai pediu outro quarto para a sua tia e Mary.
— Eu vou dormir com o senhor?
— Se você quiser eu vou adorar, e te compro um potão de sorvete —
prometo, fazendo o meu filho rir pela primeira vez, e seu sorriso é lindo, me
apaixonando ainda mais. Meu Deus, que sensação louca essa? O meu peito
explode de amor por esse garoto. — Isso é um "sim"?
Faço cócegas na barriguinha dele, e ouço as suas gargalhadas.
— Sim — responde, virando na cama de tanto rir.
— Eu não escutei direito...
— SIM PAPAI, SIM — berra, e cesso as cosquinhas. O encho de
beijos, Suzy e Mary estão encantadas com nós dois.
— Bom, então nós vamos nos acomodar no outro quarto, enquanto o
papai vai dar banho em você, Gael — avisa Suzy, me fazendo erguer as
sobrancelhas.
— Eu vou... dar banho nele? — Deixo Gael na cama, e puxo Suzy para
um cantinho. — Nunca dei banho em crianças, nem no capeta do meu irmão
— informo, aos murmúrios.
— Erick, banho é banho. É a coisa mais fácil do mundo. Eu e Mary
estamos exaustas, e vai ser bom para vocês dois terem mais intimidade.
— Tá bom... eu vou conseguir, né? — Pergunto, esperando uma
motivação para ter mais segurança.
— Vai, claro que vai.
— O.K., e como vamos fazer para achar a Kelly? Mary, você não sabe
mesmo onde é o apartamento dela?
— Não, quando ela vinha visitar o Gael era muito rápido, e nunca nos
lembramos de trocar esta informação. O problema é que hoje mais cedo o
meu celular foi furtado quando fui comprar o lanche do menino, e não lembro
do número dela. Desculpem, eu sou... um pouco esquecida — a mulher se
justifica, preocupada.
— De boa, eu vou encontrá-la, nem que tenha que revirar essa cidade
— afirmo, sério.
— E deixamos um recado no AP, caso ela vá lá outra vez, vai saber
onde estamos e saberá que você está vivo. Deixei tudo explicado em resumo
— conta Suzy.
— A coitada ficará louca quando perceber que não pode se comunicar
comigo. Ela se preocupa muito com o menino, e sempre que podia
perguntava como ele estava, pedia fotos, vídeos.
— Amanhã eu vou lá esperar e ver se ela aparece — digo.
— Tudo bem. Agora vamos para o nosso quarto, qualquer coisa nos
chame — Suzy se despede, pega as malas com Mary e vai embora.
Olho para Gael que está deitado, mirando o teto.
— Agora somos só nós dois! — Exclamo, mas ele não se mostra muito
animador. Sento-me ao seu lado. — No que está pensando, filho?
— Na mamãe, estou com muita saudade — responde, me deixando
com pena.
— Também estou com muita saudade dela, filho, você não imagina o
quanto.
— Então por que só chegou agora?
— Porque não sabia que vocês estavam aqui, e antes disso estava os
procurando pelo mundo todo — exagero.
— Pelo mundo?
— Sim — o pego nos braços e nos encaminho para o banheiro. — Mas
esta é uma longa história, depois te conto cada detalhe, mas agora temos que
tomar um banho de primeira, o que acha?
— Legal!
Encho a banheira, ponho alguns sais de banho e crio muita espuma.
Gael se esbalda, e brinco bastante com ele, arrancando-lhe gargalhadas
infinitas. Lavo sua cabecinha, com cuidado para o shampoo não cair em seus
olhos, e depois ajudo a ensaboar todo o seu corpinho franzino. Ele ri ainda
mais quando esfrego os seus pés, e depois me ajuda a colocar-lhe o robe e se
enxugar. O levo para a cama, peço o sorvete pelo telefone e o deixo comendo
enquanto assiste desenhos no meu celular.
Volto para o banheiro e tomo o meu banho, bem rápido, pois não quero
ficar longe dele por muito tempo. E minutos depois estamos comendo sorvete
juntos. Logo ele começa a cair no sono enquanto está em meus braços, mas
antes de apagar de vez, sussurra:
— Sabe, é muito bom ter um pai.
Instantaneamente os meus olhos se abundam em lágrimas. É o meu
filho, o meu filho. A ficha está caindo aos poucos. O beijo na testa, sorrindo,
e o aninho melhor ao meu colo, dormindo com ele.
KELLY SMITH
Tomo banho me sentindo a pior mulher da face da terra. Choro por ter
ficado ontem com David contra a minha vontade, por saber que essa situação
está longe de ter um fim, e não consigo pensar em uma saída. Não quero
abandonar Suzy, prometi a ela que não a deixaria sozinha mesmo com os
seus pedidos para que eu fugisse. Todos os dias penso em fugir com o meu
filho, e nos salvar dessa loucura, mas lembro da minha amiga presa com
aquele monstro e acabo desistindo.
Gael, que saudades do meu bebê. Meu coração se destrói a cada dia
longe dele, não posso vê-lo diariamente senão serei descoberta e o colarei em
risco, Hector quase me pegou na última vez. Lutei tanto para livrar o meu
filho daquela maldita doença e agora tudo o que ele precisa é de proteção.
Mesmo vivendo esse inferno, faria tudo de novo por ele se fosse preciso,
daria a minha vida para salvá-lo.
Saio do chuveiro ainda me sentindo suja, mesmo David sendo gentil,
nunca pensei que seria tão horrível fazer sexo com ele, é terrível transar com
quem não se ama, ainda mais forçada. David é lindo demais, mas não consigo
criar nenhum tipo de atração por ele, e nem quero. Acabou que cedi por pena
e para não gerar atrito entre a gente.
E aquelas tatuagens? Acho que estou louca, pois uma vez o vi vestindo
uma camisa e não me lembro de tê-las notado. Contudo, como ele disse,
mesmo morando sob o mesmo teto, ontem foi realmente a primeira vez em
que estivemos completamente pelados um diante do outro, mas eu teria
notado aquelas tatuagens, sim, teria.
Balanço a cabeça, tentando afastar tais pensamentos, e troco-me no
banheiro dessa vez, temendo sair e encontrá-lo outra vez e acabar sendo
obrigada a ir para a cama. O pior é que é visível que David está loucamente
apaixonado por mim, ele me ama e isso dificulta ainda mais as coisas. Tenho
dó dele, e às vezes o acho tão verdadeiro, tão diferente do pai, que chego a
cogitar se não seria a minha salvação lhe contar toda a verdade, inclusive
sobre Gael. Talvez ele ficasse do meu lado contra Hector e me ajudasse a
salvar Suzy. Porém é muito arriscado, preciso manter a paciência e continuar
tendo cautela.
Sigo para o quarto, David não está aqui. Aproveito para pegar o celular
e ligar para Mary e saber como está o Gael. O celular dela não chama, e isso
já me deixa preocupada. Ligo três vezes e só dá fora de área. Tento pensar
que está descarregado ou coisa do tipo. Não posso pirar, não posso
enlouquecer.
Vou para a sala de estar e me assusto ao ver David conversando com
dois policiais.
— Bom dia, o que está acontecendo? — Pergunto, com o coração
acelerado. Tudo me faz ficar preocupada, vivo sob pressão, e a qualquer
momento acho que terei um treco.
— Bom dia, querida. Esses policiais estão investigando um acidente
que aconteceu com um garotinho no prédio — informa David.
— Pode ter sido um acidente ou pode ter sido um homicídio — um dos
homens o corrige.
— Como assim um homicídio? De qual garotinho vocês estão falando?
— Indago, aterrorizada.
— James Norman, este aqui — ele me mostra uma foto, e de cara
lembro do menino. Fico boquiaberta, mirando a imagem dele. Minhas pernas
até enfraquecem, e sento-me no sofá — Ontem, por volta das vinte e três
horas, ele estava correndo com o seu irmão, Ducke, na área externa do
prédio, e foi encontrado uma hora depois na piscina. Morte por afogamento.
— Minha nossa! — Estou em choque.
— Pelo sistema de câmeras, constatamos que a senhora e o seu marido
chegaram no prédio por volta desse horário, se separaram no elevador, e o
senhor David se dirigiu para o local do crime, onde as câmeras estão com mal
funcionamento, e por isso não sabemos o que exatamente aconteceu.
— Bem, como eu já disse aos senhores, eu e a minha mulher vimos os
garotinhos brincando. Eu decidi tomar um ar-fresco e fui para a área externa,
mas... não vi nada demais, os garotos ainda estavam brincando normalmente.
Até avisei o porteiro sobre o perigo deles ficarem ali naquele horário.
Fico confusa, pois não sabia que David havia ido para a área externa
ontem. Os policias pedem os meus dados, e começa a fazer perguntas.
— O David disse que iria pegar o celular no carro, e eu subi. Foi isso
— conto.
— É, mas desisti, e resolvi tomar um ar — diz ele, me deixando ainda
mais confusa.
— O.K., por enquanto é o suficiente, nós estamos apenas investigando.
Vocês serão chamados à delegacia para prestar depoimento.
— Tudo bem. — Diz David. — Querem uma água, um suco?
— Obrigado, mas já vamos indo.
David os acompanha até a porta.
— Tchau, e tenham um ótimo dia — se despede, e depois olha para
mim. — Nossa, esse condomínio anda muito perigoso, vamos acabar tendo
que mudar daqui — comenta.
— David..., você me disse ontem que havia pegado o celular. Eu não
sabia que tinha ido dar uma volta na área de lazer — falo, reflexiva.
— Eu disse que peguei o celular?
— Sim, disse.
— É que acabei desistindo, o motorista já tinha ido embora, e ao chegar
aqui encontrei o celular. Por isso te falei que havia pegado, mas na verdade o
encontrei quando cheguei.
— Ah ‘tá — respondo, um pouco desconfiada, e nem mesmo sei
porquê.
— O que foi, querida?
— Nada..., é que achei estranho, só isso.
— Não há nada de estranho, só não soube me comunicar com você.
Assinto, e lembro do garotinho correndo com o seu irmão e esbarrando
nele mais cedo ontem à noite.
ERICK LOBO
BIANCA VASCONCELOS
SABRINA CORLEONE
ERICK LOBO
KELLY SMITH
SUZY SMITH
Acordo sentindo-me pesada. Tudo gira, não sei o que está acontecendo.
Demoro enxergar as coisas com nitidez, mas consigo me sentar. Estou num
quarto todo em madeira, numa caminha de solteiro. Fui sequestrada outra
vez! É o primeiro pensamento que me ocorre.
Levanto, ainda zonza, vou até a porta, está destrancada. Chego na sala,
parece que estou numa casa de campo, de caçador, sei lá. É pequena, toda em
madeira. Olho ao redor, entrando em desespero. Corro até a porta, puxo a
maçaneta com força, mas está trancada.
— Socorro! Eu quero sair daqui! — Grito, batendo na porta com força.
— Não, meu Deus, de novo não, de novo não! — Choramingo, ofegante.
Tento abrir as janelas, mas há cadeados enormes. Corro até a cozinha,
não há saídas. Regresso para a sala, desnorteada, em pânico, com as mãos na
cabeça.
— ME TIREM DAQUI! — Berro, sozinha. — TEM ALGUÉM
AQUI?! Socorro... — Choro, amedrontada, arrastando as costas na parede até
o chão, onde fico sentada, derrotada.
Cubro os rostos com as mãos.
— Eu quero sair... por favor — soluço.
TUM! TUM!
Sinto o chão tremer, levanto assustada, procurando saber de onde veio
essa batida. Ofego, tremendo, com medo, mais alguns segundos e...
TUM! TUM!
Sinto as vibrações nos meus pés. Algo está... batendo abaixo de mim.
Caminho receosa até o tapete, o tirando do lugar, jogando-o para longe,
vendo a porta do que parece ser um porão. Encosto meu rosto no piso,
tentando ouvir algo...
TUM!
Assusto-me. Tem alguém aqui! Escorrego as mãos por cima,
conseguindo encontrar uma alavanca. Puxo-a, medrosa, abrindo a porta,
avistando nada mais do que a profunda escuridão. Nunca senti tanto medo em
minha vida.
— Tem alguém... aí? — Sussurro, aproximando o rosto do vácuo
sombrio.
De repente, uma mão sai das trevas e agarra a minha com força.
— AAAAH! — Grito em pânico, desvencilhando-me, tentando fugir,
mas sou pega pelo calcanhar. — Não! — Exclamo, aterrorizada, afastando-
me, voltando para a porta, com o coração quase saindo pela boca, sentada em
posição fetal.
A mão grossa e suja continua lá, agora parecendo morta, fora do
buraco. Observo-a detalhadamente, acalmando-me. Há um anel em um dos
dedos, que me parece... familiar. Lembro do que houve antes de vir parar
aqui, Kronos me viu, lembro das palavras de Sabrina, e chego à uma possível
conclusão! Engatinho vagarosamente, de volta para o porão, ainda com
medo. Tento olhar distante, mas preciso me aproximar um pouco mais.
Coragem, Suzy, você já passou por coisa pior, penso.
Engatinho mais um pouco, vendo além da mão, um homem desmaiado,
debruçado sobre a escadinha que leva para baixo. Levanto seu rosto em
desespero, é ele!
— Hector! — Estou chocada!
Meus olhos enchem de lágrimas quando o reconheço, percebo que
estava com saudades dele, mas quis me enganar, quis esquecê-lo. Erick está
certo, não posso gostar do cara que me sequestrou, que me fez mal! Porém
não consigo! Esforço-me até puxá-lo inteiramente para fora, ele ainda usa o
mesmo smoking da noite do baile, que foi há dois dias. Seu rosto está ferido
de uma surra, sua roupa toda suja.
— Hector, acorda! Hector... — o chamo, em desespero. Ele abre os
olhos lentamente, e sorri ao me ver, arrebatando meu coração.
— Suzy — murmura, com a voz fraca, parece que lhe dói falar. Fico
arrasada com sua situação decadente.
— O que aquele desgraçado do Kronos fez contigo? — Choramingo.
— Você tem que sair daqui..., ele vai chegar logo..., salve o meu filho!
— Implora, com uma lágrima fugindo por sua face.
— Mas..., de que filho está falando?
Hector aponta para o porão.
— Rápido! — Pede.
Com o coração na mão, desço para dentro do buraco escuro, estou
nervosa, ofegante, ouço o meu próprio respirar.
— Tem alguém aqui? — Pergunto, não vendo nada.
— Eu — uma voz fraca ecoa das trevas.
— Quem?
— David — ele responde, e entendo tudo. O irmão do bem esteve
mantido aqui todo esse tempo! Kronos é o demônio!
— David..., sou uma amiga, vou te ajudar — aprofundo-me no breu
intenso, enxergando absolutamente nada, pisando sobre uma terra úmida. O
buraco é fétido, calorento, choro só de pensar que alguém é capaz de deixar o
pai e o próprio irmão aqui. — Não consigo te ver..., me diz onde está, por
favor — choramingo.
— Aqui..., aqui — a voz dele fica mais audível, até que consigo tocá-
lo. Nossas mãos se encontram desesperadamente.
— Te achei! Te achei! — Falo, enlaçando minha nuca com o seu braço.
— Sou paraplégico..., não consigo andar — ele me lembra.
— Certo..., certo, eu vou te arrastar, ‘tá bom?; Deus me dai forças —
oro.
— Estou muito fraco..., por favor não me deixa aqui — implora,
coitadinho.
— Não vou te deixar! — Afirmo, arrastando-o até a saída, o único foco
de luz na imensa escuridão. — Estamos quase lá — digo, sentindo o peso
dele, subindo cada degrau, já quase perdendo as forças.
Quando finalmente consigo pôr a cabeça para fora do porão, dou de
cara com um estranho de terno, branco, nariz fino, cabelo preto penteado para
trás, deve estar na casa dos trinta anos, há tatuagens em suas mãos.
— Dove pensi di andare? — Acho que me pergunta algo em italiano,
com cara de mau, não sei como reagir.
De repente, Hector sai do quarto correndo e gritando com um bastão de
baseball, acertando o homem em cheio no rosto, que até expele sangue da
boca, caindo duro no chão, me assustando.
— Hector! — Digo, aflita, vendo-o cair de joelhos, cansado.
— Eu estou bem..., tira o David daí! — Ordena, o obedeço, utilizando-
me de toda minha força para colocar o rapaz para fora. Finalmente consigo,
miro seu rosto por alguns instantes, também está muito machucado, pior que
o Hector, mesmo assim, é incrível a semelhança com o outro.
David está mais fraco, quase desfalecendo, com dificuldade para
manter os olhos abertos, parece incomodado com a claridade. Hector mexe na
roupa do homem desacordado.
— O que está fazendo? — Pergunto.
— Pedindo ajuda — diz, pegando o celular do cara.
— Alessio? — Alguém fala de fora da casa, nos assustando.
— É o Kronos! Tranque a porta! — Hector ordena. Corro e empurro a
porta com todo o meu corpo no momento em que ela estava sendo aberta. —
Merda! — Kronos luta comigo, tentando entrar, mas consigo passar a chave.
— É você Suzy?
— Sai daí! Esconda-se com o David! — Manda Hector, enquanto liga
para alguém.
— Bem que eu já sabia que você é perigosa. Acha que vai me impedir
de entrar na casa? Ninguém consegue me parar! — Ele grita, enquanto
arrasto David rumo à cozinha. Dois tiros disparam contra a maçaneta. Hector
deixa o celular no chão, pega o bastão e se esconde, esperando pelo filho. —
Eu vou entraaar — ele cantarola a última palavra, maníaco.
Deixo David escondido ao lado da geladeira no momento em que ouço
o estrondo, ele entrou! Abro as gavetas com pressa, pegando uma faca
grande. Ouço gritos, corro de volta para a sala, vendo pai e filho brigando
pela tora de madeira, há uma arma no chão.
— Suzy, a arma! — Rosna Hector, corro e pego a pistola no momento
em que Kronos vence do pai, usando-o agora como escudo, apertando o
bastão contra seu pescoço. Ele ri para mim, maligno. — Atira!
— Vai, atira, honey — Kronos me incentiva. — Não era assim que ele
te chamava? — Gargalha, maquiavélico. Me pergunto como sabe disso. —
Eu ouvi tudo, cada conversa de vocês dentro daquela casa. Eu estava lá
naquela noite, na festa da empresa, você e Kelly não foram as únicas que
entraram de penetra. Só que no caso... tínhamos intenções diferentes, vocês
de roubarem, e eu de me vingar da minha linda família!
— Suzy..., atira — implora Hector, sendo sufocado pelo psicopata.
Minha mão treme, lágrimas escorrem por minha face.
— Olha só como é o destino, ele nos uniu, a todos nós. Vi Kelly
conversando com David, ele todo encantadinho por ela, mas desde o início eu
sabia que ele não a merecia, porém papai quis dá-la a ele, como sempre deu
tudo na vida! Tudo para o David, o Kronos que se foda! — Diz, com ódio,
relembrando. — Foi sempre assim! Só que o meu exílio na Itália me fez
decidir que não! Kelly não estava nos meus planos, mas naquela noite..., ao
ouvir todo o plano de papai, decidi que ela seria minha e não do meu irmão!
Tudo que ele me tomou, a vida inteira, voltaria para as minhas mãos! Por
isso, agora você vai me dizer onde ela está...
— Não... — nego.
— Vai, senão eu mato ele! — Ameaça, encostando-se na parede,
pressionando o bastão contra o pescoço do pai, arranco-lhe o ar, deixando-o
vermelho.
— Para! — Imploro.
— Abaixa a arma!
— Não..., Suzy — Diz Hector, em sufoco.
— Abaixa!
O obedeço, chorando, não quero que Hector morra.
— Agora joga pra cá, joga! — Lanço o revólver que bate contra o pé
dele. — A faca também! — Ordena, e novamente faço o que ele quer.
Kronos lança Hector com violência no chão, gargalhando, e avança em
mim, socando o meu rosto, caio sobre o tal Alessio que continua
desacordado.
— Está vendo, papai? Ela te ama! — Ouço a voz dele distante,
zombando de nós. Estou zonza, recuperando-me do golpe. Escuto sua
gargalhada maligna. — Cadê meu maninho? — Pergunta, procurando por
David. Tento levantar, mas ele põe o pé no meu rosto, empurrando-me contra
o peitoral de Alessio. — Fica quietinha aí, vadia. Quando Alessio acordar,
vai cuidar muito bem de você; Daaavid... — chama, cantarolando o nome do
outro, entrando na cozinha.
Minha visão aos poucos se ajusta.
— Hector... — murmuro, vendo-o derrotado no chão.
Ouço gemidos de dor intensa, é o Kronos puxando David de volta para
sala, pelos cabelos. O rapaz grita, agonizando, sem arrastado. Tento levantar
outra vez, minha mão bate contra uma coisa dura. Kronos larga o irmão com
força no meio da sala, deixando sua cabeça bater contra o chão.
— Pronto! Agora a família está toda reunida! Eu deixei vocês dois
vivos só para assistirem à minha glória, e eu consegui, me livrei do tio
Robert, sou o único herdeiro da Foxhill, e agora... posso acabar com vocês,
com todos! Mas antes... quero saber onde está a minha mulher.
Ele avança em mim, pegando-me pelo pescoço.
— Fala onde ela está! Fala! — Exige, me enforcando.
— Nunca..., seu desgraçado... — digo, em sufoco, e atiro.
POW!
Kronos não consegue acreditar que foi atingido, entendendo que peguei
o revólver de Alessio. Ele levanta, olhando o sangue emanar da barriga.
Ouvimos a sirene da polícia, o que o assusta.
— Acabou..., Kronos — fala Hector, assistindo à cena.
— Não..., isso ainda não acabou! — Ele rosna, apontando a arma para
o pai, tento atirar outra vez, mas a bala não sai, fico desesperada.
Porém, Hector é salvo por David, que pega a faca que deixei caída no
chão, e enfia no pé do irmão, fazendo-o berrar. Kronos se desequilibra,
caindo dentro do porão, na escuridão, de onde nunca deveria ter voltado. O
som da sirene fica cada vez mais alto, ajudo Hector a se reerguer, e juntos
carregamos David para fora da casa. Avistamos carros pretos de luxo se
aproximarem, um deles com uma sirene no teto.
— Não é a polícia? — Pergunto, sem entender nada.
— Não, é o meu pessoal, a sirene foi só para assustar o Kronos —
informa Hector. Estamos no meio do nada, numa espécie de campo.
Continuamos caminhando para o mais longe possível de Kronos, e
quando finalmente os homens de preto nos resgatam, ouvimos um grande
estrondo, a casa às nossas costas explode horrivelmente, assim, do nada, não
sobrando um pedaço sequer.
ERICK LOBO
Deixo a sala do Dr. Apolo ainda tentando assimilar tudo o que houve lá
dentro. Estou pasma, desnorteada, sem saber se rio ou se choro. Passo
rapidamente por Alice, quase correndo para o banheiro, tranco a porta.
Levanto cuidadosamente a saia diante do espelho, ficando chocada com a
impressão da mão do meu chefe na minha bunda vermelha, que dói e
formiga. Meus olhos brilham, tenho vontade de chorar, mas... o que senti
naquela sala jamais senti antes, fiquei entre a dor e o prazer.
Apolo Lobo consegue me levar a este limite, uma linha tênue entre
estas duas sensações que tanto se repudiam e ao mesmo tempo se atraem. Ele
me provou que ainda não estou preparada para ele, é como se tivesse
conseguido ler meus pensamentos e descoberto que devorei o arquivo, que o
engoli deliberadamente, de fato não dando a devida atenção a tudo, pois
minha maior vontade era tê-lo o quanto antes comigo outra vez.
Abro a torneira, molho o rosto, dando-me conta de que isso aqui é de
verdade, está acontecendo, que começou. Não gostei de saber que
possivelmente uma outra submissa possa surgir, não gostei mesmo. Concluo
que a única forma de conseguir evitar isso é sendo a melhor submissa que ele
já teve, como prometi a mim mesma fazer, porém deixei a pressa me tomar
devido à carência, faz duas semanas da nossa primeira vez e já morro de
saudades. Mas a pressa é inimiga da perfeição, tenho que esperar e aprender.
O mais assustador é perceber que apesar de ter “apanhado” do meu
chefe, eu... gostei, ele soube intermediar a dor com o a excitação, adorei
engatinhar até ele, me sentir sua submissa, e quando parei com o rosto entre
suas pernas, imaginei seu pênis gigante em minha boca, quis chupá-lo, quis
ser sua, eu quero ser sua.
Nos próximos dias, empenho-me ainda mais nos estudos, notando
vários pontos que não havia notado antes. Faço os símbolos de cada comando
com as mãos, para não esquecer, lembrando, foi tão excitante quando ele
falou comigo dessa forma. Dias atrás eu me chamaria de louca por estar me
fascinando por estas coisas, mas agora sei que BDSM não é praticado em
função da dor e do desrespeito ao corpo da submissa — como muitos pensam
— mas sim em função do prazer sem machucar, tudo deve ser são, seguro e
consensual, SSC. Fora disso, é desrespeito.
Ou seja, eu tenho voz, posso dizer o que quero e o que não quero, posso
desistir quando tudo não mais me convier, porém espero não chegar a esse
ponto, quero viver todas as emoções que o meu dom possa proporcionar.
Aprendi que ser submissa é uma entrega total e absoluta, não existe
querer ser, você tem que ter isso dentro de você, Apolo tem o dominador
dentro dele, isso é visível, e agora sei que também tenho a minha submissa
em meu interior, pois sonho em servi-lo.
Ser submissa não é ser burra, sem opinião própria ou abaixar a cabeça
até diante de coisas erradas, por exemplo. Pelo contrário, a submissa está ali
pelo dom e ele por ela, eles se preocupam um com outro, constroem um tipo
de relação de afeto e podem conversar sobre tudo, a responsabilidade dele
sobre mim é ainda maior, porque desde que assinei aquele contrato me tornei
a sua posse, e sei que o meu chefe cuidará de mim quando precisar, que não
me abandonará, eu sinto.
A questão é que ainda não sei o meu limite neste jogo, o BDSM é um
jogo, uma troca de poder. Mas confio no me dom, ele poderia muito bem ter
ignorado a minha virgindade e feito o que quisesse comigo, mas não foi
assim, ele se preocupa, e isso me conforta. Quero Apolo pra mim, no fundo
tenho esperanças de que possamos formar um casal, isso pode ou não
acontecer neste jogo, não é necessário, mas espero que ele se apaixone por
mim como já estou apaixonada por ele.
Os dias se passam e concluo novamente os estudos, dessa vez sentindo-
me mais preparada. Surjo na sala do meu chefe outra vez, comunicando-lhe
sobre isso.
— Então você está pronta? — Ele indaga, aprofundando os lindos
olhos escuros em mim, penetrando a minha alma.
— Estou..., senhor — confirmo, segura, ansiosa.
O homem respira fundo, pensando.
— Quero que invente uma desculpa para os seus pais, você passará o
final de semana comigo — dispara, me surpreendendo.
— O final de semana? — Estou adorando a ideia.
— Leve o que precisar, mas não exagere.
— Tudo bem — um pequeno sorriso surge em meu rosto.
Passo as próximas horas somente pensando neste final de semana, mais
nada importa na minha vida. Quando chega o momento, digo aos meus pais
que preciso fazer uma viagem de negócios à mando do chefe, coisa rápida,
eles demoram a entender, mas entendem. Faço uma pequena mala, que encho
de coisas para uma semana, um mês se duvidar, mas sou precavida, vai que
falta algo.
Pego um táxi, entro na propriedade do Apolo, toco a campainha, o
mordomo abre para mim. Troco um breve sorriso com ele, entro puxando a
mala de rodinhas, andando pelo palácio, avistando o mestre admirando a
paisagem na janela, vestido em um suéter preto, é a primeira vez que o vejo
sem trajes informais, é lindo de todo jeito. Ele me lança seu olhar matador,
malvado e fascinante, que me faz estremecer por dentro.
Não há mais para onde fugir, estou na toca do lobo.
— Boa tarde — digo. — Senhor — lembro do principal.
— Boa tarde, Srtª Vasconcelos — me cumprimenta, educado, se
aproximando com classe, enorme diante de mim. — Arthur, leve a nossa
hóspede ao seu quarto.
— Sim, senhor Apolo — o homem pequeno e de trajes formais
responde, guiando-me para o andar de cima, abrindo a porta do meu cômodo.
Deparo-me com um espaço luxuoso, mas não tanto quanto o do meu
mestre, que é maior e mais lindo. Sorrio quando vejo acessórios esperando
por mim na cama, surpreendendo-me ao encontrar a máscara de coelhinha
que usei no dia em que encontrei com Apolo na boate. Minha nossa! Ele a
guardou por todo esse tempo? Meu coração retumba de felicidade, isso
significa muito!
Observo boquiaberta a calcinha fio dental que aguarda por mim, é a
mais fina que eu já vi, será a mesma coisa de estar pelada, o sutiã à primeira
vista manterá meus seios bem presos, mas é igualmente sexy, com três alças
para prender às costas, ambas as peças possuem pequenas partes em renda,
todo o look é preto. É de fato uma linda lingerie, algo do tipo que nunca usei,
do qual estou com um pouco de vergonha, mas farei isso por ele, e por mim
também. Quero viver o inimaginável.
Leio um pequeno bilhete que diz:
APOLO LOBO
ERICK LOBO
HECTOR FOXHILL
Transo com Suzy como se não houvesse o amanhã, nós nos entregamos
um ao outro com fogo e paixão, intensamente. Com ela me sinto vivo e até
jovem outra vez, ou mais maduro do que nunca, brilhante, e saber que em sua
barriga há um filho meu, me deixa ainda mais seduzido por esta morena. Ao
terminarmos, ficamos quietos, agarradinhos, nos contemplando por vários
minutos, um acariciando o outro, um viajando no olhar do outro.
— Quero saber dos seus pensamentos — revelo, fazendo-a sorrir.
— E eu quero saber dos seus — ela diz.
— Estou feliz por ter escolhido ficar, por estar ao meu lado, por segurar
a minha mão neste momento tão difícil, por esperar um herdeiro meu.
— Também estou feliz por ter ficado, apesar de me sentir contrariada
contra todas as regras e princípios. Minha cabeça diz que parecemos tão
errados, mas meu coração grita o contrário, contigo me sinto mais do que
certa, Hector.
Trocamos mais sorrisos, a beijo outra vez.
— Me conta... como você foi pego pelo Kronos naquele baile? Como
ele conseguiu tirá-lo de lá sem que ninguém suspeitasse? — Pergunta,
curiosa.
— Após deixar você livre, ao chegar na festa e ver o quanto Kelly
Smith estava infeliz ao lado do meu filho, que eu pensava ser o David,
percebi o quanto a minha escolha havia sido errada. Sua voz, suas palavras,
ecoaram na minha mente tão forte que tive que chamar Kronos para
conversar. Fomos para uma sala vazia, onde ele me atacou, desmaiei e fui
pego por seu comparsa que se disfarçou de faxineiro, levando-me embora
oculto em um daqueles carrinhos cheios de produtos de limpeza do hotel, por
isso não houve alarde no evento.
— Meu Deus, Kronos é um psicopata.
— Eu demorei a entender o porquê de ele ser tão errado, mas com o
passar do tempo, aos poucos esta informação penetrou na minha mente, o
mesmo não aconteceu com minha esposa — minha voz soa triste.
— E o David, como Kronos o sequestrou?
— Aconteceu logo que Kelly passou a morar com David. Kronos
aproveitou um dia que David decidiu sair sozinho, e usurpou o seu lugar.
Kronos já sabia dos meus planos com Kelly, na noite da festa onde vocês
tentaram me roubar, ele implantou escutas em meu escritório e por outros
pontos da casa, burlando a segurança. Ele sabia de quase todos os meus
passos, me confessou tudo após me pegar.
Mas o meu maior arrependimento, algo que não conseguirei me
perdoar, é o fato de eu não ter percebido a troca. Isso deixou claro que não
conheço David o suficiente, nem mesmo soube diferenciá-lo do irmão.
— Não se culpe, Hector, você não tinha como desconfiar, sempre foi
muito ocupado, além deles serem idênticos — Suzy tenta me confortar.
— Mas um pai sempre sabe, ou deveria saber. Porém Kronos também
revelou que nos vigiava a meses, nos estudando, principalmente a David.
— Gente..., isso até parece coisa de filme.
— Kronos aprendeu muita coisa nefasta na Itália, mas prefiro falar
disso quando David estiver conosco.
— O que ele pensou sobre você quando descobriu toda a verdade,
inclusive sobre a Kelly?
— Ficou magoado, pois o maldito irmão usou isso para humilhá-lo
ainda mais. Contudo, David me perdoou por ter permitido que as coisas
fossem tão longe.
— Ótimo, então agora está tudo bem. Amanhã, quando você o trouxer,
a nossa meta é agir pensando no futuro, não vamos nos magoar lembrando de
tudo o que aconteceu, isso pode ferir ainda mais não só o David, mas também
nós dois.
— Você está certa, meu bem — a beijo outra vez.
No dia seguinte, pego meu filhote no hospital, sorrindo ao vê-lo tão
bem e saudável, com os quilos perdidos agora recuperados. No carro,
voltando para casa, o observo olhar a cidade pelo vidro da janela.
— Você está bem, filho? — Pergunto.
— Estou com medo — revela, voltando os olhos para mim, sincero. —
Kronos ainda vive.
— Dessa vez não precisa temê-lo, voltará a morar comigo, ficará perto
de mim, protegido.
— O senhor acha que fico feliz em saber que terei que largar o meu
apartamento, a minha independência.
— Sua vida vale mais que tudo isso.
— Nunca estaremos protegidos contra o meu irmão, pai. Ele é astuto
demais, fomos todos passados para trás.
— Sim, sei disso, mas dessa vez farei algo diferente, algo que já devia
ter feito há muito tempo.
— O quê?
— Irei te preparar para enfrentá-lo, caso algum dia precise.
— Enfrentá-lo? Olhe para mim? — Pede, se auto boicotando.
— Eu estou olhando, agora olhe você mesmo para si. Não é mais um
garoto indefeso, é um homem! O que aconteceu foi uma fatalidade e nada irá
se repetir desde que tomemos cuidado.
Ao chegarmos em casa, somos recebidos por Suzy, Robert e Sabrina,
que nos aguardam com felicidade. Eu e Robert agora estamos mais próximos,
as nossas quase mortes nos fizeram deixar as diferenças de lado e abraçar a
vida, a família. Todos recebem o meu filho com amor. Apresento-lhe a Suzy,
da qual ele já havia sido avisado, eles se dão muito bem, o que me afaga a
alma.
APOLO LOBO
SUZY SMITH
ERICK: Oi, bandida da minha vida. Tudo bem por aí? E o nosso
bacurizinho, como está?
Penso em lhe dar uma desculpa qualquer, mas não posso mentir, ele disse que
queria ser avisado de tudo.
KELLY: Oi amor, estamos bem, Gael acabou de ter um mal-estar, mas agora
está melhorando.
ERICK: O que houve com ele?
KELLY: Vomitou o jantar, mas não precisa se preocupar.
ERICK: Estou indo aí.
Um sorriso resplandece em meu rosto com sua atitude.
KELLY: Amor, não precisa, não quero te atrapalhar no trabalho.
ERICK: Nada é mais importante que você e meu filhote. Chego em 20 min.
Antes disso, ele já está aqui, logo percebo que veio voando, o que me
preocupa também. Erick me beija rapidamente, está de calça jeans, camisa
social, cheiroso, lindo, o homem se agacha ao lado do filho, o acariciando,
Gael sorri ao vê-lo.
— Ei, campeão, está tudo bem contigo? — Pergunta a ele.
— A quimioterapia toda vez me faz enjoar, pai, aí eu vomitei.
— Foi mesmo? Eita quimioterapia arretada, essa né? — Erick o distrai,
puxando assunto.
— O senhor veio do trabalho só para me ver?
— Viria até da lua se nela estivesse, meu bacurizinho.
Gael ri.
— O senhor diz palavras que eu não entendo o significado.
— Com o tempo, vai entender, vou te ensinar todas as gírias do Piauí.
Está com sono agora? Quer que eu te leve pro quarto? Ou ele ainda vai comer
alguma coisa? — Erick faz a última pergunta para mim.
— Eu e Mary estávamos pensando em algo — olho para a mulher, que
está encantada com o paizão a nossa frente.
— Não estou com sono agora, papai.
— Então... que tal uma pipoca, um filme? — O homem propõe, Gael
vibra.
— Oba! Adoro pipoca!
— E eu adoro um filme, principalmente de romance! — Ressalta Mary,
já animada com a ideia, os três me olham, esperando a minha resposta.
— Tudo bem, então! Vamos lá!
— Vou fazer a pipoca — diz Mary, indo para a cozinha. Acaricio o
braço tatuado e grosso do meu homem, ao mesmo tempo que dou amor ao
nosso filho, que agora é paparicado por nós dois ao mesmo tempo.
Minutos mais tarde, estamos os quatro, juntos, ocupando o enorme
sofá, assistindo um filme de comédia-romântica, todos sorrindo, felizes,
gargalhando. Gael está deitado sobre as pernas do pai, com os pés sobre as
minhas coxas, recebendo minha massagem, todo folgado, do jeito que eu
amo.
Troco beijos com Erick a quase todo instante, por fim deitando a
cabeça sobre o seu ombro largo, alegre por ele estar conosco agora, isso é
muito importante para mim. As horas passam, o filme acaba, e todos
dormimos onde estamos. Acordo na madrugada, me assustando com TV
ligada, onde já passa outro filme. Olho em volta, pensando em acordar Erick,
mas ouço um barulho.
Levanto devagar, retirando os pés de Gael de mim, caminhando até as
portas duplas da piscina, que estão abertas, por onde sopra um vento frio.
Ouço outro som, vindo da área externa, caminho para fora, sentindo um
arrepio na espinha ao receber o ar frio na pele, abraçando meu próprio corpo,
parece que uma chuva está prestes a chegar, o céu relampeja.
Fico apreensiva, com um certo medo, sem entender o porquê, mas
preciso descobrir de onde vem o barulho. Caminho mais um pouco, já
pensando besteira, me aproximando até onde os ruídos ficam mais altos,
encontrando um gato mexendo no balde de lixo, algo que me deixa aliviada.
— Xô! Sai! — O espanto, o animal corre, pulando o muro, passando
para o vizinho. Volto para dentro de casa, trancando as portas, retornando à
minha família, acordando Erick devagar, sorrindo ao vê-lo, perfeito, tentando
se situar no tempo e espaço.
O gigante chocolate levanta com o nosso filho no colo, enquanto
desligo tudo e acordo Mary também, que pega as coisas sujas e leva para a
cozinha, enquanto subo com meu marido e filho para o andar de cima.
Entramos no quarto do Gael, onde Erick o deixa perfeitamente na sua cama, o
ajudo a cobrir o nosso neném, o agasalhando no edredom, ligando o ar em
seguida.
Sigo para o outro quarto com Erick, de mãos dadas, o admirando mais
ainda após tudo isso. Ele retira a camisa, mostrando suas costas musculosas e
bem definidas, que beijo, mordiscando carinhosamente, ajudando-o a retirar a
parte de baixo também. Ele sorri, safado, entendo que o quero agora.
Ajoelho-me na sua frente, fazendo-lhe um boquete que o leva ao
delírio. Ele me pega, joga na cama, me rasga inteira, me amassa, me esmaga,
e me come feroz, como sempre. Dormimos maravilhosamente bem, de
conchinha, com ele dentro de mim, a noite toda, grosso, me entupindo, não
sei como consegue.
Na noite do dia seguinte, quando Erick sai do banho, se surpreende ao
me ver no closet, em frente ao espelho, com um vestido tubinho emoldurando
o meu corpo, curto, brilhoso, de balada. Sorrio ao ver suas sobrancelhas se
erguerem, contrariadas.
— Para onde a senhorita pensa que irá assim? — Pergunta, se
aproximando, enorme, coçando a barba, molhado, com a barriga tanquinho
ainda brilhando da água, vejo suas tatuagens pelo reflexo, sempre as noto.
— Hoje vou acompanhar o meu homem no seu trabalho, quero
conhecer a famosa Alcateia.
— Ótimo, adorei a ideia, já iria convidá-la mesmo, mas o meu docinho
de coco não acha que este vestido está um pouco curto demais, não? — Sua
voz é carinhosa nas palavras, ele não quer discutir, quer me fazer mudar de
ideia.
— Não acho não, até porque estarei com você, ao seu lado — me faço
de desentendida.
— Eu sei, vida minha, mas não quero que os marmanjos da boate
fiquem de olho em você, até os meus funcionários, cuja grande parte é
masculina, vai olhar pra essa sua raba deliciosa — recebo um tapa forte na
bunda, que me estremece, Erick me olha com segundas intenções, mordendo
o lábio inferior, mas logo fita ao redor, procurando outra coisa para eu vestir.
— Que tal isso, olha que legal! — Ele abre um sorrisão, de orelha a orelha,
hilário, apontando para um vestido longo, de gala.
— Meu bem, esse aí está mais para um casamento — digo, enquanto
ponho os brincos, me divertindo com a implicância dele sobre o meu look.
— E esse? — Ele mostra uma calça de couro, que até me faz pensar
duas vezes.
— É... pode ser — pego o cabide da sua mão.
— Yes! — O gigante vibra, feliz, em agarrando e me beijando com
força, pareço uma formiguinha em suas mãos.
Troco de roupa, por ele, não estou nem aí para o que algumas pessoas
diriam sobre isso, prefiro me sentir bem, mas me sentir bem com ele,
somente eu não basta. Ponho um salto-alto arrasador, uma blusinha que
contorna a minha cintura, faço uma maquiagem babado, um rabo de cavalo
perfeito, e desço com Erick pela escada, rumo a sala.
— Será que Mary se sentirá bem sozinha aqui com o Gael? Ela parece
não gostar quando você não está por perto — comenta ele.
— Quem disse que eles ficarão sozinhos? — Indago, ao mesmo tempo
em que os falatórios começam a surgir, nos deparamos com o senhor Victor,
dona Laura, Heitor e Leda, que correm com Gael pela casa, enchendo balões
de várias cores.
— Pai? Tia Laura? — Erick se surpreende.
— Opa, filho, eu trouxe balões — diz o homem, tão alto quanto o meu,
se aproximando, mostrando o saco de bexigas. Ele nos cumprimenta, assim
como dona Laura, que por sinal, está maravilhosa, até de óculos ela é
perfeita, que mulher linda, que casal perfeito!
— Podem ficar tranquilos, nós cuidaremos de tudo, temos tudo sob
controle... — a mulher mal acaba de falar, e ouvimos um estrondo, um vaso
vai ao chão. — HEITOR! — Ela exclama, nos fazendo rir.
— Foi o Gael, mãe! — O garoto aponta para o meu filho.
— Desculpem — Gael fica todo sem jeito.
— Ah, desculpe, meu filho — a mulher se volta para nós. — É que lá
em casa é o dia inteiro gritando esse nome.
— É o costume — Victor parece bem contente com a bagunça.
— Não brinquem mais perto daí. Eu vou limpar. Mary querida, você
pode me ajudar? — Laura se afasta, juntando-se a Mary para pegar os cacos
do chão.
— Foi você que os chamou, meu amor? — Erick me pergunta.
— Sim, Gael queria brincar, aqui só tem adultos — confirmo, sem
jeito, porque não o informei antes.
— Eu também já tinha me oferecido, se ela não me chamasse, você
jamais iria chamar, cabeção! — Ressalta Victor.
— É que eu não queria lhe dar trabalho, pai.
— Trabalho nenhum, quero ficar perto do meu neto, já disse. Nada
melhor para ele se recuperar rápido dessa doença do que brincando com os
tios e com os avós.
Pow!
Leda vem chorando, fofa como um ursinho de pelúcia.
— Papai, meu balão explodiiiiuuu...
— Tudo bem, não precisa gritar, papai vai encher outro para você — o
homem pega mais uma bexiga e a enche com sopros de leão, bem rápido,
fazendo sua garotinha feliz novamente.
— Já que está tudo certo por aqui, nós já vamos indo — Erick se
despede. — Gael, meu filho, venha se despedir da gente.
O garoto loiro, de olhos azuis profundos, corre em nossa direção, nos
abraçando forte, mas logo volta a correr com Heitor e Leda. Nos despedimos
do pessoal, sigo com Erick para a garagem.
— Ficou chateado por eu não ter te avisado, amor? — Pergunto,
curiosa.
— Não, foi uma ótima ideia, vai ser bom para o nosso menino, mas na
próxima vez me informe — pede.
— O.K.
Erick abre a porta do Lamborghini para mim, depois toma seu lugar,
nós saímos da residência, correndo pela estrada na velocidade da luz,
luxuosos, poderosos nesta máquina, passando pela Teresina iluminada na
noite, até chegarmos a um prédio badalado na zona leste da cidade, Alcateia.
Estacionamos, descemos, Erick toma a minha mão, seguimos para a
boate, entrando por um local exclusivo. Sou apresentada a cada funcionário
que aparece pela frente, todos são bastante educados e, ao que parece, se
surpreendem ao ver seu chefe acompanhado. Fico encantada com a energia
positiva que tem esse ambiente, seguimos primeiro para o salão onde
acontece a festa.
A música está altíssima, no palco, um DJ agita toda a multidão de
galera jovem e descolada, todos dançando sob as luzes especiais, um
verdadeiro show. A decoração é perfeita, eletrizante, intensa, cheia de cores,
com o rosto de um lobo no teto, brilhando. Erick fica comigo perto do bar,
onde pedimos nossos drinks.
Começamos a beber, a nos divertir, sorrindo, abraçados, curtindo o
som, a vibração boa, a agitação da galera, quando de repente, nossos olhos
batem contra os de Isabela, a louca que invadiu o nosso almoço no outro dia.
A mulher está parada, a alguns metros da gente, em um look bem chamativo
e sensual, parecido com o que eu estaria usando, com a mão na cintura, nos
observando incomodada.
ERICK LOBO
KELLY SMITH
APOLO LOBO
Alguns dias após eu ter pedido a Bianca para organizar um jantar com
os seus pais para oficializar o nosso relacionamento, me vejo em frente ao
espelho, trajando uma calça esporte-fino com uma camisa branca sob um
blazer azul-marinho aberto, um pouco mais informal para o que estou
acostumado a usar, é o que a ocasião exige.
Pego o carro, chegando no prédio da minha amada dentro de alguns
minutos. Sorrio, lembrando dela, sentindo-me bem mais leve desde que
passei a ficar apenas com ela. Seu amor se aprofundou tão forte em mim e em
tão pouco tempo que mesmo quando Bianca não está comigo, os pesadelos
não vêm mais me assolar.
Ela conseguiu destravar o impasse que eu tinha na mente, fez cair por
terra a minha culpa e o medo de dar tudo errado, tudo tem dado muito certo,
para a minha grata surpresa. Erick estava certo, perdi bastante tempo me
privando de amar, de viver, de sentir, agora quero tudo isso da melhor forma
possível.
Sempre temos que ter em mente que a vida continua, mesmo quando
não nos sentimos preparados para continuar. Você só tem duas opções: seguir
com ela ou ser arrastado. Eu estava me deixando arrastar, mas achando que
seguia de pé.
Desço do carro, pegando o lindo buquê de flores que trouxe para a mãe
de Bianca, passo na portaria após revelar meu nome e entro no prédio,
subindo no elevador até o 9º andar. Toco a campainha, Bianca me atende, ela
está maravilhosa, em um vestido preto, seu look coincidentemente até
combina com o meu.
Sou abraçado carinhosamente, vou em busca de um beijo, que me é
negado.
— Meu batom, amor — diz, apenas tocando meus lábios suavemente,
deixando um gosto de quero mais.
— Você está linda — a elogio, vendo seu rosto em perfeição, com a
maquiagem leve, o perfume que me enche de encanto. Bianca não precisa de
muito para ficar linda, ela já é por natureza.
— Obrigada. Agora vamos, estou nervosa — diz, puxando-me pela
mão até a sala de estar, onde encontramos um casal mais velho, em trajes
finos, bem apresentáveis, exalando sofisticação. A senhora está em um
vestido vermelho, o senhor em uma roupa social em tom de cinza — Mamãe,
papai, este é Apolo Lobo.
— Prazer, Apolo Lobo — digo, trocando um aperto de mão com o
homem.
— Então você é o chefe que se tornou namorado da minha filha? — Ele
indaga, em tom amigável, mas ainda sim sou pego de surpreso.
— Humberto, por favor! — A esposa o repreende, fazendo ele rir, rio
também, entrando no clima da brincadeira.
— É, sou eu — afirmo, vendo o sorriso nervoso de Bianca também
desaparecer, ela relaxa. Cumprimento a senhora.
— Eu sou Estela, muito prazer em conhecê-lo — ela diz, parece
bastante feliz.
— O prazer é todo meu, dona Estela. Isso é para a senhora — lhe
entrego o buquê.
— Ah, que meigo — ela recebe o ramalhete, sentindo o perfume das
flores. — Rosas brancas, as minhas preferidas. Foi Bianca que lhe disse, né.
— Na verdade, eu que as escolhi.
— Eu não disse nada a ele — diz Bianca, em minha defesa.
— Foi um ótimo acerto, então, minha mulher aprecia bastante rosas
brancas — diz o homem, enquanto sua esposa entrega o buquê a uma
empregada, que recebe algumas instruções que não consigo ouvir. — Vamos
sentar, o jantar será servido daqui a pouco, meu filho, Samuel, chegará dentro
de alguns minutos também.
Sou guiado até os sofás, sento de um lado com Bianca, sempre de mãos
dadas, o casal senta do outro. Engatamos um papo bem agradável regado a
vinho. Aos poucos lhes conto sobre a minha vida, sobre tudo o que faço, e
sinto que estou agradando. Os pais da minha namorada são muito cultos, eles
também contam das suas vidas, suas profissões, a mulher é médica, o homem
juiz.
— Por isso Bianca é tão inteligente e proativa, os pais são um exemplo
no qual ela se espelhou durante a vida — os elogio, ganhando olhares de
satisfação.
— Não podemos esquecer do irmão, que é vereador aqui em Teresina e
candidato a prefeito agora — acrescenta Humberto, fazendo-me lembrar do
integrante que ainda não chegou.
— Ah sim, é verdade, também quero conhecê-lo.
Mal termino de dizer estas palavras, e um homem loiro surge, se
aproximando de nós. Nossos olhares se encontram, tenho a profunda
impressão de que o conheço, e conheço muito bem, ele parece notar o
mesmo, fechando a cara para mim.
— Olha o Samuel aí — diz o pai, levantando. — Filho este é Apolo, o
namorado da sua irmã...
— Eu sei muito bem quem é este desgraçado, meu pai! — Dispara,
criando o caos.
— Samuel, o que é isso?! — Estela também levanta, não entendendo
nada.
— Eu exijo respeito com o meu namorado, Samuel! — Exige Bianca,
mas aperto a sua mão discretamente, pedindo para que ela se mantenha
quieta, não quero causar atrito como o irmão dela já está fazendo.
— Peça desculpas! — Rosna Humberto, envergonhado.
— Pai, esse cara é aquele que me fez ser expulso do colégio no terceiro
ano! Era ele quem causava as brigas e colocava a culpa em mim! Quero que
ele saia desta casa agora! — Exige.
O LABIRINTO
APOLO LOBO
APOLO LOBO
Levo minha amada para o meu quarto, caminho com ela nu mesmo,
sem medo, seguindo um caminho que sei que não haverá nenhum empregado
por perto. Este com certeza foi o nosso melhor sexo até agora, me tornei um
animal, com ela sempre viro uma espécie de fera, e adoro isso!
Deito-a na cama vagarosamente, lhe fazendo carícias, contemplando
sua beleza, me apaixonando mais e mais por esta mulher, já sei que não
saberei mais viver sem ela, que a quero daqui por diante como a única dona
do meu coração. Cuido dela, uso até pomada vaginal para aliviar as dores que
deve estar sentindo na boceta, adoro mimá-la, lhe encher de beijos, observar
as marcas que deixo em sua pele, isso tudo me afaga a alma.
Até me seguro para não gargalhar quando lembro das palavras de
Erick, que diz fazer o mesmo com Kelly no pós-sexo, afirma que isso é coisa
dos “xoxoteiros assumidos”. É, se for pensar por sua lógica maluca, então
sim, posso me considerar parte do clube.
No dia seguinte, Bianca fica tão exausta que não consegue acordar
cedo, dormimos até tarde, agarradinhos, e assim que acordamos, transamos
outra vez. A amarro inteira, deixando-a completamente imobilizada, com as
mãos presas nas costas juntamente com os calcanhares. Fico em pé, fora da
cama, enfiando o meu pau na boquinha dela, descendo-o goela abaixo,
aprofundando-me por sua garganta.
Fico todo babado da saliva dela, que está com o rosto vermelho,
tossindo e babando de tanto chupar rola. Por fim, fazemos sexo anal,
finalmente consigo penetrá-la por trás, enfiando metade do meu membro no
seu cuzinho apertado e delicioso, jamais me cansarei de comer esta mulher
À tarde, vou deixá-la em casa, e quando saio da frente do seu prédio,
pelo retrovisor noto um carro me seguindo: Samuel.
Dirijo tranquilamente, prestando bastante atenção nele, que se
aproxima cada vez mais, nem mesmo tenta disfarçar. Dirijo mais rápido, não
permitindo que ele chegue tão perto, seguindo para uma rua deserta, em um
local remoto de Teresina, parando entre dois prédios abandonados. Alguns
segundos mais, e o carro do canalha aparece, ele acelera em minha direção,
vindo com tudo para causar uma colisão.
Contudo, para a sua surpresa, outro automóvel surge do nada, saindo de
um corredor lateral, batendo nele e o empurrando violentamente contra a
parede. Desço do meu carro, indo até o “acidente”, vendo meu motorista
aparecer. Nós trocamos sorrisos de satisfação, mirando Samuca desmaiado.
Xeque-mate!
Cerca de meia-hora depois, o irmão da minha namorada acorda
assustado, dentro de um galpão isolado, preso a uma cadeira, sem entender o
que está acontecendo. Ele olha ao redor, preocupado, até perceber que o
observo vitorioso, segurando uma pasta na mão.
— O que está acontecendo? O que você está fazendo, seu desgraçado?!
— Ele pergunta, com raiva, tentando se livrar das cordas, mas é impossível.
Permaneço calado, me divertindo com a sua agonia. — É melhor me soltar
agora ou...
— Ou o quê, Samuel? Será que não percebe que não está em uma
posição de exigir nada?
— Agora acabou pra você, Apolo! Meus pais ficarão sabendo disso e
Bianca será uma mera lembrança na sua vida! Cometeu o maior erro da sua
vida, seu otário! Vou acabar contigo! — Exclama, tentando disfarçar o
nervosismo.
— Não..., eu é que vou acabar com você, caso continue me perseguindo
ou tentando me atingir de alguma forma — Abro a pasta, retirando uma das
fotos e mostrando a ele. — Se reconhece nesta imagem?
— Como... conseguiu isso? — Samuca fica embasbacado, vendo o
flagrante que consegui dele desviando dinheiro de um projeto municipal.
— O grande vereador, que agora é candidato a prefeito de Teresina,
desviando verba do município em um forte e antigo esquema com mais
alguns companheiros do legislativo — falo, fingindo-me de surpreso,
enquanto sou fuzilado pelo homem.
— Seu infeliz...
— Olha... cuidado com a língua, se a partir de hoje eu me sentir...
desagradado de alguma forma, essas fotos e as outras irão parar na mídia.
Todos saberão deste esquema, assim como saberão da mulher do presidente
da câmara com quem você tem um caso, e outros podres que foram
facilmente descobertos por meus investigadores.
Samuel engole em seco, percebendo a gravidade da situação, agora
medindo as palavras.
— É..., você está em minhas mãos — me abaixo, deixando meu rosto à
altura dele.
— O que quer? — Agora o homem sabe que não há para onde fugir.
— Eu já disse o que quero. Você deixará eu e Bianca em paz para
vivermos o nosso relacionamento, sem nenhuma interferência. Estamos
entendidos?
O homem está se segurando para não me xingar, e se esforça para me
responder.
— Estamos — rosna.
— Promete? — O provoco.
— Prometo — seus dentes rangem com tanta força exercida no
maxilar. — Agora me tira daqui, porra! — Exige. Aproximo-me dele, o
acertando com um soco no estômago, arrancando-lhe o ar.
— Isso, é por ter batido no meu carro — repito o soco, mais forte dessa
vez, o derrubando no chão. — E isso, é por ter tentado fazer a mesma coisa
hoje.
Jogo a pasta com as imagens sobre ele, fazendo um sinal para o meu
motorista, que desamarra o traste, vindo ao meu encontro fora do galpão
depois, de onde partimos para a minha mansão. Problema resolvido.
ERICK LOBO
SUZY SMITH
ERICK LOBO
BIANCA VASCONCELOS
KELLY SMITH
Acordo sentindo-me bem após uma noite incrível com o amor da minha
vida. Estou na casa de praia em Macapá, o local onde dez anos atrás
aconteceu a festa de aniversário do Erick, onde tivemos a nossa primeira vez.
Olho para o lado, mas não encontro o meu homem.
— Erick? — Chamo por ele, mas sem sinal da sua voz. Ontem o luau
foi incrível, fomos trazidos para cá depois em uma limusine, a coisa mais
romântica que já vivi.
Decido tomar um banho, visto a roupa que trouxe para usar hoje, vendo
a bagunça pelo quarto do sexo selvagem de ontem. Recebo uma mensagem
desagradável no celular, respondo, respirando fundo, e abro a porta. Caminho
até a escada, vendo tudo iluminado e arejado, as janelas e portas duplas da
piscina estão abertas, trazendo claridade e vento, balançando as cortinas.
O imóvel é lindo, luxuoso, mas o silêncio me assusta um pouco.
— Amor? Meu bem? — O chamo, chegando no centro da sala de estar,
ouvindo o mar distante, as brisas do vento batendo em mim. — Amor?
— Estou aqui, querida — Ouço a voz pavorosa às minhas costas. Viro-
me assustada, dando de cara com Kronos, sorrindo para mim.
ARMADILHA
KELLY SMITH
ERICK LOBO
APOLO LOBO
SUZY SMITH
Três meses se passaram desde que dei à luz à minha pequena Raquel.
São três meses após a morte verdadeira de Kronos, e da paz que reina para
todos nós. Hoje, é o meu casamento, estou em meu quarto, com três mulheres
ao meu redor que terminam de dar os últimos retoques no meu maravilhoso
vestido de noiva, o mais lindo de todos. Sinto-me linda, incrível, feliz e
maravilhosa.
Saio do quarto, caminho um pouco, encontrando Kelly, Erick e Sabrina
na sala de estar, os três luxuosamente trajados para o evento, brincando com
minha princesa cor de chocolate que ri para eles dentro do carrinho. A babá
está perto, dando assistência. Quando surjo diante deles, seus queixos vão ao
chão, seus sorrisos quase contornam o rosto inteiro, seus olhos brilham.
— AAAAH! — Kelly e Sabrina gritam, correndo até mim como duas
adolescentes histéricas.
— Minha nossa, você está perfeita! — Exclama Kelly.
— Gente, maravilhosa! — Sabrina dá pulinhos, empolgada.
— Ai, que orgulho de você, Suzy — os olhos de Kelly brilham. — Ai,
meu Deus, não posso chorar!
— Não chorem, por favor! — Imploro. — Se não eu vou chorar
também. Deixemos para chorar no seu, Kelly.
— Tá difícil, ainda não fui pedida em casamento — ela diz,
entredentes, baixando o tom quando Erick se aproxima, sorrindo para mim.
— Eu já estou casada! Dessa vez foi perfeito! Uma noite em Vegas dá
nisso! — Sabrina ri, muito feliz, mostrando a aliança em seu dedo.
— Uau, que gata! — Erick me elogia, pegando minha mão e me
rodando em sua frente. — Suzy, você é a noiva plus size mais linda que eu já
vi na vida!
Todos gargalhamos.
— Obrigada, moço. Agora deixa eu ver a minha neném — digo, a babá
imediatamente traz Raquel, empurrando o carrinho. Vejo minha pequena que
ri para mim, balançando as mãozinhas. — Oi, meu amor! Oi minha linda,
minha vida! A mamãe vai casar com o papai hoje. Sim, vai!
— Pois vamos logo que já estamos bastante atrasados. Hector já me
ligou milhares de vezes! — Conta Sabrina.
— O.K., vamos — confirmo.
Assim, todos nos dirigimos para a igreja, dois carros nos aguardam lá
fora, um para Erick, Raquel e a babá, o outro para mim, Kelly e Sabrina.
Quando chegamos em frente ao prédio gigantesco, no centro de
Manhattan, despeço-me da minha pequena, que se separa de mim, seguindo
com Erick, Sabrina e a babá. Apenas Kelly fica comigo, nós seguimos por
um caminho especial, subindo por um elevador exclusivo.
Fico ansiosa e um pouco nervosa, aguardando em uma sala luxuosa
com Kelly ao meu lado, de mãos dadas comigo. Uma das assistentes recebe
uma confirmação pelo ponto em seu ouvido e nos chama, nos aproximando
da porta dupla. Escutamos as bocas se fecharem do outro lado e a marcha
nupcial começar a tocar.
As portas se abrem, respiro fundo, sorrindo, trocando olhares com a
minha irmã que me encoraja, assentindo.
— Chegou a hora, Suzy — Kelly diz.
— Sim — confirmo, feliz.
Damos os primeiros passos, saindo sob a luz do sol, caminhando sobre
o terraço do enorme edifício. Estamos no topo, quase tocando no céu, com
Nova York inteira aos nossos pés. Paramos por um instante, avisto o meu
noivo lá na frente, no altar, ao lado do juiz de paz e do irmão, sorrindo para
mim encantado. Nós vamos nos casar.
PERDÃO
HECTOR FOXHILL
Não consigo conter a emoção de ver Suzy, o amor da minha vida, vindo
em minha direção, em seu vestido reluzente, com as brisas do vento
balançando levemente os seus cachos. Nem no meu primeiro casamento senti
o que estou sentindo agora, este é um grande momento, o meu recomeço.
Só tive duas grandes paixões durante a vida, mas Suzy conseguiu
superar o que eu tinha na mente como significado de amor. Quando ela
chegou, eu era obscuro, sombrio, maldoso, um sequestrador e ela a minha
refém. Mas através do seu calor e afago, consegui me redimir e voltar a ser
um homem do bem. Hoje sou seu noivo e ela é a minha mulher. Já não há
mais feridas, problemas ou temores. Algo mais forte que tudo isso nos
preenche, a felicidade!
Troco olhares com Robert por um instante, ele está ao meu lado, como
nos velhos tempos. Nós conseguimos reerguer os nossos laços de irmandade,
de sangue, deixando falar mais alto o senso familiar. Nos tornamos outra vez
uma família, que aumenta a cada dia. Ele, assim como eu, também era frio e
solitário, mas se renovou através do amor. O que uma mulher pode fazer na
vida de um homem? E o que um homem pode fazer na vida de uma mulher?
O amor é intenso demais.
Miro rapidamente o meu filho, que está junto aos convidados, ao lado
da sua namorada, aquela que conheceu no show da Adele. Ele sorri para
mim, orgulhoso, e devolvo o mesmo sorriso a ele. Eu sou um vencedor e
David também, ambos conseguimos superar as nossas trevas e encontramos a
luz. Mudamos porque quisemos mudar, por nós e pelas pessoas que passaram
a fazer parte das nossas vidas.
Mudar é benéfico, quando é para melhor. Um relacionamento exige
abdicação de algumas coisas das duas partes, mas não controle ou posse. O
amor é uma liberdade da alma atrelada ao comprometimento do coração.
Em um relacionamento é preciso permitir que o outro tenha a sua
liberdade de escolher, de querer, de amá-lo e também de deixá-lo, por pior
que seja. Quem ama deixa ir, e se quiser, também deixa voltar, como
aconteceu comigo e Suzy. O amor não pode ser imposto ou moldado à
vontade de um ou de outro, mas sim de ambos. É preciso então que a alma
dos dois esteja liberta para sentir tudo que quiser sentir com o outro, contudo,
seu coração precisa estar comprometido.
Quando não houver mais comprometimento, quando a liberdade
necessitar voar para além da relação, para outro coração, significa que é a
hora de terminar. No meu caso, meu peito esquerdo, graças a Deus, bate
apenas por minha noiva, e tenho certeza absoluta que o dela bate somente por
mim, e os nossos corações batem juntos por nossa pequena bebê, Raquel.
Vejo ela nos braços da babá, que está ao lado de David. Lágrimas
descem por minha face com tanta emoção. Na minha pequena vejo o
verdadeiro significado de esperança. Esperança não significa não desistir,
significa sempre tentar de novo. E por minha família eu irei tentar sempre!
Kelly, emocionada, entrega Suzy a mim. Tomo a mão da minha noiva,
a qual beijo carinhosamente. Todos se sentam, Kelly senta ao lado do
namorado, que está na primeira fila também, ao lado da babá e de Raquel.
— Você está linda, linda — elogio a minha noiva, que só sabe ri,
segurando as lágrimas. — Eu te amo.
— Também amo você — se declara, me fazendo feliz.
O juiz começa a discursar todas as suas belas palavras, até que enfim
faz as perguntas tão esperadas. As alianças são colocadas, o beijo é dado, tão
apaixonado e recheado de emoção, com a salva de palmas em seguida.
Quando a cerimônia termina, todos seguimos para um salão de eventos do
próprio edifício, cuja decoração magnífica está simplesmente impecável. Há
tantos arranjos de flores que não dá para contar, e um doce perfume das
milhares de pétalas exala no ar.
Eu e Suzy cortamos o bolo juntos, com vários flashes nos cercando,
assim como os gritos e comemorações de todos os convidados, que não são
poucos. Tiramos fotos com nossa bebê, com David, e em seguida com toda a
nossa família, acrescentando Kelly e Erick também.
No momento de Suzy jogar o buquê, ela engana a todas as ansiosas que
se juntam às suas costas, pois no último instante, quando era esperado que o
ramalhete fosse arremessado pelos ares, ela, simplesmente, vira-se e entrega-
o nas mãos de Kelly, que se surpreende e sorri como uma criança que ganha
um presente pela primeira vez, abraçando a amiga, saltando de felicidade.
Elas se amam.
— Kelly — todos ouvimos a voz grave de Erick Lobo ao microfone,
aparecendo no momento certo, causando grande surpresa e murmúrios no
público quando demonstra o que está prestes a acontecer, se ajoelhando
diante da namorada.
A mulher fica tão positivamente chocada, que sua boca se abre de
modo descomunal, talvez além do limite. A impressão que passa é que seu
queixo despencará no chão e seus olhos saltarão para fora de tanta felicidade.
Por mais que quisesse, ficou evidente que ela não estava esperando por isso.
O homem negro e bem afeiçoado, abre o pequeno estojo, mostrando as
alianças radiantes.
— Amor, quer casar comigo? — A voz dele ecoa por todo o salão.
— SIMMMM! — Kelly dá um grito tão alto e forte, histérico eu diria,
que chega a doer os ouvidos de todos, mas também causa risos. Fica claro
que ela já estava esperando por este momento há séculos.
Erick põe o anel no dedo dela, levanta, e a agarra num beijo intenso e
apaixonante. O público comemora, agarro Suzy e sorrio para os dois,
parabenizando-os. É muito bom ver o amor ser declarado assim. Pego o
microfone da mão do homem, e passo a falar:
— Eu também tenho uma surpresa para a minha amada. Não é um novo
pedido de casamento, com certeza — todos riem da minha piada. — Por
favor, recebam, Maroon Five!
As cortinas do palco caem, e uma das bandas mais famosas do mundo
surge cantando um dos seus grandes sucessos, “sugar”. Imediatamente uma
comoção acontece, os convidados ficam chocados e correm para frente do
palco, exatamente como acontece no clipe deles. Suzy enlouquece, me
beijando e abraçando inúmeras vezes, impressionada, não acreditando que
isso está mesmo acontecendo. É a banda preferida dela.
Todos dançamos e nos divertimos, esbanjando amor, até que a banda
vai embora e um DJ a substitui. Suzy vai conversar com as convidadas ao
lado de Kelly e Sabrina, e eu vou atrás de Erick, sentando-me ao seu lado
numa das mesas redondas.
— Sr. Lobo — o cumprimento.
— Sr. Foxhill — ele diz. Esticamos um pequeno sorriso um para o
outro, ambos estamos com nossos drinks em mãos.
— Nosso plano deu certo — afirmo.
— Com alguns acontecimentos terrivelmente inesperados, mas sim,
deu certo.
— Aquele maldito novamente provou o quanto era inteligente. Fiquei
abalado quando soube do seu filho e da sua cunhada, mas que bom que todos
se salvaram.
— Mas você estava certo, sempre esteve. Se não fosse a sua insistência
para me convencer de que devíamos agir juntos, tudo poderia ter sido bem
pior.
— Ainda bem que as minhas palavras naquele hospital fizeram efeito
— digo, recordando do dia em que estava no hospital com Suzy e David,
assim que nos libertamos do casebre onde éramos mantidos presos por
Kronos.
Após fracassar tentando convencer minha amada de ficar comigo,
consegui ajuda dela para trazer Erick até mim:
— Fica..., e me faça feliz — insisto, mirando Suzy indecisa.
— Tenho medo... da fera voltar — ela declara, soltando a minha mão,
dando um passo para trás.
— Eu posso ser o homem que você quer, me deixe tentar, Suzy. Sozinho
eu não vou conseguir — minha voz ecoa triste pelo quarto.
— E o David? Ele precisa de você agora mais que tudo.
— E eu preciso de você.
A mulher pensa por alguns instantes, um pouco aflita, sei que ela
também gosta de mim.
— Obrigada por ter me libertado — agradece, abrindo a porta,
arrasada.
— Espera! — Exclamo, pegando a carteira na mesinha ao lado, lhe
mostrando o meu cartão. — Pegue, por favor — tenho medo que ela negue,
mas aceita, tomando o papel. — Eu te libertei, e agora, por mais que eu
queira, não posso mais te prender. Se algum dia você mudar de ideia e voltar
pra mim, será por livre e espontânea vontade.
Sinto vontade de chorar, vendo a mulher seguir para a porta
novamente. Contudo, lembro de algo importante.
— Suzy! — A chamo, vendo-a parar e me olhar implorando para que
eu não insista mais, talvez tenha medo de não resistir. — Onde está este tal
namorado da Kelly?
— O Erick? Como sabe dele? — Ela fica curiosa.
— Não importa, já estou atualizado sobre tudo, sei que ele a impediu
de se casar, sei que este foi o motivo de você ter ido parar naquele casebre.
— Mas não foi culpa dele...
— Não se preocupe, também já sei disso. Quero conversar com ele,
mas não para acusá-lo.
— Não acho uma boa ideia, Erick odeia todos os Foxhill,
principalmente você. Tentei explicar a ele como as coisas aconteceram entre
nós, mas não adiantou.
— Traga-o aqui, tenho um motivo suficientemente forte que o fará
conter seu ódio por mim e focar no mais importante.
— Qual?
— A ameaça de Kronos. Tenho certeza que ele conseguiu escapar da
explosão — falo sério, vendo o semblante de Suzy mudar também, ela fica
com medo.
Sem mais discutir, a mulher, de alguma forma, convence o cara a vir
falar comigo. Ele entra no quarto, de nariz empinado, seus olhos brilham
querendo me destruir.
— Estou aqui — afirma, desgostoso, de braços cruzados, controlando-
se para não brigar. Robert me contou do seu temperamento. Erick é um
negro imenso, forte e tatuado, mas não me intimida, apesar de
aparentemente não estar tentando fazer isso.
— Certo. Primeiramente, obrigado por ter vindo. Como está Kelly...?
— Como você ousa tocar no nome dela, seu desgraçado? Se me
chamou aqui achando que vou compactuar contigo em algum tipo de merda
contra o psicopata do seu filho, está muito enganado! — Rebate, quase
espumando de raiva. — Posso muito bem cuidar dele sozinho e se você tentar
se aproximar de mim novamente, acabo com a tua raça! — Aponta o dedo na
minha cara, agora sim tentando me intimidar. Ele vira em seguida, fazendo
menção à porta.
— Você não pode — afirmo, seguro do que estou falando.
— O quê? — Indaga, ainda de costas.
— Kronos é mais forte que você, mais forte que eu, e mais forte que
todos!
— Tu não me conhece, eu não sou um bandido como você e ele, mas sei
cuidar de gente como vocês.
— Ele vai te destruir sem tocar um dedo em você. Kronos tocará no
que mais ama.
— Olha aqui...
— Eu vi o quanto ele se tornou obsessivo pela Kelly. Sabe por quê ele
me sequestrou?
— Porque esse era o plano dele...
— Não, o plano dele era se casar primeiro, cuidaria de mim depois.
Fui descartado do baralho mais cedo do que o planejado porque descobri
quem ele era de verdade, quando tentei fazê-lo se separar da Kelly, naquela
noite, no baile de máscaras.
— O quê?
— As palavras da Suzy fizeram efeito, entendi que meu filho jamais
teria amor de verdade da parte da Kelly, me arrependi de tudo o que fiz, mas
já era tarde demais — conto, fazendo Erick erguer as sobrancelhas,
surpreso. — Contudo, isso não vem ao caso. O que precisa saber é que tenho
certeza absoluta que Kronos um dia irá voltar, passe o tempo que passar. Ele
tentará novamente matar a mim, mas terá um novo objetivo, ter Kelly de
volta. Ela e seu filho estarão em risco, a não ser que hajamos juntos antes
que o pior aconteça.
Erick respira fundo, refletindo, mas ainda com cara de zangado.
— Sei que me odeia, se eu fosse você me odiaria também. Todos
erramos nesta história, estou tentando me redimir, mas você não é obrigado
a fazer parte disso se não quiser. E então, o que me diz?
E foi assim que a nossa aliança tão improvável, aconteceu. Troco um
aperto de mão com Erick Lobo, selando a nossa amizade e esquecimento de
todas as mágoas.
— Linda festa — ele elogia, olhando em volta.
— Lindo pedido de casamento — o elogio de volta. — Ouvi dizer que
você pretendia abrir uma boate aqui em New York.
— Pretendia, mas aconteceram tantas coisas.
— O que acha de eu ser o seu sócio nesta empreitada.
Erick me olha, sorrindo.
— Se eu me irritar posso esmurrar a sua cara? — Pergunta, fazendo-me
rir também.
— Claro, mas terá retorno.
APOLO LOBO
Dois meses depois, e estou no altar, ao lado de Erick, que junto comigo,
espera pelas noivas. A igreja está lotada, todos levantam quando as grandes
portas se abrem, dando visão para elas. Bianca de braços dados com o seu
pai, e Kelly de braços dados com Gael. É uma felicidade que não cabe no
peito, é a concretização da nossa redenção, da nossa felicidade e realização.
AMOR
ERICK LOBO
ERICK LOBO
Dois anos depois, eu estou correndo pela casa com a minha filha no
colo, da cor de chocolate como o papai. Gael corre atrás de nós, circulamos a
sala de estar, brincando, rindo e bagunçando tudo. Kelly chega com Mary das
compras e quase entra em pânico ao ver a nossa bebê de um ano e meio em
meus braços para lá e para cá, mesmo eu sendo extremamente cuidadoso.
A loira briga e toma a neném para si. Nós nos reunimos em volta dela e
mimamos a garotinha que sorri lindamente, agora tenho dois, a família só
aumenta e provavelmente aumentará muito mais. Beijo a minha esposa, faço
cócegas em Gael e depois jogo-me com ele na piscina, gargalhando, pirando
de alegria.
Kelly e Mary nos observam das portas, sorrindo. A bebê dá gritinhos,
como se quisesse se jogar na água também, conosco. Olho ao redor,
percebendo que sou o cara mais feliz do mundo!
HECTOR FOXHILL
Hoje é dia de reunião familiar, minha casa está lotada, com todos!
Resolvemos almoçar no jardim, curtindo o feriado e o temo ameno, saudável.
Saio de casa com Raquel no colo, que já é muito tagarela para a pouca idade.
Ela é o meu sorvete de chocolate, minha vida mais pura.
Avisto a mesa repleta de parentes, todos sorrindo e conversando
alegremente. Suzy vem ao nosso encontro, me dando um beijo rápido e
pegando Raquel no colo. Ela está linda, minha esposa só fica mais linda a
cada dia. Falo com David, que está ao lado da sua esposa, que segura minha
neta recém-nascida no colo, mimo a criança um pouquinho, o brilho dos
olhos dela é impressionante.
Sigo para o outro lado da mesa e converso com Robert e Sabrina,
vendo-a segurar o bebê deles também. De repente, Deus nos presenteou com
a paternidade nesta família, e praticamente uma seguida da outra. É a família
de pais e bebês. Somos todos felizes.
VICTOR LOBO
GRUPO DO WHATSAPP
GRUPO DO FACE
PÁGINA DO FACE
Mário Lucas é piauiense, mora em Teresina, cidade dos seus
personagens. É advogado, aventureiro e sonhador. Começou a escrever aos
quinze anos, e agora não quer mais parar. “ALPHAS” é o seu quarto e-book
publicado, e já possui mais três romances da série concluídos.
VICTOR: SÉRIE ALCATEIA - LIVRO 1
Livro recomendado para maiores de 18 anos.