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1
O Planeta Do Sol Moribundo
Kurt Mahr

Tradução
Richard Paul Neto

Digitalização
Vitório

Revisão
Arlindo_San

Formatação
ÐØØM SCANS

PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL

2
Perry Rhodan e seus companheiros parti-
ram em busca do segredo da imortalidade e
pousaram em Gol, o décimo quarto planeta
do sistema Vega. Lá, sem dúvida, teriam sido
vitimados pelos seres luminosos, devoradores
de energias, se o desconhecido não os hou-
vesse arremessado para o espaço por meio do
transmissor de objetiva.
Apesar de terem sido salvos de uma situa-
ção de perigo extremo, os ocupantes da Star-
dust-III sentem-se deprimidos, pois a nave se
encontra numa região completamente desco-
nhecida do Universo.
Onde ficará o mundo em que, segundo as
informações do desconhecido, se encontram
as coordenadas que permitirão a teleporta-
ção espaço-temporal que os conduzirá de vol-
ta ao seu mundo?
Será o PLANETA DO SOL MORIBUN-
DO?

3
Personagens Principais:

Perry Rhodan — Comandante da Stardust-III


e chefe da Terceira Potência.
Thora e Crest — Que estão dispostos a de-
sistir da busca do planeta da imortalidade.
Tama Yokida — Que faz malabarismos com
uma bomba arcônida, a arma mais devastadora
do universo conhecido.
Fellmer Lloyd — Cuja indisciplina coloca em
risco toda a expedição.
Tenente Tanner — Que comanda o acam-
pamento junto à colina.
Tanaka Seiko — Cujo cérebro, atingido por
um processo de mutação, sente como dor física
o ódio com que os intrusos são recebidos em
Vagabundo.

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1

— Já lhe disse — resmungou Crest decepci-


onado. — Não tenho certeza.
Perry Rhodan fez que sim. Tinha diante de
si, sobre o painel de instrumentos, os resultados
colhidos com base no espectro, na intensidade
luminosa, na posição e na distância provável de
uma estrela que, segundo Crest acreditava pou-
cos minutos antes, era conhecida dos espaço-
nautas arcônidas.
A situação era a seguinte: a missão de Perry
Rhodan em Gol, o décimo quarto planeta do
sistema Vega — uma massa gigantesca de me-
tano e amoníaco com o triplo do diâmetro de
Júpiter, em cuja superfície os efeitos da gravida-
de eram terríveis — terminara de uma forma
estranha e explosiva. A missão só servira para
trazer outra indicação sobre a posição do plane-
ta da vida eterna, que estavam procurando.
Quando maior era o perigo, a missão foi inter-
rompida através de um transmissor de objetiva.
Este realizara a teleportação simultânea de vá-
rios grupos separados no espaço, ou seja, Rho-
dan com três homens, que se encontravam no
ponto em que estava localizado o transmissor, o
major Nyssen e o capitão Klein, que estavam a
cerca de oitenta quilômetros dali, num carro-
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esteira bastante tosco, e finalmente a imensa
nave espacial arcônida, a Stardust-III, retirando-
os do planeta Gol e reunindo-os num ponto do
Universo que ninguém conhecia, já que ficava
distante das rotas de navegação espacial.
Nem mesmo uma pessoa que possuísse ex-
tensos conhecimentos científicos saberia dizer
como o transmissor, que pelas suas dimensões
não passava de uma minúscula partícula de pó
em comparação com os oitocentos metros de
diâmetro da Stardust-III, conseguira realizar tal
milagre. Todavia, o acontecimento não os dei-
xou abalados, como seria de esperar.
O que os preocupava realmente era o fato
de não saberem se orientar no setor do espaço
em que a Stardust-III viera parar. Não dispu-
nham de qualquer ponto de referência que indi-
casse uma rota mais favorável à nave e, ao que
tudo indicava, não encontrariam nenhum.
As estrelas — umas cinqüenta ou sessenta
— que apareciam na tela foram rapidamente
analisadas. Depois de ordenados os respectivos
dados, os mesmos foram cotejados com os ca-
tálogos estelares que a Stardust-III trazia a bor-
do.
Constatou-se que aquelas estrelas, com ex-
ceção de uma única, não tinham a menor se-
melhança com as que constavam do catálogo.
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As esperanças de Crest apoiaram-se naquela
única estrela. Revelava alguns traços que coinci-
diam com uma estrela conhecida pela astrono-
mia arcônida, que se situava numa das nebulo-
sas de Magalhães, fora da galáxia. Dessa forma
se explicaria a reduzidíssima densidade estelar
naquele setor do espaço: a Stardust-III teria pe-
netrado numa área que não fica na galáxia.
Mas a suposição não resistira a um exame
mais acurado. Aquela única estrela também re-
velou muitos traços que não coincidiam com os
da estrela situada na nebulosa de Magalhães,
que constava do catálogo.
Uma circunstância que causou desassossego
ainda maior a Crest — e também a Rhodan,
embora este não o confessasse — era a de que
a maior parte das estrelas observadas apresen-
tava traços espectrais que quase chegavam a ser
aventurosos.
A ciência arcônida não contestava a afirma-
tiva de que uma estrela fixa é um “corpo ne-
gro”, segundo a lei das radiações de Planck.
Face a isso seria de esperar que todas as estre-
las fixas, inclusive as poucas que naquele instan-
te apareciam nas telas da Stardust-III emitissem
um espectro de radiações constantes que, con-
forme o tipo da estrela, começaria no ultraviole-
ta de ondas mais ou menos curtas, passaria
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pelo campo dos raios visíveis e penetraria pro-
fundamente na área do infravermelho.
Nada disso se observava nas estrelas que
tanto inquietavam Crest. Muitas delas apresen-
tavam um espectro com algum indício de se
conformarem com a lei das radiações, mas de
repente apresentavam uma inflexão totalmente
imotivada. Outros espectros não se pareciam
com qualquer coisa que Crest e Rhodan já tives-
sem visto. As respectivas estrelas funcionavam
como radiadores seletivos, tal qual a luz de uma
vela ou de uma lanterninha de bolso.
Uma das estrelas tinha um espectro frag-
mentário com dois pontos máximos, um deles
situado na área do verde, outro na do verme-
lho. O efeito produzido pela conjunção dos dois
fragmentos foi o de um ponto luminoso de cor
marrom. Era um fenômeno jamais observado
nos céus da galáxia.

***

— Então — disse Rhodan com um suspiro.


— Não temos a menor idéia do lugar em que
nos encontramos. E, se não acontecer um mila-
gre ou coisa que o valha, nunca saberemos.
Procurou observar o efeito de suas palavras.
Solicitara a presença dos dois arcônidas na sala
8
de comando, e ainda a de Reginald Bell, dos
majores Nyssen e Deringhouse; também pediu
o comparecimento de Tako Kakuta, um japo-
nês que representava o Exército de Mutantes.
Crest mergulhou no desânimo; não fez o
menor esforço para disfarçar a decepção de
que se sentia possuído. Thora, uma arcônida
esbelta de cabelos brancos, devia sentir a mes-
ma coisa; mas sabia que idéia o homem faz de
um ser que desanima antes da hora. Por isso
deu uma expressão enérgica ao seu rosto e en-
frentou o olhar de Rhodan.
Os outros homens ali presentes pareciam
feitos exclusivamente de curiosidade.
— E agora? — perguntou Bell. — Vamos fi-
car parados por aqui, esperando pelo milagre?
Rhodan, muito sério, fez que sim.
— Poderia ter a gentileza de nos dizer que
milagre é esse? — gritou Thora.
Sua voz parecia irritada e nervosa.
— Espero poder lhes dizer dentro de algu-
mas horas — respondeu Rhodan. — Vou dar
uma olhada por aí. Pegarei um caça espacial.
— Acha que com um caça vai vencer a dis-
tância de alguns anos-luz que nos separa da es-
trela mais próxima? — disse Thora com um riso
irônico.
Rhodan sacudiu a cabeça.
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— Não. Só me afastarei algumas unidades
astronômicas.
— Para quê?
— Este setor do espaço é o pedaço mais es-
tranho do Universo que Crest e, evidentemente,
também eu, jamais vimos — explicou Rhodan
em tom professoral. — A mais próxima das cin-
qüenta e seis estrelas que vemos se encontra a
cinco anos-luz do ponto em que atualmente nos
encontramos, a mais distante a cento e oitenta
anos-luz. Além desse limite ainda se encontra, a
uma distância considerável, uma concentração
de matéria quase imperceptível. Talvez se trate
de uma galáxia. A densidade estelar nesta regi-
ão é menor do que seria de esperar no interior
de uma galáxia, porém maior que a que costu-
ma ocorrer fora dela. Os espectros das cinqüen-
ta e seis estrelas que temos diante de nós pro-
vocariam risos em qualquer analista espectral.
Por tudo que conseguimos saber até hoje, es-
pectros dessa espécie não deviam existir. Logo
nos acode uma suspeita, a de que a estrutura do
espaço em que nos encontramos não é aquela
à qual estamos acostumados. Como até mesmo
os instrumentos de maior precisão não consta-
taram nada de anormal, pretendo dar uma
olhada do lado de fora da nave.
Deringhouse levantou-se de um salto.
10
— Essa tarefa não caberia a mim?
Rhodan repeliu-o com um gesto.
— Esqueça-se! — respondeu em tom sério.
— Se minhas suposições forem corretas...
Preferiu não completar a frase. A passos
lentos, todo pensativo, foi em direção ao inter-
comunicador e mandou que um dos pequenos
caças rápidos fosse preparado para a decola-
gem e colocado na comporta norte da Stardust-
III.

***

O caça deu um verdadeiro salto ao sair do


enorme compartimento da comporta. Rhodan
imprimiu uma aceleração média à sua máquina;
apesar disso a imensa esfera formada pela nave
encolheu-se com uma rapidez assustadora.
Dentro de poucos minutos o caça atingiu a
velocidade de 500 km/s. Rhodan reduziu a po-
tência do mecanismo propulsor e regulou o
neutralizador de pressão de tal forma que, mes-
mo em vôo livre, a força gravitacional no interi-
or da minúscula cabina equivalesse à da Terra.
Os instrumentos mantinham-se imóveis. In-
dicavam a massa da Stardust-III, nada mais.
Depois de ter se afastado da Stardust-III em
linha reta durante quinze minutos, sem que ti-
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vesse notado nada de extraordinário, aumentou
a velocidade do caça.
Descreveu uma curva a cerca de 200 km/s,
saiu da rota primitiva e acabou deslocando-se
num ângulo de noventa graus em relação à sua
trajetória anterior.
Depois de decorridos outros quinze minutos
transmitiu nova potência aos jatos, aumentando
a velocidade para 10.000 km/s. Efetuou nova
mudança de rota, que agora descrevia um ângu-
lo de quarenta e cinco graus tanto com a dire-
ção de vôo imediatamente anterior como com a
primitiva.
O instrumento ainda registrava nitidamente
a massa representada pela Stardust-III, e o en-
voltório da nave brilhava atrás dele como se fos-
se uma estrela.
“É uma estrela irreal”, pensou Rhodan. A
luz refletida pela Stardust-III irritava-o; gostaria
de saber por quê. Não havia nada mais natural
que a visão de uma nave transformada numa
espécie de estrela, desde que o observador se
encontrasse a uma distância adequada.
Seus pensamentos foram interrompidos pela
voz um tanto nervosa de Bell.
— Por que não dá sinal de vida? O que
aconteceu aí fora?
— Nada; absolutamente nada.
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Bell resmungou, satisfeito:
— O que você esperava?
— Não sei. Alguma coisa...
— Alô! Está ouvindo? Eu perguntei: O que
você esperava?
— E eu respondi: Não sei — disse Rhodan.
Alguns segundos depois, soou a voz áspera
de Bell:
— Não o ouço mais, chefe. O que aconte-
ceu?
Perplexo, Rhodan olhou para o painel. Ao
que parecia, o mecanismo de controle não to-
mara conhecimento de qualquer avaria. Todas
as peças que se encontravam a bordo do caça
estavam em perfeito estado, inclusive o trans-
missor.
— Rhodan para Stardust-III — berrou Rho-
dan. — Vocês me ouvem?
A única resposta foi um zumbido monótono.
O receptor permanecia inerte. Do outro lado
não tinham desligado, mas não o ouviam mais.
Não havia dúvida de que podiam acompa-
nhar sua trajetória por meio do detector de ma-
téria. Sabiam, portanto, que o caça espacial
ainda se encontrava dentro da área de alcance
dos instrumentos da Stardust-III. Rhodan sentiu-
se preocupado ao pensar no que Bell seria ca-
paz de fazer na sua precipitação.
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A Stardust-III não devia deslocar-se!
Rhodan acionou os jatos de frenagem. Partí-
culas brilhantes, que se deslocavam à velocidade
da luz, saíram dos bocais amplos e achatados,
reduzindo progressivamente a velocidade do
jato.
As idéias precipitaram-se no cérebro de
Rhodan.
Poderia transmitir um sinal à Stardust-III
através do feixe luminoso do canhão de impul-
sos; dessa forma saberiam que ainda estava
vivo. Para o mesmo fim poderia fazer explodir
uma bomba de detonação rápida, ou então...
Subitamente lembrou-se de que qualquer si-
nal dessa espécie levaria Bell à conclusão de
que se defrontava com um inimigo invisível. Por
isso desistiu da idéia.
Os jatos de frenagem, trabalhando a toda
potência, levaram alguns minutos para neutrali-
zar a velocidade do caça. Ainda durante a fre-
nagem Rhodan fez o aparelho descrever uma
curva fechada, que exigiu o máximo do neutrali-
zador gravitacional. Cerca de dez minutos de-
pois de terem sido interrompidas as comunica-
ções com a Stardust-III, o caça passou a deslo-
car-se em direção à nave.
A nave continuava no mesmo lugar. Pelos
dados registrados no painel de instrumentos,
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Rhodan viu que se encontrava aproximadamen-
te a uma unidade astronômica, ou seja, a cento
e cinqüenta milhões de quilômetros da nave. Se
prosseguisse com o máximo de aceleração, tal-
vez ainda a atingisse antes que Bell mandasse
dar partida à Stardust-III, para libertá-lo das
aparentes dificuldades.
Pela tela do detector de matéria deviam per-
ceber que ele voltara a aproximar-se da nave e,
se conservassem o sangue-frio, esperariam.
Imprimiu o máximo de aceleração ao apare-
lho. Dessa forma não levaria mais de trinta mi-
nutos.
O indicador de trajetória, regulado para a
rota da Stardust-III, marcava um ângulo igual a
zero. Mas o fino traço de luz não se mantinha
imóvel na marca zero, como devia acontecer.
Tremulava, desviava-se alguns décimos de milí-
metros para a esquerda, voltava à posição origi-
nal e desandava de novo.
Rhodan esqueceu-se do que pretendia fazer
e desligou os jatos. O caça reagiu imediatamen-
te. O fio de luz foi-se desviando, devagar, mas
ininterruptamente e sem voltar atrás.
Rhodan fitou-o estupefato. Um grau negati-
vo, dois graus negativos; o aparelho submetia-
se documente à influência de uma força vinda
de alguma fonte invisível. Rhodan sabia que to-
15
das as indicações dos instrumentos eram regis-
tradas. Portanto, poderia interpretar os dados a
bordo da Stardust-III. Mas sentiu-se tomado de
impaciência. Enquanto o caça se desviava traço
após traço, grau após grau, procurou localizar a
estranha fonte de energia.
Os rastreadores não indicavam nada, além
da massa formada pela nave, que permanecia
imóvel no espaço.
O gravímetro, porém, registrava pequenas
influências gravitacionais, e indicava a direção
em que se processava o respectivo efeito de
aceleração. Rhodan sondou o respectivo setor
espacial com todos os instrumentos de que dis-
punha, mas não encontrou nada.
Era uma fonte gravitacional situada no nada!
O fenômeno era tão esdrúxulo quanto os es-
pectros estelares que havia observado.
Durante meia hora Rhodan abandonou o
aparelho à influência do misterioso fenômeno.
Nesse intervalo sofreu um desvio de dez graus e
correu o risco de precipitar-se para além da
Stardust-III.
Decorridos os trinta minutos, de súbito, a
trajetória não mais sofreu qualquer modificação.
O gravímetro não registrava mais nada, e a tra-
jetória do caça passou a ser a de um corpo em
queda livre num sistema submetido exclusiva-
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mente à força da inércia.
A influência da força gravitacional cessara.
Alguém a desligara.
Alguém a desligara?
Enquanto procedia à correção da rota, a fim
de voltar a popa do caça em definitivo na dire-
ção da Stardust-III, Rhodan procurou calcular o
volume de energia que seria necessário para
produzir um campo gravitacional igual àquele
que acabara de exercer sua influência sobre o
caça. O fato de que a alteração da trajetória se
realizara de forma constante e em progressão li-
near em relação ao tempo, indicava que a fonte
geradora do campo gravitacional se situava a
uma distância muito grande: ao menos três uni-
dades astronômicas. Quem quisesse gerar um
campo gravitacional artificial capaz de exercer
uma influência tão pronunciada a uma distância
daquelas, precisaria de um volume de energia
superior...
Superior a quê? Superior, por exemplo, ao
da energia total de que dispunha o planeta Ter-
ra. Tratava-se de um campo equivalente ao que
seria irradiado por um sol. Mas o campo gravi-
tacional de um sol não estava sujeito a uma mo-
dificação tão abrupta como a que acabava de se
verificar aqui.
“Não existe nenhuma explicação”, pensou
17
Rhodan numa atitude resignada.
Fez mais uma tentativa de estabelecer conta-
to com a Stardust-III. Ainda desta vez não con-
seguiu.
Lembrou-se de que estivera refletindo sobre
algum problema no momento em que Bell o
chamara. Procurou lembrar-se. Alguma coisa o
incomodara. O que era mesmo?
Ah, sim! Era a luz irradiada pela Stardust-III.
Lançou um olhar pensativo sobre o ponto
luminoso fulgurante que o imenso corpo esféri-
co da nave projetava sobre a tela.
A lembrança sacudiu-o como uma descarga
elétrica.
Em algum lugar nas proximidades havia uma
fonte de luz cuja irradiação era refletida pela
nave. Seria um contra-senso pensar que cin-
qüenta e seis estrelas, das quais a mais próxima
se situava a cinco e a mais distante a cento e oi-
tenta anos-luz, pudessem irradiar uma quantida-
de de luz suficiente para fazer com que, a uma
distância de mais de cem milhões de quilôme-
tros, a Stardust-III ainda se mostrasse sob a for-
ma de um ponto luminoso.
A nave não emitia qualquer luminosidade
própria.
“E então?”, perguntou Rhodan de si para si,
nervoso e impaciente.
18
Nas circunstâncias presentes, qualquer pes-
soa que se afastasse alguns milhares de quilô-
metros da nave a perderia de vista. Um objeto
que não pode refletir nenhuma luz, porque a
mesma não existe, e que não emite luminosida-
de própria é simplesmente invisível.
Acontece que via nitidamente a nave. E ha-
via mais: emitia uma luminosidade mais intensa
que a da estrela mais próxima, e isso acontece-
ra mesmo quando o caça se encontrava no
ponto mais afastado de sua trajetória.
Haveria uma solução para o mistério?
Por mais que refletisse, nada ocorreu a Rho-
dan, até que este não pôde pensar em outra
coisa senão realizar uma aproximação correta
do caça — de direção apenas semi-automática
— ao gigantesco corpo esférico da Stardust-III.
Num gesto semi-consciente, procurou localizar
na superfície convexa da nave o reflexo do cor-
po luminoso que permitia uma visão tão nítida
da Stardust-III, mas não encontrou nada.
Subitamente o telecomunicador voltou a fun-
cionar.
— Se não obtivermos resposta, não permiti-
remos a entrada do aparelho! — disse a voz
exaltada de Bell.
— Tudo em ordem — informou Rhodan em
tom de alívio. — Cá estou.
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Ouviu Bell fungar.
— Por que não respondeu esse tempo todo?
— Não pude. O telecomunicador não funci-
onava.
— E agora de repente...
— Sim. Depois falaremos a respeito disso.
Devagar, quase se poderia dizer metro por
metro, o caça espacial foi se deslocando em di-
reção à abertura da imensa comporta norte. No
último trecho do percurso foi recebido por um
raio direcional, que o conduziu para dentro da
nave, sem que Rhodan precisasse fazer mais
nada.
Depois de realizado o controle regulamentar
dos instrumentos, Rhodan desceu do caça. Nes-
se meio tempo a comporta se enchera de ar
respirável. Livrou-se do traje espacial, enquanto
se dirigia à sala de comando pelas fitas trans-
portadoras e pelos elevadores antigravitacio-
nais.

***

— Temos mais três enigmas — disse Rho-


dan em tom sério. — A visibilidade da nave, a
existência de uma fonte de gravitação de inten-
sidade variável e a falha do telecomunicador.
Alguém tem uma explicação?
20
Era uma pergunta puramente retórica. Per-
cebeu-o pelos rostos dos companheiros. Espe-
ravam que ele lhes desse a explicação.
Mas da mesma forma que eles, não tinha
nenhuma.
— Muito bem — prosseguiu. — Não sabe-
mos. Encontramo-nos diante de um enigma, ou
melhor, de uma série de enigmas que nem mes-
mo a ciência arcônida sabe explicar. Só nos
resta esperar.
Acontece que essa idéia não se harmonizou
com a impaciência de Thora. Seus olhos aver-
melhados brilharam numa expressão de arrojo
e um pouco de ressentimento quando disse:
— Esperar o quê? Temos cinqüenta e seis
estrelas que podemos examinar. Por que não
começamos logo?
“É linda”, pensou Rhodan, que não teve
pressa de responder.
— Porque levaria muito tempo — acabou di-
zendo — se quiséssemos examinar cada estrela
e cada planeta à procura de algum indício. Ain-
da acontece que este setor do espaço está cheio
de enigmas dos quais por enquanto nada sabe-
mos, muito menos estamos em condições de
solucioná-los.
Thora não concordou com estas palavras.
Dispôs-se a responder, mas Crest cortou-lhe a
21
palavra.
— Por falar nisso — começou, lançando um
olhar rápido sobre Thora, como se estivesse pe-
dindo paciência à mesma — talvez estejam inte-
ressados em saber o que descobri neste meio
tempo.
Entregou algumas fitas de plástico a Rho-
dan. Eram do tipo das que costumavam ser eje-
tadas pelo interpretador do cérebro positrônico,
um gigantesco aparelho de cálculo e processa-
mento de dados que a Stardust-III trazia a bor-
do. A resposta a qualquer indagação, inicial-
mente emitida pelo cérebro positrônico sob a
forma de impulsos codificados, era registrada
nas fitas em caracteres da escrita arcônida, ou
em símbolos matemáticos, quando se tratasse
de um problema de matemática pura.
— Tive muita dificuldade em encontrar uma
formulação sensata para as perguntas e introdu-
zir todas as informações na máquina — disse
Crest com um sorriso. — Aqui estão as pergun-
tas — disse, enquanto entregava a Rhodan uma
folha de papel em que estavam escritas as per-
guntas. — As respostas estão nas fitas que você
tem na mão.
Rhodan começou a ler.
— De que serve nossa caminhada progressi-
va e perigosa em busca da civilização que co-
22
nhece o mistério da conservação das células?
Era a primeira pergunta. A resposta dizia o
seguinte:
— A civilização desconhecida só transmite
seu saber a quem, face a algumas regras de se-
leção, prove ser portador de uma civilização
(85,179 % de probabilidade).
Crest pôs os dedos no papel em que esta-
vam escritas as perguntas por ele formuladas.
— De posse da primeira resposta, formulei a
segunda pergunta.
Rhodan leu:
— Quais são as regras de seleção?
A resposta foi a seguinte:
— As regras de seleção aplicadas pela civili-
zação desconhecida não são exclusivamente de
natureza técnico-científica (probabilidade de
100%).
— É claro que isso não passa de uma verda-
de trivial — observou Crest. — O cérebro posi-
trônico não soube o que fazer com a pergunta.
A última pergunta foi esta:
— Que regras de seleção ainda se tornarão
conhecidas a nós, que andamos em busca do
segredo?
A resposta dizia o seguinte:
— Para os que andam à procura, as provas
(regras de seleção) de natureza técnico-científica
23
estão concluídas (52,112 % de probabilidade).
Rhodan lançou um olhar pensativo sobre a
fita em que estavam gravadas as respostas, an-
tes de devolvê-la a Crest.
— A última resposta é quase inútil, não é
mesmo? — disse Crest.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Seria inútil, se só contasse com cinqüenta
por cento de probabilidade. Mas deve haver al-
guma informação, que nós não entendemos
bem, que fez com que a máquina deduzisse que
o imortal, provavelmente, no futuro ainda nos
colocará diante de outros enigmas além dos que
já tivemos oportunidade de conhecer. Os trans-
missores de objetiva e conversores de tempo já
ficaram para trás. Ainda não sabemos o que
virá daqui por diante. Talvez aquilo que desco-
brimos lá fora seja o começo.
Thora interveio na conversa:
— Acha que, se resolvêssemos não perder
mais tempo e começássemos a agir, isso altera-
ria alguma coisa?
— Perder tempo? — disse Rhodan com um
sorriso irônico. — Você está a caminho da vida
eterna e fala em perder tempo?
— Acabo de fazer uma proposta séria e
aguardo uma resposta séria — disse Thora com
a voz amarga.
24
— Ainda receberá uma resposta séria — dis-
se Rhodan. — Neste momento você ainda
acharia que minhas suposições são ridículas.

***

Tanaka Seiko ocupava um camarote indivi-


dual.
Na verdade, a Stardust-III era uma nave de
guerra, ou melhor, um couraçado, criada pela
tecnologia arcônida como resposta definitiva às
ameaças ao Grande Império partidas de mun-
dos revoltados. Sua tripulação completa era de
mil homens. Os praças residiam em alojamen-
tos coletivos, os cabos e sargentos em camaro-
tes de duas pessoas e os oficiais em camarotes
individuais.
Tanaka Seiko ocupava um desses camarotes
individuais, que por motivos óbvios não ficava
muito distante da sala de comando.
No correr da última semana Tanaka trans-
formara-se num dos elementos mais importan-
tes da equipe de Rhodan. Graças a um proces-
so de mutação era capaz de captar ondas hert-
zianas, da mesma maneira que qualquer um de
nós capta as vibrações sonoras. Não precisava
de aparelho receptor para compreender as
emissões de rádio.
25
Além disso, por enquanto, era o único entre
os subordinados de Rhodan que sabia captar as
mensagens do imortal e traduzi-las numa lingua-
gem inteligível. No planeta Gol, Rhodan obtive-
ra indícios de que as vibrações de que o imortal
se valia para a transmissão de suas mensagens
eram fenômenos situados numa dimensão es-
paço-temporal de ordem superior. Se quises-
sem descobrir o mistério da vida eterna, que o
imortal detinha, teriam de entender as mensa-
gens do mesmo. E Tanaka era o único que pos-
suía essa faculdade.
Assim que a Stardust-III emergiu do hiperes-
paço depois de um processo extraordinário de
teleportação, Rhodan incumbira o japonês de
prestar atenção as mensagens do imortal. Dali
em diante Tanaka Seiko permaneceu no cama-
rote. O estoicismo da raça asiática revelou-se
um auxiliar útil naquela atividade, que consistia
em não fazer nada.
De início instalara-se confortavelmente
numa macia poltrona articulada dos arcônidas,
mas constatou que esse tipo de comodidade lhe
provocava sonolência, motivo pelo qual passou
a usar uma banqueta de trabalho um pouco
mais dura. Apoiou os cotovelos na mesa e des-
cansou a cabeça nas mãos.
Assim ficou sentado por horas a fio; levou
26
meio dia nessa posição.
Reprimiu a sonolência conforme pôde.
Os pensamentos de Tanaka executavam
uma dança confusa. Faziam desfilar diante dele
quadros do passado. Os olhos de sua mente vi-
ram Fukabori, uma pequena aldeia situada junto
à baía de Amakusa, a menos de vinte quilôme-
tros de Nagasaki. Viu algumas casas velhas es-
palhadas pela paisagem.
Mas uma delas despertou sua atenção.
Nunca a vira.
Concentrou-se na visão que os pensamentos
lhe ofereciam; procurou reconhecer aquela
construção. Ficava no centro da aldeia e pare-
cia um arranha-céu.
Um arranha-céu em Fukabori!
Por lá nunca houvera arranha-céu, e nunca
haveria. Afinal, Fukabori não passava de uma
aldeia de pescadores.
Parecia antes uma torre com uma altura
equivalente a mais de duzentos andares. Será
que na Terra existia algum edifício desse tipo?
O campo de visão de Tanaka estreitou-se. A
casa paterna, as outras casas, as cabanas dos
pescadores, tudo desapareceu do quadro dese-
nhado por seus pensamentos. Só restou a tor-
re, o arranha-céu.
A torre tinha janelas redondas... redondas!
27
De um instante para outro Tanaka sentiu que
alguma coisa estranha penetrara em seu cére-
bro e desenhava um quadro ilusório que sua
mente jamais teria concebido.
Sentiu-se tomado de pânico e procurou afas-
tar a coisa estranha. Lutou contra o espírito que
lhe incutia o quadro de uma torre de oitocentos
metros de altura com janelas redondas.
Mas sucumbiu. No mesmo instante lembrou-
se de que isso poderia ser o início de outra
mensagem do imortal. Este nunca se revelara
por essa forma; mas ninguém saberia dizer de
quantas maneiras diferentes dispunha o mesmo
para transmitir suas mensagens.
A torre foi crescendo. Parecia aproximar-se
de Tanaka numa velocidade tremenda — ou en-
tão era Tanaka que se aproximava dela. No fim
só restou um trecho do quadro, uma janela re-
donda. De repente pôde enxergar através da ja-
nela. Tanaka viu uma sala pequena, cujo único
mobiliário consistia num tipo de escrivaninha.
Sobre a escrivaninha havia uma folha de papel.
Seria mesmo papel? E ainda havia um objeto
fino e comprido, parecido com um lápis.
Tanaka pegou o lápis e começou a escrever.
Pegou o lápis? Que tolice! Viu todo esse
quadro desenhado diante dos olhos de sua men-
te — ou da mente de outro indivíduo, de um
28
desconhecido.
Seja como for, pegou o lápis e começou a
escrever. Alguém parecia conduzir sua mão; ele
mesmo não sabia o que estava escrevendo,
nem conseguia ler.
De repente!
Como Tanaka não respondesse ao chamado
de Rhodan, Reginald Bell foi ao camarote do ja-
ponês para ver o que estava acontecendo.
Tanaka, desmaiado, estava estendido diante
da mesa. Tudo indicava que caíra da banqueta e
batera com a cabeça num dos pés da escrivani-
nha.
Tudo isso parecia estranho a Bell. Por que
Tanaka teria caído?
Sobre a escrivaninha havia um montão de
folhas de papel. Era papel genuíno de fabrica-
ção terrena, de um tipo idêntico ao que, desde
sua permanência na Terra, a Stardust-III trazia a
bordo às toneladas.
Havia alguma coisa escrita na primeira fo-
lha. Bell olhou-a e já ia pô-la de lado. Parecia
uma série de desenhos insensatos, traçados por
alguém que não soubesse o que fazer.
Mas Bell voltou a olhar. Os desenhos esta-
vam enquadrados em linhas bem ordenadas, e
alguns dos sinais insensatos repetiam-se a inter-
valos regulares.
29
Bell pôs o papel no bolso e chamou o servi-
ço médico, pedindo que cuidasse de Tanaka
Seiko.

***

Rhodan reconheceu a escrita. Já a vira duas


vezes: da primeira vez no Palácio Vermelho,
juntamente com Thora, e de outra vez no cilin-
dro metálico de que se apoderara durante a via-
gem pelo tempo.
O cérebro positrônico decifrara ambas as
mensagens. Possuía os dados básicos, e por
isso também devia ser capaz de interpretar os
rabiscos de Tanaka.
Rhodan mandou elaborar uma programação
ótica do registro e introduziu-a na máquina.
Esta não teve muita pressa. Dali a uma hora
forneceu a tradução numa fita de plástico:

Tu, que queres enfrentar o perigo, demons-


traste paciência e não queres fugir à sedução,
presta atenção ao mundo de grau superior. Lá
chegando, faze o que deve ser feito. A luz já
não está distante. (Seguem alguns sinais indeci-
fráveis. Probabilidade de transmissão correta:
91,998 %.).

30
Quase ao mesmo tempo em que o cérebro
positrônico forneceu a interpretação, Tanaka
Seiko despertou do seu desmaio.
Informou o que lhe havia acontecido. Sua
lembrança chegava até o ponto em que come-
çara a escrever; dali em diante não se recordava
de mais nada.
A interpretação do fenômeno ficou a cargo
de Rhodan. Este não teve a menor dúvida de
que o imortal, através de um meio que constitu-
ía um mistério, como tanta coisa acontecida du-
rante esse empreendimento, apoderara-se do
cérebro de Tanaka e obrigara o mesmo a regis-
trar uma mensagem numa folha de papel, que
não se encontrava no centésimo octogésimo
andar de uma torre, mas na escrivaninha do
próprio Tanaka, no interior de um dos camaro-
tes individuais do Stardust-III.
Foi o que Tanaka fez, e nesse meio tempo a
mensagem havia sido traduzida. Mas, ao que
parecia, a mesma não tinha o menor sentido.
Pelo menos não encerrava um significado que
Rhodan pudesse reconhecer ao primeiro golpe
de vista.
Rhodan desceu à divisão médica para con-
versar com Tanaka.
— ...presta atenção ao mundo de grau supe-
rior — murmurou, contemplando a fita de
31
plástico que trouxera consigo.
O mundo de ordem superior? Em torno de
qual das cinqüenta e seis estrelas visíveis nas te-
las giraria esse mundo?
O telecomunicador chamou.
— Segundo piloto ao comandante!
Era a voz de Reginald Bell, que parecia bas-
tante nervosa.
Rhodan pegou o microfone mais próximo.
— Pronto! O que houve?
Ouviu Bell respirar profundamente.
— Peço-lhe que venha imediatamente à sala
de comando. As telas...
Rhodan não ouviu o resto. Com dois ou três
saltos atingiu a porta, que para seu gosto se
abriu muito devagar, esgueirou-se pela abertura,
e correu por cima da fita transportadora que
percorria o corredor. Forçando as mãos na pa-
rede do poço do elevador antigravitacional, fez
este subir mais depressa. Chegou tão depressa
à sala de comando que Bell lhe lançou um olhar
estupefato.
As telas!
Acreditara naquilo, porque de outra forma
nada mais teria um sentido. Sabia que um dia
veria esse quadro — e ali o tinha diante de si.
Era o negrume profundo dos confins do es-
paço, semeado de bilhões de luzinhas coloridas,
32
com longas estrelas brilhantes que representa-
vam as aglomerações estelares distantes e crate-
ras negras formadas pelos espaços vazios ou
pelas nebulosas.
Era o quadro que se apresentava a qualquer
astronauta, enquanto se encontrasse na galáxia.
E também era o quadro que, depois dos dias in-
termináveis de espera extenuante, conferia um
sentido às coisas.
— O que aconteceu? — perguntou com a
voz rouca.
Bell deu de ombros. Ainda não se recupera-
ra do susto.
— Não faço a menor idéia. Estava olhando a
tela; o quadro era o mesmo de sempre. Voltei a
olhar, e o que vi foi isto.
Com um gesto de desespero apontou para a
grande parede em que estavam montadas as te-
las dos visores óticos.
Rhodan recuperou a atividade. Transmitiu
ordens precisas ao setor de rastreamento. Os
homens ficaram surpresos. Mas, quando puse-
ram a funcionar os instrumentos, perceberam
que o quadro estava totalmente modificado.
Enquanto se puseram a procurar, Rhodan,
com os olhos pensativos, contemplou as telas.
Houve alguma coisa que despertou sua aten-
ção, no início de forma inconsciente. Teve de
33
passar os olhos por várias vezes pelo respectivo
lugar na tela, para captar a imagem.
Era um disco vermelho! Seu tamanho cor-
respondia aproximadamente ao que o Sol devia
ter quando visto da órbita de Plutão. Era um
disco vermelho-púrpura; até parecia que não
emitia luminosidade própria, mas havia sido
pintado com essa cor ou recebia sua luz de ou-
tra fonte.
Um sol!
Rhodan chamou a atenção dos rastreadores.
A Stardust-III mantinha uma velocidade relativa
face ao disco vermelho; essa velocidade não de-
via ultrapassar uns 400 ou 500 km/s em rela-
ção ao periélio da trajetória da nave. Com base
nesses dados os homens do setor de rastrea-
mento puderam efetuar a triangulação. Dali a
dois minutos o resultado foi entregue a Rhodan:
O sol vermelho ficava a cerca de duas unida-
des astronômicas da nave. Isso equivalia a uns
trezentos milhões de quilômetros, menos que a
distância que separa Plutão do Sol. Dali se con-
cluía que o astro vermelho era menor que o sol
terreno.
Duas unidades astronômicas! Era apenas um
pulo para uma nave como a Stardust-III. Rho-
dan ajustou a rota.
— Rastreamento ao comandante! O sol tem
34
um planeta; provavelmente é o único. Distância
do sol: 0,78 unidades astronômicas. Diâmetro:
0,6 do diâmetro da Terra. Distância do ponto
em que nos encontramos: 1,2 unidades. É se-
melhante a Marte.
A memória do cérebro positrônico forneceu
os dados direcionais ao piloto automático, que
realizou a respectiva correção da rota. A Star-
dust-III dispôs-se a dar mais um passo na sua
caminhada em busca da pedra filosofal

— Não havia outra solução, não é mesmo?


— perguntou Rhodan.
Crest parecia um tanto perplexo.
— Ao que parece o senhor sabe mais que
eu. A que solução está se referindo? Só vejo
que, de repente, a situação complicou-se ainda
mais.
Rhodan riu.
— É um engano. Não sei como o imortal
conseguiu hipnotizar a tripulação e os instru-
mentos da nave, fazendo com que acreditásse-
mos que víamos um espaço impossível, cin-
qüenta e seis estrelas também impossíveis e
bem ao longe uma aglomeração grotesca de
matéria. Não deve se tratar de um processo
35
hipnótico como nós o conhecemos. Ele deve
dispor de muitas possibilidades de iludir alguém.
Na verdade, durante todo esse tempo a Star-
dust-III não saiu deste setor do espaço. Apenas
acontece que tanto nós como os instrumentos
vimos uma ilusão perfeita.
— Mas o que terá havido com o telecomuni-
cador de seu caça? De onde veio aquele campo
gravitacional? E o que iluminou a nave?
Rhodan ergueu os ombros.
— Não tenho nenhuma resposta, por en-
quanto. Se quisermos ver no fenômeno que nos
fez contemplar o espaço ilusório um tipo de
hipnose, talvez a Stardust-III fosse cercada por
uma espécie de campo hipnótico esférico. En-
quanto eu me encontrava de um lado do limite
desse campo e a nave do outro lado, não havia
nenhuma comunicação. Talvez fosse assim. Tal-
vez o campo hipnótico não tivesse nenhuma in-
fluência sobre a luz refletida, e assim vi sobre a
nave os reflexos de um sol que não pude ver.
Quanto ao campo gravitacional, por enquanto
não disponho de qualquer explicação para o
mesmo.
— Pois bem — disse Thora com uma ligeira
ironia na voz. — Quer dizer que já sabia de
tudo. Será que agora poderia me dizer ao me-
nos que mal teria feito se tivéssemos adotado
36
minha sugestão e saído à procura de alguma
coisa?
— Desde logo — respondeu Rhodan — por
uma questão de princípio, quando me encontro
com minha nave num setor desconhecido do
espaço e ainda por cima sei que não consigo
realmente enxergar esse espaço, fico bem quie-
to. A probabilidade de me perder por aí não é
muito grande, visto que a densidade da matéria
é muito reduzida, mas por que iria aceitar um
risco, por menor que fosse, enquanto posso
evitá-lo? Há outra coisa. Se a Stardust-III tivesse
se deslocado, que direção teria tomado?
— Provavelmente a direção da estrela mais
próxima entre as cinqüenta e seis que estavam
ao alcance da nossa vista — respondeu Thora.
Rhodan confirmou com um aceno de cabe-
ça.
— Pois é isso. Teríamos colocado a nave
em movimento e tomado o impulso costumeiro
para a teleportação espaço-temporal. Mas não
chegaríamos muito longe, pois esse sol verme-
lho ficaria bem na rota da transição. Teríamos
assistido a um fim de mundo brilhante e bem
quente.
Thora olhou-o espantada.
— Já acredita que meus motivos foram váli-
dos? — perguntou Rhodan com um sorriso. —
37
É claro que não sabia da existência desse sol
vermelho.

***

O planeta era um mundo monótono, bem


visível e muito frio. Rhodan contornou-o duas
vezes com a nave. Com isso adquiriu o conheci-
mento de todos os detalhes interessantes sobre
a configuração de sua superfície, a temperatura
ali reinante, a velocidade da rotação e, princi-
palmente, ficou sabendo que naquele mundo
não havia qualquer ser inteligente, ao menos na
superfície.
Sentiu-se decepcionado. Esperava que esse
planeta lhe desse mais alguma indicação sobre
a posição galáctica do mundo da vida eterna.
Quem lhe daria tal indicação, se ali não existia
nenhum ser inteligente?
O planeta recebeu o nome de Vagabundo,
porque se movia sozinho e sem destino num
imenso espaço sem estrelas.
Era tão semelhante a Marte que até parecia
que o Criador se guiara por um molde. Não ha-
via oceanos. A temperatura média na superfície
era de cerca de oito graus negativos. Nenhuma
montanha tinha mais que algumas centenas de
“metros de altura e ao menos três quartas par-
38
tes da superfície eram formadas por desertos
vermelhos de oxido de ferro.
Rhodan escolheu um desses desertos como
local de pouso da Stardust-III. Lembrou-se de
que o cérebro positrônico previra que não have-
ria outras surpresas de ordem técnica; por isso
os mutantes que se encontravam a bordo foram
mantidos em estado permanente de alerta.
Mas não aconteceu nada. A Stardust-III pou-
sou sem problemas e sem obstáculos. O chão
era firme e a força da gravitação não ultrapas-
sava 0,53 g.
Começaram as conjecturas sobre quais seri-
am as próximas intenções do imortal.

***

— Tu, que queres enfrentar o perigo, mos-


traste paciência e não foges à sedução... — dis-
se Rhodan em tom pensativo, recitando o texto
da mensagem que Tanaka Seiko registrara num
estado hipnótico. — Até parece que o imortal
considera a paciência uma das virtudes que quer
encontrar em seu sucessor, não é mesmo?
Era uma pergunta um tanto retórica.
— Pode ser — respondeu Bell. — De qual-
quer maneira desta vez não teríamos escapado
tão bem se tivéssemos reagido àquela ilusão
39
maluca. E não lhe levo isso a mal.
Crest concordou.
— Nunca canso de perguntar — disse — se
não nos envolvemos numa coisa que é difícil
demais para nós. O que nos adiantará a vida
eterna, se antes...
Fez um gesto de dúvida e não terminou a
frase. Rhodan não respondeu. Pretendia falar
em outra coisa quando o intercomunicador deu
sinal.
O rosto do tenente Tanner surgiu na tela.
Parecia assustado e perplexo.
— Desculpe — disse Tanner apressadamen-
te — quero pedir um conselho.
— Pois não!
Subitamente a perspectiva do quadro modifi-
cou-se. O rosto do tenente Tanner desapare-
ceu. Em seu lugar surgiu o interior de um dos
pequenos depósitos auxiliares do convés F, situ-
ado junto ao pólo norte do corpo esférico da
nave.
— Viu? — perguntou Tanner.
Rhodan viu. Naquele depósito haviam sido
guardados alguns aparelhos portáteis de teleco-
municação do tipo usado pelos destacamentos
de choque, que costumavam sair da nave em
missões de reconhecimento. Os aparelhos não
eram maiores que um rádio transistorizado. Es-
40
tavam cuidadosamente guardados num tipo de
prateleira.
Apenas um deles saíra do lugar e flutuava no
centro da sala, a cerca de um metro acima do
solo.
O quadro chegava a ser doloroso de tão in-
sensato que era. Até Rhodan passou a mão
pelo rosto e voltou a olhar uma segunda vez an-
tes de acreditar no que estava vendo.
— Tem alguma explicação para isso? —
perguntou a voz exaltada de Tanner, depois
que Rhodan levara algum tempo sem dar sinal
de sua presença.
— Não — respondeu Rhodan em tom áspe-
ro. — Espere! Já subo até aí!
No interior da Stardust-III os geradores pro-
duziram uma gravitação artificial, que se regula-
va pelo peso normal reinante em Árcon e, por-
tanto, também na Terra. Rhodan praguejou
contra os geradores e tudo mais que o impedia
de avançar mais rapidamente pelas fitas trans-
portadoras dos corredores.
Tanner, perplexo, estava de pé junto ao
aparelho amassado que se encontrava no chão,
bem no centro do depósito.
— Caiu?
Tanner fez que sim.
— Sim. De repente ouvi um barulho, e ali
41
estava o aparelho no chão.
Os olhos de Tanner estavam arregalados de
susto.
— Isso poderia ser obra de um dos mutantes
— murmurou Rhodan. — Mas não acredito.
Meia hora depois teve certeza. A bordo da
Stardust-III havia três mutantes que possuíam o
dom da telecinésia: Anne Sloane, Betty Toufry,
e o japonês Yokida. Betty e Anne passaram as
últimas horas lendo, e Yokida examinara os re-
gistros de bordo da nave, que estavam ao alcan-
ce de qualquer um, procurando catálogos astro-
nômicos que pudesse decifrar com seus reduzi-
dos conhecimentos da escrita arcônida. Yokida
era astrônomo.
Nenhum deles permitira-se uma brincadeira,
exibindo ao tenente Tanner um telecomunica-
dor de bolso voador.
Rhodan lembrou-se de que Tanner fora ao
convés F numa inspeção de rotina. Poderia per-
feitamente ter entrado no depósito auxiliar al-
guns minutos antes ou depois; nesse caso não
teria percebido o incidente, ou o mesmo teria
causado uma impressão muito menor.
A constatação desse fato não o deixou mais
tranqüilo. Levava à conclusão de que possivel-
mente fatos idênticos poderiam estar ocorrendo
em outros pontos da nave, e que os mesmos só
42
seriam percebidos se por acaso alguém abrisse
os olhos no lugar e tempo exatos.
Rhodan ordenou imediatamente uma inspe-
ção geral da nave, que foi realizada principal-
mente por robôs, já que nestes a capacidade de
perceber imediatamente qualquer anomalia, por
menor que fosse, era mais acentuada que nos
homens.
O resultado foi o seguinte:
Havia duas prateleiras derrubadas nos de-
pósitos de acessórios para instrumentos medi-
dores situados no convés E, quinze luminárias
acesas em vários compartimentos e uma grande
instalação de refrigeração, que com uma efi-
ciência espantosa produzia muitos metros cúbi-
cos de gás carbônico congelado, de que nin-
guém precisava.
Este último exemplo mostrou a Rhodan que
esses incidentes — à primeira vista apenas es-
tranhos, talvez até ridículos — poderiam resva-
lar para um terreno perigoso. Fosse quem fosse
que mexia nas instalações da nave, poderia per-
feitamente levar a Stardust-III a uma decolagem
catapultada, ou sobrecarregar os geradores a
ponto de provocar sua queima.
Rhodan tomou as medidas que o caso re-
queria. O exemplo do telecomunicador de bolso
parecia demonstrar que o estranho inimigo pos-
43
suía o dom da telecinésia, ou então dispunha de
faculdades hipnóticas que lhe permitiam tornar-
se invisível. Rhodan ligou o dispositivo auto-
mático de prontidão da Stardust-III e mandou
que toda a tripulação comparecesse à sala dos
oficiais.
Após isso, fez o mutante Fellmer Lloyd per-
correr a nave vazia.
Lloyd possuía uma capacidade estranha: sa-
bia identificar as radiações de cérebros estra-
nhos. A primeira impressão era de que Lloyd
era um telepata, tal qual John Marshall, que sa-
bia decifrar os pensamentos de outras pessoas.
Mas a capacidade de Lloyd era de natureza
mais exata e analítica. Sabia desenhar de me-
mória aquilo que “via”. Eram modelos de ondas
cerebrais que, segundo Lloyd, haviam sido irra-
diados pelo cérebro por ele observado. Só esse
modelo lhe permitia uma conclusão sobre a na-
tureza dos pensamentos. Conhecia o código
que servia à decifração da amostra, sem saber
como.
Rhodan batizara-o de localizador, porque sa-
bia constatar a presença de um cérebro estra-
nho a uma distância muito maior que um tele-
pata. De forma que o localizador foi percorren-
do a nave muito devagar, sempre atento às suas
percepções.
44
A Stardust-III era uma nave imensa. Estava
dividida em seis conveses sobrepostos, e quatro
deles subdividiam-se em convés inferior, médio
e superior. Havia mais de dois mil corredores,
sem contar os estreitos corredores laterais, e
uma multidão de salas grandes, médias e pe-
quenas. Alguém que quisesse olhar todas as sa-
las teria de trabalhar durante dois meses, à ra-
zão de oito horas por dia.
Fellmer Lloyd, porém, confiou em sua capa-
cidade de reconhecer a emissão de ondas cere-
brais a uma distância considerável.
Por isso a inspeção não demorou mais de
duas horas. Informou a Rhodan que não encon-
trara nada de anormal a bordo, e Rhodan con-
cluiu que realmente nada de anormal se encon-
trava a bordo.

***

Rhodan formou um comboio de três veícu-


los de superfície. Em cada um deles foram colo-
cados cinco tripulantes. Os homens estavam
bem armados e levaram mantimentos para vá-
rios dias. Envergavam trajes espaciais, já que a
atmosfera de Vagabundo era muito rarefeita
para os pulmões humanos e a temperatura mui-
to baixa. Rhodan chamara os carros de câmbio,
45
face à capacidade de modificar o elemento mo-
tor; tratava-se de veículos completamente fe-
chados, que dispunham de minúsculas compor-
tas de ar para uma pessoa.
O próprio Rhodan assumiu o comando da
pequena expedição. O major Deringhouse diri-
gia o segundo carro, o tenente Tanner o tercei-
ro.
Thora não pôde deixar de formular suas ob-
jeções contra a expedição.
— O que espera conseguir com isso? — per-
guntou em tom irônico. — Acredita que o ini-
migo invisível se enterrou na areia do deserto, e
só espera que o senhor o desenterre?
— O que espera conseguir se ficarmos à es-
pera? — retrucou Rhodan.
— Ora essa! Até pouco tempo o senhor era
a pessoa que mais gostava de esperar.
— Até pouco tempo. Acontece que a situa-
ção mudou.
— Desta vez também tem algum motivo se-
creto?
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Desta vez não. Apenas tenho a impres-
são de que lá fora encontrarei mais depressa o
que estou procurando do que no interior da
nave.
Rhodan realizara todos os preparativos para
46
a expedição. Deringhouse e mais dois dos seus
pilotos de caça fizeram vários vôos de reconhe-
cimento em torno da Stardust-III. A natureza do
solo já era conhecida, e os vôos nada acrescen-
taram ao que já sabiam. Havia uma pequena
cadeia de colinas ao nordeste, a cerca de oiten-
ta quilômetros da nave. Fora disso só havia o
deserto num raio de mais de mil quilômetros.
Houve um incidente. Pouco depois da deco-
lagem de bordo da Stardust-III o motor de um
dos três jatos se regulara, ao que tudo indicava
espontaneamente, para a potência máxima, le-
vando o aparelho para além das camadas supe-
riores da atmosfera. O piloto procurou dominar
o mecanismo rebelde, mas não o conseguiu.
Quando já estava perdendo todas as esperan-
ças, o regulador de potência voltou — mais
uma vez espontaneamente — à posição nor-
mal, deixando a escolha da rota a cargo do pi-
loto, que naquela altura estava mortalmente as-
sustado.
Não houve outras anomalias, mas o inciden-
te ocorrido deu o que pensar a Rhodan.
Fellmer Lloyd participou da expedição. Mas
tudo estava preparado para que pudesse voltar
à Stardust-III pelo caminho mais rápido, se pre-
cisassem dele por lá. O comando da nave ficou
a cargo de Reginald Bell.
47
***

No dia da partida da expedição o calendário


de bordo registrava a data de 24 de dezembro.
Mas, fora a temperatura, que segundo os ter-
mômetros externos dos câmbios era de 15
graus negativos, esse dia do planeta Vagabundo
nada tinha de comum com o dia terreno.
Os três veículos deslocavam-se em vôo baixo
por cima da areia vermelha do deserto; os oi-
tenta quilômetros até a extensa cadeia de coli-
nas foram vencidos em menos de meia hora.
As colinas cobriam uma área de cerca de
trezentos mil quilômetros quadrados. Para da-
rem uma busca minuciosa nessa área teriam de
gastar uns dez ou quinze dias. Várias vezes
Rhodan ficou perguntando de si para si se vale-
ria a pena. Mas sempre chegava à conclusão de
que, por algum motivo que ele mesmo não co-
nhecia, acreditava ter certeza de que a solução
do segredo do planeta Vagabundo deveria ser
procurada naquelas colinas.
O dia do planeta Vagabundo tinha apenas
vinte e uma horas. As colinas ficavam no he-
misfério norte, entre os trinta e os quarenta
graus de latitude. Pela posição do eixo do pla-
neta, deviam encontrar-se no fim do verão.
48
O primeiro exame da superfície do solo na
área adjacente às colinas não produziu outro re-
sultado além dos incidentes a que aqueles ho-
mens já começavam a se acostumar. De repen-
te houve uma falha na direção de um dos câm-
bios, o veículo descreveu alguns volteios malu-
cos, até que o condutor se recuperasse do susto
e desligasse o motor. Durante uns dez minutos
a direção permaneceu bloqueada, e após isso
voltou a reagir normalmente ao comando do
condutor.
Quando o carro de Rhodan passava por um
local de visibilidade reduzida, subitamente um
bloco de pedra do tamanho de uma cabeça hu-
mana veio em sua direção. Rhodan não conse-
guiu desviar o veículo a tempo. Com o impacto
da pedra contra a carroçaria do câmbio, houve
um baque surdo; mas o veículo fora construído
para suportar pressões mais intensas que a pro-
duzida pelo impacto de uma pedra.
O terceiro incidente foi mais perigoso. No
câmbio comandado pelo major Deringhouse
um instrumento de medição pequeno, mas pe-
sado, destacou-se da bagagem e atingiu a cabe-
ça do condutor do veículo com tamanha violên-
cia que o mesmo desmaiou imediatamente. Fe-
lizmente a reação de Deringhouse foi instantâ-
nea e conseguiu evitar a queda do carro, que
49
naquele instante se deslocava pelo ar a uma ve-
locidade de cerca de 150 km/h.
Fellmer Lloyd, que ficava perscrutando aten-
tamente toda a área, não percebeu nada de
anormal.
Ao pôr do sol Rhodan montou um tipo de
acampamento em meio a uma pequena depres-
são cercada por três colinas, cuja altura não ul-
trapassava trinta metros. Os câmbios foram es-
tacionados e montaram-se barracas. Rhodan
distribuiu cuidadosamente as sentinelas e fez
questão de frisar que, numa região daquelas,
não havia motivo para que não ficassem cons-
tantemente de olhos e ouvidos abertos, prestan-
do atenção em qualquer ocorrência, por mais
insignificante que parecesse.
Conferenciou com Deringhouse e com o te-
nente Tanner sobre os acontecimentos do dia,
depois de ter transmitido um relato breve mas
completo, à Stardust-III.
Deringhouse disse em tom enfático:
— Na minha opinião aqui nos defrontamos
com alguém que possui capacidades telecinéti-
cas muito acentuadas, e além disso não gosta
da nossa presença. Recorre a uma guerra de
nervos para azedar nossa vida neste planeta e
nos obrigar a dar o fora.
Estavam sentados no interior da barraca de
50
Rhodan. Esta, que era um produto da indústria
arcônida, nem pelo aspecto exterior nem pelas
suas qualidades assemelhava-se com os produ-
tos similares de origem terrena. Era feita especi-
almente para ser usada em mundos cuja atmos-
fera é hostil à vida. Fechada hermeticamente,
possuía seus próprios geradores de ar e dispu-
nha de uma pequena comporta aérea. As pare-
des eram feitas de metal plastificado de molécu-
las concentradas; embora se reduzissem a uma
folha extremamente fina, resistiam a uma pres-
são de cem atmosferas.
Rhodan não esperara outra interpretação
dos incidentes.
— Minha opinião é um pouco diferente, De-
ringhouse — respondeu. — Bem que gostaria
de concordar com você, pois minhas conclu-
sões levam a um resultado ainda mais maluco.
Procure se colocar no lugar do inimigo. Possui
uma extraordinária capacidade telecinética, pro-
vavelmente mais acentuada que a de qualquer
dos nossos mutantes. Se não gostasse da nossa
presença, poderia ter feito coisa muito pior. O
que me impressiona é o fato de que, pelo inter-
valo temporal, periculosidade, espécie dos obje-
tos e não sei mais o quê, os incidentes seguem
uma seqüência tipicamente estatística. Não sei
se me fiz entendido. Não há nenhum sistema
51
em tudo aquilo.
Deringhouse não se apressou com a respos-
ta. Depois que tinha refletido bastante, não teve
tempo para responder, porque a luz do indica-
dor de entrada da comporta acendeu-se.
Rhodan abriu a porta.
Uma das sentinelas entrou. Nem chegou a
tirar o capacete espacial. Sua voz veio abafada
por detrás da lâmina do visor. Teve de gritar
para ser entendido:
— Constatamos movimento entre duas coli-
nas próximas. Parece que são animais.
Enquanto falava, comprimiu o botão que
abria o capacete. Este caiu para trás.
— Quantos são? — perguntou Rhodan.
— Um bando. Calculo que devem ser uns
trinta.
— Está bem. Iremos até lá.
A sentinela voltou a firmar o capacete e
saiu. Rhodan e seus dois oficiais seguiram-no,
depois de terem colocado seus trajes em condi-
ções de enfrentar o ambiente exterior.
A sentinela estava postada no ponto mais
elevado da maior das colinas. Entre todas as
sentinelas era a que dispunha de campo de vi-
são mais amplo. Ao norte da colina, existia
uma planície que se estendia por alguns quilô-
metros na direção norte e ao menos um quilô-
52
metro para o leste.
Antes de montar o acampamento haviam
constatado a existência de vegetação nessa pla-
nície; era a primeira que viram depois de terem
pousado no planeta Vagabundo. Rhodan não fi-
zera questão de examinar as plantas. Teria tem-
po de fazê-lo no dia seguinte, quando avanças-
sem na direção norte.
Ao chegar ao cimo da colina, onde a senti-
nela fizera uma pequena cova, percebeu a olho
nu, sem recorrer ao binóculo infravermelho,
que alguma coisa se movia na savana iluminada
pelas estrelas. Ao que parecia, Deringhouse
conseguia distinguir mais alguma coisa.
— Parece que são.... — principiou. Pôs-se
de joelhos e olhou pelo binóculo. — ...castores!
— completou. — É um bando de castores bem
grandes.
Rhodan examinou os animais pelo binóculo.
Eram cerca de trinta, conforme dissera a senti-
nela. Sentados sobre as patas traseiras, usavam
as dianteiras para, de vez em quando, arranca-
rem um pedaço de vegetação e levá-lo até a
boca.
Rhodan não concordou inteiramente com a
comparação estabelecida por Deringhouse. A
grossura da parte posterior do corpo e o rabo
em forma de colher eram de castores. Mas as
53
orelhas, enormes e redondas, e o focinho pon-
tudo lembravam um camundongo superdimensi-
onado. Isto porque o comprimento de seu cor-
po atingia cerca de um metro.
Pareciam inofensivos. Todavia...
— Tenente Tanner.
— Pois não.
— Traga Lloyd.
Tanner desapareceu e voltou dali a três mi-
nutos em companhia de Lloyd.
— Olhe isso, Lloyd! — ordenou Rhodan. —
Veja se consegue ouvir alguma coisa.
Lloyd deitou no solo arenoso ao lado de
Rhodan. Fixou por alguns instantes a massa es-
cura formada pelo rebanho de animais. Depois
fechou os olhos e baixou a cabeça.
Levou bastante tempo para chegar a uma
conclusão.
— Não. — Disse finalmente. — Só vejo mo-
delos confusos e sem sentido, como costumam
ser encontrados em animais. Estes não são os
seres que está procurando.
Rhodan confirmou com um aceno de cabe-
ça.
— Obrigado, Lloyd. Volte à cama. Rhodan
ficou deitado por mais algum tempo no chão
arenoso em companhia de Deringhouse, Tan-
ner e da sentinela.
54
Pela meia-noite, segundo a contagem de
tempo do planeta Vagabundo, Rhodan voltou à
sua barraca.
Estava absorto em pensamentos. A existên-
cia de formas mais elevadas de vida num mun-
do que era apenas aridez, frio e oxido de ferro
irritava-o e inquietava-o, sem que quisesse con-
fessá-lo a si mesmo, Com alguns movimentos
automáticos acionou os contatos da comporta e
tirou o capacete assim que a porta se fechou
atrás dele.
Ficou refletindo se devia pedir a opinião de
Crest. Mas o que Crest poderia saber que ele
mesmo, Rhodan, ainda não soubesse? Depois
do treinamento hipnótico intenso a que se sub-
metera, possuía os mesmos conhecimentos de
Crest e, já que os adquirira de vez e de forma
antinatural e compacta, sabia coordená-los me-
lhor que Crest, em cuja mente cresceram e se
acumularam em virtude de uma evolução pro-
gressiva e orgânica.
Não. Crest não poderia ajudá-lo. Ele mesmo
teria de encontrar a resposta.
Tirou o cinto com o estojo do binóculo infra-
vermelho e colocou-o sobre uma pequena pra-
teleira que pertencia ao mobiliário da barraca.
Alguma coisa perturbou-o quando colocou o
estojo na prateleira; não sabia o que era. Voltou
55
a mergulhar nos seus pensamentos e sentou na
beirada da armação que lhe servia de cama.
Seus olhos caíram sobre a prateleira.
De repente soube o que o perturbara.
Antes de sair em companhia de Deringhou-
se e Tanner havia colocado o telecomunicador
de bolso no mesmo lugar em que agora se en-
contrava o estojo com o binóculo.
Acontece que não estava mais lá.
Levantou-se de um salto e revistou a prate-
leira. Sua altura não ultrapassava cinqüenta
centímetros e tinha apenas duas tábuas. O tele-
comunicador não se encontrava em nenhuma
delas. Procurou nos bolsos de seu traje espacial,
por baixo da cama, na comporta, mas o peque-
no instrumento continuava desaparecido.
Sem lembrar-se de que aquilo talvez não
passasse de outro truque telecinético do inimigo
desconhecido, correu para fora da barraca a fim
de dar o alarma à sentinela. Ainda estava con-
vencido de que alguém devia ter entrado na
barraca e carregado o telecomunicador.
Saiu da comporta e olhou em torno de si.
Uma sombra movia-se na encosta da colina si-
tuada ao sul.
— Olá, sentinela! — gritou Rhodan para
dentro do microfone de capacete.
Nesse instante levou uma forte pancada nas
56
costas. Cambaleou para a frente, e sentiu-se
ofuscado por um raio branco-azulado. Os mi-
crofones externos do capacete transmitiram o
ribombar que se fez ouvir no mesmo instante.
Alguma coisa atirou-o ao solo com toda for-
ça. Ouviu a areia caindo sobre seu capacete;
não sabia o que estava acontecendo.
Voltou a pôr-se de pé, ainda um tanto inse-
guro. O raio ofuscara-o, e só viu anéis coloridos
que dançavam diante dele.
Chamou pela sentinela. Pouco antes da ex-
plosão vira uma delas na encosta da colina situ-
ada ao sul. Eram apenas alguns metros. Por
que o sujeito ainda não estava perto dele?
Quando seus olhos voltaram ao normal, viu
uma cratera aberta na areia; era um buraco feio
e circular, de cerca de dez, metros de diâmetro.
Ficava no lugar exato em que, instantes antes,
se encontrara sua barraca; desta, não se via
mais nada.
As duas barracas vizinhas apresentavam
uma forte inclinação. Mas, ao que parecia, con-
tinuavam intactas, pois as pessoas que saíram
delas, tropeçando e praguejando, não teriam
resistido ao choque de uma descompressão ex-
plosiva.
Subitamente houve uma confusão de vozes
no receptor de capacete de Rhodan. Todo
57
mundo gritava suas perguntas. Rhodan teve de
insistir repetidas vezes antes que os homens se
acalmassem o suficiente para permitir a comu-
nicação.
— Mantenham-se afastados da cratera — or-
denou Rhodan. — Talvez haja alguma pista por
ali. Além disso, passaremos o resto da noite ao
ar livre. Deringhouse, procure um lugar adequa-
do. Não deve ficar a menos de cem metros do
acampamento. Sentinelas! Onde estão as senti-
nelas?
— Aqui!
Três homens adiantaram-se.
— Qual dos senhores estava perto da minha
barraca no momento da explosão?
Ninguém se apresentou.
— Vi um dos senhores ali na colina do sul.
Quem foi?
Ninguém.
— Não suspeito de ninguém — explicou
Rhodan com a maior tranqüilidade. — Apenas
quero saber se a pessoa que se encontrava ali
viu alguém.
Nenhum dos três quis ser aquele que Rho-
dan vira na colina. Este não insistiu mais. Não
precisava obter a informação das sentinelas
para saber como aquilo ocorrera.

58
***

Deringhouse encontrara um lugar apropria-


do. Os homens ligaram os aquecedores de seus
trajes espaciais e deitaram no chão.
— Não havia nenhum explosivo em sua bar-
raca? — perguntou Deringhouse.
Rhodan sacudiu a cabeça:
— Estou refletindo sobre isso o tempo todo.
Acredito que não. Além disso, constatei que al-
guém deve ter entrado na minha barraca en-
quanto olhávamos os ratos-castores.
Contou a história do telecomunicador desa-
parecido.
Tanner ficou de joelhos na borda da cratera.
O buraco era bem fundo, cerca de três metros e
meio. Fosse qual fosse a energia que havia esfa-
celado a barraca de Rhodan, a mesma desen-
volvera-se com maior intensidade para baixo
que na horizontal.
“Se não fosse assim, com as outras barracas
teria acontecido a mesma coisa que com a mi-
nha”, pensou Rhodan bastante contrariado.
Tanner levantou-se. Rhodan viu-o sacudir os
ombros e limpar as mãos na roupa num gesto
de perplexidade.
— O que acha?
— Nada. Para mim foi uma banana de dina-
59
mite ou uma cápsula de TNT; nada de moder-
no. Sente-se o cheiro de explosivo queimado.
Rhodan desceu na cratera. Na luz da lanter-
na viu trechos de solo queimado e vestígios de
pólvora que cobriam a areia. Acionou a peque-
na comporta situada à direita do visor de seu
capacete, cuja capacidade era de cerca de um
centímetro. Arejando o ar exterior, que dessa
forma penetrou no capacete, sentiu a mesma
coisa que Tanner: cheiro de explosivo queima-
do.
Nesse meio tempo, o major Deringhouse foi
até a colina em cuja encosta Rhodan acreditava
ter visto a sentinela.
— Onde foi? — gritou. — Por aqui?
— Um pouco à direita, isso mesmo, nessa
direção; alguns metros mais para cima.
Deringhouse seguiu as indicações de Rho-
dan. A noite estava bastante escura, dificultan-
do a percepção das minúcias que todos queriam
observar. Rhodan não pôde ver o que o major
estava fazendo.
Manteve-se em atitude pensativa na borda
da cratera, em companhia de Tanner. Este es-
teve a ponto de dizer alguma coisa; mas nesse
instante ouviu-se o chamado de Deringhouse.
— Venha!
Parecia muito exaltado. Rhodan disparou
60
em passos largos, ajudado pela reduzida força
gravitacional. Mais um salto, e aterrizou pratica-
mente sobre os ombros de Deringhouse que,
agachado na areia, dirigia a luz da lanterna para
alguma coisa.
Era um rastro!
A areia que cobria a encosta da colina, em
contínuo movimento pelo vento, não era a ma-
téria ideal para conservar uma impressão que
teria de manter-se nítida e inalterável.
Mas não havia a menor dúvida: aquilo era
um rastro.
Viu duas fileiras paralelas de orifícios impres-
sos na areia, com cerca de um palmo de inter-
valo, que subiam a colina em diagonal. A dis-
tância entre os orifícios não era superior a vinte
e cinco centímetros, conforme constatou De-
ringhouse.
Era um rastro muito estranho. Deringhouse
observou-o com a cabeça inclinada.
— Diria que é um bípede. O rastro de um
quadrúpede seria diferente.
— Procure evitar conclusões precipitadas —
advertiu Rhodan. — Também pode ter sido
uma centopéia estreita e comprida.
Subitamente Rhodan deu-se conta de que
aquilo que vira ainda há pouco não fora a senti-
nela. Ele tinha visto a sombra do ser que produ-
61
zira aquele rastro. Do ser que penetrara em sua
barraca e colocara a bomba. Uma bomba que
explodira cerca de cinco minutos depois que
abrira a comporta e entrara na barraca. Até pa-
recia que dispunha de um mecanismo de reló-
gio acoplado a uma das escotilhas da comporta.
Talvez fosse isso mesmo.
Rhodan teria voado para os ares juntamente
com a barraca, se não tivesse dado pela falta do
instrumento de telecomunicação ou se houvesse
tirado uma conclusão que, naquele mundo re-
pleto de telecinetas, podia ser considerada bas-
tante simplória.
Teria sido perfeitamente razoável acreditar
que algum telecineta desconhecido se permitira
um gracejo com o telecomunicador. Mas não!
Ficara convicto de que o instrumento fora rou-
bado.
O que era aquilo que estava cantando e ge-
mendo?
Era o vento. O vento eterno daquele mundo,
que mantinha os grãos de areia em movimento
perpétuo e os esfregava uns contra os outros.
Tanner mantinha-se um pouco de lado. De-
ringhouse estava junto ao cimo da colina, en-
quanto ele mesmo se encontrava no lugar em
que subitamente começava aquele estranho ras-
tro.
62
Eram três figuras perdidas num mundo es-
tranho. Deringhouse desligara sua lanterna.
Ninguém proferiu uma palavra. Rhodan sentiu
que um calafrio lhe percorria a espinha.
Quem colocou a bomba? Ou então, o que
foi que a colocou?
Um ser cujo estranho rastro começava em
qualquer lugar e...
— Venha até aqui!
Era a voz de Deringhouse. Rhodan sobres-
saltou-se.
— Já vou!
Com dois saltos colocou-se no cimo da coli-
na. Deringhouse já descera um trecho do flanco
oposto; voltara a ligar a lanterna.
— De início pensei que aquilo estava à nos-
sa espreita por aqui — disse com um sorriso
forçado e não muito alegre. — Mas o que en-
contro? Isto!
Rhodan olhou. Era o aparelho de telecomu-
nicação cuja falta, notada em tempo, havia sal-
vado sua vida. Estava jogado na areia; jogado
sem nenhum propósito. Em sua superfície de
plástico viam-se vários arranhões.
Rhodan levantou o aparelho e colocou-o no
bolso.
— Veja isto! — disse Deringhouse, apontan-
do para um lugar situado poucos metros abaixo
63
do ponto em que haviam encontrado o teleco-
municador.
Rhodan comprimiu as pálpebras até que viu
uma série de luzes coloridas e voltou a abri-las.
Mas o quadro continuava inalterado.
O rastro terminava no lugar apontado por
Deringhouse. Este fez o facho de luz percorrer
os arredores, mas não havia nenhuma continu-
ação.
— Um rastro que começa de repente e ter-
mina de repente — disse Tanner com a voz
abafada. — Que mundo é este?

Na manhã do dia seguinte realizaram uma li-


geira conferência sobre a rota a seguir. O te-
nente Tanner era de opinião que, embora o
rastro fosse muito estranho, deviam seguir em
sua direção.
Deringhouse, porém, objetou que alguém,
sabendo que seria perseguido, nunca deixaria
um rastro que fornecesse uma indicação aos
perseguidores.
Rhodan, por seu lado, não chegara a afir-
mar que o ser desconhecido, mesmo que sou-
besse lidar com explosivos, era dotado de um
senso lógico igual ao do homem. Por isso não
64
desistiu do seu plano primitivo.
Pretendia instalar um acampamento fixo
mais ou menos no centro da área coberta pelas
colinas. Ali ficariam de olhos e ouvidos abertos
e, ajudados pela faculdade singular de Fellmer
Lloyd, sairiam à procura do ser desconhecido.
Em sua opinião, o ataque noturno constituía
prova de que os desconhecidos se abrigavam
naquelas colinas.
Havia um ponto em que todos estavam de
acordo: o ser desconhecido que praticara o
atentado pertencia a uma raça que, segundo es-
peravam, lhes forneceria novas indicações so-
bre o mundo misterioso da vida eterna.
A Stardust-III informou que a bordo tudo es-
tava tranqüilo e em perfeita ordem. Não preci-
savam de Fellmer Lloyd.
Num vôo tranqüilo de várias horas venceram
a distância que os separava do local do novo
acampamento, que Rhodan escolhera no mapa.
Ele não estava mais disposto a assumir qualquer
risco. Imprimiu a potência máxima aos motores
dos câmbios e manteve os veículos numa altura
de cem metros.
Sem o menor incidente, o grupo chegou a
um vale suave e comprido, situado entre duas
cadeias de colinas, cujo cume mais elevado se
erguia a menos de oitenta metros sobre o fundo
65
do vale.
O acampamento foi levantado com uma bar-
raca a menos: Rhodan teve que dispensar o pri-
vilégio da barraca individual. Enquanto isso,
Rhodan ficou refletindo sobre os motivos que
poderiam levar os seres daquele mundo a de-
senvolver suas atividades exclusivamente de noi-
te. Durante o vôo não chegaram a avistar ne-
nhum rato-castor, nem qualquer dos seres que
realizaram o atentado no meio da noite.
Mesmo de dia as condições de vida no pla-
neta Vagabundo eram bastante desfavoráveis.
De noite a temperatura baixava para menos
trinta graus. Qual seria o motivo?

***

Depois do almoço, composto de conservas


arcônidas da despensa da Stardust-III, Rhodan
distribuiu as instruções sobre as operações de
busca. Não queria perder tempo. Pelo menos
um dos câmbios devia estar em movimento
constante. A tripulação de cada vôo seria de
dois homens, em casos excepcionais de três.
Dessa forma sempre haveria homens descansa-
dos para tripular os veículos, já que os outros
permaneciam no acampamento. Todos os câm-
bios dispunham de um equipamento de busca
66
super-potente, motivo pelo qual não havia ne-
cessidade de interromper as operações durante
a noite.
As instruções eram as seguintes: Prestar
atenção a tudo que se move, tirar fotografias e
relatar. Nada de ações isoladas.
Pelos cálculos de Rhodan, a busca não devia
durar mais de dez dias. Estava convencido de
que nesse prazo encontrariam alguma coisa,
mas não sabia de onde lhe vinha essa convic-
ção.
Uma vez transmitidas as instruções, dois
câmbios prepararam-se para o primeiro vôo.
Rhodan pegou o terceiro e, acompanhado pelo
major Deringhouse, fez um ligeiro vôo de reco-
nhecimento, que não fora programado.
De início mantiveram-se na rota leste, já que
os outros veículos pretendiam cobrir o setor
oeste e sudoeste da área. Rhodan assumiu a di-
reção, enquanto Deringhouse observava o ter-
reno, no início a olho nu.
Deringhouse não esperava muita coisa da-
quele vôo. Teria pedido a Rhodan que desistisse
do mesmo, se não se sentisse satisfeito pela
quebra da monotonia.
O sol do planeta Vagabundo brilhava numa
estranha tonalidade vermelha. Com o tempo os
olhos se acostumavam, mas as cores assumiam
67
um sentido inteiramente novo. Os trajes espaci-
ais cinza-azulados tendiam para o verde, e a
ponta acesa de um cigarro tornava-se branca.
— Que mundo estranho! — disse Dering-
house em tom pensativo.
— Que seres estranhos! — completou Rho-
dan depois de algum tempo.
Mantinham contato ininterrupto com o
acampamento e com os outros veículos. Não
havia nada de anormal. Depois dos sobressaltos
da noite anterior, o tédio começou a tomar
conta de tudo.
O motor emitia um zumbido monótono. De-
ringhouse sentiu uma certa sonolência; mas
tendo em vista a atenção com que Rhodan lan-
çava os olhos para a frente, não se atreveu a
confessá-lo.
Leu as indicações de alguns dos instrumen-
tos, para distrair-se.
Temperatura externa: 1,8 graus positivos.
Pressão atmosférica: 89. Céu violeta, sem nu-
vens. Hora local: 16:05 h.
Bip, bip, bip...
Rhodan atirou a cabeça para a frente. Uma
luz vermelha acendeu-se no gravímetro, indi-
cando que alguma coisa anormal havia sido des-
coberta.
— Localização! — disse Rhodan em tom
68
tranqüilo. — Ligeira alteração do campo gravi-
tacional no nordeste.
A sonolência de Deringhouse desapareceu
em meio a dois suspiros apressados.
— Descerei um pouco — disse Rhodan.
Enquanto o nariz do câmbio ia baixando so-
bre um vale pouco profundo, a indicação do
gravímetro tornava-se cada vez mais nítida. Era
um sinal de que o veículo se aproximava da
fonte de gravitação.
— O que acredita que seja? — perguntou
Deringhouse.
Rhodan deu de ombros.
— Talvez seja um motor gravitacional. Seria
um pouco mais forte que o de nosso câmbio.
Nenhum dos nossos veículos se encontra nesta
área. Logo...
Não formulou a conclusão.
O gravímetro forneceu uma indicação bas-
tante precisa sobre a localização da fonte gravi-
tacional. Dentro de poucos segundos Rhodan
constatou que a mesma se deslocava. O objeto
que perseguia parecia ser um veículo.
— Prepare-se para disparar! — ordenou
Rhodan. — Não quero que nos peguem despre-
venidos.
Por sua própria natureza, as armas de fogo
não faziam parte do equipamento do câmbio.
69
Mas Rhodan mandara instalar várias.
Deringhouse preparou-se. Quando Rhodan
se voltou ligeiramente em sua direção, viu que
estava sorrindo.
— Nada de precipitação! — advertiu. — Só
atiraremos se for necessário.
Deringhouse confirmou com um aceno de
cabeça.
O indicador acústico do gravímetro passou a
indicar um bip-bip bastante desagradável. Rho-
dan reduziu o volume do som.
Subitamente o terreno em que o câmbio se
deslocava passou a apresentar uma conforma-
ção surpreendentemente regular. Todas as coli-
nas tinham a mesma altura, a mesma base e o
mesmo formato. Formavam fileiras regulares.
Se não se tratasse de formações arenosas,
como acontecia com todas as elevações existen-
tes no planeta, poder-se-ia supor que haviam
sido criadas artificialmente.
Rhodan manteve o veículo a poucos metros
acima do solo e fez com que deslizasse cautelo-
samente entre duas fileiras de colinas. Não se
via nada do objeto que fazia o gravímetro emitir
o bip-bip.
Era espantoso. Segundo afirmava o instru-
mento, a fonte de gravitação não distava mais
de cem metros, e no ar límpido daquele mundo
70
o raio de visão a olho nu era bem mais extenso.
— Consegue ver...
Antes de concluir a pergunta, ele o viu.
Procurara localizar alguma coisa cujo tama-
nho fosse comparável ao do câmbio.
Mas o objeto, que emergia em meio a duas
colinas, não passava de uma esfera reluzente
cujo diâmetro não era superior a um metro.
— Que diabo! Será que por aqui também
existem aqueles seres luminosos? — praguejou
Deringhouse.
Rhodan limitou-se a sacudir a cabeça. Não
havia tempo a perder com conversa. O objeto
que viam diante de si era sólido. Suas paredes
eram feitas de uma substância brilhante que não
sabia qual era, mas que, sem dúvida, seria sen-
sível ao tato se encostasse o dedo na mesma.
Num movimento brusco, Rhodan reduziu a
velocidade do câmbio, fazendo-o rastejar pouco
acima do solo. Aos poucos foi se aproximando
da esfera reluzente, que agora já se mantinha
no centro do vale.
A distância não ultrapassava cinqüenta me-
tros. Os pensamentos atropelaram-se no cére-
bro de Rhodan. Fosse o que fosse aquilo que se
encontrava parado ali, como fazer chegar ao
seu conhecimento que suas intenções não eram
inamistosas?
71
— Vá até a comporta! — gritou para De-
ringhouse. — Abra a escotilha e acene, ou faça
outra coisa amável. Vamos logo!
Perplexo, mas nem por isso menos rapida-
mente, Deringhouse entrou na comporta. Pou-
cos segundos depois Rhodan viu seu braço do
lado de fora da escotilha, acenando furiosamen-
te.
Faltavam trinta metros.
“É a distância de um tiro de pistola”, pensou
Rhodan e espantou-se com a idéia.
Quando chegou a uma distância de vinte
metros, parou o câmbio. Na esfera não se via o
menor movimento; apesar disso Deringhouse
continuava a acenar.
O câmbio pousou no solo. Rhodan levantou-
se do assento e espremeu-se atrás do radiador
de impulsos térmicos. Não sabia por que estava
agindo dessa forma. Mas tinha a sensação de
que algum perigo o ameaçava, e de qualquer
maneira era preferível...
Nesse instante o cenário modificou-se por
completo.
A esfera reluzente saltou para o alto, como
se fosse uma bola de borracha. Quase no mes-
mo instante a estrutura metálica do câmbio emi-
tiu um dom abafado. Rhodan sentiu um forte
solavanco e viu estrelas dançarem diante de sua
72
vista, quando sua cabeça bateu violentamente
contra a mira do radiador de impulsos térmicos.
O mundo girava. Ouviu-se a voz furiosa de
Deringhouse, vinda não se sabe de onde. Dian-
te da lâmina do visor, colinas, vales e esferas re-
luzentes giravam numa velocidade vertiginosa.
Mesmo que, depois da pancada, Rhodan tivesse
conservado o domínio perfeito de si mesmo, já
não conseguiria localizar o alvo do radiador
térmico.
Alguma coisa mole e resmunguenta caiu so-
bre ele, recuou e voltou a ser atirada contra ele
na próxima reviravolta executada pelo câmbio.
Era Deringhouse. Viera da comporta e pro-
curava pôr a funcionar o radiador neutrônico.
Rhodan quis gritar alguma coisa para ele, mas
nesse instante o veículo sofreu um forte sola-
vanco, foi virado ao contrário e caiu ao solo
com um forte estalo.
Rhodan levantou-se; percebeu que caíra en-
tre dois assentos traseiros. Estavam numa posi-
ção diferente: os encostos encontravam-se na
horizontal e os assentos na vertical. Nas janelas
dianteiras via-se a areia na qual estava pousado
o câmbio, e as janelas laterais estavam dirigidas
de cima para baixo, ao invés de o serem de trás
para a frente.
— Deringhouse!
73
— Estou aqui.
— Está ferido?
— Não; mas não consigo me mover.
— Espere; irei até aí.
O radiador neutrônico desprendera-se do su-
porte. A placa frontal, que sustentava todo o
peso do instrumento, comprimia Deringhouse
contra o assento. Só com o auxílio de Rhodan
conseguiu afastar a pesada placa o suficiente
para sair de debaixo dela.
— Tudo em ordem?
Deringhouse apalpou o corpo e respirou
profundamente.
— Sim.
Fecharam os trajes espaciais e subiram à
comporta. Olhando pelas janelas laterais, Rho-
dan viu que a esfera reluzente havia desapareci-
do.
A escotilha externa da comporta ficara a uns
três metros acima do solo, já que a estranha
arma do desconhecido colocara o veículo de
popa para baixo; mas a reduzida força gravitaci-
onal reduzira o impacto da queda.
Deringhouse saltou, com o fuzil térmico na
mão. Mas não viu nada em que valesse a pena
atirar.
Contornaram o câmbio várias vezes e verifi-
caram que a estrutura de metal plastificado ha-
74
via resistido muito bem às reviravoltas executa-
das pelo veículo. O casco estava amassado e ar-
ranhado, mas parecia não ter sofrido danos
mais sérios. Não havia a menor dúvida de que o
motor estava intacto. O câmbio era um típico
veículo expedicionário; a fixação do motor era
tão perfeita que mesmo cem incidentes desse
tipo não o afetariam.
De qualquer maneira, porém, o veículo esta-
va de focinho virado para cima. Assim não ser-
viria de nada.
— Poderíamos tentar balançá-lo — sugeriu
Deringhouse. — Se cair direito, talvez fique
com a parte de baixo no chão.
Rhodan concordou. Mas antes de começa-
rem a balançar o veículo Deringhouse subiu ao
ombro de Rhodan e entrou no mesmo para li-
gar o motor. Quando tombasse deveria cair no
macio, em cima do colchão gravitacional irradi-
ado pelo motor.
Cada um dos dois ficou de um lado do carro.
Rhodan dava os comandos.
Ao grito de “Ô” Deringhouse puxava de seu
lado, e ao grito de “Hip” era Rhodan quem pu-
xava na direção oposta.
Balançaram o pesado veículo numa veloci-
dade espantosa; até parecia uma árvore agitada
na tempestade. Dentro de poucos instantes de-
75
veria tombar para a frente.
Rhodan diminuiu seus esforços, para que o
câmbio caísse do lado certo, que era onde De-
ringhouse se encontrava naquele instante. Agar-
rara com os dedos numa junta de janela, para
ter algum apoio na superfície lisa.
— Ô! — gritou Deringhouse.
— Hip! — respondeu Rhodan. Quando o
câmbio retornou à posição anterior, sentiram
um forte puxão. Os dedos de Rhodan arranha-
ram a superfície do veículo ao perderem o
apoio. Com uma força tremenda o carro tom-
bou para a frente. Rhodan saltou de lado.
— Devagar! — gritou Deringhouse.
Rhodan viu-o dar um salto para sair de de-
baixo do veículo. Voou um pedaço, deu algu-
mas cambalhotas e parou em meio a uma nu-
vem de pó.
O câmbio encontrava-se na posição deseja-
da. O motor absorvera o impacto. Nada havia
acontecido. Apenas...
— Por pouco que você não me esmaga —
disse Deringhouse com um sorriso tímido.
Rhodan encarou-o perplexo.
— Eu?!
Deringhouse não estava menos perplexo
que Rhodan.
— Você não deu mais um empurrão ao car-
76
ro, para que tombasse logo para a frente?
— Nada disso. Durante os últimos minutos
não fiz mais nada. Pensei que fosse você.
Deringhouse arregalou os olhos.
— Foram os telecinetas! — disse com um
gemido. — Fizeram uma brincadeira com nosso
carro. Primeiro fizeram girá-lo que nem um car-
rossel, depois quase me esmagam, fazendo-o
tombar antes da hora.
Não demorou para que ambos chegassem à
conclusão de que não havia outra explicação
para o fenômeno. Entraram no carro e Rhodan
fez o possível para afastar-se quanto antes da-
quela área. Sem melhores preparativos nem
mesmo um câmbio arcônida estava em condi-
ções de enfrentar um adversário daqueles.
Depois de terem deixado para trás a região
de colinas uniformes, Deringhouse perguntou:
— Você acredita que esse redemoinhar tam-
bém tenha sido o efeito de uma ação telecinéti-
ca?
Rhodan deu uma risada.
— Estamos quebrando a cabeça sobre a
mesma coisa, não e? Estava pensando nisso.
Não acredito que tenhamos sido revirados atra-
vés da telecinésia, pois na minha opinião a for-
ça de um telecineta jamais seria suficiente para
isso. Não se esqueça de que o peso do câmbio
77
não é nada desprezível.
— Mas o que terá sido?
— Diria que foi um campo de rotação. Acho
que conseguiria produzir um efeito idêntico;
bastaria adaptar um dos nossos geradores gravi-
tacionais de forma a gerar um campo de rota-
ções.
Deringhouse resmungou. Depois de algum
tempo disse:
— Quer dizer que se trata de uma técnica
muito avançada, não é?
Rhodan fez que sim.
Poucos minutos depois pousaram no acam-
pamento. Logo depois de terem iniciado o vôo
de retorno, Rhodan fornecera a Tanner um bre-
ve relato do incidente. Depois disso não tiveram
mais qualquer contato.
Quando o câmbio de Rhodan pousou, Tan-
ner fazia os homens correrem de um lado para
outro. Rhodan viu que cinco deles estavam en-
trando num dos outros veículos. Do terceiro
não se via nem sinal.
Rhodan desceu. Tanner correu em sua dire-
ção. Parecia bastante perturbado.
— Lloyd... — fungou — Lloyd sumiu!
— Que direção tomou? — perguntou Rho-
dan laconicamente.
Tanner controlou-se e fez um relato apressa-
78
do.
— Quando os dois câmbios retornaram,
Lloyd veio falar comigo. Pediu um dos veículos.
Respondi que só lhe daria se levasse ao menos
um acompanhante. Mas fez questão de ir só.
Recusei. Começou a fazer pouco de mim; disse
que eu não tinha poder de comando sobre ele,
que era um mutante, e, depois, que indo sozi-
nho conseguiria muito mais num vôo que nós
em mil.
Tanner sacudiu os ombros, um tanto perple-
xo.
— Protestei contra isso — prosseguiu —
mas o homem entrou num dos câmbios e deco-
lou. Afinal, realmente não tenho poder de co-
mando sobre os mutantes.
Rhodan bateu-lhe sobre o ombro.
— Não se preocupe, Tanner. Eu lhe prego
um sermão assim que voltar.
— Se é que volta! — gemeu Tanner. — Já
faz dez minutos que não temos qualquer conta-
to com ele.

***

Poucos segundos depois já estavam voando


de novo.
Tanner conhecia a direção em que Lloyd se
79
afastara, e aquela de onde viera sua última
mensagem. O segundo cambio seguiu o de
Rhodan. Enquanto este dirigia, fez uma confe-
rência bastante elucidativa sobre esferas relu-
zentes, campos de rotação e câmbios que tom-
bam.
— O mundo em que nos encontramos não é
um mundo de solidão, embora pareça — disse.
— Quem não andar de olhos bem abertos pode
estar certo de que não viverá por muito tempo.
Ao menos um dos elementos do grupo de
busca tentava ininterruptamente chamar Fell-
mer Lloyd pelo telecomunicador. Mas este não
respondeu.
Rhodan não se entregou às ilusões. Se Lloyd
não respondia, uma das possibilidades a serem
contempladas era a de que estava morto. E difi-
cilmente haveria uma perda que Rhodan sentis-
se mais que esta. Na situação em que se encon-
travam, um homem como Fellmer Lloyd valia
dez vezes seu peso em ouro.
Desde a decolagem Lloyd seguira a rota nor-
te. A única esperança de Rhodan era que tives-
se mantido essa rota. De outra forma não have-
ria possibilidade de encontrá-lo.
É que, por mais importante que fosse o ho-
mem de que se tratava, Rhodan não tinha a in-
tenção de interromper a missão por alguns dias
80
para dedicar-se a uma operação de busca.
Depois de meia hora de vôo encontraram o
câmbio em que Lloyd saíra. Estava deitado de
lado, ao que parecia bastante avariado. Rhodan
notou que o material da carroçaria estava derre-
tido em vários pontos.
A pequena distância do câmbio, um rato-
castor, do tipo dos que faziam parte do bando
que haviam observado na noite anterior, jazia
imóvel. Parecia morto. Enquanto pousava o
câmbio cuidadosamente ao lado do veículo ava-
riado, Rhodan indagou de si para si se aquele
rato-castor poderia ter algo a ver com o aciden-
te sofrido por Fellmer Lloyd.
Desceram. Rhodan examinou o câmbio de
Lloyd; estava vazio e avariado a ponto de se en-
contrar inutilizado. Tudo indicava que caíra de
uma altura considerável. Entre outras coisas, o
impacto havia avariado o telecomunicador a tal
ponto que Lloyd não poderia usá-lo, mesmo
que tivesse sobrevivido à queda do veículo.
Não encontraram rastros de sangue. Em
compensação encontraram uma série de mar-
cas impressas na areia; uma vez que o vento ti-
vera mais de uma hora para encobri-las, bem
poderiam provir de um homem. Afastavam-se
do câmbio e subiam por uma colina; desapare-
ceram lá em cima, onde o vento trabalhava
81
com mais força.
Deringhouse examinou o rato-castor.
— Não entendo muita coisa de biologia, es-
pecialmente da biologia extraterrena — disse.
— Mas em minha opinião o bicho quebrou a
nuca.
Levantou a cabeça do animal e girou-a em
todas as direções.
Rhodan respondeu com um aceno de cabe-
ça. No momento não se interessava pelo rato-
castor. Tudo indicava que Fellmer Lloyd havia
resistido ao impacto da queda e se escondera
em algum lugar. Rhodan mandou que os cinco
ocupantes do outro veículo saíssem na direção
apontada pelo rastro de Lloyd e procurassem
localizar o mutante.
Deringhouse continuava a dedicar sua aten-
ção ao animal morto.
— A cabeça dele é muito grande — disse. —
O senhor não acha?
Rhodan repeliu-o com um gesto. — Pouco
me importa que tenha duas cabeças cheias de
água. Quero saber onde está Lloyd!
Deringhouse ergueu-se e afastou-se ligeira-
mente do animal morto. O mesmo deixara ras-
tros bastante nítidos na areia; no lugar em que
Deringhouse se encontrava naquele instante pa-
recia ter havido uma luta. O chão estava revol-
82
vido; apesar de todo esforço, Deringhouse não
conseguiu descobrir quem teria sido o adversá-
rio do rato-castor.
O rastro do animal vinha de longe. Dering-
house seguiu-o. Quando se tinha afastado tanto
que quase chegou a perder de vista Rhodan e
os três veículos, sacou a arma.
O rastro contornava o flanco de uma colina
e desaparecia na depressão situada entre duas
elevações. Deringhouse seguiu-o e chegou a um
buraco que entrava obliquamente no solo. Era
dali que saía o rastro.
Deringhouse voltou-se decepcionado e inici-
ou a caminhada de volta. Um simples buraco de
camundongo, um pouco maior que os da Terra,
mas ainda assim um buraco de camundongo.
“Será que você esperava outra coisa, seu idi-
ota?”, perguntou de si para si.
Ao sair da depressão situada entre as coli-
nas, seu olhar caiu na encosta que se encontra-
va à sua frente. De início não soube o que fazer
daquilo que estava vendo; mas quando se recor-
dou, começou a correr.
— Encontrei alguma coisa! — gritou para
dentro de seu microfone de capacete. — Ve-
nham cá!
Gesticulando com os braços, subiu pela en-
costa. Deslocou-se em saltos grotescos de qua-
83
tro metros e num instante chegou ao objeto que
lhe prendera a atenção.
Estava afundado na areia pela metade. Esta
formava montículos de um lado e de outro,
como se o objeto tivesse sido enfiado no solo à
força.
Deringhouse levantou-o. Parecia ser feito de
chapa metálica bem fina. O metal já não se
apresentava reluzente e colorido como da últi-
ma vez em que o vira.
Além disso, já não tinha nada do formato de
uma esfera. A mesma força que comprimira o
objeto solo a dentro transformara-o num mon-
tão disforme de chapas coloridas. Mas não ha-
via a menor dúvida de que se tratava da mesma
esfera, ou ao menos de uma esfera do mesmo
tipo daquela com que se haviam deparado du-
rante o vôo em direção ao leste.
Depois de contemplar o montão de chapas
por algum tempo, Perry Rhodan chegou à mes-
ma conclusão. Face à reduzida espessura, o ob-
jeto era bem leve. Os dois não tiveram a menor
dificuldade em carregar os restos daquilo que
fora uma esfera e colocá-los num dos câmbios.
Deringhouse voltou ao lugar em que havia
encontrado o objeto. Rhodan preveniu-o.
— Se essa esfera teve uma tripulação, a
mesma ainda está viva — gritou atrás dele. —
84
No meio deste montão de lata não há mais
nada. Portanto, fique com os olhos bem aber-
tos.
Deringhouse atingiu o lugar sem a menor di-
ficuldade. Ficava perto do cimo de uma colina.
Subiu ao topo e lançou os olhos em torno. Já
estava prestes a ir embora quando, sob o refle-
xo do sol que baixava rapidamente no ocaso,
viu um traço escuro que subia em diagonal pela
encosta da colina mais próxima.
Alcançou o local em três saltos. Lá encon-
trou exatamente o que esperava: pequenas de-
pressões em forma de orifícios, em duas fileiras
paralelas. O intervalo entre um orifício e outro
era de vinte e cinco centímetros, e cada fileira
distava um palmo da outra.
Outro detalhe:
O rastro começava no lugar em que se en-
contrava, terminando uns vinte metros abaixo.

***

Dali a uma hora trouxeram Fellmer Lloyd. O


sol já se pusera, e procuravam-no com os holo-
fotes manuais.
Lloyd chegara ao máximo de esgotamento.
Rhodan mandou colocá-lo num dos veículos,
desistindo por enquanto de interrogá-lo ou fa-
85
zer-lhe um sermão.
Tiraram do veículo de Lloyd tudo que pode-
ria ser aproveitado. Feito isso, logo se puseram
no caminho de volta. Pouco depois chegavam
ao acampamento. O tenente Tanner pareceu
respirar aliviado quando viu os dois câmbios
pousarem.
Lloyd foi devidamente abrigado e provido de
tudo que precisava. Rhodan transmitiu um rela-
to minucioso à Stardust-III. Reginald Bell res-
pondeu o seguinte:
— Teria sido preferível que Lloyd tivesse
deixado sua tolice para outro dia. Bem que pre-
cisaria dele. Aqui a bordo tudo está numa con-
fusão tremenda.
Relatou uma série de incidentes. Alguém
abrira a escotilha externa de uma das compor-
tas de ar enquanto a escotilha interna estava
aberta, muito embora isso não devesse aconte-
cer face ao dispositivo eletrônico de segurança.
Em conseqüência disso a Stardust-III perdeu al-
guns milhares de metros cúbicos de ar respirá-
vel dos depósitos que ficavam junto à compor-
ta. Felizmente ninguém se encontrava naquela
área da nave, e as escotilhas de segurança, que
funcionavam automaticamente, evitaram que o
incidente assumisse proporções catastróficas.
Em virtude do acidente, Bell ordenara que
86
mesmo no interior da nave todos andassem
constantemente com os trajes espaciais comple-
tamente fechados.
— Mandarei Lloyd para aí assim que o te-
nha interrogado — prometeu Rhodan. — Mas
acredito que por aqui atingiremos nosso objeti-
vo antes que ele consiga alguma coisa com uma
busca por toda a nave.
Como pela meia-noite Fellmer Lloyd ainda
não estivesse em condições de ser interrogado,
Rhodan tentou dormir algumas horas. Passara
por vinte e cinco horas enervantes. Embora a
medicina arcônida conhecesse alguns medica-
mentos que espantavam o sono sem efeitos co-
laterais danosos, preferia recorrer a um sadio
repouso.
Era bem verdade que os pensamentos que
lhe enchiam a mente retardaram o sono. Ocu-
pava uma barraca juntamente com Tanner e
Deringhouse. Os dois oficiais dormiam tranqüi-
lamente e, ao que parecia, despreocupados.
Em compensação a mente de Rhodan ocu-
pou-se mais intensamente com os acontecimen-
tos das últimas horas. Quanto mais refletia,
mais se convencia de que a posição da Stardust-
III naquele mundo se tornara praticamente in-
sustentável.
De início o inimigo desconhecido experi-
87
mentara suas capacidades telecinéticas em obje-
tos bem simples, tais como chaves de apenas
duas posições ou coisas leves e soltas.
Posteriormente passou a realizar ações diri-
gidas: o câmbio de Rhodan fora atingido por
uma pedra, o condutor de outro veículo quase
foi morto.
E agora, no terceiro estágio dessa luta estra-
nha, o adversário passara a especializar-se em
objetos mais complicados. Rhodan procurou
imaginar a dificuldade que um telecineta devia
experimentar para trabalhar com os complica-
dos comandos eletrônicos da comporta de ar, e
isso de tal maneira que a escotilha interna e a
externa ficassem abertas ao mesmo tempo.
Não conseguiu formar uma idéia clara dessas
dificuldades, pois não era telecineta.
Seria fácil adivinhar a evolução futura dos
acontecimentos. Quando o inimigo tivesse
aprendido a exercer uma influência telecinética
sobre o armamento da Stardust-III, a batalha es-
taria praticamente perdida.
Só havia duas alternativas: a retirada ou um
ataque fulminante. O inimigo teria de ser redu-
zido à impotência com tamanha rapidez que
não tivesse tempo para causar maiores estra-
gos.
Mas havia um problema: o inimigo não de-
88
via ser destruído quando conseguissem pôr as
mãos nele. Possuía conhecimentos úteis que le-
varam a Stardust até ali. Se o inimigo fosse des-
truído, tais conhecimentos provavelmente esta-
riam perdidos.
Rhodan lembrou-se de outros detalhes. Por
exemplo, a esfera reluzente e a bomba que
mandara sua barraca pelos ares. Por que o ini-
migo lançava mão de tais meios, se era um tele-
cineta tão capaz?
Como deveria ser interpretado o comporta-
mento daquela esfera? O campo de turbulência
que fizera o câmbio girar representaria uma ad-
vertência ou um ataque? Se não fosse nenhuma
das duas coisas, o que seria?
Será que o...
Uma luz verde acendeu-se junto à escotilha
da comporta. Rhodan acionou o contato que se
encontrava junto à sua mesa. A escotilha desli-
zou para o lado. Um dos homens de Tanner
entrou. Abriu o capacete e atirou-o na nuca.
— Lloyd recuperou a consciência — disse o
homem com a voz baixa.
Rhodan levantou-se.
— Está bem. Já vou. Movimentando-se com
um máximo de silêncio, a fim de não despertar
os dois homens que dormiam, fechou seu traje
espacial, colocou o capacete e saiu em compa-
89
nhia do ordenança. Lloyd fora colocado numa
barraca-depósito, que Rhodan levara naquela
expedição por não saber quantos prisioneiros
conseguiria capturar; ou então, quantos seriam
os feridos que precisariam de isolamento.
Montaram uma cama confortável para
Lloyd. Quando Rhodan entrou, este se encon-
trava de pé na barraca.
— Como vai? — perguntou Rhodan.
— Obrigado — respondeu Lloyd. — Já es-
tou bem.
Rhodan sentou na beira da cama de campa-
nha.
— Que idéia idiota foi essa?
Lloyd deu de ombros.
— Tive a impressão de que conseguiria mui-
to mais se fosse deixado a sós. Por isso peguei
o carro e saí por aí.
— Por pouco não vai muito mais longe do
que desejava — ironizou Rhodan.
Lloyd virou-se ligeiramente e ficou andando
pela barraca.
— É verdade. Mas tudo acabou bem.
— Escute, Lloyd! — disse Rhodan em tom
sério. — Quero que uma coisa fique clara de
uma vez por todas. Ei, o que é isso? Está ouvin-
do?
Lloyd continuara na sua perambulação. Esta-
90
va parado na outra extremidade da barraca, de
costas para Rhodan. A lâmpada que se encon-
trava na proximidade deste mal o iluminava.
Só se via a parte de trás da cabeça.
Rhodan espantou-se. Alguma coisa lhe cha-
mou a atenção.
Mas de repente não teve tempo para pensar
em mais nada. No mesmo instante em que
Rhodan levantou-se com um salto vigoroso e
abrigou-se atrás da mesa, Fellmer Lloyd virou-se
abruptamente. Segurava um radiador de impul-
sos térmicos; o raio finíssimo atingiu exatamen-
te o lugar em que um décimo de segundo antes
Rhodan estivera sentado.
A mesa atrás da qual Rhodan procurara
abrigo foi atirada para a frente. Rhodan saiu
logo atrás; não corria o menor risco. O raio lu-
minoso projetado pela sua arma atingiu Lloyd
bem no peito. Este conseguiu erguer o braço,
mas não chegou mais a apertar o gatilho. Caiu
ruidosamente ao solo.
Rhodan esperou algum tempo antes de sair
de detrás da mesa.
Passando por cima do cadáver, saiu da bar-
raca e chamou os guardas.
Um dos homens de Tanner fazia o papel de
médico. Antes de ligar-se a Rhodan pertencera
a uma equipe sanitária; entendia alguma coisa,
91
desde que não se tratasse de assuntos muito
complicados.
— Examine-o! — ordenou Rhodan.
Àquela hora todo o acampamento estava de
pé. Os homens não falavam muito. Estavam ge-
lados de susto, porque um dos companheiros se
atrevera a tirar contra o chefe.
Rhodan e Deringhouse permaneceram ao
lado do enfermeiro, enquanto este examinava o
cadáver.
— Você lhe aplicou uma injeção, não apli-
cou? — perguntou Rhodan.
— Uma só? — respondeu o enfermeiro. —
Estava tão acabado que antes da quinta injeção
nem sabia como se chamava.
Despiu o cadáver de Lloyd e colocou-o sobre
uma mesa comprida e estreita.
— Corte-o em pedaços! — ordenou Rho-
dan.
O enfermeiro sobressaltou-se.
— O quê? Não sei fazer isso.
— Faça o que mando!
O enfermeiro engoliu em seco.
— Sim senhor.
Deringhouse fitou Rhodan de lado.
— Espera encontrar algo de extraordinário?
Rhodan fez que sim.
— Já viu Lloyd por trás? — perguntou.
92
Deringhouse não sabia o que fazer com a
pergunta.
— Não — respondeu em tom hesitante.
— É uma pena. Na parte de trás da cabeça,
Lloyd tinha uma pequena calva, do tamanho de
uma moeda de meio dólar. Isso era bastante es-
tranho, porque no resto da cabeça ostentava
uma cabeleira bastante espessa.
Deringhouse estreitou os olhos.
— E daí?
Rhodan apontou para o cadáver.
— Este Lloyd não tem nenhuma calva. Toda
a cabeça está coberta de cabelos.
O enfermeiro começou a trabalhar. Rhodan
nunca vira um rosto mais pálido.
— O que houve? — perguntou.
— Não há sangue — disse o enfermeiro
com a garganta apertada. — Nem uma única
gota.
Rhodan pôs-se de pé e levantou a perna am-
putada. O corte já não parecia de uma perna.
Um círculo de cerca de cinco centímetros de es-
pessura, feito de um plástico que imitava a pele
humana, envolvia um osso que brilhava na luz
da lâmpada.
— É metal! — disse Deringhouse com um
gemido.
Rhodan confirmou com um aceno de cabe-
93
ça.
— Essa fera não passa de um robô.

Face às últimas ocorrências, ninguém mais


duvidava de que algo de muito grave devia ter
acontecido ao verdadeiro Fellmer Lloyd, que a
essa hora já devia estar morto.
Alguém o aprisionara e o utilizara para fazer
um robô que com ele se parecesse o suficiente
para não ser desmascarado antes de matar o
chefe dos intrusos.
Mas, contrariando todos os prognósticos, no
dia seguinte, pouco depois do nascer do sol,
Fellmer Lloyd desceu cambaleando uma das co-
linas situadas ao norte. Estava tão fraco das
pernas que se deixou cair assim que percebeu
que alguns dos homens haviam notado sua pre-
sença.
Ormsby, o enfermeiro que na noite anterior
tivera aquele azar com o Lloyd robotizado, vol-
tou a ter o que fazer. Acontece que desta vez o
Lloyd que via diante de si tinha uma pequena
calva na parte traseira da cabeça e, ao exami-
nar seus ossos com uma sonda finíssima, ex-
traiu cálcio verdadeiro.
Rhodan aguardou febrilmente até que pudes-
94
se interrogar Lloyd. Os apelos de Reginald Bell,
vindos da Stardust-III, tornavam-se cada vez
mais insistentes. O inimigo pusera a funcionar
um dos radiadores de impulsos de calibre mais
leve, queimando um sulco de mais de cem me-
tros de comprimento na areia antes que alguém
percebesse o que estava acontecendo e desli-
gasse o aparelho.
Provavelmente Lloyd dispunha da chave do
mistério. Rhodan decidiu suspender imediata-
mente as buscas e abandonar o planeta Vaga-
bundo ao menos por algum tempo, exceto se
Lloyd pudesse fornecer alguma indicação.
Ormsby lançou mão de todos os recursos de
que dispunha. Pouco antes do meio-dia Lloyd
estava em condições de ser interrogado. Rho-
dan foi formulando perguntas até que o mutan-
te quase sucumbiu de cansaço. O que descobriu
foi o seguinte:
A direção do cambio em que Lloyd viajava
falhou de repente e o veículo caiu. Por algum
tempo Lloyd ficou inconsciente. A primeira coi-
sa que viu ao despertar foi o cadáver do rato-
castor junto ao veículo; logo a seguir viu uma
esfera reluzente que flutuava pouco acima do
cadáver.
Desceu e procurou se comunicar com os
ocupantes da esfera. Mas de repente esta dispa-
95
rou para o alto, como se tivesse sido puxada
por um fio invisível, e logo a seguir, numa vio-
lência incrível, foi atirada de encontro à encosta
da colina. Lloyd notou que ficou achatada.
Depois teve a impressão de que devia afas-
tar-se do palco dos acontecimentos até que che-
gasse socorro. Armado unicamente com o radi-
ador de impulsos, sentia-se indefeso diante do
inimigo. Foi se arrastando entre as colinas; mas
não havia andado muito longe quando alguma
coisa que não vira chegar atingiu-o na cabeça e
deixou-o inconsciente.
Ao despertar, viu-se no interior de uma es-
pécie de pavilhão de fábrica. Era bem grande,
mas o teto era incrivelmente baixo. Viu uma
porção de máquinas completamente desconhe-
cidas e aproximadamente uma dezena de seres
de pequena estatura que as manipulavam. De-
pois de alguns minutos percebeu que esses se-
res deviam ser mecanizados — eram robôs.
Não tinham a menor semelhança com um ser
humano. Não dispunham de cabeça, mas em
compensação ostentavam um círculo de braços
e duas pernas que terminavam em pilões me-
tálicos bem polidos.
Ele mesmo estava deitado numa espécie de
maca e não podia se mover, embora não esti-
vesse amarrado. Concluiu que deviam ter intoxi-
96
cado seus nervos. Haviam retirado seu capacete
espacial; todavia, conseguia respirar perfeita-
mente o ar daquele pavilhão, muito embora em
sua opinião, cheirasse mal.
Depois de uns trinta minutos alguns robôs
carregaram-no para uma saleta contígua ao pa-
vilhão. Sentaram-no numa cadeira. Pensou que
se tratasse de um detector de mentiras, até que
levou outra pancada e voltou a desmaiar.
Quando voltou a despertar, viu-se em outra
sala. Não havia ninguém por perto; seu capace-
te espacial estava jogado no chão. Colocou-o
na cabeça e tentou abrir a porta da sala. Conse-
guiu. A porta dava para o pavilhão de fábrica
que já havia visto. Os robôs não estavam mais
por lá. Deu uma busca pelo pavilhão e encon-
trou uma saída. Atrás dela havia um elevador
que conduzia para cima. Subindo pelo mesmo,
descobriu que por todo esse tempo estivera em
baixo da superfície do planeta.
O poço do elevador terminava no flanco de
uma colina. Como ninguém o impedisse, Lloyd
pôs-se a andar. Tentou entrar em contato com
o acampamento através do seu transmissor de
capacete, mas viu que o haviam destruído. Sem
dúvida acreditavam que dessa forma conseguiri-
am segurá-lo.
Apesar de tudo resolveu arriscar. Depois de
97
marchar a esmo durante algumas horas da noi-
te acabou chegando ao acampamento, esgota-
do, faminto e com sede. Era bem mais provável
que tivesse passado por outro lado.
Sim, era bem possível que conseguisse loca-
lizar o pavilhão de fábrica. E tivera oportunida-
de de estudar modelos de vibrações cerebrais.
Eis a surpresa:
— Já estudei inúmeros modelos — disse
Lloyd. — Inclusive de gente completamente di-
ferente de mim. Mas nunca vi coisa parecida
com o que encontrei por aqui. Existem duas
classes fundamentais de vibrações. A primeira
revela uma disposição brincalhona fantástica,
quase ridícula. Já a segunda exprime um ódio
tão profundo que dá dor de cabeça. Ódio con-
tra o intruso, ódio contra tudo que não é daqui.
Em minha opinião os seres que irradiam simul-
taneamente as duas classes de vibrações só po-
dem ser aleijados espirituais. A tendência de
brincar e o ódio profundo são tão incompatíveis
como...
Procurou duas concepções de seu arsenal
mental que fossem tão incompatíveis como
aquilo, mas não se lembrou de nada.
— Chegou a ver um desses seres em que se
reúnem essas espécies de impulsos? — pergun-
tou Rhodan.
98
Lloyd sacudiu a cabeça.
— Não. Só vi esses pequenos robôs.
— Ódio e tendência brincalhona, as duas
sempre surgem ao mesmo tempo?
— Não. Quando estava deitado no pavilhão,
só percebi o ódio. Quando tentei me afastar do
câmbio, percebi o ódio e a tendência brincalho-
na ao mesmo tempo.
Com isso Rhodan já sabia qual era a próxi-
ma coisa a fazer. Pediu a Bell que mandasse
mais cinco câmbios tripulados com quarenta
homens bem armados. Assim que chegassem
esses reforços, pediria a Fellmer Lloyd que pro-
curasse localizar o pavilhão em que estivera
preso. Depois resolveriam sobre o que deviam
fazer.

***

A bordo da Stardust-III nada de importante


havia acontecido. Apenas um dos geradores an-
tigravitacionais gerara em alguns setores da
nave campos de gravitação cuja intensidade ia
até 15 g.
Alguns homens sofreram fraturas e como-
ções cerebrais. Demorou quinze minutos até
que conseguissem desligar o gerador que se en-
volvera num campo gravitacional de elevada
99
potência.
Crest e Thora estavam desesperados. O de-
sespero provinha não só do medo, mas tam-
bém do fato de que não estavam em condições
de desistir do empreendimento e abandonar o
planeta Vagabundo. Crest procurara convencer
Rhodan, mas esse “terráqueo nojento e teimo-
so”, conforme dissera Thora numa irrupção de
fúria, declarou que só daria ordem de retirada
quando a situação fosse realmente desesperado-
ra.

***

Ninguém acreditava que o inimigo não ofe-


receria resistência à sua penetração na base
subterrânea. Rhodan dirigiu seu câmbio, no
qual ainda viajavam Fellmer Lloyd, o major Nys-
sen, que comandara o contingente de reforços,
e alguns tripulantes. Avançava com o máximo
de cautela.
Lloyd orientava a viagem. Às vezes indicava
a direção errada, mas aos poucos a coluna foi
avançando.
A tarde já ia chegando ao fim, quando um
incidente imprevisto lhe mostrou que se encon-
travam perto do objetivo.
O major Deringhouse, que comandava o se-
100
gundo veículo, voava atrás de Rhodan, ligeira-
mente de lado. Rhodan mandara que todos se
mantivessem na mesma altitude que ele. Para
retardar o mais possível a sua descoberta, não
se elevava a mais de um metro solo. Com isso
reunia a liberdade de movimentos da viagem
acima do solo com as vantagens da proteção
que a proximidade deste lhe oferecia.
Deringhouse fez-se ouvir pelo telecomunica-
dor.
— O pôr do sol será dentro de doze minu-
tos. Acredita que...
Foi quando as fúrias do inferno ficaram às
soltas. Rhodan já conhecia o fenômeno. Uma
força brutal tirou-o do assento e procurou atirá-
lo contra a parede. O mundo girava diante do
pára-brisa.
Mas Rhodan estava preparado. Reunindo as
últimas forças, manteve-se no assento e berrou
para dentro do microfone:
— Pousar e descer dos carros! Procurem um
abrigo!
Com um esforço desesperado sua mão con-
seguiu atingir o painel de controle. O gerador
opôs toda sua potência à influência estranha e
conseguiu retardar o movimento de rotação.
Rhodan reverteu os jatos e fez com que o veícu-
lo, que continuava a girar, recuasse para além
101
do cume da colina mais próxima.
Nem por isso a influência estranha cessou,
porém tornou-se mais fraca. Rhodan obrigou o
carro a descer e pousou-o na areia. Executou
mais um giro e meio sobre seu eixo vertical an-
tes que o atrito do solo absorvesse a energia ir-
radiada pela arma desconhecida.
Rhodan e seus homens desceram, ainda um
tanto confusos. Nyssen, cuja cabeça batera em
alguma coisa, cambaleava um pouco.
O veículo de Deringhouse levara uma des-
carga menos potente. Deringhouse. reagira
imediatamente, abrigando-se atrás da colina. Os
outros câmbios nem sentiram o ataque, pois na-
quele momento apenas dois deles haviam saído
de trás da colina. Tiveram tempo para fazer
meia-volta e pousar.
Os membros da expedição usavam trajes
transportadores arcônidas, que geravam cam-
pos protetores individuais. Além disso, estavam
equipados com um dispositivo que permitia a
adaptação de um capacete espacial. Com isso o
traje transportador transformava-se num traje
espacial completo.
Rhodan mandou que os homens avanças-
sem até o cimo da colina. O sol estava no oca-
so; quando chegaram ao cume só conseguiram
enxergar com os visores infravermelhos.
102
Fellmer Lloyd encontrava-se na fileira mais
avançada.
— Com os mil demônios! — praguejou bai-
xinho. — Estas colinas são todas iguais, mas
acredito que o pavilhão fica embaixo daquela
ali.
— Em que ponto termina o poço do eleva-
dor? — perguntou Rhodan.
— A uns dez metros acima do pé da colina,
e quase no centro do flanco da mesma.
Rhodan não conhecia as armas do inimigo,
nem podia esperar que as mesmas lhe fossem
apresentadas uma por uma. Reuniu cinco dos
seus homens e avisou-os de que teriam que sair
do seu abrigo e aparecer diante do inimigo.
— Também irei — disse para animá-los.
O major Nyssen trouxera trajes transporta-
dores em número suficiente; havia pelo menos
um para cada membro da expedição. Rhodan
trocou o traje espacial que usava no interior do
carro por um dos trajes transportadores, colo-
cou o capacete e executou os controles prescri-
tos.
Puseram-se a caminho.
Sem maiores precauções subiram a colina e
desceram do outro lado. Rhodan ia à frente, os
cinco companheiros seguiam-no em fila india-
na. Dessa forma ofereciam um alvo menor ao
103
inimigo que talvez estivesse escondido na colina
mais próxima.
Rhodan colocou o filtro infravermelho no vi-
sor do capacete. Iluminou o terreno com um
holofote infravermelho e procurou localizar
qualquer indício de ter sido descoberto.
O indício não demorou a aparecer. Rhodan
viu uma coisa escura aproximar-se num movi-
mento desajeitado. Atrás dele alguém gritou em
tom de pânico:
— Protejam-se!
Só Rhodan continuou de pé.
Seguiu-se um raio ofuscante e um estrondo
que os microfones de capacete transmitiram
numa altura suportável. A uns dez metros à di-
reita de Rhodan abriu-se uma cratera do mes-
mo tamanho daquela que duas noites antes des-
truíra sua barraca.
A pressão desencadeada pela explosão devia
ter sido tremenda. Na borda da cratera havia
um grande montão de areia. Mas os campos
protetores dos trajes que os homens enverga-
vam desviaram a pressão.
Os homens levantaram-se.
— Quem foi o idiota que gritou protejam-se?
— perguntou Rhodan.
— Fui eu — respondeu alguém. — O cabo
Seaborg.
104
Seaborg levantou a mão, para que Rhodan
soubesse de quem partiu a informação.
— Seu idiota! — gritou Rhodan num tom
que era mais galhofeiro que zangado. — Procu-
re se lembrar de que está usando um traje pro-
tetor que gera um campo energético individual.
Se aparecer alguma coisa a que esse campo
não puder resistir, não adianta procurar se pro-
teger de outra forma. Continue marchando e
não atrase mais a nossa viagem.
— Sim senhor! — respondeu Seaborg.
Prosseguiram. O inimigo mantinha-se quie-
to; ao que parecia, reconhecera a inutilidade de
suas antiquadas granadas de mão.
Atingiram a depressão entre as duas colinas
antes que começasse o drama propriamente
dito.
Subitamente alguém soltou um grito estri-
dente e prolongado. Ao se virar, Rhodan viu
um dos cinco homens turbilhonando pelo ar.
Compreendeu imediatamente.
— Recuar! — gritou. — Para trás da colina!
Arrastou dois homens que demoraram a
compreender. Já havia percorrido a metade do
caminho quando o pavoroso campo rotacional
atingiu outro homem e arrastou-o consigo. Aju-
dados pela reduzida força gravitacional, subiram
a colina a largos saltos e conseguiram colocar-
105
se em segurança antes que o inimigo pudesse
agarrar a terceira vítima.
Os gritos estridentes dos dois homens carre-
gados pelo ar soaram nos receptores de capa-
cete. Desapareceram para o lado do sul. Rho-
dan procurou localizá-los por meio do holofote,
mas não encontrou sinal deles.
Subitamente os gritos cessaram. Nos recep-
tores de capacetes ouviram-se duas pancadas
surdas; depois só houve silêncio.
— Tenente Tanner!
— Pronto!
— Pegue um dos câmbios e leve três ho-
mens! Procure os dois homens.
— Sim.
Tanner vira os dois homens sendo arrasta-
dos pelo ar. Conhecia a direção em que a arma
inimiga os tangera. Calado e furioso pôs-se a
caminho com três homens.
Rhodan descobrira o que desejava. Mas isso
custara a vida de dois dos seus homens.
Os campos rotacionais que o inimigo sabia
produzir atingiam qualquer inimigo, mesmo que
este se envolvesse num campo protetor. Não
podiam penetrar por esse campo; mas arrasta-
vam-no, e o efeito era o mesmo. Quem usasse
um campo protetor estava preso ao mesmo;
quando este descrevesse um movimento de ro-
106
tação, o indivíduo giraria com ele.
Teriam de atacar com recursos mais eficien-
tes. Com os meios de que dispunha a pequena
expedição não conseguiria subjugar o inimigo.
Rhodan arrastou-se para junto de Fellmer
Lloyd.
— Percebe alguma coisa? — perguntou.
— Percebo, sim — respondeu Lloyd. — Isso
me dá dor de cabeça o tempo todo. Ali do ou-
tro lado existe alguém que tem um ódio tama-
nho por nós que não pode ser expresso por pa-
lavras.
Deringhouse estava deitado por perto. Vez
por outra levantava a cabeça por cima do topo
da colina e olhava pelo seu binóculo infraver-
melho.
— Que Deus tenha compaixão de nós —
murmurou. — Quem sabe se uma hora destas
não se lembrarão de que podem perfeitamente
sair do seu esconderijo e nos atacar aqui mes-
mo?

***

Tanner voltou pela meia-noite. Encontrara


os dois homens; estavam mortos. Os envoltó-
rios protetores dos seus trajes não haviam resis-
tido às forças tremendas a que estiveram sujei-
107
tos. Quando cessou a influência da arma desco-
nhecida, já haviam sido neutralizados. Caíram
de uma altura considerável e, apesar da gravita-
ção reduzida, morreram das lesões sofridas an-
tes que Tanner os encontrasse.
Rhodan sentiu-se tomado de uma raiva fria.
Pensou em chamar a Stardust-III para atacar
a base inimiga com as armas bem mais poten-
tes que se encontravam a bordo da mesma.
Mas chegou à conclusão de que seria preferível
realizar mais dez tentativas antes de arriscar a
nave.
Refletiu.
Mas aconteceu uma coisa que tornou inúteis
todas as reflexões.
Começou com um ribombar semelhante ao
de um trovão. Antes que conseguissem desco-
brir a origem do ruído, sentiram o chão tremer.
Poucos segundos depois uma fenda larga
abriu-se na colina que abrigava o inimigo.
Um dos câmbios começou a balançar e dei-
tou-se de lado.
— É um terremoto! — gritou alguém.
Rhodan contemplou a fenda que se abrira
na colina oposta. Subitamente compreendeu
que nunca mais teria uma chance como esta.
— Vamos! — gritou. Subiu ao topo da coli-
na e agitou os braços, para que todos o vissem.
108
— É este o momento que esperávamos.
Demorou alguns segundos até que os ho-
mens conseguissem pôr-se de pé. A intensidade
do tremor de terra aumentara. Alguns dos ho-
mens cambalearam, porque subitamente o chão
se encorcovava debaixo de seus pés.
Mas logo passaram pelo cume da colina
numa frente única. Uma vez do outro lado, pu-
seram-se a correr. Desceram a encosta em sal-
tos largos e baixos. Atravessaram a depressão
entre as duas colinas.
O inimigo permanecia em silêncio.
Enquanto corriam, Rhodan aos gritos indi-
cou o lugar em que, segundo as informações de
Lloyd, devia desembocar o poço de elevador.
De longe não se via nada, mas quando atingi-
ram o ponto indicado, viram que em plena en-
costa havia uma plataforma; era um quadrado
de cerca de dois metros de lado.
Fellmer Lloyd abriu caminho para a frente.
— É aqui! — disse, ofegante.
Caiu para a frente e com ambas as mãos
limpou a areia da plataforma. Logo apareceu
um material liso e cinzento. Rhodan desligou o
holofote infravermelho e recorreu à luz visível.
Lloyd apalpou a placa cinzenta; subitamente
a mesma escorregou para o lado. Atrás dela
tudo estava escuro. Rhodan dirigiu a luz para lá.
109
Viu um poço cujo corte transversal era idêntico
ao tamanho da plataforma, e que tinha uns dez
ou quinze metros de profundidade.
Era um elevador antigravitacional. Rhodan
atirou um pouco de areia no poço e viu que
descia bem devagar.
— Vamos entrar! — disse.
Desceu em primeiro lugar, seguido de perto
por Fellmer Lloyd. Acima deles o poço encheu-
se de homens que tinham pressa de chegar em-
baixo.
De tanto nervosismo ninguém mais se lem-
brara do terremoto. Rhodan aguçou o ouvido
enquanto descia pelo poço. Por cima do mur-
múrio dos homens continuava a ouvir o trovejar
no interior do planeta. O tremor de terra ainda
não havia passado, mas tudo indicava que se
deslocara para outra região.
Poucos segundos depois sentiu chão firme
sob os pés. O elevador dava para um tipo de
ante-sala. Pela descrição de Lloyd, a porta que
se via na parede oposta devia ser a entrada do
pavilhão da fábrica.
Rhodan esperou até que a ante-sala se en-
chesse com os homens que desciam pelo eleva-
dor.
Depois ergueu o pesado radiador de impul-
sos térmicos e despedaçou a porta.
110
Uma luz ofuscante envolveu-os. A saltos lar-
gos deixaram a porta atrás de si, já que lá for-
neceriam um alvo bem visível ao inimigo; prote-
geram-se atrás do abrigo mais próximo que
conseguiram encontrar.
Não houve a menor defesa, constatou Rho-
dan perplexo. O que teria acontecido?
O pavilhão correspondia à descrição de
Lloyd. Era grande, mas incrivelmente baixo. As
máquinas espalhadas por ali — algumas delas
fixadas ao solo, outras colocadas sobre suportes
móveis — não lembravam nada que Rhodan ja-
mais tivesse visto. Era uma tecnologia estranha
num mundo desconhecido.
Onde estariam os robozinhos?
Seus homens espalharam-se. Mesmo que os
robôs se lançassem a um contra-ataque, depois
de se terem recuperado do susto causado pelo
terremoto, não conseguiriam expulsar o inimi-
go.
Fellmer Lloyd fez um sinal para Rhodan.
— O que houve?
— Não sinto mais nada — respondeu Lloyd.
— Parece que as aves abandonaram o ninho.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça
e levantou-se. Fez um sinal aos homens, para
que avançassem devagar, um grupo de cada
lado do pavilhão.
111
Avançaram alguns metros, sempre procu-
rando abrigo; mas quando viram que ninguém
lhes causava problemas, tornaram-se menos
cautelosos. Foram avançando, de pé junto à pa-
rede, enquanto Rhodan andava pelo corredor
central.
Quando já se aproximava do fim do pavi-
lhão, viu a estranha máquina que se encontrava
próxima à parede. Era a maior de todas, mas
até então as outras peças haviam lhe encoberto
a vista.
Era um cilindro achatado de cerca de quinze
metros de diâmetro e tão alto que tocava o
teto. Lembrava um acelerador de partículas de
tamanho médio. Rhodan não pôde distinguir se
era compacto, ou se apenas representava um
envoltório. Mas percebeu à primeira vista que
fora inutilizado pelo terremoto. O lado esquerdo
do cilindro estava inclinado e uma fenda percor-
ria o revestimento metálico em ziguezague. Pa-
recia que o chão se levantara abaixo da máqui-
na.
Subitamente Rhodan viu os robôs.
Eram formados principalmente por um tron-
co eliptóide, feito de uma massa cinzenta que
emitia um brilho metálico. Do tronco eliptóide
saíam duas pernas curtas sem pés; do outro
lado via-se uma espécie de círculo giratório, ao
112
qual estava presa uma série de braços curtos.
De pé, a coisa devia ter cerca de um metro
de altura, calculou Rhodan.
Quinze robôs estavam atirados ao chão dian-
te do cilindro avariado; devia ser toda a equipe
do pavilhão subterrâneo.
Rhodan mandou que os homens se aproxi-
massem. Cautelosamente desemaranharam
aquela confusão de robôs caídos. É bem verda-
de que num robô nunca se pode afirmar com
segurança se está totalmente inutilizado ou se
apenas ficou privado temporariamente da capa-
cidade de ação; todavia, ao que tudo indicava,
as maquinazinhas que tinham diante de si nun-
ca mais despertariam para sua vida mecânica.
— Vamos levá-los para fora! — ordenou
Rhodan. — Serão examinados a bordo da Star-
dust-III.
De início carregaram-nos à ante-sala em que
terminava o poço do elevador. Enquanto isso
Rhodan e Deringhouse examinaram o pavilhão.
Seguindo as indicações de Lloyd, encontraram
as pequenas salas contíguas, situadas à direita e
à esquerda do pavilhão. Mas não conseguiram
descobrir sua finalidade, tal qual acontecia com
as máquinas existentes no pavilhão.
Depois de uma busca de meia hora, Rhodan
convenceu-se de que ali não encontraria a infor-
113
mação que procurava. No pavilhão havia mais
de duas dezenas de máquinas esquisitas, nas sa-
las contíguas, outra dezena. Talvez fosse bem
interessante para a técnica terrena desmontar
as máquinas e procurar descobrir o princípio do
seu funcionamento.
Mas não encontraram a menor indicação so-
bre a posição galáctica do planeta da vida eter-
na.
Não seria este o lugar em que descobririam
alguma coisa. Só os céus poderiam saber por
que o grande imortal, que manipulava o jogo às
escondidas, mandara-os justamente a esse lu-
gar.
Rhodan esperou que os homens carregas-
sem os robôs mortos até a ante-sala. Depois
mandou que todos subissem — os homens e os
robôs. Não estava muito satisfeito. Gostaria de
fechar o pavilhão de tal maneira que ninguém
pudesse entrar nele até que concluíssem a bus-
ca daquilo que na verdade esperavam encontrar
no planeta Vagabundo, e tivessem tempo de
submeter o local a uma inspeção minuciosa.
Mas sabia perfeitamente que além desses
quinze robôs deviam existir muitos outros no
planeta Vagabundo, e que não tinha o menor
meio de impedir que estes e seus chefes voltas-
sem ao pavilhão assim que ele e seus homens
114
lhe dessem as costas.
Ligeiramente perturbado, subiu pelo poço
do elevador antigravitacional. Os homens esta-
vam esperando no flanco da colina. O sol bri-
lhava.
— Vamos aos carros! — ordenou Rhodan.
Os robôs eram bem pesados. Por mais forte
que fosse, cada homem não conseguiria carre-
gar mais de um de cada vez.
Rhodan seguiu no fim do grupo. Deringhou-
se ficou ao seu lado.
— Não encontramos muita coisa, não acha?
— perguntou.
Rhodan deu de ombros.
— Vamos aguardar! Acredito que consegui-
remos desmontar a memória dos robôs para in-
terpretar as informações armazenadas nos mes-
mos. Os inventores desses robôs são as pessoas
que procuramos. E as máquinas devem estar
em condições de dar alguma indicação sobre o
lugar em que essas pessoas podem ser encon-
tradas.
Quase por acaso Rhodan olhou para o reló-
gio embutido na manga esquerda de seu traje
espacial, que tinha um mostrador regulável: in-
dicava o tempo do planeta Vagabundo.
— Quatro horas, tempo local — resmungou
Rhodan. — Parece que está parado.
115
Deringhouse levantou o braço.
— Quatro horas e um minuto. Seu relógio
está em perfeitas condições.
Rhodan parou, segurou Deringhouse pelos
ombros e colocou-o numa posição em que po-
dia ver o sol vermelho.
— O nascer do sol está previsto para as seis
e tanto. Pode dizer-me por que essa coisa ver-
melha já está no céu às quatro da madrugada?

***

Os registros do terremoto, realizados pelos


instrumentos da Stardust-III, forneceram a expli-
cação do fenômeno.
O sol do planeta Vagabundo era uma estrela
em fase de regeneração. Era um sol moribundo,
pois o calor que irradiava estava diminuindo.
Por outro lado, porém, seu renascimento deve-
ria ocorrer num tempo que, medido em termos
astronômicos, não podia ser considerado muito
longo. Durante o estágio do esfriamento a ma-
téria solar contraía-se, formando no centro um
núcleo de densidade inconcebível. Cada deslo-
camento ocorrido no interior desse núcleo pro-
vocava um choque gravitacional, que se propa-
gava pelo espaço com a velocidade da própria
gravitação.
116
E havia mais. A parte do núcleo solar em
que não ocorriam deslocamentos formava um
anteparo que evitava a propagação do choque
gravitacional naquela direção. Por isso geral-
mente os deslocamentos provocavam áreas de
impacto bem delimitadas; alguém que, por
exemplo, se encontrasse no planeta Vagabundo
poderia não perceber nada de um deslocamen-
to desse tipo, enquanto alguém que se encon-
trasse numa nave espacial a alguns milhões de
quilômetros de distância sofreria toda a força do
impacto.
Acontece que desta vez o impacto provoca-
do pelo núcleo solar convulsionado atingira em
cheio o planeta Vagabundo, provocando um
deslocamento de seu eixo e um terremoto de
intensidade considerável.
Ninguém se deu ao trabalho de procurar
imaginar o que teria acontecido num caso des-
ses com um mundo que não fosse velho e res-
sequido como o planeta Vagabundo. Só o fato
de estar o mesmo resfriado até o miolo, não
tendo mais nenhum núcleo incandescente, e de
não haver mares em sua superfície evitara uma
verdadeira catástrofe. Depois de modificar a po-
sição de seu eixo, o planeta voltara ao repouso.
Esse fato explicava o estranho fenômeno
com que Rhodan se defrontara no início da ex-
117
pedição, quando efetuava um vôo de reconheci-
mento num dos caças espaciais da nave. Ao
que tudo indicava, o aparelho ficara sujeito a
um deslocamento idêntico no núcleo do sol do
planeta Vagabundo; e era evidente que o cho-
que nem de longe alcançara a intensidade da-
quele que havia provocado o terremoto.
Uma coisa era certa: fora o acaso que brin-
dara Rhodan com o pavilhão subterrâneo. O
choque gravitacional não fora provocado artifi-
cialmente; o sol do planeta Vagabundo o havia
produzido. E isso no exato momento em que
Rhodan mais precisava dele.
Rhodan e seus companheiros haviam retor-
nado à Stardust-III com os robôs capturados.
Apenas o tenente Tanner e dez homens perma-
neciam no acampamento situado no centro da
área coberta pelas colinas. Rhodan resolveu es-
perar até que os técnicos descobrissem quais os
dados armazenados na memória dos robôs.
Mas logo no início percebeu-se que a estrutura
dos seres mecanizados era tão complicada que
o trabalho da divisão técnica demoraria pelo
menos uma semana.
Rhodan ficou refletindo se deveria mandar
que Tanner e seus homens se recolhessem à
nave, ou se convinha completar a guarnição do
acampamento.
118
Mas aconteceu uma coisa que fez surgir uma
idéia nova em sua mente.
Foi uma surpresa completa. Por mais de
dois dias da contagem de tempo do planeta Va-
gabundo a calma reinara a bordo da Stardust-III.
O dia em que Rhodan procurou chegar a
uma decisão sobre o próximo passo começou
de forma bastante estranha. Pouco depois da
meia-noite um dos geradores gravitacionais co-
meçou a trabalhar intensamente, produzindo
gravitação até desprender-se da sua base, flutu-
ando na gigantesca sala dos geradores com um
ruído característico.
Os técnicos aproximaram-se dele com um
elevador flutuante de reparos. Através de uma
regulagem cuidadosa, conseguiram recolocá-lo
no solo.
Houve alguns incidentes de menor impor-
tância, mas o grande acontecimento só se veri-
ficou pelo meio-dia.
Depois de tomar um lanche na sala dos ofi-
ciais, Rhodan ia voltando para a sala de coman-
do, quando as sereias começaram a uivar. Pôs-
se a correr; quando chegou à sala de comando,
Reginald Bell começava a transmitir ordens
pelo telecomunicador.
— Todas as folgas canceladas. Primeiro gru-
po de sentinelas, ocupar a sala de máquinas.
119
Todas as peças de artilharia com guarnição du-
pla, em regime de prontidão. Todas as estações
rastreadoras com guarnição dupla, prontas para
entrar em ação. No arsenal do convés E uma
bomba arcônida desprendeu-se dos seus supor-
tes e flutua livremente no espaço. Alarma nú-
mero um.
Rhodan enrijeceu em meio ao movimento.
Uma bomba arcônida!
Era uma arma capaz de desencadear uma
reação nuclear incontrolável em qualquer ele-
mento de grau superior a dez, e mesmo num
elemento de ordem inferior, desde que o deto-
nador tivesse sido regulado para isso.
Os detonadores das bombas guardadas no
arsenal do convés E estavam regulados para
26. O número de ordem 26 correspondia ao
ferro! As paredes de metal plastificado da Star-
dust-III continham mais ferro que uma fábrica
de máquinas pesadas. Se a bomba explodisse, a
nave estaria perdida.
Bell concluiu sua mensagem. Voltou-se e viu
Rhodan.
— É isto mesmo? — perguntou em tom sé-
rio.
Rhodan fez que sim.
Thora aproximou-se de lado. Estava com os
olhos arregalados e caminhava como uma so-
120
nâmbula.
— Oh, não! — disse num suspiro. — Você
não pode fazer uma coisa dessas. Mande evacu-
ar a nave!
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Este seria o melhor meio de perdê-la. Su-
bitamente começou a mexer-se. Seu capacete
estava jogado sobre o assento do piloto. Colo-
cou-o sobre a cabeça, mas não o fechou.
— Comunicação ininterrupta! — disse laco-
nicamente.
E saiu.
Thora seguiu-o com os olhos; estava perple-
xa.
— Onde vai? — perguntou.
Rhodan estava tão ocupado que não teve
tempo para responder.
Três minutos depois da transmissão da men-
sagem a sala de comando começou a se encher
com tripulantes da nave. Bell indicou-lhe os lu-
gares que deviam ocupar e recomendou-lhes
que ficassem de olhos e ouvidos atentos.
— Rhodan está no arsenal do convés E —
disse em tom sério. — Qualquer instrução sua
terá de ser cumprida sem demora.
— Coloquem os capacetes e mantenham si-
lêncio absoluto nos seus transmissores.

121
***

Rhodan não foi sozinho. Os japoneses Tako


Kakuta e Tama Yokida acompanharam-no.
Eram mutantes. Rhodan ainda não sabia de que
lhe poderiam servir as faculdades de Kakuta, o
teleportador; de outro lado, porém, sabia per-
feitamente que precisaria do telecineta Yokida.
A sala de comando da Stardust-III ficava no
convés D. A diferença de altitude entre este e o
convés E era de perto de cento e cinqüenta me-
tros. O elevador antigravitacional ficava a cerca
de trezentos metros da entrada do arsenal.
O largo corredor havia sido evacuado. Bell já
mandara abrir a escotilha do arsenal; qualquer
um via de longe o ovo metálico reluzente que
permanecia no ar, aparentemente imóvel, a
cerca de três metros do solo e bem perto da es-
cotilha.
— Comece, Yokida! — disse Rhodan em
tom áspero. — Leve a bomba a um dos supor-
tes e segure-a.
Yokida atravessou a escotilha, de olhos fixos
na bomba. Sabia perfeitamente de que tipo era
a arma com que estava lidando; não poderia se
aproximar demais do detonador.
Ficou parado. Rhodan olhou-o; percebeu
que os tendões do pescoço tornavam-se cada
122
vez mais salientes. Subitamente Yokida camba-
leou e deu um passo para a frente; se Tako
Kakuta não se colocasse de seu lado com um
salto e o apoiasse, teria tombado.
— Não... não consigo! — gemeu Yokida. —
Está segurando demais.
Rhodan cerrou os punhos.
— Está segurando? Quem está segurando?
Empurrou o japonês para o lado.
— Tako! Preste atenção!
Tako sabia o que devia fazer. Rhodan jogou
todo o peso do corpo contra a bomba que de
forma tão estranha parecia flutuar no ar. O ja-
ponês estendeu os braços embaixo dela. Se o
telecineta desconhecido de repente deixasse de
exercer sua influência sobre a bomba, teria que
segurar o pesado artefato, pois do contrário
este cairia no chão, acionando o detonador.
Mas os esforços de Rhodan revelaram-se
inúteis. Quem estava brincando com a bomba
segurava-a tão bem que Rhodan não conseguiu
movê-la um milímetro.
— Temos que desmontá-la! — gemeu Rho-
dan. — Tako, traga as ferramentas.
Tako desapareceu.
Poucos instantes depois a bomba começou a
mover-se. Ansioso Rhodan seguiu a bomba
quando a mesma deslocou-se lentamente em di-
123
reção à escotilha e saiu para o corredor. Diri-
giu-se para o lado direito, onde ficava a com-
porta centro-norte.
Rhodan interpôs-se no seu caminho e mais
uma vez procurou segurá-la. O resultado foi o
mesmo, como se procurasse deter um tanque
em pleno movimento. A bomba empurrou-o
para o lado.
Continuou seguindo pelo corredor. Não ha-
via dúvida: queria ser levada comporta afora.
— Sala de comando!
— Pronto!
— Abrir escotilha interna da comporta cen-
tro-norte.
— Sim senhor.
A imensa escotilha de carga se abriu. A
bomba foi flutuando em direção a ela.
Tako Kakuta reapareceu. Carregava uma
caixa de ferramentas. Rhodan fez-lhe um sinal
para que se mantivesse afastado.
— Não precisamos mais disso. Fechem os
trajes espaciais.
Mantiveram-se logo atrás da bomba.
— Yokida!
— Sim senhor!
— Preste atenção à bomba. É bem possível
que de repente o desconhecido se canse da
brincadeira e solte-a. Se isso acontecer, você
124
terá que segurá-la.
Yokida confirmou com um aceno de cabeça.
Passaram pela escotilha. A bomba seguia a
menos de um metro à sua frente.
— Sala de comando! Feche a escotilha inter-
na e abra a externa. Rápido!
A ordem foi executada.
— Desligar os campos protetores.
— Campos protetores desligados.
Os dispositivos trabalharam a plena força.
Antes que a bomba tivesse atravessado a ampla
comporta, a pressão interna havia sido adapta-
da à pressão externa. A escotilha externa abriu-
se. Não havia a menor dúvida de que o desco-
nhecido pretendia levar a bomba para fora.
— A bomba está saindo da nave — infor-
mou Rhodan apressadamente. — Voltaremos a
ativar os campos protetores com o raio mínimo
assim que a bomba tenha ultrapassado a distân-
cia correspondente. Avise Tanner de que deve
retornar com seus homens o mais rápido possí-
vel, deixando para trás as barracas e os instru-
mentos. Se a bomba explodir nesta área cober-
ta de oxido de ferro, dentro de meia hora o pla-
neta Vagabundo será transformado numa imen-
sa tocha atômica.
A bomba saiu da escotilha. O raio mais re-
duzido do campo protetor terminava a cinqüen-
125
ta metros da parede externa da nave. Se a
bomba chegasse até lá sem explodir, ao menos
a nave estaria salva.
— Cuidado!
Subitamente, quando ninguém mais contava
com essa possibilidade, aconteceu! Por uma fra-
ção de segundo a bomba interrompeu sua lenta
caminhada, efetuou um giro de cento e oitenta
graus sobre seu eixo menor e foi caindo em di-
reção ao solo.
— Yokida!
O japonês segurou-se na borda da escotilha,
numa posição muito arriscada, com o corpo in-
clinado para fora. Tako Kakuta mantinha-se de
pé atrás dele, com os braços estendidos, pronto
para segurar Yokida se este escorregasse.
Rhodan deitou de bruços e avançou até a
borda da escotilha. Viu que a bomba, obede-
cendo à reduzida força gravitacional, descia jun-
to à parede da nave.
O convés E ficava bem na parte superior da
Stardust-III. Se não acontecesse um milagre, a
bomba atingiria a nave aproximadamente na li-
nha equatorial. O detonador agüentaria? Era
desta resposta que dependia a existência da
nave e a vida de seus tripulantes.
Uma impassibilidade férrea apossou-se de
Rhodan. Procurou avaliar a distância que a
126
bomba ainda poderia percorrer na sua queda.
Eram uns cinqüenta metros, talvez sessenta.
Yokida soltou um gemido abafado. Rhodan
esteve a ponto de voltar-se para ele; mas nesse
instante a queda da bomba foi se tornando mais
lenta.
Ainda faltavam vinte metros!
Uns cinco metros antes do impacto, o movi-
mento da bomba cessou. Por um instante ficou
parada, trêmula, e depois...
...depois voltou a subir. Primeiro lentamen-
te, depois com maior rapidez e segurança, até
que começou a aproximar-se da escotilha numa
velocidade considerável.
— Yokida! — gritou Rhodan. — Temos que
pegá-la!
Colocaram-se em posição. De tanto esforço
Yokida fechou os olhos; procurou dirigir a bom-
ba pelo tato. Ela aproximou-se cambaleante,
dois metros acima do solo da comporta.
— Um metro pra baixo! — ordenou Rho-
dan.
Yokida obedeceu. A bomba baixou e foi se
aproximando.
— Já!
Agarraram a bomba ao mesmo tempo. Por
um instante a mesma era tão leve que parecia
de papelão. Mas subitamente todo o peso da
127
mesma descansou sobre os braços dos homens,
fazendo porejar o suor em suas testas.
Ouviu-se um baque surdo; era Yokida que
caíra ao chão, desmaiado. Reunindo as últimas
forças que lhe restavam, empurrara-se na borda
da escotilha, caindo para o lado de dentro.
Carregaram a bomba para o arsenal.
Gemendo, com as mãos entrelaçadas embai-
xo da bomba, foram caminhando pelo amplo
corredor, entraram no arsenal e dirigiram-se à
armação de onde havia sido retirada a bomba.
Um último esforço, e...
— Cuidado!
...lá estava a bomba no seu lugar.
Com os dedos doloridos Rhodan trancou o
fecho que mantinha a bomba presa ao suporte.
Num movimento abrupto tirou o capacete.
Expelia o ar aos chiados por entre os dentes.
Sua mão tremia enquanto limpava o suor que
lhe penetrava nos olhos.
Tako olhou-o. Subitamente Rhodan sorriu.
— É isso! — disse, dando uma palmadinha
no ombro do japonês.

***

Um comando especial de cem homens tra-


balhou durante três horas para firmar toda a
128
munição armazenada nos arsenais de tal forma
que não seria nada fácil para o desconhecido
realizar outra experiência desse tipo.
Durante essas três horas Rhodan travou uma
discussão acalorada com Crest e Thora, os dois
arcônidas que se encontravam a bordo. Ambos
eram de opinião que com a última ocorrência
fora ultrapassado o limite do suportável, e o
melhor que tinham a fazer era abandonar o pla-
neta Vagabundo o quanto antes.
Rhodan não concordou. Já concebera um
novo plano. Não conseguiu convencer Crest e
Thora de que seria tolice desistir logo agora;
mas conseguiu explicar que o comandante era
ele e, se necessário, teria de dar suas instruções
sem sua concordância.
Depois de algum tempo Crest disse:
— Pois bem. Você é o comandante, e ja-
mais alguém haverá de dizer de um arcônida
que não sabe guardar a disciplina. Ficaremos
calados; mas é bom que fique sabendo que não
concordamos.
— Acabarão concordando quando nossa
missão estiver concluída — disse Rhodan em
tom conciliador.
Thora não disse nada. Mas em seus olhos
chamejava uma raiva como Rhodan nunca vira
igual.
129
Rhodan transmitiu suas instruções. Participa-
ria da nova expedição. Encareceu aos seus ofi-
ciais:
— Não temos um instante a perder. Quanto
antes nos pusermos a caminho, maiores serão
nossas possibilidades de sobrevivência.
No meio tempo o tenente Tanner havia che-
gado com seu grupo. Deixara as barracas e os
instrumentos para trás, conforme lhe fora orde-
nado.
Ao anoitecer a expedição estava pronta para
partir. Estava composta de dez câmbios; sete
deles estavam carregados com instrumentos e
armas de toda espécie. Rhodan fornecera dados
precisos sobre a expedição apenas a Crest e
Thora; a mais ninguém. Quando Reginald Bell
perguntou para que serviriam sete veículos car-
regados de armas e aparelhos complicados,
Rhodan respondeu:
— Vamos deixar esses estranhos brincarem
um pouco; mas num lugar em que isso não seja
tão perigoso para nós.

Ninguém melhor que Rhodan para saber


que a probabilidade de êxito não era superior a
sessenta por cento. A informação lhe fora for-
130
necida pelo cérebro positrônico.
Apesar disso decidiu realizar a expedição;
isso porque julgava preferível fazer algo que ti-
vesse uma possibilidade apenas regular de êxito
a permanecer inativo, além de que esperava
que sua iniciativa afastaria o perigo da Stardust-
III, que em sua opinião era extremamente preci-
osa.
Perto do acampamento em que o tenente
Tanner permanecera até o último instante fo-
ram montados os instrumentos. Rhodan fizera
questão de levar principalmente armas e apare-
lhos cuja manipulação era extremamente com-
plicada.
Todos concordavam que o desconhecido
agia tal qual uma criança. Avançava titubeante
dos brinquedos mais fáceis para os mais difí-
ceis. No estágio em que se encontrava não se
sentiria estimulado a levantar simplesmente al-
guns telecomunicadores ou outros instrumentos
jogados na areia.
Rhodan continuava convicto de que o abrigo
do desconhecido ficava na área das colinas, e
que só brincava com os objetos existentes a
bordo da Stardust-III por não encontrar nada
que ficasse mais perto.
A conjectura de Rhodan era a seguinte: co-
loquem alguma coisa bem debaixo do nariz
131
dele, e o desconhecido se manterá longe da
Stardust-III. Brincará com aquilo que estiver
mais à mão; e, se tivermos sorte, conseguire-
mos agarrá-lo enquanto estiver brincando.
O acampamento foi ampliado, para abrigar
todos os membros da expedição. Entre o acam-
pamento e o local em que estavam montados
os instrumentos havia uma colina de tamanho
regular. Dessa forma nada aconteceria aos ho-
mens que se encontrassem no acampamento,
ou que ficassem de sentinela junto ao topo da
colina, se o desconhecido resolvesse brincar
com as armas que se encontravam do outro
lado.
Rhodan explicou aos homens como seria o
inimigo.
— Por enquanto devemos admitir — disse
— que, tal qual os arcônidas fizeram e os ho-
mens farão, os robôs foram construídos segun-
do sua imagem. Portanto, devemos esperar um
ser sem cabeça, com um tronco elíptico, duas
pernas sem pés e um círculo com doze braços.
Tudo isso não deve ser maior que cinqüenta
centímetros. Assim que localizarem uma coisa
dessas, procurem capturá-la, quer seja um robô
ou um ser orgânico. De qualquer maneira não
será possível distinguir à primeira vista. Prestem
atenção às esferas reluzentes! Estão equipadas
132
com armas diabólicas, e não sabem interpretar
um aceno amistoso.
Puseram-se a esperar.
Aconteceram algumas coisas esquisitas, sem
que conseguissem avistar o inimigo. Um ca-
nhão de impulsos de calibre médio começou a
disparar de repente, girando loucamente. Abriu
sulcos de vários metros de profundidade nas co-
linas mais próximas, antes que voltasse à calma.
Os técnicos da Stardust-III informaram que
os arranhões existentes no telecomunicador de
bolso, furtado da barraca de Rhodan antes que
a mesma voasse pelos ares, tinham sido produ-
zidos por uma mão de robô.
Era um dado interessante; até então Rhodan
acreditava que a bomba havia sido colocada por
um ser orgânico, que também furtara o teleco-
municador. A descoberta dos técnicos provava
que também aquele atentado fora praticado por
um robô.
Além disso, os técnicos realizaram uma
análise C-14, a fim de determinar a idade dos
robôs. Constataram que sua idade era de pelo
menos oito C-14 tempos médios, ou seja, pelo
menos quarenta e cinco mil anos.
Era um dado surpreendente. Os robôs eram
mais velhos que a própria cultura arcônida.
Rhodan começou a suspeitar de alguma coi-
133
sa. Mas guardou a suspeita para si mesmo, pois
ainda não dispunha de qualquer prova de que a
mesma era verdadeira.
A suspeita não produziu qualquer modifica-
ção nos seus planos. Para a busca do mundo da
conservação celular pouco importava de que es-
pécie eram os seres que forneceriam a próxima
indicação.

***

Numa noite daquelas Fellmer Lloyd, de re-


pente, saiu gritando de sua barraca e despertou
todo o acampamento.
— Estão chegando! — gritou. — Sinto que
vão atacar!
Rhodan foi o primeiro a chegar perto dele.
Não duvidava de que aquilo que Lloyd sentia
correspondia à realidade; apesar disso deu-lhe
um soco nas costas para que recuperasse o
controle antes que todo mundo ficasse histéri-
co.
— Proceda como um homem sensato! —
gritou Rhodan. — O que houve?
— É o ódio! — fungou Lloyd. — Um ódio
terrível. Acordei com isso e minha cabeça está
zumbindo tanto que mal consigo ouvi-lo.
Rhodan correu para o alto da colina. Pelo
134
que informava Lloyd, o inimigo vinha do norte.
As duas sentinelas postadas no topo da coli-
na ainda não haviam percebido nada. Rhodan
mandou que outros o seguissem e se colocas-
sem atrás das peças de artilharia montadas ao
abrigo da colina.
Por mais estranho que fosse, Fellmer Lloyd
não percebeu nada do instinto brincalhão um
tanto infantil que reconhecera como segunda
característica da raça desconhecida.
— É só ódio! — resmungou em tom abafa-
do.
Rhodan transmitiu suas instruções.
— Só começaremos a atirar quando puder-
mos assumir a responsabilidade pelas conse-
qüências. Usem os projetores mentais e procu-
rem neutralizar sua vontade.
Era bem verdade que não acreditava que os
projetores mentais dessem resultado. Não é
possível hipnotizar um robô.
Passaram-se alguns minutos. Fellmer Lloyd
parecia sofrer cada vez mais com o ódio dos
desconhecidos. Deitado perto de Rhodan, com-
primia o capacete contra o solo e gemia.
Subitamente apareceram.
Com um salto elegante transpuseram o topo
da colina mais próxima e entraram na depres-
são em que Rhodan mandara montar os instru-
135
mentos.
Eram cinco esferas. Mesmo na escuridão re-
luziam, espalhando uma luz difusa. Ao que pa-
recia, conheciam perfeitamente o objetivo; não
se detiveram no fundo da depressão, mas foram
subindo em linha reta em direção ao topo da
colina.
Os projetores mentais começaram a funcio-
nar, sem o menor resultado. A distância foi di-
minuindo; todo mundo sabia o que iria aconte-
cer se as esferas atingissem o topo da colina.
— Fogo! — murmurou Rhodan.
Naquele instante ninguém sabia que efeito
as armas da Stardust-III produziriam nas esferas.
Tinham alguma esperança de que conseguiriam
ao menos manter o inimigo à distância.
Ninguém esperava o que estava por vir.
O campo descristalizante do desintegrador
postado no flanco esquerdo da colina atingiu a
primeira esfera. No mesmo instante a mesma
se iluminou no ribombar de uma explosão.
Quando os homens conseguiram enxergar de
novo, a esfera havia desaparecido e as demais,
desorientadas, iam descendo junto à encosta da
colina.
Os homens de Rhodan deram vasão à sua
fúria. Este quis fazê-los parar, pois tinha espe-
rança de capturar intacta ao menos uma das es-
136
feras. Mas antes que pudesse fazê-lo, os ca-
nhões dispararam salva após salva, desintegran-
do as esferas numa série de explosões fulguran-
tes.
A batalha da colina durara menos de dez mi-
nutos. As cinco esferas reluzentes haviam sido
destruídas e Fellmer Lloyd respirou aliviado,
porque viu-se livre da tremenda carga de ódio.
— Quando notou que o ódio diminuía? —
perguntou Rhodan. — Foi com a destruição de
alguma das esferas em particular?
Lloyd sacudiu a cabeça.
— Não é o que o senhor está pensando.
Acreditava que a maior parte das esferas estava
ocupada somente por robôs e que o desconhe-
cido em pessoa estava apenas em uma delas,
não é mesmo? Não foi isso. Com a destruição
de cada uma das esferas o ódio ia diminuindo, e
quando a última foi atingida, cessou por com-
pleto.
Isso deu o que pensar a Rhodan. A tese de
que toda aquela civilização consistia num exérci-
to de robôs e mais um ou dois seres orgânicos
sobreviventes começou a vacilar.
Perguntou-se se ainda valeria a pena espe-
rar. O inimigo fora vencido e provavelmente
não se arriscaria mais a atacar a colina. Se fos-
se assim, como fariam para agarrá-lo?
137
Estava convencido de que tudo permanece-
ria em silêncio por ali. Chamou de idiota uma
sentinela que, na manhã do dia seguinte, lhe
disse que um dos oscilógrafos instalados do ou-
tro lado da colina começara a funcionar, dese-
nhando amostras coloridas na tela.
Mas, quando Fellmer Lloyd despertou do
sono prolongado com que procurara recuperar-
se das canseiras da noite anterior, registrou
imediatamente as vibrações de um cérebro es-
tranho que, segundo dizia, era extremamente
brincalhão.

***

Rhodan dirigiu-se à sentinela que chamara


de idiota e pediu desculpas. Depois disso, subiu
a colina e permaneceu ao lado das duas senti-
nelas até que pôde notar com seus próprios
olhos três incidentes novos: um radiador de
nêutrons começou a disparar, uma calculadora
pôs-se a trabalhar e um refrigerador começou a
despejar ar liquefeito.
Embora ficasse satisfeito ao notar que o des-
conhecido continuava a entregar-se ao seu ins-
tinto brincalhão, descarregando-o sobre os ins-
trumentos montados nas proximidades, sentia-
se bastante confuso.
138
Não era apenas porque subitamente Lloyd
alegava que a vontade de brincar estava livre de
qualquer tipo de ódio, enquanto antes afirmava
que o ódio e o instinto brincalhão andavam es-
treitamente ligados, mas também porque o
comportamento do inimigo era inexplicável, a
não ser que se quisesse admitir que fosse esqui-
zofrênico.
Não pôde prosseguir nos seus pensamentos.
A voz de uma das sentinelas soou no receptor
de seu capacete. Parecia bastante exaltado:
— Há um movimento entre as duas colinas.
Quer vir até aqui para dar uma olhada?
Pela segunda vez naquela manhã Rhodan
subiu a colina e agachou-se atrás do topo. Fica-
ra admirado com o movimento que a sentinela
não conseguira identificar a uma distância de
trinta metros, mas agora ele mesmo estava ven-
do.
Alguma coisa se mexia embaixo da areia.
Parecia uma toupeira que procurava uma saída.
Dali a dez minutos subitamente surgiu um
buraquinho no solo. Uma coisa pontuda, mar-
rom, apareceu por um segundo e voltou a desa-
parecer. A areia voltou a se mover, circulando
em torno do buraquinho como a água em torno
do ralo de uma pia.
Dentro de algum tempo o diâmetro do bura-
139
co quintuplicou. Mais uma vez a coisa marrom
e pontuda voltou a aparecer; arriscou-se mais
um pedaço para fora, mas ao que parecia ainda
achava a abertura muito pequena. O trabalho
subterrâneo prosseguiu. Quando a impaciência
dos observadores alcançou o máximo, o buraco
atingiu um tamanho que permitiu a saída do ser
marrom de focinho pontudo.
Era um rato-castor, e seu comportamento
era bem estranho.
Saltou de um instrumento para outro e deu
mostras de sua curiosidade, farejando um por
um.
Ao que parecia, um pequeno aparelho de
refrigeração — o mesmo que entrara em ativi-
dade uma hora antes — foi o que mais lhe des-
pertou a curiosidade. O rato-castor sentou so-
bre as patas traseiras junto à máquina, esticou
as patas dianteiras pouco desenvolvidas e apal-
pou o revestimento de plástico com movimen-
tos um tanto desajeitados.
Erguido sobre as patas traseiras, o animal
media quase um metro. O refrigerador só tinha
metade dessa altura, e seu formato era o de um
cubo.
O rato-castor deu alguns saltos para trás, vi-
rou-se e pareceu encarar o aparelho.
Depois aconteceu uma coisa muito estranha:
140
a máquina ergueu-se do seu suporte e flutuou
no ar. O rato-castor permanecia sentado, imó-
vel, contemplando-a. O aparelho deitou-se de
lado e deslocou-se em direção ao rato-castor.
Quando chegou a meio metro de distância, o
animal afastou-se para o lado. O aparelho con-
tinuou a deslocar-se, parou sobre o buraco ca-
vado pelo rato-castor e acabou desaparecendo
no mesmo.
O animal virou-se e olhou. Permaneceu imó-
vel por mais alguns instantes; finalmente salti-
tou em direção ao buraco e desapareceu no in-
terior do mesmo.
Poucos segundos depois a cena voltara ao
mesmo aspecto que apresentava há alguns dias
— com exceção do buraco, que antes não esti-
vera lá, e do aparelho de refrigeração, que de-
saparecera.
Rhodan levantou-se. Sua cabeça zunia; per-
guntou de si para si se devia acreditar no que
acabara de ver.
Ouviu uma das sentinelas soltar o ar com um
forte chiado. Deitados de lado, os homens olha-
vam-no. Queriam uma explicação.
— Venham comigo! — ordenou Rhodan
com a voz áspera. — Levem mantimentos pes-
soais para cinco dias. Também peguem uma
arma manual. Vamos entrar nesse buraco para
141
ver onde foi parar aquele refrigerador.

***

A Stardust-III foi informada sobre o inciden-


te. Todos aguardavam algum comentário de
Rhodan. Mas este não estava disposto a exter-
nar suposições.
— Sei tanto quanto você — disse em tom
grosseiro para Reginald Bell. — Só terei outras
informações depois que tiver entrado naquele
buraco.
Puseram-se a caminho.
O tenente Tanner ficou no acampamento
com mais cinco homens. Rhodan recomendou
o máximo de vigilância, e consolou-o com o
fato de que o armamento da Stardust-III provara
sua superioridade sobre o inimigo.
O buraco cavado pelo rato-castor era bas-
tante largo para que o animal pudesse entrar
com seu tronco bastante grosso. Uma vez que
esse tronco era da grossura de um corpo huma-
no, Rhodan e seus homens não teriam maiores
dificuldades em se deslocar.
O buraco desceu cerca de metro e meio, de-
pois descreveu um ângulo reto e transformou-se
numa espécie de galeria. Rhodan, que ia à fren-
te, iluminou-o com seu holofote o melhor que
142
pôde. O alcance do holofote era de cerca de
um quilômetro, mas mesmo assim a luz não
atingia o fim da galeria.
— De qualquer maneira vamos tentar — de-
cidiu Rhodan.

***

Meia hora depois que Rhodan e seus com-


panheiros haviam desaparecido no interior do
buraco, o tenente Tanner recebeu uma mensa-
gem da Stardust-III. O próprio Bell falava do ou-
tro lado e, pela expressão do rosto, estava algo
mais que simplesmente nervoso.
— O chefe já saiu — disse Tanner.
— Nesse caso transfira a ligação para ele.
Tanner sacudiu os ombros.
— Mas o chefe deu ordens para nos abster-
mos de quaisquer comunicações pelo rádio.
Qualquer contato só poderá partir dele.
Bell bateu com o punho cerrado na mesa
em que estava colocado o receptor. A imagem
deu um ligeiro salto.
— Pois grave o que vou dizer — ordenou.
— E depois transmita de qualquer maneira.
Rhodan não pode deixar de saber disso.
— Pode falar.
Comprimiu um botão para ligar o gravador
143
automático.
— Os técnicos desmontaram e examinaram
os robôs. Trata-se de seres mecânicos, mas seu
cérebro é uma estrutura orgânica de duração ili-
mitada. Portanto, no que diz respeito à ativida-
de mental, os robôs podem ser equiparados aos
seres orgânicos. Apesar disso dispõem de um
mecanismo de memória extremamente compli-
cado. Até agora só conseguimos decifrar duas
informações. Primeiro: o robô recebeu instru-
ções de atacar imediatamente e, se possível,
destruir qualquer ser estranho que penetre neste
mundo. Segundo: neste mundo só existem vinte
robôs desse tipo. A última lembrança de seres
organicamente estruturados data de mais de
quarenta mil anos do planeta Vagabundo, isto
é, cerca de trinta e cinco mil anos do tempo
terreno.
Num tom menos oficioso, Bell acrescentou:
— Tenente, espero que não deixe de reco-
nhecer a importância desta informação.
Tanner apressou-se em asseverar que não
poderia deixar de reconhecer isso. A comunica-
ção foi interrompida e Tanner esforçou-se para
estabelecer contato com o grupo de Perry Rho-
dan.
Depois de algum tempo, conseguiu. Ouviu
exatamente aquilo que esperava:
144
— Quem é o idiota que está chamando? Dei
ordens expressas para evitar toda e qualquer
comunicação pelo rádio.
Tanner pediu desculpas, alegando a ordem
recebida de Bell.
— Está bem — contemporizou Rhodan. —
Conte; mas seja breve.
Tanner repetiu o que ouvira poucos minutos
antes.
— Diga a Bell — respondeu Rhodan — que,
para mim, isto não é novidade.
Com estas palavras a palestra chegou ao
fim. Tanner estava perplexo quando voltou a
chamar a Stardust-III.

***

“O rato-castor deve ter trabalhado vários


dias para abrir esta passagem”, pensou Rho-
dan. Pelo seu cálculo, nas últimas quatro horas
haviam se afastado outros tantos quilômetros
do buraco por onde entraram. Mas, mesmo
com o máximo de sua intensidade, o holofote
ainda não atingia o fim da galeria.
Através de algumas amostras, colhidas por
meio da comporta de provas de seu capacete,
Rhodan constatara que a qualidade do ar per-
manecia inalterada. Dali se concluía que ambas
145
as extremidades da galeria deviam ter ligação
com a superfície.
Rhodan ainda procurou verificar, com seu is-
queiro de gás, se havia qualquer correnteza de
ar. A chama minúscula, que a quantidade redu-
zida de oxigênio contida naquela atmosfera mal
conseguia nutrir, não revelara nenhuma movi-
mentação.
Dali se poderia concluir que entre a saída da
galeria e o lugar em que se encontravam have-
ria um grande reservatório de ar, que impedia a
formação de correnteza. Talvez fosse uma ca-
verna.
Isso o deixou satisfeito, pois tinha uma idéia
bastante clara daquilo que o esperava mais adi-
ante.
Mas havia outra coisa que o deixou muito
menos satisfeito. Penetrara na galeria com me-
nos de trinta pessoas. Sem dúvida não era qual-
quer um que poderia rastejar por horas a fio
numa galeria que era tão baixa que a única coi-
sa a fazer era deitar de barriga e empurrar o
corpo com os cotovelos.
O efeito era de esperar: claustrofobia. Os
homens começaram a ficar nervosos. Embora
Rhodan lhes tivesse ordenado que mantivessem
silêncio absoluto, algumas palavras ásperas fo-
ram proferidas. Rhodan procurou acalmar seus
146
homens, com palavras tranqüilizantes ou gros-
seiras, conforme exigisse a situação.
Mas o nervosismo continuava a crescer. A
marcha subterrânea não devia demorar demais.
Acontece que durou mais três horas. Rho-
dan calculou que lá fora o sol já se devia ter
posto. A distância entre o lugar em que se en-
contravam e a entrada da galeria devia ser de
cerca de oito ou nove quilômetros, visto que
nas últimas horas seu deslocamento fora bem
mais rápido que no início.
Já se tornara quase impossível controlar os
homens. Muito embora a volta representasse
um caminho muito mais longo — além do que
teriam de rastejar para trás, já que era impossí-
vel virar o corpo naquela galeria estreita —
cada vez mais freqüentes se tornaram os pedi-
dos de desistir da expedição subterrânea.
Rhodan respondia o seguinte:
— Calma! Estamos quase chegando.
Detestava frases desse tipo, mas com elas
conseguia ao menos alguns minutos de tranqüi-
lidade.
De repente viram uma luminosidade, mais
adiante, no interior da galeria.
De início Rhodan acreditou que se tratasse
de uma ilusão produzida por seus olhos extre-
mamente cansados. Fechou-os, ficou parado
147
por um instante e voltou a abri-los.
O reflexo continuava no mesmo lugar.
Voltou a ligar o holofote e procurou desco-
brir o que havia por ali.
A luz do holofote não revelou nada.
Fosse o que fosse, ainda estava fora do al-
cance da luz do holofote.
— Vamos embora, rapazes! — disse. — Fal-
ta pouco.
Deslocaram-se com maior rapidez do que ti-
nham feito até então.
A galeria não dispunha de qualquer escora-
mento, constatou Rhodan. Fora cavada na
areia. Era um trabalho bem feito, mas as pare-
des não estavam revestidas.
Dali a quarenta e cinco minutos a galeria
alargou-se um pouco. Rhodan continuou deita-
do e desligou o holofote.
A misteriosa luminosidade estava bem à sua
frente, a uns cinqüenta metros de distância,
mas não conseguiu descobrir a fonte de que
provinha.
— Cuidado! — disse.
Lentamente, causando o menor ruído possí-
vel, os homens continuaram a avançar.
Dali a mais dez metros a galeria tornou-se
tão ampla que os homens podiam ficar de joe-
lhos.
148
Subitamente a galeria terminou.
De ambos os lados as paredes abriram-se
praticamente em ângulo reto, e à frente havia
um recinto em forma de caverna, em cujo cen-
tro, bem acima do solo, estava pendurada uma
placa que emitia uma forte luminosidade.
Rhodan fez a luz de seu holofote passar pelo
recinto. Estava completamente vazio, com ex-
ceção da placa e do pequeno refrigerador, que
se encontrava perto do fim da galeria.
Rhodan saiu e levantou-se. Com alguns sal-
tos colocou-se bem embaixo da placa luminosa
e examinou-a.
— Fotografar! — gritou subitamente. —
Rápido!
O homem com a câmara arcônida não tinha
a menor idéia sobre o motivo pelo qual tivera
de carregar o aparelho. Levou alguns segundos
para perceber que as palavras de Rhodan eram
dirigidas a ele. Por isso teve de ouvir algumas
palavras duras do chefe.
— Aqui, perto de mim! — ordenou Rhodan.
— Ângulo bem aberto. Vamos logo! O que está
esperando?
O fotógrafo apertou um botão e empurrou a
pequena objetiva de ângulo aberto para dentro
da câmara. Dirigiu esta para cima e começou a
tirar suas fotografias.
149
Só então viu que tipo de placa tinha diante
de si. Ficou tão surpreso que, por pouco, não
se esqueceu de manipular a máquina.
Aquele objeto que, visto de lado, parecia
uma placa, era um modelo da Via Láctea. À
primeira vista não se poderia dizer com segu-
rança se era nossa Via Láctea ou outra galáxia;
mas não se compreenderia que o imortal tivesse
usado os recursos inacreditáveis de que dispu-
nha para projetar o modelo de qualquer galáxia
estranha nessa toca de ratos-castores.
O homem com a câmara foi repetindo as fo-
tografias até que, de repente, a projeção cessou
num chuvisco de chispas. Por um ou dois se-
gundos a caverna subterrânea ficou profusa-
mente iluminada.
Depois disso a escuridão foi tão profunda
que os olhos ofuscados pela luz não enxerga-
ram mais nada.
Alguém ligou um holofote manual.
— Apague isso! — ordenou Rhodan.
A luz apagou-se. No início ficaram sem sa-
ber por que Rhodan dera essa ordem; mas com
o tempo — conforme a maior ou menor acui-
dade de suas vistas — perceberam.
A caverna tinha várias saídas. Por algumas
delas entrou uma luz fraca e difusa, quase im-
perceptível. Era a luz projetada pelas estrelas do
150
céu do planeta Vagabundo.
Rhodan dirigiu-se a uma das saídas. Era de
formato idêntico ao da galeria pela qual haviam
entrado. Suas paredes brilhavam à luz das estre-
las. Estavam revestidas com uma cobertura relu-
zente.
A galeria levava para cima numa subida bas-
tante íngreme; se inclinasse a cabeça para trás
o mais que isso fosse possível com o capacete,
Rhodan distinguia os pontos luminosos forma-
dos pelas estrelas.
— Acendam a luz! — ordenou.
Mais de uma dezena de holofotes acende-
ram-se de vez.
Sua luz potente cobriu o chão da caverna e
as paredes revestidas com uma espécie de bar-
ro. O formato do recinto era bastante irregular.
Ao norte parecia querer assumir a forma de um
retângulo, mas ao sul terminava num semicírcu-
lo. Ao todo devia ter uns trezentos metros qua-
drados.
Junto às paredes viam-se, a intervalos regu-
lares, montões de plantas secas. Rhodan exami-
nou-os. Eram plantas da única espécie que até
então haviam encontrado no planeta Vagabun-
do. Eram idênticas àquelas com que os ratos-
castores, que viram na primeira noite, saciaram
a fome.
151
Os ratos-castores!
— Onde estará o sujeito que roubou nosso
refrigerador? — perguntou Deringhouse.
Rhodan, que estava junto dele, apontou
para as saídas:
— Está lá fora, matando a fome junto com
os outros.
— Que outros?
— Não está vendo que aqui há vinte e qua-
tro leitos de palha; isto é, se quisermos chamar
isto de palha.
— Leitos? — repetiu Deringhouse hesitante.
— Quer dizer que esses animais têm camas?
— Se para você isto são camas, sim.
De resto não havia nada de extraordinário.
Se os ratos-castores tinham uma despensa,
como é de se esperar de qualquer roedor, esta
devia ficar atrás de uma das galerias que saíam
da caverna nas mais variadas direções. Rhodan
preferiu não realizar outras buscas.
Saíram por uma das galerias de luz. As pare-
des eram tão lisas que não poderiam rastejar
para cima. Mas bastava dar um forte salto para
que, face à reduzida gravitação, atingissem a
borda superior.
A galeria de saída fora escolhida consciente-
mente por Rhodan. No ponto em que desem-
bocava na areia do deserto havia inúmeros ras-
152
tros, que seguiam na direção norte.
Seguiram-nos cautelosamente. Os rastros
contornaram uma colina e terminaram num
vale, mais largo e comprido do que costumam
ser os vales daquela região. Havia uma vegeta-
ção rala, que à luz das estrelas se destacava niti-
damente sobre a areia branca.
Mais ao norte viu-se uma massa escura e
compacta, cujos flancos se mantinham num
movimento ininterrupto.
Aproximaram-se mais um pouco. Adapta-
ram os filtros de luz infravermelha às lâminas de
seus visores e reconheceram o rebanho de ra-
tos-castores, que pastava tranqüilamente.
Contaram vinte e quatro animais.
— Pois bem! — disse Rhodan depois de al-
gum tempo. — Voltemos para casa.
Todavia, aquela noite ainda lhe reservava
uma surpresa. Enquanto marchavam para o sul,
para chamar os câmbios num lugar em que não
perturbassem os ratos-castores em sua ocupa-
ção pacífica, Rhodan examinou as colinas à sua
volta.
Eram todas iguais — nem muito altas, nem
muito grandes. Pareciam ter sido levantadas ar-
tificialmente, e lembrou-se de que já tivera essa
impressão, quando, em companhia de Dering-
house, encontrara a primeira esfera reluzente.
153
Era a área dos ratos-castores. Acima da ca-
verna de onde haviam acabado de sair havia
uma colina desse tipo; provavelmente haveria
uma caverna embaixo de cada uma das outras
colinas.

***

Dali a poucas horas estavam de volta, a bor-


do da Stardust-III. O tenente Tanner foi encar-
regado de levantar o acampamento e levar as
barracas e os instrumentos até a nave.
As fotografias tiradas no interior da caverna
dos ratos-castores foram reveladas; mas Rho-
dan ainda não as mostrara a ninguém.
— Antes de examinarmos as fotografias de-
vemos esclarecer algumas coisas — principiou.
Seus ouvintes — os mesmos que tivera no
início da expedição, quando a Stardust-III ainda
se encontrava parada num espaço bizarro com
umas ridículas cinqüenta e seis estrelas — pro-
curaram ler as palavras em seus lábios.
— Viemos até aqui para encontrar mais uma
indicação sobre o caminho que devemos tomar
para achar o mundo cuja civilização conhece o
segredo biológico da conservação das células, e
portanto da vida eterna. Batizamos a missão
com o nome Pedra dos Sábios. Estávamos con-
154
vencidos de que no planeta Vagabundo devia
existir uma raça inteligente, que possuísse tal in-
dicação. Estávamos preparados para conquistar
a confiança dessa raça, ou para arrancar-lhe o
segredo à força.
“Pois bem. Estávamos aqui há poucos dias
quando percebemos que um telecineta invisível
se divertia à nossa custa, comprimindo botões,
levantando objetos e fazendo outras bobagens
desse tipo. Organizamos uma expedição e logo
nos deparamos com uma estranha esfera relu-
zente, que acreditávamos ser outro produto da-
quela raça desconhecida, que horas antes nos
dera mostras de suas intenções hostis, quando
fez voar pelos ares minha barraca.
“Colocamo-nos na pista que havíamos loca-
lizado e prosseguimos por ela. Nos primeiros
dias ninguém se lembrou de que o cérebro posi-
trônico da Stardust-III havia previsto o fim das
provas exclusivamente técnicas. Num instante
preparamo-nos para enfrentar um inimigo que
possuísse uma porção de coisas que não conhe-
cêssemos, e de nos apossarmos de seu segredo
apesar da superioridade técnica de que era do-
tado. Mas, por estranho que pudesse parecer,
tudo correu sem o menor problema. Ocupamos
o pavilhão de fábrica sem que sofrêssemos qual-
quer perda digna de nota, é bem verdade que
155
fomos ajudados pelo acaso, e não tivemos que
fazer maiores esforços para repelir outro ataque
do inimigo. Ficamos um pouco desconfiados...”
— Você ficou! — disse Bell em tom áspero.
— Nós não.
— Está bem; então fui eu — disse Rhodan
com um sorriso. — De repente percebemos
que o inimigo não possuía nenhuma superiori-
dade técnica, embora conhecesse campos gravi-
tacionais rotativos. Lembramo-nos das observa-
ções feitas por Lloyd: toda vez que este captava
um modelo de vibrações cerebrais, seu conteú-
do era formado por um ódio cego e destruidor
ou por um instinto brincalhão verdadeiramente
infantil. Não haveria mais necessidade de que-
brar a cabeça: estávamos na pista errada, pois
no planeta Vagabundo há duas raças inteligen-
tes.
As cabeças dos ouvintes, até então inclina-
das numa atenção muda, foram atiradas para
cima. Os olhos exprimiam uma perplexidade
total, as bocas abriram-se em protesto, mas não
conseguiram emitir um som.
— Duas... — disse a voz rouca de Dering-
house depois de algum tempo.
Rhodan fez que sim.
— Qual é a segunda? — perguntou Bell.
— São os ratos-castores.
156
— Não é possível! — exclamou Deringhou-
se. — Lloyd observou-os na noite em que mon-
tamos o acampamento naquelas colinas e não
percebeu nada.
Rhodan confirmou com um aceno de cabe-
ça.
— Essa regra seletiva, como é chamada pelo
cérebro positrônico, consistia de duas partes.
Em primeiro lugar, tínhamos de descobrir que
no planeta Vagabundo existem duas raças inte-
ligentes, e depois precisávamos saber qual delas
dispunha da indicação que estávamos procuran-
do. A raça dos ratos-castores é de um tipo que
nossa experiência, ou melhor, a experiência ar-
cônida, encontra pela primeira vez. Não há
dúvida de que a inteligência desses animais é de
natureza intermitente.
— O que vem a ser isso?
A pergunta foi formulada abruptamente e
em tom áspero, sem um mínimo de respeito.
Partiu de Bell.
— Uma inteligência intermitente é um tipo
de inteligência que faz com que o ser que a pos-
sui às vezes seja inteligente, às vezes não seja.
Falei claro?
— Não. Isso significa que de segunda a
quarta-feira os ratos-castores são inteligentes, e
de quinta a domingo são estúpidos?
157
— Mais ou menos — murmurou Rhodan. —
Apenas o intervalo é diferente. É diurno-notur-
no. Os ratos-castores perdem sua inteligência,
que de qualquer maneira não é muito grande,
quando começa a escurecer, e voltam a recu-
perá-la ao nascer do sol. Uma vez que esse efei-
to existe, é perfeitamente compreensível que o
mesmo se processe segundo os dados naturais
existentes neste mundo. Em poucas palavras,
ele se orienta pela luz e pela escuridão. Se não
fosse assim, os ratos-castores teriam ficado
numa confusão terrível quando o terremoto al-
terou a posição do eixo do planeta Vagabundo.
Seguiu-se uma discussão apaixonada.
Por estranho que parecesse, Crest e Thora,
os dois arcônidas, mantiveram-se num silêncio
total. Rhodan sorriu para eles. Crest retribuiu o
sorriso, mas Thora limitou-se a erguer as so-
brancelhas.
“São os herdeiros de um saber que teve de
reconhecer que está longe de ser total”, pensou
Rhodan. “Quando será que essas criaturas tei-
mosas que habitam o planeta Terra reconhece-
rão que nada é impossível pelo simples fato de
eles ainda não o haverem visto?”
Interrompeu a discussão e formulou esse ar-
gumento. Não concordaram com o mesmo —
ele o viu pela expressão de seus rostos — mas
158
aceitaram sua sugestão:
— Provarei a exatidão de minha teoria. A
Stardust-III permanecerá no planeta Vagabundo
por mais alguns dias. Teremos oportunidade de
observar os ratos-castores.
Passou a outro assunto.
— Apesar de tudo, talvez na nossa incons-
ciência, encontramos no planeta Vagabundo os
restos de uma cultura antiga. Não tenho medo
de confessar que, por algumas horas, cheguei a
acreditar que o planeta Vagabundo era o mun-
do da vida eterna, e que os robôs nada mais
eram senão os espíritos servis do imortal, que
nos vem arrastando na sua esteira. Bem; não
era isso. O imortal deve ser bem mais antigo
que a cultura do planeta Vagabundo. Os robôs
foram desmontados. Sabem de muita coisa que
nós não sabemos; em compensação, outras coi-
sas que nos parecem corriqueiras são ignoradas
por eles. Há dezenas de milhares de anos
guiam-se pela última ordem que lhes foi minis-
trada: atacar e destruir qualquer invasor.
“Seu cérebro tem uma estrutura orgânica,
provavelmente porque seus construtores viram
nisso a maneira mais simples de construir um
robô. Repousa num tipo de tanque cheio de um
líquido nutritivo, que pode manter o cérebro
vivo pelo menos por cem mil anos terrenos.
159
“Acontece que a energia mecânica dos ro-
bôs era fornecida por geradores. Um deles foi
avariado por ocasião do grande terremoto, e o
resultado foram quinze robôs aparentemente
mortos. Deve haver outro gerador que abaste-
cia os cinco robôs restantes. Estes nos atacaram
e foram destruídos.
“Temos possibilidade de revitalizar os quinze
robôs aparentemente mortos e programá-los de
tal maneira que não nos considerem mais como
inimigos. É o que faremos.”
Sorriu.
— Quem está em nossa situação não pode
se dar ao luxo de dispensar qualquer novo saber
que possa adquirir, por mais insignificante que
seja. Acredito que poderemos aprender muita
coisa com a velha cultura do planeta Vagabun-
do.
Pegou o maço de fotografias que se encon-
trava sobre a mesa.
— O mais interessante desses robôs — dis-
se, como se estivesse pensando em voz alta —
é que os mesmos armazenaram sem o menor
preconceito todo o saber de que dispunham
seus chefes desaparecidos. Para um robô que
recebeu ordens para atacar qualquer invasor,
uma granada de mão é uma arma tão eficaz
como um campo rotativo. De início andamos
160
quebrando a cabeça sobre isto. Parece que nos
últimos dias aprendemos uma boa lição de lógi-
ca de robôs. Ataque com qualquer coisa que te-
nha à mão, desde que seja uma arma.
Aproximou as fotografias dos olhos.
— Basta que lhes mostre uma destas foto-
grafias. Nela existe tudo que esperávamos en-
contrar no planeta Vagabundo.
Pegou a fotografia de cima e colocou-a no
projetor. Quando ligou o aparelho, a luz do teto
apagou-se automaticamente.
Viram, em projeção tridimensional, um setor
do modelo de Via Láctea que haviam encontra-
do na caverna dos ratos-castores. No centro do
quadro via-se um ponto luminoso insignificante,
da qual saía uma faixa bem mais clara que se
estendia a uma estrela situada no quadrante su-
perior direito.
— Quero explicar o seguinte — soou a voz
áspera de Rhodan em meio ao silêncio. — No
início não se via o ponto situado no centro do
quadro. Quando olhei a fotografia pela primeira
vez, a faixa luminosa terminava no nada. Tive-
mos de lançar mão de todos os recursos da téc-
nica de revelação arcônida para que o pontinho
se tornasse visível. Constatamos que as estrelas
que aparecem neste modelo foram projetadas
de acordo com sua verdadeira luminosidade.
161
Portanto, temos uma indicação exata da inten-
sidade luminosa da estrela em que termina esta
faixa brilhante. O resultado é um tanto sur-
preendente: essa estrela não tem luminosidade
própria; a luz que irradia é apenas o reflexo de
sóis vizinhos. Trata-se de um planeta sem sol.
— É o mundo da vida eterna? — perguntou
Crest.
— Acreditamos que sim — respondeu Rho-
dan. — Se não fosse assim, o quadro não teria
o menor sentido.
— E que estrela é essa que fica na outra ex-
tremidade do arco luminoso? — perguntou Bell.
— Vega.
Alguém respirou pesadamente.
— Quer dizer que já conhecemos nossa po-
sição galáctica?
— Isso mesmo. Encontramo-nos a dois mil e
quatrocentos anos-luz de Vega e do Sol.
Não disseram mais nada. Admiraram o qua-
dro daquela projeção misteriosa que haviam en-
contrado e fotografado no interior da caverna
dos ratos-castores. Embora não quisessem ad-
miti-lo, sentiram-se tomados de veneração pela
técnica estranha e legendária da raça desconhe-
cida que habitava o mundo da vida eterna.
Agora já se sabia que esse mundo vagava
pelo espaço galático, solitário e sem sol.
162
***

Depois de haverem localizado as cavernas


dos ratos-castores, já não havia o menor pro-
blema em postar Fellmer Lloyd nas proximida-
des. Este constatou exatamente aquilo que Rho-
dan previra.
Durante o dia os ratos-castores eram uma
raça de inteligência pouco desenvolvida, mas
dotados da capacidade parapsicológica da tele-
cinésia, que neles alcançava uma potência ex-
traordinária. Além disso, estavam possuídos de
uma tendência de brincar extremamente desen-
volvida, em consonância com seu reduzido grau
de inteligência.
Os objetos que Rhodan colocara ao seu al-
cance mantiveram-nos ocupados durante todo o
dia. Agora que dispunham desse playground, a
Stardust-III ficava muito longe para que ainda a
importunassem.
Ao escurecer transformavam-se em animais
sem inteligência, que saltitavam pelos vales em
que havia vegetação. Poucas horas antes do
nascer do sol voltavam às suas cavernas para
dormir. Quando despertavam o sol brilhava no
céu e os animais recuperavam a inteligência.
Era um estranho jogo da natureza.
163
Fellmer Lloyd não sentia mais nada do ódio
ardente que os cérebros orgânicos dos robôs
encerravam; os cérebros orgânicos acondicio-
nados em tanques feitos de um material especi-
al, que os protegia contra a influência do proje-
tor mental dos arcônidas.

***

Dez dias do planeta Vagabundo depois de


terem encontrado a imagem da galáxia no inte-
rior da caverna dos ratos-castores, a Stardust-III
estava pronta para decolar. Rhodan não julgou
necessário percorrer o caminho mais longo,
que passava junto ao sistema Vega, e que o
modelo parecia indicar. Todavia, achou preferí-
vel avisar os tripulantes das oito naves auxiliares
do tipo girino e, conforme as circunstâncias,
também o coronel Freyt na Terra, sobre o que
havia ocorrido.
De forma que a rota foi regulada pelo siste-
ma Vega.
Rhodan lamentava não dispor de tempo
para decifrar os mistérios da velha cultura cujos
últimos remanescentes eram os vinte robôs. Os
trabalhos de revitalização dos robôs estavam em
pleno andamento. Bastaria corrigir sua memó-
ria de instruções para que, de boa vontade, re-
164
velassem o saber de que dispunham. Mas, na
opinião de Rhodan, só saberiam tudo que dese-
javam quando tivessem tempo de regressar ao
planeta Vagabundo e examinar o pavilhão de
máquinas. Por enquanto teriam de contentar-se
com as informações que conseguissem extrair
da memória dos robôs. Entre essas informações
estava a de que os robôs tinham capacidade
para voar em pequenos trechos, isso com o au-
xílio de um minúsculo gerador gravitacional em-
butido em seus corpos elípticos. Com isso Rho-
dan livrou-se do pesadelo que lhe causara o fato
de não saber explicar por que os rastros come-
çavam subitamente em algum lugar para mais
adiante terminarem tão subitamente como havi-
am começado.

***

Dois enigmas ficaram sem solução: por que


o telecomunicador de Rhodan falhara subita-
mente no primeiro vôo de reconhecimento, du-
rante o qual pretendia explorar o espaço com
cinqüenta e seis estrelas, e por que, embora
não enxergasse diretamente o sol do planeta
Vagabundo, conseguira ver sua luz refletida pela
Stardust-III.
O imortal teria uma explicação para isso.
165
Conheciam sua posição, pela primeira vez
nessa busca difícil e demorada, em que espera-
vam encontrar o mundo da luz eterna.

***

Thora entrou na sala de comando no exato


momento em que Rhodan se dispunha a intro-
duzir a ordem de decolagem no piloto automáti-
co.
Passou por Reginald Bell sem contemplá-lo
com um único olhar e sorriu para Rhodan.
— Ainda voltaremos para cá? — perguntou.
Rhodan fez que sim.
— Sem dúvida. É bem verdade que não sim-
patizo muito com a presença de seres que, por
pura infantilidade, fazem brincadeiras tais como
deslocar bombas arcônidas através do ar, ten-
tam matar homens fortes com um câmbio que
fazem tombar sobre eles e praticam outras toli-
ces desse tipo. Mas precisamos dar uma olhada
no pavilhão de máquinas. Acho que com isso
poderemos aprender muita coisa.
Thora confirmou com um aceno de cabeça.
— É verdade — disse em tom amável.
Era este o seu gênio. Nunca pediria descul-
pas por um erro que tivesse cometido. Mas re-
corria à amabilidade para dar a perceber que
166
reconhecia a injustiça que cometera. Mesmo
que a injustiça consistisse apenas num olhar
zangado.
Rhodan retribuiu o sorriso. Com um movi-
mento vigoroso empurrou a chave automática
para a posição de decolagem e, com uma ex-
pressão satisfeita, contemplou a luz que se
acendeu no painel de controle.

***

167
O planeta Vagabundo, que gira em torno
de um sol moribundo, ofereceu perigos muito
maiores do que poderia se esperar de um
mundo que parecia tão inofensivo. Como
tantas vezes, também aqui as aparências en-
ganaram. Mas agora, com o modelo da Via
Láctea, encontrariam o caminho de volta
para o sistema Vega. Será mesmo?
Se dentro em breve Rhodan se depara
com OS REBELDES DE TUGLAN, isso é de-
vido exclusivamente a Gucky, um clandestino
que viaja a bordo da Stardust-III.

*
* *

ÐØØM SCANS
PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL
https://doom-scans.blogspot.com.br

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