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5o Simpósio Brasileiro de Solos Não Saturados. 2004. Vol 1. pp211-216.

Influência do sistema de drenagem de base no fluxo de água em


pilhas de minério de ferro

Abrão, G. S.(1); Marinho, F. A. M.(2)


(1)
GeoconsultoriaS/C Ltda, São Paulo, SP, Brasil, geo@geoconsultoria.com
(2)
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil, fmarinho@usp.br

Resumo: O minério de ferro é geralmente estocado em forma de pilhas logo após sua produção, sobre
pátios especialmente construídos para este fim. O minério é produzido com um certo teor de umidade, abaixo
do de saturação, e durante sua permanência nos pátios ocorre uma tendência da água contida no minério
drenar para a base das pilhas, caracterizando um fluxo em meio não saturado. Nos pátios pode ou não existir
um sistema de drenagem sub-superficial, responsável por coletar a água que drena das pilhas e retirá-la dos
pátios. Este artigo tem como objetivo avaliar a influência deste sistema de drenagem, e da sua ausência, no
fluxo de água que ocorre nas pilhas de minério de ferro. O material utilizado para este estudo é o “sinter-
feed”, que é a fração do minério de ferro compreendida principalmente entre as peneiras 0,15 e 6,3 mm. As
análises numéricas do fluxo em meio não saturado são executadas com o software Hydrus 2D. Os resultados
mostram que a existência de um sistema de drenagem é importante quando se busca retirar água do minério
de ferro durante sua estocagem nos pátios. Os resultados obtidos também poderão nortear a escolha de um
sistema otimizado em termos de eficiência e custos.

Abstract: Iron ore is normally stockpilled in stockyards after the concentration process. The concentrate is
produced to a certain moisture content, below the saturation moisture, and while in the stockpiles there is a
tendency for the water to drain towards the base, in the form of an unsaturated flow. The stockyards may or
may not have a drainage system under the piles to collect and remove the drained water. This paper aims to
evaluate the influence of the drainage system, or the absence of it, into the water flow in these sotck piles.
The material used in this study is the “sinter-feed”, ranging in terms of grain size between 0,15 and 6,3 mm.
The numerical analisys for the unsaturated flow utilized Hydrus 2D software. The results show that the
presence of the drainage layer is important for water removal from stock piles, and also they can be used to
design efficient and cost effective drainage systems.

1. INTRODUÇÃO Os estudos a serem apresentados, então, buscam


verificar a importância do sistema de drenagem
O minério de ferro, após beneficiado, é quando o objetivo é a retirada de água das pilhas de
geralmente estocado em forma de pilhas em pátios minério de ferro. Cabe ressaltar que nos estudos não
de estocagem especialmente construídos. Tal foi avaliada a influência de chuvas e da evaporação
minério é produzido com um certo teor de umidade, no fluxo da água.
abaixo do de saturação, e durante sua permanência
nos pátios a água contida tende a drenar para a base, 2. MATERIAL UTILIZADO
caracterizando um fluxo em meio não saturado, com
as forças capilares se opondo às forças O material utilizado nos estudos foi o “sinter-
gravitacionais. feed”, que é a fração do minério de ferro
Nos pátios de estocagem pode ou não existir um compreendida principalmente entre as peneiras 0,15
sistema de drenagem sub-superficial, responsável e 6,3 mm.
por coletar a água que drena das pilhas e retirá-la O sinter-feed foi ensaiado no Laboratório de
dos pátios. E a retirada da água contida no minério Mecânica dos Solos da Escola Politécnica da
de ferro é importante, pois quanto mais seco o Universidade de São Paulo - LMS-EPUSP.
material, menor é o seu custo de transporte e A granulometria do sinter-feed é apresentada na
menores são os problemas gerados pela água. Figura 1. A densidade dos grãos do sinter-feed é
O custo de implantação desse sistema pode ser igual 50,3 kN/m3.
elevado, e a sua manutenção, além de igualmente
dispendiosa, pode gerar problemas operacionais nos
pátios.
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O ajuste dos parâmetros obtidos com os dois


100 ensaios anteriores era feito utilizando um modelo
físico reduzido formado por uma coluna cilíndrica
90
com 3 metros de altura e 15 cm de diâmetro, sem
80 drenagem na base e fechada no topo.
70
No ensaio, a coluna é preenchida com sinter-feed
a uma certa umidade inicial. Após alguns dias, a
60 coluna é desmontada em partes e a umidade é
% passante

50
medida para cada parte. Existe, assim, uma umidade
inicial para o instante inicial e uma configuração de
40
umidade em função da altura da coluna depois de
30 determinado tempo.
20
O programa Hydrus 2D é capaz de calcular, para
as mesmas condições de contorno e umidade inIcial
10 da coluna, e com os parâmetros iniciais do sinter-
0
feed, a variação da umidade com a altura da coluna
0,01 0,1 1 10 100 para diferentes tempos.
φ (mm )
A comparação dos resultados calculados pelo
Figura 1: Granulometria do sinter-feed. programa com os valores medidos no modelo físico
reduzido permite a verificação da validade dos
2.1 Caracterização numérica do sinter-feed parâmetros determinados em laboratório e que tais
parâmetros sejam ajustados de maneira a fazer
As análises numéricas do fluxo da água pelo coincidir os resultados calculados e os medidos.
minério de ferro foram efetuadas usando-se o Na Tabela 2 são apresentados os parâmetros do
software Hydrus 2D, com a opção de ajuste da curva sinter-feed já ajustados em função dos ensaios de
de retenção feita pelo modelo de van Genuchten coluna. Os principais ajustes se deram para os
(1980). parâmetros de umidade de saturação e para o
Os parâmetros numéricos do sinter-feed para o coeficiente de permeabilidade, que foi reduzido de
modelo de van Genuchten foram obtidos em função 2,5 para 1,4x10-2 cm/s.
de ensaios de laboratório de determinação do
coeficiente de permeabilidade para a condição Tabela 2 Parâmetros do sinter-feed.
saturada e de determinação da curva de retenção, θs θr α n ks (cm/s)
além de retro-análises utilizando-se um modelo 0,3679 0,0418 0,2190 1,3703 1,4x10-2
físico reduzido (ensaios de coluna). Nota: θs - umidade volumétrica de saturação
O ensaio de permeabilidade e o da curva de θs - umidade volumétrica residual
retenção forneciam parâmetros iniciais, os quais α - parâmetro empírico, relacionado com a
eram ajustados em função dos ensaios de coluna. sucção de entrada de ar
O coeficiente de permeabilidade para a condição n - índice de distribuição de poros, relacionado
saturada obtido pelo ensaio foi de ks=2,5x10-2 cm/s. com capacidade de sucção
Os pontos de umidade x sucção medidos no ensaio ks - coef. de permeabilidade saturada
da curva de retenção são apresentados na Tabela 1.
A Figura 2 apresenta a curva de retenção
Tabela 1 Pontos do ensaio da curva de retenção. determinada com os parâmetros já ajustados e os
Sucção Umidade pontos do ensaio da curva de retenção. Percebe-se
(kPa) (%) um bom ajuste entre a curva e os pontos.
0,2 11,32 As Figuras 3 e 4 apresentam os resultados dos
1 9,45 ensaios das colunas de 5 dias e 15 dias de duração,
2 7,16 juntamente com os resultados das simulações
3 6,01 numéricas feitas com o software Hydrus 2D.
5 5,88 Percebe-se um bom ajuste entre os pontos medidos
10 5,14 nos ensaios e os resultados das simulações.
20 4,81 Assim, com os parâmetros do sinter-feed
25 4,23 determinados e ajustados, foi possível a execução de
50 3,78 simulações numéricas do fluxo de água em pilhas de
100 3,20 minério de ferro, conforme aborda o item seguinte.
200 2,57
300 2,16
400 2,26
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3. SIMULAÇÕES NUMÉRICAS
Modelo
12
11 Ensaio 3.1 Situação analisada
10
9
Para se avaliar a influência do sistema de
Umidade (%)

8
7
drenagem no fluxo da água em pilhas de minério de
6 ferro foi utilizada uma seção usual de pilha
5 praticada pelas mineradoras no Brasil. Esta seção bi-
4 dimensional de pilha possui altura de 20 m e base
3
com 56 m, resultando em um ângulo de repouso do
sinter-feed de 35,5o.
2
1
0 O sistema de drenagem foi avaliado para 4
0,01 0,1 1 10
Sucção (kPa)
100 1000 alternativas: (a) inexistente; (b) centralizado com
5,6m de largura; (c) centralizado com 28m de
largura; (d) total - 56 m sob toda a pilha. Em todas
Figura 2: Curva de retenção ajustada.
as alternativas com drenagem existente, esta foi
3 ,0
considerada com funcionamento pleno.
W in ic ia l - E n s a io A Figura 5 apresenta uma seção esquemática da
2 ,7 W fin a l - E n s a io situação analisada com as condições de contorno
2 ,4
W in ic ia l - M o d e lo aplicadas.
W fin a l - M o d e lo
2 ,1

1 ,8
Altura (m)

1 ,5 20 Drenagem
livre
1 ,2
Impermeável Impermeável
0 ,9

C = 0;5,6m;28m;56m
0 ,6

0 ,3 56

0 ,0
4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Figura 5: Situação analisada.
U m id a d e (% )

A densidade seca do sinter-feed estocado em


Figura 3: Ensaio de coluna de 5 dias de duração. forma de pilhas foi considerada como γs=27,5
kN/m3.
3 ,0 As simulações numéricas foram feitas para 3
W in ic ia l - E n s a io
condições de umidade inicial média das pilhas:
2 ,7 W fin a l - E n s a io
wi=8%, wi=9% e wi=10%. Nestas simulações
W in ic ia l - M o d e lo
2 ,4
W fin a l - M o d e lo
buscou-se determinar a variação da umidade média
da pilha em função do tempo para cada alternativa
2 ,1
de sistema de drenagem, com tempo final igual a 10
1 ,8 dias, maior que o geralmente praticado.
Altura (m)

1 ,5
3.2 Resultados das simulações
1 ,2
Para cada uma das condições de umidade inicial
0 ,9
(wi=8%, wi=9% e wi=10%) foi simulada a variação
0 ,6 da umidade média da pilha para cada uma das 4
alternativas de drenagem estudadas - (a) inexistente;
0 ,3
(b) centralizado com 5,6m de largura; (c)
0 ,0 centralizado com 28m de largura; (d) total - 56 m
4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 sob toda a pilha.
U m id a d e ( % )
Com isto, foi possível observar a influência do
sistema de drenagem no fluxo da água em pilhas de
Figura 4: Ensaio de coluna de 15 dias de duração. minério de ferro.
As figuras 6, 7 e 8 apresentam os resultados das
simulações para cada uma das 3 condições de
umidade inicial.
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10,0
C=0m e Wi=8%
9,5
C=5,6m e Wi=8%

9,0 C=28m e Wi=8%


Umidade (%)

C=56m e Wi=8%
8,5

8,0

7,5

7,0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Tempo (dias)

Figura 6: Simulações com Wi = 8%.

10,0
C=0m e Wi=9%
9,5
C=5,6m e Wi=9%

9,0 C=28m e Wi=9%


Umidade (%)

C=56m e Wi=9%
8,5

8,0

7,5

7,0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Tempo (dias)

Figura 7: Simulações com Wi = 9%.

10,0
C=0m e Wi=10%
9,5
C=5,6m e Wi=10%

9,0 C=28m e Wi=10%


Umidade (%)

C=56m e Wi=10%
8,5

8,0

7,5

7,0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Tempo (dias)

Figura 8: Simulações com Wi = 10%.


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Os resultados obtidos, apresentados nas figuras Isto indica que um dreno de 28 m, centralizado
anteriores, mostram comportamento semelhante sob uma pilha de 56 m de largura, produz
independente da umidade inicial. aproximadamente os mesmos efeitos na drenagem
Ao se compararem os resultados da alternativa de desta pilha que um dreno com 56 m produziria. Isto
sistema de drenagem inexistente (a) com a de possivelmente porque a distância média que a água
sistema de drenagem total (d), percebe-se que ocorre percorre para sair de uma pilha é muito parecida
um ganho de drenagem de 0,5% para todas as para ambas as alternativas.
condições de umidade inicial, o que já era de se Os resultados da alternativa com dreno de 5,6 m
esperar. Este valor de 0,5% pode ser considerado de comprimento (b) situam-se entre os da alternativa
significativo em função dos grandes volumes de (a) e (c).
minério produzido. Apenas como exemplo de visualização dos
O que explica a diferença entre a quantidade de resultados das simulações feitas com o software
água drenada da alternativa com drenagem total e Hydrus 2D, apresenta-se a Figura 9. Nela é
com drenagem inexistente é que, na média, o mostrada a configuração da umidade nas pilhas ao
caminho que a água deve percorrer para sair de uma final do décimo dia de simulação, para as
pilha sem sistema de drenagem é bem maior que o alternativas de ausência de drenagem (a), dreno com
caminho em pilha com sistema de drenagem total. 28 m (c) e com drenagem total (d). Percebe-se que
Por um outro lado, ao se comparar a alternativa na situação sem drenagem ocorre uma faixa de
de sistema de drenagem total (d) com a de um dreno material com alta umidade na base da pilha,
com metade do tamanho da pilha (c), os resultados diferente das alternativas com dreno de 28m e 56m.
obtidos são quase os mesmos.

Figura 9: Umidade das pilha após 10 dias.

C=0m

C=28m

C=56m

Escala de umidade volumétrica


0.10
: 0.15
 0.20
 0.25
 0.30
 0.35
 0.40

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4. CONCLUSÕES

Pelos dados e resultados apresentados neste


trabalho, pode-se concluir que o sistema de
drenagem de pilhas de minério de ferro é importante
quando se tem como objetivo a diminuição da
umidade da pilha durante sua estocagem.
O sistema de drenagem deve ser detalhadamente
estudado, de modo a ser projetado de maneira
otimizada, podendo acarretar significativo impacto
nos seus custos de implantação e manutenção.
No presente caso deste estudo, os resultados
mostraram que um sistema de drenagem com 28 m
de largura apresentaria o mesmo efeito no fluxo da
água de pilhas de sinter-feed que um sistema com
56 m.
No caso de ausência de sistema de drenagem, a
umidade média da pilha resulta em 0,5% acima das
pilhas com os sistema de drenagem citados no
parágrafo anterior. Esta pequena diferença pode se
tornar significativa em função dos grandes volumes
de minério de ferro que são geralmente produzidos.
Salienta-se, por um outro lado, que os resultados
ora obtidos apenas valem para o material específico
utilizado nesses estudos e para as condições
geométricas e de contorno do problema analisado.
Para outros materiais ou condições, novos estudos
devem ser realizados.

5. REFERÊNCIAS

van Genuchten, M.T., 1980. A closed form equation


for predicting the hydraulic conductivity of
unsaturated soils. Soil Science Society of
America Journal, 44: 892-898.

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