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A minoria e o mimimi do politicamente correto – A falácia da opressão

sofrida pelos opressores

As redes sociais têm se tornado um grande muro digital dos lamentos e


reclamações sobre os cerceamentos causados pela cultura do politicamente
correto, que tenta impor a censura da minoria comunista petralha esquerdopata
opressora (os demônios vermelhos) contra a maioria formada pela sociedade
de bem, defensores da moral e dos bons costumes (santíssimos) e suas
anedotas inocentes e colocações infelizes, porém nunca intencionais, sobre
temas nada importantes como raça, origem, gênero, classe social, orientação
sexual, etc. Deixando de lado a ironia é importante pensar sobre o incômodo
que a classe dominadora sente quando seu posicionamento é questionado,
contrariado ou criticado. Quando se pensa na proporção de negros em uma
universidade e a quantidade dessa população em cárceres, nota-se claramente
as consequências que séculos de escravidão causaram em nossa nação. A
abolição da escravidão libertou o povo negro para outro tipo de dominação,
deixaram de ser açoitados no coro, mas continuaram a ser açoitados na alma,
na moral, na dignidade, na humanidade. O negro foi liberto no papel, mas
continuava vivendo no contexto onde a mentalidade racista, justificada na
época pela sociedade, pela igreja e pela ciência, perdurava forte como sempre.
Dessa forma o povo preto estava livre, mas sem casa, sem comida e sem
perspectiva, sendo obrigado a ocupar lugares às margens da sociedade branca
que o rechaçava e ainda se submeter à mesma condição sub-humana que lhe
era imposta enquanto escravo em trabalhos de muito esforço e pouco ganho.
Neste contexto os negros foram formando suas gerações “livres”, com poucos
recursos, nenhuma possibilidade de ascensão social, pouco acesso à saúde de
qualidade, moradia decente ou educação. Soma-se ao negligente e cruel
contexto social a ideia de inferioridade e dever de servidão atribuída ao povo
negro, estigma este que ainda veste a noção do que é ser negro na visão de
muitas pessoas nos dias de hoje como consequência histórica da dominação e
sofrimento causado a este povo. O mesmo mecanismo de preconceito e
discriminação que acomete a população negra também acomete outros grupos.
Mesmo que sejam diferentes em suas gênesis, os preconceitos que acometem
Mulheres, Gays, Lésbicas, Trans, Povos Nordestinos, Orientais, entre outros,
tem o mesmo mecanismo que o racismo. Eles são talhados historicamente,
muitas vezes endossados pela ciência e pela igreja da época, buscando
comprovar a inferioridade desses seres e seu dever de servidão frente às
pessoas que seriam então “superiores” e, assim como o racismo, também
regem as relações de poder na sociedade contemporânea. Tendo este
contexto histórico como pano de fundo retornamos ao ponto de partida para
pensar sobre a fantasiosa ideia da opressão aos opressores, também
conhecida como o “mimimi” dos que se vitimizam. Quando uma pessoa branca
faz um comentário maldoso ao cabelo do negro, à sua inteligência, à sua
humanidade, comparando, por exemplo, o preto a um macaco em uma “piada”,
este comentário é sim preconceituoso, porque tem como base toda a
historicidade da existência dos povos pretos que está impressa naquela pele
preta, naquele cabelo afro, nos lábios grossos e no nariz largo. Há a
possibilidade sim, e é aparentemente frequente, que a reprodução desta
ideologia racista esteja sendo de forma inconsciente, mas isso não pode
justificar o ato racista, tampouco tomá-lo como natural, simplesmente porque
assim parece ser para quem o reproduz. Uma importante constatação de que
vivemos hoje um sistema social impregnado pela égide de um passado que
tinha como parâmetro de dignidade e poder o homem, branco, heterossexual,
cisgênero e europeu, é o desconforto causado a quem se encaixa em algum
nível neste “padrão” de normalidade e dignidade quando alguém que foge aos
padrões sociais ocupa lugares de fala e poder. O homem privilegiado por este
sistema social racista, sexista, homolesbotransfóbico, machista, xenófobo e
branco quase sempre não consegue lidar com aqueles que ousam ir contra os
preconceitos deste sistema que o favorece, muito em parte porque de forma
inconsciente teme perder seu lugar de privilégio. Se existe um gay em uma
novela que tem 30 atores logo alguém fala “agora “tá” cheio de viado na
televisão”, se tem uma mulher trans em um filme que tem 20 atores cisgêneros,
“estão querendo ensinar ideologia de gênero para as crianças”, se uma mulher
negra apresenta o maior telejornal do país, “só tá ali porque é preta, e se eu
falar vão dizer que é racismo”. Sim, é racismo, é transfobia, é homofobia,
porque o julgamento parte da herança do pensamento histórico sobre as
representações sociais em relação a estas características estereotipadas, e
não sobre a competência, moralidade ou comportamento do indivíduo em si.
Assim, são forjados ataques a indivíduos sem nenhum conhecimento prévio de
sua história de vida, mas baseados somente nos filtros históricos
preconceituosos que permeiam a visão e automaticamente identificam como
fora do normal existências que não se encaixam nos seus padrões, e quando
essas pessoas que são pré-julgadas e difamadas argumentam contra estes
ataques, e ousam desafiar o direito natural à opressão de alguns, são
chamados de opressores, ditadores, maculadores da inocência e da verdade
que defendem a censura a fim de impedir a livre expressão de pensamento.
Seria então a defesa contra a opressão uma forma também de opressão? Não
parece coerente, nem mesmo possível, que isso seja verdade, assim como
também não parece possível a ideia de que a ofensa do opressor tenha o
mesmo peso da ofensa do oprimido nas discussões abordadas neste contexto.
Peguemos como exemplo a esquizofrênica ideia de racismo reverso. Se um
preto é chamado de macaco é racismo, certo? Certo! Mas se um branco é
chamado de branquelo azedo, também é racismo? Não! O racismo pressupõe
uma história secular de dominação, depreciação e abuso de uma raça em
relação à outra. Ao ofender uma pessoa branca por sua cor comete-se injúria
racial porque se ofende a pessoa a partir da cor da sua pele, porém, essa
injúria não tem a carga histórica de depreciação e todo tipo de abuso
imaginável que se tem ao chamar um preto de macaco, onde ele é chamado a
ocupar um lugar de inferioridade frente ao branco. Pessoas brancas não
morrem por serem brancas, mas o racismo mata, pessoas morrem todos os
dias unicamente por causa da cor da sua pele. Seguindo esse raciocínio pode-
se estender este exemplo à ideia equivocada de heterocisfobia, visto que
pessoas morrem simplesmente por serem gays, lésbicas e trans, o que não
acontece com pessoas heterossexuais cisgêneras. Portanto, dizer que a
defesa ao ataque da ideologia (falida) supremacista viril, branca e
heterossexual é mimimi é o mesmo que admitir uma posição a favor do sistema
sociocultural secular que favorece alguns em detrimento do sofrimento, da
exclusão e da indignidade de muitos outros. Assumir a dor que você não sente
como sendo fantasiosa e indigna de ser levada em consideração no contexto
histórico, social, e até legal, da sociedade contemporânea, é sustentar um
sistema que vai discriminar, violentar e matar pessoas para manter o sossego
psíquico e a satisfação egoica de indivíduos privilegiados que vivem na bolha
da sua zona de conforto. O mimimi é a resistência daqueles que se cansaram
de abaixar a cabeça e aceitar calado os terrores aos quais sempre foram
submetidos, é a espada e o escudo do oprimido, é o terror do opressor, é a
palavra de liberdade, o grito de revolta, o choro que vem do orgulho de ser
quem se é, e sim...o choro é livre!

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