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As andorinhas dos fins de tarde

Emerson Monteiro

Nasci numa fazenda (o Tatu) no município cearense de Lavras da


Mangabeira. Próximo da casa de meus pais havia uma capela em volta da
qual, aos finais das tardes, acorriam bandos de andorinhas em dança festiva
a formar coreografia insistente que envolvia o escurecer num ritual
misterioso, nuvens mágicas das aves em chilrei que, ainda hoje, ecoa pelos
corredores da minha memória. Lembro como sendo vivência recente a
observar admirado os volteis aéreos dos pequenos pássaros na sua escrita
primorosa dos céus quase escuros. As calçadas em volta eram de tijolo nu
bem no tom avermelhado dos barros do sertão, de cujos espaços vazios
cresciam pés de carro santo, planta de verde musgo e folhas espinhentas.
Sentado nos batentes da pequena igreja, contemplava essa paisagem do
poente aonde o Sol descia com reflexos derradeiros sobre as águas do
Riacho do Meio, lá embaixo logo depois dos canaviais do brejo.
Recordo essas cenas muitas vezes no decorrer dos dias. Sem nenhuma
intenção, me vejo, de novo, nos entremeios da memória secundária que nos
acompanha toda hora, a presenciar a pureza rara dos entardeceres daquelas
calçadas da igrejinha. Ali de junto havia, também, um sombreado fícus
benjamim, o chiqueiro das ovelhas, defronte às pedras de antiga construção
que se perdera no tempo e, vizinho, a casa de Seu João Preto, o morador
responsável pela criação.
Assim, involuntariamente, de comum, ao reviver esses retalhos de passado
distante, vêm de junto histórias guardadas sob os refolhos de mim mesmo,
a pedir atenção, e que termino por narrar pouco a pouco no desejo
insistente de procurar o nexo de tudo isso que chamam existir.
Vejo essas percepções, também, ao escutar algumas músicas que trazem de
volta lembranças bucólicas de vidas sertanejas dos compositores e poetas,
matéria prima dos sonhos da infância de quando viveram as doçuras dos
rincões interioranos, o que lhes acompanha vidas inteiras.

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