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O crivo das palavras soltas

Emerson Monteiro

A bem dizer, somos quais significados do que fomos e que adiante


seremos. Meros significados, pois, em transição deste a outro universo.
Naves de sons, visões, contos, letras, números, aventuras. Blocos inteiros
da ação dos tempos em volumes dispersos pelas ruas do Infinito. Olhos
postos nas próprias páginas, quase nunca imaginamos o que, na realidade,
viremos ser. Conteúdos, isto sim. Conteúdos de significados na gestação
inabalável do Tempo, este senhor absoluto do quanto existe (existirá)
durante as eras sem final conhecido.
Desses conteúdos, formamos, por isso, as criaturas individuais, mergulho
das espécies neste Chão de tantos seres que aceita as contingências e as
espécies. Um a um, sujeitos da ação acolhedora das inúmeras
circunstâncias. Elaboramos o que avaliamos ser, no entanto. Todos e
nenhum, a braços com os ditames da sorte na loteria dos destinos.
Vestimos, grosso modo, os diversos trajes. Representamos infinitas
histórias através da arte de viver, sejam através de música, arquitetura,
literatura, dança, pintura, escultura ou cinema. Nisto fazemos da existência
uma fórmula de viver dalgum jeito. Disso nascem os dias quando aqui
movemos a massa informe que ainda somos.
Através disto, da ação do Tempo em nós, recriamos ou destruímos o
mundo em volta. Aceleramos e diminuímos o ritmo dos dias nos textos que
criamos em nós por meio das palavras que articulamos. Joguetes de nossa
mesma ignorância, plantamos e colhemos os frutos das atitudes e largamos
ao léu o bastão aos que chegam com igual necessidade de conhecer a que
viemos.
Foram muitos e mais serão os que vêm com iguais expectativas de, lá num
momento, desvendar o vão das dúvidas e revelar a outros as camadas e
significados que encobrem nosso alvedrio. Que bom que seja destarte, que
chances sobrevivam ao nosso desespero, nossas angústias. Quem sabe
achemos o senso dessa plenitude e descubramos de todo o pouso da
compreensão definitiva, desejo de todos nessa imortalidade que ora somos
e precisamos trazer à tona por meio das palavras exatas. Só então daremos
de conta das estatísticas parciais que conduzimos na alma, de que nem
sabemos em essência.

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