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Alfinetes e borboletas

Emerson Monteiro

Enquanto as borboletas voam faceiras no vento, os alfinetes só pulam de


galha em galha, também faceiros, resistentes. Naquela manhã, ele acordaria
de olhos acesos de quem não dormira a noite toda, ou nunca dormira em
hora nenhuma de todas as noites. Pouco sabia do mistério dos alfinetes e
das borboletas; de que eles seguem borboletas coloridas ou foscas que
passam nas ondas do vento, de flor em flor, nas manhãs ensolaradas.
Sabiam inúteis que alfinetes são afiados no sentido de ferir as borboletas e
grudá-las nos quadros da ilusão que existem no salão enorme das velhas
mansões escuras.
Em menos de quarenta e oito horas ali estava ele desligado, abandonado
nas escadas do porão, olhos presos no depois, arrastando os farrapos de
antes, porquanto fora atingido de raspão pela ponta afiada de um desses
alfinetes que vivem vagando acesos nas horas do tempo. Lindos olhos, de
brilho intenso na boca, afagos melodiosos na voz, e ele absorto no fascínio
impetuoso dos arpões insinuantes. Quase, palavrinha mágica, fizera com
que fugisse chamuscado desses crivos metálicos de um dos alfinetes. Que
vantagem, jamais saberá dizer, pois o doce encantador do canto do
instrumento no ar lhe despertara de sonho de séculos, de que seria, um dia,
ferido pelo clarão estonteador daquela espécie de animal de cheiro entre a
morte e a vida, muito próximo da paixão, porém de veneno fatal.
Desse jeito, as borboletas e os alfinetes, dois seres que aparentemente
nasceram um ao outro, e entre si trocam de alimento como quem troca de
cartas em jogos noturnos. O açúcar e sal das espécies, delas, os humanos;
deles, o limite das existências.
Vagam soltos na floresta e nas cidades, tanto alfinetes, quanto borboletas.
Exemplo dos vícios e das virtudes. Atrás de cada borboleta existe um
alfinete. Atrás de todo bicho corre uma assombração. Todos que se
segurem no chão das almas, que aqui permanecem no período de virar em
antigas borboletas pregadas a ferro nas coleções deste mundo matemático,
dois a dois, um a um.

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