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ame Anthony Apia 1982 da tradug,Nera Rr 1997 Dito adits pra ings portage or Ri de Jani ~ Telefg(21) 2544 0206/2215.6188 Mecdinr2@pailcor, e-mail comtrapot Projet grifico Terezn da Roc 1s empress malo de 2007 Tira: 1.00 exemplars inh Kwame Anthony ‘a casa de meu pu Aft a lost da extra Kwame Anthony Appi saagio Vera Ribeiro revs de tad Fernand Rost Rib. ip Tradugt de Tn my fathers hous: Afi inthe phosophy of clue Incl biblogafia Gyamfi, Antho Tobi, Mar O pés-colonial e 0 pés-moderno ava Bin ava tudo bem as Tornow-se Victor-E le-Louis- Henti-Josep Oque Ao que eu m Nao reflete seu parentesco com Rockefeller. Yurmbo Ouologuem dice: Ekpo Eyo, ex-diretor do De nal da Ni ;partamento de Antiguidades do Museu Nacio- ia; William Rubin, diretor de Pintura e Escultura do Museu de Arte Moderna de Nova York ¢ organizador de sua controvertida exposicao Prin tivismo; Romare Bearden, pintor afro-americano; Ivan Karp, curador de Etno- logia Africana do [Instituto] Smithsonians Nancy Grave: cineasta euro-americana; James Baldwin, que certan s, pintora, escultora e ate dispensa comentarios atorios; David Rockefeller, colecionador de arte ¢ Lela Kouakou, artista eadivinho batile da Costa do M: amigo dos poderosos; larfim (essa é uma justapo. sigao deliciosa: © mais rico e o mais pobre, lado a lado); Iba N’Diaye, escultor és; e Robert Farris Thompson, professor de Yale e historiador de arte africana e afro-americana, Vogel descreve 0 processo de s introdutério. Foram oferecidas a cada um, a tinica mull cerca de cem fotografias de’ edo em seu ensaio her ¢ aos nove homens, “arte africana de tipo e origem tao variados ¢ quali dade tao superior quanto pudemos reunir’, sendo-Ihes solicitado que escolhes- sem dez para a exposi¢do.’ Ou talvez eu devesse dizer, mais exatamente, que isso €0 que foi oferecido a oito dos homens. Pois Vogel acrescenta que [no caso do artista baile, um homem familiarizado apenas com a arte de seu proprio povo, somente objetos batiles foram incluidos no conjunto de fotografias”, Ne {o, somos remetidos a uma nota de rodapé do ensaio, que diz: Mostrar-Ihe 0 mesmo conjunto de fotos visto pelos outros teria sido inte- Fessante, mas perturbador em termos das reages que estavamos buscando, 194 Na-ensa de meu pai Estudos estéticos de campo, meus e de outros, mostraram que os informan. es africanos criticam as outros grupos étnicos em termos de rios tradicionais, muitas vezes presumindo que essas obras, so apenas entalhes grosseiros de sua propria tradigdo estética culturas d seus proprios Voltarei num momento a essa nota irresstivel. Mas, deixem-me fazer uma Pausa para citar um pouco mais, desta vez excertos das palavras de David Rockefeller, que decerto jamais cos em termos de seus prdprios critérios tradicionais’, a0 discutir 0 que o caté logo chama de “figura feminina fanti riticaria] esculturas de outros grupos étni- (..) possuo coisas semelhantes a essa sempre as aprecie Essa € uma versio bbem mais sofisticada do que as que tenho visto, ¢ achei-a muito bonita (..) 2 composicao total tem um ar muito contemporineo, muito ocidental. Eo tipo de coisa que combina muito bem com as coisas ocidentais contempora- neas. Ficaria bem num apartamento ou numa casa modernos. Podemos supor que David Rockefeller tenha ficado radiante a0 descobrir que seu julgamento final era compativel com as intengdes dos criadores da es cultura. Pois uma nota de rodapé do “Indice catalogratico” anterior revela que o Museu de Arte de Baltimore deseja “trazer a puiblico que a autenticidade da fi- gura fanti desta coleeao foi contestada’, Na verdade, o trabalho de Doran Ross sugere que esse obj mink quase com certeza, € uma pega moderna, produzida em Cidade natal de Koumassi pela oficina de um certo Francis Akwasi, que em entalhes para o mercado internacional, no estilo da escultura tradicional, Muitas de suas obras encontram-se agora em museus de todo 0 special Ocidente e foram divulgadas como auténticas por Cole ¢ Ross” (sim, o mesmo Doran Ross) em seu clissico catélogo The Arts of Ghana (Artes de Gana. Mas, afinal, dificil ter certeza do que agradaria a um homem que indica como razao para sua escolha de outra peca (dessa vez, uma mascara senufo): “Devo dizer que escolhi essa peca porque ela me pertence, Foi-me oferecida pelo presidente Houphouet Boigny, da Costa do Marfim”s ou que comenta zno que concerne ao mercado de arte africana (..) as melhores pegas tém sal- do por precos altissimos. Em geral, as pecas menos boas em termos de quali- dade nao tém subido de prego. E essa & uma boa razio para escolher as boas, no as ruins. Elassabem se tornar mais valiosas Gosto da arte africana como abjetos que acho que seriam atraentes para usar numa casa ou num escritéri (..). Nao acho que ela combine com tudo, necessariamente — embora a de melhor qualidade talvez o faca. Mas acho que combina bem com a arquitetura contemporinea. Ha qualquer coisa de deslumbrantemente despretensioso na movimentagao desenvolta do sr, Rockefeller entre as consideragdes financeiras, estéticas e de decoragao, Nessas respostas, t nos Estados Unidos contempo moderno, Fir toda essa citagio de D: fato de que as questaes do que Vinculadas ao valor de merc fato de que isso é sabido pe ‘manter claramente visi autorizado a dizer qualquer c Por estar no centro, a0 passo ¢ vive na periferia, é um africa da mercadologizagao’ — ta co do museu quanto para os « le? Quero lembrar-Ihes, em s. uma mercadoria, Mas 0 co-curador cuja esc 0 tinico a escolher uma peca qu vismo", uma escultura que ser museu como “Iorubano com & sobre ela: Isso ¢ incrivel. Tem que ser algo muito clegante, mui sivel. Ele esté desafiando dade imedi lata através da bicic orgulhoso e calado, Veste-se¢ tar-Ihe muito bem, A interpretagao dessa pega ‘em termos de seus préprios cr Pelo conhecimento de que as de qualquer modo, nao se parec ter visto em sua infancia no muse pedeia a argumentacao de Vog ‘autenticamente tradicional” — jam ter sido encontradas um séc as culturas artisticas da Africa dores, que sio norte-americanos seus proprios critérios”. Esse ad ccano — essa é a mensagem — nai sabemos agora: que o pior de tod ‘oss0s proprio termos. E assim, ¢ Opés-colonial eo pés-moderno 19 scoragdo. Nessas respostas, temos tum microcosmo da localizacio do africano nos Estados Unidos contemporaneo — o que equivale a dizer, certamente, pos- moderne. Fiz toda essa itagao de David Rockefeller, nao para enfatizar 0 conhecido to de que as questdes do que chamamos de valor “estético” estao crucialmente nculadas ao valor de mercado, nem tampouco para chamar atengio para 0 que isso € sabido pelos q atuam no mercado de arte. Antes, quero anter claramente visivel diante de nés o fato de que David Rockefeller esta utorizado a dizer qualquer coisa sobt Dor estar no centro, ao passo que Lel aarte da Africa por ser um con ado} Kouakou, que meramente produz arte ¢ ve na periferia, é um africano pobre cujas pa as s6 vém ao caso como parte da mercadologizagao' — tanto para aqueles dentre nés que compdem o publi » do museu quanto para os colecionadores, como Rockefeller — da arte bat «.’ Quero lembrar-lhes, em suma, como € importante que a arte africana seja ma mercadoria a que no estava nos moldes da Africa do “primiti- uma escultura que sera minha pedra angular, uma peca rotulada pelo Mas o co-curador cuja escolha nos pord a caminho é James Baldwin inico a escolher uma pe nuseu como “lorubano com bicicleta’, Eis um pouco do que Baldwin disse obre ela Isso é incrivel. ‘Tem que ser contemporineo. Ele esté realmente indo a cidade. E algo muito elegante, muito convincente. Talvez sua missio se revele impos sivel, Ele estd desafiando algo — ou 10 0 desafiou. Esta plantado na reali dade imediata através da bicicleta.(..) Aparentemente, é um homem muito ongulloso ¢ neio poliglota, Nada parece assen: lado, Veste-se de um modo n tar-the muito bem A interpretagio dessa peca por Baldwin, evidente ¢ inevitavelmente, ¢ feita m termos de seus préprios critér numa reaglo contextualizada apenas o conhecimento de que as bicicletas sto novas na Africa e de que essa obra, qualquer modo, nao se parece nem um pouco com as pegas que ele lembra em sua infincia no museu Schomburg, no Harlem. E sua resposta tor: cdeia a argumentagao de Vo; enticamente tradicional” — o tinico cujas respostas, no dizer dela, po m ter sido encontradas um século atrés — viste de que se deveria recusar ao tinico afrieano possibilidade de escolher entre culturas artisticas da Africa, porque, diferentemente dos demais co-cura- 8, que sio norte-americanos e africanos educados na Europa, ele usaria 's proprios critérios” Esse adivinho baiile, esse a Jdeao autenticar te afti- a é a mensagem — nio sabe o que nds, pos-modernistas genuinos, bemos agora: que o pior de todos os erros consiste em julgat 0 Outro igundo sos préprios termos. E assim, em nome desse discernimento relativista, im- 195 Na casa de meu pai pomos nosso julgamento: o de que Lela Kouakou nio pode julgar esculturas vindas de fora da zona cultural base, porque — como todos os outros “infor- mantes” africanos que e le as interpretara como se contramos em campo — clas tivesser a pretensio de atender aos padroes baiies. Pior do que isso, é um absurdo explicar as respostas de Lela Kouakou como decorrentes de um desconhecimento de outras tradigBes — se ele de fato for parecido com a maioria dos artistas “tradicionais” de hoje, se for parecido, por exemplo, com Francis Akwasi, de Koumassi, como sem diivida se supoe que seja Kouakou pode julgar outros artistas por seus proprios padrées (¢ que outra coi- sa, afinal, poderia ele ou qualquer pessoa fazer, exceto nao fazer nenhum julga- mentof), mas, supor que ele desconhesa que existem outros padrdes dentro da Africa (e, mais ainda, fora dela) é ignorar um conhecimento cultural absoluta- mente basico, que é comum & maioria das culturas pré-coloniais ea maioria das culturas coloniais e pés-coloniais do continente: 0 conhecimento cultural que explica por que existem, de fato, as pessoas que hoje chamamos de “baiiles” Ser batile, por exemplo, é, para um baile, ndo ser branco, nao ser senufo, nao ser francés.” Os grupos étnicos — a “tribo” baiile de Lela Kouakou, por exemplo em cujo interior toda a vida estética africana parece transcorrer, s20 (como argumentarei no préximo capitulo) produto de articulagdes coloniais ¢ pés-co- loniais. Ealguém que sabe o suficiente para se preparar como baiile para o sécu- lo XX certamente sabe que existem outros tipos de arte Mas 0 “Iorubano com bicicleta” de Baldwin faz mais do que desmentir a es- tranha nota de rodapé de Vogel; ele nos dé uma imagem de um objeto que pode servir de porta de entrada em meu tema: uma obra da arte africana contempo: nea que nos permitira explorar a articulagao entre o pés-colonial e 0 pés- moderno. O “Iorubano com bicicleta” é assim descrito no catélogo: Pagina 124 Homem com bicicleta Ioruba, Nigeria, século XX Madeira e pintura, alt. 35 3/4 pol. Museu de Newark. A influéncia do mundo ocidental revela-se nas roupas e na bicicleta dessa cscultura iorubana neotradicional, que provavelmente representa um merca- dora caminho do mercado. E € essa palavra, “neotradicional” — uma palavra quase correta—, que fornece, a meu ver, a pista fundamental. Mas, nao sei como explicar essa pista sem dizer, primeiro, como mantenho mi- nha orientagio nas fguas infestadas de tubardes ao redor da ilha semantica do pés-moderno, Jé que as narrativas, diversamente das metanarrativas, tém per missio de proliferar nesse de minha falecida amiga M anos 60, Margaret foi convid Popper, no qual Tom Kuhn Stephen Toulmin, 1. Pearce riam um debate sobre o trab traiu uma hepatite infeccios ¢,por isso, nao pode prepar de sentar-se em seu leito ¢ cuja equipe foi dedicado 0 remissivo para A estrutura fichamento do livro, Marg: vyelmente mais, n de catalogar esses 21 usos, sentidos de ‘paradigma’ sio Nao obstante, dada a div alguma coisa em comum ¢ falando, algo de defin tando esclarecer? Ou do diferentes acontecimen todos eles através do uso ¢ A pertinéncia dessa historie seguir a palavra “pés-mode mas, dentro e fora da Village resenha de livros do New Yo ‘paradigma” de Kuhn se ass da manha Nao obstante, existe, pens rias — ow eu deveria dizer, minha —e,a medida que eu gindo no horizonte, Deixem-me comecar pel comentados da explicagio « fato de ela ser uma metan: teorizar alguns aspectos cent coisa é,inevitavelmente, inv Europa e nas culturas dela além’, de modo que dar um progredir." Brian McHale a a0 pés-modernistal yo =a sca de rodeo 97 missio de proliferar nesses mares, comecarei por uma histéria a respeito de minha falecida amiga Margaret Masterman. Certa ocasiaio, em meados dos anos 60, Margaret foi convidada a partic ar de um simpésio presidido por Karl Popper, no qual Tom Kuhn deveria ler um artigo; depois, ela, . M. W. Watkins, Stephen Toulmin, L. Pearce Williams, Imre Lakatos e Paul Feyerabend trava- am um debate sobre o trabalho de Kuhn, Infelizmente para Margaret, ela raiu uma hepatite infecciosa no periodo imediatamente anterior ao simpésio ¢, por isso, nao pode preparar um texto. Felizmente para todos nés, porém, ela pode sentar-se em seu leito de hospital — no Bloco 8 do hospital de Norwich, a cuja equipe foi dedicado o artigo que acabou esc remissivo para A estrutura das revolucdes cie evendo — e criar um indice icas. No processo de fazer 0 fichamento do livro, Margaret identificou “nada menos de 21 sentidos, possi velmente mais, nao menos’, em que Kuhn utiliza a palavra “paradigma’, Depois. de catalogar esses uusos, ela comenta laconicamente que “nem todos esses. sentidos de paradigm’ sao incoerentes entre si’, e prossegue: Nao obstante, dada a diversidade, é obviamente razodvel perguntar: existe alguma coisa em comum entre todos esses sentidos? Haverd,flosoficamente falando, algo de definido ou g al na nogdo de paradigma que Kuhn esta ten tando esclarecer? Ou ser que ele ¢ apenas um poeta-historiador, descreven- do diferentes acontecimentos ocorridos na historia da ciénciae se referindo a todos eles através do uso da mesma palavra, “paradigma”?! \ pertinéncia dessa historieta mal chega a requerer explicacio: ea tarefa de per- eguir a palavra “pés-modernismo” nas paginas de Lyotard, nas, dentro ¢ fora da Village Voice e do TLS [Times Literary Supplement], até da senha de livros do New York Times, faz. com que a tarefa de fixar o sentido do paradigma” de Kuhn s \eson Haber. assemelhe a um trabalho de um minuto antes do café manha. Nao obstante, existe, penso eu, uma histéria a contar sobre todas essas hist6. as — ou eu deveria dizer, é claro, que hé muita: ‘mas esta, por enquanto, éa inha — e, A medida que eua for contando, o ciclista de loruba acabard ressur- ndo no horizonte, Deixem-me comegar pelo aspecto mais dbvio e, com certeza, um dos mais nentados da explicagdo da pés-modernidade por Jean-Frangois Lyotard: 0 o de la ser uma metanarrativa do fim das metanarrativas.”” F claro que ‘zar alguns aspectos centrais da cultura contemporinea como pés-qualquer sa ¢, inevitavelmente, invocar uma narrativa, E,do lluminismo em diante, na ropa ¢ nas culturas dela derivadas, esse m’, de modo que dar um ‘p6s" também significou “acima ¢ 850 adiante (no tempo) representou, ipso facto, ogredir. Brian McHale anuncia, em seu recente Postmodernist Fiction [A fic > pés-modernista 98 Na casa de meu pai Quanto ao prefixo POS, quero aqui enfatizar o elemento de conseqiéncia 16- em vez da simples posterioridade temporal. pos-moder- rnismo provém do modernismo, em certo sentido, mais do que sucede ao mo: dernismo. (..) © pés-modernismo ¢ a posteridade do modernism, isso & tautologica (..) © que pr visao de Lyotard — na qual, na falta de “grandes narrativas de legitimagao", res- icas — pareceria endo frisar, portanto, nao é a magante questdo logica de sam-nos apenas | gitimagdes locais, imanentes a nossas pré pressupor sua prépria “grande narrativa de legitimagdo’, na qual a justiga mos- traria residir, de mancira nada excitante, na institucionalizagio do pluralismo: trata-se, antes, de que a anilise dele parece ter necessidade de encarar a situagao contemporinea como oposta a um conjunto imediatamente anterior de priti- cas, ¢ como indo além destas. O pés-modernismo de Lyotard — sua teorizagao da vida contemporanea como pés-moderna —€ posteriorao modernismo por- que rejeita aspectos do modernismo. E, nesse reptidio dos predecessores ime~ diatos (ou, mais especialmente, de suas teorias sobre eles mesmos), esse pos- modernismo recapitula o gesto crucial da avant-garde historica; na verdade, moderno, no sentido de modernidade ca- recapitula o gesto crucial do “artist racteristico do uso sociolégico, em que ela denota “uma era introduzida através do Renascimento, da filosofia racionalista e do Tluminismo, de um lado, e da transi¢io do Estado absolutista para a democracia burguesa, de outro”;!* no sentido de “artista” encontrado na exposicio de rilling sobre “O cigano erudi- satisfeitos to” de Amold, cuja “existéncia tenciona perturbar-nos e nos deixar ins com nossa vida habitual na cultura (...)"" Essa busca insistente de um contraste — uma modernidade ou um mo- dernismo contra 0 qual colocar-se — é extremamente notivel, dada a falta de qualquer explicacio plausivel e nitidamente formal sobre o que distingue recente, Fredric Jameson admite, ‘© moderno e o pés-moderno, Num ensa certa altura, depois de resenhar as recentes teorizagoes francesas (Deleuze, audrillard, Debord), que é dificil distinguir formalmente 0 pés-moderno do alto modernismo: (..) realmente, uma das dificuldades de especificar 0 pés-modernismo reside em sua relacdo simbiética ou parasitéria com (0 alto modernismo], Com efeito, com a canonizagio de um alto medernismo até aqui escandaloso, feio, dissonante, amoral, anti-social e bo&mio, ofensivo para a classe média, com sua promogao & propria imagem da cultura superior em geral e, o que talvez seja o mais importante, com sua cultuagio na instituiglo académica, 0 pos- modernismo emerge como um modo de abrir um espago criativo para os artistas hoje oprimidos pelas categorias doravante hegeménicas da ironia, complexidade, ambigdidade, temporalidade densa e, em particular, monu ‘mentalismo estético e ut6pico."* A tese de Jameson nesse en: em termos formais — em ten ou do “eclipse, finalmente, d historicidade’, ou da ““morte’ sociedade do espetéculo”® - propria cultura” [0] alto modernismo, seja q sicionista e marginal numa c dos anos dourados. Embora todos os aspectos enumerad jd ndo 6, nesse sentido, nada tica dominant mente, serve & producao de um laborat6rio de novas for © ou hegemo: ‘20 do pés-modernismo cor pressuposto de que, mesmo jestejam presentes no anti ses aspectos se modifica qu tural com uma funcionalida Jameson considera que ac o“declinio” da “oposigao dialé s2, isto é,a mercadologizacio cionismo das formas culturais Sem diivida, ha muito que moderno. Mas, nao ereio que « 6s-modernismos se nos ative cadologizacao de uma fcs20, justamente porque sua mercac uma ameaga substancial, foi ce na Europa e na América. Ente. que é que faz de Lyotard e Jam Nao tenho — 0 que nao hé no para colocar no lugar da « consenso aproximado sobre a nos muitos campos — da arq sm que ela tem sido invoc antecedente que reivindicou cada um deles, 0 pés-modern cagdo de exclusividade, uma re wriamente menos s Que isso nao serve como dein Opés-colonial eo pés-maderno 198 A tese de Jameson nesse ensaio é que devemos cara em termos formais — em termos, digamos, de uma ou do “eclipse, finalmente, de toda a profundeza, especialmente da propria historicidade’, ou da “‘morte’ do sujeito”, o1 da “cul da “sociedade do espetéculo"” —, mas em termos da “funcionalidade social da propria cultura’ terizar tal distin wa do simulacro” (O| alto modernismo, seja qual for scu contetdo politico declarado, foi opo sicionista e marginal numa cultura de classe média vitoriana, ou prosaica, 08 dos anos dourados. Embora o pés-modernisio seja igualmente ofensivo em todos os aspectos enumerados (pensem no rock punk ou na pornografia),¢ jd nao é, nesse sentido, nada “oposicionista"; rig tica dominante ou he 1 constitui a propria est monica da sociedade de consumo ¢, significatv mente, serve a produgao de mercadorias desta altima, praticamente como ‘um laborat6rio de novas formas e modismos. A tese favordvel a uma concep: ¢a0 do pos-modernismo como categoria periodizante baseia-se, portanto, no ressuposto de que, mesmo que todos os aspectos formais enumerados acima jd estejam presentes no antigo alto modernismo, a prépria importancia des ses aspectos se modifica quando eles se transformam numa dom tural com uma funcionalidade socioecondmica precise.” Jameson considera que a cha 0 “declinio” da “oposicao dialética sa, isto é,a mercadolog ara compreender a situac2o pés-moderna 6 ntre o alto modernismo ¢ a cultura de mas- ago €, se posso cunhar um barbarismo, 0 des-oposi cionismo das formas culturais antes constitutivas do alto modernismo. Sem diivida, hé muito que dizer em favor da teorizacao jamesoniana do pos. moderno. Mas, nao creio que compreendamos 0 que é comum a todos os vitios 6s-modernismos se nos ativermos & visio oniabrangente de Jameson. A me cadologizasao de uma fics20, de uma postura de oposicionismo, que é vendivel justamente porque sua mercadologizagao garante a0 consumidor que ela nio é uma ameaga substancial, fo central, de fato, para o papel cultural do “rack punk” na Europa e na América, Entretanto, mais do que uma palavra ¢ uma conversa, ue é que faz de Lyotard e Jameson te6ricos rivais do mesmo pés-moderno? Nao tenho — o que nao ha de ser surpresa — uma definicao do pés-moder- ho para colocar no lugar da de Jameson ou da de Lyotard: mas ha a consenso aproximado sobre a estrutura da dicotomia modemno/pés-moder nos muitos impos — da arquitetura a poesia, a filosofia, ao rock e ao cinema —em que el em sido invocada. Em cada um desses campos, ha uma prética antecedente que reivindicou uma certa e lusividade de discernimento , em cada um deles, 0 pés-modernismo & m dos nomes da rejeicao dessa reivindi- cagao de exclusividade, uma rejeigao que é quase: mpre mais jocosa —embora wo necessariamente menos séria — do que a pritica que ela alme substitu Que isso nao serve como definigao do pés-modernismo decorre do fato de que, 200 casa de meu pai em cada campo, essa rejeigao da exclusividade assume uma certa forma espe- cifica, que reflete as especificidades de seu contexto, Entender dessa maneira os virios pos-modernismos ¢ deixar em aberto a questao de como suas teorias da vida social, cultural e econémica contemporé- nea se relacionam com as priticas efetivas que constituem essa vida; é deixar em aberto, portanto, as relagdes entre 0 pés-modernismo e a pés-modernidade. Quando a pratica ¢ teoria — literaria ou filos6fica —, 0 pés-modernismo co mo feoria da pos-modernidade s6 pode ser suficiente se reflete em alguma me- dida as realidades dessa pratica, pois a pratica em si é plenamente teérica. Mas, quando um pés-modernismo aborda, digamos, a propaganda ou a poesia, ele pode ser suficiente como explicagao delas, ainda que entre em conflito com suas narrativas, com as teorias que elas tém sobre si mesmas. E que, diver samente da filosofia e da teoria literaria, a propaganda a poesia nao se cont- poem predominantemente de suas teorias articuladas a seu proprio respeito. Uma pergunta importante ¢ por que esse distanciamento em relagio aos an- cestrais tornou-se um aspecto tio central de nossas vidas culturais.E a resposta, com certeza, tem a ver com o sentido em que a arte é cada vez mais merca- dologizada. Vender a si mesmo ¢ a seus produtos como arte no mercado € im- portante, acima de tudo, para abrir um espago em que o sujeito se distinga de outros produtores ¢ produtos — e isso se faz pela construgao e acentuacio das diferencas. E isso que responde por uma certa intensificagao do velho individualismo da producao artistica pés-renascentista: na era da reproducao mecanica, o indivi dualismo estético — a caracterizagao da obra de arte como pertencente a oeuvre de um individuo — e a absorcao da vida do artista na concepgio da obra po: dem ser considerados, precisamente, como modos de identificar os objetos para mercado. O escultor da bicicleta, em contraste, nao sera conhecido pelos que comprarem esse objeto; sua vida individual nao far nenhuma diferenga para a historia futura da obra, (Na verdade, ele certamente sabe disso, no sentido de que se sabe de qualquer coisa cuja negagdo nunca se tenha sequer considerado,) Nao obstante, existe alguma coisa no objeto que serve para prepari-lo para 0 mercado: a disponibilidade da cultura iorubana e de histOrias sobre a cultura iorubana que cerquem o objeto eo distingam da “arte popular” de outros locais. ‘Voltarei a esse ponto. Permitam-me confirmar essa proposigio através de exemplos. Na filosofia, o pés-modernismo é a rejeigao do consenso dominante, desde Descartes até 0 positivismo I6gico, passando por Kant, sobre o fundacionismo (existe uma via para o conhecimento, que ¢ apanagio da epistemologia) e sobre 0 realismo metafisico (existe uma verdade, que é apandgio da ontologia), cada qual comprometido com uma nogio unitéria da razao; assim, essa rejeicao cele- bra figuras como Nietzsche (que ndo era um realista metafisico) e Dewey (que no era um fundacionista). to, pode ser cartesiana (na (nos Estados Unidos) Na arquitetura, 0 pés-m nal (bem como a acolhida que se faz oposigao aqui s tatismo” do Estilo Internac Na “literatura, © pos-m alto modernismo, que mobi propria sensibilidade est mente apreciéveis por ume (sem nenhuma ordem part Na teoria politica, por fi Marxista com M mait niisculo) ¢ das concepsdes ‘uma concep¢ao da politica ¢ va sendo essencialmente co aqui, séo as grandes narratiy por exemplo, obras mais rec Justice [A teoria liberal da jus Esses exemplos esquems preender a semelhanca de f do regida por um principio ‘eéricos do pés-modernism parecem competir por um um certo antifundacionisme vendo — embora, penso eu movimentos; a caracteriza do capitalismo avangado — pecto central — bem poder tuma dessas transigdes; e 0 p que em nome de uma metan: modus operandi num mundo dade a espera de instituigdes. A cultura pés-moderna € mos, ora em sinergia, ora em nea, em certos sentidos a que lobal — embora isso nao sig de todas as pessoas do mund« Edigao brasileira Sto Paulo, Me se ra TRASH €0 pom hao era um fundacionista). A modernidade to, pode ser cartesiana (na Franca), kanti (nos Estados Unidos) aqu jana (na Alemanha) e positivista logic: faz oposicao aqui, portan: Na arquitetura, © pés-modernismo & a rejeicdo de um exclusivismo funcio- nal (bem como a acolhida de um cer to gosto pelo pastiche), A modernidade a faz oposigao aqui sio o “monumentalismo’, o “elitismo” e o “autor! ismo” do Estilo Internacional de Le Corbusier, ou de Mies, Na “literatura’, 0 pés-modernismo reage contra a seried: alto modernismo, que mobilizava que ta lade exagerada do a “dificuldade” como modo de privi Propria sensibilidade estética, e celebrava uma complexidade ¢ uma ironia so. mente apreciaveis por uma elite cultural. A modernidade aqui sio, digamos (sem nenhuma ordem particular), Proust, Eliot, Pound e Woolf Na teoria politica, por fim, o pos-modernismo é a rejeigao do monismo do Marxista com M maitisculo (embora ni miisculo) ¢ das concepgdes liber uma concepsio da p\ ’o do marxista mais recente, com M mi ais de justica, bem como sua derrubada por olitica como sendo irredutivelmente plural va sendo essencialmente contestavel aqui, sao as grandes n: cada perspecti- | por outras perspectivas, A modernidade, rrativas politicasoitocentistas de Marx e Mill, mas inclu, por exemplo, obras mais recentes,como areconstrucdo de The Liberal Theory of Justice [A teoria liberal da justca*|, de John Ravls Esses exemplos esquemiticos pretendem sugerit con preender a semelhanga de familia e do regida por um principio mo poderiamos com- tte 0s varios pés-modernismos como s uxo. Eles também sugerem por que os grandes *nismo — digamos, Lyotard, Jameson e Habermas Parecem competir por um mesmo territério: 0 te6ricos do pos-moder privilegiamento lyotardiano de antifundacionismo filos6fico decerto poderia se vendo — embora, penso eu, nao plausivelmen visto como subscre- ausando — cada um desses movimentos; a caracterizagio jamesoniana do pés do capitalismo avangado — tendo a m ecto central — bem poderia explic luma dessas transigdes; e 0 projeto hi modernismo como a légica ercadologizacio das “culturas” como as- igualmente, muitos aspectos de cada tabermasiano certamente tenciona (ainda que em nome de uma metanarrativa sumamente nio-1 otardiana) fornecer um odus operandi num mundo em que o pluralismo, por dade a espera de instituigoes. A cultura pés-moderna é a assim dizer, ¢ uma reali cultura em que operam todos os pés-modernis. mos, ora em sinergia, ora em competigio; uma vez que a cultura contempora nea, em certos sentidos a que voltarei, é t fansnacional, a cultura pés-moderna é slobal — embora isso nao signifique, de maneira alguma, que ela sejaa cultura le todas as pessoas do mundo, Figao brasileira: Sio Paulo, Martins Fonts. (X m2 Na casa de meu pai Seo pos-modernismo é o projeto de transcender algumas espécies de modernis mo — ou seja, um projeto de autoprivilegiamento relativamente constrangido de uma modernidade privilegiada —, presume-se que nosso escultor neotra- idicional do “Homem com bicicleta” deva ser entendido, em contraste, como pré moderno, isto é, tradicional. (Estou supondo, portanto, que ser neotradicional constitua uma maneita de ser tradicional; 0 trabalho desempenhado pelo “neo” 6 uma questo que retomarei sucintamente mais adiante.) As narrativas sociol6- ase antropologicas da tradiao pelas quais esse escultor ou escultora veio a ser teorizado(a) dessa maneira sio dominadas, é claro, por Weber, ‘A caracterizacao weberiana da autoridade tradicional (¢ carismatica), em rridade racional, € compativel com sua caracterizagao geral da Weber insistiu na impor oposigto & modernidade como a racionalizagao do mundo; ia desse processo caracteristicamente ocidental para o resto da humani- dade. A introdugio de A ética protestante* comeca assim: No estudo de qualquer problema da histéria universal, um filho da moderna acombinagio civiliza de fatores a que se pode atribuir o fato de na Civilizagdo Ocidental,e somente na Civilizagio Ocidental, haverem aparecido fendmenos culturais dotados remos cter) de um desenvolvimento universal em seu valor e sig- Jo européia sempre estaré sujeito a indagagdo de qui (como 4) nificad. Nao hé diivida de que a modernidade ocidental tem hoje uma importancia ing e seus chefes ame- geogrifica universal, O ciclista iorubano — como $ tindios da floresta tropical amaz6nica, ou Paul Simon ¢ os miisicos mbaqang de Graceland — é um testemunho disso. Mas, se posso tomar emprestado 0 empréstimo de outra pessoa, a verdade & que o Império dos Sinais Contra- ataca;** o “como queremos crer” de Weber reflete suas duividas sobre se 0 itm perium ocidental no mundo é tao claramente de valor universal quanto decerto € de importincia universal; € 0 pOs-modernismo com certera endossa p o. A bicicleta entra em nossos muscus mente sua resisténcia a essa afirm para ser valorizada por nés (¢ David Rockefeller diz.como ela deve ser valoriza- dda); mas, assim como a presenga do objeto nos relembra esse fato, seu contetido nos lembra que o comércio é de mao dupla. ‘Quero argumentar que, para compreender nossa modernidade — nossa modernidade humana —, primeiro temos que entender por que a racionali- zacéo do mundo jé nao pode ser vista como a tendéncia do Ocidente ou da igao brasileira; Sto Paulo, Pioncira(N. da + © autor paree fazer uma dupla referéncia: a © império dos signs, fmoso livro de Roland Barthes sobte os japoneses,¢ a O impéri ime de fcgio centfea de George Lucas, (Nd) histéria, ou, dito em ter: modernidade deve ser que afirmagao weberiana d bem como sua projecao d radicalmente pés-weberia Podemos comegar por us Stearns Eliot coloca: moderna, a extensto do Jha da explicacao weberi plora, Le Corbusier € a fa em que viver” —, mas E,€ claro, os grandes triunfando no mu Weber. O modernismo na gio da modernidade ¢ subverter — pode ser favor racionalizagio — o carter singularizadora da histsria Entretanto, 0 comego d racionalizasio weberiana dade carismatica —a autor € anti-racional; no entanto, carisma. A secularizagao toda parte do mundo; mais algum tipo de teismo; 0 qu Ocidente quanto na Aftica, Swaggart ¢ Billy Graham como na Costa Rica e em G O que podemos ver em te iluminista com R maitsculo risma e a universalizagao do rario instrumental mais res Weber confundia com isso, € de todasasdteas até mesmc A modernidade transformot letreiro diz “vende razao instrumental reconhec ambiguo, Se hoje se pode ver que 0 mental constitui um erro, aq O pés-colonial eo pés-mo historia, ou, dito em termos simples, por que a caracterizagao modernista da modernidade deve ser questionada. Compreender nosso mundo rejeitat a afirmagio weberiana da racionalidade do que Weber chamou de racionaliza bem como sua projecio da inevitabilidade dela; ¢ ter, portanto, uma coneepcio radicalmente pos-weberiana da modernidade. Podemos comegar por um par de caricaturas conhecidas e titeis: Thomas Stearns Eliot coloca-se contra a desumanidade e a secularizagao da sociedade moderna, a extensio do racionalismo iluminista ao mundo inteiro. Ele parti ha da explicacao weberiana da modernidade sm termos mais diretos, a de- plora, Le Corbusier é a favor da racionalizagio — uma casa é uma “maquina em que viver” —, mas também ele partilha da visto de modernidade de Weber F, € claro, os grandes racionalistas — os que créem numa razio trans-hist6rica triunfando no mundo —, a partir de Kant, slo a fonte da visio kantiana de Weber. O modernismo na literatura, na arquitetura e na filosofia — a explica- gio da modernidade que, segundo meu modelo, © pés-modernismo procura subverter — pode ser favoravel ou contrério a razdo: mas, em cada campo, a racionalizagao — o caréter dif \dido da razio — é vista como a dinamica storia contemporaine singularizadora da Entretanto, 0 comego do saber pés-moderno consiste em perguntar racionalizagao weberiana foi de fato o que aconteceu, Para Weber, a autori- dade carismatica — a autoridade de Stalin, Hitler, Mao, Guevara, Nkrumah é anti-racionak no entanto, a modernidade foi dominada justamente por esse carisma. A seculatizacio mal pa estar avangando; as religides crescem em toda parte do mundo; mais de 90% dos norte-am: gum tipo de teismo; 0 que chamamos “fundamentalismo” esta tio vivo no Ocidente quanto na Africa, no Oriente Médio e no Extremo Oriente; Jimmy Sw como na Costa Rica e em Gana, e Billy Graham tém negécios na Louisiana ¢ na California, assim (© que podemios ver em todos esses casos, penso eu, no € a vit6ria da Razdo iluminista com R maiisculo — que teria acarretado exatamente 0 risma ¢ a universalizac do secular —, nem tampouco a penetragao de uma ruzio instrumental mais restrita em todas as esferas da vida, mas sim © que Weber confundiu com isso, a saber: a incorporacao de todas as éreas do mundo, e de todas as éreas até mesmo da antiga vida “privada’, na economia monetatia. A modernidade transformou cada um dos elementos do real num letreiro, letreiro diz “vende-se”; e isso se aplica até a campos como a religiso, onde razao instrumental reconheceria que o mercado tem, quando 1 ambfguo. Se hoje se pode ver que o discurso weberiano sobre a vitéria da razao instru- (o, um lugar mental constitui um erro, aquilo em que Weber pensou como sendo o desen: 201 Na casa de meu pai cantamento do mundo, ou seja, a difusio de uma visio cientifica das coisas, descreve, se tanto, o mundo mintisculo— e, nos Estados Unidos, bastante mar- ginal — dos circulos académicos superiores ¢ de algumas ilhas sob sua influén- cia. O mundo do intelectual é, penso eu, basicamente desencantado (até os aca démicos teistas, em sua maioria, nao acreditam em fantasmas ¢ espiritos dos ancestrais); e um nimero menor de pessoas (embora ainda muito numerosas) supe que o mundo seja povoado pelas multiddes de espiritos das religides an: tigas. Mesmo assim, 0 que temos visto recenteme secularizagao — o fim das religi 1e nos Estados Unidos nao éa ., mas sua mercadologizagio; e, com essa mercadologizagao, as religides tém ido mais longe e crescido — seus mercados se expandiram — em vez de morrer. © pos-modernismo pode ser visto, portanto, como um nove modo de com preender a multplicagao de distingoes decorrente da necessidade de abrit um espago para si —a necessidade que impulsiona a dinimica subjacente da mo= dernidade cultural. © modernismo assistiu & economizagdo do mundo como a vi ia da razdo; 0 pds-modernismo rejeita essa afirmagao, permitindo, no am= bito da teoria, a mesma multiplicidade de distingdes que vemos nas culturas que ele procura entender, Prevejo a objegao de que o Weber a quem me venho opondo ¢ uma espécie de caricatura. E ndo ficaria insatisfeito em admitir que ha certa veracidade nisso. ‘Weber previu, por exemplo, que a racionalizagao do mundo continuaria a en= contrar esisténcia, esta visio de que cada caso de carisma precisava ser “ro tinizado” nao pretendeu excluir o aparecimento de novos lideres carisméticas em nossa época, como nas anteriores: nossa politica do carisma talvez no 0 tivesse surpreendido." Certamente, além disso, sua concepgdo da razao impli= cava muito mais do que o célculo instrumental. Jé que muito do que assinalei aqui teria sido previsto por ele, talvez mais valha encarar isto como uma rejei= ‘0 de uma leitura equivocada ¢ estreita (se bem que conhecida) de Weber do ue como uma argumentagao contraria ao que ha de melhor nas visées com= plexas e cambiantes do proprio Weber. Mas, creio que também poderfamos interpretar essa leitura equivocada — que encontramos, talver, em Talcott Parsons — como sendo conseqiiéncia, em parte, de um problema da propria obra de Weber. Parte da dificuldade dessa obra esti em que, apesar da profusio de detalhes histéricos em seus estudos sobre a teligido, o diteito © a economia, éfreqiiente ele mobilizar termos tedri= ido de abstragao. Como resultado, nem sempre fica claro se ha realmente tragos comuns significativos entre os varios fenémenos cos de um nivel muito ele sociais que el risma’, (Esse assemelha sob conceitos genéricos como “racionalizagao” ou “cae tum dos problemas gerais levantados pela famosa confianca de Weber nos tipos ideais”) Reinhard Bendix, um dos intérpretes mais importan= es € simpiticos de Weber, c das distingdes tedricas desse feudalismo), que “(e]ssa dist ‘mos abstratos”® Ao ler Webe © problema nemplificado orgartizagdo sociale econbmic © termo “carisma” sed ap de individual, em virtud tratado como dotado de ‘nos ou, no minimo, espec dos como tendo origem div fem questio ¢ tratado como Note-se como o carisma ¢ ra capacidades mégicas (“s 1a"), de um lado, ora qualids de outro, A primeita disjune: 08 muitos casos de lideranca cexemplo, em seu estudo do mente, que devemos empre; Stalin ou Mussolini, que, e nao foram considerados co! na”. O fato € que grande parte do caris na, na Teoria da org minagao” em Economia e magico. Quando, entretanto, 2 teoria weberiana nao conse neluem na egunda disjunca Weber da ao carisma asseme! como a lideranga de Stalin. mperador Carlos Magno, na ¢ ecem, para dizé-lo em terme diferentes. Se acompanharmos ‘eberiano de maneira a insisti finisdo, que o desencanto d do carisma; nesse caso, porém ar, com Weber, que as con: nodernidade, EF, se ele tive firmagao de que a sociologia isto brasileira: Brasilia, Editora r AOR SN _ oo - ee GUROPEA We op ' € simpéticos de Weber, comenta, a certa altura de sua discussio de uma as distingoes tedricas desse autor (a distingdo, alids, entre patrimonialismo e judalismo), que “essa distinglo s6 fica clara enquanto é formilada em te nos abstratos" Ao ler Weber, essa é uma sensagio que se m reiteradamente. > problema ¢ exemplificado na discussao weberiana do “carisma” na Teoria da Ao social e econdmnica O termo de individu arisma” seré aplicado a uma certa qualidade de uma personalida em virtude da qual ele se distingue dos homens comuns e & tratado como dotado de poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-huma- nos ou, no minimo, especificamente excepcionais, Estes s40 (..) considera: dos como tendo origem divina ou exemplar, ¢, com base neles, 0 individuo em questio ¢ tratado como um lider: N ‘ote-se como o carisma é disjuntivamente definido aqui como implicando 1 capacidades magicas (“sobrenaturais, sobre-humanas’, “de origem divi de um lado, ora qualidades meramente “excepcionais” ou “exempl outro, A primeira disjungao de cada ativa abrange satisfatoriamente muitos casos de lideranga sacerdotal e profética que Weber discute, por emplo, em seu estudo do Judaismo antiga. Mas é a segunda, presumivel- ente, que devemos empregar ao procurar entender o papel politico de Hitler, alin ou Mussolini, que, embora tenk m sido “excepcionais o foram considerados como tendo poderes “sobrenaturais “exemplares’”, ‘de origem divi- 1°. fato é que grande parte do que Weber tem a dizer em sua discussio geral carisma, na Teoria da organ agdio social e econdmica e na explicagio da “do- nnagdo” em Economia e s dade,* exige que levemos a sério seu aspecto ico. Quando, entretanto, efetivamente o levamos a sério, descobrimos que eoria weberiana nao consegue aplicar-se aos exemplos de carisma que se icluem na segunda disjungao de sua definicao. Em suma, a explicagao que ‘eber dé ao carisma assemelha dois fendmenos estreitamente relacionados — mo a lideranga de Stalin, numa ponta do espectro, e a do rei Davi ou do perador C cem, pata di los Magno, na outra — em que as idéias mi gico-religiosas pa- lo em termos brandos, desempenhar papéis singularmente ferentes. Se acompanharmos a légica dessa conclusio, beriano de maneira a insistir em seu componente mi redefinindo o carisma ico, dai decorrera, por fini¢ao, que o desencanto do mundo — o declinio da magia — leva ao fim carisma; nesse caso, porém, teremos de nos perguntar quao correto é afir !ar, com Weber, que as concepgdes migicas desaparecem cada vez mais com a ‘odernidade. E, se ele tiver razao nisso, também teremos que abandonar a 1agao de que a sociologia da politica de Weber — na qual o carisma de- igao brasileira: Brasilia, Edtora da UnB, v1, 1991. (N. da 206 Na casa de meu pai sempena um papel conceitual central — teristicos da modernidade. Hé um conjunto similar de dificuldades na explicagao weberiana da racio- nalizagao. Em A ética protestante e 0 espirito do capitalismo,®” Weber escreveu: “Se este ensaio der alguma contribuicao, que seja a de destacar a complexidade sclarece os avangos politicos carac~ do conceito, apenas superficialmente simples, de racional.” Mas, talver fique- mos tentados a ind: erdadeiras complexidades dos fendmenos histdricos dos tltimos séculos de historia social, rligiosa, eco se nossa compreensio d nOmica e politica da Europa Ocidental se torna realmente mais profunda pela utilizagao de um conceito de racionalizagao que reine um suposto aumento do calculo meios-fins (racionalidade instrumental); um declinio do apelo a “forcas misteriosas e incalculiveis” e um aumento correlato da confianga no calcula (desencanto ou intelectualizazao); e o crescimento do “valor racionalidade’, que significa algo como uma concent cente em maximizar uma gama Procurando funcionar nesse nivel elevado de gene- estreita de metas tiltimas. ralidade, assimilando num conceito tantos processos, a meu ver distintos e in dependentemente inteligiveis, a apreciagao weberiana detalhada e sutil da dina mica de muitos processos sociais é obscurecida aqui por seu aparato te6ricos ‘mal chega a surpreender, penso eu, que aqueles que foram guiados por seus escritos te6ricos tenham atribuido a Weber uma imag m mais crua do que a exibida em sua obra historica, ‘Venhho explorando como se afigura a modernidade do ponto de vista do intelec= tual euro-americano. Mas, como se afigura ela, vista dos espacos pos-coloniais Falarei sobre a Africa, confiando tanto habitados pelo “Homem com bicicleta em que parte do que tenho a dizer se aplicaré a outros locais do chamado Ter- em certos locais, certamente nao o fard. Falarei, ceiro Mundo, quanto em qu primeizo, dos produtores desses chamados trabalhos artisticos neotradicionais e, depois, do caso do romance africano. Creio que nos concentrarmos exclusiva ‘mente no romance (como se inclinaram a fazer os te6ricos das culturas afriea= nas contemporaneas) equivale a distorcer a situagao cultural e a importancia dentro dela, do pés-colonialismo. Nao sei quando 0 “Homem com bicicleta” foi feito, nem por quem: a arte afticana, até recentemente, foi colecionada como propriedade de grupos “étni 0s", € nao de individuos c esttidios, de modo que nao ¢ incomum que nenhuma das pecas da exposicdo Perspectivas tenha sido identificada na “Lista catalo= sgrifica” pelo nome de um artista individual, embora muitas delas sejam do sé culo XX (e ninguém ha de ter-se surpreendido, em contraste, com o fato de = ‘maioria delas ser gentilmente rotulada com 0 nome dos proprietarios das eo es, basicamente particulares, em que elas hoje se encontram). Como result do, nao sei dizer se a obra é lteralmente p6s-colonial, ou seja, produzida apos= independéncia nigeriana em te foi produzido desde entio Dito em termos simples, o gu zido para 0 Ocidente Devo fazer algumas ressa radores residem na Arica e dos africanos. Mas, os consun so educados em estilo ocide: ferirem pecas “genuinamente eles acreditem ter sido produ: tilo e por métodos ja estabele sto minoria. A maior parte de ou supostamente pré-coloni er, & a explicacao que pi Provenientes do colonial ou para turistas ocidentais e outn A incorporagio dessas obr de scu mercado artistico quase Basicamente, a ideologia med trata-se da ideologia que levo Africa” a Picasso, e algo cha 1m Outro oficial, foi obviame certa vez. comentou que “o Jap nao existe esse povo.”») O que de que a arte africana nao deve de outrem)": Para 0 modernis ios estéticos pretensamente 1 icou que era possivel valoriz: possivel estavam pr suas proprias culturas, para na. Para os pds-modernismo m ser entendidas, nao poden ranscendam a cultura ea hist O que ha de itil no objeto n varginalidade na maioria das mundo dos museus (enquanto ' bancos, por exemple, reside: nbrar que na Africa, ao contr: se é que faz algum sentido, co os que tém e os que nao tém nsumidores culturais, Ops olonial eo pos-m independéncia nigeriana em 1960, Mas ela pertence a um género que certamen- te foi produzido desde entao: o género que o catélogo chama de ‘tradicional Dito em termos simples, o que ha de caracteristico nesse g Zido para 0 Ocident Devo fazer algumas ressalvas. Evidentem enero é ele ser produ nte, muitos dos primeiros com: pradores residem na Africa e muitos deles sio, juridicamente, dos africanos. Mas, os consumidores burgueses afr sio educados em estilo acide: cidadaos de Esta icanos da arte neotradicional al e, quando querem arte africana, écomum pre. ferirem pecas “genuinamente” tradicionais, com o que me refiro a pegas que eles acreditem ter sido produzidas pré-colonialmente, ou, tilo e por métodos j stabelecidos nos tempos pré-coloniais. Tais compradores sao minoria. A maior parte dessa arte, que vradicional por usar técnicas efetiva ou supostamente pré-coloniais, mas que & neo — essa, Pela serventia que possa ter, € a explicagao que rometi antes — por ter elementos reconhecidamente Provenientes do colonial ou do pés-colonial como Para turistas ocidentais e outros colecionadores, A incorporacao dessas obras no mundo ocidental da cultar de seu mercado artistico qua: eferéncia, tem sido feita ra museol6gica e se nada tem a ver, & claro, com o pés-modernismo, Basicamente, a ideologia mediante a qual ela is S80 incorporadas é modernista: trata-se da ideol gia que levou algo chamado “Bali” Africa” a Picasso, e algo chamado"Japao” a Artaud, algo chamado « Barthes. (Essa incorporagao, como ‘um Outro oficial, foi obviamente criticada desde seus primérdios: Oscar Wilde certa vez comentou que “o Japa inteito é pura invengio, Nao existe esse pais, nao existe esse povo.””) © que 6s-modernista ¢ a confusa conviegio de Vogel ue a arte africana nao deve ser julgada “em termos dos critérios tradicionais de outrem)”: Para o modernismo, a arte primiti fa deveria ser julgada por crite: ios estéticos pretensamente universais, , por esses ps padroes, finalmente se veri- icou que era possivel valorizé-la. Os escultores e pintores que julgaram isso possivel estavam predominant ie suas proprias cultur mente buscando um ponto arquimediano fora as, para fazer uma critica de uma modernidade webe- jana. Para os pés-modernismos, em contraste, essas obras, como quer que de- im ser entendidas, no podem ser vistas como legitimadas por padres que anscendam a cultura ¢ a histéria. O que ha de itil no objeto neotradticional como modelo —a des speito de sua marginalidade na aioria das vidas africanas — € que sua incorporacio no indo dos museus (enquanto muitos objetos feitos p Jas mesmas maos, como bancos, por exemplo, residem pacificamente em lares nao but rar que na Africa, ao contraio, a disting s) faz 0 entre cultura e cultura de mas se € que faz algum sentido, corresponde predominantemente a distingao en- 6s que tém ¢ os que nao tém uma educagdo formal de estilo ocidental como nsumidores culturais,

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