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on ALGUNS PRINCIPIOS DE ESTRATIFICACAO* ‘Kinas.ey Davis e Winsent E. Moore Tradugio de Luiz Antonio Machado da Silva None raanazo prévio foram aptesentados alguns conceitos para 0 tratamento dos fenémenos de desiguatdade secial.' © presente astigo empreende um passo a mais na teoria da estratificagio — uma tentativa de mostrar as re lagGes entre esta © 0 resto da ordem social? Paitindo da pro- posigio de que ndo hi sociedade sem classe, ou “ndo-estrati ficada”, fazse um esfbrco para explicar, em téimos funcio- nais, a necessidade universal de estratificagio em qualquer sistema social, Em seguida procurase explicar « distibuicio aproximadamente uniforme do prestigio entre os principals tipos de posigio em qualquer sociedade, Por outro lado, como "Some Principles of Stratification”, em American Sociolog! Resiew, abril de 198, yp. HEB, de Kingsley Davis © Wilber’. TT Kiagsley Davis, “A Conceptual Analysis of Stratification”, Ame- lean Sociological Review, juaho de 1942, pp. 300-321. 2° Os autores Tamentam (e se desculpam) que o presente ensalo = condensagio de estudo mais longo ~ cubra um assunto sito smplo neste pequeno espago, impedindo que se oferega adequada evidéncia fe sejam feltas as restrigoes cabivels ao mesmo, apresentando por con eguinte o que € de falo ume simples tentauva sob forma dogmstica, ‘Atcuns Puncipios pe Esteaniricacho re existe entre uma sociedade e outra grandes diferengas n0 ‘grau e tipo de estratificagio, dé-se também algums atencéo As variedades da desigualdade social € aos fatéres varisveis que as fazem aparecer, E ébvio que a presente tarefa exige dues diferentes li- has de andlise — uma para compreender 0s aspectos uni- versais, outra para compreender os aspectos varidveis da es. tratificacio. Naturalmente cada linha de indagagio auxilia 2 outra e lhe é indispensivel, e seguir as duas serio trata- das conjuntamente, muito embora sejam enfatizados os fa- tores universais, em virtude das limitagSes de espaco Assim, serd necessirio ter em mente que tOda a expo- sigio sefere-se ao sistema de posigSes, nio 20s individuos que as ocupam. Uma coisa é perguntar por que diferentes posi- Ges implicam diferentes graus de prestigio, outra bem di versa é indagar como cestos individuos as assumnem. Ainda que, como nossa argumentacdo tentaré mostrar, ambas as questées estejam relacionadas, € essencial manté-las separa- das em nosso pensamento. A maior parte dos estudos sobre estratificagio tem procurado responder & segunda (em parti- cular com respeito facilidade ou dificuldade de mobilidade ‘entre os estratos), sem ocupar-se com a primeira, Mas esta é lagicamente anterior ¢, no caso de qualquer individeo ou grupo particular, concretamente anterior. A Necessipape FUNCIONAL DE EsTRATIFICAGIO Catiosamente, a principal necessidade funcional que ex- plica a presenca universal da estratificagio € precisamente a exigéncia enfrentada por qualquer sociedade de situar e mo- tivar os individuos na estrutura social. Como um mecanismo em funcionamento, a sociedade deve de algum modo dis- tribuir seus membros em posigdes sociais € induzilos a exe- cutar os deveres inerentes a elas. Deve, portanto, preocupar- -se com a motivagio em dois diferentes niveis: instilando nos individuos adequados 0 desejo de preencher certas posigdes 116 Esreurura DE Classes & EstRaviFicagio Sociat 6 uma vez nelas, o desejo de executar os deveres que the estio ligados. Ainda que a ordem social possa ter forma rela- tivamente estitica, hé um processo continuo de metabolismo, na medida em que novos individuos nascem dentro dela, mu- dam de lugar com a idade © morrem. Sua absorcio no siste- ma de posigées deve de algum modo ser conseguida e moti vada. Isso € verdade, seja o sistema competitivo ow nio- -competitivo, Um sistema competitivo dé maior importincia & motivagdo para adquirie posigées, enquanto um sistema nio- -competitivo dé talvez maior importincia A motivagio para executar os deveres increntes as posicées, mas em qualquer sistema sio exigidos ambos os tipos de motivacio, Se os deveres associados as varias posigdes fOssem todos igualmente agradéveis 20 organismo tumano, igualmente im- portantes para a sobrevivéncia da sociedade, ¢ necessitassem, igualmente da mesma habilidade ou talento, no faria dife- renga quem estivesse em que posiglo, e o problema do eaqua- dramento do individuo na sociedade setia muito reduzido. Mas de fato isso faz enorme diferenca nfo apenas porque algumas sio em si mesmas mais agradaveis do que outras, mas também porque algumas requerem talentos ov treina- mentos especiais e algumas sio funcionalmente mais impor- fantes que outras. Além disso, é essencial que os deveres as- sociados 3s posicGes sejam executados com a diligéncia que sua importincia exige, Inevitivelmente, entio, uma socied: de deve ter, em primeico Iugar, algama espécie de recom- ‘pensa que possa usar como incentivo, ¢ em segundo alguma maneira de distribuila difecencialmente de acérdo com as posigées. As recompensas e sua distribuicio tornam- yparte da ordem social, ¢ assim dio origem & esteatificacéo. Pode-se perguntar que espécie de secompensa uma socie- dade tem A disposicéo pars distribuir ao sea pessoal e asse- _gurar os servicos essenciais. Antes de mais nada, tem 2s coisas gue contribuem para a subsisténcia e conférto; a seguir, a8 que contribuern pasa o humor € a diversio; e finalmente ALGUNS Painclpios pe Esrraririca¢ko u7 as que contribuem para o auto-tespeito € a expansio do ego. As tiltimas, devido ao caréter particularmente social do se/f, esto em grande parte em funcio da opinifo dos outros, po- rém assim mesmo equivalem em importincia as duas primei. ras. Fm qualquer sistema social, todos os trés tipos de re- compensas devem ser dispensados diferencialmente de acérdo com 2s posicées Fm certo sentido, as recompensas sio incorporadas A posisio. Elas consistem nos.“direitos” associados & posicéo, além do que pode ser chamado de seus acompanhamentos ou acessérios. Com freqiéncia, os direitos, ¢ algumas vézes 0s acompanhamentos, estio funcionalmente relacionados 20s deveres da posigio. (Os direitos, do ponto de vista de seus possuidores, so via de regra deveres, do ponto de vista dos otros membros da comunidade.) Entretanto pode hever um grande nimeso de direitos e proventos subsidiérios que néo sio essenciais 2 posigdo, e tém apenas uma conexio indi- eta e simb6lica com os deveres desta, mas que ainda podem ser de considerdvel importincia para induzir as pessoas a busci-las e cumpri os deveres essenciais. Se os diteitos -~ ¢ seus acompantiamentos — relatives, as diferentes posicées de uma sociedade devem ser desiguais, entio cla deve set estratificada, porque é isso precisamente © que a estratificacio significa. A desigualdade social & por- tanto um artificio inconscientemente desenvolvido, por inter- médio do qual as sociedades asseguram que as posicBes mais importantes sejam criteriosamente preenchidas pelos mais qua- lificados, Por essa ra2%0, qualquer sociedade, no importa guio simples ou complexa, deve diferenciar as pessoas em térmos de prestigio e estima, e deve portanto possuir certa soma de desigualdades institucionalizadas. Dai nio se segue que 2 quantidade € 0 tipo das desi gualdades necessitem set os mesmos em todas as sociedades. Jsso € em grande parte uma funcio dos fatdres que serdo discutidos adiante. 118 Esrkuruna de Chasses & EstRATiFCAGAO SOCIAL Os Dots Derenauvanres pa Hierarquia pas PosicbEs Admitindo que a desigualdade possui uma fangio geral, podem-se especificar os fatéres que determinam a ordenacio Gas diferentes posigSes. Via de regea, as que implicam me- Ihotes recompensas, ¢ por éste motivo estio nos mais altos niveis daquela ordenacio, so as que: 2) tém maior impor- tincia para a sociedade ¢ 4) exigem maior treinamento ou talento. O primeiro fator diz sespeito A funcio, e sua signi- ficacéo é relativa; o segundo refere-se aos meios e é uma questo de escassez. Importincia funcional diferencial Na realidade uma sociedade no precisa secompensat posigdes na proporcio de sua importancia funcional. Apenas necessita darlhes recompensas suficientes para assegurar que sejam cumpridas satisfatdriamente. Por outcas palaveas, deve zelat para que 2s posigées menos essenciais néo concortam com sucesso com as mais essenciais. Se uma posi¢io com facilidade preenchida, no precisa ser muito recompensada, ainda que importante. Por outro lado, se além de importante € dificil de preencher, 2 recompensa deve ser alta o bastante pata assegurar 0 preenchimento apesar de tudo. A importin- cia funcional € portant causa necessitie, mas nfo suficiente, para conferir elevada situacio hierérquica a uma posicéos Escassez diferencial de pessoal Praticamente tddas as posig6es, nfo importa como sejam adquiridas, exigem alguma forma de qualificagéo on capa- 3 Infelizmente, a importincia funcfonal ¢ diffeil de estabelecer, Usar © prestgio da posigdo para determinévla, come multas vézes # iacons: clentemente feito, constitu, do nosso. ponto de vista, um raclocinio clr- cular. Existem, aio obstante, dole iadieadores independeates: a) 0 gra 80 gual us posigso € fancionalmente nics, a0 havendo. outras ‘ie possi deserpenhar com éxito @ mesma dungior 8) 0 grat 00. qual Atguns Panncivtos De Estrariricagio 119, idade para sea desempenbo. Isso esté implicito na propria nogio de posi¢do, que implica que o ocupante deve, em virtude de sua “investidura”, realizar determinadas coisas. Existem, em iiltima andlise, apenas duas maneicas pelas quais as qualificagSes de uma pessoa se manifestam: através de capacidade inerente ou por meio de treinamento. B Sbvio que, nas atividades concretas, ambas sio sempre necessirias, mas de um ponto de vista pratico a escassez pode estar colo- cada bisicamente em uma ou outra, tanto quanto nas duas. Algumas posigSes exigem talentos inatos em to alto gran que as pessoas que as ocupam séo raras, Em muitos casos, or outro lado, 0 talento é abundante na populacio, mas o processo de treinamento é tio longo, custoso ¢ elaborado que relativamente poucos se podem qualificar. A Medicina mo- derna, por exemplo, esté dentro da capacidade mental da maioria dos individuos, mas uma educacio médica é tio tra- alhosa € onerosa que virtualmente ninguém se aventuratia nela se a posi¢io de doutor no trouxesse consigo uma te compensa ao nivel do sactificio, Se 0s talentos sequeridos para uma posigio séo abun- dantes ¢ o treinamento facil, o método de adquirir a posicio pode ter pouco que ver com seus deveres, Pode haver, na realidade, uma relacio apenas acidental. Mas se as qualifi- cages exigidas so escassas em virtude da raridade ou do extras porigGes dependem da que esté sendo considerada. Ambos os te- Gicadorer #80. melhor exemplicedos em sistemas organizades de. pest bee, desenvolvides em thea de ma. funglo. Principal Asim, em 30. ‘dadss mais complavas, ae fingGer religions, poliGeas, econdmicse ¢ educacionals siomenejadas por estruturas —distintas difcimente. tater Cemblives, Acresce que cade estruturaposssl muitas posgGes dif fentes algimas clavartente depondentes, se\afo. subordioadss, de outros. Em sima, quaade um agcleo iosttuclonal se toraa dferenciad em tno de una Eagdo pencil ego eano tempo organiza grande pore ch lasso segundo ssur podrses de relacionamento, ae posigoes-chave Serum a mais sia inporaacla fiona A aetaca dng ape Eacio aio prova, falta de inportéacia funcional, porgue ‘eda 2 socie- Gade pode Jer ate certo ponte ako-especalizada: mas € lndabitvel ove 2s mals importantes fungoes recebem a primelra e mals nitida diler- Glagio estratr 120 Estmurusa De Cassés x Estpaniricagao Socia custo do treinamento, a posigio, se funcionalmente impor tante, deve ter um poder atrativo que carreie para si as quali- ficagdes necessérias na competi¢ao com outras posigdes. Isso significa, com efeito, que deve ser alta na escala social — deve dispor de grande prestigio, alto salério, amplo tempo de fazer, etc Como as variasie Xa medida em que existe diferenca entre um sistema de estratificagio e outro, pode ser atribuida a qualquer fator influéncia nos dois determinantes da recompensa diferencial — ou seja, a importincia funcional e a escassez de pessoal Posigdes importantes em uma sociedade podem niio o ser em outras, porque as condicées enfrentadas por elas, ou seu gra de desenvolvimento interno, podem ser diferentes. As mesmas condigSes, por seu turno, podem afetar 2 questo da escassez, porque em algumas sociedades o estigio de desenvolvimento ow a situagio externa pode dispensar a necessidade de certo tipo de qualificagio ou talento. Assim, qualquer sistema par- ticular de esteatificacio pode ser entendido como um produto das condigSes que afetam as doas supramencionadas bases da diferenciagéo da recompensa. AS Principais FuNgGss SocieTARias & A ESTRATIFICAGAO Religiéo A razio pela qual a seligifo & necessdria est4 aparente- mente baseada no fato de que a sociedade humana alcanca sua unidade antes de mais nada através da posse, pelos seus membros, de certos val6res ‘iltimos e fins comuns. Ainda que ésses valores e fins sejam subjetivos, influenciam 0 com- portamento, e sua integracgo capacita a sociedade a operar como sistema. Nao se derivando da heranga nem da natu- ALGUNS PainciPios ve Esrsatinicagio 12 teza externa, éles se desenvolveram como paste da cultura pela comunicagdo e pressio moral. Podem, sem embargo, mostrar-se dotados de alguma realidade para os membros da sociedade, e € papel da crenca religiosa e do ritual preencher e reforcar essa aparéncia. Atcavés da ctenga ¢ do ritual, os fins e valéres comuns sio relacionados a um mundo imagi- nario simbolizado por objetos sagrados concretos, que por seu turno é relacionado de maneira significativa com 0s fatos ¢ experiéncia da vida individual, Através da adoracto dos abjetos sagrados e dos séres que éles simbolizam, bem como da accitacdo das prescricBes sobrenaturais que so 20 mesmo tempo cédigos de comportamento, & exercido um poderoso contréle sobre a conduta humana, guiando-a ao longo de li- nhas que sustentam a estrutura institucional e esto de acbrdo corn 05 fins € valézes éltimos. Se essa concepgio do papel da religiio é verdadeira, po- dese compreender por que em tdda sociedade conhecida as atividades religiosas tendem a estar a cargo de pessoas espe- iais que propendem désse modo a desfeutar maiores recom pensas que os membros comuns da sociedade. Certas recom- pensas e privilégios especiais podem destinar-se apenas aos mais altos foncionérios religiosos, mas outras, vie de regra, estendem-se a t6da classe sacerdotal, caso esta exista, ‘Além disso, h4 ume relacio peculiac entre os deveres dos funciondrios religiosos e os privilégios especiais que des- frutam. Se o mundo sobrenatural governa os destinos dos homens mais profundamente que o mundo real, seu sepse- sentante terrestre, a pessoa por intermédio da qual um indi- viduo pode comunicar-se com 0 sobrenatural, deve ser pode- rosa, Ela € depositiria da tradigio sagrada, executante qua- lificada do ritual ¢ intésprete da doutrina © do mito. Esti ein tio fntimo contato com os deuses que é vista como porta- dora de algumas de suas caracteristicas. Em resamo, tem algo de sageado, e désse modo esté livre de algumas das mais vvulgares necessidades ¢ contrdles, EEE eee ee Eee a 122, Esrnuruna ve Ceasers x Esraaninicagio Socian Nio acidente, portanto, que os fuacionétios religiosos tenham estado associados as mais altas posigdes de poder, como nos regimes teocriticos. Na verdade, olhando désse ponto de vista, podese indagar o motivo pelo qual éles nio assumem total contrOle sObre suas sociedades. Os fatdres que impedem tal fato sio dignos de nota. Em primeico lugar, 0 nfvel de competéncia técnica ne- cessirio para o desempenho dos deveres religiosos é baixo. Nao é exigida capacidade cientifica ou artistica. Qualquer pessoa pode proclamar que goza de intima relacio com as deidades, ¢ ninguém pode com sucesso questioné-la. Portanto, © fator escassez de pessoal, em térmos de técnica, no tem viggncia Pode-se dizer, por outro lado, que muitas vézes o ritual teligioso é elaborado e a doutrina abstrusa, e que os servicos sacerdotais exigem tato, se no inteligéncia. Isso € verdade, mas 0s requisitos técnicos da profissio sio na maior parte acidentais, nfo relacionados com o fim da mesma maneira que, por exemplo, a ciéncia esté relacionada ao transporte aéreo. © sacerdote munca pode estar livre da competicio, desde que os critérios sébre se tem ou no gemufno contato com 0 sobrenatural jamais so estritamente claros. £ a com- peticto que desacredita 2 posicéo sacerdotal, mais do que poderia ser esperado A primeira vista. Bste é 0 motivo pelo qual o prestigio sacerdotal € mais alto nas sociedades onde © fato de pertencer & profissio é rigidamente controlado pela prépria corporacéo sacerdotal. Por isso também, pelo menos ‘em parte, si0 utilizados refinados artificios paca acentuar a identificagéo da pessoa com seu cargo: vestimentas fora do comum, conduta anormal, dicta especial, residéncia segrega- da, celibato, lazer conspicuo e coisas semelhantes. De fato, © sacerdote corre sempre 0 perigo de se tornar de algum modo desacreditado — como acontece numa sociedade’ se- cularizada — porque num mundo em que os fatos sio vistos ctuamente, apenas 0 conhecimento sagrado e ritual nfo traré AtGUNS Pauncipios pF ESTRATIFICAGRO colheitas nem construird casas. Além disso, por menos que le esteja protegido por uma coxporaglo profissional, a iden- tificacio do sacerdote com 0 sobrenatural tende a excluir sta aquisigio de abundantes bens terrenos. Dentre as sociedades, parece que 0 tipo medieval de ‘ordem social confere 20 sacerdote a5 mais altas posigées de toda a escala, Nela ha suficiente produgio ecoadmica para permitir um excedente, que pode ser vtilizado para sustentar uum clero mumeroso ¢ altamente organizado, ¢ no entanto 0 populacho é ainda iletrado € portanto muito crédulo. Talvez © exemplo mais extremo esteja no budismo do Tibete, mas encontram-se outros no catolicismo da Europa feudal, no regime inca do Pera, 0 bramanismo da India ¢ no cleso mala do Tucatio, Por outso lado, se a sociedade € to primi- tiva a ponto de ago apresentas excedente e ter pouca dife- renciagio, fuzendo que todo sacerdote deva ser também | vrador on cacador, 2 separacio entre 0 status sacerdotal € outros priticamente nio basta para que o prestigio sacer- dotal signifique muito. Quando o sacerdote de fato tem alto prestigio nessas circunstincias, € porque executa também ou- tras importantes fungées (via de regra politicas e médicas). Numa sociedade muito avancada, fundada na tecnolo ‘gia cientifica, o sacerdote tende a perder starus, porque a tradicgo sagrada e 0 culto do sobrenatural passam para se- ‘gundo plano. Os valéres «iltimos e os fins comuns tendem 4 ser expressos de maneiras menos antzopomésficas pelos res- ponsiveis, que ocapam Fundamentalmente pasigbes antes po~ Iiticas, econémicas on educacionais, que religiosas. Contudo, é bem possivel que 08 intelectuais exagerem 0 grau no qual 6 sacerdécio, num meio presumivelmente secular, perdew prestigio. Quando 0 assunto é examinado de perto, 0 prole- tariado urbano — tanto quanto os moradoses do campo — prova, muito mais do que se espera, set temente a deus dominado pelos sacerdotes. Nenhuma sociedade se torsou tio completamente seculasizada ponto de liquidar a crenga 124 ESTRUTURA DE Cuassts r EstRatiRicagZo Soci nos fins transcendentais ¢ entidades sobrenaturais, Mesino numa sociedade seculasizada deve existis algum sistema de integeacio dos valéres dltimos, de expresso situalistica dos mesmos e de ajustamentos emocionais exigidos pelo desapon- tamento, morte desastse Govtrno Como a religido, o govérno representa um papel tinico e indispensivel na sociedade, Mas em contraste com ela, que prové a integragio em térmos de sentimentos, crencas ¢ ri- tuais, 0 govérno organiza a sociedade em térmos de lei ¢ autotidade. Além disso, orientase mais para o mundo real que para © desconhecido. Suas principais fungGes so, internamente, a manutensio em iiltima instancia das normas, a arbitragem final dos inte. résses em conflito, bem como o planejamento e a direcio Blobal da sociedade; ¢, externamente, 2 condugio da guerra e da diplomacia. Para cumpri-las, o govérno atua como agente de todo 0 povo, destruta o monopélio da forca e controla todos os individuos dentro de seu territério. A acio politica, pot definicio, implica autoridade. Um funcionério pode mandar porque tem autoridade, e 0 cidadio deve obedecer porque esta sujeito a ela. Por éste motivo, a estratificacio € inerente & natureza dos relacionamentos politicos. Tio nitido & 0 poder corporificado na posisio politica que 2 desigualdade politica é algumas vézes imaginada como compreendendo tédas as desigualdades. Mas podese mos- trar que hé outras bases de estratificaclo, e que os seguintes contrdles operam na pratica para impedix que o poder poli- tico se torne absoluto: @) © fato de que os reais ocupantes de cargos politicos, especialmente aquéles que determinam a alta politica, devem ser necessitiamente poucos, compara- dos com o total da populacéo; 6) 0 fato de que os gover- nantes representam mais o interésse do grupo que 0 proprio, ¢.sio portanto restringidos em seu comportamento pelas no ALGUNS Pauncipios pe Esrrarinicagio 125 mas € costumes, destinados a manter essa limitaggo de inte- résses; c) 0 fato de que o ocupante de cargo politico possui autoridade apenas em virtude do cargo, e por isso qualquer conhecimento, talento ou capacidade especial que poss pro- clamar € puramente acidental, tanto que muitas vézes tem que depender dos outros para assisténcia técnica. Em vista désses fatdres limitativos, no é estranho que os governantes tenham fregiientemente menos poder ¢ pres- tigio do que a enumeracio literal de seus direitos formais poderia levar alguém a supor. Riqueza, propriedade e trabalho Qualquer posicéo que assegure a seu ocupante 0 sus- tento é por definigio, econémicamente recompensada. Por isso, existe um aspecto econdmico naquelas posigies (por exemplo, politica e seligiosa) cuja principal funcio nfo & econtimica. ‘Tornase conveniente para a sociedade, portanto, usar retribuicSes econdmicas desiguais como principal meio de controlar 0 acesso das pessoas as posigSes e estimular 0 de- sempenho de seus deveres. Por isso, 0 montante da setr buicho econémica se toma um dos principais indices do stains social. Deve ser ressaltado, todavia, que uma posi¢fo ndo trax poder ¢ prestigio porgue proporciona alta renda. Pelo con- trério, ela proporciona alta senda porque é funcionalmente importante e 0 pessoal disponivel é, por uma razio ou por outra, escasso. Assim, é superficial e erréneo encarar a alta renda como causa do poder e prestigio de um homem, da mesma forma que é errbneo pensar que a febre € causa da doenga de uma pessoa.t esraticge Tol ft renege poy Taleo Bargosien ho Roaytcad ‘Approach to the "Theory of Social Stratification", American Journal of Sociology, 45: 841-862, maio de 1940. 126 EsrRUTURA DE CLasses & EstratiFicacho Soctat ‘A fonte econdmica do poder e prestigio no & prim’. riamente a renda, mas a propriedade de bens de capital. (in- cluindo patentes, boa vontade e reputacio profissional) . Poder-se-ia distingui-la da posse de bens de consumo — antes indicador que causa da posicao na escala social. Por outras palavras, 2 propriedade de bens de producéo na realidade é uma fonte de renda como as outras posicées, permanecendo a renda em si mesma como um simples indice. Mesmo em si tuagdes onde os valéres sociais sio muito comercializados € 0 lucros s40 0 melhor método de julgar a posicio social, a senda induz as pessoas a competir por cla, mais do que Ihes confere prestigio. E verdade que um homem que possva alta renda como resultado de uma posicdo pode perceber que ésse dinheiso também é Gtil para atingir uma posi¢io melhor, mas isso reflete novamente 0 efeito de seu status inicial, econd- micamente vantajoso, que exerce influéncia por intermédio do dinheiro. Num sistema de propriedade privada no empreendi- mento produtivo, uma renda acima do que 0 individuo gasta pode dar lugar & posse de siqueza de capital. Presumivel- mente, ela € uma recompensa pela gestio aproprieda de suas Financas e posteriormente de um empreendimnto produtivo. Mas como a diferenciacéo social se torna muito desenvol- vida, e persiste a instituicio da heranca, emerge o fenémeno da propriedade pura, e sua recompensa. Neste caso é dificil provar que a posigio € funcionalmente importante ou que a escassez envolvida ndo é apenas extrinseca ¢ acidental. E sem dtivida por isso que a instituigio da propriedade privada dos bens de producao se torna objeto de criticas, na medida em que 0 desenvolvimento social avanga no sentido da in- dustrializacio. Nao obstante, s6 a propriedade pura — isto & esiritamente legal ¢ sem fungio — esti aberta 20 ataque; porque alguma forma de posse ativa, privada ou publica, é indispensavel. ALGUNS Princfeios De EsrraTieicacia 137 ‘Um tipo de propriedade de bens de produgio consiste em direitos sobre 0 trabalho dos outsos. De tais direitos, os mais extremamente concentrados e exclusivos sio encontra- dos na escravatura, mas 0 principio essencial permanece na servidio, peonagem, vassalagem e contratos de aprendizagem. laro que essa espécie de posse tem a maior significacao para a estratificagio, porque determina um relacionamento desigual Mas é inevitivel que a propriedade dos bens de capital introdwza um elemento compulsério mesmo na relacio con- tratual nominalmente livre. De fato, sob alguns aspectos a sutoridade do empregador contratual & maior que a do senhor feudal, visto que éste € mais limitado pelas reciprocidades tradicionais. Mesmo a Economia classica ceconheceu que os competidores gozariam de condigées desiguais, mas nao levou &ie fato até a conclusio necessiria de que, como quer que sej2 adquirido, um controle desigual de bens e servigos deve dar uma vantagem desigual as pastes de um contrato. Conbecimento téenico ‘A fungio de encontrar meios para objetivos singulares, sem nenhuma relagio com a escolha entre éstes, & a esfera exclusivamente técnica. A explicagio do motivo pelo qual posig®es que exigem alta qualificacdo técnica recebem recom- pensas bastante elevadas € facil de ver, pois se trata do mais simples caso de distribuicio de secompensas para atrair 0 talento © motivar o treinamento. A sa2io por que soramente ‘ou munca recebem as mais altas secompensas € também clara: a impostincia do conhecimento téenico do ponto de vista social nunca € tio grande quanto a da integracio dos obje- tivos, que tem Iugar nos niveis religioso, politico e eco- ndmico. ‘Nio obstante, a distinglo entre o técnica € 0 leigo bésica em qualquer ordem social ¢ nfo pode ser em absoluto 128 EsrRoTURA De Cuassrs x Esrraminicagio SociaL, reduzida a otros térmos. Tanto métodos de recrutamento panto recompensas algumas vézes induzem a interpretacées erroneas de que as posigSes técnicas sfo econbinicamente de- terminadas, Na realidade, entretanto, a aquisicio de conheci- mentos ¢ qualificagies nfo pode ser conseguida por compra, muito embora a oportunidade de aprender possa. © contrdle das vias de treinamento pode ser inerente, como uma espécie de dircito de propriedade, 2 certas familias ou classes, dando- hes em conseqiiéncia poder e prestigio. Tal situagdo acres- centa uma escassez artificial A escassez natural de qualifica- Ges € talentos. Por outro lado, é possivel que aparega uma situagio oposta: as eecompensas & posicio técnica podem ser tio grandes que seja criada uma situacio de excesso de oferta. levando afinal a uma desvalorizacio das recompensas. Assim, © “desemprégo nas profissbes de nivel superior” pode resultar de uma queda no prestigio das mesmas. Tais ajustamentos e reajustamentos estdo constantemente ocorrendo nas socie- dades em mudanga; e € sempre bom tet em mente que a ficiéncia da estrutura estratificada pode ser afetada pelos modos de recrutamento para as posigdes. A prdpria ordem social, todavia, coloca limites para a inflaclo ou deflacio do prestigio dos técnicos: um excesso de oferta tende a diminuir fas recompensas € desencorajar 0 recrutamento ou produz re- volucio, enquanto uma escassez de oferta tende a incremen- tar as recompensas ou enfraquecer a sociedade na competi- go com ontras. Sistemas pasticulares de estratificagio apresentam extensa gama de possibilidades com celaglo & posi¢ao exata das pes- soas técnicamente competentes, que se mostra talvez mais evidente no grau de especializacio. Uma extrema divisio do trabalho tende a criar muitos especialistes sem alto prestigio, desde que 0 treinamento seja curto e a capacidade inata exi- gida relativamente pequena. Por outro lado, tende também a acentuar a alta posi¢éo dos verdadeiros técnicos — ciea- tistas, engenheiros e administradores — incrementando sua ‘Ancuss Pruncipios pe Esrrantricacio autoridade relativa sébse outsas posigSes funcionalmente im- portantes. Mas a idéia de uma ordem social tecnocritica ou um govérno ou sacerdécio dos engenheiros ou cientistas so- Ciais negligencia as limitagBes de conhecimentos € qualifica- Ges como base para o desempenho de fungdes sociais. Na medida em que a estrutura social é verdadeicamente especia- lizada, 0 prestigio do téenico deve ser também ciscunscrito, VAnuAGRO EM SISTEMAS ESTRATIFICADOS Os principios gerais de estratificagio aqui sugeridos formam uma preliminar necessiria para a consideragio dos tipos de sistemas estratificados, porquanto & em térmos désses princfpios que éles deve ser descritos. Isso pode ser visto pela tentativa de delinear tipos de acérdo com certos modos de vasiacio. Por exemplo, alguns dos modos mais impos- tantes (com seus tipos polares) poderiam ser os seguintes: 2) O grau de expecializasao. O gran de espetializacio afeta a sutileza ¢ multiplicidade das gradacies no poder ¢ prestigio. Infuencia também a extensio na qual fungSes pas ticulares podem ser enfatizadas no sistema, desde que uma dada fungio nio pode receber muita énfase na hierarquia até que tenha conseguido separacio estrutural das outras FangSes. Por fim, o nivel de especializacio influencia os fun- damentos da selecio. Tipos polares: especializado, nao-espe- ializado, b) A natureza da tnfase funcional, Em geral, quando a-énfase é colocada em assuntos sagrados, introduz-se uma rigider. que tende a limitar a especializagio e portanto 0 de- seavolvimento da tecnologia. Além disso, 2 mobilidade social € 0 desenvolvimento da burocracia sio freados. Quando a preocupacéo com o sagrado € retirada, deixando maioe hor vonte para preocupacdes puramente seculares, parece ter lugar grande desenvolvimento ¢ elevagio ao status das posi ESTRUTURA DE Cassis £ Estaatiricagio Sociat Ges econdmicas e tecnologicas. Curiosamente, aio é provével uma concomitante elevagio da posigao politica, porque esti Via de regra associada a religiosa ¢ tende a ganher pouco pelo declinio desta. # possivel também para uma sociedade enfatizar as funcGes da familia — como em sociedades rela- tivamente ndo-diferenciadas, onde a alta mortalidade exige alta fertilidade e parentesco a principal base da organi- zacio social. Principais tipos: familistico, autoritdrio (teocré- ico ou sagrado e totalitério ow seculat), capitalista, ¢) A magnitude das diferengas. O que pode ser chama- do exteasio da distincia social entre as posigdes, considerando toda a escala, € algo que deveria prestar-se & mensuracio quantitativa, Nesse aspecto, parece existir considerdveis dife- yencas entre sociedades diversas, bem como entre partes da mesma sociedade, Tipos polates: igualitdrio, nao-igualisario. 4) O grau de oportunidade. A conbecida questio do volume de mobilidade é diversa da colocada acima, sobze a igualdade ou desigualdade comparativa das recompensas, pos- que 0s dois critérios podem variar independentemente até certo ponto. Por exemplo, as tremeadas divergéncias de renda monetéria nos Estados Unidos séo maiores do que as exis- tentes nas sociedades primitivas, muito embora 2 semelhanca de oportunidade para moverse de um lugar para outro na scala social possa ser também maior aos Estados Unidos do que num reino tribal hereditétio. Tipos polares: mével (abes- tn) € émével (Fechada). @) © grau de solidariedade de estrato. Do mesmo modo, © grau de "solidariedade de classe” (ou a presenga de orga- nizagBes espectficas para promover os intesésses de classe) pode variar em alguma extensio, independentemente dos outros critérios, ¢ & também um importante principio para classificar sistemas de estratificacio. Tipos polates: de classe organizads, de classe nio-organizada. ALGUNS Pamvcinios bp Esraatiricagio L Conpigdes ExrerNas © estado em que se encontra qualquer sistema parti cular de esteatificacZo, com referéncia a cada um désses modos de yariagao, depende de duas coisas: 1) seu estado em rela- Glo 3s outras possibilidades de variagio ¢ 2) as condicées, externas 20 sistema de estratificacio, que nio obstante o in fluenciam. Dentre estas, encontramse as seguintes: 4) 0 estdgio de desenvolvimento cultural. Na medida em que a heranca cultural cresce, torna-se necessitio um acréscimo de especializaco, que por seu tueno contribui para © incremento da mobilidade, declinio dz solidariedade do estrato e mudanca de énfase funcional. 5) Siimacao com sespeito as outras sociedades. A pre- senga ou auséncia de conflito aberto com outras sociedades, de rélagdes de livre coméicio ou difusdo cultural, tudo in- fluencia a estrutura de classe até certo ponto. Um estado crd- nico de guerra tende a enfatizar as funcBes militares, em es- pecial quando os oponentes so mais ou menos iguais. O livre comércio, por outro lado, fortalece o comerciante, a expensas do militar € do sacerdote. Um movimento livce de idéias, via de tegra, tem efeito igualitério. A migracio e a conquista criam circunstancias especiais. ©) Tamanho da sociedade. Uma pequena sociedade li- mita 0 grau no qual a especializagéo funcional pode apare- cer, 0 grau de segregacio dos diferentes estratos e a magni- tude da desigualdade. ‘Tivos Compostos Boa parte da literatura sbbre estratificagio tem pro- curado classificar sistemas concretos em certo mimero de tipos. Essa tarefa é enganosamente simples, entretanto, e deveria aparecer no final de uma anilise dos elementos ¢ principios, 152 Esrrurua pe Crasses x BsrpAriicago Social 20 invés de no coméco. Se a discussdo precedente tem algu- ‘ma validade, indica que h4 um geinde niimero de modos de variagéo entre diferentes sistemas e que qualquer vm € com- posto pela situacio da sociedade com referéncia a todos ésses modos de variagio. O perigo de tentar classificar sociedades inteiras segundo subricas como de casta, feudal ou de classe aberta, € que se sclecionam um ow dois critérios e se ignoram outros, tornando © resultado uma solugéo insatisfat6ria para ‘© problema colocado. O presente trabalho foi apresentado como possivel abordagem para uma classificacio mais siste- mitica dos tipos compostos. ESTRATIFICACAO SOCIAL E ESTRUTURA ‘DE CLASSES* (Um Ensaio de Interpretacio) RODOLFO STAVENHAGEN Tradugao de Maria da Gléria Ribeivo da Silva e Moacir Gracindo Soares Palmeira © ema ue fete ensaio anuncia é um dos mais discutidos da literatura sociol6gica, e as preseates Linhes nfo pretendem ser mais do que uma contsibuicio a discussio Na Sociologia cléssica, o tema das classes, como elemento da estratura social, ocupava um lugar de importdncia. Como se sabe, foram Marc e Engels e a escola marxista os que deram ao conceito de classe seu fundamento cientifico e 0 integta- ram como parte primordial de seu sistema socioldgico € €co- némico, Sem divide, na Sociologia des wlkimas décadas, 0 conceito se difuia e perden seu significado original. Sobretudo na Sociologia norte-americana, €, por exteasio, na Sociolo- gia latino-americans, 0 conceito de classe social se identifi * Extraido de “Estratificacién social y estructura de clases” (un ensayo de interpretacisa), em Ciencias Politicas y Sociales. Revista de teas y Sociales, Universidad Ne ‘de 1962, pp. Ta Bscuela Nacional de Ciencias Po onal Autonoma de México, alo VILL, a° 27, Baero-M: 73-102. 134 Esrruruaa DE Cassis 1 EsteaTiricagio Socias, cou com o de estratificacio social e chegou-se 2 ume com- pleta confusio dos fendmenos.t Por outro lado, para alguns socidlogos, o fendmeno das classes sociais no & essencial- mente um fenémeno de estratificacio; e mais ainda, segundo alguns déles, nada teria a ver com a estratificasio. E, com efeito, dificil de compreender, & primeira vista, 0 que, por um lado, podem ter em comum as classes consideradas como forgas politicas e que intervém nas lutas sociais e econémi- ‘cas di sociedade — tal como sio apresentadas nos escritos dos politicos e dos estadistas — e, por outro, os bem acaba. dos esquemas de trés, quatro, cinco ou até seis classes que abundam, como uma infinidade de variagées, na literatura sociografica moderna... Endo hd divida de que ambas as interpretagdes provém de um fundo comum e esto, na red dade, relacionadas. Neste artigo trataremos de assinalar tendéncias gerais dos principais argamentos a respeito e de esclarecer certas confuses. Nao pretendemos rever nem ana- sar detalhadamente s diversas teorias, escolas e definigées que abundam neste ponto particular da Sociologia. 1. A Esrratipicagko Soca ‘Aceita-se universalmente que tédas as sociedades huma- nas estcjam estratificadas de uma ou de outta mancira, 1850 Significa que os indivicuos ou 0s grupos estio dispostos hie- rAcquicamente numa escala, Podemos supor, entdo, que ou bem essas hierarquias exister ealmente nas sociedades, ¢ 0 compostamento dos individuos e dos grupos sociais 0 de- 1 Néo ce trata 25 de uma confusto de palavras, © que ago terie ‘maior importanca ~ sempre que se desse um significado concreto 208 mos empregados — mas de uma coufusio, as vézes conaciente, de conceites socialagices. Com feito, multor sociolégos dio gato. por Tere": pretendem que seu tratsmento vago, confuso © eelétco #5 Sue se pasea sob o nome de estratifcasio corresponda ao verdadelro sta- {ido do. conceito de classe socal 2° O ‘que fot feito sstensticamente em outros lngares. Ver, peincl- palmente, Gurviteh, Georges: £1 concepto de clases’ sociales desde Marx 2 nuesteos dias, Ediciones Galatea, Nueva Visicn, Buenos Aices, 1957. Estnatinicagdo Socian = EsrRUTURA DE Ctasses 135 monstra, ou entio sio apenas consteugées abstratas do. in- vestigador ¢ servem como um instrumento de classificacao na pesquisa social. Este € 0 primeiro problema no estudo da estratificacio..O segundo problema consiste em determinar quais sio os critérios empregados para estabelecer 2 estrati- ficagio, ow melbor, sobre que indices se baseiam as hierar- quias:/O terceito problema & saber se séo os individuos os hicrarquizados, segundo certos atributos individuais, ou se a estratificacio implica a hierarquizagdo de grupos sociais bem definidos e delimitados.“Finalmente, o quarto problema € determinar a selagio que existe entre 2 estratificacio € 2 estrutura da sociedade € Pencpaete com as mudai sociais z 2) Segundo Davis ¢ Moore? as estatficages so uni versais e representam a distribuigio desigual de direitos & obrigagées anma sociedade. A sociedade, segundo os mesos antores, tem necessidade de situar e motivar os individuos na estrutura social, ¢ a base para tal é constituida pelo prestigio iferencial das’ diversas posicdes na sociedade e das pessoas que ocupam essas posigSes. A pergunta que surge de imediato & quais so_as bases do_prestigio das posicées sociais? B Ball ver as dificuldades pasa estabelecé-las: pode tratarse do prestigio que 0 investigador atribui as posigSes ou do prestigio que um individuo atribui A sua propria posicio; do prestigio que um individuo atribui & posigo de outros, ou ainda do prestigio de uma determinada posigio caja va- losago € aceita por toda a sociedade. O panorama da estra- tificagéo varia segundo 0 caminho tomado em cada caso. Por exemplo, a escola sociolégica de W. Lloyd Warner, da Uni- versidade de Chicago, que tem estudado a estratificacto de diversas comunidades norte-americanas, tem sido criticada, , porque néo distingue claramente ésses as pectos do prestigio como base da estratificagio. Warnes, em 3 Davis, K., e Moore, W.: "Some Principles of Social Stratfica- toa”, American Sociological Review, vel. 10, 2° 2, 1945. 136 Estruruna De CLasses x Bstearimicacio SociaL seu ja famoso esquema das seis classes sociais, fax valer as vézes sua prépsia opinido, sObre o prestigio de determinadas posigdes sociais e, 2s vézes, a opiniio de algum de seus infor- mantes acérca do prestigio de outros membros da comuni- dade. Também combina ésses critérios com certos indices objetivos aos quais voltaremas mais adiante. Outro investi- gador norte-americano, R. Centers, em seu The Psychology of Social Classes, leva em conta sdmente a opiniio que as pessoas tém de sua propria posigio na estratificagio e chega 4 conclusio de que 2 grande maioria dos cidadios dos Esta- dos Unidos pertence & “classe média”. Para o socidlogo norte-americano Talcott Parsons,* a estratificacdo é resultante das avaliagSes diferenciais dos objetivos da ago social; isto & t6da esiratificacio representa uma hierarquia de valdres. Ele supde, ao menos implicitamente, um sistema de valdres comum da sociedades 9 ey ey oe uae 4) Mas, se se aceita que a estratificagio social esta ba- seada em ctitérios objetivos, reais, e nfo somente numa con- cepedo subjetiva, ent3o o problema consiste em conhecer €sses critérios. Davis e Moore? assinalamn a existéacia de dois fatOres que, segundo éles, determinam a colocacio, dentso de uma hiecarquia, das diferentes posicdes na sociedade: sua impor- tancia para a sociedade, isto é, sua funcio, € 0 treinamento ‘wo talento necessario para ocupé-las. As fungées principais, com relacio As quais se estabelecem as estratificacées, seriam a religido, © govérno, a riqueza, a propriedade e 0 trabalho, € 0 conhecimento técnico. Em, geral, nas investigacSes empf- ricas, se tomam como indices para o estabelecimento de siste- mas de estratificacio os seguintes critérios: © montante de rendimentos, a origem dos rendimentos, @ siqueza, a edue Parsons, T.: "A Revised Analytical Approach to the Theory ‘of Social Stratification”, em Bendia, Re Lipset, § ML: Class, Status ‘and Power, Londees, 1954 5 "Esse € também a suposigdo de, Warner tigadores, mas no. corresponds 20s fatos rea! mais adiante. 6° Op. vt Centers outros inves: Voltaremoa a9. ma Esraatiricagio Sociat e EstauTuaa pg Czassrs cagio, o prestigio da ocupacio, a area residencial, a raga ou etaia e outros critérios secundérios. Na maioria dos estudos sobre estratificacio tomam-se ésses critérios isoladamente ou em conjunto. Com respeito a cada um déles € possivel esta- helecer um sistema de colocag6es, isto é uma hierarquia ou estratificacio. Mas & evidente que uma estratificagio social haseada apenas num désses critérios (0 rendimento ow a ‘ocupacio, por exemplo) nfo cosresponderia & realidade so- ial. Por isso, € cada vez mais comum a elaboracio de indices mailtiplos, mediante célculos estatisticos, e se fala em sistemas ‘maultiestratificados. T. H. Marshall escreve, a respeito, que “na sociedade moderna a estratificacio se faz cada vex mais | multidimensional, ¢ que 0 problema est em saber se as hierar- ‘quias assim criadas correspondem umas 2s outras, © qual € essa correspondéncia.? Essa € urna questio essencial, porque se as bietarquias correspondem umes 3s outras € 205 outros as pectos da estrutura social (por exemplo, 20 comportaimento politico da populacio), entdo a estratificacéo estabelecida pode ser considerada como um trago estrutural da sociedade, mas se as combinacdes dessas hierarquias no sio mais do que claboracées mentais e arbitrisias do investigador, entio sho validas as acusacées de “subjetivismo” ¢ “nominalismo” que se fazem contra clas, © as estratificacSes estabelecidas dessa maneica nfo terdo valor para a andlise da estrutuca social Ao considerar os diferentes critérios da estratifi fo, € necessisio distinguic claramente aquéles que sio quantitati- vvos, e que podem ser representados por gradages ou curvas (tais como 0 montante dos rendimentos ou a educacio), ¢ 08 que so qualitativos. Estes, por sua vez, so de dois tipos: 0s critérios objetivos (tais como a posse ou nio-posse de ces- tos bens, 0 tipo de trabalho desempenhado na sociedade, o 7 Marshall, T, Hu: “A General Servey of Changes is Social Stra. Willcation in the Twentieth Cenesry”, om Transactions of che Third Werle Congress of Sociology, Amesterda, 1956, 158 ESTRUTURA DE CLasses & ESTRATIFICAGAO SoclaL desempenho de fungdes diretoras ou subalternas, etc.), e os czitécios que, ainda que sendo objetivos, esto baseados, sem vida, em avaliagbes subjetivas, tais como o prestigio de cer- tas ocupagies, ou a posicio dos diferentes grupos raciais ou Gtnicos (critécio importante nas sociedades com problemas de minorias). Um dos problemas principais da estratifica- ho & saber quais os critérios que se tomam em consideracéo € qual o péso selativo de cada um déles nos esquemas dos di- vversos investigadores. Se quisermos que a estratificacio re presente a estratura social, o problema se reduz a assinalar 08 ctitérios essenciais © a estabelecer suas selagbes.precisas com os critérios secundérios. Em nossa opinifo, a literatura contemporinea sobre estratificagio nfo resolven ésse proble ma. B por isso, também, que muitos autores reconhecem no estudo da esteatificacéo apenas alguns elementos de uma es- trutura de classes. Outro problema importante, no que diz respeito aos cri- térios da estzatificacio, € delimitar 0 universo social. no qual esta ou aquela estratificacio é valida. O sistema de estra- tificagao seria aquéle que pudesse ser aplicado a téda uma sociedade, Porém, poucos autores tém tentado estabelecer sistemas gerais désse tipo. Os estudos empiticos, geralmen- te, tomar como universo uma determinada comunidade; mas as comunidades néo sio representativas da sociedade em getal. De fato, a sociedade como um todo nfo é realmente uma verdadeisa unidade no que se sefere & estratificacio Devemnos distinguir pelo menos dois setores regionais, com esteatificacées proprias cada um déles: o setor rural e 0 ur- ano. Essa é mais uma rao pela qual as estratificagSes no sio aceitas universalmente como um fenémeno de clas- ses sociais, jd que estas devem representar 0 sistema sécio- -econémico de uma sociedade em geral, e ndo smente um ou outro de seus setores regionais. 2) O tesceito problema € conhecer a unidade da este tificaco: 0 individuo ou 0 grupo social. Este € um dos pro- Estraviricagio Sociat, x ESrruTURA DE Chases 139 yblemas fundamentais da estratificagéo, j4 que implica esta- Ibelecer a diferenca entre descricgo taxonémica € a andlise lestrutural da sociedade. A posi¢do de um individuo mum sis- ‘tema de estratificagio & considerada como seu status social Fregiientemente, 0 estugo da estratificagio é uma. simples busca dos status individuais, ¢ fala-se também, muitas vézes, de sistemas de status em ver de sistemas de estratificacio O status do individuo é 0 resultado de uma série de atributos individuais, baseados nos determinantes do “status” (isto &, nos ctitérios de estratificacéo de que falamos no item ante- rior). Muitos investigadores, principalmente nos Estados Unidos, encaram o estudo da estratificacéo simente como uma classificacao de individuos segundo seu status, E quando os critérios so principalmente quantitativos (por exemplo, © montante de rendimentos), entio 0 sistema de estratifi cagio é representado sob a forma de uma escala greduada na qual o investigador pode fazer todas as divisbes que quei- ra e estabelecer tdas as “classes” que Ihe convecha (mas ‘que sero apenas grupos de rendimentos). © estudo dos sistemas de status constitui sdmente um aspecto do estudo da estratificagio, ¢ néo tem nada a ver com a anilise cien- tifica das classes sociais, apesar da confusio, as vézes cons- ciente, que cectos autores fazem a respeito. No entanto, num grande mimero de investigacies sobre a estratificasdo se Feconhece ndo sdmente uma escala de status individuais como também a existéncie objetiva, hierarquizada, de uma série de categorias sociais mais ou menos homogéneas. | 08 individaos que integram essss categorias possuem em, co mum certos indices da estratificaclo, ou indicadores da po- \sigdo social. Essas categorias ou agrupamentos discretos so 3 Davis, K: “A Conceptual Analysis of Statifieation”, American Sociological Review, vol. 7, n° 3, 1942, Originalmeate, 0 tirmo status ‘nfo _implicava ume estratificasso, Ver Linton, Ri: Estudio del Hombre, ECE, Mexico, 1956, cap. VIll, e a discussto de T. H. Marshall: “A Note! on Status", em Ghurye Fellctation Volwne, Bombeim, 1954. guns autores coasideram a familia, e nfo 0 individuo, como a verdadeica funidade da estratificagt, 140 Estauruna De Ciasses x Esrraniricagio Soca chamados estratos ov camadas,*® ou entio — e ai reside 2 causa maiof da COnfusto — classes. Geralmente, trata-se apenas de categorias estatisticas, (isto é, uma série de pessoas que tém em comum um nimero determinado de caracteris- ticas mensuraveis, ou seja, um statgp comum), ou de ageu- s de pessoas caracterizadas por uma. conduta_seme- | Ibanté, 0 por atitades e opinides comuns, on por,certo gran de interacio ¢ associacio mituas. Em quase toda a literatura sociolégica contemporinea, o conceito de classes sociais tem esta significagio: agrupamentos discretos, hierarquizad sistema de estratificacao. " Essa abordagem, que ndo sbmente um desconhecimento do fendmeno classe tal como vamos consideri-lo na segunda parte déste artigo co- mo também do fenémeno,casta, foi criticada por O. C. Cox ¢ L. Dumont, entre outros. Cox, na obra citada, propde © térmo “classe social”, para referirse ao fendmeno da es- tratificacio, e 0 opde ao temo “classe politica”; no entanto, essa distingio parece no ter encontrado eco em outros au- tores, tendo sido, por exemplo, criticada por G. Gurvitch. * Seja como fr, a consideracio das classes como simples estratos ou camadas estatisticas hhieracquizadas permitiu a elaboragio de um nimero infinito de esquemas bipartites, tripactites e quintupastites, em cujos extremos encontramos sempre ag classes chamadas “superiores” ¢ “inferiores” ou "baixas”, como também um grande mimero de classes ou ca- mades “médias”, A maioria dos investigadores norteame- 9 Davis, Ks op. ei 10 Principalmente na literatura lems (Schiche) © na francesa (couche). Ti Davis, K.: ap. cits Kroeber, A. Lo: “Caste”, em Eneyefopedia of the Social Sciences, N. York, 1930; Nadel, S, Pi Los Fundamentos de Ia. antegpologia social, PCE, México, 1954) Wiese, L. Viz Gesell Schaftliche Stance und Klassen, Berna, 1950. 12, Cox. 0. Cs Caste, Class and Race, A Study in Social Dyna- rics, 2 eds, Monthly Review Press, N. Yorks, 1959, Dumont Ls "Caste, racisme et strailfication”, Cahiers Inter- nationaue de Socielogie, vol. XXIX. 1960. Op. cit. Esmmaviricagho Soctat Estaurura pz CLassis 14 ricanos encontrou cinco ou seis classes nos Estados Unidos; 08 mais ortodoxos, e também a maior parte dos sociélogos latino-americanos, ** contentam-se com 0 esquema aristoté- ico de trés classes sociais. B interessante notar que um au- tor norteamericano, W. Goldschmidt, que a principio re- conhece a existéncia de quatro classes mos Estados Unidos, ® muda de opiniio num astigo posterior, " a0 afirmar que em seu pais no existem classes, mas uma variedade infinite, um continuum, de status individuais. Fsse fato nfo sur- preendente, jd que, quando a “classe” é considerada simente como um fendmeno de estratificacio, um mimero indefinido de possibilidades se apresenta 20 investigador, ¢ nenhuma norma definitiva consegue impor-se. No entanto, certos tores insistem na rcalidade de uma divisio da sociedade em classes sociais estratificadas, e se pode mostrar recentemente que nos Estados Unidos as fronteizas entre as classes sociais estratificadas ainda existem ¢ funcionam efetivamente.°® © fato de que um sistema de esiratificacdo possa ser re- presentado por um continuum de siains individuais sem di- ‘visdes determinadas, ou por uma hierarquia de categorias discretas e delimitadas, depende dos indicadores utilizados. Os critérios quantitativos produzirZo um continuum, e os Gritérios qualitativos, uma hierarquia geaduada, Uma com- binagéo de quaisquer désses critérios produzird uma das duas possibilidades, a gOsto do investigador. Os estudos sobre a 15 Ver, por exemplo, para ngo citar mals do que alguns, os tra- bathoo publicades em Materiales para el estudio de Ia clase media en América Latina Uniko Panamericana, Washington, 1950: Trurisga, Jost: La estructura social y cultural de Mexico, FOR, México, 1950, Mendieta y Nutez, L-+ Las clases socéales, UNAM, Mitica, 1947: Moo: teforte Toledo, AM Guatemala, monografia sociologica, UNAM, México, 1959; Rama, Carlos: Zar clases sociales en ef Urugual, Montevides, 1960" (que acreeceata mais duss divisdes 90. esqvema tripartite). 16. Goldschmidt, W-+ “Social Class ia America: A Critical Review” American Antiopoiogist, vol. 52, 1950. 17 Goldschmidt, W.: "Secial Class and the Dynamics of Status in America". American Anthropologist vol. 57, I 18 Landecker, We lass Boundaries", American Sociologi@ ) : : | | 342 Bsrnurura pz Ciasses = Estaatinicagio Socia estratificagio, no entanto, nfo tém dado conceitos precisos nem esquemas definitivos a ésse respeito. a) Resta ver quais as relagdes entre a estratificagio e a estratura social em geral, ou em qualquer de seus aspectos. ‘Max Weber féz a ja famosa distingdo entre as trés dimensdes da sociedade: a ordem econdmica, representada pela classe; a ordem social, representada pelo status ou estado (Stand); a ordem politica, representada pelo partido.” Cada uma dessas dimensses tem uma estratificagio prépria: a eco- némica, representada pelos rendimentos ¢ pelos beas € ser- vvigos de que 0 individuo disp6e; a social, representada pelo prestigio e a honra que desfruta, e a politica, pelo poder que stenta. A classe, postanto, baseada na ordem econdmica, nao seria mais do que um aspecto da estrutura social, aspecto que, segundo T. H. Marshall, ®° esti perdendo sua impor- incia aa sociedade moderna, diante da importéncia do status como elemento primordial da estratificagdo social. Ja vimos que na literatura recente © conceito de classe € sindnimo do de estrato, em qualquer tipo de estratificacio (e no sé nas estratificacdes econdmicas). Por iss0, 0s socidlogos tem dis. tinguido diferentes tipos de classes, segundo o setor especifico da estrutura social. W. Goldschmidt *! assinala seis tipos de classes: 1) as classes definidas, v.g., as castas; 2) as classes cultuzais, i., as subculturais; 3) as classes econdmicas, ba- seadas nas relagbes com os meios de producio; 4) as classes politicas, estabelecides com respeito 20 poder dentro da co- munidade; 5) as classes que se auto-identificam, segundo seu prestigio, ¢ 6) as classes de patticipacio, segundo 2s relagBes que se estabelecem entre seus membros. Os seis sistemas de estratificacio nfo tém todos a mesma relagio com a estru- tura social. Os dois tltimos pertencem nitidamente ao cam- 19 Weber, Max: “Class, Status and Party", em Bendix, Ry € Lipset: $. Mz Class, Statas and Power, op. cit ‘0 Marshaily Hi: "A General’ Survey of Changes in Social ‘Swatiscation in the Twentieth Century”, op. ct: 21 CE. “Social Class ia America, A’ Critical Review”, op. elt ESTRATIFICAGAO SociAL & ESTRUTURA DE CLASSES 143 po da Psicologia Social. Por outro lado, considerar as sub- calturas como “classes culturais” (procedimento que € muito freqiiente nos estudos feitos por antropélagos norte-america- nos na América Latina) nfo acrescenta nada ao conceito de classe nem ao estudo das subculturas. O mesmo pode di- zer-se com respeito & identificagéo das castas com@ “classes definidas”, A qual j4 nos referimos anteriormente.”* Os tinicos tipos que tém a ver com a estrutura social so as classes po- liticas € as econdmicas; mas es classes econémicas, baseadas nna relaco com os meios de producio, nfo constituem pre- cisamente uma estratificagio, como 0 veremos adiante. dificil ver como os esquemas de estratificagio que mosiram estados ou classes superiores, médias e baixas, com tédas as suas variagSes, podem ser integrados A estrutura so- cial, se nfo se tomam em consideragdo outros fatéres. As criticas principais feitas aos estudos da estratificagio argu- mentam que a estratificacZa no vai além do nivel da expe- riéncia, ®® que se teata de simples descrigdes estéticas,* que conduzem aos esteredtipos € no 4 compreensio das esira- turas.°® Marshall afisma que se requer uma andlise dinémica de tensbes e ajustes de processos, Lipset e Bendix pedem uma perspectiva histérica para uma andlise que compreendia, antes de tudo, 0 ator de processo e de mudanca social. Para que 0 fenémeno da estratificagio adquira ésse aspecto di 22 Ate que ponto o conceito de classe chegou a ser unt instru siento de ficll emprigo decorre do uso. posco preciso gue lhe deram alguns autores aorte-americanos, sobretwdo no estado day esteatflcagées rmaluples na América Latina, 20 confundie "classe", “subcultera”, “tipo cultoral”, “easa", ete. Ch Beals, R: "Socal Stratification in, Latin America’, American Journal of Sociology, vol 58, 2" 4. 1953; Wagley, Chae Hams, Mr "A ‘Typology of Latin American Subcultures’, Ame lean Anthropologist, vol. 87, n° 3, 1955: ¢ Wolf, B= “Types of Tatm Asecicsn Peasantry: A Preliminary Discussion”, American Anthnopo- logise vol, 57, 0° 3, 1955 23, Toursine, A: “Cleese sociale et status socio-économique”, Cahieee Intemnationous de Soeiologie, Vol. Xt, 1851 22 Marshall. T. Hur op, ct 25 Lipset, S. Mt, ¢ Bendix, R "Social Status and Sociol Structs- re: A Reotamination of Data and Interpretations", The British Journal Of Sociology. val. Tl, 1951. 144 EstRuTura pe Ciasses & EstRatiricagio Social nimico ¢ estrutural € necessirio que esteja ligado & anélise da estrutura de classes sociais, de acérdo com o sentido que Ihe conferem certos autores, € que veremos na secio I. Temos, entretanto, que mencionar um aspecto impor- tante de todos os estudos sbbre a estratificagio, que € algu: mas vézes apresentado como 0 tratamento “dinimico” na andlise da estratificagio. Trata-se dos estudos sbbre a mo- bilidade social, que ocupa um lugar importante nesse cam- po de investigagdes. A mobilidade social implica “um mo- vimento significative na posigio econdmica, social € politica de um individuo ou de um estrato”.*° No entanto, geral- mente, o que se estuda é a mobilidade individual, porquanto, i miudanga a posicso dos estratos tem mais_a ver com @ nobilidade social. Os estudos sobre a mobilidade baseiam-se ‘no fato de que os sistemas de estratificagio do mundo mo- detno nfo sto sigidos permitem a passagem de um indi- viduo de um status ou de uma “classe” a outro. A mobili- dade social no campo da estratificacio € uma mobilidade ver tical, que se distingue da mobilidade horizontal ¢ da mobi- lidade geogeéfica. Ainda que tedricamente seja a situacio total da estratificagio a que esta implicita no fendmeno da mobilidade, 0s investigedores tomam geralmente como ponto de partida as mudancas na ocupagio do individuo. Os es- tudos sdbre mobilidade podem ter por objeto seis tipos dis- tintos de andlise: 2) a descrigiio da mobilidade vertical to- tal de uma sociedade; 5) 0 estudo especial do movimento em diregao das posicdes de elite na sociedade; c) os efeitos da, mobilidade sbbre as atitudes de classe ¢ « consciéacia de classe, particularmente da classe trabalhadora; d) 0 efeito das atitudes ¢ dos atributos pessoais, ou do sistema de edu- cagio, WBre as possibilidades que tem um individuo para 26 Miller, $. HL. ‘“The Concept and Measurement of Mobility” ag drersactons of the Thid World Congres of Socsoys, Ameserts 1956. Estraniricagto Socian & ESTRUTURA DE CLASSES 145 efetuar um movimento; ¢) 0 efeito da mobilidade ssbre 0 individuo.?” A. proliferagio dos estudos sdbre a mobilidade, pein. cipalmente na Sociologia norte-americana, tem implicacSes tebricas que & preciso assinalar brevemente: 2) Dois tipos de mobilidade foram assinalados: a ofer- ta de svaius vazios (“o vaio demogréfico” das classes su- periores), € a troca de colocagées (para cada movimento para cima h4 um movimento para baixo).#® Mas, na prética, 08 estudos sbbre 2 mobilidade tém por objeto, geralmente, 2 mobilidade ascendente, e ignoram 2 mobilidade descen- dente.2? Isso contribui para uma visio falsa da xealidade Além disso, a teoria demografica das elites, desenvolvida. originalmente por Pareto, no tem nenkuma validez cien- tifica, 4) A maioria dos estudos sobre a mobilidade tem uma tendéncia nitidamente psicolégica, ao tratar dos problemas da motivagio, das atitudes, da consciéncia de classe, etc., do individuo em mobilidade, ¢ a0 ignorar as condigSes sociais e econémicas proprias do fendmeno da mobilidade, Désse modo, contribuem pouco para o estudo das estrutusas sociais. ©) Com base nesse tipo de estudos, muitos autores afir- mam que os Estados Unidos, por exemplo, séo uma socie- dade com alto grau de mobilidade. Mas foi mostrado re- 2 Van Hetk, Ps "Some, Yosoduciory Remarks ot Socal Mor iy and Gat Stari” en Teasaeon of te Phd Wad Case bec, of Soclogy, Ane 1956, Pah eS Meeker HL "A Thor of Saal Nebr Pe Heanachons of the hid’ Wend Congs of Seve Amesterda. 1956. r eee er MSR Soclogla moreancticana ett dea de etude ste. a segs ws lsd Gav en, 5 roams Ccontnltnsas ested", Soe So acces eee at sien de lilt non EU.) IA ~Uescensto soc” de mutios Peouncs empress dependents ao stats ae ope acini SEES ste no de fase atounfistos crc eqelvinette capa = ipurals doeusucanene Nose fo gue dace Van Heck, ctado anterorneate Ls 146 ESTRUTURA DE CLASSiS # ESTRATIFICAGRO SOCIAL, centemente que o € muito menos do que se havia pensado, € menos que cettas sociedades da Europa ocidental.2 Pre tende-se, em geral, que a crescente mobilidade da sociedade industrial ocidental desde o século XIX € a causa do desapa- recimento dos antagonismos de classe nestas sociedades, € que por isso deixaram de ter validade os “velhos” conceitos de classe (isto é a teoria marxista) .** d) Em getal, nao se devern subestimar as implicagGes politicas dos estudos sobre a mobilidade social. Muitos déles tém © propésito de mostrar que a sociedade ocidental € igualitasia — todos os individuos tém as mesmas oportu- nidades matematicas de ascender na escala social — que a “passagem” de uma classe para outra substituiu os “confli tos” entre as classes. Esse aspecto do conceito de mobil dade foi criticedo por Boiarski. e) A mobilidade social € um fato importante em tédas as sociedades, sobretudo se se estuda em relag3o com as es- truturas do poder € a conduta politica, e com as mudancas ‘nas estruturas sociais. Mas nao substitui os estudos da esteutuse de classes, € no pode ser tomada isoladamente como um indice de determinadas modificacées da estrutura de classes, tal como o pretendem certos autores. IL. As Cases Soctais J& vimos que num sistema de estratificagéo os estratos recebem comumente 0 nome de "classes". No entanto, ése 30. Lipset, S. M. © Zetterberg. HL: op, ett 31 Ch Marshall, TF: op. cit: Dshrendocl, Ri Soziale Klassen und Klassenkonflikt in dec Industrislion Gevellechaft, Stuttgart, 1957 Janne. Hi: "Les classes sociales: approche mardste et la notion s0- clologigue Out “Group”, Callers Internationaux de Sociologie, vol. SI 1960. 32 Van Heek, Fi op. cit. lz que estes estudas so © devem ser polieg. oriented, 33 Bolsrsis, As "A propos de Is ‘mobilité sociale”, om Réades Socioiogiques, Rechezehes Internationales. a? 17, Paris, 1960, Esrranicagio Sociat « EStRUTURA pe Chasses 147 conceito pouco tem a ver com 0 que vamos desenvolver nes- ta sego ¢ que € 0 resultado de uma concepcio estrutural- -funcional ¢ dinamica das classes. Porém, essa concepsio, apesar de haver impésto limites bem definidos a0 conceito de classes, e apesar da distingio precisa que faz entre ésse conceito € 0 da estratificagio, nfo deu todavia uma definigio univoca da classe social. De fato foram formuladas defini- Ges formais, mas nenhuma delas logrou incorporar tOda @ complexidade do fenémeno.% No entanto, ndo € necesséri, cm nossa opinido, uma definigao completa ¢ exaustiva paca dar 20 conceito de classe o contetido especifico que permita empregi-lo na andlise estrutural da sociedade. Mais do que simples definigdes, & preciso assinalar, em primeito lugar, © tipo de conceito de que se trata e como éste se integra na teoria sociolégice. Isso porque o conceito de classe social 6 tem valor como’ parte duma’ teoria das classes sociais. “A concepcio estrutural e dintmica das classes sociais foi de- senvolvida por Marx e Engels, ¢ a literatura recente em que © conceito de classe nfo foi inteiramente absorvido pelo de estratificagio se inspira invaridvelmente na concepgio mar- xista.® Todavia, € bem conhecido que nas obras de Marx nose encontra em parte alguma uma definicio exzustiva das classes e que 2 anilise sistemdtica do tema no dltimo livro de O Capital fo chegou a ser concluida. Sem divida, através das diversas obras de Marx aparccem diferentes in- terpretacbes do fenémeno que nem sempre s4o concordan- 34 Velase, por exemplo, a “éefinigao exaustiva”” de Georges, Gu viteh ae obre ciiada, bem como a que oferece Pitiim Sorokin em "What fg a Social Class?” em Bendix, Re Lipset, S. M.: Class. Status and Power, op. eit, e que aso difere muito da anterior. Essas detiigbes 30 tsclarcesm, lamentivelmente, alguns dos problemas principals com cue f= tem celrontaco. malcria des sccislogos: por exemple, as relacoes fenire as clasres, sua funcao aa sociedade, sua evolucdo vindinica e, prin- palmente, os fatéres que distiaguem os classes umas das outres, 35. No entanto, nem todos os autores que adotaram 0 concelto de classes socinis do marxismo aceitaram a teoria de classes por tle deven- volvida, Ao contrisio, ado mumerosos oa que procuram negara teoria claseas, e no faltem os que pretendem “revisi-la", "supe 148 Esraurura DE Cassis & ESTRATIFICAGKO Soctar, tes, mas que de maneisa alguma se contradizem. Sio, pelo conttério, exemplos da aplicagio do método dialético aos fe- némenos sociais em diferentes tipos de anilise e da matu- ragéo do conceito na prépria mente do autor. Os trés as" pectos do conceit so 0 filoséfico, o econémico ¢ 0 bi t6rico.*® Entretanto, em todos éles destaca-se a abordagen que podemos chamar de estrutural-funcional e dindmica.** Essa abordagem implica uma série de problemas que anali- saremos 2 seguic. 4) Se 08 estratos, como vimos (“camadas” ou “classes”, no sentido de uma estratificagio), constituem categorias des- critivas ¢ estiticas, as classes sociais, segundo a concepgio que pretendemos apresentar aqui, constituem categorias ana- liticas, Quer dizer, fazem parte da esteutura social com a qual mantém selag6es especificas; seu estudo conduz 20 co- nhecimento das fSrcas motrizes da sociedade e dos dina- mismos sociais; permitem passar da descricglo & explicacao.no estado das sociedades. Como jd mencionamos, © conceito de classe s6 adquire valor analitico como parte duma teoria de classes. Mas, além de ser um conceito analitico, a classe social é um fendmeno real, o que Ihe dé justamente seu va- Tor como conceito analitico. 35 Que essencislmente se encontram, respectivemente, nas_obras de juventude de Marx. (até O Mangesto Comunista), em © Capital. e bas obras bistieicas (Az Estar de Classes na Franca, O Dezoito Bau Imirio de Lnis Bonaparte, A Guerra Civil na Feanya) 37° His numerceas exposigdes da concepgio marxista das classes, rem tédas com 0 inesino valor of eecrites com @ mesma compreensao o conceito, Para eifar apenas algumas das mals eecentes:, Dahrendor!. Re: Souiale’ Klassen snd Klasserkonflit in der Indsteiellen Gesell- schajt, Stuttgart, 1957, eap, Ir Gurviteh, G.: Bl concepto de clases socaies Ge Mare a nuestsos dias, Buenos Aires, 1957, 1° parts; Bendix, Ry e Lipset, $M. "Kerl Marx, Theory of Social Classes" em Bendis, R. & Eipect, §. Mi Class, Statue and) Power, Loprces. 1958) Duchac, R. Bourgeoisie et proletariat a Wavers Toeuvre de Marx”, Cahiers Inter~ nationaux de Socilogie, vol. XXX, 1961; Grolier, E. de: “Classes et Tapports de classes dane Iee peemitres oeuvres de Karl Marx, e “Class fet rapports de clacees “dans Ia théorie marxiste (de 1859 a 1965)", em Cohiers inernationsux, vol. 6, ns, 55 ¢ 60, 1954; Ossowskl, S “Les fferents aspects dela clase sociale chez Mare”, em Cahiers Interna Fionoux de Sociologie, vol. XVII, 1958. Esrparisicagio Soci g ESTRUTURA DE CLASSES 49 4) A classe social € também, e antes de tudo, uma ca- tegoria hist6rica. Tss0 significa que as classes esto ligadas evolucéo ¢ ao desenvolvimento da sociedade; encontram-se no interior das estruturas sociais constituidas historicamente. As diferentes classes existem em formagées séciochistoricas especificas; cada época tem suas classes sociais particulares que a caracterizam. E por isso que faz pouco sentido falar, como 0 fazem os socidlogos da escola da estratificagio, de classes altas, médias e baixas em tédas as sociedades em to- dos os tempos. As classes tém um contetido especifico e con- cteto, de acérdo_ com 0 momento hisiBrico @ que se referem cl imautivels no tempor formamss, de seavolvem-se, modificani-se, na medida ‘rans. ‘formando a sociedade. Representam as conttadigSes prin- pais da sociedade; sfo o resultado dessas contradigdes.¢, [por sua vez, contribuem para o desenvolvimento das mesmas. Entre as classes e a sociedade € entre elas mesmas existe um movimento dialético € constante, cujas particularidades em cada caso $6 poderio ser descritas pelas investigagSes em. piricas. As classes atuam como forcas motrizes na transfor- magio das estruturas sociais; constituem parte integrante da dindmica da sociedade, ¢ sio movidas, 20 mesmo tempo, por sua préptia dindmica interna, As classes surgem de deter minadas condigées estruturais da sociedade ¢ constituem ele- mentos estruturais da mesma. 1) O problema que mais tem dividido as diversas cor- rentes sociolégicas € 0 do critério ou critérios que servem pa- ra distinguir as classes, o das bases sobre as quais se consti- fuem as classes sociais. Desde que Max Weber distinguiu as dimensdes econdmica, politica ¢ social da sociedade, cer- tos autores s6 reconhecem no conceito de classe uma base econémica, e é este geralmente a posico que se atribui a0 marxismo.%* Para alguns autores, as semelhancas culturais, BE Weber, Max: op. ct. Devese assinalar. ao obstante, que © gacencto gue Weber taba da ordes cconinica alo conresponte 8 de

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