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RE V I SÃO DA LITERATUR
LITERATU RA SOBRE SINCRET
SINCRETIISMO
RELIGIOSO AFRO
AFRO-- BRASILEIRO

Analisaremos aq u i os traba l hos mais importantes d e autores que fi 


ze ram ab o r dagens s ig n i fi cativas n o estudo do sinc retismo religioso afro
br a sile iro. Sema pretensão d e esgotar o assunto, faremos u m balanço cr críí ti co
d a produção acad ê mica so b re este tema. Tal a n álise é importante pa ra os
objct i vos de n osso trabalho, po i s p ermiti r á uma aval i ação crítica los estu

dos sobre sincreti s mo c nos ajuda rá a realizar um levantamento dos princi


pais model os o u tipos de si nc r ct i smos encontrados n a li tcra tura, par a
e n tender me l hor este fe n ômeno . Existe , ev i de denn temente, vasta bib l io g r afia
sobre o ne g ro c a s re liligg iões a fro- b rasileiras que s e ap r ox i ma deste t ema c
que não será discutida aqui, pois nos limitaremos a autores que se ocupam do
sincretismo n as reli
religg i ões afro
afro-- brasileiras. Estudar
Estuda remos o assunt
assunto,o, reunindo os
autores na m ed ida do possível, na esco l a te ó ri ca a que estão mais vinculados.

EVOLUCIONISMO

Nina Rodrigues

Nina Rodri g u es é o fu n d ador do campo de co nh ec im imee nt o s científicos


afro - brasi l eiros. A pa l avra si ncre t ismo , relacio n ada a seus escritos, j á era
utili zada na época por Marcel Mauss 190 I , p. 224) na resen h a n o L Ann ée
Sociologique elogiando a e le ga nte mono g rafia do médico baiano . Nilo
chegamos entretanto a l ocaliza r a palav r a s in incc reti smo cm seus t r ab a l hos.
Nina R od r igue s , entretanto, discorre mu i t as ve zes so bre o fenômeno, uti
lizando e xp r essõe s equivalentes, ta taii s como: u ~ ã o c du a l ididaa de de c renças,
justaposição l exterioridades c de idéia idéiass re l ig io sas, associação, adaptação
c equiva l ência de divindades, i l usão da catequese c outras.
 

4 REPENS NDO O SINCRETISMO

Rodrigues ( 1935
1935,, p. 13) estava convencido , de acordo com a rs -

pectiva evolucionista dominante na época, da incapac


incapac idade físi ca das raças
inferiores para as e levadas abstrações do monoteísmo , c procura
procurava va demons
demons
trar que o fctichismo afri
afr ica no dominava na Ba h ia como ex pressão religiosa
do negro c do me st iço. No capítulo em que discute a conversão dos afro
baiano s ao catolicismo ( 1935, pp. 168 e ss .), faz distinção prévia entre os
ne g ro s africanos, que ainda existiam na Bahia, e seus descendentes e, de
outro lado, os ne gros crioulos e m es
estt iços. Constata que os primeiro s com
preend i am mal o culto ca t ólico e para e les a conversão era apenas uma
just apos ição de exterioridades , e nquanto para o negro crioulo e para o
me st i ço, as prát i cas fetichistas e a mitol
mito l og i a africana vão de genera ndo de
sua pureza p r i miti va (1935, p. 17 0) . Considera, porém, que n esta fase de
transição curiosa, me
mess mo quando t i ver desap
desapaa recido com os últimos
último s africanos
a prática de seu culto, se rá difícil demonstrar que o culto dos negros a os
santos católicos é fetichista, rcrmo qu e ele próprio (1935, p. 27) a firma se
prestar mal para qualificar as crenças africanas.

Nina Rodrigue
Rodriguess (1935, p. 17 1) faz também distinção entre candomblés
africanos - terreiros de ge n te da C o s t a - e os candomblés naciona is - de
gente da terra, crioul
criou l os c mulatos. Posteriormente ( 1977
1977,, pp. 253-254) apre
senta outra distinç ão entre du
duaa s formas d e adaptação fetichista do culto
católico. Uma interna ou s ubjctiva
ubjctiva,, que preva
prevall ece qu
quaa ndo a dircção do culto
é confiada a um sacerdóc i o mais ou menos esclarecido c o fenômeno tem a
feição que e l e de sc reve u n o traba l ho ante r ior (1 9 3 5). A outra seria externa
ou cu l tu
tuaa l, ocorrendo quando os negros as s umem li v r emente a direção do
culto. Documenta e exemplifi
exe mplifi ca ( 1977, pp. 254-260) es
estas
tas asserções,
asserções, citando
uma ce rimônia dos Metodistas U i va
vadd o r es nos EUA e a cabula, descrita no \
Estado do Es p írito Santo pelo bispo cató li co D João Corre ia Nery / Lamen
tamos entretanto qu
quee , tendo de i xado sua inacaba   ·a, i o   r ig ues
não ten ha detalhado melhor a di st
stinç
inç ão que fez e nt
ntrre a adap
adapttação interna ou
s ubjeti va qu e lhe pa rece ocorrer no ca ndomblé da Bahia (1977, p.255) e a
adaptação externa ou c u ltual
ltual,, i dentificada por ele no que po st e r iormente
será chamado de macumba c ma is tarde de umbancla (S il va, 1987, pp. 65 -
85)) . O s incretismo ou a adaptação fetichista ao catolicismo , no dize r de
85
Nina Ro
Rodd ri g ue s, no candomblé e na umbanda, parec
parecee hoje ma is claramen
claramentte
distinto do que em fins do século passado, ao tempo de suas p es qui s as. -

Para N i na Rodrigues, é a equ i va


vall ência das di v i ndades que dá a il
i l usão
ela conve r sã o católica, po is, sem renunc ia r aos se us de uses ou orixás, o
negro n o tem pesantos católicos ofunda devoção
baia l os pr ( 193 5 , p.l 82).
Cita casos comprova ndo esta dua li dade do fervor reli g ios
osoo , d e mon s trando
 

REVISÃO D LITER TUR SOBRE SINCRETISMO

se r frcc güente a prática


fr dos dois cultos pela mesma pessoa (1935, p.l84),
pois tanto na Bahia como na África, todas as classes, mesmo a dita supesupe--
rior, estão aptas a se tornarem n egras (1935, p.l86) : Afirma ser consi-
derável o número de brancos, mulatos e indivíduos de todas as cores que,
cm caso de n ecessidade, vão consultar os negros feiticeiros, mesmo quando
em público zombam deles, c por isso não será para muito cedo a extinção
1
os cultos africanos na Bahia . Diz que nãosó o culto católico, como tam-
bém as práticas espíritas e a cartomancia receberam na Bahia influências
-

do fetichismo
fet ichismo negro (1935, p. p . 194). Assinala (1977, p . 245) a extraordinária
extraordinária
resistência
resistênc ia e a vitalidade elas crenças da raça negra apesar dos p reconceitos,
das perseguições e da repressão policial. Para ele, o
ulto jeje-nagô é uma
ve rdadeira religião, e por isso deve merecer as garantias de liberdade cons
titucional (1977, p. 246). Também constata (1977, p . 230) que, na Bahia,
prevalece esta mitologia, cuja fusão íntima acredita, segundo Ellis, ser de 
vido a estes povos provirem de um tronco ancestral comum.
Aceita sem discutir a perspectiva evolucionista c racista da época,

empregando conceitos c pontos de vistas hoje superados, como o de in inferio


ferio
ridade cultural c racial. Verificamos entretanto que N ina Rodrigues possuía
v isão penetrante dos fenômenos qu e estudava. Embora evite usa r a palavra
s incretismo, como muitos até hoje, e enfatize a idéia da ilusão da catequese,
constatamos que Nina Rodrigues foi de fato o pioneiro entre nós dos estu
dos sobre sincretismo. Fazia distinção entre negros m estiços c africanos c
seus descendentes, impor
importa
ta nt
ntee na época para caracterizar formas diferentes
d e conversão ao c a t o distinção.. que fez entre a a ~ a p a ç ã o subje-
distinção ~ ,\0 J
a o cãtõltc tsmo, que localtza no candomblc , c a cultual ou
externa, que exemplifica na cabula, infe li zmente não foi mai maiss elaborada por
e le, mas parece igualmente interessante na c a r a c t c r i z a ~ o do fenômeno cuj'
tão d ~ m e n t U
~ · v a ç ã ~ c t a  

CULTURALISMO

rthur Ramos

Cerca de tr in
intt a anos após
a morte de Nina Rodrigues e durante duas
décadas, Arthur Ramos foi seu divulgador c continu
cont inuador.
ador. Teve rápida ascen
são acadêmica e também vida cu rt
rtaa . Médico nordestino, como Nina, dedi
cou-se igua l mente à medicina legal c tornou-se o primeiro professor ele
 

REPENSANDO O SINCRE7 SMO

antr opologia na Univer s id ade do B ras i l, onde fu funn do u c d irig


irigiu
iu a So ci edade
Brasil e iriraa de A ntropo l ogia e Et n olog ia . Ajudou a o rg an anii za r c publ i c a r t ra
ba l h os d e N in a R o dr igue
iguess . P ubl icou mu itas o br a s, in
incl
cl u s i ve u m a vo l umosa
f n tr oduçüo à ntropologia Brasileira cm 2 vo lu mes (1943-1947) (1943-1947).. Sobre o
n e g r o publ i cou vá r ios l i vros; en t re os m a is importantes po d e m o s apontar :
O Negro Brasileiro ( 1934), culturaçüo Negra no Brasil ( 1942) c s
Cu lturas Negras ( 1943)
943).. Em s u a época a Teoria culTura lisTa dese n volvida
na ant ro p o log ia n o rtrtee -a m e ri cana, e nc o nt ra v a - se n o a p ogeu, c R a mos a ado
tau, e m b o r a l h e f iz es s e al g um as c rft ic a s , c om o v e r if ic
icaa m os ad iante.
R e a li za, cm d iv
ivee rsos t ra b al h os, a p r ec
ecii ação crítica a s o b r as de Nina
R o d r igues, d e q uem se c on onss i derav
deravaa cont ininuador.
uador. Af rmaa (19
Afii rm (1944 2, pp . 5-7) que
o m estre Nina fo i o p io n ei r o n o es t u do do mecanismo q u e o s modernos
an t rop ó logos passaram a de no mi minn ar de acu lturação, cm capítulo onde exami
n a o essenc ia l d o qu e depois r etomar í a m os com o nome ele ' s in incc r etismo
reli gi o so' entre os n e g roross bras il e iro s .
R amos ( 19 4 2) f oi d e fato o pr i m e i r o e s tu dioso brasi leiro a ananaa l isa r o
ntoo de v ista ela teoria culturalisTa   difundida la rgamente
s in c r et is m o sob o po nt
desde a década de 1930 1930.. A este respeito di z : \   0 que Nina Ro d r ig iguue s julgou
r l

c o m o scn<.ió ulnã jUSrãj)ôSIÇãononcgí-Õ c uma fusão no crio u lo c m ulato ,


não são mais do que etapas do processo de aculturação , graus ác s i ncretismo ncretismo,,
  ' \ p e l a maio r ou meno r pe p e rce n tage
tagem m de aceitação, por um grupo rel ig i oso, dos
0 raço s u l t u r ~ ~ g ru p_? (1942, p. 9) .
...___ P r e fe r e c h a m a r de s in c r e ti s m o o que Nina R od ri rigg u es c ha mou d e
il u sãÕ da catcq :lcsc" c F c rnã n do Or t iz de aparente catolização d os negros .
L e m bra ( 1942, p. 34) qüCotcr mo ac u l tu ração j ra empregado péÍos ingle
 

ses, a m erica n os c a le mã e s d esde 1880, c somente cm 1936 pode se r d e fi n i do


c m sua exata sign i f i cação, embo r a os europeus prefir am a expressão c on 
prefiram
t atos d e c u l tu ras.
Es t u dando os proc essos de co n tatos sociais c cu l tu ra i s c co n st a ta n d o
q ue os conce itos d e a dapt ação, acomodação, ajustamento c ac ultur ação, etc.,
ulturação,
varia m d e acordo co m os p ontos d e v i sta das várias escolas, R a m os adota a
d e f i n ição de acult u raçã o a p r e s e nt ada cm 1936 por Linto n , Rcdficld c
Hcrs k ovits.
Procurando conciliar métodos de estudo d a acult u r ação com a ps i 
ca n álise, Ramos ( 1942, p . 4 1) in clui, entre os res u l tados c ul tu ra is da acul 
t ur ação , aceitação, s in incc re t is
ismm o, rcação. D iz p re fe rir c ha m a r ele s in
incc ret i smo
o qu e os n orte - a m e r ic a nos c h a m am de a d aptação, ex p ressão q u e po ss u i s ig 
ssu
nificado b iológ ic o a ceito n as ciências c cujo e m prego c o m o ut ro s ign i f icado
p ode a carreta r co n f usões. Ampliando o sign i ficado e si ncret is m o, d i z :
 

IIEV/SA 0 DA LITERATURA SOBRE S/NCIIETISAIO . .

Será prefe
preferríve l cham armos ao res ul tado harm onioso, ao mosaico cultura l se m
conflito, co m partic ipação igua l de duas ou mai s cult ur as cm conta to de sincretismo
Ampliamos ass ass im o signifi cado de um ter mo que já havíamo s empregado com rcfe-
rência à cu ltu ra espiri tu al, especi
espec ialmente relig
eligiios a. Parece-n os que o signficado de
s in cretismo deva se r estendido a todos aqueles casos de resultados harmonioharmoniosos
sos de
connta tos cultur
co cultu ra is não só espiri
espir itua is como materiais, ou todos aqueles casos que os
e-ameriica nos cha mam de adaptação ( 1942 pp. 41-42).
norte-amer
nort

As s im, pa
Ass parra Arthur Ram Ramos, os, o si nc r et etiismo nã o se re resstringe exclusiva
exclusiva
mente
men te ao do mínio religioso, embo emborr a sej sej a este o do míni o mai s típic típicoo c o qu q ue
ele m a is se de dedidico
couu a estudar. Na defi ni ção de si nc retismo apresen aprese n tada por
Ar t hur Ramos, en e nf at iza
iza-- se o aspecto de pro processo
cesso harmonharmoniioso, se semm conni
tos, de c u lturas em contato. Poste ri or men mente te o próprio Ramos irá constatar
q u e este pr p rocesso não é sempre tão ha rm rmoo ni nioso
oso c pouco co nniti vo, espe
cialmente nos casos de colonização, de domina dominação ção c de escravização.
Em um de seus ú ltimos tr trabal hos, ao di discu scutirtir o problema ge geral
ral da ac ul ul
turação
tura ção ( 1947 pp . 475-4 83 ) , ~ m o s re lac iona a euro europpe iz aç ão do mund o
com o imperialismo, a dominação, a colonização, a destrui dest rui ção cultu <a l, o
rec
ecoo nce ito racial, as lutas contra a dom inação européia c os pmccssos ele
co n tr a -ac
acuu l t ur
uração
ação.. Na d éc écaa d a de 1940 t ais associações não eram comu com u ns,
a m a ser i O ou 15 anos mai s tarde. Também não era frcqücnt e
cm a ut utores
ores que abordam a acultu ração, relacioná-la com o imperia lismo ismo,, a
coloni zação c a domina ção c ultur al. Ramo Ramoss j á co ns ta tatt av
ava,
a, ass im , qu e o
pro cesso de ac aculturaçã
ulturaçãoo não é se mpr mpree tão harm harmoo ni oso c sem se m coconflito
nflito s co mo
p revê a teo r ia cultuculturr al ista. _ { :.
'Em diver
dive rsos trabalh
traba lhos os Arthur Ramos apresenta quad quadrros c esquesq ue ma s de 2 -
sincreti smo qu quee são comuns cm out o utrros autore
autoress da época vincul vinc ulados
ados ao cu c u  - -
turall ismo. Referi ndo-
tura ndo-sc sc à avo la nche d e si ncrct crctiismos, aprese nt ntaa esquem
esque mas
c o m 9 ~ a g . Q m u u l m i b a n t o e a t ó c o ~ p í r i t a   c a b o c o ( 1942, p. 146).

Arthu r Ramos in fe li z mente mor morrr eu ce ceddo, com apenas 46 anos, co mo . , r;f y
Nina Rodrigues. De fa fatoto n5 2 foi um gra grandende teó t eó ri coco,, ne
ne m g ~ n c l e p e s q u i s a d ~ ~
~ m p o . A respé espéititoo de s in cr cree ti s mo e de acu lturação, ap aprresen
esentto u uma s ín- ..
tese
te se d o que os outros esc escrreveram, acresce nta ndo de dettalhes, su sugestões c algu-
;,na s cr ít i c o s esquemas c class cla ssifi
ificca ções sobr sob re sinc sincreti
reti smo rel igioso qu quÓ Ó
u t iliza parecem hoj e demasiadamente formais, m c c a n i c i s t a s _ q ~
·c de reduzido va vallo r explicativo.
explicativo.\\ .
~ m o é, po porrtatannto, um dos resultados do processo
de a c uituraçã
uituraçãoo . Como er e ra co mum na época, não di sti ng ue s incretismo de
ac ul t ura ção c não e nte nd ndee s in incr
cree ti s mo co c o mo fo rm rmaa de resi res istê ncia cultural ,
como será encarado p osterior me nt nte.e. Adotanclo v isão esqu esq u e mát ica c con-
 

 6 REPENS NDO SINCRETISMO

ceitual, parece-n os que Ramos não conseguiu chegar a uma te


teoo ri zação mais
abrangente e objetiva sobre a r eal idade que estudava .

Gonçalves
Gon çalves Fernand
Fernandes
es

Em inícios das décadas d e 1940 e de 1950,


1950 , su rgem dois trabalhos sobre
sincretismo religioso, pu plicados por médicos da Escola de Recife de estu
dos afro-brasileiros fundada por Ulysscs Pernambucano c Gilberto Freyrc.
Ao que nos consta, são o s p ri meiros livros com título sobre sincretismo,
entre nós.
Gonçalves Fernandes publi
publicou
cou vários tr abal
abalho
ho s sobre o tema. Se u livro
sobre sinc retismo religioso n o Brasil I 941) é uma coletânea de artigos que
sincretismo
contém diver sas observações sobre mudan ças nas religiões populares.
Apresenta fotos, inclui cânticos, orações, mitos, invocações, lendas, relato
relatoss
de curas e comenta alterações de correntes de perseguições pol ic iai s aos ter

reiros. Descreve aspectos d o xangô, do ca timb ó e de vários outros cultos


exóticos no Nordeste, c m Minas Gera is e no Rio de Janeiro. Aponta ainda
aspectos do surreal ismo da religiosidade popular, cm que s e misturam ele
m entos negros co m outros de procedências va ria riadas,
das, com
co m a presença de imi

-
grantes japoneses , li baneses e ita li anos . Comcnta o aparecimento, nad 6c'adã'
• de 1930, d a macumba para s e ga n h ar jogo
-......:-
ele futebo l e ela m c u m
, turistas .lé f t ã e a s o s de cu r adores c beatos que co nstroem templo s b iz arros
e organizam se i tas estranhas .' O t rabal há apresenta informações interes-
  - d o 6 . ~ 1 c n d ~ quase jornaií st ic a , assemelhando-se aos
scritos de João do Rio, de iníci o s elo século, in co rrendo c m preconceitos'
I
a in
indd a co m un s e m trabalhos da época. · -

Waldemar Valente

Doze anos após a publicação de Fernandes, outro médico do Recife ,


Waldcmar Va le nt
ntee (1976), publica o se
segg undo t rabal
abalho
ho e ntr
ntree n ós com o t í tu l o
Sincretismo Religioso dedicado às religiões afro-brasile ir
iras.
as. Propõe-se dar
continuidade, ampliar e/ou adaptar os e s tu dos de N ina Rodrig u es, Arthur
Ramo s e Herskov i ts.
Adotando a perspectiva da teoria culturalista Valente (1976, p . lO)
d e fine sincret ismo como: um processo que s e propõe a resolver uma s itua
itua
ção de conflito cultural . Para ele si ncretismo se dist in gue de ac ulturação,
de assimilação e de amalgamação, caracterizando-se por ser uma intennis-
 

REVISÃO DA LITERA
LITERATURA
TURA SOBRE SINCRETISMO 47

rura de elementos culturais , uma interfu são, uma simbiose entre compo
interfusão,
nentes de culturas cm contato.
Considera que o sincretismo, como processo de intcração cultur al,
abrange duas fases . A pr ime meir ira,
a, de ac
acoo m odaç
odação,
ão, de ajus
ajusta
tamento
mento e de redução
de conflitos. A se g unda unda,, de assimilação, implicando modific modificações
ações ou fusão,
num proce sso lento c inconsciente em qu quee o rcmpo exerce sua ação.
Referindo-se diversas vezes à incapa cidade mental do negro, parece-
nos que Valente adota a visão da mentalidade primitiva de Lévy-Bruhl, que,
segundo o próprio Valente 1976, p. 16), 16), te
terr ia perdido a razão de ser. Sobre
sincretismo afirm afirmaa 1976, p. 68): Nos candomblés de caboclo processa-se
r b i
• ...Í' ':
um s tncreti smo complexo, no qual se entrosam elementos de procedênci a ).1-l-
nagô, jeje, banto, mina, malê , tu p i, católica c kardeci kardec ista. Misturados ainda
com possíveis vestígios esotéri esotéricos,cos, tcosóficos e maçônicos. E também com
rátt icas de q u i r ~ m a n c . : . : ~ : _  
rá n ~ L •
Assim Valente amplia os quadros do s incretismo incretismo,, acrescentando novos
dados aos elementos co ietados por N in inaa Rodrigues
Rodrigue s c Arthur Ramos. Ado a,
porém, a mesma visão de Arthur Ramos que no noss parece
parec e automática, mecâni
mecânicaca
e pouco e s c l a r e c c d o r a C i ó v i s Moura 1988: -p. 39). criticando Va Vallente, re
  ~ n c c c s s i ~ e se analisar a i nflu nfluência
ência do conceito de sincretismo
criticamente, pois ele inclui um julgamento de va lor entre as religiões infe
riores e superiores que, pelo menos no Brasil Brasil,, reproduz a situação da estru
tura social de dominadores e dominados .
Vemos que Valente, e mbora incorrendo c m preconceitos, procura
ampliar a no noçç ão de sincretismo, distinguindo-a do conceito de acu ac uituração
c caracterizando suas etapas. Apesar de deficiências, os trabalhos de
0 . . 2 , ~ ' . v ~ s Fernandes c Waldemar ~ l c n t c sobre s incre t i smo foram pio

n ei ros em sua época. Poster iormente n ão encontramos no vas tentativas de


ranálise do sincret is;;;o com tais ambições ge neralizadora
neralizadoras.
s. _,

.. •
Herskovits e a teoria cu lturali
turalista
sta

MelvilleHerskovits foi um dos principais estudiosos da co r rente cu l


turalista norte-ame ricana. C o -autor do Memorandum pelo studo da
norte-americana.
Aculturação de 1936, reali
realizou
zou numerosas pe squisas sobre o negro na África
c cm vários países das Américas. Foi o principal teóri co do cultural ismo
nos estudos sobre negros e religiões afro-ame
afro-americanas.
ricanas. Desenvolveu suas
análises principalmente cm torno dos conceitos de foco cultural, província
cultural do Ve
Velh
lhoo Mundo, aculturação, dinâm
dinâmiica da cultura c mudança cul
tural. Deixou vasta produ çã o com quase 500 títulos, conforme apreciação
 

 8 REPENS NDO O SINCRETISMO

ele R c n é Ribeir o ( 1963, pp. 37 7 -4 2 9). Em E m 1948, ele fo r ma didát ica, expõe a
teoria da c ultura , c m o bra h oj e clás s ica ( 19 6 9 ) .
Co n s ide ra que foco cul cu l tu
tural
ral consis
consistte na in st ituição de uma cultura que
a p r es e nta ma io r co m p lexidade, m a io r va ri ação c onde ocor re m as maiores
mu d a nças ou on d e o c onser va nti ntiss mo ap a rec e com m a io r inten intenss id
idaa de (1969,
pp. 36 3 - 37 5). P ara H c r s k ov i ts, nas c ul ultt u ras da Á fri ca O c id enta l c cm suas
d e ri vadas no Novo M un do, a c ul tu ra é o e le m ento f ocai ( 1969, p . 374).
C om o re g iões sua
s uass c renças nã nãoo co ntinham dogmas rí rígidos,
gidos, os deuses
d o s venc i d os c dos vence do re s f oram li livr
vree mente to m ad o s de c mp rc s t imo
( 1969, p 375) .
D ef
efii n e re in te r p re tação co m o .. o pr ocess o p e l o q u a l a n tigos significa 
dos s e ad screv e m a no vos e l e ment os o u atrav és d o qual va l o res n ovos
muda m a s ig ni niff icação c ul tu ra l de ~ (ppp .
(p   ~ C o  
o s in cretis m o como fo r ma d e r ci cinn te rp rcwção dõSCicdõSCicm me niOs de uma cul t ura.
A ss i m , pa ra e l e, s inincc re tism o c r e int
intee rp
rprr etaçã o c o n st i t u e m compo n e n tes dojdoj
diálo go c n  re__   ~ C onstata q ue o pr ocesso de sinc sin c ret ismo tam -
oé m o co rr e u e nt re e n t id ades dos H a u ssás d a N igéria, que foram m aome
t a ni zadas co m e le me n tos do Alco rã o ( 1969, p. 3 7 6 ) .
Utiliza o co n c eito d e pr o ví n c ia c ultur a l d o V e lho M undo ( 194 1
p. 18), r e c o nh ec e n d o qu e, apes a r d a au to nomi a e ntre c i v il izações, h á
tr a di ções c in st i t u ições s im i l ares, es p e c i al m ente no fo i ci o rc, na rel igião c
c m o utr os aspe
as pectos
ctos ela cu cultu
ltu ra el e po vos ela Eu ro pa
pa,, Ásia
Ási a c A fr ica. E le
lem m entos
cultur a i s didiss tribu íd o s cm t o d o o V e lh o Mundo p od e m se mani fe fess ta r, p o r
ex e m plo, cm c m sosobb re v i vênc
vênciias de a fri ca
cann ismos no Novo Mundo, qu q ue e m e rgem
el e co nt atos e n t re povos de p rocedê nc i a euro p éi éiaa c a f r i can a.
No tr a balh o qu e apre se nt o u c m o ~ s s o n a Ba hj.i)' so b re d euses
a f ri ca n os c sa nt os ca tó li cos ( 19 4 0 , p. 2 1 , co n s id e ra qu e é a i n ê nci a do n
ca to li
licc is m o, ju nta m e nt ntee co m ve s t ígios h od icrn os elo me d o de qu e os cul
to s a fri c a n os se j am f oc o s de re vo lta popu l  r m e d o co n st staa n te me nt
ntee pre
s en t e n o entendim e nto dos e u ropeu s d urant e a escra vi vidd ã o - qu e ex p l i ca a
i n fe ri or p o s ição so c i a l m an t id
idaa por estes ' c ul
ultt os fe t ic hi s tas' onde q uer que
se j a " . Aprese n ta ta m bé m co r respo n dências e ntre deuses a f ri ca n os e s an t os
c at ó li cos no B ras il , c m C uba c n o H ai t i, c on s t at a nd ndoo qu e a s di vergênc ias

I. Em relação ao 13ra sil, ll cr skovits deixou diversos trabalhos importantes. Real Realii zo u observações
d irctas en
e ntre 194 1 c 1942 cm
c m Rec
R ec ife, Sal
Sa l vad or, R io de Jan
Ja nei
eirr o, São Paul
Pau lo c Por
ortto 1\lcgre. Orientou
trab a lhos de pesqu isadores br asisilleiros, p ub li
lico
couu nu merosos a rtirtigos
gos e en
e nca m inhou traba
tra ba lhos aos
con •rcssos afro-brasi leiros de Reei rc cm 1934 . de SalvadoSalvadorr cm 193 19377 e de amcncanistas em São
Pa u lo cm 195 4 . omo mencio
mencionnam 13astide e outros, l lcrskovits p a r e h c g o u a pu
pubb li car
todo o material que coletou no 13rasil.  
 

REVISÃO DA LITERATURA SOBIIE SINCRETISMO 9

nas i dentificações c m difere nt es iocais deve- se ao fato de o si ncr e t is m o te r -


ism
se desenvol v i do independentemente c m cada r egião. / ,
J c r ê c i ã n â 3 â h (1943, p p . 23 - 26), analisa a posse ss ã o no
c a n do m b l é, q ue f ora até então explicada c m te r mo s d e a norma l e p s icopa- \

t ológ i c a , c m g rand e p a r t e porque a s o b se r vações foram feitas p r i nc i pa l


me n te por mé di c o s. P assa a a nal isar a p osse ss ão cm termos cu l turais: nã o)
como fe nô meno a n o   - -
S'cgrrhdo Ribe iro t 1963, p. 385), esta confe r ên êncc i a, que fo i repe t ida e m
várias c a p it ais, ex e rceu i nfluênc ia conside rável entre os q u e se d edicavam
a o s estudos do negro e nt r e n ós. H c r s ko v it s co nh ecia bem o fenômeno do
t ra
rann se c d a po s se ssão r el igiosa a part ir d e suas observaçõe s na Á fr ica c nas
A m éric a s . T al ve vezz s u as p es q ui s as no Brasil te n ham- n o l evado a dar maior
ê n fase a este compo n e n te f un und igii ã o d os or i xás.
d a m c nral d a re l ig
Em s u a obra teórica ( 1969, t.I, pp . 89-90), a na lisa a possessão na pers 
r e l ativ i smo cultural, constatando q u e o tr a n se é mo d e l a d o c u -
pect i v a do_____________.

tu r al m c n tc c in duzido po r ap re n di z agem e di sc iplina. Sem dúvida s u a visão


deste fe n ôm e n o f o i pi o ne ir a, c s u a in fl u ê n c i a, d ecis i va p a ra a s u peração el e
p r econce it os , se n do atua l a in
indd a h oje.
H crskovits ( 196 9 , p p . 34 7 - 348) l e m b r a q u e o c ie n t i sta socia l c u bano
Ferna nd ndoo O rt iz c ri ou o ne olog is m o tr transc
anscultura ção para su bs
ulturação bstt itui r a p alavra
ac u lt u r ação. Co n si d era q ue p o d eria s e r ac e i to p a ra ex p rimi r o co n ce it ito,
o, se
a palavra aculturação não e st i ve s se tão fix a da n a l itcra t u ra 2 .
Disscuti n do o co n ce i to de aculturação ( 1969, pp. 341 -362), H cr s k ov its
Di
acen tu a a i mp o r tância da te rm in ino o l ogia c d o uso d e conce it os o m ais c l nr os
p ossí v e l como fe rr a m e nt a d a pe s q u i sa ( p . 343). Considera q u e a acultu r a
ção n u n c a teve qu al alii d ade c rn ocên t r i ca (p. 348) c que o termo não impl i ca
q ue as c ul t uras c m contato se d ist in ga m um a d a o u t r a c m · 'superio ri d ade .
rid
Também faz di s ti n ção en t re co ntatos am istosos c ho s t is, a fir irm
m a nd o qu e e m
ambos se proce ss uituração.. Re fe re- se a i nda a mo
ssaa a a c uituração mov v imentos co n t r a-ac u l 
tu r a t i vos c a o a b a nd o n o da bu sc a de c u lt u ras '· p ur a s ( 1969, p . 362) .
ltu
A lun os d e H c rskov
rskovit itss rea li za ram t ambém importa
importan nt es estudos no Brasil
n a pe r spect
spectiiv a ela re ·i culru r l i sra. Octáv io da Costa Ed u ardo ( 1948) rea l i
zou pe s q u i s a no Maran h ão, q ue s ê ~ ~ n o p ró x im o capít ul o. Renê
róx
-...... _.

2 . Fernando Ortiz ( 1983, p . 9 a ss   n exp


ex licc a sua proposta
p li proposta:: 'Enten demos que o vo
'Enten cá bulo trans cu l
vocá
:u:-açào expressa melhor as difcrcmc
difcrcmcss fa ses ôo processo
processo transi tivo de uma cu llura noutra porque
nfi o consiste som e nte c m adqu
adq u ir ir u ma c u ltura distinta, que é o que a rigor ind ica a pa lavra anglo
anglo
acullu r aç fio   mas que o proc esso impli ca ne cessa ri
amcricana acullur riamente
amente a per
perdd a ou o dc
dcsscnrn i za·
mcnto de uma cultura precedente, o que p oderia ser dit di t o como sendo uma parcial tl esculturaç ão.
esculturação.
e, além di s so, si g n i fica a conseqüente c ri ação ue novos fenômenos cu ltur ai s , que p o d e ria ser
lturai
n o m t ~ a d de ncocuiluía
ocuiluíaç ç ão  :.
 

50 REPENS N O O SIN RETISMO

-
Ribeiro desenvolve até hoje estudos so
 
sobre
bre o negro,
negro , religiõe
outros assuntos, espe cialmente em Pernambuco.
religiõess a fro-brasil eiras

Em v á ri
rioo s trabalhos René Ribeiro di s cute aspectos do sincretismo .
N um dele s 1955, pp. 473-491), anali s a o si n cr etis mo n a p e rs p ec t iva do

processo de rein teprctação, documen ta ndo a in co rporação nos cultos a fro


br a s i le ir o s ó e prática s do fo
foici
ici o re derivadas do rc isado, d as c on ga d as e dé
padrões de conduta se xual africana. Ribeiro, co mo v e remo s adiant
adiantee, fa z
vária s críticas aos tr a balho s d e Bastide.

Tullio
Tullio Seppilli
Sep pilli

O antropólogo it
itaali ano Tullio Scppill i J9
J9555a; b; c), na década de 1950,
publico
publi co u e m R o ma dois artigos e um anexo, num to
to tal de umas c e m páginas,
sobre sin cr etismo afro-bras
afro-brasileiro
ileiro c acult ur ação. Os a rtigos foram tr aduzidos
pelo Instituto de E studos Bra sile ir
iroo s da US P, n a década d e 1970, m as não
estão publicados no Brasil, sendo difícil localiz á - lo s. Tr a ta - se de estudos
bem document ados c criteriosos, com referências bibliográficas numerosas.

Po s icion a ndo- s e a favor do materialismo hi st ó rico e utilizan do a


me tod ol o g ia da aculturação, Scppilli se in
intteressa por es tud a r re li gião c sin
sin
c r etismo afro-brasileiro. Bastide 197 1) o c it a m e ia dúzia de vezes, c o n
cordando co m s uas id éias o u di sc ordando dela s. Pa rece qu e s e us tr
traa balhos
nã o tive r am muita divulgação no Brasil, embora seja m ci t ados po r alguns
autores. O pr o fe
fess sor João Batista Bo rges Pereira nos di
di sse que, na ép oc a , o
sincret ism o e a teor ia da aculturação foram c on
onsi
si derado s temas ultrapassa
do s, s uplantad os por outros as s untos c no
uplantados novv as teorias , so bretudo pelos estu 
do lo trabalhos i St
s de cl asses so
socc iai s e p e s d e Lé v rau ss .
Considera (Scppill i, 1955a, p. 15) q ue o si n cr et ismo com a reli
religg ião
católica fo
foii mai o r na litur
liturgg ia elo que na mi
mitologia.
tologia. Diz que na liturg
liturg ia encon
encon
tram os a presença africana nos cânticos, nos instrumentos, no ri tm o, n a
m e lod ia
ia,, nas danças,
dança s, nas co mida
midass sacras, e que o alta r c santos catól icos são
englobados com o influências secundárias pe l a litur
liturg
g ia afro
afro--brasileira. Afirma
id. ib.) que dessa m an e ira o estudo da liturgia le va a uma m a ior c o m
preensão[ ..
..]] do sincretismo .
Most ra preocupação metodológica e m realizar uma int
inteerp retação cien
cien 
tífi ca do s incre ti s mo para co mp r eender a s religiões afro-b rasile ir as
as.. Afirma
ainda não te r enco
enconnt ra do sol u ção o rgâ
gâni
ni ca que permita uma aval iação crítica

e a s iste m a ti zação o fen ô me n o cm se u conjunto . Refere- se (1955a, p. 14


14))
à necessidade ele estudar o s in cret ismo na perspec ti va hi st ó ric
rica.
a.
 

--
REVISÁO
REVISÁO DA LITERATURA SOBRE SINCRETISMO 5

  1 Seppil li aceita preconceito s comuns na é poca , como a r eferênc ia à


superioridade cultural dos iorubá
iorubáss e dos escravos i s lamiza do s ou a preocu
pação com a pureza africana. Prevê o desaparecimento fatal e progress i vo
dos cultos afro-brasileiros (1955a, p. 2 6 t B a s t i d e (1 9 7 1, p. 334) o critica,
a nosso ver inju st i ficadamente, por utilizar l ivros e ar t igos qu e diz serem
ultrapassados e incorrer no erro de dizer que os mito s estão perdi d os. Seu
trabalho, entretanto, apresenta preocupações cient
cien t íficas bastante avançada s
c m relação aos pa drõe
drõess da época.

Críticas teoria cult


culturalis
uralis ta

C omo demonstram diversos autor es (Cardoso de Oliveira , 1978, pp.


83-84), a reoria ultur lista não l eva devidamente em conta o c ar áter d e
s istema d a cultura de uma sociedade e s ua es t ru tura, daí in s ufici ê ncias e
inadequaçõc s d e s ta abordagem, sobretu do em regi ões su bdesenvolvida s
onde se conside r a que existem ve rd ad e ir a s co l ônias internas. Estudando
sociedades indígena
indígenass e s ua s relações com a so c iedade nacional, Cardoso d e
Oliveira (   979) propõe que a no
noçç ão de aculturação seja su bs tituída pela de
fric ção interét nica .
A teo ri a funcional i sta c os estudos de co ntatos de cu l turas com ela
vincula dos foram criticados por Balandicr ( 1971 , pp. 22-28) e por Leclerc
( 1973, pp. 69 -80), en tr
tree outro
outros.
s. Balandicr, a partir de a ná li ses ante ri ores de
Max Gluckman, c r itica a concepção de dinâmi ca da cultura de Malinowski,
desenvolvendo a noção de s itua ção de contato .
Como mostra Balandier, en t re os povos dependentes, as situações que
foram denom in adas d e choques ou co n tatos de ci
c i vilizações ocorr
oco rr e ram em

condições específicas que t êm o nome de si t u ação co lo n i a l, de f inindo -se


pela domi n ação imposta por uma minoria estrangeira 'rac i almente' e cul
turalmente diferente, em no m e de uma supe ri o ridad e racial (o u étnica) e
<c ultural dogmat i ca me nt
ntee a firmada
irmada,, a uma maioria a ut
utóctOne
óctOne ma teria l mente
i n fer i or (1 9 7 1, pp. 34-35).' Na perspect i va de fenômeno social total de
Mauss, Baiandie r  n s iaera- a s ituação colon ial em seu co njunto como um
s i s tema totalizante c conclu i propondo uma antr ant r opolog ia e uma so c io l ogia
dinâmica s .
No campo dos es t ud o s a fr o-brasi l e i ros, Renato Ortiz (1978, pp. 10-
13) critica ta mb ém id éias da esco la culturalista. Assina l a a im p ortâ
escola ortânncia ele
Arth ur Ramos como se
seuu princi pa l repre
represe
sent
ntaa nte no B ras
asil.
il. Para Renato Ortiz,
a idéia ce
cenn tral
no ção ele aculturação va loriza a cu lt ura cm detrimento
ela
da sociedade . Diz que as crít
crítica
icass e Ba lan dier ao cultural
cultura l ismo combatem
 

5 R P NSANDO O SINCR   TISMO

o e rro de se considerar a cultura como um siste ma autônomo i 978, p. 12).


12) .
r r r o põc-sc discuti r a i ntegração da umbanda n a so c iedade urbano - in dust ria
riall
c d e classes do Br a s ii c não cxatamcntc como fenômeno de s increti smo rel
elii 
g ioso, utiliza ndo o conceito de rei n te rpretação d e Hcrsko
Hcrskovv its para fa ze r uma J

anú li sc d a entida de Exu no candomblé c na umbanda.


entidade

Entr e o s es tudi osos do n egro n o Br a s il


il,, C ló v is Moura ( 19
1988,
88, pp. 3 4-
36) c r iti c a o s co nceit os de sincretismo, as s imil ação, acomodação e ac u l
nceitos
turaçã o, tão caros a uma ciênc i a so
socc ial coloniz
coloni z adora". Co
Conn s idera que · 'c e rtos
co nceitos ela antropologia revelam ele forma tra n sp a re
renn te [.
[ . ..] s ua função de
c iê n c ia auxiliar de uma estrutura n coco loni zado ra
ra"" ( 1988 , p. 3 8 ) : Mostrã
que mu i tas a nálises elo s incre
incrett is mo incluernju lga m e nr
nros
os de vã lo r, pois co n- 1
s id eram_ n fe rior a rel ig ião elos dominados.

Para M ou ra (1988, p. 45 ) , o co n ce it
itoo e ac ultura ção te m limit
limitações
ações
c i en t í fica s enormes . Tem como co n se qü ê ncia a di luiçã o ela " d om i nação
estru tu r al - cc o nômi co, so c ial c pol í t i co de uma das culturas sobre a outra.
nômico,

[.  ] O cultura li s mo
exclui a histo
hist o ri c idade do c o ntato (1988, pp. 4 5-46) . A
ac ulturaç ão n ão m o difi c a as re la ções so c i a i s c co n seqüente ment e as in st i 
tuições fundamen t ais de uma estrutura social. Não modifica as r elações de
produção ( 1988
1988,, p. 47). Parece-lh
Parece-lhee que o pr oc esso aculturativo d es
esee mboca
no conceito d e " d em ocraci a ra ci a l   , c a acultura ção n ão é um p r ocesso de
di n âmica so c ial.

Analisando e studos sobre o negro no Brasil


Brasil,, B o rges Pereira ( 1981, pp.
198-199) , e mb o ra reconhecendo o padrão c i e ntífico d os trab alh os d esta es 
co la entre nó s, d estaca com mu i t a p r o pr i edade que, enfa ti za nd o a c ultura c
e l i g ião , a antropolo g ia negli g e nciou os as pcctoS ' n o rmai s " o u tri v ia is da
da do negro, contribuindo para constru ir a im
imag
agee m de '' o neg ro c sp c tá
tácc ulo".

e
omo vimos, a t  ria culturalista te m s id
idoo c ri ticada p o r muit os, m as
fo i apli cada a inúm e ra s áreas. N o c am p o d os estudos so b re o n e g r o c d as
re li g iõ es afro-americanas , Hc rskov i ts foi seu princip al auto r. Foi nela qu e
se fi
fizz e ram p rim
rimee iro, c com m a io r ê nfa se, te nta t ivas de
de abordage
abordagemm m a is te
teóó ri 
cas do fenômeno d o s in cret i smo.

O co n c e ito de r e interpretação fo i uma das prin c ip a is no ções dcscn 


v o i v id a s p o r H c r sk o v it s na análi s e d o s in c reti s mo. Para Ba s ti d c ( 19 7   ,
p . 53 1 e mbora e s te co n ce it
itoo p e r mane ça muito p róx
óxii m o do que ele própio
denomi n a d e aculturação mater ia l , foi o mai s import a nt
ntee d es envolvido pela
antro pol o g ia no estud o dos encontros d e c iv ili zaçõ es. B as tidc ( 197 3 , p. 147)

icmbra que Hc r s k ov ovii ts foi criticado so b ret udo por sociólogos ne g ro s co mo


f r a nkli n F razie r , que o acusa de preconceito br a n co .
 

/IEVJSi DA LITEIIA TUIIA SOJJRE SIN CRETISM


CRETISMOO 53

A p e sa r d as críticas, a co ntribu i ção d e Hcrsko vi t s c do cuituraii s m o


fo ram im p or tantantes,
tes, realizando av
avan
anços
ços inegáveis no ca mp o dos estudos a fro 
americannos. Entre outros a s p ectos, fez-
america fez-se
se a a nál
náliise do transe co m o faro socia
sociall
no rmal c pela prim e i ra vez se re a li lizo
zo u ab o r dage m teórica ma i s ampla d o
s i nc rct ismo re i igioso.

C O NTRIBUIÇ ÕES D E ROGER BAST DE

Nos úl ti m os c i nqü enta anos, o autor mai s p ub l i cad o c ma i s conhecido


n o campo d os estudos a fr o - brasileiros foi Roger Bastidc. Sua obra até ho hojj e
ex e r ce l a r ga i n fluê n c i a , d e s perta vocaçõ es e p er m a n ece um ponto d e par
t ida p a r a pe sq uisas po st e ri rioo r es, como se ele fosse um n ovo f un dador de s te
ca mpo. O r ien t o u trabalh os de a l unos q ue h oje são estudiosos conhecidos,
co mo B i n on -Cos sard , Renato Orti Ortiz,z, Ju
Juaa na E lb
lbee i n e outro s .
1

T rês anos após seu falecimento, duas rese resess fo ram d efefee ndidas cm Pa ri s
Bcylicr, 1977 c Ravclct , 1977) sobre ele. O total de sua ob ra foi aval i ad o
c m 13 35 tex tos Ra vclc t , 1978). É , portantO, mu i to complexa uma síntese
d e se u pen sam e n to sob qualquer aspecto. Int Interessa
eressa-- no
nos,
s, aqui
aqu i, a con t ribu
ribuiiçã
çãoo
de Ba st id c a r es peito d e s in c r etismo a fr o -b r as i l e i ro , as s unto so b r e o qual
fo i dos autores que mai s escreveram c teorizara m , ad o ta n do a perspectiva
d a s o ciolog ia e m proji didade d e Gurvitch.
<

Desde seus pr imeir os livros no Br as il , Bastide 1945) re fe r e- se divcr- .J

sas vezes ao s in cretismo. Discut i nd o, por exemp lo, a o ri gem do can domb l é - - ;..J
de caboc lo 1945, p . 196), cons consii de
derra qu
quee o indi
indigc
gcni
niss m o após a independência ,
um da índio no ca ndom . se
fi noic lu sãodos motivos in ccomo
lu são do afirmaram, ou s ebteria
l é s ido difundida
Pergunta esta , /
 
d atar i a d e
com o espiritis mo , que c m ou t ro lugar
lhe
Basti d e,1971 , p.432) i n for m a ter
s ido introduzido _::o m sucesso imedia to n o Brasil Brasil,, d esde 1863.
Datta de 194
Da 19466 um dos primeiros c imp impoo rt
rtaa ntes estudos d e Ba stid
tidcc 1973,
pp . 159-1 9 1) so bre s i n cr e ti s mo. Con s id era aí que nã o ex i ste uma r e li g i ão
afro- b r a s il
ilee i ra, mas vá ri
riaa s. Procurando entender o sincretismo dos orixás
co m o s santos, p a rece- lh e qu quee h á ini cialme nt
ntee um a in
intt e rp retação soc i oló
g i c a ~ catolic i smo é um m e io de 9 i sf a r   eé a ilusão da catequese d e que
fala N in
inaa Rodr i g ue ues.
s.
segunda interpretação se ria psicana lít i ca - trata -se d a projeção de

u m complex o de inferioridade desen vo lvido no negro pela escrav idão, pois


a re l igião do branco faz parte de uma cult ura considerada s uperior. Após
 

5 REPENSANDO SINCRETISMO

analisar respostas de de votos a perguntas que formulou so


sobre
bre santos e orixás,
Bastide va i procurar outras explicações mais profundas para o fenômeno.
E m diversos trabalh
trabalhos,
os, Bastide critica e procura ultrapa
ultrapass
ss ar o conceito
de aculturação. Considera 1 97 1, p.29) qu e não são as civilizações que
en tram cm contato, os homens. Não se pode estudar os contatos entre
~ s
as c ivili zações separando-os das situações de co nt atos, daí a necessidade
de e ncar ar o encontro de c i vilizações ultrapas s ando a so ciolo
ncarar ciologg ia co l on ial ,
através de uma socio
sociolo
logia
gia cm profundidade. Afirma (197 1, pp. 38-39) que
os estudos sobr
sob re ac
acultur
ulturação
ação er
e r am feitos na perspectiva de pequenas comu
nidades e s ob a ótica exclusiva do funcionali
funcionaliss mo.
Considera (1974) que o conceito de r e interpr e tação proposto por
Herskovits não cobre todos os aspectos da v i da afro-americana. Em 1948
(Trindade,, 1985 , p. 430) , o co
(Trindade conn ceito de convergência lh
lhee parece ma
maii s indi
cado. E m s u a tese (1971, p. 531 ), diz que o conceito de reinterpretação é
import.@te, pois retorna ao pe
penn same
sament
nto
o de Durkheim. \Para o afro-bras
afro-brasileiro
ileiro
h á duas espécies de r einterpretação po ss íveis: a d o ~ traços cu ltur ais oci
dentais em termo
termoss africanos (culto dos sa ntos
ntos,, concub ina gem) c a reinter-
1 pretação dos traços cu l turais africanos em termos de cultura ameríndia ou
._p_g rtuguesa (culto dos monos, t r n s e

Para n é l ~ esse s movimento s em direçõcs d i vergentes, l oc a liza


liza,,
além da reinterpretação, uma dupla aculturação: a material, relacionada com
o conteúdo das cu ltur as em contato 3 , c a aculturação forma l, que se rela
ciona com o es pírito , a m e ntalidade, o incon sc ient
iente,
e, se nd
ndoo mais ló g ica e
afcc t iva. Es tud a também ( 1973) a acultura
af aculturaçç ão jurídica, folclórica, cu in ária,
litterár ia e religio
li religiosa
sa .
Aproxima ndo- se de Durkhc
Durkhcii m, Mauss e Lévy-Bruhl, passa a racioci
n a r sobre o que ir á chamar de princípio de cisiio para compreende r o s i n
cretismo afro-bras il e iro. Co mo informa (1973, p. 182)
182),, fora a própria pal
pa lav
avra
ra
s increti s mo que me i ndu z ir a ao erro . Eu procurava um fenômeno de fu são
ou pelo menos de penetração de cr cree nç;s, simbio
simb io se cultu r al, uma espéc
espécii e
de q ~ m i c do s se ntim
ntimen
en to
toss mí
míst
st ico
icoss . Mas o pensam
pensamento
ento d o nenegro
gro se mo ve
num outro plano, o das participações, das
da s analogias, das corres
corr espond
pondêê nc ias
ias".
".
D i z qu e pa ss ou para o que Durkh e im e Maus s c hamaram de classi 
ficações prim iti vas , constatando que o que a socio l ogia norte-am e ricana
ch a ma va de aculturação e r a insuficiente.
Pe re ira de Queiroz (1
(199 83 , pp. 27-3 7), a na li
liss an
andd o a obra de Bastide,
diz que ele se vo l tou para a análise das religiões afro - brasi leiras com duas

3. Para Bast id e (1974, pp. 193-


193- 194), o conceito d e re int e rpret
rpretaç
aç ão de Herskovits par
pa r ece m ais pr ó
ximo da ac u lt uração material.
 

REVISlO D LITERATURA SOBRE SINCRETISMO .. 55

~ teórica00 de um lad
teórica la d o, inspirado em Nina Rodrigues, Euclides da Cunha.
Cunha.
e   n s i d e r v a existência de uma dualidade em nossa sociedade
(brancos X negro s; cidades X campo; sobrevivências africanas X valores
~ e outro lado, apoiava-se na te o ria   e n d i d por Lévy-Bruhl
cm voga na década de 1930, so sobb re o pensamento pr imiti vo.
Para Lévy-Bruh l, as representações coletivas dos povos p rimitivos
teriam a especificidade da participação. Os primitivos raciocinariam segundo
a lei de associação de idéias, por contigüidade c por similaridade. A lei de
participação constituiria para Lévy-Bruh l a ba se d a lógi
lóg ica primitiva, orien
tando suas classificações 4 •
(1983, pp. 33
Pere ira de Queiroz 33--34) mostra que a teoria de Lévy
Bruhl foi sendo abandonada por Roger Bastide ao aprofundar suas análises
sobre as religiões afro-bras il eiras, verificando que não ex ist
stiiam categorias
primeiras do espírito humano, e sim sistemas mitológicos difere nt es, co n 
forme as sociedades. No mencionado artigo (1973, p. 184), Bastide vê o
sincretismo como um s istema de equivalências funcionais , de analogias e

de participações. ---._,_
artigo de 1955 e em outros trabalhos,
__ Como aparece formalizado cm
\}3 astide elaborou a partir destas idéias o princípio de cisão ou de cortc 5 •
Diversas vezes (1971
(1971,, pp. 529-530), emprega-o como solso l ução do problema
da aculturação, parecendo-lhe possuir valor geral caracte rí stico dos fenô
fenô 
menos aculturativos.
·o princípio de cisão é uma das idé
id é ias-c
ias-cha,;
ha,;,cs
,cs incluídas
incl uídas em sua tese d e\
~ ali parcialmente c o mentado n a introdução e na s conclusões
(Bastide, 1971, pp. 17 - 24,37 - 42, 523-535), embora tenha s ido intuído e

4. Lucien Lév y- Bruhl, falecido e m 1939, ex e r ceu gr a nd


ndee inlluência teórica na antropologia em

século
sécu lo.
. Nos seus Carncts publicados pos
e a lei depoparticipação
s tumamentepara
começos do cm 1949, aba ndona a idéia do
caráler pr é-l ógico
caráler do pe nsame ntO primitivo enttender sua lógica (Lévy
en
Bruhl , 1949, pp. 60 -62, 7777-8
-800) . Bastide
Bastide,, em vári
vár ios trabalhos (1955, p. 493 ; 1973, p . XIII), reco
reco 
nhece que Lév y-Bruhl ha havv ia abandonado a tese do pensame nto pré-lógico, mas isto não quer
dizer que a lei de participação n ão existe, som somente
ente,, que ele havia dado uma int interpretação
erpretação crrônea .
P ara Bastide ( 19 73. p. XIII), em s eu euss Carnets Lé Lévy-B
vy-B ruhl jamai s r enegou a noção de partici
partici
pação. Ev a ns -Pritch a rd (1978b, pp. 111- 138) faz r evisão crítica, analisa
analis a ndo os principais con 
ce itos utilizados por Lévy- Bruhl.
5 . Perei
ereira
ra de Quei
Queiroz
roz (1983, p. 32) afirma em nota nota:: Roge
Rogerr Bastide util
utiliizou o termo francês coupure
que significa ato de co rt rtar.
ar. Julgamos que o termo correspondente em português seja 'cisão' .
Constatamos que algumas vezes este ter mo aparece traduzido por Hcorte como em l3ast
l3astidc.
idc.
1971, pp. 238, 517). É traduzido ta mbém por princi
principp io de ruptura in TrinTrindade,
dade, 1983, p. 643).
Coupure é a s vezes denominado pelo autor de brisure. rupture
rupture   hiatus (Ravclct, 1978, pp. 322-
323). Em português, pode se r traduzido c omo rompimento
rompimento,, separação, fissura, cisura ou cisão
cisão..
Parece-nos porém que a tradução c isão p roposta por PerPeree ira de Queiroz é a mais adequada e a
que dev e ria ser utili
utilizada
zada uniformem en
entte em novas edições ou traduções
traduções da obra de 13astide, bem
como nas referências que lhe forem feitas.
feitas .

 
  6 REPENS NDO O SI
SINCRETISMO
NCRETISMO

apresentado, c m etapas, cm dive r sos trabalho s, pelo menos desde 1946


de, 1973
Bastide,
Basti 1973,, 1955)
1955).. Excelente r esu mo foi elaborado por P ere ira de Q uei ro z
1983, pp. 3 1-3 7) e por R a vclct 1978, pp. 28 I -289, 32 I -3 24). A síntese
que estamos apresentando ba se ia -s
-see nestes t r a balhos.
Partind o de es tudo s s o b r e n o ss a r ea li dade, Bastidc preocupa -se cm
comp ree n d er, na pers pe ctiva d en o minada por Gu r vitch, d e u ma socioiogia
perspe
em profimdidade 
profimdidade   o e ncon tro ou co nt
ntaa to entre c i v il izaçõc
izaçõcss diferentes
diferentes.. Pr
Procura
ocura
construir o qu e denomina de so
socc i olog
ologia
ia da s in
intt e rpenetra ções d e c iv ili zações,
s ubtítulo de sua te se c expre ssão que prefere u ti lizar, cm vez do te r mo
expressão
t uração, mais c m p r e g ã ~ pela antropo lo g ia culturalis t a norte-ameri cana .
Analisa nd o razões última s das interpenetrações de civlizações, d iz que ultra
ultra
p a ssa o funcion al i sm o , procurando chegar a uma análi s e so c iológica d a
s oc ie dade i l c i r ~ 1971, p p. 39 -40).
- Segundo Bastide 1973 , p. 182), para L év y-Bruhl o p e n same n to pri
mitivo é analóg i co : v a i do se melhante ao seme lhante. O universo para o
p rimi t i vo estaria dividido cm ce r t o nú m e ro de compa rtim entos estanques c
a s participaçõe s s e fa ri am n o in t e rior de ssas divisões c não de uma di v i são
a outra. O sincretismo deix a tr a n s parecer re
ress íduos desta maneira de pens ar.
Não se trata d e mistura ou id
idee nt i ficações, o que s e r ia u m verdade ir o si n 
c retismo
retismo,, ma s de se melh
melhaa nças, eq ui v alên cias c não identifi cações por exem 
plo, entre o ri xás e sa n tos) . T r at a - se de um j o g o d e anal o g i as .

Bastid e 1955, p . 49 4) l e m b ra tamb ém que, s e gundo Durkhei m c


P ia g c t , as c la ss i f i cações d o s primitivos são compa rá veis às nossas, po i s
di v idem o r e al nu m certo nú m ero de compartimentos. Ma s, segundo P iagct,
estes e s qu emas intelectua i s primitivos não co n s tituem ve rdade ir am e nt e sis
te matizaçõe s lógicas , po i s n ão fo r m am, como no ss o pe n sa mento oc i dental
dental,,
classes dcsjunr as c e ncaixo tá v eis umas nas ou tras. Assim como o s c o m 
dcsjunras
partimentos d o real não são en c aixáveis un s nos o u tros, Bast ide não fa l a,
como Durkhcim, e m clas s ificaç õ e s , ma s c m um prin c ípio d e cisão que,
segu ndo e l e, co m plementaria o p r i n cípio de pa rt icipação de Lévy - Bruhl.
Parece - lhe aind a que a expre ssão é mais adequada do qu e a de Durkh c i m.
Apoiado cm Griaule, acre sc e n ta o prin cípio de corresp ondê nc i as . Diz
que não há parti c ip ação de um domín i o do rea l a outro , mas h á a n alogias
ou correspondências .

Para Ba sti de
de,, as g randes interpretações da cosmologia primit iva, a d e
L6vy-B ru
ruhh l a de Du rk
rkhh e i m c a de Griaulc, lon g e de se op o rem, co n sti tu em
pontos d e vista complementares . Parece-lhe , pois, que os princípios de cor
r espondência , o de participação c o de cisão constituem a melho r i m agem
que s e pode fazer da cosmologia p rimi tiva. Destes, o mais importante é o

 
REVISÃO D LITERATURA SOB RE SINCRETISMO 7

princípio de cisão, pois dentro das c isões é que se realizam as participações participaçõe s
c as co rre rrespondênc
spondênciias mí místst ica
icass .
No mesmo tr ab abaa lh
lho,o, Ba
Bass tide (1955, p. 498) constata que qu e é preciso
re ver a teoria do homem marginal marginal   , do d o h ome m dividido e nt ntrre dois mun
dos que se defrontam dentro dele. Parece- Parece - lhe que, pe pelo
lo pri ncípio de cisão,
o afro-brasileiro escapa à desgraça da marginalidade. Imp re ssiona-l ssiona-lhhe a ale
g ria de viver c o equi quilíbrio
líbrio ps ps icoló
icológg ico dos adeptos do candomblé. Q n ~ g r o
~ é tfío fe r voroso patriota q u ant o está li ga gadd o à sua cult
culturaura anccs
anccs
~ Age como os outros brasi brasillei ros no mundo cconômico
cconômico,, c en qu a nt o mem mem
bro do candomblé, faz par partete ele um mundo onde on de predominam outros valores.
Esta car
ca racteríst
acterísticicaa não é puramente brasileira. Na Áfri ca também se
diz : É verdadeiro para os ne negros
gros   . O negegrro con
co ns ide ra nam ra l que um so rt i-
lég
égioio,, uma ma g ia um rit ritoo ajam qu an do se trat trataa de africano, mas não ten tenhham
e ficá
ficácia
cia quando aplicado, aos bra ncos . Quando um membro do candomblé
afirma seu catolicismo, não mente, mente , poi
poiss é a o mesmo tempo cató católiclic o c fe 
tichista . ~ s _ d u a s coisas nã o são opostas, mas separadas- é a lei de an a lo
g iaiass que ~ c As Asss i m o cocorrte ou cisão é con onss tatad
tatadoo ao se se--ve rifica
rificarr que
que nosn os
templ
te mplos os d e candomblé há um altar ca católico
tólico c um pcji africano,
africano , que se podem
corr
co rresponde
esponde r mas não se idcnti ficam, pois desempenham papéis diferentes diferente s .
Um informante
informan te lh e diz que rezando la dainhas não mistura n ad a de africano
c qu
quee c m ou outrtros
os momentos celebra fe stas africanas c não mi stu ra n ad a de
católico .
Tra ta
ta-- se, cm
c m sua visão. de u m mundo compartimcntado c cujos com
partimentos não são enca encaixáv
ixáveis
eis un s no s outros. O prin p rinccípi o de ci sã o parece
parece
lhe como uma característica dos fen fenômenos
ômenos aculturativos, agindo sobretudo
nas famí li as li gadas ao candomblé,
candomblé , na nass classes ba ixas da sociedade, onde a
influência
in fluência da esc escol
olaa permane
permanece ce confinada a alguns anos da primeira in infân
fân 
cia c nas comunidades onde os prec ecoo nce
ceititos
os de cor são mínimomínimoss (Bastidc,
19 55 , pp. 493-503; 197 1, pp. 17-29, 17-29, 523-531 e 1973, 1973 , pp . 182-191).
E nco ntr
ntram
amoo s por parte de p ais-de-santo co mo pô i Balbi Balbinno da Bahia,
ou d e intelectua is radicados cm nosso meio meio,, como Pi er re Ve Verrgc r, dedecc la
lara
ra
ções
çõ es de qu quee .. candomblé c catolicismo sã sãoo cocomo
mo úgua e ól   o podem fic ar
no mesmo copo, mas não se misturam (Vcrgcr, 19 83 83,, p. 45). Segundo
Segund o
Verg cr cr ( 198 i   p. 28), ''com o passar do tempo,[ .. ] tornaram- tornaram-se se eles tão sin
ce ramente católicos quando vão à ig rej a, como lig ligados
ados às tradiçõe
tradiçõess afafrricanas,
quando particip
participaa m, zelosamente, das cerimôni as do candom cando mblé . Declarações
com
co mo estas, a nosso ver, complementam a op ini inião
ão de Bastide.
Bastide.
Atualmcntc, o sin s incret
cretiismo afro-católico passa a ser re rejj eitado pub li 
ca mente, por diversos pais c mães-de- mães-de - sa santos,
ntos, como mãe Stela de Oxóssi,

 
8 REPENS NDO O SINCRETISMO

zeladora do Axé Opô Afonjá de Salvador, ao declara r pu b licamente que os


pais-de- sa n to devem ser cont rári os ao s incretismo (Fry, 1984, p. 38).
Encontramos atitude idêntica de reje ição do s incret ismo por parte de pa
paii s
de-santo que se pr e t endem r eafr i ca ni zados (P randi , 1989), como m en 
cionaremos adiante.

Críticas às análises de Bastide

O cu r ioso a rtigo de Bastide ''Macunaíma cm Paris , datado de 1946 1946,,


(Pere ira de Queiroz, 1983, pp. 78 78-- 80), despe rta-n os o in t e r esse em trtraa çar
pa r alelismos entre ele e Mário de An Andd rad
rade.
e. O in
inttelectual paulista
pa ulista foi so sobb re
t udo literato, musicólogo e fo l clor ista. Através de s ua s diversas at i vid ades
na área de cultura, Má r o de Andrade tinha em ment mentee o projeto da co connstrução
de noss a naciona l idade . Um dos marcos desse projeto foi sua rapsódia
Macunaíma, o Herói sem Nenhum Cará Carátter (A(And
ndrrade, 198
1988),
8), cm que pr p rocura
re c ri
riaa ar- sea part ir doeherói mítico , a figura do protót ip o do br a si leiro. Es te
orig in
ina do índio do negro,
negro, vira branco, é esperto e sempre encontra saí
das, dando um jeito brasileiro para reso l ver problem as. bastante hábil,
embora seja preguiçoso e tenha
tenh a muitos outros defeito s. Ma c unaíma n ão é
igual
ig ual nem m e lh or do que os e lem entos que contribu
contri buíram
íram para sua formação
formação,,
mas é um ser novo c diferente.
No capítu lo VIl d e Macunaíma
Macunaíma,, Mário de A nd rade dcsqcvc um ritual
d e m acumba na casa de t ia C iata, onde tinha m u ita ge nte, g en te d ir ei ta,
g e nt e pobre, advoga d o s, garço n s, pedreiros meia-colh e re s, d e pu tados,
l gatunos , v e n d ed o re s, b ib l iófilos pés-rapados, acadêmicos, banquei r os,
' \ , ladrões, se na
nadd ores, jecas, negro s, senhora
se nhoras,
s, futebolere s ... A de scrição de
r
Má o deeiras
nas prim
Andrade asse
assemelha-
décadas dmelha-se
se àscomo
o século, que eram
as de comuns
João d o naRioi mprensa b rasi
br
( 1976), ou leira
artigos
..... surrea l st a rBcnja mim P er et, dos anos 30 i n G in way, 1983). Mário de
A nd rade distingue - s e, entretanto , p or não acent uar uma vi sã sãoo negativista,
pejo r ativa c prcconce it uosa, como as que encon t ramos norma l mente n a
impren s a. E m vários trabalho s, c o n stata-se seseuu interesse pela ma c umba ,
pela pajel ança, pe l o catimbó e outras o rm as de re li ligg io
ioss id ade popu l a r6 .

6 . Artistas c intel ec tuais de va nguard


nguardaa na década d e 1920, que eram t ambém n aciona
acionall istas . reg
regiis
tram visões ''surr ea listas da religião c da cu ltura popular, como c om
''surrea omee n ta com acuidade Alcjo
Carpentier no prólogo
pról ogo da edição bras  l eira do l vro Écuc-Yamba-Ó . Entre out outro
ross te
temas
mas do povo,
povo ,
Carpenti cr d es iniciiação à so
esccr e ve rituais de inic socc iedade dos nanigos d e Cuba, que qualifica de uma
espécie de maçonarr ia popular
maçona popular .

 
REVIMO DA LITERATURA SOBRE SINCRETIS M O . . 9

Como Mário de Andrade, Roger Bastide se preocupava e m ente


entennder
nossa realidade, adotando uma p er spec
spectiva
tiva essencia lmen te sociológica. Não
essencialmen
elaborou u m projeto do brasileiro, mas p rocurava analisar em profundidade
aspectos d o nosso comportamento. O princípio de cisão d e B asti d e é u m
e le ment o fundamental que diferencia sua v i são da de Mário d e Andr a de,
mais preocupado em formular uma síntese do homem brasileiro.

Interessado no problema da interpenetraçã


interpenetração
o de civilizações
civilizações,, Bastid e
procura contornar situações de anomia decorrentes dos s incr etismos e das
incretismos
misturas resultantes dos contatos entre culturas diferentes . Por isso d á ênfase
à cisão, à separação, à preservação relativamente pura, no cando mblé, de
elementos o r i gina is d a construção de nossa cultura, criticando a desinte
gração que encontrava na macumba, e m oposição à integração que d i scern ia
n o candomblé. Mário de Andrade, po r outro l ado, constrói e m Macunaíma
seu mode l o de brasileiro, ap o iado numa síntese original, sui generis apre
ciando a macumba, sem receios de si n c reti smos ou de anomias.

Enquanto M á r io de Andrade se colocava favorávei à mistura, ao sin


cretismo e à macumba, Bastide se colocav a ao lado da pureza do candomblé,
separado do sincret i smo e da mistura, fenômeno que explicava pelo princí
pio d e cisão. Cot.llO af i.rma Peter .Fry
19 84 b_  p  
n ~ o então que o
debate sobre o smcretismo religioso remete a toda uma discussão mais
ampla sobre o pensamento brasileiro como um todo . Há uma forte tensão
entre uma ê n fa s e num a cultura nacional homogênea ( 's in c r e tis m o ,
mestiç ag e m ') c uma outra na s e specificidades culturai s com v i stas a um
pluralismo cultural .

René Ribeiro 1982, pp. 72 - 78) cr iti ca o p rin cí p io de c i são de Bastide,


au t o r p o r muitos tí tu
tull os m e recedor do ac a ta mento, mas nes se, como e m
vários ou t ros pontos, lamentavelmente mal informado e equivocado 1982,
p. 74 ) . Ribeiro critica a t ese de Ba s t ide (1971, pp. 157-180) da existência
d e dois cato li cismos - a religião do sen h o r c a do escravo, em que o catoli 
c i smo aparece como su bcultura de classe 1971, p. 162), com confrarias ele

brancos e ele n eg ros. Cons i dera q u e esta abordagem sociológ i ca minimiza


o p r i ncípio de reinterpretação, ac e ntuan do o ~ n a estrutura ela
s ociedade. -   ·

Ribe iro também c r iti c a a p e rsp e ctiva marxi sta ele Bastide, que a seu
ver e nfatiza o fator económ i co . C r i t i ca o princíp i o ele c i são dizendo que
toda soc
sociiedade impõe uma padroni
padronização
zação de grande número de pap é is. Crit ica
a m e t odologia de Bastide, que cons idera es truturali s ta, p o r despre za r a
natureza valo rativa da cultura. S uas c ríti cas a no sso ve r procedem e m part e,
p o i s o marxismo d e Bastide não o faz incorrer num determinismo

 
' ~ '
6 REPENSANDO O S NCRET SA 0

cconômico. Segu ndo Dougla s Monteiro ( 1978


1978,, p. 15), cm Bastide, nem se m 
pre o sagrado degrada-se c m instrumento de dominação e d e luta .

Bastidc estava demasiado imbuído de princípios lógico-filosóficos,


vendo dois mundos se defrontarem dentro d o homem que pratica o c a n 
domblé. Por isso se espantava de que o negro fosse ao mesmo tempo patrio 
ta, ag isse como outros bra silei ro
ross c continuasse li gado à sua cultura ancestral,
c m que predominam outros valores. Daí a importância que dava ao princí
pio de c isão, c m suas análises d o sincretismo, do s contaras cu l turais e da
aculturação.

É conven iente indagar: até qu e ponto este princípio de cisão fu nc iona


d e fato na mente dos participantes das re li giões afro - b rasileiras? Será que
p a ra o s adeptos elo candomblé o universo esta ri a d i vidido cm comparti
mcnros inconciliáveis, como via Bastidc? O participante do candomblé con
segue construir o mundo co m o u m todo coerente c harmonioso c vive suas
crenças sem nelas encontrar contradições, como Bastide mesmo constatou .

C o n segue conciliar coisas que a outros parecem inconciliáveis.


inconciliáveis. O catoli 
cismo c a religião de origem africana funcionam para os devotos, a nosso
ver, como se fossem camadas de um bo l o recheado, que eles saboreiam c
digerem indistintamente.

A s religiões d e origem africana, ao menos cm seus redutos mais anti 


características paralelas aos e lementos do catolicismo,
gos, preservam suas características
c o m o un idades que se j us t apõem c nã o se confundem, co m o reco nheceu
Bastidc . O princípio d e cisão foi um in strumento teórico-metodológico de
anúl i sc que ele cr iou para entender a interpenetração de civilizações c o si n 
cretismo, considerando fundamental sepa rar coisas distintas c opostas, que
logicam ente não poderiam estar misturada s. Para outros, tal procedimento
não é tão importante .
Entre as críticas a Bastidc, destacamos a de sua aluna Juana Elbcin
dos Santos ( 1977, p p . 107-1 08), a respeito da expressão religiões e m con
I
serva , que ela considera uma denominaç
denominação
ão pouco feliz .

A religião foi o mais poderoso transmis sor de valores[ ... ] que de nenhum
modo permaneceram congelados [ .. ] é absolutamente enganador interpretar a fide
' lidade às raízes africanas como cópia, como algo imutável c congelado( . .] Sustentar
a premissa do congclamcnro re vela, por um lado, dcsconhccimcnro do dinam ismo
próprio do sistema africano
afr icano herdado c de sua habilidade de renovação [ . .] incorpo
rando mudanças; c por outro lado lado,, comete o ctnoccntrismo inconscien
inconsciente
te de regis

trar como mudanças só aquelas que visivelmente revelam elementos de procedência


ocidental.

 
 ?E VISÃO DA LITERATURA SOBRE SINCRETISMO 6

C o n c o r d a mos c o m Elbcin dos Santos. r eligião d a Casa das M in as


não pode s e r rotulada d e '·religião cm conserva , com faz Bastidc (1974,
124-- I 30), po i s apesar d e h aver decli nado cm alguns aspectos, perm
pp . 124 perman
an ece
v i v a c dinâ m ic a (Fcrrctti, 1985), e esta e xpr e s s ã o não é adeq u a d a a se u
estudo. Outra crítica a Bastidc refere-se à utilização elo que foi denomi na d o
d e etnografia conge lante . Comentando a revisão da li t eratura afro-b rasileira
á realizada por Bastide em 193 9 , Jorge de Carvalho ( I 978, p. 95) afirma:

Este foi o início de uma atividadc que ele continuou ao longo de toda a vida:
sumarizar a massiva litera tura brasileira[ .. ] Além disso freqücntcmentc faz uso
destes resultados como s upo porrt e para sua próprias interpretações. Fazendo isso ini 
ciou um novo c quase peculiar meio[ .. ] que posso chamar de etnografia conge conge
lante : a falsa, e m bora atrativa suposição de que os dados apresentados nos livros
c artigos de escritores brasileiros representam a realidade da vida do culto, de tal
forma que podem ser aceitos como válidos in inclusive
clusive na época atual, não importando
quão velhos eles sejam sejam.. Esta etnogr
etnografi
afiaa congelante aceita a descrição do que acon
teceu num grupo de culto no noss tempos de N in a Rod
Rodrr igues como sendo ainda um retrato
válido do que está acontecendo nos gr gru u pos de cu lt
lto
o da Bahia na própria época da
pess quisa de Rogcr Bastidc. Sem dúvida ele não foi o primeiro autor a adotar uma
pe
etnografia atemporal , mas a grande ênfase que sempre pôs nas referências biblio
gr;ITííê a s to ríiã cs t Cjji-o ccdimcnto técnico mu ito aparente na maioria de seus livros,
gr;IT livros ,
somen te um erudito, mas freqüentemente a utiliza cm mu itas ocas iões
pois ele não era soment
como fontfontee de dados
dados..

C o ncordamos com estas críticas a Bastidc, especialme n te cm relação


ao Maranhão, co m o j á diss e mos cm outra oportunidade (Fcrrctti, S . 1985,
p . 2 6 ) . N a d é c a d a d e 1950, Bastide esteve cm São Luís por poucos dias, c .

I '

a maior parte de su a s referê n c ia s àquela região deco rr e ele info r mações d e


1
outros a u tores, co lh i das cm meados da décad a anterior, que continua a ut i - 1
  s ê ü t o s
do s a no s 60.
Ta m b é m faz af
afii r mações apressa d a s , i m r r cc isas ou e r radas , como por
exemplo: que na mitologia o s voduns não v i ve m na c id ad e, m a s nos cam 
pos (1973, p. 170); dife re nciando o estado ele tra n se das tobossi (transe infan 
til) , do s toqucno s ( q u e diz ser de t r ansição) c dos deuses prorriamcntc ditos
( 19
1977 1, p . 5 16); id e nt i ficando tobos s i c crê com ib cji (I 978, p. 222); dizendo
q u e a possessão pcio s t oque nos ocorre somente após à dos voduns ( 1978,
p. 2 18) ; a firmand o que Vcrgc r m os t r o u que a C a sa das Minas de São Lu í s
teria sido pr ova ve lm e nte fundada c m I 796 ( 19 7 1, p. 70). E s tas c outr a s
imprecisões co m p ro va m c m p a n e crít icas que hoje lhe são feitas.
E m palest ra na US
USPP c m I 987, anali sa n do co ntrib uições de Bastide a o
e s tudo d o s c ultos afro - brasileiros , Lí si a s N e g r ã o c o m e n t o u que Bastidc
rejei tava o conceito d e sincre ti s mo, m a r c a d o pela perspect i v a cu l turalista

 
62 REPENSAN
REPENSAN  O SINCRETISMO

(v e r Bastide, 1973, pp. VII-XX), preferindo o conceito de interp


interpee ne traç ão
de civilizações. Lísias destaca a extensão da obra, sua qualidad e, co e r ên
ên
c ia , profundidade teórica c sensibilidade so c iológi c a para c om os proble 
mas do negro.
Lísias não concorda com os que levantam contra Bastide uma visão
crítica impertinente, ap ressada e leviana, com intui
intuitos
tos de demolir o trabalho
cu id adosamente elaborado de um et nógrafo paciente, id e nt ifi cado com o
sujeito c apaixonado pe lo objcto de estudo, que adotou uma pe r s pecti va
co mpreensi
mpreensiva
va na análi
análiss e da religião. Com essas res
resss alva
alvas,
s, Lísias, segui ndo
rumo s de Douglas Monteiro (1978 ) , tamb é m apresenta c rítica s teórico
metodológica s a Bastide Negrão, 19 79).
Reconhecemo s a contribuição de Roger Ba s tid
tidee ao
aoss es tu
tudos
dos do negro
c das rel
religiõ
igiões
es a fro-br
ro-brasile
asile ir as. Ele escrevia bem e escrev
escrevia
ia muito,
muito, daí deriva
cm parte a enorme in fluênc ia que ex e rce até hoje no e st ud o da s rel igi ões
afro-americanas. Além de informaçõe
informaçõess elaboradas, apresenta refl
reflexões
exões teó
teóri
ri
cas de gra nd
ndee interess
interesse.
e. Algumas vezes impacientam-nos certas falhas
falhas,, como
se qu
quii séssemos que seu trabalho fosse perfeito. Não podemos entretanto
concordar
co ncordar com tudo o que escreveu
escreveu.. Parte das críticas que hoje l he sã
sãoo fei tas
dirigem-se também à perspect i va teór ico-filosófi ca da sociologia em pr o 
fundidade qu e adotou.

LGUNS DISCÍPULOS D E B STJDE

N a década ele 1970 o es


estt udo das reli giões afro-brasile ir as vo lt ou a
receber novo impul so, que parecia declinado nos anos 60, quando quase só
oc o r r eu a tr
traa dução de algun s traba lhos de Bastide. Sua obra prin cipal, s
Religiões Afro-Brasileiras de 196 19611, so mente cm 9 7 1 foi lan
lançç ada no B rasil.
Nos anos 60, além d e trabalhos de Bastidc c das publicações de Edison
Ca rn e ir o , de s tacam-se os estudos de Pr o c ópio Cama r g o 1961), sobre
e sp iritismo c um banda, tema ao qual foi dos prim e iros a s e dedicar com
exclusiv idad e, conforme CarvaCarvalholho 1978
1978,, p. 105). Pouco antes do fa l ececii 
mento de Ba s tidetide,, em 1974
1974,, concluem-se t eses de p es qui sadore s que foram
seus or icntand os .
Renato Ortiz 1978) estudou o cmbranquccimento das tra dições afro afro
brasileiras c o cmpretccimento do espirit
espiritiismo kardecista, relacionad
relacion ado
o s com
transform
transfor m a ções na so c iedad e, poi s o cosmos rei igi os o umband ista repro
repro
duz a s contradições da so c iedade brasileir1978, p. 112). Para Ortiz, na
brasileiraa
s o ciedade urbano-industrial , a umbanda é mais funcional elo que o ca n -

 
I

REVISÃO DA LITERATURA SOBRE SI N CRETISMO 63

domblé , cujo culto é demasiadamente dispendioso, antevendo uma expan 


são d a umbanda em detrimento do candomblé e considerando suas práticas
mais adequadas à sociedade atual. Outros como veremos adiante, mostram
hoje que a evolução foi oposta (Prandi, 1989).
Ortiz (1980, pp. 91
91-1
-1 08) discute sincretismo
sincret ismo em artigo de 9 75, numa
coletânea so b r e religião c cultura popular, afirmando que s e distancia em
muito da noção de mistura e de in coerência ( I 980, p. 97). Com Bastide ,
relaciona-o às noções de memória coietiva e de bricolagem , discutindo
esquecimentos e vazios da memória. O sincretismo consiste e m u ni r
pedaços das histórias míticas de duas tradições dife rent es em um todo que
permanece ordenado por um mesmo sistema ( 1980, p. 100 00)) .
An a li sa ambigüidades no sincret
sincretismo,
ismo, parecendo-lhe qu
quee não se deve
pensar a umbanda como síntese química, mas como síntese social, uma
prática sui generis u m Macunaíma religioso (todos os caracteres, seja,
nenhum deles) que p rocura se integrar a todo preço no seio da moderna
sociedade brasileira (1980, p. 108).
Juana Elbein
Elbe in dos Santos (1976) também concl
concluiu
uiu tese, sob orientação
de Bastide, que obteve grande receptividade. É uma das defensoras da orto
doxia n agô, da cultura africana tradicional e de sua permanência em alguns
candomblés da Bahia. Uma de suas contribuições foi destacar a necessidade
de abordagem ele dentro para fora , nos estudos de re reii igião.
Com Dcoscorcdes Santos, Juana Elbein tem publicado artigos com
elos

reflexões sobre sincretismo (Santos, 1977, pp. I 03- 03- I 28), afi rm
rmando
ando qu
quee : a
religião foi o mais poderoso tran smi miss s o r de valores e ssenciais dessa negrinegri
tude afro - america na   . Para eles os cultos se acomodaram sem se embran 
quecer, pela capacidadé ne gra de di ge rir ou ou afr icanizar as c ontribuições.
Classificam as expressões da religião ne g ro-amro-amee r icana entre as variá
variá 
ve is homo gé neas: os complexos jeje-nagô do r a s   u c u m i e nani go de

Cuba, radá do Haiti, xangô de Trinidaci e Granada , Entre as va ri áveis hc


  hc
t e r ogêneas incluem os cultos de influênc ia bantÕ- Congo - Angola- com
ramifica ç õ es cm toda Amér ica Latina, como o petro no Haiti , umbanda,
caboclo
caboc lo e pajelança no Brasil , Maria Lion
Lionza za na Venezuela, as formas myal,
' cunfa e poco no Caribe e outros (1977, p. I 09). ·Ks variáveis homogéneas
são as fortemente ce ntradas cm reelaboraçõe s africana s, c as heterogêneas
continuam pluralistas. O si ncretismo foi acontecendo com a contribuição
d o cristianismo e dos vários grupos étnicos de ori ge m africana.
Afirmam que quase todos os negros da Amér i ca são cristãos c tam
bém praticam uma variáve l da rel i gião negro -ame ri cana, embora ambas
mantenham separadas suas es truturas básicas (1977, p. 113). Parece - lh lhee s

 
REPENS NDO O SINCRETISMO

que as diversas categ orias de s incre tismos devem ser r eexam inada s como
incretismos
form a s de resistência. A religião e suas co munid ades const i tuem o balu
arte da di g ni d a d e ps í quica c cultural do negro 1977a, p. 115).
E l bcin do s Santos 1977) resu m e colocações anteriores, de modo ex p lí
cito. Defende uma reformula ção conceptual c t er m inológic
inológicaa de designações
que têm como conseqüênc i a negar o carátcr d e religião ao s ist e m a mí st ico
l egado pelo s africa no s c re
reee l aborado por seus descendentes. Considera que
os termos fctich i s mo, anim ismo c até s inc retismo são co n seqüênc i as da he
he
rança evol uci o n ista, que se cont inu a até hoje. Termos co m o bruxaria , magia
c superst ições são ut ili zados para encobrir o papel da relig
religiião, j á que a in
indc
dc--
  _ /

pendência espir itual fo


fo i por longo tempo a única l iberdade do negro. Neste
c c m ou tros tr ab
abaa lh os, Elbcin dos Santo s enfat i za as p ectos africanos da c ul
ul
tu ra negra n as Amér icas. Como in
intt e l ec t ua is c pa r t icipantes d o candomblé,
Juana c Dcoscorcdcs contribuem também para construir uma teologia do can
domblé n o B r asil, e nfati za n do a i mportância das trad i ções africanas.

O MITO D PUREZ FRIC N

O trabalho inovador d e Lapa ss a d c e Luz 1972) é o prime i ro , e nt r e


nós, favo rú vc l ú macu mba c à quimbanda, v isto
istoss como conr
conrrr ac
acuu ltura domi
nada que s e opõe à cultura branca d om inant e. Mo s tra que d esde os tempos
d e Nina Rodri gues, o candomblé, considerado ma i s puro, foi valo ri zado
pelo s pesquisadores, cm detrim e nto da macumba, tida co m o mistu r ada.
C o nsta ta que estes c ul tos são diferentes de sde as origen s, e mb o ra haj a
st im os de um a outro. Crit
emprést
empré Critiica a id
idéi
éiaa de pure
pureza
za africana 72, p. XIV),
identificando quimbanda como cont racultura negra no Brasil
Bra sil 1972, p. XX I I),

compa r a ndo-a ao t ro p i cal ism


is m o c ao Manifesto Antropo fá g ico d e 1928. Toma
o p artido da quimbanda libertadora co nt r a a umbanda c utiliza cicmcntos
da so c i ologia marx i sta c d a psica náli se freud i ana, relacionando a ma cu mba
a revoltas c fugas de es c r avos . O texto te m características m a is jornalí s ti
cas do que de análise só c i o-anr
o-anrropol
ropol ó g i ca . Em algu n s momentos as s um e a r
sensac i on al ista, d i ze n do preferir ficar ao l ado do d c m ô nio. T r a ta - s e co n 
tudo de t r abalho in egavelmente pioneiro.
Poster i ormen t e, Luz 198 3 ) publi c a l i v ro cm sent i do opos to, d efen
dendo a ortodoxia do candomblé na gô . Critica se u tr ab a lh
lhoo anterio r , de s ta
cando o candomb lé das casas m ais tr a di c io n a i s. Cons i dera que por trás do
si ncretismo o negro manteve sua reli g i ão c diz que in cxistc f u são ou sin-

 
REVISÃO DA LITERATURA SOBRE SINCRETISMO 6

cretismo ao n ív el da co smog onia. Acha que não se deve perceber a cultu ra


negra como mestiça, ma s como negra, para não ca racterizá-la sob n oções
d e sobrevivência c s in cretismo ( 198
1983,
3, p. 61
61)) .
D e s t a forma, em 191983,
83, Luz desdiz quase tudo o que havia dito cm 1972.
Esta po sição foi co nstatada po r Fry ( l984a, pp. 23
posição 23-- 24) c criticada (Giacomini,
(Giacomini ,
1988, pp. 55-71 ), por apresentar abordagens divergentes do mesmo objeto,
d ez anos depo is, valori zando m a is o negro africano do que o negro b ras ileiro.
Giacomini ( 1988
1988,, p. 65) crit ica Luz por abandonar as análises de classe e de
i deologia pa ra se referir de maneira pouco precisa a relações interétn icas ,
enfatizando aspectos teológi cos c metafí
teológicos sicas . C ritica a su p er valoriz ação da
metafísicas
cultura nagô e mostra que Luz ini inicc ialmente proclamava a ruptura com a África
c, poste ri ormente passa a se preocupar com origens africanas e a defender
estudos comparativos entre religiões n egro-brasi leiras e negro-african as .
Atualmente, desenvolveu-se no s estudos afro afro-- brasile ir os tendência a
não mais valorizar a pesquisa em grupos reiigiosos considerados tradicionais
ou p ur os . C rí ticas a Bastide são identificadas com críticas ao estudo desses

grupos. C r i tica-se a p er spect i va, que foi corrente entre os antropólo


antropólogos,
gos, de
estudar quase que exclusivamente o s grupos tradic i onais, com o objctivo
d e descobrir uma pureza af r i cana . Desde inícios dos anos 70, começa a
crítica ao estudo de grupos tradicionai s e a discussão do mito d a pureza
africana, embora a id
idéé ia j á seja
e ncontrada nos trabal
trabalhh os de Nina Rodri gues,
mostrando que o problema é muito antigo.
Outro trabalho que l evantou esta questão foi o d e Yvonnc Velho
(1975), analisando a evolução d e um terrei ro de umbanda no Rio d e J aneiro.
A autora cr i ti c a a ideologia subjacente na literatura sobre religiões afro
brasileir as, semp r e vistas como fenômeno de s increti s mo religi oso entre
t raços   africanos, católicos e outros, mas não estava interessada e m refle

tir sobre s incretismo . Também critica a expressão estudos afro-brasileiros.


rioo s t rabalhos Peter Fry aborda estes problemas. Em relação à
E m vá ri
umbanda c ao candomblé, afirma, p o r exemp l o:

Tive dificuldades estéticas também, pois me foi extremamente probl emát ic o


compartilhar o senso estético dos meus amigos umbandistas. O que para eles er eraa
lindo para mim era kitsh [ . Talvez seja por isso que o candomblé é mais estudado
c mais apreciado pelos intelectuais cm geral (Fry: 1982, p 14 ).

Adiante afirma:

Agora não é mais


ma is perigoso entrar para o candomblé- é chique. O que parece
ter aconte
acontecido
cido é que alguns dos mais conhecidos c tradicionais terreiros for
foram
am absor
absor
vidos, não apenas pelos produtores da cultura de massa , mas pelos in intte lectuais,

 
REPENS NDO O SINCRETISMO

es pecial mententee pelos antropólogos, que foram responsáveis, em grande parte, pela
glori fic aç ão dos cultos de ororiige m ioruban a, cm detrimento dos de procedência '' banto 
c daqueles que adoraram práticas r itu ai s da umbanda cm expa nsã sãoo . De sde o in ic io
do es tudo cieciennt ífi co sobre os candomb
candombllés, os antr
ntroopólogos com tendência a expli expli
\ classificarram os terreiros de supos
cações cm termos de ge nét ica cul tur al classifica supostta ori
origem
y ioruba co m o se nd o d e al g um modo mais puros que os óc origem banto (ai iás, a
próp ria ca tego ria ba nto não tem nenhum sentido nes te conte contexto,
xto, poi s refe
eferre-se a um
grupo lingüístico c não c ultural  . Os que tinh am abs orv orviido pr áticas não -ior
oruuban as
-fo;a
o;amm cl as s ifi ca dos co mo impuro
ifica (Fry,, 1986, pp . 4 1-42)
impuross ou deturpados (Fry 42)..

Fry d iscute o assunto cm outros tr abalhoss ( 1984a; 1984b). C o ns id er a


t r abalho
que o co nce ito de pure
purezz a aparece em situações de disputa de pod podee r c critica
a perspectiva que denomina de f i log e nética , qu e p r iv ile
ilegg ia genea lolog
g ias c
pro
pr as origens, cm detrimento d a s condições hist
o c ura as his tóricas.
Parece-nos q ue csra pe rs pecti
pectivva pode acarretar o pe ri go de s e j oga r
fora a criança com a água da bacia . D eve-se ressa
essaltar
ltar tanto a caipiridadc
quanto a ' ·afric a nidad c (expressões usa da s p o r Fry) dadass re li g iõ
iões
es a f r o
braa s ile i ra
br rass . Estas c a ra po dem ser descartadas se m prejuí zo
racc terística s n ão podem
do es
estutudo mess mo olhando-se mais para o Brasil do que para a Á fr ic a, como
do , me
prcc c oniza
pr oniza..muito bem F r y.
Es t udando dimens ões ideo lóg icas de práticas umband is ta tas,
s, Patrícia
Birman ( 1980) a firma que se c rio
riouu e ntre nós um sa
sabber sobre o afr ica
icanno, que
s e rep e te desde Ni n a Rodri g u es , pass ando por A r th
passando thuu r Ramo s, G i lbert o
Frcyrc, Wal dc
Frcyrc, dcmar
mar Va
Valle nte , Donald Pi P icrson, Rogcr Bastidc, Edson Carn Ca rnee ir
iro,
o,
Procópiio C ama rgo, Re nat
Procóp natoo Or
O rt iz c ou
outt ros. P a ra e stes, co como
mo para
para os umban
umban
d is ta africaa no s ig nifi ca p ri m i t ivo c in fer ior. Há
tass , afric H á um s istema de represen
taç õ e s sob r e o a fr ic a n o, v ig en te n o meio ac
igen n o s e nso
acaa d ê m ico c d i f undido no
com um (1980, p.7), c o s umbandi stas s e ac acee itam como religião inferiinfer ior, o
que co ntribu i p a ra a m a nu nutt e nção da ordem so socc i a l , numa v isão ideológi ca
que leg itima a ordem v ige nte. Para Birmaa n ( 19 80, p . 28), os a fri ca
P ara Birm cann is mos
no s ter r eiros são construção de int intee lec
ectt uai
uaiss para e nco brir a dominação.
I A no sso ve r, c om esta a firmação, B i r man exage r a c i ncorre no m o -
dismo e atacar autores clássicos c moderno
modernos,s, ind pendee ntemente do va lor
indee pend
importâncc ia d e sua co n t ribu ição. Ass um
c importân umee posição ideoló g ica q ue c om 
promete a objctividadc d e sua análise. Não conco rdamo rdamoss co m a ge nerali
zaçã o de qu e os a fri c ani s mo s no s te r re iros são con
co ns tru
truções
ções de inte
inte lectuais
para encobr ir a dominação
dominação..
Este não é absolutamen te o ponto de vista de autores como Bastid Bas tid c,
C arne iro
ro,, Elbc in dos Sa ntos e outros, que a ce ntuam cx
c xat
ataa mc ntc um a v is
isão
ão

oposta
oposta,
ú ltimas, cconseqüências,
não consi
cons ide r,am
conseqüências o visão
esta africano
r et co mo aos
etiraria
iraria primitivo ounte
ou
p a rti c ipa in fer
pante feriior. Levada
s destas às
rellig iões
re

 
REVISÃO D LITERATURA SOBRE SINCRETISMO
SINCRETISM O _ _ 67

a possibi
possibill idade de elaborar c manter suas próprias tradições, o que, no Bras il ,
vem sendo feito há c c r c ~ de um século e meio po r an
antt igas comunidades reli
reli 
giosas, independentemente da colabo r ação de intelectuais, como s e cons
tata nos terreiro s .
Esta perspectiva se rá retomada por B eat riz Dantas (1982, 1987
1987,, 1988),
ao re
repp ensar a questão da pur
pu reza nagô. Beatriz afirma que avança cm pistas
propostas por Yvon n c Maggic, Pc ter Fr y c Patrí
Patrícia
cia Birman . V a i estudar u m
terreiro r econhecido pela p opulação como único puro de La r an anjj eiras cm
Sergipe, c diz:

A de cantada ·· pur e za na gô " tem contornos diferentes na Bahia e em Sergipe.


etnicc idadc , a pureza é uma retór ica que tem muito a ver com a estru
[ ... ]Com o a etni
tura de poder da sociedade. [ .. ] A atuação dos intelectuais , na medida em que
discriminava os cultos segundo os graus de pureza " c fidel fide l idade à África, poderá
ser v ista como acirradora de ri validades dentro do segmen to pop u lar e como tenta
tiva de controle desses cultos[ .. ) Nessa perspectiva, pode-se pensar que a valo 
rização d a África, que cm outros contextos tem sido usada pelos n egros para

qu estionar a dominação, também tem sido uma forma d e domest icação dos cultos,
mais su til que a exercida pelos aparelhos r ep ressivos, na medida cm q ue não altera
as re la ç ões entre as classes c o s grupos, cons t ituindo ass i m uma idcoiogização da
pu reza africana pa ra encobri r a do m inação (Dantas , 1982, p. 19 19).
).

D iscordamos de Beatriz Da m as, embora reconheçamos a seriedade de


s e us trab alho alhoss E ia próp ri a co ns tata que pureza c etnicidadc são categorias
na tivas. P arece-nos que e l a ta mb é m foi atraída pela idéia de pureza, pois
em s ua monograf ia (1988) tr ab a l ha mais com o terreiro n agô puro de
Bill inda do que com o ut ras casas. De fato, a idéia de pureza se encontra na
Bi
real
re al idade dos terreiros, justamente naqueles em que os a ntropó tropóll ogos tende
ra m a pesqu isar mais . Isto I sto talvez se deva c m parte a razões ele ordem esté
como constatou Fry (1982, p . 14). A ri v a li lidd ade dentro d o segmento
yo pu puii ar, que para Beatriz é acirrada pela atuação dos in telectuais, é uma
:::o n s ta n te entre os terreiros, como t e m sido constatado , c i n dcpcnde dos
;resq u is adorcs .
Em arrigo mai s rec ecee nt
ntee (poi
(po is sua monog ra fia foi defendida e m 1982),
D:lnras
D:lnr as { 1987) re torna ao problema d a pure purezza af r icana, a nosso ve
verr, de forma
'"'""::: ÍS equilib rada . D e fine pu reza, com Mary Dougl Dou gl as, como a ququaa l idade que
-: o se alte ra e decorre da mistura com form for m as tidas como socialmente infe-
  :or e s , a rticulando-se com a id idéé ia de pode r. A d icotomia pu roi misturado é
_ ; ;a for ma de marcar um lu lugg ar pa
parara si e para os out ros no esquema
esquem a de fo rças

- .  : r r i z
com( 1\lcjandro
Damas 'ri geri
I 988) '·um dos o que , em
trabalhos correspondência
mais de I 988. nos diz
importantes nos ú lt1mo di z isasobre
t1moss tempo
tempos se r o otraba
trabalho
tema
te lho
ma  .

 
8 REPENSANDO O SINCRETISMO

da sociedade . No caso dos cultos afro-bras i ie ir os, é um elemento na busca


d a legitimidade c na luta pela hegemonia.
Segundo B e a t riz, os intelectuais desempenham papei significativo n a
construção dessa hegemonia. Os antropólogos tornam-se aval is
istas
tas da orto
doxia e personagens n a construção da hegemonia nagô. A herança africana

mais autêntica, representada pelos nagôs puros da Bahia, é apresentada


como verdadeira religião, contrastando com a magia/feitiçaria dos bantos.
Os antropólogos fortalecem os terreiros mais puros , às custas dos mais
misturados . A repressão polici
policiaa l passa a incidir então sobre os que fazem
feitiçaria, os impuros . Constata também 1987, p . 126) que a cruzada con
tra o sincretismo anunciada cm Salvador, após a II Confe rência Mund i al da
Tradição dos O ri xás c Cultura 1983), se inscreve nessa linha de busca de
hegemonia e disputa pelo poder.
A s opiniões de Fry, Bi r m ane Damas foram criticadas entre outros por
Ari Araújo, Renato Silveira e Muniz Sodré . Renato Silveira (1988, p. 91)
afirma que o afro-brasileiro não é um mero objeto ele c i ência), mas u m

sujj eito (histórico), c, enquanto tal, capaz de ma n ipular o pesqu i sador . Para
su
Sodré (1988, p . 64): U m a interpretação desse gênero recalca a possibil i 
dade de elaboração autônoma de uma estratégia político-cultural por parte
d o grupo negro . A ri Araújo 1986, pp. 69-70) diz:

A crít
crí t i c a - por vezes ex t remamente ácida- ao modelo puro [ .  ] não justi
fica sua extensão à co componen
mponen te de res
esiistência presente na cultura negro
negro--brasileira.
[ ... ]Também não justifica o não - reconhecime
econhecimentonto de passos f undamenta i s dados
por esta vertent
verte ntee da pesquisa, como como,, por cxcmpio, o da constatação de que os te terr
reiros cons ti t ue hisro
hisrorr ic amcntc a mais imponante fo rma de organização social para
lela à da sociedade abrangente; de que o terrei ro implica[ .   ] um impulso de
resistência à ideologia dom inante [ ]

Como criticam Yvonne Velho , Peter Fry, Birman, Dantas e outros, os


terreiros considerados ma
maii s pr ó xi mo s elas tradições africanas foram ele fato
quase que os únicos procu rados pelos antropólogos, pelo menos até a década
ele 1970. terreiros são realidades e mpírica s, ex is t e m e foram
Mas esse s terreiros
pesquisados. O in t elec tual atua como reflexo do que encontra, que pode
reforçar, m as sua função l egit imadora tem li m i tes. O êx it o o u fracasso de
egitimadora
um t erreiro de p e nde principalmente da eficácia de s u a l i de r a n ça, como da

 ;
autent i c idad e de suas tradições .
E n tre as décadas de 1930 e 1950, as religiões afro-brasileiras come
çavam a se tornar conhecidas. Havia, porém, m uitos preconceitos, acusações
de charlatanismo e perseguiçõe
perseguiçõess polic i ais. Os antropólogos procuraram jus-

 
REVISÃO DA LITER TUR SOBRE SINCRETI SMO 69

ta mente os terreiros de maior prestígi o no meio, cujos líderes eram mais


estimados e cont r ibuíram com seu trabalho para o conhec i mento desse
campo, combatendo o ctnocentri smo. No Maranhão, na década ele 1940, os
primeiros pesquisadores encontraram na Casa das Minas uma tradição de
origem africana mais que centenária. Não foram absolutamente o s
pesquisadores que criaram esta tradição.
omo mostra Beatriz Dantas (1988), no caso de Bilinda, foi el
elaa pró- '
pria, com sua sabedoria c as alianças que conseguiu formar, que construiu
o p r est ígio de sua casa. O mesmo ocorreu cm outras partes com grande nú
mero ele pais c mães-de- santo, como Aninha, Senhora ou Menininha na
Bahia, como Anclrcsa no Maranhão, com tantos outros líderes no passado
c até hoj e . Geralmente eles são procurados por pesquisadores e m função do
prestígio de que j á desfrutam . O intelectual pode co n tribuir para ampliar
es se prestígio, mas não é quem o forja, ao menos entre os líderes mais au
au
tênticos. A tradição afro-brasi leira não é portanto uma invenção de intelec
tuais H como querem alguns. Os intelectuais, de fato
fato,, contribuem, entretanto,
entretanto,
para o se u reforço .
C o m Pcrcr Fry, Patrícia Birman c Beatri z Dantas supervalorizam o
papel do intelectual nos terreiros. Sua função mediadora é importante e tem
sido reconhecida. Roberto Motta ( 1986, pp. 80-81) comenta casos de
antropólogos que agem como teólogos e como fator de mudança nos ter

--
r e i ros. Muitas casas incluem intelectuais em sua estrutura como ogans o u
m outros cargos, o que também é um costume consagrado. Embora não se
ne g u e esta influência, sua função é limitada e condicionada pe l a atuação
dos lídere s, que mantêm c renovam as tradições dos terreiros, manipul a n
do-as e m função de seus int
in t eresses.
Beatriz Dantas (1988, p. 147) consta ra que a ''
' ' decantada pureza nagô  
tem contornos diferentes na Bahia, cm
c m Sergipe c cm Pernambuco. As seme
l hança
hançass c diferenças entre as re
re li giões afro-brasileiras ela Bahia, Pernambuco,
Sergipe, Rio Grande do Sul, Pará, Maranhão, etc., não se devem a repre
se ntaçõe s de a fr icani smos construídas no s meios acadêmicos . Há de fato
diferenças incont estáveis entre as práticas religiosas nestas c e m outras
re giões. Dantas (1988, p. 14 7) descarta rápido demais a hipótese de que se
devam a diferenças étnicas nos grupos ne gros or iginários, c uja s tradições

8. Segundo I lobsbaw m (llobsbawm Ranger, 1984, p 9), ''muitas vezes 'tradições' que parecem
ou s5o co ns ideradas antigas são bastante rec e ntes, quando
quand o n ão são inv
invee ntadas . ll o bsbawm ana
lisa a inv enção de tradições como processo de r ituali zação. Estudando casos na Inglaterra d o
século XVIII
XV III ao XX, mostra que tradiçõe
tradiçõess que são consideradas como tendo vár ios séculos fo ram
i nvenç ões relativamente recent es fei ta
tass p or intelectuais, como o saiote irlandês, es tabelec
tabeleciido cm
inícios do século XIX.

 
7 REPENS NDO O SINCRET ISMO

culturais eram diversificadas j á n a p r ópria Á fri ca . Afirma estar compa 


rando terreiros que se autodcfincm como nagô, c o que é considerado sinal
de pureza num lugar, noutro é sinal de mistura. Estas diferença
diferençass certamente
s e devem a vários fatores, como a diversidades nos grupos originários, nos

processos de adaptação a cada ambiente, ao isolamento geográfico que gerou


e st r uturas di fercnciadas c outros .
Ãtualmentc a problemática da pureza africana assume Olllras dimen 
sões. Furuya ( 1986), estudando o tambor de mina do Pará, fala do processo
de nagoização . Outros falam e m nagocracia ou ''quc tocracia , referindo
referindo 
se ao pr ed omíni
omínioo d o padrão de ca ndombl
ndombléé nagô qucto sobre as tradi
trad ições de
origens a fr icanas no Brasil.
Outro ângulo deste tetem
m a, que tem sido analisado em São Paulo c ocorre
t ambém c m d iv
iversos
ersos lu
lugares,
gares, é o processo denominado de africanização ou
rcafricanização
rcafricaniza ção destas religi
religiões.
ões. Prandi c Silva ( 1989, p 221) c Prandi ( 1989
mostram que hoje , em São Paulo, o c an domblé não é ma maii s uma religião de
preservação de um patrimônio c ultural do negro, uma reli gião étnica, tendo
se transfor m ado numa r eligião universal, aberta a todos, independentemen te
de cor, origem c cl
claasse, competindo no mercado rel igioso com outras religiões.
Eles estudam e m São Paulo o fenômeno recente da transformação de
terreiros de um banda e m candomblé nagô queto. Segundo Prandi ( 1989, 1989, p.
142),, tal fato se acentuou em fins da década de 1970. Trata- s e de um pro
142)
cesso intencional d e dessi n crctização, afastando-se do calendá ri o litú rg ico
cató li co e eliminando símbo l os c práticas do catolicismo umbandizado .
Para Prandi ( 198
1989,
9, pp. 143
143-- 154), rcafricanização não significa ser negro nem
desejar sê - lo; significa int electual ização c acesso a uma lilitterat ura sagrad a
que co nt ém poemas oraculares, a reorganização do culto conforme m odc
ios trazidos da Áf rica contemporânea; é uma b rico lagcm c não uma volta ao
primitivo original. Atinge princ
princiipalmente pais c mães-de-santo de São Paulo
que vêm passando por um p rocesso de mobilidade social ascendente .
Repetindo cm escala mais redu z ida a saga de pai Adão do Recife c de
Martiniano do Bonfim d a Bahia, g r andes lídere s reli giosos do inicio do
sé c ul
uloo que es t ive ram na Á frica
rica,, o processo de rcafricanização implica h oje
a ida por algumas se mana s à África, ou a vin v inda
da de um pai-de- sa nto africano
ao Brasil , ao qual se prestam obrigações. Implica o aprendizado da língua
iorubana moderna c m cursos de extensão oferecidos por es estt ud
udantes
antes africanos
c m Un
Unii ve
verr sidades como a US ou a UFBA Inclui a introdução de inovações
aprend id a s c m li vros sobre religiões africanas, de autore s como Ycrge r ,
Maupoil, Bascon, A b im bo la , Gleazon c outros . A a f r icanização ou a
rcafricanização, como o p ro cesso análogo de nago i zação, consti tu
tuee m uma

 
R V I SlO D LITERATUR;I SOBRE SINCRETISMO 71

n eg a çã o d o sincret ismo, um a ''dcssincrctização Prandi e Silva, 1989, p.


234), a fast a ndo influ ê n c i as cató li cas c ameríndias do cuito dos o ri xás.
Estte processo recente de dessincrctização co m eça a se r anal isado por
Es
c ienti
ientiss ta
tass so c iais
iais.. Evidencia que atua
atualm
lm cntc os líderes dos cultos afros procu 
ram justamente uma pureza a fri cana que os pesquisadores acentuaram n o
passado c que hoje renegam. Os in t elect ua is en tretanto nã o constituem a
maioria dos seguidores destas religiõ es, c ve r i fica-se que não h á unanimi
pais-de-santo na a titude de ataque ao s incre tismo (Jocé li o
dade entre os pais-de-santo
S antos, 1989 , p. 51).
A respeito do tema da pure za africana, podemos dizer do candombl é,
c o m o Leonardo Boff 1977
1977,, p. 54), cm relação ao ca tolic
toliciis m o oficial : Este
é tão s inincc r ét ic o como qualqu e r o u tra reli g iã o [ ..
..]] o c r i s tian ismo puro não
existe, nunca ex i s tiu nem p ode exis t i r . [ .. ] O s in c r e t ismo, portanto, n ão
c o n stit ui um mai necessário n em reprerepresese n ta uma patologia da religião pu r a
É s u a normali dade   .
A idéi a de pureza religiosa co mo vemos é um mito que alguns adeptos
proc u ram v i vc nciar no ca nd omblé c que estudiosos procu rara m evidenciar.
Este ideal de purez a é de fato mais um mito que i n f l u c ~ i a a idade reli
giosa . N o passado , foi a ce n tu ado por i nt e lectuais, c apesa r das crít icas que
recebe, retorna hoje no proc esso de reafricanização c de dc ss in
incr
cree tização .
É conveniente distin g uir a id
idéé ia de pureza, que muitas vezes fo i i de a 
lizadaa pelos pesquisadores , da n oç
lizad oçãã o ele tradição, relacionada c om a história
de cada grupo e com a pre se rva ção ele costumes c vaíorcs do s antepass ados.
A crítica à pureza não pode ig no r ar a tradição p r es e rvada c m muitos g r u -
pos, c omo fa z e m aígun s autores qu e a cons id er a m uma in v enção de intc -  V
icct u ai s . Sem d ú v id a , c nt r ctanro, es t e é u m problema e m in e n temente t<

ideo ló g i co, que tem a ve r co m disputas de poder c prestíg io entre o s te r -


reiros c e nt r e o s própr i os in t e l ectua i s . A id éia de p ureza transformou-s e
c o m o vimos num mito. P ar a as ciênc ias sociais, entretanto, o mi to po ss ui
se mpre um fundo de verdade . Achamos que a ve rd ade do mi to da pureza
enco ntra-se nas tradi ções mais antigas, n ão inventadas rec e n temente.

PESQ UISAS A TU IS

Sem a pretensão de esgotar o tema, é oportu no apreciar contribu ições

rece ntes a respeito de sincreti s mo , que têm s ido formuladas cm a rti


rtigos,
gos, teses
U livros divulgados a partir da década ele 1980, que a ind
indaa não me ncionamos.

 
7 REPENS NDO O SINCRETISMO

Apoiado na idéia de Durkheim de que nenhuma instituição social pode


repousar sobre o erro c a mentira, c que por isso não há religiõe
religiõess que sejam
sociologicamente falsas, Roberto Motta (1982) indaga se simples disfarces
durariam atatravé
ravéss de mais de 15
150
0 anos de história dos cultos afro-bra
afro-brasileiros
sileiros .
Critica a idéia do sinc
sincretismo
retismo como disfarce e considera que o povo-de-santo
do Recife vive o sincretismo com todas as suas contradições.
contradições . [ .. ] O sincretismo
não representa apenas concessão de escravos a senhores ou de senhores a
escravos,, disfarce ele negros amed r ontados. Ao contrário, possui um apccto
escravos
de le g ítima apropriação dos bens do opress
opressor
or pelo oprimi
oprimidodo ( 1982, p . 7) 7)..
No Rio de Janeiro, na perspectiva da psicologia religiosa, Monique
Augras realiza pesquisas sobre religiões afro-brasi leiras. E m seu livro ma is
conhec ido sobre o tema, encon
conheci encontramos
tramos entre outra
outrass as seguintes observações
sobre sincre ti s mo (Augras, 1983, pp. 27-32):

Desconfiamos no entanto que o sincret ismo seja mais aparente que real, e
sobretudo, não seja viv ido do mesmo modo pelas diversas religiões de origem
africana. [ .. ] Acreditamos que seja poss ível falar de sincretismo no caso da umbanda.
Nela, as divindades e os ritos não se juswpõem apenas. Fundem-se.
Fundem-se . [ .. ] a doutrina
incorpora os diversos valores das demais religiões.[ . .] Nas regiões onde a religião
nagô tradicional pôde subsistir[ .. ] é mais difícil falar cm sincretismo. Todas as
definições que encontram
encontramos
os da palavra sincr
sincretism
etismo o dão como essencial a fusão
de vúrios elementos. No caso do candomblé de rito nagô, parece tratar-se de
justaposição mais do que fusão. [ . .)Nossa opinião é que houve fusão real ao ní vel
das divindades africanas [ .. ] Nossa avaliaçã
avaliação o é mais reservada cm rela çã o ao propa-
relaçã
lado si ncre ti smo com o catolicismo. [ .. ] Ao nível do candomblé tradicional, não hú
fusão, nem síntese entre a ideolo
ideolog
gia cristã e o sistema nagô.

O antropólogo argentino Alcjancl ro Frigcr io ( 1983), que realiza

pesquisas sob re religiões de origem africana cm Salvador e em Buenos Airires,


es,
impressiona-se
impr essiona-se com a recrecente
ente expansão desta religião cm seu país. A firma
que o crescimento do s incr
incret
et ismo é um dos temas pouco abordados na lite
ratura sobre as rciigiões afro
afro-bra
-brasileiras,
sileiras, pois o preconceito africano fez
com que cm Salvador somente fossem estudadas as casas mais ortodoxas
quinze a vint
intee dos cerca de 3000 terreiros existentes
existentes.. Como os terreiros estu
estu
dados cm geral são de tradição nagôna gô quero, conc
conclui
lui que os estudos
es tudos não são
representativos da situação da maio ria das casas de culto ele Salvador.
Frigcrio analisa diversos estudiosos elas religiões afro-bras il eiras .
C r itica Bastidc por ver o candomblé como um enquistamcnto cu l tural c
e ncontrar contrad ições en tr ipantess serem ao mesmo tempo bons
tree seus part ic ipante

b rasi leiros c bons afri


afr icanos
canos.. Não concorda que haja contradições entre va
vall o
res do candomblé e da sociedade brasi leira. Em Juana Elbcin, critica a pro-

 
REVIISi
REV DA LITER TUR SOBRE S INCRETISMO 73

pr iedadc da u ti l ização de matcriai africano na análi se de dados bra s il eiros


e do termo nagô d o B ra rass i l, como equiva l en te ao qu e a etno lo gia moderna
d e nomin a de iorub a da N igé ria.
E m te s e de dout ororaa d o sobre tipos de personalidade c representação
simbó li ca no Xangô do Recife, Rita Scgato ( 1984, pp. 284-287) an anaa li sa tam
bém o pape l do s in cretismo.. Verifica que o po vo- d e-santo conside
incretismo considerr a incom
p le ta a mitologia dos orixás. Ind Ind ep ndee n temente das razões de suas or ige n s,
epee nd
pa ra e l a, o s in c reti smo d esem penha a função de co mp mpll e m e ntar a s p ectos
f r ag m en tários da mi t o l og i a. Se g un
undd o Rita, para escla r ec e r a im agem dos
orixás ou p r ee nc h er falha s de informaçõe s, os filho s -d e- s anto utili zam-se
do sincretismo co m os santos catól icos correspo ndente ndentes.s. Por exemplo, para
d a r idéia da postura de Ogum u til i za-se a figura de São Jorge cavaleiro; a
su perioridade distante e o carátcr m e lancól i co ele l e m a njá são ex p r essos
através da im agem d e N. Sr a . da Conce ição em e m ergi nd
ndoo elo mar. P ara Scgato,
o sincret ismo, como os so nh nho o s, contribui para s e te r uma visão ma maii s c l ara
dos orixá s que são in corporados nos devotos no es t ado ele transe.
Estuda ndo a iconografia atual do Exu a fro-bra
Estudando sileiro e m artigo so
ro-brasileiro sobb re
arte africana c s incr et i s m o no Brasil , Ka b enge ie Munanga (1989, pp . 99 -
128) u ti liza o conceito ele s in incc retis m o afirmando qu e houve uma verdade ir iraa
s ín tese. À s fu n ções o r i g in ais (africanas) acrescentaram-se no vas (afro
b ra s il eiras), co mo as de cocon n testação, de r evolta c de liberação dos negros
d e su
suaa s cond i ções d e esc ra v os 1 989, p. p . 126).
Para Mu nan ga, se n o Bras il a s ituação de co ntato tivesse sido de igu
gual
al
dade de tr o cas recípro
tro recíprocas,
cas, te r i a h av id o um processo de aculturaçã o entre
negros escravos bran cos co l on
e scravos e brancos oniiza
zad d ores. Mu nan ga didizz que os pesqui
pesquisado
sadorres
das re li g iõcss afro- b rasi l e ir as di v id em-se cm dois g r upos: un
iras u n s crêem que
ve ea lmen cret gião at ca gi õ africana
ho u r te s in is m o e n t r e r e li c ó li e re li es sc
util i zam o co n ce it o, outros n eg a m o s in c re t ismo e evitam a utili zação do
termo. Cons id idee ra q u e ambos cometem o erro de pa rt i r do co n ce i to para a
r ea lidad e, não anal isa nd o adequada m ente o conceito ne m a r ea l idade .
At ualm e ntntcc começam a s e alterar as r e la ções c o interesse ela Ig r ej a
C at ólica pcpcii o ne
neg ro,, rel igiões afro-brasileiras e s incr et ism o . Tal fato p ode
g ro
se r co n statado na experiênc ia vi v ida cm Salvador durante alguns an o s pelo
sacerdote fra n cês padre Fr a n ço i s de I   Esp in ay (1
(19
9 89) . Fa lec id o c m dezem
ido
bro d e 1985, c n ão deixando ele ser padre, Franço is assu miu cargos como
mi n i st r o ele Xa n g ô n o te r reiro do Opô Aga nju, c de i xou alguns artigos
(Espin a y , 1987a; 1987-b) co m r eflexões s ob r e cr is tian ismo c c an andd om b lé .

Re la ções e n tre o negro e a Ig rej a são a na li sa das n a tese de doutorament o de


Ana Lúc i a Valente
Vale nte ( 1989) . Após apresenta
apresentarr uma v isão s intintéé ti ca d a presença

 
7 REPENS NDO O SINCRETISMO

do negro n a história d a igreja no B ra sil. Ana Valente estuda a Irmandade


de N. Sra. do Ro sá rio dos P reros de São Paulo c discute verte nt
ntee s atuais da
presença do negro n a Igreja após o Vaticano II. Acompanha o G rupo ele
Agentes de Pa
Pass tor a l do Negro de São Paulo, analisando seus co nflitos com
a Igreja c com o movimento negro.
Valente ( 1989, pp. 190-215) di sc ut
utee a p roposta de inclu são de valores
afro-brasileiros nas ce lebraç
lebrações
ões li túrgicas com rein terpr etação de s ímbolo s,
terpretação
d e gestos corporais , de objctos e a in clusão na m i ssa d e a l imentos como
pipoca, farofa, pi n g a, etc. Comenta o risco da folclorização, da manipulação
do exótico pelo exótico c de de sva
svallorização ele formas de re
resistência
sistência do n egro.
R isc os que diz que o próprio negro combate nesta tentativa ele "enegreci
mento" da igreja, proc uran do criar uma liturgia ·'do c para o negro .
procuran
Valente também d iscute a Campa nha da Fra ternid ade de 1988, comen 
tando sua p ou ca divulgação na imprensa escrita c tclcvisionada 9 . Segundo
Ana Valente ( 1989, p. 68):

Seja qual for o ânguio que se anal i se a questão d o sincretismo rciigioso, é


importante re ssaltar que o negro não permaneceu passivo ante este processo, ape
sar da imposição , da ob ri gatoriedade c do papel desempenhado pela reiigião catól
católiica
co mo s ustcntácui o d o projeto colonia l. Tudo leva a crer que a partir da re a lidad e
v ivida naquela época, considerando as dificuidadcs. o negro recriou c reinterpretou
a c ultura dominant e, adequando-a à sua mane i ra de ser.
dominante,

Constatamos que os auto r es mais p reocupados em estudar o catoli 


cismo popula r ou a s religiões popu la res, cm gera l, dedicam pouca atenção
ao fenômeno do sincretismo religioso, considerado tema vi ncu lado aos estu I
dos afro-bras il eiros. Surpreendem-nos as tentati
tentat i vas de i nclusão ele elementos
de s te s c ulto s cm cele brações litúrgicas católicas, num tipo de s incretismo
celebrações

do do m inado para o dominante , qu e pode ser precursor d e mudanças.


Em decorrência d e pesquisas recente s, as re
rell igiões afro-brasileiras
tornaram- se m ais conhecidas cm s ua diversidad e Ampliam-se hoje as obser
vações do fenômeno do sinc
sincrre ti smo, q u e n o passado foi v isto ele modo mai s
restr ito. Vejamos os res ul
ultt ados d e s tes es t udo s no Norte do pa
paíí s, o nd
ndee reali
zamos nossas pesquisas de campo.

9 Valclllc ( 19 89, p. 253) refere · se ao fato oe que a 1mprensa de Siio Pau o pra
pratt icamente tam
bém
bé m 1gnorou o Co n gresso lmernacional do Ceme ná nárrio da Abolição, promovido pela USP cm maio
de 98 8 . Es:c desinteresse é comu m cm todo o pais. Em junho de 19 85 a UNESCO organizou no
Maranhii o um colóqu 1o internacional para discutir Sobrevi
Sobrev i vência das Tradi
Trad ições Religiosa
Religios a s Afr icanas
n A mérica Latina c o ri bc. reunindo mais de qu rent especialis tas de diversos países s meios

de comunicaçflo nadonais não ve ram interesse cmnoticinr o evento. apesar do empenho dos
r
Organ izad ores. Tal ntitudc reflete preconceitos raciais contra o negro e as religiões a fro · br
brasilciras.
asilciras.
. UC se constnt
constn t n imprens c em outros
outros sctorcs d socied de m vári s regiões d o pa í s

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