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JOÃO DE SÃO TOMÁS

TRATADO DOS SIGNOS

Tradução, introdução e notas

de ANABELA GRADIM ALVES


ÍNDICE

Introdução de A nabela G radim A lves ........................................................... 9

TRATADO DOS SIGNOS

P re fá cio ....................................................................................................... 37

Prólogo a toda a dialéctica em dois prelúdios............................... ............. 39

ARTE DA LÓGICA

Livros das Sú m u l a s ................................................................................. 47

Art. I. Definição do termo............................................................. 49


Art. II. Definição e divisão do signo........................... .................. 52
Art. III. Algumas divisões dos termos..................... ........................ 55

L ivro zero . Acerca do ente de razão e da categoria de relação ........................ 65

Cap. I. O que é em geral um ente de razão e quantos há............ 69


Cap. II. O que é a segunda intenção, a relação de razão lógica,
e quantas existem ......................................................... 78
Cap. III. Por que potência e através de que actos é feito o ente
d e ra zã o ..... ................................ 83

7
Cap. IV. Se da parte das coisas reais se dão relações que sejam
formas intrínsecas.............................................................. 93
Cap. V. O que é requerido para que alguma relação seja categorial 100

Ltvro I. Do signo segundo a sua natureza..................................................... 111

Cap. £ Se o signo está na ordem da relação............................... 113


Cap. II. Se no signo natural a relação é real ou de razão............. 128
Cap. III. Se é a mesma a relação do signo com o objecto e com
a potência........................................................................ 141
Cap. IV. De que modo são os objectos divididos em motivos
e terminativos.................................................................. 151
Cap. V. Se significar é formalmente causar alguma coisa na ordem
da causalidade eficiente................................................... 166
Cap. VI. Se a verdadeira razão do signo se encontra no com­
portamento dos animais irracionais e nas operações
dos sentidos externos....................................................... 175

Consequência e apêndice a todos os livros................................................. 185

Livro n. Acerca da divisão do signo.............................................................. 189

Cap. I. Se é correcta e unívoca a divisão do signo em formal e


instrumental..................................................................... 191
Cap. II. Se o conceito é signo form al........................................... 205
Cap. III. Se a espécie impressa é signo form al............................. 213
Cap. IV. Se o acto de conhecer é signo form al............................ 220
Cap. V. Se é apropriada a divisão do signo em natural, con­
vencional e consuetudinário............................................ 225
Cap. VI. Se um signo consuetudinário é verdadeiramente signo ... 231

L ivro UI. Acerca das apercepções e con ceitos................................................ 237

Cap. I. Se as apercepções intuitiva e abstractiva diferem essen­


cialmentena natureza da cognição................................... 241
Cap. II. Se pode ser dada uma cognição intuitiva da coisa
fisicamente ausente, seja no intelecto seja no sentido
externo............................................................................. 256
Cap. III. De que modo diferem os conceitos reflexivos dos
conceitos directos............................................................. 271
Cap. IV. Qual é a distinção entre conceito ultimado e não
ultimado................................................................................. 280

Glossário............................................................................................................ 287
B ib lio g ra fia ....................................................................................................... 293
INTRODUÇÃO

I. VIDA

João de São Tomás 1 nasceu em Lisboa a 9 de A b ril de 1589, filh o


de uma portuguesa, M aria Garcês, e de um diplomata austríaco, p ro­
vavelmente de origem francesa, Pedro Poinsot, então ao serviço do
arquiduque Alberto da Áustria como secretário. Ainda m uito novo,
João, também conhecido enquanto estudante como Ponçote ou Peixoto,
segue para Coimbra c o m o irmão mais velho, Luís, inscrevendo-se na
Faculdade de Artes da Universidade. Em 11 de Março de 1605fa z
exame para bacharel, ficando aprovado nemine discrepante. Trindade
Salgueiro 1
2, citando Q uètife alguns biógrafos, diz que recebeu o grau
de laurea artium; outros, e, entre eles, Maritain, dizem -no mestre em
Artes. O que recebeu de certeza, segundo os documentos do Arquivo
da Universidade de Coimbra, fo i, com a idade de 16 anos, o grau de
bacharel.
Nesse mesmo ano, a 16 de Outubro, matriculou-se na Faculdade
de Teologia, frequentando as aulas até finais do ano seguinte. Após

1 João d e Sào Tomás é o nome religioso adoptado por João Poinsot quando
entra para a Ordem dos Dominicanos. Nos registos da Universidade de Coimbra
encontra-se também o aportuguesamento do patronímico sob a forma de João
Peixoto, ou Ponçote. Registe-se que, nessa época, dois outros homens utilizavam
o mesmo nome religioso: Daniel Rindfleisch, um protestante polaco que acabará
por tomar o hábito dos dominicanos (1600-1631); e um religioso espanhol que,
pela mesma altura, ensina teologia em Salamanca (v. Francis W ade et al., John
o f St. Thom as O utlines o j F orm a l L og ic Translator's In tro d u ctio n , Marquette
University Press, 1955, Milwaukee, Wisconsin).
2 Salgueiro, Manuel da Trindade, 1940, O Conhecim ento Intelectual na Filosofia
de Fr. João de S. Tomás, separata da Biblos, vol. xvi, t. ii , Coimbra, p. 16.

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1606, nada mais consta nos arquivos universitários referente a João
Poinsot, ao con trá rio do que sucedeu com o seu irm ão, Luis Poinsot,
que também frequ en tou a universidade coim brã.
O irm ã o m ais velho de João, Luís, n u n ca chegaria a s a ir de
Portugal. Form ou-se bacharel em Artes e prestou provas n o mesmo
dia que o seu irm ão. Nesse ano, a 14 de Outubro, no arquivo da
universidade fa z-se referência à sua m a tricu la com o ou vin te de
Instituta. N o p rim e iro dia do mês de O utubro de 1610, tom a a fa z e r-
s e referência ao seu nome, quando se m atricula na Faculdade de
Teologia, agora já com o religioso da Ordem da Santíssima Trindade.
Luís form ou -se em 2 7 de O utubro de 1618, vind o alguns anos m ais
tarde a ser nom eado professor da mesma fa cu ld a d e onde estudara,
em 1637.
Q uanto a João Poinsot, Trindade Salgueiro 3, ao com entar as razões
que o levaram a d eixa r o País, supõe que s ó em 1608p a rtiu pa ra a
Bélgica, cham ado p o r seu p a i, que pa ra a li havia acom panhado o
arquiduque Alberto, nom eado em 15S>8governador dos Países Baixos,
depois de.casar com a in fa n ta D . Isabel, filh a de F ilip e Uk A panhar-
-se-á d e.novo o rasto de João em Lovaina, ã época um im portante
centro teológico-filosófico da escolástica, e onde João cursa Teologia,
tendo sido con d iscíp u lo de C om élio Jansénio. N a qu a lid a d e de.
candidato ao bacharelato bíblico, que acabaria p o r com pletar em
12 de Fevereiro de 1608, João fa z ia na Universidade de Lovaina
um p rim eiro exam e sobre o tema D e concursu liberi arbitrii.
Pou co tempo depois, ainda em Lovaina, vem a conhecer Tomás de
Torres, um mestre célebre no seu tempo, dom inicano espanhol e antigo
aluno do convento de Santa M aria de Atocha, em M adrid.João, ligado
p o r fortes laços de am izade ao d om inicano, resolveu, certam ente p o r
sua in fluência, en tra r na Ordem dos Pregadores. P o r p o u co tempo,
pois, esteve P o in s o t em L ova in a depois de te r co n c lu íd o o seu
bacharelato bíblico, já que o vamos en con tra r em 17 de Julho de
1609 a tom a r o hábito d om in ica n o em Santa M a ria de A tocha,
escolhendo o nom e com que passará a ser conhecido — João de São
Tomás. Passado um ano, fa z ia a sua profissão religiosa.
O Iisbonense prossegue os seus estudos e é nom eado le ito r de Artes
e mestre de estudantes de Atocha. O D ou tor Profu n d o in icia va a sua
vida de m agistério a ensinar Teologia, ca rreira que p o r um breve
p eríod o prosseguiu em Placência, sendo cham ado novam ente para
A tocha, sempre com o professor de lições teológicas. Os seus dotes
intelectuais acabaram p o r não passar despercebidos aos demais e em
1625f o i enviado pa ra A lca lã de Henares, em cujo convento ensinou
p o r longo tempo, p rim eiro Filosofia e m ais tarde Teologia. Em 1630,
Pedro de Tapia deixou a cadeira de Véspera pa ra passar à de Prim a,
e p a ra o seu lu ga r f o i convidado o d om in ica n o português. D urante
onze anos regeu João de São Tomás essa cadeira, passando em 1641
pa ra a cadeira de Prim a, m udança essa provocada pela p rom oçã o
de Pedro de Tapia a bispo de Segóvía.
A fa m a da profundidade e subtileza do d om in ica n o cresce e João
vai conhecer, p o r nom eação de Filipe IV, um novo pa pel — o de
in qu isid or de Costela e Aragão. Não é de surpreender que lhe fosse
com etida ta l tarefa, pois a Ordem dos D om inicanos quase detinha o
m onopólio do exercício do braço arm ado da Igreja.
Em meados de 1643, os traços de personalidade de João de São
Tomás concorreram , definitivam ente, p a ra a decisão de Filipe IV em
escolhê-lo p a ra seu confessor p a rticu la r. João tentou tudo p a ra evitar
que se cum prisse esta decisão régia, chegando mesmo a alegar que,
p o r serportuguês, não era personagem indicada p a ra o cargo. Debalde
tentou evitar a honra, pois acabaria p o r ter de submeter-se à disciplina
religiosa, nada m ais lhe restando senão abandonar a quietude dos
claustros e acom pa n h a r o re i à sua corte. Reiser, referindo-se à
biografia elaborada p o r Ram írez, confrade e contem porâneo de João
de São Tomás, conta que, desesperado, quando recebe ordem definitiva
de segu ir p a ra a corte, terá exclam ado: -Actum est, patres, de vita
mea. Mortuus sum. Orate pro me.» Estas palavras prem onitórias leva­
ram mesmo alguns biógrafos posteriores a supor qu e João tivesse
sido assassinado p o r envenenam ento, todavia parecem não sub­
sistir quaisquer fundam entos pa ra esta suspeita.
A in d a de acordo com Ram írez, João de São Tomás só se irritou ,
verdadeiram ente, duas vezes em toda a sua vida. Q uando os padres
capitulares de A tocha o elegeram, p o r duas vezes, p rio r. D e ambas
recusou veementemente, p ois gostava demasiado de A lca lã e do ensino
para os troca r p elo governo das com unidades religiosas. Com o tal,
não é de estranhar a sua perplexidade quando soube do interesse do
rei em nom eá-lo p a ra um cargo de tanta responsabilidade e a que
estava conferido m uito poder. Além do mais, a época de tais sucessos
era conturbada e o rein o atravessava um a verdadeira convulsão.
A independência de Portugal, em 1640, a revolta separatista da
Catalunha, qu e teve o apoio de Richelieu, o inevitável afastam ento do
conde-duque de Olivares, qu e d irig iu com mão de fe rro os negócios
do Estado com o prim eiro-m in istro, caído em desgraça, m arcavam a
turbulenta con ju n tu ra qu e se vivia então.
Sem dúvida, João de São Tomás, que n unca tinha dem onstrado
qu a lqu er interesse pela vida fo ra da quietude dos claustros, sofreu

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um grande desgosto quando f o i sondado, em 1643, p elo m inistro Luis
de H aro, p a ra v ir a ocu pa r o cargo de confessor régio. A o m inistro,
João respondera que havia um assunto prévio a resolver, a saber: se
o rei estava disposto a o u v ir a verdade e a segui-la. F ilip e TV parece
não se ter ofendido com tal exigência e deixou o d om in ica n o regressar
a A lca lá pa ra recom eçar as aulas, mas com ordem expressa de se
apresentar em M ad rid no D om in go de Ramos. A vida dedicada ao
ensino tinha term inado e o fra d e português viu-se num ápice a p a r­
ticip a r num a vida p ú b lica de que semprefiz e ra questão de se alhear.
D ois pedidos ao re i in icia m esla travessia: p rim eiro, que ja m a is se
lem bre de lhe conceder qualquer dignidade; e em segundo lu g a r que
lhe seja d im in u íd o o seu vencim ento anual, red u zirid o-o ao estri­
tam ente indispensável. O resto do dinheiro, o re i m a n d á -lo-ia d ar
aos pobres.
P o r p ou co tempo f o i João confessor do rei. A 2 0 de M a io de 1643
recebera em A lca lá a missiva régia nom eando-o confessor de F i­
lipe IV , com ordem de se apresentar na ca p ita l nesse mesmo dia.
Passados escassos dezoito mesesJoão de São Tomás v iría a sucum bir
em Saragoça, acom etido de altas febres, com a idade de 5 5 anos.
Conta ainda R am irez que fa leceu na p len itu d e da sua crença e f é
inabaláveis e que, pressentindo a chegada da hora fa tíd ica , ocupou
os seus últim os momentos orando.

n. OBRA

As p rin cip a is obras deJoão de São Tomás fo ra m redigidas durante


os anos de docência, e publicadas, p a rte delas, ainda em vida do
autor. Os trabalhos fundam entais que d eixou são os m onum entais
cursos Filosófico e Teológico, mas o a u tor escreveu a ind a pequenos
estudos de m enor fôlego, casos de Explicación de la Doctrina Cristiana,
que conheceu várias edições4, nom eadam ente Valência (1644), Alcalá
(1645), Saragoça (1645), A ntuérpia (1 6 5 1 ) e Rom a (1633)- Esta obra
teve a ind a um a tradução latina, Compendium Doctrinae Christianae,
editada em Bruxelas em 1658; e um a versão portuguesa que recebeu
o títu lo Explicaçam de Doutrina Christâ, publica d a em Lisboa em
1654. Segue-se Pratica y Consideración para Ayudar a Bien Morir,
editado em Saragoça em 1645, que conheceu ain d a um a edição
italiana, pu blicad a em Florença e datada de 1674, Pratica e Con-

4 Isto seguindo o trabalho «A Obra Filosófica e Teológica do Padre Mestre


Frei João de São Tomás», publicado no número especial 8-9 da revista Estudos,
Coimbra, 1944.

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siderationi per Ajutare e per Disporsi a Ben Morire. O ú ltim o destes
pequenos tratados, João p u b lica -o já na qualidade de confessor do
rei. Trata-se do Breve tratado y muy importante, que por mandado
de su Magestad escrevio ei reverendissimo Padre Fray Juan de Santo
Tomas, para saber hacer confessión general. O trabalho de Estudos
que temos vindo a acom panhar refere ainda q u e «escreveu um a carta
ao Padre G eral a defender-se e a explicar-se sobre as afirm ações que
fiz e ra no Cursus Theologicus sobre a D o u trin a da Im a cu la d a
C onceição, assunto sobre qu e tinha sid o d en u n cia d o n a cú ria
generalícia. João fo ra acusado de ensinar um a d ou trin a con trá ria à
de São Tomás-.
O Curso T eológico é considerado a p rin cip a l obra do D o u to r
Profundo, tendo sido parcialm ente — três dos oito volum es que o
constituem — editado em vida do autor. Este trabalho, à sem elhança
do Curso Filosófico, conheceu várias edições de con ju n to, das quais
se destacam: a de Lyon, em 1663, em sete volumes; a de Colônia,
publica d a em 1711, em oito volumes; e um a publica d a em Paris,
conhecida com o edição de Vivés, publicada em dez volumes entre
1883-1886. Finalm ente surgiu, em 1933, o cuidada edição dos Be­
neditinos de Solesmes que, à sem elhança do trabalho de Réiser pa ra
o Curso Filosófico, preserva o texto clássico da obra do d om inicano.
Q uanto ao Curso Filosófico, ele constitui a p rim eira obra de fo ã o
de São Tomás. Tendo sido in icia lm e n te p u b lica d o em volum es
separados, conhecerá depois várias edições gerais, três das quais
publicadas a ind a em vida d o a u tor e p o r ele revistas: A lcalá, 1631-
-1635; Roma, 1637-1638; e C olônia, 1638.
Editada pela últim a vez p o r Reiser, nos anos 30, com o nom e de
Cursus Philosophicus Thomisticus, a obra, em três volum es que
perfazem 2215páginas, encontra-se dividida em Artis Logicae e Na-
turalis Philosophia; sendo que a Lógica com porta tam bém duas
divisões. D e dialecticis institutionibus, quas summulas vocant e De
instrumentis logicaltbus ex parte materiae. Estes textos de filosofia ,
que versam sobre as m atérias leccionadas p o r João de São Tomás, são
m aioritariam ente compostos p o r com entários às obras de Aristóteles,
adoptando um pon to de vista m uito p ecu lia r: o Filósofo é com entado
e ilum inad o a p a rtir da d ou trin a de S. Tomás de A qu in o, de quem
João se considerará toda a vida um hum ilde discípulo.
A ordem de exposição e tratam ento adaptada também é tipicam ente
escolãstica: cada Livro ou Quaestio tem p o r tem a g en érico um a
questão, que ê explorada em artigos, também eles subordinados a um
problem a p a rticu la r. N a p rim eira parte de cada artigo, João de São
Tomás responde à questão que lhe dá tema, enum era as posições
mais com uns sobre o assunto, m uitas vezes de adversários que não

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cuida de identificar, as quais pode ou não con firm a r com as suas
conclusões, e trata de estabelecer com segurança e clareza a posição
que considera dever ser mantida. Num segundo momento, solvuntur
argumenta, levanta e resolve, de acordo com a doutrina que sustenta,
as objecções que poderíam surgir ãs posições adaptadas.
As duas divisões da Lógica correspondem ã lógica fo rm a l e ã ló­
gica m aterial. Como João de São Tomás explica no seu prefácio,
-•resumimos as divisões da Lógica em duas partes: na prim eira tratamos
de todas as coisas que pertencem à form a da arte Lógica e ã prim eira
resolução, das quais trata Aristóteles nos livros De Interpretatione e
nos A nalíticos Anteriores, e que nas Súmulas tratamos para p rin ­
cipiantes. Na segunda parte tratamos do que pertence ã matéria lógica
ou à resolução posterior, especialmente na demonstração, para a qual
principalm ente é ordenada a Lógica.»
Esta vocação de m anualpara estudantes do Curso Filosófico nota-
s e bem no estilo de João de São Tomás, claro, pedagógico, descom­
prom etido, cheio de redundâncias destinadas a d irim ir obscuri­
dades, frases longas e, p o r vezes, mesmo circulares. Tal não surpreende
num homem que declara p u b lica r apenas para s e rv ir a in qu iriçã o
da verdade, que d iz respeito à doutrina e não a pessoas», e que
acredita que nos «ouvintes» *a d ou trin a é m ais fa cilm e n te ins-,
tilada quando é estudada não em termos de discussões de autores e
autoridade, com o quando é estudada somente em termos de luta pela
verdade».
Além de sucessivas edições após a morte do autor, as obras deJoão
de São Tomás conheceram também um núm ero sign ifica tivo de
traduções. D o Curso Teológico f o i realizada um a versãofrancesa do
tratado -Os dons do Espírito Santo», pertencente ao tom o v e surgida
em Paris em 1930, tradução essa elaborada p o r Raíssa M aritain. Em
1928 surge em Paris um a edição parcial, em francês, do volume i;
e em 1948 é dada à estampa em M adrid uma edição p a rcia l do
tom o v, em espanhol. Em 1951 é editada em Nova Iorqu e uma
versão am ericana do mesmo tom o do Curso Teológico.
D o Curso Filosófico existem três traduções parciais, todas elas edi­
tadas nos Estados Unidos e consultadas na realização deste trabalho.
Trata-se, em p rim eiro lugar, de uma versão p a rcia l da segunda parte
da Lógica, que f o i publicada em Chicago em 1955 com o título de
The Material Logic o f John o f St. Thomas — Basic Treatises5; no

5 Thomas, John o f St., 1955, The Material Logic ofjohn ofSt. Tbomas— Basic
Treatises, trad. Simon, Yves, Glanville, John, e Hollenhorst, Donald, The University
o f Chicago Press, Chicago, Illinois.

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mesmo ano surge, pela mão de Francis Wade, uma tradução p a rcia l
da p rim eira parte da lógica, Outlines o f Formal L o gicfin a lm en te,
à segunda parte da Lógica pertence também o Tractatus de Signis —
the Semiotic o f John Poinsot, edição bilingue am ericana do Tratado
dos Signos, da autoria de Jobn Deely, surgida em Indiana em 1985
e que constitui a últim a edição de um texto de João de São Tomás.
Os melhores trabalhos do autor, e porventura os mais acessíveis,
datam dos anos 30 e são compostos quer pela cuidada edição de
Reiser do Curso Filosófico, quer pelo trabalho dos Beneditinos de
Solesmes na preparação de uma edição geral do Curso Teológico,
que se fa z acom panhar p o r copiosos estudos sobre o dom inicano.
O Cursus Philosophicus Thomisticus não com enta apenas Aris­
tóteles, mas p o r vezes também outros clássicos de lógica, com o o
Isagoge, de Porfirio. João não cuida de inovar, apenas comentar,
explicitar e tom a r claros osfilósofos ã lu z dos ensinamentos de Tomás
de Aquino, de quem deseja -não só seguir a solidez e im ita ra doutrina,
mas também em ular a ordem, brevidade e modéstia-. E éprecisamente
no que respeita ao Tratado dos Signos que se afasta do esquema do
com entário, tão caro a toda a Idade Média.
João já a n u n cia ra que trata as questões m ais simples, para
principiantes, nas Súmulas, e que explora os aspectos mais complexos
e intricados destas na quaestio correspondente. Assim fa rá também
com o signo, um a questão que apresenta tantas dificuldades que, em
Vez de um com entário ao De Interpretatione, de Aristóteles, decide
p u b lica r um tratado separado, versando só esse tema: o Tratado dos
Signos, que apresenta na segunda parte da Ars Logicae, dividido em
três quaestiones: De Signo Secundum Se, De Divisionibus Signi e
De Notitiis et Conceptibus.

n t EDIÇÃO DO TRATADO DOS SIGNOS

Apesar de pertencer ao século xvu, João de São Tomás perm anece


um m edieval no espírito, estilo, convicções e form a de expressão, e o
seu trabalho representa o que de mais apurado a escolástica peninsular
produziu. Todavia, em termos de condições de produção, João deve
decididam ente ser classificado entre os modernos, p ois a sua obra já
não está lim itada pelas restrições que se im punham aos autores6

6 Thomas, John o f St., 1955, Outlines o f Formal Logic, trad. Wade, Francis,
et al., col. -Medieval Philosophical Texts in Translation-, Marquette University
Press, Milwaukee, Wisconsin

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medievais: idealização, realização de m anuscritos e cópia laboriosa
dos mesmos. Estefa c to acabou p o r sim p lifica r o presente trabalho. Na
verdade, não existem origin a is da obra de João de São Tomás, dado
qu e o a u to r acom panhou e pôd e rever p e lo m enos as p rim eira s
três edições do seu Curso Filosófico, e terá destruído ou ignorado
os m anuscritos p o r os considerar de pou ca im portância após p u b li­
cados.
Assim sendo, a tradução e edição a q u i apresentada baseia-se
na segunda reimpressão do Curso Filosófico, editada p o r Reiser e
publica d a em Itá lia p o rM a rie tti, entre 1930-1936. Trata-se da últim a
edição com pleta do Curso Filosófico, que levou perto de sete anos a
ser preparada p o r Reiser, e onde se fix a o que pode ser considerado
o texto clássico d o D o u to r Profund o. Q uanto à p rim e ira p a rte da Ars
Logicae, Reiser u tilizo u p a ra a fix a çã o do texto a edição de Rom a de
1637, enquanto pa ra a segunda p a rte u tiliza a edição de M ad rid de
1640, explicando ta l decisão p elo fa c to de serem estes os trabalhos
m ais fiá veis surgidos em vida do autor, «cui ultima ipsius auctoris
manus accessit*.
Refira-se ainda que Reiser, no seu trabalho, cita, em nota de rodapé,
as variações relevantes ao texto que trabalha, surgidas nas edições de
Lyon de 1663, e de C olônia em 1638; notas essas que fo ra m ignoradas,
n o presente trabalho. P erten ce tam bém a Reiser o m on u m en ta l
trabalho de re fe rir as referências bibliográficas, p o r vezes obscuras,
que João de São Tomás fa z a outros autores, ã obra e respectivo loca l
onde pod em ser encontradas, socorrend o-se p a ra tanto, fu n d a ­
m entalm ente, da edição Rom ana Leonina e da edição de Parm a da
obra de S. Tomás de A qu ín o. Seguindo-se fielm en te o texto de Reiser,
ã excepção das notas, tom aram -se a qu i com o boas as referências a
essas obras.
Im portante é saber quem descobriu ou cu n h ou a expressão Tratado
dos Signos p a ra designar a centena e m eia de páginas dedicadas p o r
João de São Tomás a este assunto. Apesar de os prim eiros trabalhos
sobre o tem a rem ontarem a M a rita in 7, Deely, que editou e tra d u ziu
pela p rim eira vez a obra, tom ou a expressão, retirada do p róp rio
Cursus Philosophicus Thomisticus, de uso corrente. Nesta p rim eira
edição autônom a do Tratado dos Signos, o Tractatus de Signis — the

7 Maritain, Jacques, 1939, *Signe et Symbole*, incluído na obra Quatre essais


sur Vesprit d a m sa condition chamelle, Paris; e Herculano de Carvalho, 1969,
«Segno e significazione in João de S. Tomás*, Estudos Linguísticos, vol. n,
pp. 131-168, Atlântida Editora, Coimbra; e os caps. 7 e 8 da Teoria da Linguagem:
Natureza do Fenômeno Linguístico e Análise das Línguas, t. i, Atlântida Editora,
1967, Coimbra.

16
Semiotic o f John Poinsot, dada à estampa em 1985, D eely explica
cjue as Quaestiones XXI, XXII e XXIII do Curso Filosófico, que o
compõem, fo ra m assim baptizadas pelo próprio João de São Tomás.
De fa cto , o dom inicano, na introdução a toda a Lógica, d irigid a ao
leitor, e tam bém na in trod u çã o à segunda p a rte da Lógica, d iz
claram ente que em vez de um com entário ao D e Interpretatíone
aristotélico, que se lim ita rá a resum ir em poucas páginas, prefere
p u b lica r ,u m «tratado acerca dos signos e apercepções», que remete
para o fin a l da segunda pa rte da Lógica, devido às extraordinárias
dificuldades que ta l assunto encerra, dando contudo ao tema um
tratam ento m uito geral, pa ra principiantes, no in íc io dos livros das
Súm ulas8. A expressão Tractatus de Signis f o i pois inventada e proposta
inicialm ente p o r João de São Tomás, segundo o qual, além das a lu ­
sões feita s ao tema nos três p rim eiros artigos das Súmulas, o Tratado
dos Signos é composto p e t o Quaestiones XXI, XXII eXXHI da segunda
parte da Lógica do Curso Filosófico, intituladas, respectivamente,
Do signo segundo a sua natureza, Acerca da divisão do signo e
Acerca das apercepções e conceitos.
John Deely, porém , fa z uma selecção m ais abrangente na sua
apresentação do Tratado dos Signos, considerando, além das três
quaestiones expressamente nomeadas p orJoã o, ser necessário atentar
ainda, na segunda p a rte da Lógica, nos artigos i, n e tv da Quaes-
tio II — D e ente rationis logico e nos artigos i, n e m da Quaes-
.tio XVII — De praedicamento relationis. Nesta sua opção, Deely segue

8 «Quanto a estas dificuldades metafísicas e outras d os livros D a Alma, que


o ardor das disputas levou a introduzir no início dos livros das Súmulas, levei-
-as para local próprio, e desenvolvemos na Lógica, acerca d o D e InterpretatUme,
um tratado acerca dos signos e apercepções*; .Cobrimos aqui, como prometemos,
as várias questões tradicionalmente tratadas na primeira parte da Lógica, excepto,
p or boas razões, o Tratado dos Signos, cheio com tantas e tão extraordinárias
dificuldades; e assim, para libertar os textos introdutórios da presença destas
dificuldades incomuns, decidimos publicá-lo separadamente em lugar de um
comentário ao D e Interpretatíone e junto com as questões d o s Analíticos
Posteriores; e para um uso mais conveniente separamos o Tratado dos Signos da
discussão das Categorias* (João de São Tomás, in Tratado dos Signos).
-Ad baec metaphysicas dijficultates pluresque alias ex tibris de Anima, quae
disputantlum ardore in ipsa Summularum cunabula irruperant, suo loco
am andavim us et tractatum d e signis et notitiis in Lógica super lib m m
Periherm enias expedimus*; «Q u o d in prima Logicae p a rte prom isim us de
quaestionibus plutíbus, quae íbi tractari solent, bic expediendis, plane solvimus,
excepto qu od íustis de causis tractatum de signis, pluríbus nec vulgaribus
dijjicultatlbus scaturientem, ne bic itiiectus aut sparsus gravaret tractatus alio
satis p e r se graves, seorsum edendum duxim us loco com m entarU in llbros
Perihermenias simul cum quaestionibus in libros Posteriomm, etpro commodiori
libri usu a tractatu Praedicamentomm seiimximus.»

17
as instruções de João de São Tom ás no p re fá cio à 4.a ed içã o da
segunda p a rte da Lógica, onde a firm a qu e o Tratado dos Signos
só d everá ser a b ord a d o «d epois d o co n h e cim e n to h a in d o a c e r­
ca d o en te de ra zã o e ca te g o ria de rela çã o» 9, p recisa m en te as
duas Quaestiones onde D eely fa z um apanhado dos artigos m ais
relevantes, transform ando-os, respectivam ente, e m «First Pream ble: O n
m in d -d e p e n d e n t b ein g »; e «S econ d P rea m b le: O n re la tio n », qu e
apresenta separadam ente dos três livros qu e constituem o Tratado
p rop ria m en te d ito. Esta opção e d ito ria l é absolutam ente necessária,
já que seria praticam ente im possível com preender o Tratado dos Signos
sefPi p rim eiro,in vestiga r o q u e é d ito no Curso Filosófico sobre o ente
de ra zã o. e a ca tegoria de relação. P o r esta ra zã o, os c in c o artigos
m ais im portantes dessas duas questõesfo ra m in trod u zid os na presente
ed içã o d o Tratado sob a designação de Livro Zero, sendo im porta n te
sa lien ta r que este Livro Z e ro n ã o perten ce p rop ria m en te ao D e Signis,
mas a grupa alguns artigos das Quaestiones II e XV II da segunda
p a rte da L ó g ica , respectivam ente D e ente rationis lo g ic o e D e
praedicamento relationis, e que constituem um m ín im o fu n d a m e n ta l
p a ra a com preensão e in terpreta çã o do Tratado, em bora ta l selecção
n ã o esgote, de todo, o m a n a n cia l de problem as e in form a çã o qu e
p od ería ser extra íd o do Curso Filosófico.

9 «M as p o rq u e todas estas coisas sâo tratadas nestes livros p o r m eio d a


interpretação e significação, e visto qu e o instrumento da lógica é o signo, d e
qu e constam todos os seus instrumentos; p òr isso, paréceiTrhelhor agora, em vez
d á doutrina destes livros, apresentar aquelas coisas destinadas a ex p o r a natureza
e divisão d os signos, qu e nas Súmulas foram introduzidas, e para aqui, portanto,
foram reservadas. Agora porém neste lugar com toda a razão se introduzem, depois
do conhecimento havido acerca do ente de razão e categoria da relação, dos quais
principalmente depende esta inquirição sobre a natureza e essência dos signos.
Para q u e o assunto mais clara e frutuosam ente seja tratado, achei p or bem
separadamente acerca disto fazer um tratado, em vez de reduzir e incluir a questão
na categoria da relação, p ara q u e a discussão d a re laç ão n ão se tornasse
redundante e enfadonha pela introdução deste tema exterior; e tam bém para qu e
a consideração d o signo n ão se tomasse mais confusa e breve» (itálico nosso)
(João d e Sâo Tomás, in Tratado dos Signos).
- Sed tamen, qu ia ha ec om n ia tractaritur in his libris p e r m o d u m
interpretationis et significatíonis, com m un e siquidem Logicae instrumentum est
signum, q u o om n ia eius instrumènta constat, idcirco visum est in praesenti pro
doctrina horum librorum ea tradere, quae a d explicandatn naturam et divisiones
signorum in Summulis insinuuta, b u c vero reservata sunt. N u n c autem in hoc
loco g e n u in e introducuntur, post notitiam h a bita m d e en te rationis et
praedicamento relationis, a quibusprincipaliter dependet inquisitio ista de natura
et quidditate signorum. Ut autem clarius et uberius tractaretur, visum est seorsum
d e hoc edere tractatum, nec solum adpraedicam entum relationis illud reducere,
tum ne iUiuspraedicamenti disputatio extraneo hoc tractatuprolixior redderetur
et taediosior, tum ne istius considerado confusior esset et brevior. *

18
P o r ú ltim o, resta re fe rir as alterações à fo rm a do Curso F ilosófico
a que se p roced eu nesta apresentação d o D e Signis. Os três p rim eiros
capítulos das Súm ulas; passaram , n a versão portuguesa, a artigos,
devido à sua extensão m ín im a . ^45 três Quaestiones q u e com põem o
Tratado dos Signos recebem a q u i o n om e de Livros, tendo-se-lbe
alterado a num eração o rig in a l p a ra i, u e in. O L iv ro Zero, com o já
f o i dito, é con stitu íd o pela a glu tin a çã o de alguns artigos de duas
Quaestiones distintas e é, de certa fo rm a , e x te rio r ao qu e João de São
Tomás pretend ia fosse o seu tratado. Q uanto aos artigos que, na versão
la tin a , com põem um a Quaestio, são a q u i cham ados capítulos, p o r
ser essa a divisão m ais n o rm a l e corren te de um livro.

IV. O TR A TA D O DOS SIGNOS

O Tratado dos Signos, que ocupa p erto de cen ten a e m eia de


páginas do Curso Filosófico, é riquíssim o em term os de conteúd o e,
é im p orta n te fris á -lo , a despeito das intenções e m odéstia de João,
p rofu n d a m en te o rig in a l no tratam ento de alguns conceitos.
Q p a n to à origin a lid a d e, podem os con sid era r que a sua in ova çã o1'
m ais ra d ica l está em ter, pela p rim eira vez, en ca ra d o a sem iótica
corno um a p rob lem á tica a utônom a da q u q lto ã ó s o s outrõs tipos de
con h ecim en to dependem : as m odelizaçoes do m und o dependem d o '
uso adequado de sisnos form ais, enquanto os d om ínios qu ese prendem
'com a intejsubjeçtjvid qd e_e com -a s form a s d e^Q rn u m cõçã n estãn ,
deperidentes^ dos signos instrum entais. A semiose é en tã o con d içã o
p ré v ia à in tera cçã o com o m u n ã õ ê fjc T n u m p q ta m a r su p erior de
percepção, à com u n ica çã o en tre indivíduos.
João de São Tomás com preendeu, e isso n u n ca a té en tã o sucedera,
que a Lógica precisava de re cu a r p a ra um p o n to a n te rio r ao q u e era
o tratam ento habitual, de inspiração aristotélica, dado a esta ciên cia :
análise dos term os eproposições, das categorias e tipos de ra c io c ín io 10.
D a í que «et in universum omnia instrumenta quibus ad cognoscendum
et loquendum utimur, signa sunt, ideo, ut logicus exacte cognoscat
instrumenta sua, oportet qu od etiam cognoscat quid sit signum»
con stitu a o cerne do progra m a de estudos que orien ta a exploração
d o Tratado. É nova esta tom ada de con sciên cia do ca ra cte r p ro ­
p ed êu tico d a sem iótica relativam ente a todas as outras ciências, bem
com o a id en tifica çã o, p o r M ia dos signos form a is, de toda a vida
p síq u ica com processos de semiose. João irá su b su m ir toda a vida

10 D eely, John, 1985, Tractatus de Signis — tbe Semiotic õ f John Poinsot,


University o f Califórnia Press, Berkeley.

19
m ental à u tiliza çã o de signos, p o r m eio dos quais, e m eio exclusivo
p elo qual, o hom em conhece. E esta é a razão da im portância fu n d a ­
dora que a trib u i à sem iologia, e que o m otiva p a ra escrever o tratado.
P o r ou tro lado, e fru to da im portância que lhe atribu i, é notável
a extensão e o vigor da sua preocupação sem iológica, e esta é também
um a inovação ra d ica l inteiram ente da lavra de João de São Tomás.
O Tratado dos Signos ocupa perto de centena e m eia de páginas do
Curso Filosófico, fa d o que só assume o devido relevo se se recordar
que, p o u co antes, Pedro da Fonseca, nas Instituições Dialécticas,
dedica perto de cin co páginas a analisar o signo e os problem as a ele
atinentes, ao passo que Sebastião do Couto e Pedro M argalho lhe
concedem ainda menos espaço.
A p rim e ira preocupação do Tratado dos Signos, seguindo aliás
um a te rm in o lg ia já estabelecida na escolástica p e n in s u la r, é
taxonóm ica. Os tipos e qualidades de signos segundo João de São
Tomás são analisados no segundo a rtigo das Súmulas, no in íc io da
Ars Logicae. Signo é definido com o a qu ilo que representa à p otên cia
cognoscente algum a coisa diferente de si, fó rm u la que encerra um a
crítica explícita à d efinição agostiniana de signo, a q u a l ao in voca r
um a fo rm a (species) presente aos sentidos, se refere ao signo ins­
trum ental, mas não ao form al, que é in terior ao cognoscente e portanto
nada acrescenta aos sentidos. Ê assim que, n o dom ínio da significação,
aquele onde surgem os diversos tipos de signos, só se pode operar
fo rm a l e instrum entalm ente, p orqu e sig n ifica r é to m a r algum a coisa
distinta de s i presente ao intelecto, e desta fo rm a o acto de sig n ifica r
e x clu i a representação, porqu e a í um a coisa «significa-se» a si própria.
É nesta crítica explícita a Agostinho que o p rojecto de João se virá
a assum ir com o um a proposta sem iológica suficientem ente abrangente
p a ra ser considerada m oderna, p ois p ela p rim e ira vez se intenta
fo rn e c e r um a explicação com pleta dos fen ôm en os sem ióticos. A o
considerar estas duas e tão distintas espécies de signos, o trabalho do
D o u to r P rofu n d o contem pla, sim ultaneam ente, a vertente da sign i­
fica çã o — a qu ilo pelo que o signo sign ifica algo e a fo rm a com o nos
perm ite estruturar a experiência hum ana — e a da com u n ica çã o—
enqu a n to veículos que servem a to m a r o objectivo e o subjectivo
intersubjectivos. A o estabelecer que nem só a qu ilo que representa outro
de fo rm a sensível é signo, consegue-se u n ir na mesma ordem de
fenôm enos sem ióticos palavras e idéias, vestígios e conceitos, os quais
servem, respectivam ente, p a ra co m u n ica r e p a ra estruturar um a
im agem do m undo.
João de São Tomás divide e classifica os diversos tipos de signos,
que se situam no d om ín io da significação, adoptando duas pers­
pectivas distintas. D a perspectiva do sujeito cognoscente, enquanto o

20
signo é encarado na sua relação a o intelecto que conhece, divide-se
o signo em fo rm a l e instrum ental. O signo fo rm a l é constituído pela
apercepção, que é in te rio r a o cognoscente, n ã õ é con scien te e
representa algo a p a rtir de si. Tem porta n to a capacidade de to m a r
presentes objectos diferentes de s i sem p rim eiro te r ele p ró p rio de ser
objectifiçado. O signo instrum ental é o objecto ou coisa que, exterior
ao cognoscente, depois de conscientem ente conhecido lhe representa
algo distinto de si próprio.
A segunda perspectiva adoptada p o r João de São Tomás pa ra
classificar os signos é o p on to de vista em que estes se relacionam ao
referente. Nesta perspectiva, d ividem -se os signos em naturais,
convencionais e consuetudinários. O signo na tu ra l é aquele que pela
sua p róp ria natureza sign ifica algum a coisa d istinta de si, e isto
independentem ente de qu a lqu er im posição hum ana, razão pela qu a l
sign ifica o mesmo ju n to de todos os botnens. O signo con ven cion a l é
aquele que sign ifica p o r im posição e convenção hum ana, e assim
não representa o mesmo ju n to de todos os homens, mas só significa
pa ra os que estão cientes da convenção. O signo consuetudinárto é
aquele que representa em virtude de um costume m uitas vezes repetido,
mas que não f o i objecto de um a im posição p ú b lica explícita.
Depois das definições introdutórias dadas nas Súmulas, João de
São Tomás passa a exp lica r em que consistem as relações secundum
esse / secundum díci, que u tiliza pa ra analisar os signos, conceitos
estes que sefilia m directam ente na d ou trin a aristotélica sobre o tema.
Contra os nom inalistas e os que defendem que só existem relações
secundum dici, isto é, relações que são form as extrínsecas aplicadas
às coisas com o num a com paração, João de São Tomás vai sustentar
que já Aristóteles estabelecera a existência de relações secundum esse,
isto ê, relações cujo carácterfu n d a m en ta l é ser p a ra outra coisa, não
à m aneira de uma denom inação extrmseca, mas enquanto traço
essencial cio seu p róp rio modo de existir. E assim que os termos cuja
substância é a de serem ditos dependentes de ou tros ou a eles
referenciãveissão relativos secundum esse. P elo con trá rio, as relações
secundum dici são aquelas onde subsiste algu m a coisa de
relarivam ente independente — absoluto — entre os relacionados, e
porta n to a totalidade do seu ser não ê ser pa ra ou tro; ao passo que
nas relações secundum esse todo o seu ser consiste em ser pa ra outro,
com o sucede, p o r exemplo, no caso da semelhança ou da paternidade,
pois toda a essência de tais relações se orienta p a ra o termo, de form a
que, desaparecendo o termo, a p róp ria relação não subsiste; mas
quando existe, possui realidade ontolôgica autônom a e p rópria , isto
é, independeu temente de ser ou não conhecida.
Para João de São Tomás, a relação é uma categoria que se distingue
das restantesformas. Em p rim eiro lugar, está m ais dependente e requer

21
(
com m a ior necessidade o fund am ento, porqu e é m ovim ento de um
sujeito em direcção a um termo, enquanto as outras categorias retiram
a sua entitatiindade e existência do sujeito. Depois, a relação não
depende nem pode ser encontrada num sujeito da mesma fo rm a que
as outras categorias, mas depende essencialmente do fu nd am ento que
a coordena com um term o e a fa z existir «com o um a espécie de
et entidade terceira -. A relação transcendental ou secundum dici é
porta n to um a fo rm a assim ilada ao sujeito que o conota com algo
extrínseco, ao passo que na ontológica ou segundo o ser, a essência
da relação é ser relação.
O utra categoria im portante é a diferença entre relações reais e de
razão, e é a q u i chegado que João de São Tomás la n ça fin a lm en te lu z
sobre o mecanism o, a lógica das relações, que lhe vai p e rm itir d a r
conta de todos os tipos de signos que já enum erou. A divisão entre
relações reais e de razão só é encontrada nas relações segundo o ser,
d iz. As relações segundo o ser podem então ser reais ou de razão,
sendo que, n o caso de um a relação secundum esse real e fin ita nos
encontram os perante um a relação categorial.
O signo, com o bem se co n clu i da p róp ria definição, pertence à
ordem do relativo. Mas não só. Preenche, além disso, todas as con ­
dições p a ra ser relativo secundum esse, e é ao inseri-lo nesta categoria
de seres cu ja essência é orientarem -se p a ra um term o, qu e João
I descobre um a fo rm a satisfatória de exp lica r o seu estatuto ontológico,
(•
sem com prom eter as posições gnosiológicas e m etafísicas que, com o
bom tomista, perfilh a . Se nos relativos secundum esse se podem dar
tanto relações reais com o relações de razão, então as relações segundo
o ser são a estrutura ideal pa ra abranger tanto os signos naturais
cóm o os.convencionais. Une-se assim num a mesma categoria as ordens
opostas do que é real e do que é de razão, que é precisam ente a fo rm a
com o, fu n cio n a n d o na sua vertente sign ifica tiva e com unicativa, os
signos se entrelaçam com o m undo.
É o fa c to de a ordem das relações secundum esse u n ir em si tanto
o qüe é rea l com o o que é de razão, que vai p e rm itir a explicação
cabal de todos os sistemas e tipos de signos, p orqu e signos há que
constituem com os seus objectos relações reais, caso dos naturais;
e ou tros relações de razão, caso dos con ven cion a is; mas todos
são relações segundo o ser — isto é, a sua essência é serem p a ra
outra coisa 11.1

11 N ão é inocente esta formulação joanina, qu e envolve opções políticas e


metafísicas de importância extrema. O que João de São Tomás faz ao dizer que
os signos naturais estão unidos ao seu objecto por uma relação real (que nâo
é denominação extrínseca e existe independentemente de ser apreendida) é
tomar p osição na polêm ica reales/nominales qu e abala o seu tem po,

22
É p o r isso que as questões introdutórias do Tratado dos Signos se
ocupam , em p rim e iro lugar, de saber se o signo pertence ã categoria
da relação, e se essa relação é secundum esse ou secundum dici.
A conclusão do dom inicano de que o signo é um a relação secundum
esse p orqu e a sua essência é orientar-se e ser relação p a ra outra
coisa, a qu ilo que representa, p erm itir-lb e-á d a r conta da existência
de todos os tipos de signos, sem a bd icar de um a posiçã o realista nesta
m atéria. D a í que, estabelecido o mecanismo, ]'ã se.possa a firm a r que
a relação do signo n a tu ra l ao obfecto é necessariamente real, e não
de razão, porqu e é fu n d a d a em algo real, proporção e conexão com
3 coisa represen tada----assim se e x p lica qu e a pega d a d o lobo
represente antes o lobo que a ovelha— em bora depois a o representar
à potência, objectificando-se, o signo estabeleça com ela um a relação
de ra z ã o 12. Esta dupla relação do signo, ao referente e a o intelecto
que conhece, oferece razão p a ra equívocos, d iz João de São Tomás,
pois não poucos autores, ao verificarem que a apreensibilidade do
signo é um a relação de razão Julgam que a p róp ria razão do signo
é simplesmente um a relação de razão-, M as jã n a liga çã o dos signos
convencionais ao objecto essa relação é, sem qu a lqu er dificuldade,
de razão, fu n d a d a na "instituição p ú b lica - de um a convenção.
A univocidade da relação que o signo estabelece entre p otên cia e
objecto é a questão que ocupa o terceiro capítulo do Tratado dos
Signos. Os signos externos também se relacionam à p otên cia com o
■objectos, e essa relação é idêntica ã que com ela estabelecem m uitos
outros objectos que não são signos. O que se trata então de a p u ra r é
se significativam ente, enquanto signo, essa relação é distinta daquela
que estabelece com o referente, ou se, p o r hipótese, nos encontram os
perante três relações: duas estabelecidas com o cognoscente — en­
quanto objecto e enquanto signo — e um a terceira relativam ente ao
referente. A questão é subtil, pois a relação do signo à p otên cia é,
com o já se viu, de razão, enquanto ao objecto sign ifica d o é real; ou

descortinando-lhe, à sua medida, uma solução. Note-se que o problema está


longe de se encontrar resolvido, e ainda nos dias de hoje um semiólogo e
medievalista tão conceituado como bm berto Eco opta, precisamente na questão
da relação d o signo natural ao objecto, por uma posição nominalista, ao defender
a impossibilidade de distinguir signos motivados de imotivados (v. Eco, Umberto,
O Signo, 4.% ed., 1990, Editorial Presença, Lisboa, pp. 57 e segs.).
12 A realidade de tal relação tem fundas implicações gnosiológicas, já que
nela reside a cognoscibilidade dos entes. -Para que alguma coisa em si própria
seja cognoscível, não pode ser simples produto da razão; e que seja mais
cognoscrvel relativamente a outra coisa, tornando-a representada, é também
alguma coisa real n o caso dos signos naturais. Logo, a relação d o signo, nos
signos naturais, é real-, afirma João de São Tomás.

23
(
então, são distintas as relações do signo pa ra um e ou tro term o, e esta
plu ra lid a d e de relações na sua essência e x clu i-lo -ia da categoria de
relação. João de São Tomãs resolve a d ificuldade considerando que
essa relação é um a e a mesma, sendo que a relação ao referente
toca -o directam ente, enquanto a potên cia é tocada indirectam ente.
Se p otên cia e objecto significad o fossem considerados com o termos
directam ente atingidos pela relação, isso exigiría necessariamente que
____ s—

ta l relação fosse distinta num term o e noutro, mas em ta l caso o signo


referir-se-ia à potên cia com o objecto — o que, já vimos, tam bém su-
'cede— e não form alm ente com o signo. Tal conclusão— que a mesma
<------- ^

relação a um term o é directa, a outro indirecta — prova-se p orqu e o


signo d iz respeito ao seu significad o directam ente com o a qu ilo que
deve ser representado ao cognoscente; enquanto ta l relação toca
indirectam ente a potência, através de um a relação real, p orqu e ela é
a q u ilo em qu e ta l objecto sign ifica d o ê representado. A mesma
relação que atinge directam ente o objecto atinge indirectam ente a
p otên cia enquanto o ser m anifestável à p otên cia está in clu íd o no
p róp rio objecto 13.
A relação do objecto com a p otên cia é de razão (n ã o existe antes
da operação do intelecto), relação esta que, ocorrendo necessariamente
no signo, não é todavia a relação que lhe é p ró p ria porqu e este p a r­
tilh a -a com todos os cognoscíveis que não são signos. Contudo, a
relação do signo à potên cia é indirectam ente real, porqu e em bora
A este não lhe diga respeito (d irecta m en te) p o r um a relação real, ser
m anifestável à p otên cia é, no objecto, algo de rea l (existe antes da
operação do intelecto). D onde a relação do signo à potência, que ele

13 *E assim, como o objecto não é respeitado com o sendo alguma coisa de


absolutamente em si, mas como manifestável à potência, necessariamente a
própria potência é tocada obliquamente por aquela relação, a qual atinge o
objecto não por subsistir nele precisamente como é em si, mas enquanto é
manifestável à potência, e assim de alguma maneira a relação do signo atinge
a potência na razão de alguma coisa manifestável a outro [...]. Pois com o um
objecto diz respeito à potência é uma coisa, outra bem diferente é o que, num
objecto, é ser manifestável à potência. Ser manifestável e objectificável é alguma
coisa de real, e é aquilo de que depende a potência e pelo qual é especificada;
antes, é porque um objecto é assim real que não depende da potência por uma
relação real. Donde, como o signo, sob a formalidade d o signo, não diz respeito
à potência directamente — pois isto é a formalidade do objecto — mas diz
respeito à coisa significável ou manifestável ã potência, assim a potência enquanto
indirectamente inclusa naquele objecto manifestável é atingida p or uma relação
de signo real relação essa que nada mais é que o facto de o objecto lhe
ser realmente manifestável, embora a própria manifestação em acto — que é
feita enquanto este assume a forma de um objecto — deva necessariamente
revestir-se da forma de uma relação de razão.

24
a tin g e in d irecta m en te, é real, em bora a sua apreensibilidade,
ehquanto objecto, que já constitui um a outra relação, seja de razão.
Pa ra responder â questão, se o acto de s ig n ifica r — constituído
pela condução ou exibiçã o do objecto à p otên cia — pertence ã ordem
da causalidade eficiente, João de São Tomás distingue três elementos
inerentes ao acto de representar ou significar: a prod u çã o de espécies
ou im agens das qualidades sensíveis do objecto extrín seco que
estim ulam o cognoscente; o estím ulo da potên cia p a ra qu e receba a
espécie — e este é um m om ento a n terior ã p róp ria recepção; e p o r
ú ltim o o concurso do signo com a p otên cia p a ra p ro d u z ir um a
apercepção. É neste ú ltim o pon to que a questão se com plica, p ois João
de São Tom ãs preten d e a verig u a r se o a cto de s ig n ific a r — a
representação do objecto ã p o tê n cia — que ele adm ite ter uma causa
eficiente, provém eficientem ente do signo. A descoberta do dom inicano
sobre este p on to é não ser o signo causa eficiente da significação, pois
s ig n ifica r não é p ro d u z ir um efeito, e isto p o r três ordens de razões:
S. Tomás aponta com o causa eficiente do conhecim ento a próp ria
ra zã o ou in telecto do cognoscente; os objectos, enqu a n to form a s
extrínsecas, não produzem eficientem ente conhecim ento, antes as suas
espécies são impressas na potência p o r um a outra causa eficiente; e
o signo instrum ental, p o r d efin içã o, fu n c io n a com o instrum ento
su bstitu in te do objecto, n ã o um in stru m en to eficie n te . 0 sign o
representa um referente à m aneira de um objecto, donde a emissão
de espécies, ta l com o no objecto, não ê causada eficientem ente pelo
signo, mas objectivam ente, isto ê, en qu a n to se destinam a ser
conhecidas. O mesmo argum ento é válido pa ra o signo fo rm a l- esta
qualidade de signos representa não eficientem ente, mas a p a rtir de s i
objectivam ente, ta l com o sucede nos instrum entais. Representar, ou
significar, que é o que convém ao signo enquanto signo, é simplesmente
substituir um objecto e to m á -lo presente ã potên cia cognoscente, e
isto não é fe ito prod u zin d o efeitos p o r pa rte d o signo, em bora m uitas
outras causas que não oriundas do signo con corra m eficientem ente
pa ra p ro d u z ir a representação: a que im prim e eficientem ente espécies,
a p otên cia que p ro d u z a apercepção...
O Livro Ie n ce rra questionando-se se os anim ais irra cio n a is (bruta)
e os sentidos externos u tiliza m signos p a ra atingirem as realidades
p o r eles significadas. João de São Tomás exclui, eviclentemente, os
signos linguísticos e toda a actividade que exija o discurso ou o
ra c io c ín io . O qu e p reten d e saber é se sem o d iscu rso e sem a
com paração è colação pode o co rre r a utiliza çã o de signos e do seu
m odo p róp rio de significar, con clu in d o que os anim ais irra cion a is
são capazes de u tiliz a r signos, tanto naturais com a consuetudinários,
e fa zem -n o am iúde. É qu e os anim ais recordam , de beneficies ou

25
(
9 danos passados, a oportunid ad e ou n ã o de prosseguirem certas a c ti-

4 vidades, e isso épassar de um signo, p o r exem plo o dano, â coisa que


o p ro v o c o u ; têm ca p a cid a d e p a ra se e x p rim ir u tiliz a n d o sign os
n a tu ra is ; e p od em a in d a a p reen d er certos tip os de sign os c o n -
suetud inários— há a n im a is que são disciplináveis e podem , m ediante
instruções, habituar-se a desenvolver ou e v ita r determ inadas a cti-
vidades14. Q u a n to à segunda p a rte da questão, a resposta é tam bém
a firm a tiva : os sentidos externos, tanto dos hom ens com o dos anim ais,
u tiliz a m signos instrum entais e são capazes de op era r com diferentes
fo rm a s de sign ifica çã o.
N o resum o e apanhado g e ra l qu e se segue a todos os capítulos,
João de São Tomás insiste fu n d a m en ta lm en te na im p ortâ n cia da
/ d e fin içã o de signo, nas cond ições requeridas p a ra que algu m a coisa
seja signo, e com o d is tin g u ir entre um signo e outros m anifestativos
que n ã o o são — caso d a im agem , da lu z qu e m anifesta as cores ou
do objecto que se m anifesta a si m esm o: é que o signo é sempre in fe rio r
ao que designa, p o rq u e n o caso de ser ig u a l o u su p erior d estru iría a
'essência d o signo. E p o r esta ra zã o que Deus não é sign o das criaturas,
em bora as represente, e um a ovelha n u n ca é signo de ou tra ovelha,
em bora possa ser sua im agem . Assim , as con d ições necessárias p a ra
qu e a lg o seja signo são a existência de u m a rela çã o p a ra o objecto.
i en qu a n to a lgo que é d istin to de si e m anifestável à p o tê n cia ; é a in d a
K,
necessário que o signo se revista da natureza do representativo; deverá
r
tam bém ser m ais con h ecid o que o objecto em rela çã o ao su jeito que
o apreende; e a in d a in fe rio r, m ais im perfeito, e distinto, qu e a coisa
que sign ifica .
O L iv ro II, ou Quaestio XXI, tra ta não já da n a tu reza d o sign o
mas das suas divisões. Temas fu n d a m en ta is dos seis a rtig os q u e
constituem a Quaestio são a adequabilidade da divisão d o sign o em
fo rm a l e instrum ental; se os conceitos, as espécies impressas e o p ró p rio
a cto de co n h e ce r p erten cem à ca tegoria dos signos fo rm a is ; se é

14 A experiência quotidiana também ensina q u e os animais p o d e m ser


influenciados p o r signos, «naturais — com o os gem idos, o b alido d a ovelha, o
canto da ave — com o consuetudinários, com o sucede, p o r exem plo, qu an d o o
cão, cham ado p elo nome, é m ovido p elo costume, em bora nào inteleccione a
im posição Para além disto, digo, vem os que um animal irracional, ao ver
uma coisa, tende para outra distinta, assim com o q u an d o a o perceber um odor
[de caça, por exem plo] prossegue alguma via (...] o u ouvindo o rugido d o leão
treme e foge, e seiscentas outras coisas nas quais não responde dentro dos
limites d o qu e percebe pelos sentidos exteriores, mas p elo q u e p ercebe dos
sentidos externos é conduzido para outro. O que, claramente, é utilizar um
signo, ou seja, a representação de uma coisa n ão só p o r si, mas p or outra coisa
distinta d e si» (João d e São Tomás, in Tratado dos Signos).

26
a p ro p ria d a a d ivisã o dos sign os em n a tu ra is, c o n v e n cio n a is e
consuetudinários; e se o signo con su etu d in ã rio é verdadeiram ente
um signo, o u pod e reduzir-se à ca tegoria dos convencionais.
Sobre a divisão dos signos, d a perspectiva d o cognoscente, em
fo rm a is e instrum entais, a questão qu e se coloca é a de saber se os
signos fo rm a is são verdadeiram ente signos, ou, p o r outras palavras,
de qu e m odo se revestem estes das condições necessárias a o signo,
nom eadam ente, co n d u z ir a p o tê n cia p a ra um referente e ser m ais
im perfeito que a coisa significada. A dificuldade, nestep on to, agud iza-
-se p o rq u e exige, sem dúvida, fin a s distinções, tais com o e x p lica r de
que fo rm a o signo fo rm a l, qu e é in te rio r ao cognoscente e a m a ioria
das vezes n ã o é sequer apreendido conscientem ente, é m eio con d u tor
p a ra o objecto. S. Tomás explica que o médium in quo d a cogn içã o,
ou seja, o objecto no qu a l ou tra coisa é vista, p od e ser ta n to um a
coisa m a teria l e x te rio r à p otên cia , com o algo fo rm a l e in trín seco à
p o tê n cia — caso da espécie expressa ou pa la vra m ental. D a í qu e o
sig n o fo r m a l deva verd a d eira m en te s e r sign o, em bora d ifira do
in stru m en ta l n o m odo de representar e sig n ifica r.
É evid en te, de resto, qu e os sign os fo rm a is d iferem dos in s­
trum entais, p o is n ã o se m ostram à m aneira de um ob jecto e x trín -
seco n o q u a l ou tra coisa é conhecida, mas com o cond uzem à cognição
de o u tro — e record e-se q u e o co n ce ito é d is tin to d o a c tc de
con h ecer — revestem-se todavia da «ra zã o de signo», a in d a que só
form a lm en te, p o is o signo fo rm a l n ã o existe nem estim ula a cogn içã o
fo r a da p otên cia . Sendo sim ultâneo o m ovim ento de apreensão do
objecto com a apreensão do conceito, o sujeito n ã o terá con sciên cia
de q u e se en con tra p era n te duas operações, e é p o r esta ra zã o qu e o
signo fo rm a l n ã o representa com o um objecto p rim e iro conhecid o
qu e co n d u z a outro, mas essas duas cogniçoes distintas, do p o n to de
vista de quem apreende, fu n d em -se num a s ó — é o q u e Joã o de São
Tomás q u e r d iz e r qu a n d o refera qu e o con h ecim en to p rop orcion a d o
p e lo signo fo rm a l «n ã o acrescenta n u m erica m en te ã cogn içã o*>15.

15 «E assim, quanto ao m od o d e conhecer, com maior propriedade se encontra


a razão d o signo no signo externo e instrumental, enquanto o acto de conduzir'
d e uma coisa para outra é mais manifestamente exercido qu an d o d u a s cognições
existem, uma d o signo, outra do objecto, q u e quan do existe apenas uma única
cognição, caso qu e sucede n o signo formal. [...] D onde, su cede q u e para salvar
a propriedade d o signo basta q u e este seja pré-conhecido, o que o signo formal
alcança não porq ue seja conhecido com o objecto, mas com o razão e forma pela
qual o objecto é tom ado conhecido n o interior da potência, e assim ê pré-
-conhecido formalmente, n ào denomina tivamente e com o coisa conhecida* (João
d e Sào Tomás, in Tratado dos Szgjios').

21
A questão seguinte é da m á xim a im portâ n cia . Prende-se com a
tentativa de a p u ra r se o con ceito ou espécie expressa ê, ou não, um
signo fo rm a l. A con clu sã o d o d om in ica n o é qu e a espécie expressa é,
p o r excelência, um signo fo rm a l. In stru m en ta l é evidente qu e n ã o
p o d e rá ser, p o is em nad a se assem elha a u m ob je cto p rim e iro
con h ecid o que co n d u z a ou tro; é, isso sim, term o da in telecçã o qu e
to m a a coisa conhecid a. A segunda conclusão de João de São Tomás
é que a espécie sensível expressa, nas p otên cia s sensíveis fu n cio n a ,
em rela çã o a essas potências, com o um signo fo rm a l, e isto q u e r tais
espécies sejam p rod u zid a s pelas potências, q u e r se devam a a lgum a
causa extrínseca, com o u m a n jo ou um d em ôn io .
D iferen te é o caso da espécie impressa — im agem das qualidades
sensíveis do objecto qu e fa z as suas vezes u n in d o-se à p o tê n cia p a ra
p ro d u z ir a co g n içã o — a qual, defenderá, n ã o é sign o fo rm a l.
A n ega çã o da q u a lid a d e de s ig n o fo r m a l à espécie im pressa é
defendida com base no seguinte argum ento: o signo é algum a coisa
conhecida, que tom a , através de si, um a ou tra coisa conhecid a. Posta
a questão nestes termos, resta apenas p ro v a r qu e a espécie impressa
n ã o se enquad ra nesta d efin içã o, p o rq u e é apenas um p rin c íp io p e lo
q u a l a p otên cia conhece — não é nem objecto, nem term o da cognição.
É que a espécie impressa não pod e representar ou m anifestar à p otên cia
— isso será fe ito p e la espécie expressa — p o rq u e representar supõe
a cogn içã o, e a espécie impressa con stitu i um m om ento a n te rio r:
é p rin c íp io da cogn içã o, con corren d o com outros p a ra a p ro d u z ir.
A questão d e saber se o a cto de con h ecer; ou seja, a p ró p ria
operação de in teleccion a r, qu e se distingue do objecto con h ecid o e
das espécies impressas e expressas, perten ce à ca tegoria dos signos
fo rm a is ocupa tam bém o d om in ica n o. A resposta é, m ais um a vez,
negativa: nenhum a cto de in telecçã o é signo fo rm a l. Ê que o sign o
deve ser representativo de outra coisa distinta de si, en qu a n to o a cto
de in te le ccio n a r é um a operação que tende p a ra o objecto, m as nada
representa.1 6

16 «Tais imagens o u ícones sâo signos formais, porque não conduzem a


potência nem lhe representam o objecto a partir de' um a oiitra cognição d e si
pré-existente, m as c o n d u ze m im ediatam ente p ara os p ró p rio s ob jectos
representados, p orq ue estas potências sensitivas n ão p od em reflectir sobre elas
próprias e sobre as formas expressas que têm. Logo, sem estas espécies expressas
sendo conhecidas pelas potências sensitivas, as coisas são tomadas imediatamente
representadas às potências; logo, esta representação é feita formalmente e não
instrumentalmente, nem de alguma cognição anterior da imagem o u ícone* (João
d e São Tomás, in Tratado dos Signos).

28
Um signo con su etu d in ã rio — aquele que sign ifica p o r um costum e
am iúd e repetido mas q u e não resulta de um a im posição p ú b lica —
sign ifica n a tu ra l ou con ven cion a lm en te? A esta questão João de São
Tom ás responderá qu e se o costum e é causa do sign o, então ta l
signo será con ven cion a l; mas se o costum e é efeito, expressa ape­
nas um tipo de uso, uso esse que co n s titu i a coisa com o signo, e
en tã o o fu n d a m e n to do s ig n o co n s u e tu d in ã rio será n a tu ra l.
O sign o con su etu d in ã rio tem, assim, capacidade p a ra u n ir em s i
estas duas ordens, a do c o n v e n c io n a l e a d o n a tu ra l, d epen ­
dendo da perspectiva em q u e f o r tom ad o: co m o efeito o u com o
causa 17.
N o L ivro I I I João de São Tomás dedica-se, em qu a tro questões, a
a cla ra r o estatuto das apercepções e conceitos. E o p rim e iro problem a
que o ocupa é o d e saber se as apercepções de um a coisa presente
(in tu itiv a ) e ausente (a b stra ctiva ) são distintas. A apercepçâo in tu itiva
exige a presença rea l e fís ic a da coisa apercebida, nã o apenas a
in ten cion a l, devendo o seu objecto encontrar-se extra videntem; assim,
a fo im a m ais com um e adequada de d is tin g u ir en tre a apercepçâo
in tu itiv a e a abstractiva é, precisam ente, a qu e considera o term o da
cogn içã o com o ausente ou presente.
O d o m in ica n o c o n c lu i depois que in tu itiv o e abstractivo origin a m
diferentes tipos de apercepçâo acidentalm ente, isto é, p o r o u tro e p o r
razão d a q u ilo ao q u a l estão ju n ta s » pois o con h ecim en to da visão ou
a percepçâ o in tu itiv a a crescen ta sobre a a p ercep çâ o sim ples ou
abstractiva algum a coisa que está fo r a da ordem da apercepçâo,
nom eadam ente a existência d a coisa. Logo, São Tom ás sente qu e as
razões da a p ercep çâ o in tu itiv a e da a bstra ctiva n ã o expressam
diferenças essenciais e intrínsecas, p o rq u e estas razões n ã o estão fo ra
da ord em d a apercepçâo, m as p e rte n ce m à p ró p ria ord em d o
cognosctvel. M as acrescentar algum a coisa que está fo r a do sujeito
q u e vê e fo ra da p ró p ria ordem da cogn içã o, é a crescen ta r algum a
coisa a cid e n ta l e extrínseca». D e resto, o in tu itiv o e o abstractivo não
consistem sim plesm ente na m era d en om in a çã o extrínseca, defende
João de São Tomás, m as são algum a coisa in trín s e ca à p ró p ria

17 «Nem é inconveniente que dois m odos d e significar convenham à mesma


coisa segundo formalidades distintas. D onde, quan do um m od o d e significar é
removido, ou outro permanece, e assim o m esmo signo nunca é natural e
convencional forma Imente, em bora materialmente seja o m esm o, isto é, a
significação natural e convencional convenham n o mesmo sujeito» (João d e São
Tomás, in Tratado dos Signos).

29
apercepção, d eform a que quando estas cogniçõespassam de intuitivas
a abstractivas dá-se nelas um a m od ificação real.
A questão seguinte trata de apu ra r se pod e existir nos sentidos
externos um conhecim ento in tu itivo de coisas fisica m en te ausentes,
ou seja, se pode ocorrer a í um a apercepção abstractiva. M uitos autores
acreditam que pa ra a apercepção in tu itiva apenas ê requerida a
presença objectiva da coisa, isto é, basta que a coisa seja conhecida,
não se exigind o a sua coexistência fís ica com o próprrio acto de a
con h ecer, d onde ê evid ente que, p a ra quem assum e tais p o s i­
ções, pod erá ocorrer um a apercepção in tu itiva da coisa fisica m en te
ausente. Esta não é a posição de João de São Tomás, p a ra quem a
resposta ã questão é, evidentemente, n e g a tiv a a apercepção in tu itiva
exige não só a presença objectiva (en qu a n to con h ecid a ) d o objecto,
mas tam bém a sua presença fís ica . P o r razões semelhantes, também
nos sentidos externos é im possível en con tra r apercepções de coisas
fisica m en te ausentes.
Saber se os conceitos reflexivos (aqueles pelos quais o hom em
conhece.que conhece — o seu objecto é o p ró p rio acto cogn itivo da
p o tê n cia ) e os conceitos directos (aqueles pelos quais se conhece algum
objecto, sem reflectir sobre o p ró p rio acto de con h ecer) se distinguem .
realm ente e, caso a resposta seja afirm ativa, q u a l é a causa da
diferença entre eles, ê o problem a que a seguir ocupa João de São
Tomás. O dom in ica n o defende que as potências intelectivas, mas não
as sensitivas, podem reflectir sobre elas próprias, pois com o o intelecto
d iz resjpeito universalm ente a todos os seres, tam bém dirá, forçosa -
mente, respeito a s i próprrio.
O p rim e iro objecto dos actos de inlelecção hum anos são as coisas
m ateriais extrínsecas, é isso que é p rim eira m en te con h ecid o p elo
homem, enquanto o p ró p rio acto de conhecer um sensível extrínseco
é apreendido secundariamente, sendo que *através do acto é conhecido
o prróprio intelecto do qu a l o próprrio acto de inteleccionar é a perfeição-.
Tal sucede porque, em bora os conceitos e a cogn içã o estejam presentes
em todo o m om ento na potência, contudo, essa ptresença, a que João
de São Tomás cham a f o r m a ln ã o basta p a ra que sejam conhecidos
directam enle, porqu e pa ra que pudessem ser conhecidos directam ente
precisariam de cu m p rir todas as condições de objecto da p otên cia e
essas, já o vimos, são ser algo m aterial e extrínseco, cond ição que o
con ceito e o acto de conhecer não preenchem . Assim, p a ra serem
conhecidos, exigem reflexão, que pode ocorrer p o r regressão quando
um objecto m aterial é conhecido, regressão essa que passa do conceito,
ao acto de conhecer, à espécie desse; conceito, até se a tin g ir a p róp ria
essência da alm a 18. Este processo de regressão, que pa rte da coisa
m aterial e pode, eventualm ente, a tin g ir a essência ou natureza da
alma, é, d iz o dom inicano, tom ado de S. Tomás de A qu in o, e é ele
que dá origem ao nom e de •con ceito reflexivo».
A d istin çã o entre con ceito u ltim ad o e não ultim ado pod e ser
encarada de dois pontos de vista. Em geral, diz-se u ltim ad o um
conceito que seja termo, isto é, a qu ilo em que cessa a cognição, onde
esta subsiste e se m antém , e não ultim ado o con ceito através do qu a l
a cognição tende pa ra um term o; adaptando um a perspectiva diversa
— a dos dialécticos — e designando exactam ente o mesmo objecto,
cbam a-se co n ce ito u ltim a d o ã quele que versa sobre as coisas
significadas (q u e são term o) e não ultim ado ao que se debruça sobre
as próprias expressões ou palavras significantes.
D e resto, a diferença entre ultim ado e não ultim ado é m eram ente
form a l, já que não nos encontram os perante um a distinção essencial
entre os dois conceitos, mas perante um a diferença a que João de São
Tomás cham a -pressupositiva-, um a vez que se tom a não da próp ria
natureza dos conceitos, mas dos objectos acerca dos quais versam,
que, esses sim, são distintos, sendo um a coisa presente in re e outro
as palavras destinadas a exprim i-la.
A té a qu i, as distinções são bastante simples. As d ificu ld a d es
com eçam a su rg ir quando se trata de apurar se um conceito não
ultim ado da voz, ou seja, uma expressão linguística, representa apenas
a p róp ria expressão, ou se representa tanto a expressão com o o seu
significado, significado esse que, temos de supô-lo, é distinto da própria
coisa sign ifica d a , caso em qu e estaríam os p e ra n te um co n ce ito
ultim ado.
Em p rin cíp io , d iz João de São Tomás, a significação terã, de algum
modo, de ser envolvida no con ceito não ultim ado, p orqu e *se a voz é
nuam ente considerada com o um certo som fe ito p o r um anim al, é
evidente que pertence a um conceito ultim ado, p o r deste modo ser
considerada com o sendo um tipo de coisa, isto é, do m odo com o a
Filosofia trata aquele som -. E este será o p on to de vista defendido pelo

18 «E assim os nossos conceitos, embora sejam inteligíveis segundo eles /


próprios, contudo nâo são inteligíveis segundo eles próprios a o m odo de uma 1
essência material, e, logo, não são primariamente e direccamente presentes C
objectivamente, excepto quando são recebidos ao modo de uma essência sensível,
m odo que, sem excepção, deve ser recebido de um objecto sensível. E porque
recebem isto, no interior da potência, a partir de um objecto sensível directamente
conhecido, são ditos serem conhecidos reflexivamente, e serem tom ados
inteligíveis pela inteligibilidade de um ente material- (João de São Tomás, in
Tratado dos Signos).

31
mestre lisbonense na derradeira questão do Tratado dos Signos, que
a significação está e é representada no conceito não ultim ado, em bora
o cognoscente não necessite de a tin g ir a con ven cion a lid a d e da
s ig n ifica çã o , a -rela çã o de im posição-, mas baste qu e lhe seja
representado que tal significação existe. É o que sucede n o caso de
um hom em ouvindo um a expressão cujo significado não compreende,
sabendo, todavia, que ta l significado existe.
A explanação da gn osiologia joa n in a , profundam ente enraizada
n a d ou trin a tom ista a este respeito, é fe ita p elo d om in ica n o nos livros
D e Anima do Curso Filosófico, e não difere em nada da posição que
se esperaria de um representante da Segunda Escolástica. Em termos
ontolõgicos, a opção de João de São Tomás é m arcadam ente rea­
lista: os seres existem e oferecem -se ao hom em pa ra que possam ser
pensados — é porqu e existem realm ente que podem ser in teleccio-
nados, fund and o-se a q u i a im portância de conceber relações reais
e independentes do cognoscente n o signo natural, pois um n om i-
nalista tudo red uziría a relações de razão.
Para os medievais, -nada há n o intelecto que não tenha estado
p rim eiro•nos sentidos-. D a í que o intelecto só possa conceber Deus e
a alm a conotativam ente com os sensíveis; ta l com o só pod e conhecer
a p róp ria actividade do intelecto através do con ceito reflexivo (qu e.
tem precisam ente a fu n çã o de a •con ota r com os sensíveis-). Com o o
hom em ê um a alm a estrita e essencialmente unida a um a realidade
m aterial, o seu corpo, só pode conhecer a essência das coisas rece­
bendo-a dos sensíveis e depurando-a, através de um processo de
abstracção, dos aspectos m ateriais do objecto. O instrum ento p a ra
co n h e ce r a n a tu reza das coisas sensíveis são as espécies, que
representam pa ra os sentidos o que hã de fo rm a l nos objectos. A espécie
é o objecto, só que despojado da sua m aterialidade física .
É através das espécies impressas e expressas, e p o r um processo de
progressiva abstracção, que o hom em acede ao m undo m aterial. Todo
o conhecim ento se in icia com a espécie impressa, que éproporcionad a
ou im p rim id a nos sentidos externos. O hom em recebe então nos
sentidos as espécies impressas, que representam o objecto despido das
suas condições m ateriais mas ainda claram ente individualizado. Estas
espécies serão trabalhadas pelo intelecto agente ou activo, um a das
faculdades da alm a, que as depura transform ando-as em espécies
expressas, isto é, prod u zin d o o conceito, que é signo form a l, através
do qu a l o homem conhece. A espécie expressa é depois trabalhada
p elo intelecto passivo, produzindo-se, da sua con ju n çã o ou apro­
pria çã o, o conhecim ento.
E a espécie impressa, que se oferece aos sentidos externos, que, ao
ser trabalhada pelo intelecto agente, se transform a em espécie expressa

32
ou conceito, este sim, já apto a ser recebido pelo sentido interno e
trabalhado pelo entendim ento. João de São Tomás já p rovou que tal
conceito é signo form a l, in te rio r ao cognoscente, porqu e é um m eio
que representa o objecto à p o tê n cia cogn itiva . Çpm o apenas e
exclusivam ente p o r in term éd io da espécie expressa o m u n d o é
proporcionad o ao homem, sem esta ele seria com o um a mónada sem
janelas, um organism o fu n cio n a n d o em absoluta clausura e in ca pa z
de constituir, rudim entar quefosse, qualquer imagem do m undo. P o r
isso podem os d izer que João de São Tomás id entifica toda a vida
m ental com processos semiôticos, ou, estendendo a m áxim a Escolãstica,
nada está no intelecto què não tenba estado p rim eiro nos sentidos e
não tenha sido subm etido a estruturas sem ióticas m ediadoras que
possibilitam a consciência e a m odelizaçâo do m undo.
São, portanto, os signos veículo ú n ico e fu n d a m en ta l de condução
do extram ental à alm a, e de a p ró p ria alm a se in teleccion a r a si
inteleccionando. A investigação sem iótica de João de São Tomás,
ou in q u iriçã o da natureza e essência dos signos, constitui-se com o
um program a perfeitam ente m oderno e com pleto, dando con ta em
sim ultâneo, e depois de estabelecer convenientem ente o estatuto
antológico dos signos, dos processos de com unicação, significação e
constituição de um a im agem do mundo. Para tal, João irá estudaras
relações entre os signos e os seus intérpretes (relações sim ultaneam ente
secundum dici e de ra zã o); entre os signos em g e ra l e o que estes
designam ( relações secundum esse); e ainda entre os próprios signos
entre si. Desta lógica das relações que elabora, u tiliza n d o p a ra o
efeito proposições prim itiva s ou signos isolados, se pod e p a rtir p a ra o
estudo da Lógica propriam ente dita, que se debruça sobre as linguagens
e os ra ciocín ios, com plexos sígnicos elaborados que obedecem ãs
mesmas regras que qu a lqu er veículo sígnico encarado isoladamente.
Em term os de concepção, o Tratado dos Signos destina-se a ex­
p lic ita r e desvelar, u tiliza n d o esta lógica das relações, a peculiaridade
dos fenôm enos perceptivos, a sua ligação com a estrutura antológica
do m undo, e a m aneira com o é possível tra d u zi-la e plasm á-la em
form a s expressivas palpáveis e, m ais im portante ainda, com unicáveis
a outrem . Nesta m aterialização do m undo objecttvo n o intersubjectivo
ra d ica a possibilid ad e de con stitu içã o d e todas as estruturas e
elementos trans-subjectivos qu e norm alm ente são identificados com
cultura. D e resto, é preciso não esquecer que este esquema sem iõtico
proposto pelo dom inicano perm ite transcender o d om ín io da percepção
a ctu a l através da indiferença ãpresença ou ausência do objecto, ou
seja, entre o in tu itivo e abstractivo, já que o prod uto destas duas
operações, a ind a que clistinguido em virtude do tip o de objecto, será
essencialmente o mesmo: conceitos que, num caso com o n o outro,

33
serão essencialmente idênticos. João de São Tomás explica que o signo
conserva integralmente a sua capacidade defu n cio n a r mesmo nestas
situações-lim ite, pois desaparecido o objecto, d iz, perm anece a
imposição, no caso dos signos convencionais, ou a conexão, no caso
dos signos naturais, «virtualm ente« ou fundam entalm ente».
A existência de um mundo objectivo, povoado de entes reais que
são autonom am ente — dependem não do homem mas de um acto
cria d or de Deus— e se relacionam independentemente das humanas
operações de apreensão, é assumida, ao longo de todo o Tratado dos
Signos, com o fa cto inquestionável. Para João de São Tomás, com o
bom tom ista, o m undo dos entes reais não oferece qu a lq u er
problem aticidade ontológica; existe, simplesmente, em virtude de um
acto cria d or de Deus; mas o homem só pode aceder-lhe através de
uma com plexa abstracção que se reduz, no ponto em que o mundo
penetra a alma, à mediação sígnica — omnia instrumenta quibus ad
cognoscendum et loquendum utimur. O m undo objectivo, aquele onde
pululam ens reale, só é acessível, pelo menos para o homem, com o
ens rationis, isto é, objectivamente, através de um a percepção mediada
p o r signos. Como tal mundo só é dado ao homem objectivamente
— através da cognição — , esta é impreterivelm ente mediada p o r
signos form ais-instrum entais, naturais, convencionais e consuetudi-
nários que delimitam, pelas suasform as próprias, a estrutura do que
é apercebido, num a ordem tendencialm ente ca pa z de o rig in a r
progresso — pela possibilidade de evolução da ordem da significa­
ção — , mas que, no seu esquema básico, é em termos humanos
incontom ãvel e inescapãvel.
Toda a arquitectura do Tractatus se orienta num a tentativa de,
perm anecendo fidelissim am ente discípulo de São Tomás, explicar e
fundam entar, através de um m ecanism o preciso e fu n cio n a l, a
totalidade dos processos de significação. João concede um estatuto
claro a estesfenôm enos, salvando o realismo e a cognoscibilidade dos
entes. O Tractatus é central a toda a Ars Logicae devido precisamente
a este seu papelfundador, pois trata de um tema an terior a todas as
restantes operações da lógica, que dele passarão a depender.

A n a b e ia G radim A lves
TRATADO DOS SIGNOS

João de São T omãs

TRACTATUS DE SIGNIS

IONNIS A SaNCTO THOMMA


P R E F A C IO

A o Leitor,

Parece-nos inütil para os amantes da brevidade difundir um prefácio


moroso, pois nas próprias palavras d o Espírito Santo isto é antecipadamente
condenado: «É estulto estender-se para lá d o devido no prefácio da história
e restringir a própria história.» Logo, para não entediar e onerar o leitor no
.próprio limiar que iniciamos., somente advirto acerca das coisas que o pro­
pósito d o nosso estudo colige, pois seguindo S. Tomás adoptamos um m étodo
breve e conciso a favor da força da lógica e da filosofia. Desta forma, nào
somente me parece por bem dele seguir a solidez e imitar a doutrina, mas
também emular a sua ordem, brevidade e modéstia.
Para que o s seus m étodo e ordem sejam seguidos, dividi a obra da
Lógica em duas partes. A primeira com preende as disputas dialécticas, que
são chamadas Súmulas, e versa sobre a lógica formal. A segunda é sobre os
predicáreis, categorias, e A n a lítico s Posteriores; e trata dos instrumentos
lógicos da parte da matéria e posterior resolução, com o abundantemente
mostraremos no início destes livros.
Para imitarmos a brevidade de S. Tomás, curamos de afastara floresta de
imensas questões inextricáveis e sofismas espinhosos, que nào são d e qual­
quer utilidade, oneram a mente dos ouvintes, e nào poucos prejuízos causaram
no passado. Quanto a estas dificuldades metafísicas e outras dos livros D a
A lm a. que o ardor das disputas levou a introduzir no início dos livros das
Súmulas, levei-as para local próprio, e desenvolvem os na Lógica, acerca do
D e In terp reta tion e, um tratado sobre os signos e as apercepções. O que
quer que eu tenha rem etido para a segunda parte da Lógica, da discussão
d o termo ou outro tema das Súmulas, no m esm o local também o anotamos.
Contudo, não pude evadir-me da discussão de todas as dificuldades, mas
tomei na primeira pane algumas das mais importantes e necessárias questões
q u e con du zem à com preensão, p o r estudantes e professores, das questões
lógicas. Cura portanto, leitor, para que, visto algum capítulo d o texto, aquelas
dificuldades correspondentes sejam inquiridas nas questões, pois assim todas
as dificuldades q u e ocorram p o d e rã o ser mais facilm ente p ercebidas e
ultrapassadas.
Finalmente, p ara reforçar a modéstia — u m a das mais gratas entre as
angélicas virtudes d o Santo D outor — sobre a brevidade adoptéi a política
d e m e abster d e citações prolixas e publicação d e nom es, referindo-nos,
favoravelm ente ou não, às posições dos vários autores, pois n ão publico
este trabalho para com bater o u prom over os partidários d e rivalidades, mas
para servir a inquirição da verdade, q u e diz respeito â doutrina e n ão a
pessoas. E isto faço para qu e os ouvintes m elhor disponham os, pois neles
a doutrina é mais facilmente instilada qu an d o é estudada não tanto em
termos d e discussões d e autores e autoridade, com o q u an d o é estudada
som ente em termos d e luta p ela verdade. Q u e possas alcançar mais d o que
multiplicado rendimento, humaníssimo leitor, atingindo isto, é o desejo desta
rica e afectuosa pena. Até breve.

Alcalá, Espanha, 1631.


P R Ó L O G O A T O D A A D IA L É C T IC A
EM D O IS PR E LÚ D IO S

PRIMEIRO PRELÚDIO

QUE PROPÕE O EXERCÍCIO E A PRÁTICA


DA DISPUTA DIALÉCTICA

N o próprio início da arte dialéctiea, a qual modestamente em ­


preendemos explicar, pareceu-nos melhor propor aos principiantes a
forma e os modos do próprio exercício e da prática da arte'dialéctiea,
que assim brevemente pode ser explicada.
Em qualquer disputa cure primeiro o arguente de estabelecer e
propor o argumento, totalmente reduzido à forma, isto ê, amputado
seja de palavras ambíguas seja de declarações longas, propondo su­
cinta e dístintamente um silogismo ou entimema. E o silogismo con­
tém três proposições, que são ditas maior, menor e conclusão ou
consequente, ligadas por uma marca de ilação, que é a partícula
•logo»; a própria conexão, contudo, é chamada ilação ou consequência.
O entimema contém duas proposições, das quais a primeira é chamada
antecedente e a segunda consequente, também d o mesmo modo
conexas. Por exemplo, querendo provar que a vida voluptuosa não
deve ser abraçada, form o assim o silogismo; «Tudo o que se opõe à
probidade da virtude não deve ser abraçado; a vida voluptuosa opõe-
-se à probidade da virtude, logo, não deve ser abraçada.» Ou, se
quero formar um entimema de antecedente e consequente, assim
formo; «A vida voluptuosa opõe-se à arduidade da virtude, logo, não
deve ser abraçada.»

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" Ouvida a formulação do argumento, o que defende a nenhuma
» outra coisa deve atender senão a íntegra e fielmente retomar o argu-
f) mento proposto. E entretanto, enquanto resume o argumento, deve
f‘ examinar cuidadosamente se alguma premissa é verdadeira, para
que seja concedida; ou falsa, para que seja negada; ou dúbia e equí­
voca, para que seja distinguida. D o mesmo modo, deve examinar­
ei -se se a consequência ou ilação é boa ou má. Resumido uma vez
o argumento, e nada àquele respondendo, em segundo lugar,
repete-o, e às proposições singulares responde nesta ordem. Se forem
três proposições, e a primeira lhe parecer ser verdadeira, diga:
«Concedo a maior.» Se lhe parecer ser falsa, diga: «Nego a maior.» Se
lhe parecer não ser pertinente à conclusão inferida, diga: «Passe a
maior»; embora esta forma deva ser usada com modéstia e parcimônia,
e a não ser que claramente esteja seguro de que a proposição não
é pertinente. Se lhe parecer que a maior é dúbia ou equívoca, diga:
«Distingo a maior», e acerca do termo no qual está o equívoco, faça
a distinção por palavras breves, e não confusas. Mas dada a distinção,
não deve logo explicá-la, a não ser que o oponente lho peça, ou não
tenha sido claramente exposta; então d e v e explicá-la o mais
brevemente possível. Em especial no início da disputa, não deve
consumir tempo explicando as distinções, mas nunca deve partir da
própria forma do seu argumento. Concedida a maior, ou explicada
sob distinção, d eve proceder para a menor, observando o mesmo
método ao negar, conceder ou distinguir, tal como dissemos da maior.
Então, chegando à conclusão, se é concedida, diga: «Concedo a con­
sequência»; se é negada diga: «Nego a consequência.» Contudo, se a
conclusão é distinguida, não diga: «Distingo a consequência», mas
«distingo o consequente». Com efeito, como a consequência consiste
na própria ilação, não numa asserção de verdade, pode ser boa ou
má a ilação, e assim pode ser concedida ou negada com o boa ou
má, mas não distinguida, porque a distinção cai sobre o equívoco ou
ambiguidade da proposição, enquanto tem diversos sentidos ao
significar a verdade, não sobre a própria conveniência da ilação.
Contudo, o próprio consequente é a proposição ilacionada, que pode
ser certa ou equívoca ou ambígua, donde quando é equívoca
distingue-se, e assim não se diz «distingo a consequência» mas «distingo
o consequente». Se contudo o consequente é negado ou concedido,
porque isto não pode ser feito sem conceder ou negar a própria
consequência, basta dizer «nego» ou «concedo» a consequência, não
o consequente.
Feita a distinção sobre alguma proposição, todas as vezes que
ocorra o mesmo equívoco deve ser aplicada a mesma distinção. Não
subdistinga o sentido de uma distinção uma vez concedida, a não
ser, evidentemente, que apareça outro equívoco que a primeira

40
distinção não possa suprimir. Deve negar sem receio tudo o que é
falso, e não permitir que passe, excepto se for certo tratar-se de má
consequência. Se o sentido da proposição não puder ser compreen­
dido, para que se discirna a verdade, falsidade ou equívoco, peça ao
arguente que explique o sentido dela, e então resuma-a.
Finalmente, cure de responder com poucas palavras e só ligar à
forma do argumento. Nem deve dar razões de tudo o que diz, a não
ser que lhe sejam pedidas, mas todo o ônus da prova compete ao
arguente; com efeito, assim a força do argumento toma-se mais
formalmente conhecida e liberta de embaraços.
À tarefa do argumentador pertence: Primeiro, não antepor várias
pressuposições, nem introduzir várias proposições médias, nem for­
mular proposições demasiado longas ou intrincadas, mas cingir-se su­
cintamente à forma, não utilizando várias interrogações, mas antes
apresentando provas, excepto quando a força do argumento é reenviada
para isto, para solicitar a razão do que foi dito, ou quando o estado da
disputa e o ponto da dificuldade ainda não está suficientemente claro.
Segundo, deve prosseguir sempre com o mesmo meio termo através das
suas causas e princípios, ou para deduzir o inconveniente, mas não
mudar para outro meio termo, nem repetir a prova uma v e z proposta,
seja com as mesmas, seja por outras palavras, porque ambas as coisas
são prolixas e entediantes. Finalmente, nem sem pre deve usar o
silogismo, mas de vez em quando o entimema, que procede mais breve
e concisamente, e manifesta menos a força da ilação oculta, pelo que
apresenta maior dificuldade ao que responde.
Por último, à tarefa d o patrono ou presidente que assiste ã disputa,
pertence: Primeiro: atentar e compreender todo o progresso do
argumento e da disputa. Segundo: providenciar para que a forma de
arguir e responder seja inteiramente observada. Terceiro: não assumir
ou preencher a tarefa do respondente, e, muito menos, do im-
pugnador, mas, prudentemente, quando vir a necessidade do
respondente. sugerir a negação, concessão, ou distinção da proposição.
Finalmente, deve fazer um breve juízo da disputa e clarificar os pontos
obscuros.

SEGUNDO PRELÚDIO

DIVISÃO DA ARTE DA LÓGICA, SUA ORDEM E NECESSIDADE

Em toda a arte, duas coisas devem ser principalmente consideradas,


nomeadamente a matéria, na qual a arte opera, e a forma, que em
tal matéria é aplicada. Por exemplo, ao fazer uma casa, a matéria são
as pedras e a madeira, mas a forma, contudo, é uma composição,
porque entre si madeira e pedras são coordenadas na figura e estrutura
da casa. O mestre não faz a matéria, mas pressupõe-na; contudo
introduz a forma, a qual porque propriamente é criada a partir da
arte, é também principalmente intentada por aquela, como sendo
produzida por ela. Mas a Lógica é ■um tipo de arte cuja função é
dirigir a razão, para que não erre no m odo de discorrer e conhecer»,
assim como a arte de edificar dirige o artífice para que não erre ao
fazer a casa. E assim a Lógica é dita arte racional, não só porque
existe na razão com o num sujeito, tal com o as outras artes, mas
também porque a matéria que dirige, são as próprias obras da razão.
E porque a razão para discorrer e para fazer o juízo procede
analiticamente, isto é, deduzindo os seus princípios e discernindo as
provas pelas quais é manifestada, da mesma forma a Lógica dirige a
razão para que não erre, mas para que correcta e propriamente
resolva. Daí que Aristóteles tenha chamado às partes da Lógica que
ensinam a forma certa de apresentar o juízo analíticas, isto é,
resolutórias, porque ensinam a forma de resolver correctamente e
evitar o erro. Contudo, feita a correcta resolução, esta tanto é devida
à forma como à certeza da matéria. A matéria são as coisas ou objectos
que desejamos conhecer correctamente. A fotma, contudo, é o próprio
modo ou disposição pelo qual são conectados os objectos conhecidos,
para que possam ser expressos e conhecidos, porque, sem a conexão,
nem verdade alguma é concebida, nem é feito o discurso ou ilação
de uma verdade para outra. E a resolução, do ponto d e vista da
forma, diz-se pertencer aos analíticos anteriores; da parte da matéria,
em termos de certeza e condições devidas, pertence aos analíticos
posteriores, porque a consideração de uma forma artificial é, em
qualquer arte, anterior â consideração da matéria.
Desta forma, resumimos as divisões da arte Lógica em duas partes:
na primeira tratamos de todas as coisas que pertencem à forma da
arte Lógica e à primeira resolução, das quais trata Aristóteles nos
livros D e Interpretatione e nos A nalíticos Anteriores, e que nas Súmulas
tratamos para os principiantes; na segunda parte tratamos do que
pertence à matéria Lógica ou ã resolução posterior, em especial na
demonstração, para a qual principalmente é ordenada a Lógica.
E nesta primeira parte deixamos um breve texto para os discípulos
primeiro estudarem, depois, para os mais experimentados, disputamos
as questões mais difíceis. Na segunda parte disputamos mais graves
e úteis questões, seguindo um sumário estabelecido a partir dos
textos de Porfírio e Aristóteles.
Ordem de tratam ento: como a Lógica determina o m odo correcto
de raciocinar e são três os actos de razão, nos quais de um se procede
para outro, como ensina S. Tomás no Com entários aos A n a líticos
Posteriores, I, lect. 1, não pode observar-se melhor ordem que a de
tratar a lógica com o distribuída por estas três operações. A primeira
operação do nosso intelecto é chamada apreensão simples, como
quando penso num homem, nada daquele afirmando ou negando.
A segunda é a composição ou divisão, a saber, com o quando conheço
a coisa, para que àquela alguma coisa atribua ou negue, com o quando
digo «homem branco», ou nego que o homem seja uma pedra.
A terceira operação é o discurso, com o quando de alguma verdade
conhecida infiro e colijo outra não presente nesse conhecimento,
por exem plo de determinada verdade «o homem é racional», infiro
que «logo é disciplinável». Portanto, primeiro apreendo os termos,
depois a partir daqueles componho a proposição, finalmente, a partir
das proposições, formo o discurso.
Assim, distribuímos esta p rim eira p a rte em três livros: o primeiro
sobre o que pertence à primeira operação do intelecto, onde tratamos
dos termos simples; o segundo sobre a segunda operação do intelecto,
onde tratamos da oração, da proposição e das suas propriedades; o
terceiro livro versa sobre a terceira operação, onde tratamos do m odo
de discorrer e de formar os silogismos e induções, e tudo o mais que
pertence à actividade de raciocinar.
Na segunda parte da Lógica tratamos do que pertence à matéria
de tais operações, principalmente enquanto ordenado paia formar
certos juízos derivados de verdades necessárias, o que é feito pela
demonstração. Contudo, as verdades necessárias dependem dos
predicados essenciais, que são coordenados nos predicamentos, sendo
estes tirados dos predicáveis, que exprimem os modos de predicar,
como mais detalhadamente explicaremos no início da segunda parte
da Lógica. Nem é inconveniente para os termos simples e para o que
pertence à primeira operação do intelecto ser tratado na Lógica
segunda vez, porque como nota S. Tomás no Comentário ao D e
Tnterpyetatione, I, lect. 1, os termos simples são tratados sob um
ponto de vista nas Categorias, enquanto significando simples essências;
sob outro no D e Interpretatione, enquanto são partes da enunciação;
e sob outro nos A n a líticos Anteriores, ou seja como constituindo a
ordem silogística 1.

1 Note-se que nesta parte do prólogo Joio de São Tomás está a fazer a
apresentação da totalidade do Cursas Poilosopiiicus Thomisticus e que, por isso,
as divisões de que fala, e mesmo a numeração dos livros, não correspondem
aos da presente tradução, ã excepção dos três artigos das Súmulas, todos os
capítulos do Tratado dos Signos estavam, no original, incluídos na segunda parte
da Lógica.

43
Finalmente, porque no discurso pode proceder-se de três formas
diferentes para formar o juízo, nomeadamente correctamente por
demonstração, topicamente por opinião, e erroneamente prelo sofisma,
assim Aristóteles, depois de tratar da demonstração e da ciência nos
A nalíticos Posteriores, trata da opinião nos Tópicos, e do silogismo
sofistico nos Elencos Sofisticos.
É extremamente necessária esta arte, tanto pela razão geral de
que todas as artes são necessárias para que o homem dirija as suas
operações correctamente e sem erro; como pela razão especial de
que a Lógica dirige a actividade da razão, da qual dependem todo
o discurso e todo o raciocínio, para que correcta e sem erro e
ordenadamente proceda — algo muito necessário para que o homem
faça uso da razão. Mas disto mais amplamente trataremos na questão
de abertura da segunda parte da Lógica.
PRIMEIRA PARTE
DA

ARTE DA LÓGICA
L ivros das Súmulas
A rtigo I

DEFINIÇÃO DO TERMO

A definição d o termo varia de acordo com o pensamento dos


autores, segundo consideram nele diferentes aspectos ou funções:
quer com o parte que com põe a oração, seja qual for o m odo com o
a integre; quer com o parte principal e apenas ao m odo de um extremo,
quer seja um extremo terminando a análise da proposição e do
silogismo, ou um extremo ao m odo do predicado e d o sujeito.
E de facto estas considerações são verdadeiras e todas têm o seu
lugar na discussão d o termo, mas é necessário ver qual explica de
forma mais conveniente a natureza do termo, tal com o diz respeito
à questão presente. Com efeito, com o a nossa m ente p roced e
analiticamente nas ciências, e sobretudo na Lógica, que é chamada
analítica por Aristóteles porque é resolutória, é necessário qu e seja
designável o último elemento ou termo desta resolução, para lá d o
qual a arte lógica não faz a resolução — assim com o também na
geração natural a matéria-prima é o último princípio da resolução;
de outro m odo, ou será processão ao infinito, ou não se fará uma
perfeita resolução. E porque o term o da resolução e o princípio da
com posição são o mesmo, aquilo que tenha sido o último elem ento
no qual os compostos lógicos se resolvem convenientemente, será
também chamado primeiro elemento, d o qual os outros se compõem.
Ten do isto em conta, dizemos na presente questão tratar do termo
tomado com o último elemento, n o qual é terminada toda a resolução
da composição lógica, e até mesmo das próprias proposição e oração,
porque convém com eçar deste termo com o d o principal e mais
simples. E ainda que Aristóteles nos A n a líticos A nteriores tenha de­
finido assim o termo: «aquilo em que é resolvida a proposição com o

49
i
no predicado e n o sujeito», todavia aí não definiu o term o em toda
a sua latitude, mas contraidamente, enquanto serve à construção e
com posição silogística, na qual o silogism o consta d e três termos,
enquanto são extrem os nas proposições e se revestem d o m o d o de
ser da parte silogística, isto é, são ilativos. Aliás, noutros lugares
tá con siderou Aristóteles o term o sob um asp ecto mais universal,
enquanto tam bém é com um ao n om e e ao verbo, e n ão sob o nom e
d e term o, mas sob o nom e d e d icçã o , enquanto o n om e e a palavra
co m p õ em a enunciação, não a inferência no silogism o.
D o n d e S. Tom ás n o D e In te rp re ta tio n e , I, lect. 8, e x p o n d o as
palavras d e Aristóteles: «o nom e, e p o r conseguinte o v e rb o serão
apenas uma dicção» diz «e isto vê-se d o m o d o d e falar, p orq u e o
próprio Aristóteles im pôs este nom e para significar as partes da
enunciação*. Dá-se então, segu ndo Aristóteles e S. Tom ás, alguma
n atu reza1 com um às partes da enunciação, a qu e o Filósofo chamou
dicção e nós chamamos termo, porqu e n ele próprio toda a resolução
é terminada, não só d o silogism o, mas também da enunciação, a
qual é com posta de dicções simples, e consequentem ente é resolvida
naquelas. E no m esm o lugar, lect. 5, d iz S. Tom ás qu e algumas vezes
o n om e é tom ado con form e significa em geral qualquer dicção, até
m esm o o próprio verbo. E n o in ício do O p ú scu lo 48, chama termos.

B --------------------------
1 Ratio, no original. É vastíssimo o âmbito de significações que ratio pode
assumir: «conta, cálculo, interesse, consideração, empenho, relação, comércio,
trato, situação, estado, modo, gênero, espécie, natureza, inteligência, juízo, bom
senso, prova, motivo, causa, argumento, explicação, opinião, sentimento...» são
apenas alguns dos sentidos mais correntes do termo em latim. Nalguns contextos
do Tratado dos Signos, quando tal pareceu perfeitamente adequado, optou-se
por traduzir ratio por natureza. Mas a verdade é que não existe em português
nenhum equivalente semântico de ratio. Em S. Tomás de Aquino e na Escolástica
de inspiração tomista subsequente ra tio é um termo técnico de âmbito
muito mais vasto do que aquele que o termo «razão» assume hoje para nós. Para
São Tomás, ratio tanto pode ser a faculdade de pensar como aquilo pelo que
a realidade é o que é. Neste último sentido, muito mais amplo que o termo
«razão» em português, ratio confunde-se com ideia, natureza, essência, e em
alguns subcontextos do Tratado dos Signos estes três termos são uma opção de
tradução adequada. Note-se porém que ratio é, além de princípio de
inteligibilidade, logos, razão imanente, essencial e substancial das coisas, que se
confunde mesmo com a sua essência: ela é a razão por que uma substância e
seus acidentes são aquilo que são. «On dira même qu’il y a une raison immaaente
en chaque chose, un logos, et c’est de son essence même, de son intelligibilité
propre qu’on veut parler», Nicolas, Marie-Joseph, 1984, «Vocabulaire de la Somme
Théologique-, in Somme Théologique, vol. i, Les Éditions du CERF, Paris, p. 115.
Por todas estas razões, optou-se no Tratado dos Signos por traduzir ratio quer
por «natureza», quer por «razão», Vocábulo que deverá, evidentemente, ser tomado
como termo técnico que é no contqxto da filosofia tomista.

50
às «partes da enunciação». Logo, dizem os qu e se d e v e partir desta
acepção geral de termo enquanto último elem ento d e toda a resolução
lógica, e qu e dele se d eve dar a definição. E assim define-se o termo
ou d icçã o n ã o som en te p e lo extrem o da p ro p o siçã o , ou p e lo
predicado e sujeito, mas p o r alguma coisa mais geral, ou seja «aquilo
a partir de qu e se elabora a proposição simples»; ou antes, imitando
Aristóteles, qu e definiu nom e, v erb o e oração co m o «palavras p ro ­
nunciadas» 2, porque são signos mais conhecidos d e nós, define-se
assim o termo: «palavra pronunciada convencional m ente significativa,
da qual se elabora a proposição simples ou o ra ç ã o »3. Mas para que
com preenda tam bém o term o mental e escrito, será d efin id o com o
«signo d o qual se elabora uma proposição simples».
Chama-se signo ou palavra significativa para excluir as palavras
não significativas, c o m o «blitiri» , assim c o m o as excluiu Aristóteles
d o nom e e d o verbo; e visto q u e tod o o term o é nom e, verb o ou
advérbio, se nenhum destes é um som não significativo, nenhum
som sem significado é termo, com o mais detalhadamente mostraremos
na questão acerca deste assunto. Diz-se convencionalm ente para
excluir os sons significativos naturalmente, c o m o o s gem idos. Diz-se
do qual se elabora a proposição simples para excluir a proposição
ou oração, a qual não é o prim eiro elem ento d e com posição, mas é
algo com p osto com o um todo, e se algumas vezes com põe, com p õe
não a proposição simples mas a hipotética.
Se p orém o term o fora da proposição é uma parte em acto quanto
à essência e caracter da parte, em bora não quanto ao exercício de
com por, disso falaremos posteriormente, na prim eira parte da Lógica,
q. 1, art. 3, «Acerca d o termo».

2 Vroces, no original.
3 Voxsignificativa aciplacitnm exqua stmple.x conficiturpropositio vel oratio,
no original.

51
i

;
i
*

Artigo U

DEFINIÇÃO E DIVISÃO DO SIGNO

Porque tanto o termo com o a oração e a proposição e restantes


instrumentos lógicos são definidos pela significação, e porque o in­
telecto conhece por conceitos significativos, que são expressos por-
sons significativos, e em geral todos os instrumentos que usamos
para conhecer e falar são signos; portanto, para que o lógico com
exactidão conheça os seus instrumentos, isto é, os termos e as orações,
é necessário que também conheça o que é o signo. Signo, então,
define-se em geral como «aquilo que representa à potência cognitiva
alguma coisa diferente de si*.
Para que esclareçamos melhor esta definição, importa considerar
que a cogniçâo tem quatro causas, a saber: eficiente, objectiva, formal
e instrumental. A causa eficiente é a própria potência, que elicia a
cogniçâo, com o a visão, a audição, o intelecto. A causa objectiva é
a coisa que move, ou para a qual tende a cogniçâo, com o quando
vejo a pedra ou o homem. A causa formal é o próprio conhecimento
pelo qual a potência é tornada cognoscente, com o a própria visão
da pedra ou d o homem. A causa instrumental é o meio, pelo
qual o objecto é representado à potência, com o a imagem ex­
terior de César representa César. O objecto é triplo, a saber: motivo
apenas, terminativo apenas, e motivo e terminativo simultaneamente.
O objecto apenas motivo é o que m ove a potência para formar
a ideia não dele próprio, mas de outra coisa, tal com o a imagem
do imperador, que move a potência para conhecer o imperador.
O objecto que é apenas terminativo é a coisa conhecida pela

52
apercepção 4 produzida por outro objecto, como, por exemplo, o
imperador ao ser conhecido pela imagem. O objecto simultanea­
mente terminativo e motivo é o que m ove a potência para formar
a cogniçâo dele próprio, como quando uma parede é vista em si
mesma.
Portanto, »fazer conhecer» é mais vasto do que «representar», e
«representar» é mais vasto d o que «significar». Na verdade, fazer
conhecer é dito acerca de tudo o que concorre para a cogniçâo, e
assim é dito de quatro modos, ou seja, eficientemente, objectivamente,
formalmente e instrumentalmente. Eficientemente, com o da própria
potência que elicia a cogniçâo e das causas concorrentes para esse
conhecimento, como Deus que move, o intelecto agente ou produtor
de espécies, o hábito adjuvante, etc. Objectivamente, como da própria
coisa que é conhecida. Por exemplo, se conheço o homem, o homem
como objecto faz-se conhecer a si próprio apresentando-se à potência.
Formalmente, como da própria apercepção, que, com o forma, toma
a potência cognoscente. Instrumentalmente, como do próprio meio
que traz o objecto ã potência, como a imagem d o imperador traz o
imperador para o intelecto ã maneira de um meio, e a este meio
chamamos instrumento. Representar diz-se de tudo aquilo por que
alguma coisa se faz presente à potência, e assim diz-se de três modos,
ou seja, objectivamente, formalmente, e instrumentalmente. Com efeito,
um objecto, como uma parede, representa-se a si objectivamente; a
apercepção representa-o formalmente; o vestígio instrumentalmente.
Significar diz-se daquilo por que alguma coisa distinta de si se faz
presente, e assim só é dito de dois modos, a saber, formaimente e
instrumentalmente.
Aqui nasce a dupla divisão do signo. D e facto, conforme o signo
se ordena à potência, divide-se em signo formal e instrumental; mas

4 Notitia, no original. Notitia é aquilo que é apercebido e fixado pela mente


na sequência de um acto cognitivo. Os tradutores americanos de João d e São
Tomás verteram-no, na edição de W ad e, por knowleclge, na de Deely, por
awareness, o que, tal como na opção aqui seguida, é um vocábulo ligeiramente
mais activo d o que o desejável. A língua mais apropriada para dar conta desta
expressão parece ser o francês, ondenotitia é, fiel e simplesmente, vertido por
1'aperçu. No caso da versão portuguesa d o texto, optou-se por dar conta de
notitia como apercepção, importando, todavia, clarificar q u è a palavra não pode
ser tomada nem no sentido de apercepção reflexiva, tal com o foi utilizada por
Leibniz, nem, puramente, n o sentido de «acto de se aperceber d e alguma coisa»,
porque notitia é mais passiva — é o acto de se aperceber, mas é também aquilo
que resulta na mente depois de dado o acto d o sujeito sé aperceber de algo —
1'aperçu.

53
i
enquanto se ordena ao objecto 5, divide-se, segundo a causa daquela
ordenação, em natural, convencional e consuetudináriõ. O signo
formal é a apercepçâo formal 6, a qual a partir de si própria, não
( mediante outro, representa. O signo instrumental é aquele que, a
^ partir da cognição preexistente de si, representa alguma coisa diferente
de si, com o o vestígio do boi representa o boi. E esta é a definição
que geralmente costuma ser dada acerca d o signo. O signo natural
é aquele que representa pela natureza da coisa, independentemente
d e qualquer imposição ou costume; e assim, representa o mesmo
junto de todos os homens, como o fumo representa o fogo. O signo
convencional é o que representa alguma coisa a partir da imposição
da vontade, por autoridade pública, com o a palavra “homem».
O signo consuetudinário é aquilo que só pelo uso representa, sem
imposição pública, assim como os guardanapos em cima da mesa
significam refeição. De todas estas coisas que dizem respeito à natureza
e divisão dos signos tratamos mais detalhadamente neste Tratado
dos Signos.

5 Signatum, no original. Com signatum João de São Tomás refere-se à própria


coisa absoluta, tomada em si mesma, que o signo referencia; fala-se então do
objecto, ou referente, para utilizar uma terminologia bem estabelecida nos nossos
dias. Em todas as ocasiões que signatum é utilizado, optou-se pois por vertê-
-lo como objecto. Mas uma segunda dificuldade se coloca; em latim existe o
verbo signo, que não possui perfeito equivalente em português. Optou-se em
tais casos pelo uso d o verbo assinalar, o qual, pese embora as diferenças
semânticas que a evolução da semiótica foi estabelecendo entre signo e sinal,
substantivos que correspondem a tais verbos, continua, em português, a ser o
mais aproximado d o signo original.
° jPormalis notitia, no original.

54
Artigo U I

ALGUMAS DIVISÕES DOS TERMOS

Um termo divide-se primeiramente em mental, vocal e escrito.


O termo mental é a apercepção ou conceito do qual se faz uma
proposição simples. O termo vocal foi definido acima, no artigo i.
O termo escrito é a escrita significando convencionalmente, da qual
se faz a proposição simples.
O termo mental, se atendermos às diversas espécies essenciais
dele, divide-se segundo os objectos, que diferenciam as espécies do
conhecimento. E assim não tratamos da divisão daqueles tipos
essenciais de termo na presente questão, mas apenas tratamos de
algumas condições gerais das apercepções ou conceitos, pelas quais
se distinguem os vários modos de conhecer. E nota que é a apercepção
simples que é dividida aqui, isto é, o conhecimento que pertence
apenas à primeira operação do intelecto; com efeito, tratamos da
divisão do termo mental, porém, o termo diz respeito ã primeira
operação. Donde nesta divisão dos conceitos não se inclui qualquer
apercepção pertencente ao discurso ou composição, pois nenhuma
destas é termo ou apreensão simples. E, semelhantemente, põe-se
de parte toda a apercepção prática, e toda a que exprime a ordem
para a vontade, porque a vontade não é movida pela apreensão
simples do termo, mas pela composição ou juízo de conveniência da
coisa, com o diremos no livro D e Anim a.
Portanto, a apercepção, que é a apreensão simples, ou o termo
mental, divide-se primeiramente em apercepção intuitiva e abstractiva.
Esta divisão não só abrange a apercepção intelectiva, mas também a
dos sentidos externos, que é sempre intuitiva, e dos sentidos internos,

55
que algumas vezes é intuitiva, e outras vezes abstractiva. A apercepçào
intuitiva é a apercepçào de uma coisa presente. E d igo d e uma coisa
presente, não apenas apresentada à própria potência; com efeito, ser
presente pertence à coisa em si própria, enquanto está fora da
potência, enquanto ser apresentada convém à coisa com o objecto
da própria potência, qu e é algo comum a toda a apercepçào.
A apercepçào abstractiva é a apercepçào de uma coisa ausente, e é
entendida de m odo oposto à intuitiva.
Segundo: d o ponto de vista d o conceito, divide-se a apercepçào
em conceito ultimado e não ultimado. O conceito ultimado é o
conceito d e uma coisa significada por um termo, com o a coisa que
é o homem é significada pela palavra «homem». O conceito não
ultimado, ou m eio, é o conceito d o próprio termo com o significante,
com o o conceito do termo «homem».
Terceiro: o conceito divide-se em directo e reflexo. E reflexo o
conceito p elo qual conhecem os que conhecemos, o qual tem, assim,
por objecto algum acto ou conceito ou potência n o interior d e nós.
É directo o conceito p e lo qual conhecem os algum objecto fora d o
nosso conceito, e sem reflectirmos sobre a nossa cognição, com o
quando é conhecida uma pedra ou um homem.
A segunda divisão do termo pertence mais própria e principalmente
ao termo vocal, dividindo-se assim o termo em unívoco e equívoco.
Diz-se termo unívoco aquele cujo significado significa o m esm o
conceito, com o a palavra «homem» significa todos os homens, o mesmo
sucedendo com o conceito de natureza humana. E entende-se no
mesmo conceito simplesmente, não apenas proporcionalmente. Diz-
-se term o equívoco aquele cujo significado não significa o mesmo,
mas vários conceitos, isto é, quando estes não coincidem de algum
m odo proporcionalmente, mas diferem, com o p o r exem plo a palavra
«canis», que significa simultaneamente animal e constelação. E por
este m otivo não se dá o equ ívoco no conceito último da mente,
com o diremos na Lógica, porque o conceito é uma semelhança natural,
e se é um, a representação daquele é una; mas se atinge muitos, isto
sucede enquanto coincidem em alguma razão una, que é própria do
unívoco. E assim esta divisão toca propriamente o termo vocal, no
qual se encontra o equívoco, is to é a unidade da vo z com pluralidade
de significações, porque a significação é convencional, não natural.
Veja-se também o que é dito no Tratado dos Signos acerca do segundo
argumento.
E recorda que Aristóteles definiu o equívoco no Antepredicamento
c o m o «aquelas palavras cujo nom e é com um , mas o con ceito
significado é diverso», porque aquela definição era dada acerca das
coisas significadas pelo nom e equívoco ou unívoco, que são ditos

56
equívocos equivocados, isto é, significados equívocos. Nós, porém,
definimos aqui os termos equivocamente ou univocamente signifi-
cantes, sendo ditos equívocos equivocantes, isto é, equivocamente
ou univocamente significantes.
Divide-se o equívoco em equívoco por acaso ou p or determinação.
O primeiro é simplesmente equ ívoco e convém-Ihe a definição dada.
O segundo é análogo, isto é, aquele que significa o s seus significados
com o sendo um só. segundo uma certa proporção, e não simples­
mente. tal com o «são» é dito d o animal e da erva. Disto tratamos na
Lógica.
Xa presente questão damos duas regras para a analogia. Primeira:
o análogo tomado por si próprio está p elo significado mais comum;
assim com o dizendo «homem», e nada acrescentando ao teim o que
o restrinja ou determine, vale por hom em vivo, não p o r uma pintura.
Segunda: na analogia ou equívocos semelhantes, os sujeitos são apenas
os que são permitidos ou restringidos pelos seus predicados, sendo
assim que. quando um nome significa várias coisas, é determinado
com o estando por alguma coisa segundo a exigência ou a restrição
do predicado, com o se dizes «o cão ladra», está para o cão, que é
animal, e não para constelação. Estas regras explicamo-las na Lógica.
A terceira divisão d o termo é em categorem ático e sincate-
goremático. com o se dissêramos em latim significativo ou predicativo
e consignificativo. Categoremático é aquilo que por si significa alguma
coisa. Onde a expressão -por si» é para juntar à expressão «alguma
coisa», isto é. significa alguma coisa, que é representada com o algo
por si. não com o advérbio ou modificação, mas com o uma certa
coisa, assim com o quando digo «homem». O termo sincategoremático
é aquele que de alguma maneira significa, c o m o os advérbios
«velozmente», «facilmente». E é dito de alguma maneira significar não
porque verdadeira e propriamente não signifique, mas porque o
significado dele não é representado com o coisa por si, mas como
m odo da coisa, isto é, exercendo modificação na coisa.

57
SEGUNDA PARTE
DA

ARTE DA LÓGICA
A o Leitor,

Com a ediçào deste livro cumpro a minha promessa de publicar a segunda


parte da Lógica, um acontecimento tom ado mais feliz p e lo seu vínculo ao
proveito dos leitores. Procurando o proveito dos que qu erem aprender, e
acham a disputa prolixa das questões entediante, julgo ter tratado o assunto
de tal forma qu e não presumo ter antecipado aqueles de mais rápida
percepção, mas para os espíritos mais lentos não levantei um nevoeiro.
Curo sempre de revelar com a brevidade possível o ponto d e vista a ser
mantido, com receio de que cansadamente nos agarremos a opiniões obscuras
que nào consideramos sãs, enquanto deixam os na ambiguidade o que pen­
samos ser importante. A m brósio aconselha bem nos Salm os quando diz que
«os assuntos tomam-se mais fáceis quando são explicados com brevidade».
Especialmente nestes cursos para principiantes, julgo que a intenção d o
escritor d eve ser mais revelar a facilidade d o assunto do que a erudição e
as múltiplas doutrinas do seu campo.
Cobrimos aqui, com o prometemos, as várias questões tradicionalmente
tratadas na primeira parte da Lógica, excepto, por boas razões, o Tratado
dos Signos, cheio d e tantas e tào extraordinárias dificuldades, e assim, para
libertar os textos introdutórios da presença destas dificuldades incomuns,
deádim os pubiicá-lo separadamente em lugar de um com entário ao D e ln -
terpretcitione, e junto com as questões dos A n a lítico s Posteriores-, e para um
uso mais conveniente separamos o Tratad o dos Signos da discussão das
Categorias.
O que resta discutir acerca da Filosofia Natural, para completar o curso
de Estudos em Artes, com prom etem o-nos a tratá-lo n o m esm o estilo e
maneira. Até breve.

61
AC E R C A D O S LIVROS D E IN T E R P R E T A T IO N E

Os livros Peribennenias são assim chamados com o se disséssemos


•Acerca da Interpretação-. Nestes trata Aristóteles principalmente da ora­
ção e da proposição. Pára isto, foi necessário primeiro tratar das suas
partes, que são o nome e o verbo. Depois, das suas propriedades, que
são oposição, equivalência, contingência, possibilidade, e outras seme­
lhantes. Destas coisas tratamos nos livros das Súmulas; efectivamente,
todas estas coisas se ordenam e pertencem aos A n a líticos Anteriores.
Mas porque todas estas coisas são tratadas nestes livros por meio
da interpretação e significação, e visto que o instrumento da lógica
é o signo, de que constam todos os seus instrumentos; por isso,
pareceu melhor agora, em vez da doutrina destes livros, apresentar
aquelas coisas destinadas a expor a natureza e divisão dos signos,
que nas Súmulas foram introduzidas, e para aqui, portanto, foram
reservadas. Agora, porém, neste lugar com toda a razão se introduzem,
depois do conhecimento havido acerca do ente da razão e categoria
da relação, dos quais principalmente depende esta inquirição sobre
a natureza e essência dos signos.
Para que o assunto mais clara e frutuosamente seja tratado, achei
por bem separadamente acerca disto fazer um tratado, em vez de
reduzir e incluir a questão na categoria da relação, para que a discussão
da relação não se tomasse redundante e enfadonha pela introdução
deste tema exterior: e também para que a consideração d o signo não
se tornasse mais confusa e breve.
Portanto, acerca da própria natureza1 dos signos, ocorrem duas
questões principais que devem ser discutidas. A p rim eira é acerca da

1 Ratio. no original.

63
natureza e divisão do signo em geral; a segunda é acerca da divisão
deste e de qualquer um em particular. E no primeiro livro do Tra­
tado, versaremos esta primeira questão; da segunda trataremos no
livro seguinte.
L iv r o Z er o

ACERCA D O ENTE DE R A Z Ã O E D A C ATE G O R IA


DE RELAÇÃO
O R D E M D O PR E Â M B U LO

C om o com eçam os a tratar d o objecto ou matéria da Lógica, importa,


pela própria ordem da doutrina, com eçar p e lo mais universal. E assim, ini­
ciamos a disputa p elo ente de razão, não enquanto precisamente se o p õ e
ao ente real e é comum a todos os entes d e razão, pois assim, com efeito,
pertence à metafísica, mas enquanto é comum apenas às segundas intenções,
que pertencem à Lógica.
Acerca disto ocorrem três considerações: P rim e iro , o que é este ente de
razão; Segundo, quantos há; Terceiro, por qu e causa é formado. Contudo,
antes destas considerações, para qu e se tenha, em geral, p elo menos algum
im perfeito con h ecim en to do ente d e razão, são exam inadas algumas
considerações acerca do próprio gênero do ente de razão.

67
C apítulo I

O QUE É EM GERAL UM ENTE DE RAZÃO E QUANTOS HÁ

O ente de razão, em toda a sua latitude, se atendermos à


significação do nome, exprime isto, o que depende de algum m odo
da razão. Contudo, pode depender ou como o efeito da causa, ou
como o objecto depende do cognoscente.
No primeiro modo, alguma coisa pode ser encontrada dependendo
da razão de duas formas: ou porque é da própria razão, que é sua
causa eficiente, assim como a obra de arte, a qual é inventada por
obra da razão; ou porque está na própria razão com o num sujeito e
causa material, assim como os actos e os hábitos estão no intelecto.
Mas cada um destes modos pertence ao ente real, porque o ente
assim dito tem existência real e verdadeira, embora dependente do
intelecto.
Mas o que depende do intelecto pelo segundo modo, ou seja,
como objecto, é chamado propriamente ente de razão, pertencendo
assim à questão presente, pois não tem nenhum ser fora da razão,
mas apenas é dito estar na própria razão objectivamente, opondo-
-se desta forma ao ente reaL. Que exista um ser neste sentido tem
sido negado por alguns, embora em geral seja afirmado pelo consenso
de filósofos e teólogos, visto que todos distinguem o ente real do
ente fictício ou de razão, porque aquele existe no mundo da natureza,
e este não tem existência nas coisas, mas apenas é conhecido e
construído. E até a própria experiência prova isto suficientemente,
visto vermo-nos muitas vezes a imaginar e conhecer coisas que são
de todo impossíveis, e tais são os entes construídos ou fictícios. São

69
um certo tipo de ente porque são conhecidos ao m odo do ente real,
mas fictícios porque não lhes corresponde nenhum ser verdadeiro
da parte da realidade.
Destas considerações pode extrair-se uma d efin içã o ou explicação
do ente de razão em geral, a saber, que é ■um ente que tem existência
objectivamente na razão, ao qual nenhum ser corresponde nas coisas».
Isto mesmo se retira de S. Tomás no livro A cerca do Ente e da Essência,
cap. i, e M etafísica, V, lect. 9, e Sum a Teológica, I, q. 16, art. 6, resp.
obj. 2, onde diz que o ente de razão é assim chamado porque embora
nas coisas nada ponha, e em si não seja ente, todavia é formado ou
recebido com o ente na razão. Este m odo de explicar é o mais
conveniente porque como o ente é dito a partir do acto de ser e por
ordem à existência, assim com o um ente real é definido pela ordem
para a existência, que possui verdadeiramente e nas coisas; assim, o
ente de razão, que se op õe àquele, deve ser explicado de m odo
oposto, ou seja, como aquele que não tem existência nas coisas e
tem existência objectivamente na cogniçâo.
Mas o que alguns dizem, isto é, que o ente de razão consiste na
denominação extrínseca, pela qual uma coisa é dita ser conhecida,
como Durandus no C om entário às Sentenças de Pedro lom ba rd o, I,
dist. 19, q. 5, n. 7, é duvidoso, em primeiro lugar porque entre os'
autores há grande controvérsia sobre se uma denominação extrínseca
é formalmente um ente de razão, como diremos. Depois, é falso,
universalmente falando, que o ente de razão enquanto tal consista
somente na denominação do conhecido. Com efeito, esta denominação
ou é forma constituindo o ente de razão, ou é o que recebe a formação
do ente de razão. A primeira hipótese não pode ser verdadeira,
porque esta denominação também pode cair sobre os entes reais,
que são denominados conhecidos; contudo não são formados por
esta denominação entes de razão, porque não são tornados fictícios
ou construídos. Se atentarmos na segunda hipótese, é verdade que
a denominação extrínseca é apreendida com o ente de razão, porém
não só a denominação extrínseca, mas também todas as outras que
não são entes, como as negações, privações, etc.
Se contudo inquirires o que é ter ser na cogniçâo, respondo que
isto depende do que diremos sucintamente sobre a causa do ente
razão e o acto pelo quai é formado. Entretanto, basta ouvir S. Tomás
nos Com entários à M etafísica de Aristóteles, IV, lect. 1, onde diz:
-Dizemos de alguma coisa que existe na razão, porque a razão
enquanto afirma ou nega alguma coisa dela, lida com ela quase
como se se tratasse de algum ente.» Isto não deve ser entendido
com o se o ente de razão só fosse formado por uma proposição que

70
nega ou afirma, mas porque a formação da proposição acerca do
objecto que não tem ser da parte da coisa, é signo, recebido pelo
intelecto com o se fosse um ente, porque a ele é aplicada a cópula
que significa «ser».
Assim, o próprio acto do intelecto que atinge o objecto como se
fosse um ente, embora este não exista fora do intelecto, tem dois
aspectos: não só enquanto é uma cogniçâo toma alguma coisa
conhecida, e assim no objecto só p õ e a denominação extrínseca do
conhecido; mas também torna o objecto conhecido ã semelhança do
ente, embora este na realidade não seja ente, e isto é dar existência
de razão à sua existência fictícia. E assim S. Tomás, no Opúsculo 42,
cap. i, diz que um ente de razão é produzido quando o intelecto se
esforça por apreender o que não existe, e assim representa o que
não existe com o se fosse um ente. E no Com entário às Sentenças de
Pedro Lom bardo, I, dist. 2, q. 1, art. 3, diz que o ente de razão é
consequência do m odo de inteleccionar as coisas que estão fora da
alma, e que as intenções que o nosso intelecto introduz são deste
tipo. Nessa passagem S. Tomás diz ser o mesmo para o ente de
razão «ser efeito-, «ser introduzido», «ser apreendido» e «ser conse­
quência» do m odo de inteleccionar. E assim, como diremos mais
adiante, o ente de razão não tem formalmente existência construída
ou objectiva por isto, porque é tomado conhecido como «o que» é
conhecido; com efeito, assim já é suposto ter ser ou alguma razão,
sobre a qual cai a denominação de conhecido. Mas aquele acto que
diz respeito ao não ente sob razão e ao modo do ente, é dito construir
ou formar o ente de razão, e não somente denominar. E nisto consiste
ter existência objectivamente no intelecto, isto é, do próprio m odo
de conhecer é construído apreensivamente como ente o que não
é ente.
Dizes: logo, todo o objecto concebido pelo intelecto de m odo
diferente da forma como existe no mundo é um ente de razão.
A consequente é falsa, pois conhecemos muitos entes reais, como
Deus e os anjos e outras coisas que não experienciamos, não como
são em si próprios, mas à semelhança de outros entes reais.
É negada pois a consequência porque tais entes são supostos
serem verdadeiros entes reais no mundo. Donde não é d o m odo de
conhecer que se atribui àqueles a razão do ente; mas porque não
são atingidos de m odo próprio e especialmente seu, são ditos serem
atingidos à semelhança de outro. Contudo, ser conhecido à semelhança
de outro não basta para que sejam denominados entes formados
absolutamente pelo intelecto na razão do ente, mas são denominados
conhecidos por meio d e uma natureza estranha, não por meio do
seu próprio ser, e então recebem no seu ser conhecido uma conotação
relativa àquilo que se refere ao m odo pelo qual são conhecidos.

71
Havida noção 1 do ente de razão em geral, resta também breve­
mente determinar quantos tipos de entes de razão há. Acerca de tal
divisão, que divide os entes de razão em toda a sua latitude, não é
tarefa do lógico tratar, já que este só se ocupa do ente de razão
lógico, um dos membros desta divisão. Contudo, para que seja
conhecido a que membro da divisão pertence o ente de razão lógico,
brevemente diremos que S. Tomás na q. 21 de D e Veritate, art. 1,
adequadamente divide o ente de razão, entendido na sua forma mais
geral, em dois membros, a saber, em negação e relação de razão.
Isto, diz, que é de razão, não pode ser senão duas coisas, isto é,
negação ou alguma relação; «com efeito, todo o uso absoluto de uma
palavra significa o existente nas coisas da natureza». Sob a negação,
contudo, também inclui a privação. Pois a privação é uma espécie
de negação ou carência de forma no sujeito apto a receber a forma
oposta, enquanto a negação é carência no sujeito que repugna a
uma forma, assim com o a negação da possibilidade de uma pedra
ver é negação, enquanto no homem é privação. A relação também
tem esta particularidade em virtude do seu conceito, o qual é ser
para outro, que é poder ser encontrada na apreensão isolada e não
nas coisas, quando é relação para algo que não existe no mundo,
com o S. Tomás mostra na Suma Teológica, I, q. 28 art. 1.
Nem todos admitem a suficiência desta divisão, porque julgam '
que o ente de razão deve prim eiro ser divid id o n o que tem
fundamento no real e no que não tem 1 2; e o primeiro é chamado
ente de razão raciocinado, o segundo ente de razão raciocinante.
Contudo somente o ente de razão raciocinado é, dizem, dividido em
negação e relação, enquanto o ente de razão raciocinante é encontrado
em todas as categorias. Veja-se Serna no C om entário ã Lógica de
Aristóteles, cüsp. 1, sect. 4, q. 2, art. 3; e Cabero, A cerca dos Universais,
disp. 1, dub. 3; e Merinero, disp. 3, q. 2.
Outros julgam que não pode dar-se nenhuma espécie determinada
de ente de razão, mas dizem que toda a oposição ou impossibilidade
ou contradição é uma espécie de ente de razão, porque todas as
coisas desse tipo são entes fictícios ou construídos. Assim pensa
Martínez, disp. 2, n o prólogo à q. 1.
Outros dividem outras espécies de ente de razão arbitrariamente,
mas não é necessário curar destas posições.
D eve contudo dizer-se que é óptima e adequada esta divisão do
ente de razão em negações e relações, e a que mais directamente
convém ao ente de razão em geral.

1 Notitia, no originai.
2 quocl habet Jundamentum in re et quod non habet, no original.

72
Com efeito, no ente de razão podemos considerar três coisas: a
primeira é o sujeito ao qual é atribuído; a segunda é a própria razão
que é concebida e atribuída ao outro; a terceira é aquilo a cuja
semelhança o ente de razão é apreendido e concebido.
Da parte do sujeito, ao qual o ente de razão é atribuído, por
vezes encontra-se o fundamento para que tal ou tal m odo lhe seja
atribuído, outras vezes não. E assim, a respeito disto tiramos aquela
distinção de ente de razão com fundamento ou sem fundamento na
realidade; pois esta distinção é aceite respectivamente ao sujeito ao
qual é atribuído tal ente de razão.
Similarmente, da parte daquele à semelhança do qual se concebe
o ente de razão, não repugna que se encontre por todas as categorias,
porque âs vezes pode ser construída e apreendida alguma coisa ã
semelhança da substância, com o a quimera ou uma montanha
dourada; às vezes, à semelhança da quantidade, com o o vácuo; outras
vezes, à semelhança da qualidade, como, por exemplo, se a morte
ou a cegueira forem concebidas como negritude ou uma espécie da
forma obscura.
Todavia se considerarmos o ente de razão d o ponto de vista da
coisa concebida ou do ponto de vista do que é cognoscível ao m odo
do ente real, embora no mundo não seja ente, o ente de razão é
âdequadamente dividido naqueles dois membros, isto é, na negação
e na relação como seus dois primeiros gêneros, sob os quais muitas
negações e relações se subdividem. E porque isto é o elemento
formal que é atingido no ente de razão, logo, esta divisão é directa
e formal, embora outras divisões também possam ser admitidas,
contudo baseadas nas condições para o ente de razão, não baseadas
directamente no ente de razão.
E porém adequada esta divisão porque, formalmente, a própria
essência 3 d o ente de razão consiste na oposição ao ente real, isto
é, que não seja capaz de existência. E isto que não é capaz de
existência, este ente de razão, ou é alguma coisa d e positivo, ou de
não positivo. Se não positivo, é negação, isto é, não pondo, mas
retirando a forma. Se é positivo, só pode ser relação, porque todo o
positivo absoluto 4, com o não é concebido relativamente a outro,
mas em si, ou é uma substância em si, ou um acidente no outro.

3 Fatio, no original.
4 Absoluto é aquilo que é considerado isoladamente em .si, e não relacionado
com outra coisa. E, pois, algo que não depende de nada extrínseco a si próprio
na sua constituição e especificação. Opondo-se ao absoluto estão os relativos,
entes que dependem de relações estabelecidas com outros para a sua constituição
ou especificação.

73
Portanto não pode algum positivo absoluto ser tomado com o ente
de razão, porque o próprio conceito de ser em si ou no outro importa
alguma realidade. Na verdade, a relação isolada, porque exprime
não só o conceito de -estar em-, mas também o conceito de -ser
para» — precisamente em razão do que a relação não exprime a
existência em si, mas o -atingimento» extrínseco do termo — não
repugna que seja concebida sem realidade, e, logo, como ente de
razão, concebendo aquele ente relacionai não com o num outro ou
com o em si, mas como para outro com negação da existência em
outro.
M as podes objectar duas coisas: P rim eiro, para provar que as
privações e as negações não são ditas serem entes de razão cor­
rectamente. Pois a privação e a negação exprimem a carência da
forma e denominam o sujeito carente à parte quaisquer considerações
do intelecto; logo, não são carências construídas pela mente nem
entes de razão.
É patente a consequente, porque o ente de razão depende da
cognição para que exista e confira o seu efeito formal; logo, se antes
da cognição a privação ou negação dá a sua denominação às coisas,
a negação não é um ente de razão. E o mesmo argumento é posto
a partir da denominação extrínseca, por exem plo ser visto ou ser
conhecido. E que à parte qualquer consideração d o intelecto, e
somente pelo facto de haver uma visão da parede no olho, a parede
é denominada vista; e semelhantemente antes de o ente de razão ser
produzido, a natureza pode ser denominada superior ou inferior,
predicado ou sujeito, etc. ...
E confirma-se porque a denominação extrínseca segue-se da forma
real existente em algum sujeito; logo é forma real. A consequente é
manifesta porque, assim como a denominação que se segue da forma
substancial é substancial, e a que se segue da forma acidental é
acidental, assim a denominação que se segue da forma real deve ser
real.
A resposta a isto é que a negação, como exprime a carência da
forma, é dada da parte do ente real negativamente, porque a própria
forma não está no re a l5. Contudo, não é por isto que é dito ente de
razão, mas porque, como na coisa não é ente, mas carência de
forma, é recebido pelo intelecto ao m odo d e um ente, e assim, antes
da consideração do intelecto denomina o sujeito carente. Mas esta
carência não é propriamente um efeito formal, nem retirar a forma
é alguma forma, mas a carência é recebida pelo intelecto à maneira
de um efeito formal, enquanto é recebida ao m odo da forma, e

5 In re, no original.
consequentemente ao m odo de um efeito formal; enquanto na coisa
aquela carência não é efeito formal mas ablação daquele efeito.
E semelhantemente dá-se uma denominação extrínseca da parte da
coisa real quanto à forma denominante. Mas porque a sua aplicação
à coisa denominada não está realmente na própria coisa denominada,
assim, conceber aquela forma como adjacente e aplicada à própria
coisa denominada é alguma coisa de razão. Mas ser predicado e
sujeito, superior e inferior, encontra-se antes da cognição do intelecto
apenas fundamentalmente, não formalmente sob o conceito da relação,
com o com mais pormenor diremos ao tratar dos Universais.
Para confirmação, responde-se que alguns defendem absolutamente
que a denominação extrínseca é alguma coisa de razão, como Vázquez
no seu Com entário à Suma Teológica, I, disp. 115, cap. 2, n. 2; e
I-II, disp. 95, cap. 10. Outros defendem absolutamente que é alguma
coisa real, contudo não por uma realidade intrínseca, a qual sem
alguma coisa acrescentada pela razão produz o seu efeito, mas antes
extrínseca. Assim pensa Suárez, na última das suas D isputas
Metafísicas, sect. 2, e outros. Mas parece mais verdadeiro que nesta
denominação concorram duas coisas, a saber, a própria forma como
natureza denominante, e a adjacência ou aplicação daquela ao
denominado como condição. E quanto à própria forma, é manifesto
ser alguma coisa de real, assim como a visão, pela qual a parede é
denominada vista, é uma forma real no olho; todavia a aplicação da
forma enquanto toca o sujeito denominado não é alguma coisa de
real, porque nada p õ e na própria parede. Tudo o que de não real
é apreendido, é alguma coisa de razão, e assim, da parte da aplicação,
uma denominação extrínseca é alguma coisa de razão na forma
denominada. O sujeito denominado extrinsecamente é, todavia, dito
ser denominado antes da operação do intelecto, não em razão do
que o intelecto pòe no sujeito denominado, mas em razão do que
o entendimento supõe para lá d o sujeito, porque nele próprio uma
denominação extrínseca é uma forma real, mas não existe realmente
naquilo que denomina. Donde, por razão da não existência é tomado
como ente de razão, contudo, em razão da pré-existência em outro,
a partir do qual diz respeito à coisa denominada, é dito denominar
antes da operação do intelecto.
E se for inquirido a que m embro desta divisão pertence a
denominação extrínseca, quando é concebida com o ente de razão,
responde-se pertencer à relação, porque não é concebida com o afec-
tando pelo acto de negar e retirar a forma, mas pelo acto de ordenar
e depender daquilo donde é extraída a denominação, ou naquilo
para que é imposta e destinada pela cognição.
Uma segunda objecção é dada para provar que esta divisão não
é adequada. Com efeito, a unidade de razão que é atribuída ao

75
universal pelo intelecto é alguma coisa de razão, e não é relação
nem negação. Não é relação porque a unidade é dita absolutamente,
não respectivamente a outro. Não é negação, tanto porque a unidade
exprime alguma coisa de positivo e não a pura negação, com o diz
S. Tomás na Sum a Teológica, I, q. 11, art. 1; com o porque, se fosse
negação, deveria ser concebida ao modo do ente de razão, e assim
não seria dita unidade de razão, isto é, negação de razão, mas ente
de razão absolutamente. E, de modo semelhante, a dualidade ou
distinção de razão não é uma negação, uma vez que antes retira a
negação da unidade; nem é uma relação, porque a relação é fundada
sobre a distinção ou dualidade dos termos distinguidos; logo, é alguma
coisa de outra espécie.
Isto é confirm ado no caso das coisas que são puramente
imaginadas, com o a quimera, o monte dourado, e outras semelhantes.
Estas, com efeito, não são negações nem relações, mas várias subs­
tâncias sintetizadas pelo intelecto a partir de partes que entre si são
opostas. E, semelhantemente, pode dar-se uma qualidade ou quan­
tidade de razão, por exemplo como se o vácuo fosse compreendido
ao m odo da quantidade, ou as trevas ao m odo da qualidade. Logo,
nem todos os entes de razão se reduzem a estes dois, negação e
relação.
Responde-se que alguns julgam que a unidade de razão apenas
é extraída da unidade do conceito, e que a distinção de razão é
tirada da pluralidade de conceitos, o que é certamente verdadeiro da
parte da causa eficiente ou causante do ente de razão. Mas no presente
não inquirimos disto, mas da causa objectiva ou fundamental. Donde
respondemos que a unidade de razão da parte do objecto pertence
formalmente à negação ou à privação, porque não é mais que o
isolar daquilo em que está o acordo 6 de muitos fazendo a diferença.
E para primeira impugnação respondo que segundo S. Tomás, na
passagem citada, a unidade materialmente e entitativamente é alguma
coisa de positivo, mas formalmente é negação da divisão. E para a
segunda impugnação respondo que não é contraditório que esta

6 Ccmvenientia, no original. O verbo convenire, em geral, podería ser traduzido


por convir a, adaptar-se, acomodar-se, pertencer, estar de acordo, apropriado,
adaptado, justificado... Em S. Tomás de Aquino, o termo assume um caracter
eminentemente técnico. Na teologia tomista, em sentido restrito, convenientia é
aquilo que convém a um ser, que é o seu bem, para o qual tende; e num
sentido mais abrangente, é o que, sem pertencer necessariamente a um ser, nem
ser requerido pelo seu telos, aperfeiçoa-o e pode coadjuvar na prossecução do
seu fim próprio. Sempre que convenlens, e non convenietis (ilógico, absurdo,
incoerente) não forem traduzidos literalmente, optou-se pelo vocábulo mais
apropriado ao contexto em apreço.

76
unidade de ra2 ão seja também ente de razão; uma vez que a própria
negação ou separação da pluralidade e diferença é recebida no
intelecto ao m odo de um ente. E para a questão acrescentada sobre
a dualidade ou distinção de razão, respondo que a distinção de
razão formalmente é uma relação d e razão, e é a própria relação dos
termos distinguidos, cuja distinção é um tipo de relação pelo próprio
facto de serem apenas distinguidos por m eio da razão, embora os
extremos distinguidos sejam eles próprios às vezes concebidos ao
modo das coisas absolutas, como, por exemplo, ao m odo de duas
substâncias. Mas esta relação de distinção é fundada não noutra dis­
tinção aceite formalmente, mas fundamentalmente, isto é, é fundada
numa pluralidade virtual que se obtém da parte do objecto enquanto
sujeito a uma pluralidade de conceitos.
Para confirmação responde-se que todas aquelas coisas imaginadas
são entes de razão, que são negação; não na verdade que existe e
é dada uma substância de razão ou quantidade de razão, porque não
é substância ou quantidade aquilo que é formado pela razão a partir
da semelhança com os entes reais, mas antes negações da substância
ou da quantidade concebidas à semelhança de uma substância ou
quantidade. Também não é dito ente de razão aquilo por cuja
semelhança alguma coisa é concebida, mas sim o que é concebido
à semelhança do ente, embora em si não seja ente. Sobre este assunto
veja-se mais pormenorizadamente adiante o capítulo A cerca da
Relação.
E disto segue-se que no universal metafísico, que expressa apenas
a natureza abstraída e concebida à maneira da unidade, com õ diremos
na questão seguinte, já é encontrada alguma coisa de razão, a saber,
o que em virtude da abstracção convém à natureza representada ou
conhecida, isto é, a unidade, ou aptidão, ou não repugnância para
estar em muitos. Com efeito, estas negações são alguma coisa de
razão, mas não são formalmente segundas intenções, que consistem
na relação fundada nas naturezas assim abstraídas. O universal assim
abstraído é dito metafísico, não lógico, porque nem todo o ente de
razão formalmente e directamente pertence à Lógica, mas à segunda
intenção, com o segundo S. Tomás mostramos n o artigo 3 da questão
precedente. Mas a segunda intenção é uma relação de razão, não
negação com o o é a unidade, e contudo convém à coisa abstraída
e una.

77
Capítulo XI

O QUE É A SEGUNDA INTENÇÃO, A RELAÇÃO


DE RAZÃO LÓGICA, E QUANTAS EXISTEM

A segunda intenção é o ente de razão, do qual propriamente trata


o lógico, enquanto tal relação considerada pelo lógico é trazida a'
partir da ordenação dos conceitos. E assim S. Tomás, no Livro IV dos
Comentários à Metafísica de Aristóteles, lect. 4, diz que «o ente de
razão é dito propriamente daquelas intenções que o intelecto introduz
nas coisas consideradas, tal como a intenção da forma, espécie e
outras semelhantes», e deste modo o ente de razão assim entendido
é propriamente o objecto da lógica.
Supomos aqui o que dos termos da primeira e segunda intenções
dissemos no primeiro livro das Súmulas. E, no presente capítulo,
■intenção» é tomada não como exprimindo um acto de vontade, que
diz respeito a um fim enquanto se distingue da escolha, mas como
representando um acto ou conceito do intelecto, que é dito ser uma
intenção de modo geral, porque tende para outro, ou seja, o objecto.
E assim como um conceito num modo é formal, no outro objectivo,
ou seja, é a própria cognição ou coisa conhecida, assim a intenção
formal é um modo, a objectiva outro. Diz-se intenção objectiva a
própria relação de razãò que é atribuída ã coisa conhecida; a intenção
formal é o próprio conceito pelo qual a intenção objectiva é formada.
Por exemplo, quando concebemos -animal» enquanto superior aos
seus inferiores, a própria universalidade que se tem da parte do
animal concebido é dita intenção objectiva ou passiva; mas o próprio
conceito pelo qual o animal assim é concebido é dito intenção formal.
E assim uma relação é a intenção formal, enquanto se distingue por

78
oposição da objectiva; mas a formalidade da segunda intenção, porque
se obtém da parte do objecto conhecido, é outra coisa; com efeito,
esta é sempre alguma coisa de razão, enquanto é algo resultando da
cognição; mas a intenção formal é um acto real.
Esta formalidade da segunda intenção é chamada «segunda
intenção» segundo a diferença de uma primeira intenção, quase como
se expressássemos um segundo estado ou condição do objecto. Pode
com efeito um objecto ser considerado em dois estados: Prim eiro,
segundo o que é em si, seja quanto à existência seja quanto à essência.
Segundo, tal como é na apreensão, e este estado de ser na cognição
é segundo a respeito do estado de ser em si, que ê primeiro, porque
assim como a cognoscibilidade se segue da entidade, assim, ser
conhecido é posterior àquele ser que o objecto tem em si. Logo,
aquelas afecções ou formalidades que convêm ã coisa segundo ela
própria são chamadas primeiras intenções; as que convêm à coisa
segundo o modo como é conhecida são chamadas segundas intenções.
Porque pertence à Lógica ordenar as coisas conforme existem na
apreensão, assim, por si, a lógica considera as segundas intenções,
que convêm às coisas enquanto conhecidas.
Do que se deduz, primeiro, que nem toda a relação de razão é
uma segunda M enção, mas toda a segunda intenção form alm ente
tomada, e não sófundam entalm ente, é relação de razão, e nãoform a
real nem relação extrínseca, com o alguns erradamente julgam .
A primeira parte da conclusão é manifesta porque embora toda a
relação de razão resulte da cognição, contudo nem toda esta relação
denomina a coisa apenas no estado de conhecida, que é um estado
segundo, mas algumas também denominam no estado da existência
fora da cognição, assim como a relação do Criador e do Senhor não
denomina Deus em si conhecido, mas Deus existente, e semelhante­
mente, ser professor ou ser juiz, pois o homem existente, não o
homem enquanto conhecido, é professor ou juiz, e assim aquelas
relações denominam um estado da existência.
Aqui distingue que, embora a cognição seja a causa da qual resulta
a relação de razão Co que é comum a todo o ente de razão), e assim
como a relação de razão convém e denomina algum sujeito, neces­
sariamente exige a cognição, contudo nem sempre toma o próprio
objecto apto e congruente para ser susceptível de tal denominação,
para que a denominação convenha àquele objecto apenas no ser
conhecido, pois isto só ocorre nas segundas intenções. E assim a
relação do Criador e do Senhor, do juiz e do professor, como de­
nominam o sujeito, requerem a cognição, que causa tal relação, mas
não tomam o sujeito no ser conhecido apto a receber aquela de­
nominação. !\"a verdade, a existência do gênero ou espécie não supõe

79
só a cognição que causa tais relações, mas também supõe a cognição
que dá o sujeito abstraído dos inferiores, e sobre a coisa assim abstraída
cai aquela denominação.
A segunda parte da conclusão é expressamente a posição de
S. Tomás no Opúsculo 42, cap. xn, onde diz que as segundas intenções
são propriedades que pertencem às coisas como resultado de que
estão e têm ser no intelecto; e em D e Potentia, q. 7, art. 9, diz que
«(as segundas intenções) seguem-se do m odo de inteleccionar»; e no
C om entário à M etafísica de Aristóteles, lect. 4, diz que as segundas
intenções convêm às coisas enquanto conhecidas pelo intelecto. Logo,
não são formas reais, mas de razão.
E é certo isto, tanto porque a natureza do gênero e da espécie e
restantes universais consiste na relação do superior para os inferiores,
que não podem ser relações reais, pois de outro m odo seria dado o
universal formalmente na ordem das coisas existentes; com o porque
estas intenções supõem por fundamento um ser conhecido, assim
como o gênero supõe a coisa sendo abstraída das inferiores e pertence
a essa coisa em razão da abstracção. Logo, a segunda intenção supõe
a denominação extrínseca da coisa conhecida e abstraída, mas não
é formalmente a denominação extrínseca ela própria, e muito menos
são as segundas intenções formas reais, de outro modo, com efeito,
descenderíam às próprias coisas singulares nas quais seriam
encontradas existindo realmente, e não apenas no que é abstraído
dos singulares. Mas o próprio acto do intelecto é um tipo de acto
real, contudo não é a própria segunda intenção objectiva da qual
agora tratamos, mas a intenção formal, da qual resulta esta segunda
intenção objectiva.
Em segundo lugar, segue-se que embora a primeira intenção
tomada absolutamente deva ser alguma coisa real ou conveniente a
alguma coisa em estado de realidade — de outro m odo não seria
simplesmente primeira, pois o que é real sempre precede e é anterior
ao que é de razão — contudo, tam bém não é con tra d itório que um a
segunda intenção seja fu n d a d a noutra, e assim a segunda intenção
fitn d a n te reveste-se quase da con d içã o de prim eira intenção a respeito
da outra fundada, não porqu e seja simplesmente prim eira, mas porque
é a n terior àquela que fu n d a .
Com efeito, com o ò intelecto é reflexivo acerca dos seus actos,
pode conhecer reflexivamente a própria segunda intenção e sobre
esta segunda intenção conhecida fundar uma outra segunda intenção;
assim como a intenção d o gênero atribuída ao animal, pode, enquanto
conhecida, novamente fundar a segunda intenção da espécie, sendo
a intenção do gênero um tipo de espécie predicável. E então esta
segunda intenção fundada denomina a segunda intenção fundante

80
como anterior, em razão do que se diz que o gênero formalmente é
gênero, e denominativamente é espécie. Ocorre com frequência nestas
segundas intenções, que uma segundo ela própria formalmente seja
de tal tipo, e enquanto denominativamente conhecida seja de outro
tipo. E contudo todas estas são ditas segundas intenções, embora
uma seja fundada sobre outra, e não são ditas terceiras ou quartas
intenções, porque todas pertencem ao objecto enquanto conhecido,
e ser conhecido é sempre um estado segundo da coisa. E porque
uma segunda intenção, enquanto funda outra se reveste quase da
condição de primeira a respeito daquela que funda, assim mesmo
aquela intenção que é fundada sempre é dita segunda.
Dizes: a segunda intenção diz respeito à primeira com o correlativo,
porque a segunda é dita por respeito à primeira, logo, a segunda
intenção não diz respeito à primeira como fundamento mas como
termo. Novamente: a segunda intenção é predicada do seu funda­
mento, como -o homem é uma espécie»; mas a segunda intenção
não é predicada da primeira, pois isto é falso: «A primeira intenção
é uma segunda intenção»; logo, a segunda intenção não é fundada
numa primeira intenção.
Responde-se para o primeiro argumento que a segunda intenção
não diz respeito à primeira como correlativo à maneira de um termo,
mas à maneira de um sujeito, e é atribuída à primeira intenção,
denominando-a ou fundando-se nela. E assim, em relação à primeira
intenção funciona como um sujeito, não como um termo; da mesma
forma que a relação se reporta ao absoluto com o sujeito ou
fundamento, não como correlativo m i excepto se este absoluto tiver
a natureza de um termo, e então será correlativo não com o sujeito,
como diremos na questão acerca da categoria de relação. E seme­
lhantemente o correlativo formal da segunda intenção sempre é alguma
segunda intenção, como o gênero para a espécie e vice-versa.
Para o segundo argumento diz-se que a segunda intenção é
predicada da primeira em concreto, assim como o branco é predicado
do homem, mas não em abstracto; e assim é verdadeiro que o homem
é uma espécie, e falso que a primeira intenção seja segunda intenção.
Pois também as segundas intenções podem ser significadas por um
nome abstracto, tanto em geral por este nome «segunda intenção-,
como em particular com este nome -universalidade-, -generalidade- e
semelhantes, que apenas implicam uma forma de razão em abstracto,
contudo não significam directamente o sujeito ou coisa na qual são
fundados, mas obliquamente; assim como a brancura em abstracto
implica indirectamente um corpo, porque é uma qualidade de um
corpo.

81
Se perguntas quantos tipos há de segunda intenção e de que
m odo se dividem, respondo que todas as relações são divididas em
razão do seu fundamento próximo ou razão fundante, com o diremos
ao tratar da categoria de relação. Donde semelhantemente a relação
de razão, que é formada à semelhança da relação real, é correctamente
dividida através dos seus fundamentos. Mas com o o fundamento da
segunda intenção é a coisa conhecida e enquanto sujeita ao estado
de apreensão, a divisão da segunda intenção tira-se de acordo com
as diversas ordens do conhecido, para cuja ordenação a segunda
intenção é formada. Donde, porque a primeira operação d o intelecto
é ordenada e dirigida de um modo, a segunda operação de outro, e
a terceira ainda de outro, então as segundas intenções podem ser
divididas de m odo diverso, de acordo com as diversas ordenações
destas operações, e em cada operação haverá diferentes intenções
segundo as diversas ordens de dirigibilidade.
Assim com o na primeira operação uma coisa é intenção do termo,
que é ordenado como parte da enunciação e do silogismo, ordem
essa sob a qual as diversas intenções de uma parte estão contidas,
por exemplo a razão do nome, a razão do verbo e de outros termos;
e outra é a intenção de universalidade ao m odo de um predicável
superior, que também é dividido em vários modos de universalidade,
com o o gênero, espécie etc., ao qual corresponde a intenção de
sujeitabilidade, tal com o é encontrada no individual e noutros
predicados inferiores.
Na segunda operação encontra-se a intenção da oração, a qual é
dividida através dos vários modos da oração perfeita e imperfeita.
Novamente a proposição, que é uma das orações perfeitas, é dividida
em afirmativa e negativa e outras divisões que explicamos no segundo
livro das Súmulas. E novamente a proposição funda outras segundas
intenções, que são propriedades da proposição, tal como a oposição
e a conversão, que pertencem a toda a proposição; e a suposição e
a ampliação, o predicado e o sujeito e outras semelhantes, que são
propriedades da parte da proposição, como foi explicado no mesmo
livro.
Finalmente na terceira operação está a intenção da consequência
ou da argumentação, que é dividida em indução e silogismo; e a
indução procede por ascensão dos singulares para os universais e
descensão dos universais para os singulares; o silogismo através de
vários modos e figuras, das quais já se falou no mesmo livro.

82
Capítulo 1
TI

POR QUE POTÊNCIA E ATRAVÉS DE QUE ACTOS É FEITO


O ENTE DE RAZÃO

Não há dúvida de que as potências pelas quais é feito o ente de


razão devem ser potências operantes imanentemente; pois as potências
que operam transitivamente, é manifesto que produzem alguma còisa
existente fora do intelecto. Mas, das potências imanentes, algumas
são cognitivas, outras apetitivas. E acerca das apetitivas, alguns disse­
ram que o ente de razão resulta da vontade, com o Escoto, contra
quem fala Caetano no seu Com entário ã Suma Teológica, q. 28,
art. 21. Note-se contudo que Escoto, no Com entário às Sentenças de
Pedro Lom bardo, III, dist. 26, q. 2, parece ter falado do ente de razão
não estritamente, mas enquanto este nome ■razão" compreende o
intelecto e a vontade. Alguns estendem esta capacidade de produzir
entes de razão a toda e qualquer potência, da qual resulta num
objecto uma denominação extrínseca, pois julgam que o ente de
razão consiste na denominação extrínseca 7, questão de que falamos
no artigo precedente. Acerca da potência cognitiva, contudo, pode
duvidar-se se ao menos os sentidos internos, com o a imaginação ou
a fantasia, não produzem entes de razão, porque os sentidos internos
constroem e imaginam muitas coisas que são entes inteiramente
construídos e fictícios.

7Denom inação extrínseca é o acto pelo qual se atribui um nome às coisas,


nome esse que só exprime relações com outros objectos, distinguindo-se da
denominação intrínseca, que é o acto pelo qual se atribui um nome às coisas
quando exprime propriedades intrínsecas de um objecto.

83
Quanto ao acto que forma o ente de razão, dois pontos podem
também ser dúbios: P rim eira se um ente de razão pode ser formado
por um acto absoluto, que é uma operação simples, ou se essa
produção requer um acto comparativo ou compositivo. Segunda se
o ente de razão requer, para existir, um acto reflexivo pelo qual haja
conhecimento acerca do próprio ente de razão com o formado de um
objecto conhecido; ou se, na verdade, basta um acto directo pelo
qual é conhecida alguma coisa que não é ente, mas que é apreendida
à maneira do ente real.
Acerca disto, digo em primeiro lugar: nem a vontade nem os sen­
tidos externos form a m entes de razão, pois nem em virtude de um
acto da vontade, nem em virtude de um acto dos sentidos externos os
entes de razão teriarn existência.
A conclusão é certa e é provada por uma única razão, porque
tanto a vontade com o os sentidos externos não formam o seu objecto,
mas supõem-no formado fora de si. Logo, não constroem alguma
coisa no interior de si, mas se apreendem um objecto fictício, supõem
que é construído e formado por outra potência.
A antecedente é patente na vontade, que supõe o objecto proposto
pela cognição, seja verdadeiro seja aparente; logo, a própria vontade
não faz o objecto, mas é conduzida ao objecto proposto. Mas os
sentidos externos são conduzidos para os objectos postos fora de si,
não no interior de si; e é evidente que o que quer que tenha ser e
existência fora da potência cognoscente não é ente de razão.
Nem obsta que os sentidos se enganem em muitos casos, e assim
conheçam apenas ficticiamente. Com efeito, os sentidos externos não
falham em si, mas diz-se serem enganados ocasionalmente, porque
oferecem ao intelecto ocasião para que se engane, assim como a
vista que vê o ouropel, não falha julgando que é ouro, pois este
juízo pertence ao intelecto. A vista apenas apreende aquela aparência
de cor dourada, na qual não há falsidade ou ficção.
Digo em segundo lugar: os sentidos internos, form alm ente falando,
não form a m entes de razão, embora m aterialmente possam representar
a qu ilo p o r cuja proxim id a d e algum ente fic tíc io é form a d o, o que é,
m aterialm ente, fo rm a r entes de razão.
Dizemos que os sentidos internos, «formalmente falando», não
formam entes de razão, isto é, não o fazem discernindo entre ente
de razão e ente real, e concebendo o que não é ente à semelhança
do ente real. Materialmente, contudo, conhecer o ente de razão é
atingir a própria aparência do ente real, mas não discernir entre o
que é de razão e o que é real. Por exemplo, a potência imaginativa
pode formar um monte dourado, e, semelhantemente, um animal
composto a partir da cabra, do leão e da serpente, que é uma quimera.

84
Mas nestas construções atinge apenas o que é sensível ou representável
aos sentidos. Contudo, o sentido interno não atinge o facto de terem
os objectos assim conhecidos uma condição relativa ao não ente, e
que desta condição relativa sejam ditos entes fictícios ou de razão,
o que será formalmente discernir entre ente e não ente.
A razão parece manifesta, porque o sentido interno não pode
referir-se a alguma coisa, excepto sob a razão do sensível; mas que
isto que lhe é representado a si como sensível se oponha ao ente
real não pertence ao sentido interno julgar, porque este não concebe
o ente sob a razão do ente. Que, contudo, alguma coisa seja recebida
enquanto ente construído ou fictício, formalmente consiste nisto, que
seja conhecido nada de entitativo ter nas coisas do mundo, e todavia
seja atingido à semelhança do ente; de outro modo, não se distingue
entre ente real e fictício, mas apenas é atingido aquilo à semelhança
do que é formado o ente de razão. Quando é alguma coisa sensível,
não repugna que seja conhecido pelo sentido, mas o sentido apenas
atinge o que é sensível num objecto, enquanto a condição relativa
ao não ente em cujo lugar o objecto é sub-rogado e donde
ficticiamente tem ser, não pertence ao sentido. E assim o sentido não
distingue o ente construído sob a razão fonnal d o ente fictício, de
um ente verdadeiro.
Mas que o sentido materialmente possa conhecer o ente construído
é manifesto. Não, na verdade, porque também o sentido externo
■pode conhecer uma cor fictícia ou aparência, porque esta cor, embora
seja a cor de um objecto apenas aparentemente, contudo não é um
ente fictício, mas verdadeiro e real, isto é, alguma coisa resultante da
luz. Mas que O sentido interno atinge entes de razão é provado pelo
facto de que compõe muitas coisas fora de si, que de nenhum m odo
existem ou podem existir. Logo, o sentido conhece alguma coisa que
é em si um ente construído ou fictício, embora não apreenda a
própria ficção, mas apenas o que, no ente fictício, se oferece como
sensível. Contudo a privação d o próprio objecto, com o as trevas,
não é percebida pelo sentido construindo-a à maneira do ente, mas
por não eliciar um acto de ver.
Digo em terceiro lugar: o intelecto necessita de algum acto com ­
p a ra tivo p a ra que fo rm e o ente de razão, e este seja d ito existir
form alm ente, e não apenas fundam entalm ente.
Esta conclusão é retirada de S. Tomás no comentário ao D e
Intetpretatione, I, lect. 10, onde diz que «o intelecto forma intenções
deste m odo [falava dos Universais], segundo compara estas com as
coisas que estão fora da alma». E no D e Potentia, q. 17, art. 11, diz
que as relações de razão que o intelecto encontra e atribui às coisas
inteleccionadas são uma coisa, outra bem diferente são as relações

85
mentais que resultam do m odo de inteieccionar, embora o intelecto
não tenha consciência daquele modo, o qual é consequência do
m odo de inteieccionar. E, às primeiras relações deste tipo, a razão
chega considerando a ordem do que está no intelecto para as coisas
que estão fora dele, ou também considerando a ordem das coisas
inteleccionadas mutuamente; mas as outras relações são consequência
de que o intelecto intelecciona uma coisa em ordem para outra. Por
isso, S. Tomás julga que todas as intenções de razão são formadas
por algum acto de comparação.
E a razão desta conclusão é que todo o ente de razão, ou é
relação ou alguma negação. Se é relação, deve ser apreendido com­
parativamente para o termo. Se é negação, deve ser concebido po­
sitivamente à semelhança do ente, que é concebido comparativamente
para outro. Se esta negação é concebida absolutamente, não é
concebida positivamente, porque em si nada há de positivo. Logo,
deve ser concebida ao m odo do ente, não só porque da parte do
princípio de conhecer deve ser concebida pela espécie real, mas
também porque da parte do termo conhecido, deve ser recebida à
semelhança do ente. E isto exige alguma apercepção comparativa,
assim como quando ao conceber Roma à semelhança de Toledo,
concebo Roma comparativamente e não absolutamente, pois conce­
bo-a conotativa e respectivamente a outro. Assim, quando concebo'
a negação à semelhança do ente, concebo-a não absolutamente, mas
respectiva e comparativamente. Contudo, a relação de razão, porque
de si é expressa positiva e não negativamente, exige uma cognição
comparativa noutra base, porque a relação é um tipo de comparação
para um termo, e novamente porque é concebida à semelhança da
relação real, embora em si seja expressa positivamente.
Pelo nome *acto comparativo», contudo, não só inteleccionamos
a comparação compositiva ou predicativa, que pertence à segunda
operação do intelecto, mas qualquer cognição que conceba o seu
objecto com uma conotação e ordem para outro, o que também
pode ocorrer fora da segunda operação do intelecto, com o quando
apreendemos a relação pela ordem para um termo.
O ente de razão pode também ser feito por comparação com­
positiva ou discursiva. Na verdade, porque o intelecto afirma existir
alguma coisa como a cegueira, Aristóteles, no Livro V da M etafísica,
e S. Tomás no seu comentário a esta obra, lect. 9, e em inúmeros
outros lugares, provam que a cegueira é um ente de razão. Por
aquela enunciação pela qual alguma coisa é afirmada do não ente,
o não ente é concebido positivamente, com o se fora ente, pela
conotação da forma verbal »é».
E disse, na conclusão, que o entendimento requer um acto
comparativo «para que o ente de razão seja dito existir formalmente
c nào apenas fundamentalmente». Com efeito, o fundamento da relação
dc razão nào requer esta comparação, como é patente quando uma
natureza é despojada das condições de individuação pela abstracção
simples, e contudo em tal caso não existe acto de comparação, mas
apenas uma precisão a partir do inferior. Mas então o universal não
é um universal lógico formalmente, mas um universal metafísico,
que é fundamento da intenção lógica, com o diremos na questão rv,
A cerca da causa do conceito universal 8.
Donde coliges que nas relações de razão é feita a denominação
ainda antes que a própria relação seja conhecida em acto pela
comparação, apenas por isto: que o fundamento é posto. Por exemplo,
uma natureza é denominada universal pelo próprio facto de que é
abstraída, mesmo antes de ser comparada em acto; e as letras no
livro fechado são signos, mesmo se a relação do signo, que é de
razão, não é considerada em acto; e Deus é denominado Senhor,
mesmo se a relação do Senhor não é considerada em acto, mas por
razão da potência denominativa. Nisto diferem as relações de razão
das relações reais, porque as reais não denominam, excepto se
existirem, assim como alguém não é dito pai a não ser que tenha em
acto relação para o filho; nem uma coisa é dita semelhante a outra
se não tiver semelhança com ela, embora possa ter fundamento.
A razão desta diferença é que nas relações de razão, ser actual consiste
em ser conhecido objectivamente, o que não provém do fundamento
-nem do termo, mas do intelecto. Donde muitas coisas podem ser
ditas de um sujeito por razão do fundamento, sem que daí resulte
uma relação, porque esta não se segue do próprio fundamento e
termo, mas da cognição. Mas nas relações reais, uma vez que a
relação naturalmente resulta do fundamento e do termo, nada convém
numa ordem para o termo em virtude do fundamento, excepto por
meio da relação. Inteleccionamos, contudo, que esta denominação
surge do fundamento próximo absolutamente falando, mas não de
todo e qualquer modo, porque não sob aquela formalidade pela
qual é denominado pela relação como conhecido e existente; com
efeito, Deus é denominado Senhor, mas não relacionado antes da
relação. Isto não ocorre nas relações reais, porque quando a relação
não existe, o seu fundamento de nenhum m odo denomina em ordem
para o termo.
Digo por último: a cognição form a n d o o ente de razão não é
reflexiva a respeito daquele ente enquanto coisa conhecida; mas aquela

8 Esta referência reporta-se a uma questão do Curso Filosófico que não está
incluída na presente tradução.

87
cognição directa que denom ina o p róp rio não ente real, ou ente que
não ê relativo realmente, conhecido à sem elhança do ente ou da
relação real, é d ita form a r, ou dela resultar, o ente de razão.
A razão disto é manifesta porque tal cognição que denomina o
próprio ente de razão como conhecido reflexivamente e enquanto
“Objecto que", supõe o ente de razão formado, uma vez que a cognição
é feita sobre o próprio ente de razão, enquanto sobre o termo
conhecido. Logo, tal cognição reflexiva não forma primeiro o próprio
ente de razão, mas supõe que este tenha sido formado, e com o que
examina o próprio ente de razão. Donde, da intenção assim re­
flexivamente conhecida não é feita a denominação no sujeito que
conhece, como quando um anjo ou Deus inteleccionam que o homem
forma silogismos ou proposições, não se diz por causa disso que
Deus silogiza ou enuncia proposições, e contudo intelecciona quase
como se em acto reflexivo e significado o próprio silogismo e a
própria proposição e intenções lógicas. E sucede o mesmo quando
alguém intelecciona estas intenções examinando a natureza delas;
pois então as próprias intenções examinadas não são formadas, mas
sobre elas outras são fundadas, enquanto são conhecidas no universal
ou por riieio da predicação, etc. E assim, diz S. Tomás, Opúsculo 42,
cap. m, que o ente de razão é produzido precísamente quando o
intelecto tenta apreender alguma coisa que não existe, e assim constrói'
aquele não ente como se fora um ente. E no Com entário às Sentenças
de Pedro Lom bardo, 1, dist. 2, q. 1, art. 3, diz que as intenções são
consequência -do m odo de inteleccionar as coisas que estão fora da
alma>. Logo, o que formalmente e essencialmente primeiro forma o
ente de razão não é a cognição reflexiva, pela qual precisamente o
ente de razão é denominado conhecido como sendo de razão, mas
a cognição pela qual o que não é (não existe), é denominado
conhecido à semelhança do que é (o ente real).

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Primeiro, argumenta-se: muitas outras potências para além do


intelecto versam acerca do não ente, atingindo e ordenando o não
ente à semelhança do ente real; logo, estas outras potências também
formarão entes de razão.
A antecedente é provada na vontade e no sentido interno. Pois a
vontade procura dirigir-se para um bem aparente que não é um bem
de facto; também ordena um bem para outro, com o m eio para um
fim, o que algumas vezes não é verdadeiramente m eio nem verda­
deiramente ordenado. Logo, compara um com outro, comparação
essa que não existe de facto, e isso é formar um ente de razão.

88
Semelhantemente o sentido, em especial o interno, compara um
objecto com outro, formando proposições e discursos acerca dos
singulares, e das diversas espécies de coisas forma o ente fictício,
assim como a partir do ouro e do monte forma o monte dourado,
como ensina S. Tomás na Suma Teológica, I, q. 12, art. 9, resp.
obj. 2. Logo, o sentido conhece o ente construído ou fictício.
E, geralmente, de todo o sentido, segue-se a denominação extrínseca
do conhecido, que é o ente de razão.
Responde-se: nego o antecedente. Para prova responde-se que a
vontade, como é trazida ao objecto conhecido e apreendido, não
conhece formalmente aquele objecto nem lhe dá ser através da razão,
mas apenas isto que resulta do acto do apetite é alguma denominação
extrínseca. que é ente de razão fundamentalmente; mas apenas quando
é conhecido em acto à semelhança da forma ou relação real, existe
em acto. Logo, a própria vontade não constrói o bem aparente, mas
supõe um objecto conhecido e que lhe é proposto, e assim não
forma o próprio objecto. Mas a ordenação do meio para um fim
também é proposta à vontade pelo intelecto, pois a própria vontade,
de facto, só pelo apetite ordena, não pelo conhecimento. Tal orde­
nação põe uma denominação extrínseca na coisa ordenadamente
desejada, mas não torna formalmente o ente de razão conhecido.
A o que é acrescentado acerca do sentido, responde-se que o
sentido interno assim compara um objecto com outro formando a
proposição e o discurso; que o sentido não conhece formalmente a
própria ordenação do predicado e do sujeito e do antecedente e do
consequente distinguindo uma relação construída de uma real.
E semelhantemente o sentido conhece o monte dourado quanto ao
que é sensível naquelas partes representadas do ouro e da montanha,
não quanto à razão da ficção ou construção enquanto se distingue
da realidade. O que é conhecer não formalmente aquilo que na
razão de ente é construído, mas conhecer materialmente aquilo à
semelhança de que é construído aquilo que em si não é. Contudo a
denominação extrínseca que se segue da cognição do sentido,
enquanto denominação extrínseca não é relação de razão formalmente,
mas fundamentaímente; então é relação de razão formalmente quando
é conhecida à semelhança da relação real.
Segundo, argumenta-se: a apreensão simples do intelecto também
não compara nem distingue a razão do ente construído da razão do
ente verdadeiro, porque de outro m odo não seria apreensão simples,
mas apreensão comparativa ou compositiva com outro. Logo, o
intelecto, quando procede à apreensão simples, não forma o ente de
razão, formalmente falando, assim como não o fazem os sentidos
internos.

89
E é confirmado porque a apreensão simples não é ficção nem
construída; com efeito, a construção está sujeita à falsidade, enquanto
a apreensão simples é sempre verdadeira, precisamente porque
representa a coisa como é em si ou como lhe é proposta. Logo, o
objecto da apreensão simples não é um ente construído, e conse­
quentemente também não é um ente de razão.
Responde-se que a apreensão simples não compara um objecto
com outro afirmando ou negando, mas na verdade compara
distinguindo um objecto do outro e atingindo a ordem de um para
o outro, assim como conhece as coisas que são relativas e atinge a
definição da coisa, a congruência dos termos e a distinção das
categorias. Donde ao discutir as categorias, segundo o Filósofo, está-
-se a tratar da apreensão simples, como diz S. Tomás no seu comen­
tário ao D e Interpretatione, I, lect. 1. A apreensão simples tem, com
efeito, suficiente comparação para formar o ente de razão. A o sentido
interno não negamos a formação do ente de razão a partir da ausência
da comparação, mas a partir da ausência de um conhecimento da
universalidade, porque o sentido não conhece as razões mais
universais distinguindo entre o ente verdadeiro e o construído, que
é algo que a apreensão simples faz; com efeito, a apreensão simples
distingue entre as coisas categoriais e as que não estão na categoria,
do ente real.
Para confirmação d igo que a apreensão simples não é uma
construção ao m odo da enunciação afirmando ou negando, no que
consiste a construção, que é engano ou falsidade; mas bem pode ser
construção ao m odo da formação, apreendendo alguma coisa que
não existe no mundo, ou uma coisa impossível, ao m odo do ente,
e discernindo a própria coisa impossível do ente verdadeiro e real.
Donde nem sempre a apreensão simples apreende a coisa com o é
em si, no sentido de nunca apreender uma coisa à semelhança de
outra, porque apreendemos muitas coisas não por conceitos próprios
mas por conceitos conotativos; mas a apreensão simples apreende a
coisa com o é em si, isto é, apreende-a sem a adição da composição,
razão pela qual se diz também que a apreensão simples não é falsa,
porque formalmente não julga nem enuncia, e é apenas nisto que
consiste a verdade ou falsidade formal. Mas a apreensão simples
pode bem apreender alguma coisa que não existe à semelhança do
que existe, sem que afirme ou negue.
Por último argumenta-se: o ente de razão pode existir sem o acto
comparativo, logo, também pode ser formado sem o acto comparativo.
A antecedente prova-se: em primeiro lugar, quando no próprio
exercício é formada alguma proposição ou silogismo, resulta uma
segunda intenção e a própria proposição é denominada «ser», e

90
contudo a relação não é então conhecida comparativamente para o
seu termo ou à semelhança da relação real. D o mesmo modo, quando
o próprio ente de razão é dito ser conhecido reflexivamente, tem
existência por este conhecimento, porque na verdade objectivamente
termina a cognição, o que é existir objectivamente. Nem existe alguma
razão pela qual uma natureza real concebida e conhecida em geral
seja dita existir objectivamente, mas que um ente de razão conhecido
em geral não seja dito existir objectivamente. Contudo, um ente de
razão é conhecido em geral quando reflexivam ente é tom ado
conhecido em acto significado. Por último, Aristóteles, no Livro V da
M etafísica, e S. Tomás no seu comentário a essa obra, lect. 9, dizem
que a cegueira e qualquer ente de razão é dito existir pelo factõ de
que a proposição pela qual dizemos: «a cegueira existe» é verdadeira.
Mas quando esta proposição é formada, a privação não é considerada
à semelhança do ente, nem é feito o acto comparativo, o acto de
cognitivamente comparar o ente com o não ente; logo, o ente de
razão existe formalmente sem tal acto.
Responde-se: nego a antecedente. Para primeira prova digo que
quando é formada a proposição, não existe ainda formalmente a
segunda intenção da proposição, mas fundamentalmente proxi-
mamente; assim com o quando a natureza universal é abstraída dos
singulares, não existe ainda uma intenção de universalidade, mas o
seu fundamento. Contudo, a proposição e o silogismo são denomina­
dos d o próprio facto de que são formados em exercício, assim como
alguma coisa é denominada universal metafísico p elo próprio facto
de ser abstraída. Pois, como dissemos acima, a denominação da
forma de razão também pode ser tida do próprio fundamento próximo,
antes que formalmente a forma de razão seja conhecida e exista.
Para segunda prova digo que o ente de razão, quando é conhecido
reflexivamente, existe objectivamente como denominado extrinse-
camente no ser daquilo que é conhecido, não com o formado pri­
meiramente. Mas terminar a cognição como se extrinsecamente e
enquanto aquilo sob o que cai a cognição, não é ser formado na
razão do ente, mas ser suposto formado, e assim pressuposto ser
denominado por uma cognição reflexiva, que é com o se fosse
segunda, não primeira, a respeito do ente de razão. Mas quando o
ente de razão é conhecido em geral, não é dito ser formado, porque
já é suposto formado; mas é formada a própria universalidade ou
comunidade sob a qual é conhecido. Todavia, a natureza real, quando
é conhecida no universal, não é aquilo que é formado, mas a sua
universalidade, que então primeiramente à semelhança da relação é
recebida, quando o objecto é conhecido relativamente aos inferiores.
Para última prova diz-se que quando é formada aquela proposição
«a cegueira existe», a proposição «a cegueira» é considerada com o
existente no próprio exercício de formar, e portanto à semelhança
d o ente real, e assim formalmente é um ente d e razão, e é en­
tão conhecido comparativamente tanto a respeito d o seu predicado
com o a respeito daquilo por cuja proximidade é concebido com o
existente.
C apítu lo IV

SE DA PARTE DAS COISAS REAIS SE DÃO RELAÇÕES


QUE SEJAM FORMAS INTRÍNSECAS

Falando da relação em toda a sua latitude, enquanto com preende


a relação transcendental e a categorial, a relação segundo o ser dito
e a relação segundo o ser 9, não encontro ninguém que absolutamente
negue toda a relação. Com efeito, nem os antigos filósofos negavam
as relações segundo o ser dito, com o consta do texto d o capítulo
«Sobre a Relação», das Categorias, em bora no m esm o capítulo
Aristóteles tenha estabelecido contra aqueles antigos a relação
categorial, que difere totalmente de um ente absoluto.
Falando portanto das relações neste sentido, enqu anto se
distinguem de toda a entidade absoluta, que só pertence às relações
segundo o ser, alguns julgaram que as relações nada mais são do

9 Secundam esse, e secundum dici, no orginal, e traduzido aqui p o r «relação


segundo o ser-, ou ontológica: e «relação segundo o ser dito», ou transcendental,
q u e c orresp o n d em à distinção elaborad a p e lo s m edievais secu n d u m res,
secundum verba. A relação ontológica, tal com o foi primeiramente formulada
por Aristóteles, é aquela na qual os relativos têm todo o seu ser para outro; a
sua essência é referir-se, ser relação a alguma oucra coisa — secundum esse
refere-se portanto não à existência das relações, mas a este seu m od o particular
de existir. Já a relação transcendental é a ordem para um termo exterior quan do
essa ordem está incluída numa realidade absoluta e concorre para a definir.
A realidade absoluta é então referida a um objecto exterior a ela própria, existente
o u não. Transcendental aplica-se aqui no sentido de que a relação perpassa e
pod e ser encontrada em diversas categorias d o ser, visto tratar-se da pura
gen eralidade q u e p o d e ser aplicada a uma vastíssima categoria d e entes.

93
que, ou a denominação extrínseca, ou alguma coisa de razão; visão
que é habitualmente atribuída aos nominalistas e aos que não
distinguem as relações reais de um fundamento. Mas estes últimos
falam, de longe, num sentido muito diverso, com o veremos mais
abaixo ao tratar desta dificuldade. Finalmente, alguns julgam que as
relações não convêm às coisas excepto segundo o ser objectivo, e
são apenas afecções intencionais pelas quais comparamos umas coisas
com outras. Donde constituem as relações não -respectivamente a*,
mas numa comparação; no mundo r e a l10, contudo, todas as relações
são segundo o ser dito, porque o relacionado nada mais é que uma
coisa absoluta, conhecida por comparação com outro. E querem que
esta seja a opinião de Aristóteles no capítulo «Sobre a Relação» das
Categorias, e Livro V da Metafísica, cap. 15. E outros citam S. Tomás,
na Sum a Teológica, III, q. 7, art. 2, resp. obj. 1, onde ensina que
alguma coisa é denominada relativa não só pelo que está nela, mas
também pelo que lhe é adjacente extrinsecamente.
Finalmente, com o iniciamos por este último ponto, de maneira
nenhuma p od e esta opinião ser atribuída ao Filósofo, com o é
manifesto no capítulo »Sobre a Relação», das Categorias, que rejeita
esta definição dos antigos, porque só definiram o relativo segundo
o ser dito, p elo que da sua definição se segue que também a
substância, e qualquer ente que seja expresso por dependência e
comparação para outro, é alguma coisa de relativo. Mas Aristóteles,
definindo o relativo, diz que: «são aquelas coisas cuja totalidade do
seu ser se orienta para outro». Todavia, na opinião dos que admitem
apenas as relações segundo o ser dito, a totalidade do ser do relativo
não se orienta para outro, uma vez que o ser que têm nas coisas
reais é absoluto; na verdade, só dizem «respeito a» porque são
conhecidos comparativamente em relação a outro. Logo, a tais relativos

Secundum dici trata-se então da forma com o as coisas, embora mantendo em


si, de alguma forma, uma certa realidade absoluta, podem ser definidas pela sua
referência a um termo exterior. É por esta razão que John Deely, um dos tradutores
americanos de João de São Tomás, recusa situar as relações segundo o ser dito
apenas no plano linguístico, preferindo, na sua tradução, dilatar a abrangência
do termo traduzindo-o por «relation according to lhe w ay being m ustbe expressed
in discourse- (itálico nosso). Defende, pois, que em oposição a situar o secundum
dici no plano meramente linguístico, o termo exprime, antes de mais, a realização
na ordem d o discurso de uma obrigação (must) imposta a essa ordem pela
própria realidade. Já Yves Simon et aí. optaram pela fórmula -according to
expression- e «acording to existence». Sendo secundum dici a forma com o os
seres são expressos depois de submetidos ao processo de semiose, optou-se
aqui p or traduzi-lo o mais literalmente possível, de acordo com os usos da
época, como -segundo o ser dito*.
10 Jn re, no original.

94
nào convém a definição de Aristóteles de que todo o seu ser se
orienta para outro. Donde frustradamente Aristóteles emendaria a
definição dos antigos se só admitisse as relações segundo o ser dito;
estas, com efeito, não as negavam os antigos, nem que são conhecidas
comparativamente em relação a outro. E isto bem notava Caetano,
no seu comentário a este capítulo «Sobre a Relação», que nesta
definição o Filósofo definiu a relação segundo a natureza que tem,
nào segundo o que é conhecido ou expresso, e assim diz «são para
alguma coisa» e não «são expressos em relação a alguma coisa»; mas
na definição dos antigos dizia-se «são expressos em relação a alguma
coisa». Logo, o Filósofo estabelece que as relações reais são distintas
das relações segundo o ser dito.
Da opinião de S. Tomás não podemos duvidar, pois publicamente
impugna os que dizem que a relação não é uma coisa da natureza,
mas alguma coisa de razão. Veja-se a Sum a Teológica, I, q. 13,
art. 7; q. 28, art. 2, e q. 39, arts. 1 e 2; e também a Suma contra os
Gentios, II, cap. 12 e q. 7; e D e Potentia, arts. 8 e 9, e q. 8 art. 2, e
em mil outros locais, mas principalmente nestes, claramente afirma
que a relação é algum a coisa de real e um acidente inerente.
O fundamento disto é que as relações segundo o ser dito têm um
ser absoluto e não são totalmente para outro; enquanto âs relações
de razão não existem excepto no intelecto que apreende, a partir do
qual têm ser objectivamente; mas, à parte qualquer consideração do
intelecto, também se encontram na realidade algumas coisas que
não têm outro ser que o ser para outro. Logo, podem ser encontradas
relações reais que não são segundo o ser dito, e assim podem constituir
uma categoria à parte da categoria das coisas absolutas.
A antecedente prova-se porque, à parte a consideração do intelecto,
encontram-se na realidade algumas coisas às quais nenhum ser
absoluto ou independente de qualquer relação pode ser atribuído.
Pois, por exemplo, encontra-se a ordem no exército ou no universo
ordenado; encontram-se a semelhança, a dependência, a paternidade
e outras coisas semelhantes que nenhum ser absoluto pode explicar,
e todo o ser delas se orienta para outro. O signo disto é que, quando
o termo da relação se torna não existente, a semelhança ou a
paternidade desaparecem. Mas se o ser destas coisas fosse alguma
coisa absoluta, não desaparecería apenas por causa do
desaparecimento do termo. Ora negar que estas coisas se dão nas
coisas reais quando nenhum intelecto as forma e constrói, é negar o
que até o mais rústico dos homens reconhece na natureza.
Esta razão é muitas vezes usada por S. Tomás, e indica outra no
Com entário às Sentenças de Annibaldo, I, dist. 26, q. 2, art. 1, retirada
da crença na existência de relações divinas, que, enquanto se

95
distinguem entre si, se dão realmente da parte da realidade; de outro
modo, as pessoas relativas não se distinguiriam realmente, â parte do
intelecto que as considera, o que seria herético. Todavia as relações
divinas não são distinguidas, a não ser enquanto são puras relações
segundo o ser. Se, com efeito, de outro m odo que na pura relação
fossem distinguidas, havería não apenas coisas relativas divididas em
Deus, mas também coisas absolutas, o que é absurdo. Logo, existem
em Deus relações reais, embora pela suma simplicidade divina sejam
identificadas com a substância. Porque repugna então ao que é criado
que se dêem tais relações reais, relações que não são substância
nem infinitas?
Finalmente, de que m odo o intelecto forma puros actos relativos,
se nada mais tem que coisas absolutas ou relações segundo o ser
dito, à semelhança das quais as forma? Relações formadas pelo
intelecto serão então meras construções, porque não têm no real
puras e verdadeiras relações, à semelhança das quais sejam formadas.
Nem pode ser dito que estas relações se dão nas coisas reais, mas
ao m odo da denominação extrínseca, não da forma intrínseca. Pois
contra isto está o facto de que toda a denominação extrínseca provém
de alguma forma real existente em outro sujeito, assim com o ser
visto ou conhecido provém da cognição existente no sujeito
cognoscente. Logo, se a relação é denominação extrínseca, provém
de alguma forma existente em outro sujeito. Logo, aquela forma em
si é ou relação, ou entidade absoluta. Se é relação, já é dada uma
forma relativa intrínseca, pelo que, do mesmo m odo que é dada
naquele sujeito, também podería ser dada noutro. Mas se é uma
forma absoluta, e contudo extrínsecamente informando, de que modo
pode provir daquela a denominação relativa? D e facto, a forma
absoluta não é emanada do efeito formal relativo, nem intrínseca
nem extrínsecamente; assim como ser visto não é a denominação de
uma relação na parede, mas de terminação; e embora seja concebida
por nós ao m odo dé uma relação, de facto nas coisas não é relação.
Finalmente, os que sustentam tal opinião acham duríssimo explicar
isto: de que m odo há três pessoas relativas na processão divina,
constituídas e distintas na realidade, se as relações são denominações
extrínsecas; e de que forma absoluta tais denominações provêm. Se,
contudo, em Deus, as relações não são denominações extrínsecas,
mas formas intrínsecas, embora substanciais e identificadas com a
divina substância, porque diremos que tal gênero de ente relativo,
embora não identificado com a substância, é impossível nas criaturas?
Pelo contrário, as coisas criadas têm mais o fundamento de tal relação,
porque são mais dependentes e ordenadas ou subordinadas para
outro do que Deus. ,

96
RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Objectas primeiro: a relação nada de real põe no sujeito, para


além da denominação extrínseca de extremos coexistentes. Pois não
é evidente como este modo, que é chamado relação, distinguindo-
-se das restantes formas absolutas, sobrevêm a uma coisa sem uma
mutação intrínseca dela própria, se a relação é o seu modo intrínseco;
nem é evidente de que m odo a relação seria causada novamente
apenas pelo estabelecimento do termo a qualquer distância; como
se, por exemplo, alguma coisa branca fosse produzida na índia,
estando eu em Espanha, essa relação de semelhança resulta de tal
termo distante, nem é produzida agora pelo agente que produziu a
brancura aqui em Espanha, porque tal agente, muitas vezes, já
deixou de existir na altura em que a relação resulta, logo, não pode
então agir.
Segundo, porque se vê aumentar ao infinito a multiplicidade de
relações no mesmo sujeito, para todas as coisas que lhe são
semelhantes, iguais, agentes, pacientes, etc. E, especialmente, porque
também uma relação pode fundar outras, pois duas relações não são
menos semelhantes do que duas coisas absolutas, e assim cresce ao
infinito o número de relações.
Finalmente, porque não se vê a necessidade de multiplicar estas
entidades relativas, distinguindo-as das absolutas. Pois pelo próprio
facto de que duas coisas brancas são postas, serão semelhantes sem
que seja necessário estabelecer outra entidade ou modo; e, pelo
próprio facto de que alguém gera, será pai, sem a adição de outra
entidade. Logo, como nenhuma experiência é dada destas relações,
e o outro discurso a favor da sua existência é suficientemente salvado
pela posição de dois extremos, não se vê sólido fundamento de
prova para que estas relações sejam formas intrínsecas. Donde S. T o ­
más diz, na Suma a Toda a Lógica de Aristóteles, cap. m, que a rela­
ção não difere do fundamento, excepto por razão de um termo
extrínseco. E na passagem da Suma Teológica acima citada, I-II,
q. 7, art. 2, resp. obj. 1, ensina que uma coisa é denominada relativa
não apenas pelo que está nela, mas também pelo que lhe advém
extrínsecamente.
À primeira objecção, responde-se que a relação se dá no sujeito
sem nenhuma mutação que seja directa e imediatamente terminada
à relação, mas não sem uma mutação que mediata e indirectamente
seja terminada para aquela relação. Assim, tal com o a risibilidade
resulta da mesma acção pela qual o homem é produzido, assim, da
produção de uma coisa branca, é produzida a semelhança com outra
coisa branca já existente. Mas se a outra coisa branca não existisse,

j
97
por virtude da geração da primeira coisa branca, essa semelhança e
qualquer outra relação que resultaria de estabelecer os seus termos
permanecería num estado virtual. Donde a distância nem induz nem
obsta ao resultar da pura relação, porque estas relações não dependem
de uma situação local; pois perto ou longe, um filho é da mesma
maneira o filho de seu pai. Nem é a relação, no outro extremo,
produzida pelo próprio termo através de alguma emissão de virtude,
mas antes é a existência do termo que é condição para que, do
fundamento antes posto, resulte a relação por virtude da primeira
geração, pela qual esse fundamento é posto nas coisas da natureza
como inclinando-se e respeitando qualquer termo de tal fundamento.
Donde, embora a geração tenha agora cessado, permanece contudo
no seu efeito ou força, enquanto deixa um fundamento suficiente
para que uma relação resulte, assim como permanece no grave a
virtude de ser movido para baixo quando um obstáculo é removido.
E quando se insiste que Aristóteles ensina frequentemente que a
relação não é termo de mutação, respondo não ser ela termo da
mutação física por si e directamente; contudo, o Filósofo não nega
que é o termo da mutação por acidente, isto é, por outro e secundário.
Donde S. Tomás no seu comentário ao Livro V da Física, lect. 3,
expressamente ensina que a mutação real é feita nas relações reais,
nomeadamente alguma nova determinação segundo a qual é explicado
em acto o que estava no fundamento. E no C om entário ã Metafísica,
XI, lect. 12, diz que -em ser para alguma coisa não há movimento,
excepto por acidente'.
À segunda objecção respondo que não é inconveniente para estas
relações serem multiplicadas todas as vezes que os fundamentos e
os termos são multiplicados. Embora na posição que S. Tomás toma
o número de relações seja muito menor, pois diz na Sum a Teoló­
gica, III, q. 35, art. 5, que uma relação numericamente una pode ser
referida a termos numericamente diversos. Mas S. Tomás nega categori­
camente que uma relação seja fundada noutra relação, com o mais
tarde largamente mostraremos. E sobre esta questão pode ver-se o
D e Potentia, q. 7, art. 9, resp. obj. 2, e a Sum a Teológica, I, q. 42,
art. 1, resp. obj. 4.
A terceira objecção, digo que não é menor a necessidade de pôr
este gênero de entidade relativa que o gênero de quantidade ou
qualidade. Pois porque vemos os efeitos da quantidade e da qualidade
e daí coligimos que são dadas tais formas; assim, do mesmo modo,
porque vemos dar-se nas coisas da natureza o efeito de algumas
coisas ordenadas e com relação para outras, como a semelhança, a
paternidade, e a ordem; e porque vemos que nestas coisas este efeito
de dizer «respeito a» não existe misturado com alguma razão absoluta,

98
mas todo o seu ser consiste em existirem «com respeito a»; é vendo
isto que melhor coligimos a existência deste gênero de pura entidade
relativa; assim como coligimos dos efeitos absolutos que existem
entidades absolutas. Nem é necessário para isto maior experiência
que no caso de outras formas acidentais, nas quais experienciamos
os efeitos mas não a sua distinção da substância. Todavia, se Deus
deixasse duas coisas brancas existirem sem que uma relação daí
resultasse, permaneceríam semelhantes fundamentalmente, não
formalmente.
Quanto à interpretação dos textos de S. Tomás citados: para o
primeiro, do Opúsculo 48, responde-se que o sentido da passagem
reside no facto de a relação diferir do seu fundamento por razão do
termo extrínseco, isto é, tomando a distinção do termo; mas a pas­
sagem não nega que a relação em si própria seja uma forma intrínseca,
facto que S. Tomás afirma muitas vezes. E, especialmente, que é um
acidente inerente ensina no D e Potentía, q. 7, art. 9, resp. obj. 7. Mas
na segunda passagem da Suma Teológica, I-II, S. Tomás ensina apenas
que a relação toma a denominação não só do que é intrínseco
— isto é, enquanto é inerente — , mas também disto que lhe advêm
extrinsecamente; isto é, do termo ou da ordem para aquele termo,
que não tira, mas supõe que a relação seja inerente, o que é a
exposição do próprio S. Tomás na passagem citada do D e Potentia
e na Suma Teológica, I, q. 28, art. 2.
C apítulo V

O QUE É REQUERIDO PARA QUE ALGUMA RELAÇÃO


SEJA CATEGORIAL

Para conhecer a relação categorial importa distingui-la da relação,


de razão e da relação transcendental, que também costuma ser
chamada relação segundo o ser dito.
Para que esta distinção possa ser melhor percebida, supomos
aqui a doutrina comum de que neste gênero de ente, que é chamado
relação, três coisas devem concorrer, nomeadamente o sujeito, o
fundamento e o termo. O sujeito, que é comum a todo o acidente,
é aquilo que é formado e denominado pela relação. O fundamento
é requerido enquanto razão e causa donde estas relações obtêm a
sua entitatividade e existência. O termo é requerido com o aquilo
para o que tende e em que subsiste este dizer respeito a. E embora
seja requerida uma causa para toda a entidade e forma, contudo,
diz-se que para a relação é requerido um fundamento num sentido
especial, porque outras formas requerem a causa só para serem
produzidas no ser para e existirem, enquanto a relação, devido ao
seu carácter entitativo mínimo e porque, pelo seu próprio conceito,
é ser para outro, requer um fundamento não só para que exista, mas
também para que seja capaz de existir, isto é, para que seja uma
entidade real. E assim diz S. Tomás, no C om entário às Sentenças
pa ra A nnibaldo, I, dist. 30, q. 1, art. 1, que -a relação nada mais é
que a referência de uma coisa a outra; donde, segundo a sua própria
natureza, não tem que existir naquilo de que é predicada, embora
algumas vezes o seja devido à causa da sua condição relativa». E a

100
mesma ideia é expressa no C om entário às Sentenças de Pedro
Lombardo, % dist. 26, q, 2, art. 1, e na Suma Teológica, I, q. 28,
art. 1, onde diz que «aquelas coisas que sâo ditas existir por relação
com alguma coisa, Significam, segundo a sua própria natureza, apenas
um dizer respeito a outro. Este dizer respeito, algumas vezes, está na
natureza das coisas, como quando algumas coisas são ordenadas
entre elas segundo a sua natureza». E a razão disto é que a relação,
pelo seu carácter entitativo mínimo, não depende de um sujeito
precisamente da mesma maneira que as outras formas absolutas,
mas funciona como uma espécie de entidade terceira, consistindo
em e resultando da coordenação de dois extremos; e assim, para que
exista na natureza das coisas, a relação deve depender do fundamento
que a coordena com o termo, e não apenas de um sujeito e de uma
causa eficientes.
A partir destas destrinças, não será difícil distinguir entre relações
segundo o ser dito e segundo o ser, reais e de razão. Pois as coisas
relativas segundo o ser e segundo o ser dito são distinguidas a partir
do próprio exercício da relatividade, porque nas relativas segundo o
ser toda a sua razão ou exercício é dizer respeito a, e assim são ditas
respeitar o termo na razão do puro termo. Mas o exercício ou razão
da relação segundo o ser dito não é puramente respeitar o termo,
mas exercer alguma outra coisa donde se segue a relação; e por esta
razão S. Tomás no C om entário às Sentenças de Pedro Lom bardo, II,
üist.l, q. 1, art. 5, resp. obj. 8, estabeleceu em primeiro lugar que
estes relativos segundo o ser dito envolvem um fundamento e uma
relação, enquanto as coisas relativas segundo o ser expressam apenas
a relação, porque bem se vê que as coisas relativas segundo o ser
dito comportam-se para com o termo mais por fundarem a relação
que por dizerem respeito em acto, e assim não dizem respeito ao
termo em questão em razão do puro termo, nem segundo outra
razão, por exemplo, a de uma causa ou efeito, ou de um objecto ou
outras coisas semelhantes. Assim, a relação segundo o ser dito é
constantemente distinguida nos escritos de S. Tomás, da relação
segundo o ser, em que o principal significado da relação segundo o
ser dito não é a relação, mas alguma outra coisa, da qual se segue
a relação. Mas quando o principal significado de alguma expressão
é a própria relação, e não alguma coisa absoluta, então é relação
segundo o ser, como consta da Suma Teológica, I, q. 13, art. 7; e
C om entário às Sentenças de Pedro Lom bardo, I, dist. 30, q. 1, art. 2,
e d o cap. 1 do Tratado sobre a Categoria de Relação, no Opúsculo
48, onde manifestamente ensina isto.
O estabelecimento desta diferença também estabelece que numa
expressão expressando uma relação transcendental — que não é

101
mais que a relação segundo o ser dito — a relação não é o seu
principal significado, mas alguma coisa absoluta, da qual se segue
ou pode seguir-se alguma relação. Com efeito, se não implica o
absoluto, a relação não será transcendental, isto é, passando por
diversas categorias, mas apontará apenas para uma categoria.
Donde a relação transcendental não é uma pura forma acidental
ao sujeito ou coisa absoluta; mas uma assimilada àquele, contudo
conotando alguma coisa extrínseca da qual o sujeito depende ou
acerca da qual versa, como, por exemplo, a matéria relativamente à
forma, a cabeça relativamente ao encabeçado, a criatura relativamente
a Deus; e assim a relação transcendental coincide com a relação
segundo o ser dito. Alguns dividem erroneamente a relação segundo
o ser entre transcendental e categorial. Esta é uma divisão errada,
porque a relação transcendental está na própria entidade absoluta e
não difere do seu ser subjectivo, e assim todo o seu ser não é para
outro, o que é requerido para que uma relação seja ontológica, isto
é, uma relação segundo o ser. Mas se a relação transcendental implica
alguma imperfeição e dependência e por esta razão deva ser excluída
de Deus, é questão para os metafísicos e teólogos.
Todavia as relações reais e de razão, cuja divisão é encontrada
só na relação segundo o ser, são diferentes, devido à carência d e
algumas das condições requeridas para as relações reais. Para
S. Tomás, no Opúsculo 48, Tratado sobre os Relativos, cap. 1, são
requeridas cinco condições para as relações reais, duas da parte do
sujeito da relação, duas da parte do termo, e uma da parte das coisas
relacionadas. Da parte do sujeito, as duas condições são que o sujeito
da relação seja um ente real, e que seja um fundamento, isto é, que
o sujeito da relação tenha a razão de fundar realmente, inde-
pendentemente de ser conhecida. D o lado do termo, as condições
são que o termo da relação seja alguma coisa real e realmente exis­
tente, e, segundo, que seja distinto realmente do outro extremo, o
sujeito da relação. Mas da parte dos relativos, a condição é que
sejam da mesma ordem, à falta do que a relação de Deus para a
criatura não é real, nem é real a relação da medida para o mensurado,
se medida e mensurado são de ordem diversa. Esta doutrina concorda
com o que S. Tomás ensina no Com entário às Sentenças de Pedro
Lom bardo, I, dist. 26, q. 2, art. 1 e na Suma Teológica, I, q. 28,
art. 1. Contudo, formalmente e principalmente, toda a diferença entre
a relação real e de razão reduz-se a isto: a relação real tem fundamento
real com coexistência do termo, enquanto a relação de razão carece
de tal fundamento, como se retira de S. Tomás no Com entário às
Sentenças pa ra A nnibaldo, I, dist. 30, q. 1, art. 1.
Tom ando estas diferenças com o estabelecidas, digo à m aneira de
resolução: Pa ra que algum a relação seja categorial, requer-se que

102
tenha aquelas condições pelas quais se distingue tanto da relação de
razão com o da relação transcendental, isto é, da relação segundo o
ser dito; e logo a relação categorial é definida com o fo rm a real, cuja
totalidade do seu ser é ser pa ra outro.
Pela primeira parte desta conclusão, a relação categorial distingue-
-se da relação de razão, que não é forma real; pela segunda parte da
conclusão, a relação categorial distingue-se da relação transcendental
e de qualquer coisa absoluta cuja totalidade do seu ser não é ser
para outro, uma vez que em si é também alguma coisa absoluta.
De facto as três condições da relação categorial estão implicadas
nesta conclusão: p rim eiro, que seja relação segundo o ser; segundo,
que seja real, onde incluímos todas as condições requeridas para a
relação real; terceiro, que seja finita. Escoto acrescenta uma quarta
condição, a saber, que a relação seja intrinsecamente acidental, isto
é, que seja uma relação que surja imediatamente, sem nenhuma
mutação, quando o fundamento e o termo estão postos; mas limita
as relações extrinsecamente acidentais às seis últimas categorias, que
não resultam imediatamente e como que intrinsecamente quando o
fundamento e o termo são postos, mas necessitam de alguma mudança
extrínseca para que resultem. Mas ao tratar das seis últimas categorias,
na Questão 19, mostraremos que estes modos extrinsecamente
acidentais não são relações.
Pela primeira destas condições para uma relação categorial são
excluídas todas as relações segundo o ser dito ou transcendentais;
pela segunda são excluídas todas as relações de razão; pela terceira,
todas as relações divinas, que caem fora da categoria uma vez que
são actos puros.
Mas podes inquirir acerca daquela condição da relação real e
categorial, nomeadamente que os extremos sejam distintos realmente,
quer seja requerido que sejam distintos da parte das coisas, isto é,
dos extremos materialmente, quer seja requerido que sejam distintos
não só materialmente mas também da parte da razão fundante, para
que o fundamento próximo da relação seja também realmente distinto
da relação.
A resposta a esta questão é que neste ponto reside a diferença
entre as escolas de S. Tomás e de Escoto. Com efeito, Escoto, no
C om entário ãs Sentenças de Pedro Lom bardo, I, dist. 31, q. 1, requer
apenas a distinção entre as coisas que são extremos, não entre razões
fundantes. S. Tomás requer as duas, como é claro na Suma Teológica,
I, q. 42, art. 1, onde, com base nisto, nega que entre as pessoas
divinas se dê uma relação real de semelhança e igualdade, porque
o fundamento destas relações é o mesmo em cada uma das pessoas,
isto é, a divina essência, em razão da qual são semelhantes; seria o

103
mesmo se uma brancura existisse em duas pedras. A razão disto é
tomada de Caetano e de outros intérpretes, porque nestes relativos,
relações ontológicas que são recíprocas, os extremos materiais são
referidos porque as próprias razões fundantes são referidas; pois é
porque as brancuras são semelhantes que as coisas brancas são
semelhantes. Donde se, pelo contrário, as brancuras não fossem
semelhantes, porque existe apenas uma única brancura, as próprias
coisas brancas não poderíam ser semelhantes na brancura, porque
são o mesmo, uma vez que apenas existiría uma e a mesma brancura.
Mas se são semelhantes, será em alguma outra coisa, não na própria
razão formal d o branco. Mas é suficiente ter insinuado isto acerca
desta dificuldade, pois é um problema que pertence mais aos teólogos
e metafísicos.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMF.NTOS

Um problema surge primeiro da bem conhecida mas difícil


passagem da Suma Teológica, I, q. 28, art. 1, onde S. Tomás diz que
apenas nos relativos, nas coisas que são para alguma outra coisa, se
encontram algumas segundo a realidade e algumas segundo a razão.
Esta afirmação tem sido fonte de dificuldades para muitos. Pois
S. Tomás fala, ou da relação categorial, ou da relação em geral,
abstraindo se é real ou de razão. Se fala do primeiro modo, é falso
que as relações de razão sejam encontradas entre as relações
categoriais, ou então dissemos falsamente que para a relação categorial
é requerido um exercício real de «ser para«. Se fala do segundo
modo, é verdadeiro que na relação concebida à parte da diferença
entre real e de razão ambos os termos da divisão são encontrados,
mas é falso dizer que esta forma de considerar o ser é possível
apenas se o ser considerado é ele próprio uma relação. Com efeito,
também na substância pode conceber-se alguma coisa construída,
que seria dita substância de razão, como a quimera, o bode-veado
e outras criaturas semelhantes. E no caso da quantidade, um arranjo
imaginário de partes pode ser concebido, e semelhantemente nas
outras categorias. Logo, não é apenas no caso da relação que se
encontra alguma coisa de razão. E a resposta de Caetano a esta
dificuldade, no seu comentário à Suma Teológica, I, q. 28, art. 1,
apenas serve para aumentar a dificuldade, pois diz que a relação tem
esta peculiaridade, que existir na razão não é uma condição
diminuente da sua natureza, porque a relação que é de razão é uma
verdadeira relação. Isto aumenta a dificuldade, pois é certo que se
uma relação mental fosse uma vefdadeira relação, faria um sujeito

104
referir-se verdadeiramente, não ficticiamente, e, iogo, não pela
apreensão, mas realmente. Esta dificuldade ofereceu ocasião para
muitos entenderem S. Tomás de forma distorcida, e para filosofarem
erradamente acerca da relação. Pois alguns julgam que a relação real
se divide em dois conceitos, nomeadamente no conceito de acidente,
que chamam «estar em», e no conceito de dizer respeito a, que chamam
«ser para», e que o primeiro é alguma coisa real, enquanto o segundo
é, ou de razão, ou abstraindo do real e de razão. Outros julgam que
S. Tomás apenas queria significar que alguma coisa pode ser fabricada
pelo entendimento humano à semelhança da relação categorial.
Finalmente outros julgam que fala da relação enquanto abstraída da
diferença entre ser real ou de razão.
Mas os primeiros excluem a verdadeira realidade da categoria da
relação, se o que é próprio de tal categoria — isto é, o dizer respeito
e a sua natureza essencial de ser para o outro — não é realizado. Os
segundos não falam de alguma coisa peculiar à relação, como
S. Tomás põe, porque alguns entes de razão podem também ser
formados pela semelhança com outras categorias, por exem plo à
semelhança da substância ou da quantidade.
Por esta razão a terceira exposição é a mais verdadeira no que
toca a um ponto, ou seja, que S. Tomás fala da relação em toda a
sua latitude, enquanto abstraída da diferença entre relação real e
relação de razão. Pois o Santo Doutor não disse que na categoria de
«ser para alguma coisa» se encontram algumas coisas segundo a ordem
do ente de razão, mas disse «no caso das coisas que são para alguma
coisa», para indicar que não fala da relação enquanto categoria
determinadamente real, mas absolutamente segundo ela própria, ao
que devem atender alguns que menos solicitamente lêem o Santo
Doutor. S. Tomás, nesta passagem, fala da relação sob o formalíssimo
conceito de «ser para outro», e diz que daquela parte pela qual a
relação é considerada para o termo, existe positivamente e não é
determinadamente uma forma real, mas é indiferente que seja ente
real ou de razão; embora o exercício categorial de «ser para» também
seja fundado realmente. E assim não quis S. Tomás significar que
relação seria real e que relação seria de razão, mas antes a razão
devido à qual a relação pode ser real ou de razão, nomeadamente,
a razão pela qual é para o termo; pois embora possa ter existência
real aí, contudo não tem existência real a partir daí. S. Tomás
nota-o expressam ente no seu C om en tá rio às Sentenças p a ra
A nnibaldo, I, dist. 2 6 , q. 2, art. 1, dizendo que «a relação pode ser
duplamente considerada, de um modo quanto ao termo, àquilo para
o qual é dita ser, do qual tem a natureza da relação; e quanto a isto
a relação que é não tem de pôr alguma coisa na realidade, embora

105
também por esta razão não tenha de ser alguma coisa; com efeito há
alguns relativos que são alguma coisa na ordem das coisas reais, mas
outros que não são nada na ordem das coisas reais. D e outro modo,
a relação pode ser considerada quanto àquilo em que está, e assim
quando tem existência num sujeito, está nesse sujeito de forma real.»
Assim S. Tomás.
Mas de que m odo isto é peculiar no caso da relação e não é
encontrado nas outras categorias, dizemos que se deve ao facto de
que nas outras categorias a sua própria e formalíssima razão não
pode ser entendida positivamente, excepto se também for entendida
entitativamente; pois o que é para si é uma entidade. Só a relação
tem de ser simultaneamente ente e «para o ente», e é pela parte em
que é «para o ente» que existe positivamente, e contudo não tem por
esta razão entidade real. Mas uma existência real vem à relação de
uma parte, nomeadamente do fundamento real; a razão positiva de
«ser para» vem de outra, nomeadamente do termo, do qual a relação
não tem de ser ente, mas «para o ente», embora aquele «para» seja
verdadeiramente real quando é fundado. Logo, que alguma coisa
possa ser considerada positivamente, mesmo se não é entitativamente
real, é próprio da relação. E isto é tudo o que Caetano quis dizer no
seu comentário à passagem em questão da Suma Teológica, quando
disse que a relação de razão é a verdadeira relação, não pela verdade
de uma entidade e de uma forma informante, mas pela verdade de
uma objectiva e positiva tendência para o termo. Nem Caetano disse
que, no caso da relação categorial, o próprio «para» é alguma coisa
de razão; pois diz expressamente que é verdadeiramente realizado
no real.
Quando se insiste que também outros gêneros de ente podem
deste m odo ser ditos alguma coisa de razão — assim com o uma
substância de razão será uma quimera, uma quantidade de razão
será um espaço imaginário, sucedendo o mesmo para as outras
categorias: a resposta é que, como foi dito acima no capítulo i, aquilo
à semelhança do que o ente de razão é formado não é dito ser ente
de razão; com efeito, o ente de razão é formado à semelhança do
ente real, mas é dito ente de razão aquilo que não é real e que é
concebido à semelhança do ente real. Logo, não existe uma substância
de razão, nem uma quantidade de razão, porque embora algum
não-ente possa ser concebido à semelhança da substância, como
por exemplo a quimera, e alguma coisa possa ser concebida à
semelhança da quantidade, como por exemplo o espaço imaginário,
contudo, nem a própria substância ou alguma razão da substância é
concebida pelo entendimento e formada no ser à semelhança de
outro ente real. E assim aquela negação ou não-ente quimérico, e

106
aquele não-ente do espaço imaginário, serão ditos serem entes de
razão. Mas isto é o ente de razão que é chamado negação, contudo
não será uma substância de razão, porque a própria substância não
é concebida com o ente de razão à semelhança de algum ente real;
antes as negações ou não-entes são concebidas à semelhança da
substância ou quantidade. Mas, na verdade, no caso dos relativos,
não só algum não-ente é concebido à semelhança da relação, mas
também a própria relação concebida da parte de um «dizer respeito
a-, enquanto não existe nas coisas, é concebida ou formada à
semelhança da relação real, e assim o que é formado na existência,
e não apenas aquilo à semelhança do que é formado, é uma relação,
e por razão disto são dadas de facto, existem, relações de razão, mas
não substâncias de razão.
Segundo, argum enta-se: o supremo gênero desta categoria é a
verdadeira relação real, e contudo este gênero não tem um termo
distinto de si, a que diz respeito; logo dissemos erroneamente que
isto é requerido para a relação categorial real.
A premissa m enor é provada porque, ou aquele termo é alguma
coisa de relativo, ou de absoluto. Não é absoluto porque, como
diremos mais tarde, o termo formal da relação não é alguma coisa
de absoluto, mas de relativo, Para além de que aquele absoluto não
pode ser alguma coisa real existente no singular; com efeito, a relação
em geral não pode dizer respeito a alguma coisa determinadamente
singular, com o seu termo, pois assim todas as relações respeitariam
essa coisa determinada. Se, contudo, é alguma coisa abstraída dos
singulares, essa coisa não pode terminar uma relação real; porque
não existe realmente da parte da coisa real. Mas se é alguma coisa
de relativo, ou é igual àquele gênero supremo, que é a relação em
geral, ou inferior. Se é igual, são dados dois gêneros de relações. Se
é inferior, seria respeitado pela relação em geral com o aquilo de que
a relação é predicada, não como aquilo para o que a relação é
terminada essencialmente como relação, mas com o universal.
A resposta é que a relação em geral não diz respeito ao termo em
acto e em exercício, mas só é concebida como razão e essência da
própria relação, e como grau superior pelo qual as relações individuais
são constituídas para referir-se a um termo, não com o o que
exercitivamente respeita, pois a relação obtém isto através dos seus
inferiores; tal como a substância primeira, tomada vagamente e em
geral, é aquilo pelo que os acidentes são suportados, não aquilo que
exercitivam ente os suporta. E a razão disto é que a relação,
genericamente tomada, não é o conceito de relação enquanto oposto,
mas enquanto unindo por uma razão comum a natureza da relação.
Donde naquele conceito de relação em geral tanto os relativos como

107
correlativos se juntam, e não estão portanto em oposição; mas a
relação não é exercida para o termo sem ser sob uma oposição
relativa. E assim, a relação, concebida sob o conceito genérico, é
despojada do estado de oposição e apenas expressa o conceito no
qual convêm todas as relações, mas não expressa o exercício de
dizer respeito ao termo, embora seja a razão de respeitar aquele nos
seus inferiores. E mesmo na opinião de que o termo da relação é
alguma coisa absoluta, o termo em geral não pode ser entendido
como algo de uno, porque segundo esta opinião o termo da relação
é encontrado em qualquer categoria, nem pode um termo que é
respeitado pela relação enquanto tal ser feito de todas as categorias;
mas não diz respeito a um termo determinado, uma vez que é uma
relação genérica.
Argum enta-se em terceiro lugar: as relações transcendentais tam­
bém têm todo o seu ser para outro; assim como toda a essência da
matéria é para a forma, e toda a essência do hábito e do acto é para
o objecto; donde então têm toda a espécie. Mas a relação categorial,
pelo contrário, não tem todo o seu ser para outro, porque é também
um acidente inerente, e assim tem existência num sujeito, não para
o sujeito da relação. Isto é confirmado porque a relação transcendental
também depende do seu termo, tal como a relação segundo o ser.
lo g o , não existe razão para que a relação transcendental possa ser
terminada para alguma coisa não existente, mas tal não sucede na
relação categorial.
A resposta a isto é que a relação transcendental não é primeira­
mente e por si -para outro», ao contrário da categorial, porque embora
a espécie e essência das relações transcendentais seja tomada de
outro ou dependa de outro, contudo não é para outro, assim como
a matéria depende da forma, e o acto do objecto, com o das causas
das quais têm existência e especificação. E disto segue-se que
respeitam aquele outro com o termo. Mas que primeiro e por si seja
para outro como para um termo é próprio da relação categorial.
E assim diz-se que a relação categorial respeita o termo com o puro
termo, isto é apenas com o «para outro», não com o -de outro» ou
«acerca de outro» ou por qualquer outro m odo de causalidade, como
sucede na relação transcendental. Mas o facto de que a relação
categorial seja dita existir no sujeito, não impede que todo o seu ser
seja para outro — «todo», digo, isto é, o próprio e peculiar ao seu
próprio ser, pelo que difere dos outros gêneros, que são absolutos;
contudo, supondo a razão comum de um acidente, ou seja estar em
alguma coisa, em razão do que um acidente não tem de ser para
outro, mas essa possibilidade também pão é excluída.

108
Para confirmação responde-se que a relação transcendental não é
primeiramente e por si para outro, como já foi dito, mas é antes de
outro ou acerca de outro, como a dependência ou a causalidade ou
alguma coisa semelhante; o que pode algumas vezes ser verificado
não por isto que de facto é, mas por isto que pode ser, ou o que é
requerido para que alguma coisa seja. Contudo a relação categorial,
porque tem todo o seu ser para outro, não surge senão do estabe­
lecimento dos extremos. Donde se um dos extremos falta, a própria
relação categorial deixa de existir.

109
L iv r o I

DIVIDIDO EM SEIS CAPÍTULOS

D O SIG NO SEGUNDO A SUA NATU R E ZA


C apítulo I

SE O SIGNO ESTÁ N A ORDEM D A RELAÇÃO

Tom am os aqui com o pressuposta a definição d e signo que fo i


transmitida no prim eiro livro das Súmulas, nom eadam ente, qu e o
signo é «aquilo qu e representa alguma coisa diferente d e si à potência
cognoscente». D em os assim esta definição geral para qu e abrangés­
semos todos os gêneros d e signos, quer formais, quer instrumen­
tais *. Pois a definição que circula habitualmente entre os teólogos,
no início d o capítulo iv das Sentenças d e Agostinho, «Signo é o que,
além d e apresentar uma espécie 1
2 aos sentidos, faz vir alguma coisa
à cognição», só convém ao signo instrumental.
Na nossa definição, duas coisas concorrem para a razão d o signo
em geral: prim eiro, é razão d o m anifestativo ou representativo;
segundo, é ordem para outro, ou seja, para a coisa qu e é representada,

1O s signos, pela relação q u e estabelecem c om o cognoscente, dividem -se em


fo rm a is e instrum entais. O sig n o instrum ental é a q u e le q u e se o fe re c e a o
cognoscente c o m o um objecto material e externo distinto d a coisa q u e significa.
Objectifica-se, portanto, à potência, para lhe manifestar um outro. É um a realidade
material e física. Já o sign o formal, representa igualm ente outro distinto d e si, mas
não é exterior a o cognoscente nem lhe aparece co m o um objecto o u instrumento.
Pertencem a esta categoria o s conceitos, qu e sã o interiores a o q u e con h e ce e
representam a lg o distinto, m esm o qu e disso ele n ã o se c h e g u e a d ar conta. A o
admitir q u e o s conceitos são um tipo particular d e signo, J oão d e São T om á s irá,
evidentemente, identificar toda a vida psíquica com processos semióticos.
2 Espécie é a sem elhança o u im agem das qu alid ades sensíveis d e um ser q u e é
imprimida nos sentidos para qu e o objecto possa ser percebido. N ã o há percepção
n em experiência sem as espécies emitidas p elo objecto. A sua etim ologia vem de

8
113
a qual deve ser diversa do signo, pois nada é signo de si, nem se
significa a si, e é também ordem para a potência, à qual manifesta
e representa a coisa de si distinta.
E na verdade o manifestativo enquanto tal não exprim e a relação,
quer porque p od e dar-se numa ordem para si e sem relação a outro
— com o quando a luz se manifesta a si própria, ou quando um
objecto se representa a si mesmo para que seja visto — , quer porque
alguma coisa p od e manifestar outra sem dependência dessa outra
coisa, mas antes por dependência do outro que manifesta, assim
com o os princípios manifestam as conclusões, a luz manifesta as
cores, a visão de Deus manifesta as criaturas, com o os teólogos mais
eruditos ensinam ao explicarem a Sum a Teológica, I, q. 12 e 14. Em
tais casos, a ilustração e a manifestação de outra coisa fazem-se sem
dependência nem subordinação à coisa manifestada.
Mas o manifestativo d o signo encontra-se tanto com uma ordem
para outro, porque nada se significa a si próprio, embora se possa
representar, com o com dependência para o outro ao qual está
ordenado, porque o signo é sempre menos do que o significado e
dependente dele com o de uma medida.
Perguntamos portanto se a essência formal d o signo 3 consiste
primeira e essencialmente na relação segundo o ser, se na relação
segundo o ser dito, ou seja, em algo absoluto que funde tal relação. *
O que é a relação segundo o ser dito e segundo o ser, relação
transcendental e categorial, foi explicado no Livro Zero. E falamos
aqui de relação segundo o ser, não de relação categorial, porque
falamos d o signo em geral, enquanto inclui tanto o signo natural
com o o convencional, discussão que envolve este último, o signo
convencional, que é ente de razão. E por este m otivo a natureza
comum aos signos não pode ser a razão do ente categorial, nem
uma relação categorial, embora possa ser uma relação segundo o
ser, de acordo com a doutrina de S. Tomás, na Sum a Teológica, I,
q. 28, art. 1, explicada a mesma no Livro Zero, porque só naquelas
coisas que são para outro se encontra alguma relação real e alguma
de razão, sendo manifesto que esta última não é categorial, mas é

forma, semelhança, imagem. Trata-se de formas sem matéria, isto é, aquilo que faz
as vezes d o objecto tornando-o presente ao sujeito cognoscente. N a gnosiologia
tomista species é a semelhança ou imagem das qualidades sensíveis d e uma coisa,
imagem essa que é imprimida nos sentidos para que o objecto seja conhecido. Desta
forma, o intelecto recebe as espécies inteligíveis, enquanto o s sentidos externos
recebem as espécies sensíveis, emitidas p elos objectos. A partir d as espécies
sensíveis, a razão forma, p or m eio d o intelecto agente, uma semelhança da coisa
n o espírito, e é a partir desta, chamada p or extensão «espécie inteligível*, que o
universal é abstraído d o singular.
3 Formalis ratio signi, no original. ,

114
chamada relação segundo o ser, porque é puramente relação e não
contém nenhuma coisa absoluta.
Em suma, alguns autores são de opinião que a razão do signo em
geral não consiste numa relação segundo o ser com a coisa significada
e com a potência, mas numa relação segundo o ser dito, nalguma
coisa absoluta que funde aquela relação. E assinalam a favor da
razão d o signo isto, que é o facto de ser condutor da cognição para
outra coisa. Efectivamente, que isto seja o fundamento do signo parece
deduzir-se da doutrina de S. Tomás no C om entário às Sentenças de
Pedro Lom bardo, IV, dist. 4, q. 1, art. 1, onde diz que a razão do
signo, na sua especificidade, se funda em alguma coisa, porque o
signo, além das espécies que apresenta aos sentidos, faz vir alguma
outra coisa à cognição. Portanto o signo não consiste formalmente
na relação, mas no fundamento da relação. E este condutor para
conhecer outra coisa, nada mais é que a própria razão d o represen­
tativo ou manifestativo, não, na verdade, em toda a sua latitude,
enquanto também se representa a si, mas enquanto se reduz a ser
manifestativo de outra coisa. O que, na verdade, se relaciona à
potência 4 da mesma forma que um objecto e na mesma ordem e
linha que o objecto; mas o objecto não consiste numa relação cate­
gorial para a potência, nem numa dependência daquela.
Seja portanto única conclusão: a ra zã o do sign o, form a lm en te
fa la n d o, não consiste na relação segundo o ser d ito, mas na relação
segundo o ser.
Disse «formalmente falando» porque, materialmente e por pres­
suposto, o signo exprime a razão de alguma coisa manifest^tiva ou
representativa de outra, o que sem dúvida não en volve apenas a
relação segundo o ser, com o imediatamente mostraremos. Formal­
mente, porém, a razão do signo não exprim e somente a razão de
alguma coisa representativa de outra, visto ser evidente que muitas
coisas representam ou manifestam outras, e não ao m odo de um
signo, assim com o Deus representa as criaturas, e toda a causa o
efeito, os princípios manifestam as conclusões, e a luz manifesta as
cores; sem que, todavia, tenham a razão do signo. Portanto, representar
alguma coisa é requerido para o signo, mas ele não consiste só nisto;
pois o signo acrescenta alguma coisa além de representar, e
formalmente exprime o representar de outra coisa de uma forma
menos perfeita ou dependentemente da própria coisa significada,
com o que substituindo e fazendo as vezes daquela. E assim o signo
diz respeito ao significado não com o algo puramente automanifestado
e auto-iluminado, mas com o principal cognoscível e medida de si,*

* Respicit potentiam, no original.

115
colocando-se em lugar do significado e fazendo a vez dele ao conduzir
à potência.
Acrescentamos, na conclusão, consistir a razão do signo na relação
segundo o ser, abstraindo agora se essa relação é real ou de razão,
pois disto trataremos no capítulo seguinte. E assim usamos de um
vocábulo comum para ambas as relações, e não tratamos apenas da
relação real ou da relação de razão determinadamente.
Assim explicada, a conclusão é tirada primeiramente da doutrina
de S. Tomás. Gom efeito, S. Tomás expressamente afirma que o
signo ê um gênero de relação fundada numa outra coisa. Mas a
relação fundada em alguma outra coisa é relação segundo o ser e,
se for real, é uma relação categorial. Logo, o signo consiste na relação
segundo o ser.
A consequência é legítima. E a premissa menor é retirada da
doutrina de S. Tomás no Com entário às Sentenças p a ra A nnibaldo,
IV, dist. 4, questão única, art. 1, onde diz que «a natureza da relação
é que sempre se funde em algum outro gênero de ente». Logo, a
relação fundada em alguma outra coisa distingue-se dos outros gêneros
de entes nos quais pode fundar-se, e consequentemente distingue-
-se da relação transcendental e segundo o ser dito, porque estas
relações não se distinguem dos outros gêneros de ente, como fo i
mostrado na questão acerca da relação. Com efeito, as relações
transcendentais não são puros actos de se relacionar mas entidades
absolutas ordenadas ou dependentes acerca de outra coisa, como
provamos mais desenvolvidamente no capítulo sobre a relação. Logo,
a relação fundada em algum outro gênero de ente é sempre relação
segundo o ser, e se for real será categorial.
A premissa maior, na verdade, é provada ciaramente do próprio
S. Tomás, tanto no exposto há pouco citado, com o no C om entário
às Sentenças de Pedro Lom bardo, IV, dist. 4, q. 1, art. 1, e na Suma
Teológica, III, q. 63, art. 2, resp. obj. 3, onde, tendo apresentado a
objecção de que o signo é um gênero de relação, logo o carácter
sacramental é um gênero de relação, visto que um sacramento é
signo, responde a esse argumento que o signo importa a relação
fundada em alguma coisa, e com o a relação sígnica do carácter
sacramental não pode fundar-sé imediatamente na essência da alma,
deve ser fundada em alguma qualidade acrescentada, e o carácter
sacramental consiste nesta qualidade antecedentemente à relação do
signo. Reconhece então S. Tomás que a relação d o signo é relação
fundada em algo outro. E se só fosse relação segundo o ser dito ou
transcendental, não negaria S. Tomás que o carácter sacramental
consiste em tal relação, porque a qualidade bem pode ser relação
segundo o ser dito, como a ciência existe relativamente a um objecto,

116
e todo o acto ou hábito relativamente àquilo por que é especificado.
Quando, ponanto, põe o carácter sacramental na qualidade e o rejeita
da relação, rejeita-o definitivamente da relação categorial e segundo
o ser, isto é, exclui o carácter sacramental da categoria de relação;
pois colocando-o na categoria de qualidade não excluiu suficiente­
mente a sua identificação com a relação segundo o ser dito, uma vez
que também na categoria de qualidade se encontra a relação segundo
o ser dito, Mas S. Tomás põe a razão do signo naquela relação, da
qual rejeita o carácter sacramental. Logo, é manifesto que S. Tomás
constitui a razão do signo na relação segundo o ser ou categorial.
E o fundamento desta conclusão é tomado da própria razão e
essência do signo, porque a essência do signo não consiste somente
nisto, que é manifestar ou representar outra coisa distinta dele próprio,
mas naquele m odo específico de manifestar, que é representar outra
coisa'enquanto modo inferior daquela, como menos principal para
mais principal, como o mensurado para a sua medida, como o substi­
tuto e «fazendo as vezes» para aquilo em favor do que é substituído
e cujas vezes faz. Mas a relação do mensurado para a medida e do
substituinte para o seu principal é uma relação categorial. Logo, a
relação do signo para o seu objecto é também uma relação categorial.
A premissa menor é clara porque a relação do mensurado para a
medida é uma relação do terceiro dos três tipos de gênero na categoria
de relação, como acima, no capítulo dobre a relação, foi demonstrado.
A premissa maior, porém, é manifesta porque a relação do signo
enquanto signo directamente diz respeito ao objecto com o principal
coisa a ser conhecida, para a qual o signo conduz a potência. Para
isto, com efeito, serve o signo, pois a sua função é ser meio e
substituinte em lugar do objecto, que ele procura manifestar à potência,
pelo que a coisa ela mesma não é conhecida, mas é-o através de tal
meio. Donde se a coisa em si própria é manifestada, cessam a razão
e o papel do signo. Logo, o signo diz respeito ao objecto como seu
substituto e fazendo as vezes dele próprio, e como alguma coisa
subordinada e mensurada pelo objecto que significa; de forma que
tanto melhor significa o signo quanto mais próxim o se tenha do
objecto em si. Nem isto é suficientemente explicado numa relação
transcendental, enquanto o signo exprime alguma conexão com o
objecto e em razão dele próprio manifesta o objecto significado; com
efeito, isto é requerido, mas não basta. Assim como o filho - “ ainda
que seja efeito d o pai, e sob razão do efeito transcendentalmente
diga respeito ao próprio pai, contudo na razão de filho, com o essa
razão exprime semelhança a outro em razão da processão — não
exprime uma relação transcendental, mas categorial e segundo o ser;
assim, um signo «— ainda que na razão do manifestativo e re­

117
presentativo diga respeito ao objecto transcendentalmente, contudo
enquanto exprime a razão do mensurado e substituto em relação a
esse objecto, e como que servindo ao próprio com o principal — diz
respeito ao objecto por uma relação segundo o ser.
E daqui se distingue a diferença entre a natureza do manifestativo
e do significativo. O que é manifestativo diz respeito principalmente
à potência como termo, para o qual ela tende ou que ele move, e
semelhantemente, representar algo à potência só é alcançado por
isto, que é tornar alguma coisa presente à potência de m odo
cognoscível, o que segundo S. Tomás em D e Veritate, q. 7, art. 5,
resp. obj. 2, não é outra coisa que a potência conter uma semelhança
de outro.
Porém, este conter de uma semelhança pode dar-se sem alguma
relação que seja relação segundo o ser: quer porque tal acto de
conter pode ser perfeição simplesmente e sem nenhuma dependência
da coisa representada, assim como Deus representa as criaturas nas
idéias; quer porque esse acto de conter é conservado e se exerce
mesmo quando o termo representado não existe, e consequentemente
até sem' relação categoria!, como é evidente na representação de
uma coisa futura ou passada. Finalmente, porque essa representação
pertence à razão de mover a potência, à qual se dá o objecto que'
é tom ado presente por m eio da representação. Donde convém
essencial e directamente ao próprio objecto ser representado, porém
o objecto não consiste na relação segundo o ser para a potência;
pelo contrário, essencialmente falando, um objecto não diz respeito
à potência ou depende dela, sendo antes a potência que dele depende,
pois a potência toma a especificação do objecto. Logo, representar
e manifestar não consistem numa relação segundo o ser.
Mas significar ou ser significativo toma-se directamente por uma
ordem para o objecto, a favor do qual o signo substitui e cujas vezes
faz à maneira de um meio pelo qual o objecto é levado à potência.
Pois o signo substitui e serve o próprio objecto nisto, para conduzir
aquele e apresentá-lo à potência com o seu principal conteúdo capaz
de ser representado. Do mesmo modo, num subordinado e substituto
de outro consideramos dois aspectos, isto é, a sujeição ao outro,
cujas vezes faz como de um principal; e o efeito de que é incumbido
pelo principal que serve e cujas vezes faz. Assim, portanto, o signo,
embora ao representar diga respeito à potência para que lhe manifeste
o objecto, porque para este efeito se destina e se toma, e nesta
precisa consideração em relação à potência não é requerido que
consista numa relação segundo o ser; contudo na subordinação ao
objecto, enquanto diz respeito a esse objecto como principal e medida

118
de si, o signo deve necessariamente consistir na relação para com o
próprio, assim como o servo exprime uma relação para com o senhor,
e o criado ou instrumento para o seu principal.
Dirás: o signo não diz respeito ao significável com o puro termo,
mas com o objecto da sua significação; portanto não consiste numa
pura relação, mas numa ordem transcendental, assim como uma
potência e conhecimento dizem respeito a um objecto, e todavia o
objecto mede o conhecimento e a potência.
Mas contra isto está o facto de que o signo não diz respeito ao
que significa como um objecto ou matéria, acerca da qual trata
precisamente, assim como a potência e o conhecimento dizem respeito
aos seus objectos, mas antes diz respeito ao que significa como
substituto, fazendo as vezes do objecto e em seu lugar representando
à potência. E porque directamente o signo contém esta substituição
e sub-rogação para outro, por isso formalmente é alguma coisa relativa
a isso que substitui. A potência e o conhecimento, todavia, não exigem
esta relação para o objecto, mas exigem a razão de princípio e de
virtude acerca de alguma coisa operante, que não pertence,
formalmente falando, à relação; pois não pertence à relação operar,
porém o ser sujeito e substituto faz parte da relação. E assim o
conhecimento e a potência, os actos e os hábitos, dizem respeito ao
objecto com o sua medida fundamentalmente, não relativamente
formalmente como sucede com o signo, que formalmente é alguma
coisa subordinada e inferior ao objecto, ou fazendo as vezes dele.
E para confirmar isto temos a doutrina de S. Tomás, na Suma
Teológica, í, q. 13, art. 7, resp. obj. 1, onde diz que «algumas-palavras
relativas são impostas para significar o próprio hábito ou estado
relativo, com o o senhor e o servo, o pai e o filho, e outras coisas
semelhantes; e estas palavras dizem-se relativas segundo o ser.
Algumas palavras relativas, porém, são impostas para significar coisas
que são consequência de alguns hábitos, por exemplo, como as
palavras 'movente’ e movido', a 'cabeça1 e o ‘encabeçado’, as quais
são relativas segundo o ser dito.» Por isso, enquanto o conhecimento
e a potência significam a própria coisa e o princípio de que se segue
a relação para os objectos, o signo, porém, directamente significa a
relação com a objecto, ao qual se subordina com o um vigário ao
principal.
E daqui aprenderás o fundamento para discernir entre a potência
ou lúmen, que é a virtude da potência, e a espécie ou forma, porque
ambas na verdade versam sobre o objecto, mas fazendo a espécie as
vezes do objecto e contendo o próprio continente com o se fora seu
substituto, tendendo a virtude da potência para o objecto e
apreendendo-o. Donde entre a potência e O objecto hasta que exista

119
uma proporção de adquirir alguma coisa e de tender para o termo
que é adquirido, o que é proporção do princípio de um movimento
para o termo. Porém a espécie deve ter uma proporção para o objecto
que substitui e do qual faz as vezes. E assim, se perfeita e ade­
quadamente faz as vezes do objecto, requer-se uma total proporção
no ser representável, em razão da qual nem uma representação
corporal pode ser a espécie de um objecto espiritual, nem uma
representação criada pode ser a espécie de um objecto incriado. Se,
porém, é posta uma representação incriada, também a entidade da
espécie será incriada.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

O principal fundamento da opinião oposta a que o signo seja


uma relação segundo o ser é que o signo pode significar formalmente
a coisa não existente, com o quando o vestígio do boi significa o boi
não existente, ou a imagem do imperador significa o imperador morto.
Em tais çasos, existe o signo formalmente; com efeito, a inferência
do acto para a potência é válida; «significa, logo é signo-, e contudo
formalmente não é relação, porque para o termo não existente não
é dada a relação categorial. Logo, o signo formalmente não consiste
na relação.
Confirma-se porque a razão formal do signo consiste nisto, que
seja verdadeira e formalmente condutor da potência para o seu objecto.
Mas conduzir a potência para o objecto não é feito por m eio da
relação, mas por meio de proporção e conexão entre o signo e o
objecto, que é fundamento da relação. Logo, o signo não consiste
formalmente na relação, mas no fundamento da relação. A premissa
maior segue-se da definição de signo como «aquilo que representa
alguma coisa à potência cognoscente-, logo, é condutor da potência
para o objecto. A premissa menor prova-se porque para que o signo
tenha representação para mim, não é necessário que eu conheça a
sua relação; por exemplo, o camponês conhece o animal a partir do
vestígio, e não cogitando acerca da relação; e os animais irracionais
fazem uso dos signos, como se dirá adiante, e não conhecem a
relação, mas apenas o objecto, tal como é conhecido no signo. Logo,
se a relação não é conhecida, a relação não conduz, e assim não
pertence à razão formal do signo.
Responde-se a isto, em primeiro lugar, que aquele argumento
carece de força na opinião daqueles que consideram a relação do
signo como sendo sempre de razão, mesmo nos signos naturais,
porque consideram que a relação do signo se funda na apreensibili-

120
dade dele. Mas dado que a relação do signo natural ao obfecto é
real, responde-se que. morto o imperador, a imagem dele não
permanece signo formalmente, mas virtual e fundamentalmente.
Porém, o signo move a potência por razão do seu fundamento, não
por razão da sua relação, assim como o pai gera não por razão da
relação, mas por razão da potência generativa, e todavia ser pai
formalmente consiste numa relação.
E para prova: «significa formalmente, isto é, significa em acto,
logo formalmente é signo*. A consequência é negada claramente,
porque basta ser signo virtualmente, para que signifique em acto.
E isto apresenta-se manifestamente no seguinte exemplo: B em acto
causa e produz um efeito, logo é realmente em acto uma causa; de
facto, não existindo a própria causa em si, através de uma virtude
deixada por si causa e causa formalmente, porque o efeito é então
formalmente produzido. Assim, existindo no signo uma significação
virtual, conduz formalmente a potência para o objecto, e todavia não
ê um signo formalmente, mas virtual e fundamentalmente. Com efeito,
visto que permanece a razão de mover a potência, o que é feito pelo
signo enquanto é representativo, mesmo se não permanece a relação
de substituição para o objecto, o signo pode exercer funções de
substituinte sem a relação, assim como o servo ou o ministro podem
exercer operações do seu ministério estando morto aquele para quem
exprimem relação, e é nessa relação que formalmente consiste a
razão do servo e do ministro.
Para a confirmação responde-se que na natureza do condutor há
a considerar duas coisas, ou seja, a força ou a razão de exercer a
própria representação da coisa a conduzir, e a relação de sujeição ou
substituição para aquilo em favor de que exerce essa representação,
assim como no caso do senhor é considerado tanto o poder de
governar ou de coagir os súbditos, com o a relação para aqueles, e
no caso d o servo é considerado tanto o poder de obedecer, como
a relação de sujeição. Quanto ao poder de conduzir representati­
vamente, concedemos que não é uma relação segundo o ser, mas o
fundamento de tal relação; isto é, aquela proporção e conexão com
o objecto; mas quanto à formalidade do signo, que não é qualquer
proporção e representação, mas uma subserviente e substituta do
objecto, consiste formaímente na relação do substituto representativo,
tal como ser servo e ser senhor, formalmente, são relações, e todavia
o direito de coagir e de obedecer não são relações segundo o ser.
Argumenta-se em segundo lugar: o signo consiste formalmente
nisto, que é ser alguma coisa capaz de conduzir a potência para o
objecto; pois é por isto que alguma coisa tem significação, que é a
forma do signo, e é por isto que lhe convém a definição de signo,

121
nomeadamente, o que é representativo de uma coisa diferente de si
à potência cognoscente. Mas o signo tem esta capacidade, que é
poder conduzir para o objecto mesmo enquanto meio e instrumento,
através de uma relação transcendental; logo, é nessa relação que o
signo consiste formalmente.
A premissa menor prova-se: de facto o signo tem a capacidade de
conduzir a potência ao objecto como meio, pelo que tem a ca­
pacidade de manifestar à potência o objecto. Porém tem esta ca­
pacidade manifestativa não em razão de uma relação categorial, mas
transcendental, porque conhecida a relação transcendental da causa,
ou do efeito, ou da imagem, ou de qualquer conexão das duas
coisas, é atingido imediatamente o termo da relação. Logo, não se
requer alguma relação categorial para que o signo conduza para o
objecto, ou possa conduzir, visto que com a relação transcendental
isto é suficientemente cumprido. Nem tem valor dizer que aquela
relação transcendental é o fundamento da relação do signo, porque
o que só é tal fundamentalmente, não pode dar o efeito formal,
assim com o a potência generativa não pode formalmente constituir
o pai, nem a qualidade a semelhança, ainda que sejam os fundamentos
destas relações. Logo, se a relação transcendental só funda a relação
do signo, formalmente não fornece o efeito formal do signo nem q
seu exercício.
E isto é confirmado porque é inconveniente dizer, nos signos
convencionais, que não permanecem signos formalmente quando
em acto não dizem respeito ao seu objecto, com o no caso do livro
fechado, no qual não é conhecido o signo ou as letras aí escritas, e
assim em acto não tem a relação, que como é de razão, depende da
cognição actual. Logo, o signo não pode consistir formalmente na
relação segundo o ser. A antecedente também é provada porque o
signo no livro fechado conserva a sua imposição, e, logo, também
conserva a sua significação, a qual pode ser restituída a acto abrindo
o livro. Logo, é formalmente e em acto um signo, porque conserva
a sua significação em acto.
Responde-se que com este argumento nada mais é provado do
que com o precedente, e por este motivo dizemos que a razão formal
do signo consiste nisto, que é poder conduzir alguém ao conhecimento
do objecto, não pela capacidade de conduzir de qualquer modo,
mas por aquela que é sujeita e substituinte a favor do objecto, e
inferior a ele na razão do signo. E por este motivo considera-se no
signo a força que m ove a potência e a ordem de substituir
relativamente àquilo a favor de que move. E a primeira é uma relação
transcendental, a segunda categorial. E é na segunda que consiste o
signo, não na primeira, porque a primeira, ou seja manifestar o outro,

122
também convém às coisas que não são signos, tal com o já dissemos,
de a luz manifestar as cores, de o objecto se representar a si próprio,
de Deus representar as criaturas. O facto de que, visto o efeito, seja
conhecida a causa, ou vista a imagem seja conhecido o arquétipo,
não constitui formalmente a razão do signo, salvo se acrescentarmos
a peculiar relação do representativo, do substituinte, etc. ... que ex­
prime a relação segundo o ser.
E para impugnação responde-se que o fundamento d o signo não
constitui formalmente a razão do signo quanto àquilo que formalmente
é sujeição e substituição, mas quanto àquilo que é próprio da virtude
ou capacidade de mover, assim como a potência generativa constitui
a virtude de gerar no pai, não a relação formal de pai, a qual consiste
na íazão de um princípio assimilante e em ter autoridade em relação
ao filho.
Para confirmação do segundo argumento responde-se que alguns
autores perceberam de modos bem diversos esta questão no que
toca aos signos convencionais, pelo facto de naqueles signos a relação
do signo, se é dada, segundo o consenso de todos não é real, mas
de razão.
E há quem pense que a relação de razão não só denomina, mas
também existe pela existência do seu fundamento, pelo menos
imperfeita e incoativamente, e assim denomina mesmo antes de ser
apreendida em acto. Mas restam a esta resposta duas coisas difíceis
de explicar. Primeiro, que tal existência não denominará o signo em
questão com o signo perfeita e simplesmente, mas só incoativa e
imperfeitamente; e assim um signo no livro fechado, ou proferido
vocalmente, mas não apreendido em acto numa relação, não será
um signo perfeitamente, mas incoativa e imperfeitamente, porém
adquirirá verdadeiramente a perfeita razão do signo quando for
apreendido em acto. Permanece portanto a mesma dificuldade que
esta solução intentava resolver, ou seja, de que m odo o signo no
livro fech ado ou vocalm ente proferido, mas não apreendido
relativamente, pode perfeitamente significar e conduzir para o objecto.
Pois a palavra «homem» não representa o seu significado menos
perfeitamente, se a sua relação for apreendida, d o que se não o for,
pois retém do mesmo modo a imposição e a perfeita significação.
Logo, será um signo perfeita e consumadamente ainda antes de
estabelecida a relação, e não só incoativamente, porque igualmente
e de maneira perfeita significa e é signo antes de que ocorra a relação.
A segunda dificuldade dá-se porque aquela imperfeita e incoativa
existência é ou apenas fundamental e virtual a respeito do signo, ou
também actual. Se é apenas fundamental, isto é dizer que só existe
o fundamento do signo, não formalmente o próprio signo. Se actual,

123
é muito difícil ver como a existência real que é própria do fundamento
pode, antes de uma apreensão actual, tornar actualmente existente o
ente de razão e que só tem existência objectiva. Pois assim, não será
puro ente de razão, visto que também é capaz de existência real,
embora imperfeita e incoativa.
Outros julgam que o signo convencional é formalmente signo
mesmo antes da existência formal da relação do signo. Outros pensam
que é signo apenas de m odo moral, porque a imposição é dita
permanecer de m odo moral. Mas há dificuldades sobre se isto seria
um signo em acto ou não. Pois dizer que um signo é em acto
moralmente é em pregar uma partícula diminuente, com o se
disséssemos que existe em acto fundamentalmente ou virtualmente;
pois aquela moralidade da imposição que permanece é o fundamento
de uma relação.
Por isso deve simplesmente dizer-se que a imposição ou fixação
de alguma coisa para que seja signo de tal ou tal coisa é apenas o
fundamento da relação do signo, porque dá ao signo a conexão com
a coisa e a sub-rogaçâo por aquela para significar, não naturalmente,
mas segundo a convenção de quem impõe, assim como a abstracção
da natureza é o fundamento da universalidade. Donde, assim como
o signo natural em razão do seu fundamento exerce a significação,
ainda que não tenha relação em acto com o objecto, porque tal
objecto em particular pode não existir — com o a imagem do
imperador estando ele morto; assim a palavra enunciada ou escrita,
ainda que a relação não seja concebida em acto, e consequentemente
não exista mediante um conceito, mesmo assim significa e representa
em razão da imposição outrora feita, a qual não produz formalmente
o signo, mas fundamental e proximamente, com o diremos no ca­
pítulo v. E não há nenhum inconveniente no caso destes relativos de
razão, que cessando a cognição actual de alguma forma, cesse a
existência formal dessa forma e a denominação formal proveniente
de tal existência, e de novo surja quando é posta outra cognição
actual, enquanto a denominação fundamental permanece constante,
denominação que permanece no universal quando é removida da
comparação e da relação, e posta sozinha na abstracção; com efeito,
continua a ser alguma coisa universal metafisicamente, não
logicamente. Assim, o signo convencional, sem a relação conhecida,
permanece signo moralmente e fundamentalmente e com o que
metafisicamente, isto é, permanece numa ordem para o efeito de
representar; mas não permanece signo formalmente e como que
logicamente ou quanto à intenção da relação.
Insistes: aquela imposição passiva do signo não deixa nele nada
de real, logo, não pode m over,a potência nem conduzi-la para o

124
objecto, porque a potência não pode ser movida por aquilo que
nada é; pois o objecto movente actua e aperfeiçoa a potência, o que
aquela imposição não pode fazer. Logo, não permanece funda­
mentalmente signo, pois este consiste na força ou poder que move
e representa.
Responde-se que tudo isto também sucede no próprio signo
convencional existente em acto e completo; pois este signo sempre
é alguma coisa de razão. E por este motivo dizemos que o signo
convencional m ove por razão da imposição, não como cognoscível
imediatamente e por razão de si, mas mediatamente e por outro, tal
como sucede com os restantes entes não reais, e assim suposto que
a sua cognoscibilidade seja obtida por empréstimo, o signo con­
vencional reveste-se da razão do movente e representante, assim
como se reveste da razão de alguma coisa cognoscível.
Terceiro argumento: o gênero do signo é razão do representativo
e razão de um objecto cognoscível, conhecido não em último, como
o objecto, mas mediatamente. Mas a razão do representativo e a
razão de um objecto não exprimem a razão de uma relação segundo
o ser, mas de uma relação transcendental; e até a formalidade de
alguma coisa cognoscível como tal não é ente formalmente, mas
pressupostamente, uma vez que é uma propriedade do ente e, assim,
não o determinado tipo de ente que a relação é; logo, também o
signo não é o tipo de ente que a relação é.
A consequência deste argumento está à vista, porque se o gênero
não está na razão do relativo, de que modo a espécie pode pertencer
à relação? A premissa menor é admitida por nós. A maior segue-se
da definição do signo como aquilo que representa algo à potência
cognitiva; logo, ser representativo, ser um objecto ou coisa cognoscível,
são dois aspectos que pertencem essencialmente ao signo. Com efeito,
uma coisa não pode conduzir ao conhecimento do objecto, a não
ser objectificando-se e representando-se à potência; o representativo
porém não pode ser dito do signo essencialmente como espécie ou
diferença, uma vez que também convém a outras coisas, logo, deve
ser dito como gênero.
Confirma-se: o signo em geral não pode consistir na relação, logo,
o signo absolutamente não é relação. Prova-se a antecedente, tanto
porque a condição de ser signo é comum ao signo formal e
instrumental: o formal, porém, não é uma relação, mas uma qualidade,
uma vez que é uma apercepção ou conceito, com o se dirá abaixo;
como porque a condição de ser signo é comum ao signo convencional
e natural; contudo, não existe nenhuma relação comum aos dois, a
não ser a relação que abstrai do que é real e do que é de razão, na
opinião dos que dizem que a relação do signo natural é real. Porém,

125
a relação do signo é mais determinada e contraída do que aquela
que abstrai do real e de razão. Logo, o signo em geral não exprime
a relação segundo o ser, pois teria de ser posto determinadamente
em algum membro da relação, ou real, ou de razão.
Responde-se a este terceiro argumento que o representativo não
é o gênero do signo mas o fundamento, assim com o o generativo
não é o gênero da paternidade, mas o fundamento; nem o fundamento
do signo é somente o representativo, com efeito, o representativo só
remotamente se orienta para o signo a fundar, mas um tipo definido
de representativo, isto é, substituinte a favor do objecto e subordinado
a ele na representação e condução para a potência. E representar
é posto na definição do signo, assim, como fundamento que per­
tence à relação; pois o signo com o instância da relação depende
essencialmente de um fundamento. E se a relação for de alguma
causa ou efeito ou exercício, todo o exercício ele próprio é feito
através de fundamento, pois a relação, na verdade, não tem outro
exercício que dizer respeito a, se for relação segundo o ser; assim
com o o pai gera em razão do fundamento, o senhor impera em
razão do fundamento, o ministro substitui e opera em razão do
fundamento, o signo representa em razão do fundamento. E é assim
porque a razão do objecto ou da coisa representável está num signo,
primeiramente a respeito de si; pois objectifica-se à potência, e
enquanto objecto diz directamente respeito à potência com o medida
dela mesma. Tudo isto não é o gênero do signo; pois o signo diz
principalmente respeito ao objecto, ao qual subordina a própria razão
de representar. D onde o signo começa a consistir na relação
substitutiva para o objecto; porém o representativo, enquanto
conectando-se substitutivamente com o objecto, funda aquela relação,
e aquela conexão é fundamentalmente substituição.
Para confirmação, responde-se que a apercepção e o conceito
têm a razão de uma qualidade, enquanto são um acto ou imagem de
um objecto sobre a qual é fundada a relação do signo formal, relação
essa na qual o signo essencialmente consiste, enquanto é através
disso que a apercepção e o conceito substituem em favor de um
objecto. Assim como o caracter sacramental é dito, segundo S. Tomás,
na passagem supracitada, ser um signo fundamentalmente, visto que
em si é uma qualidade, todavia fundando a relação do signo, assim
o conceito e a apercepção são qualidades inform ativam ente
significantes, não objectivam ente, fundando porém a relação
constitutiva do signo formal, isto é, a relação do signo cuja
representação e exercício de significar são feitos informando.
E para confirmação da outra parte do argumento, responde-se
que o signo em geral exprime uma relação mais determinada que a

126
relação em geral, seja transcendental seja relação segundo o ser. De
lacto, aquele argumento é corrente em todas as opiniões con­
sideradas. isto é, como pode o signo em geral, que é ente deter­
minado e inferior ao ente enquanto tal, dividir-se em real e de
razão: na verdade, se o signo está numa relação transcendental, no
caso do signo natural essa relação será real, e no caso do signo
convencional será de razão. Logo, não se levanta aqui especial
dificuldade contra a nossa asserção acerca da relação do signo,
defendendo que esta deve ser relação segundo o ser. Por isso deve
dizer-se que não há nenhum inconveniente em que as coisas inferiores
se revistam de um conceito análogo e se dividam de um modo
analógico, assim como as superiores, ainda que mais restritamente
que as coisas superiores. E como os análogos de uma analogia mais
restrita são referidos a um conceito análogo mais universal, não são
postos sob um determinado e unívoco membro de uma divisão da
analogia mais universal, mas relacionam-se analogamente, tanto entre
eles próprios na analogia mais restrita, com o com os membros da
analogia mais universal. Exemplo vulgar disto está neste nome:
-sabedoria». É na verdade um conceito mais determinado que ente,
e todavia nem é determinadamente criado nem incriado, mas pode
ser dividido em cada um deles, porque p od e ser tom ado
analogicamente. Mas se «sabedoria» for tomado univocamente, assim
será determinadamente criado ou determinadamente incriado. Do
mesmo modo, o nome «homem», se tomado igualmente enquanto
abstraindo de homem verdadeiro e homem pintado, vivo e morto, é
alguma coisa inferior e menos universal que o ente, mas não em
determinado membro de alguma divisão do ente, porque é tomado
analogicamente, e portanto não com o determinadamente um, nem
determinadamente em um membro. Assim, um signo enquanto comum
ao natural e ao convencional é análogo, tal como se fosse comum
a um signo verdadeiro e pintado, real e de razão, posto que o signo
enquanto tal não está numa determinada divisão do ente ou da relação,
mas cada um dos seus inferiores estará em determinado gênero,
segundo o seu tipo.

127
Capítulo n

SE NO SIGNO NATURAL A RELAÇÃO É REAL OU DE RAZÃO

Para que seja atingido o ponto da dificuldade, importa discernir


as várias relações que podem concorrer no signo. E de algumas, no.
signo natural, não há dúvida de que possam ser reais, todavia não
são elas a formal e essencial relação do signo. Sendo a definição de
signo «aquilo que representa alguma coisa à potência cognoscente»,
se for um signo exterior à potência, é necessário, para que represente
outro, que tenha a razão do objecto cognoscível em si, para que
conhecido este a potência chegue ao outro; mas se for signo formal
e interior à potência, para que represente outro deve ser uma
representação intencional real, o que na realidade é um certo tipo de
qualidade, todavia uma qualidade com relação de semelhança para
aquilo de que é representação com uma ordem para a potência.
Da mesma forma, para que se diga representar antes isto do que
aquilo, tem de ser encontrada no signo alguma conveniência ou
proporção e conexão com um certo significado. Esta proporção ou
conveniência é variável. Algumas vezes é a de um efeito para a
causa, ou da causa para o efeito, assim como o fumo significa o fogo
como efeito, e a nuvem ou o vento significam a chuva com o causa.
Outras vezes é de semelhança, ou de imagem, ou de qualquer outra
proporção; mas nos signos convencionais é a imposição e o destino
pela comunidade. Numa palavra: visto que o signo se orienta
relativamente ao objecto e à potência, as relações ou razões que o
habilitam para a potência ou para o objecto podem preceder a
construção da razão do signo. Mas não é nisto que consiste a formal

128
e essencial natureza do signo, nem tão-pouco a relação deste para
a coisa significada, embora pensem o contrário os Conimbricenses
no seu comentário ao D e Interpretatione, q. 1, art. 2, visto que podem
separar-se e encontrar-se fora da essência do signo. Com efeito,
encontra-se a natureza de um objecto sem a natureza de um signo;
e a natureza de um efeito, ou causa, ou imagem, pode também ser
encontrada sem a natureza de signo 5. E novamente, porque a relação
para alguma coisa exprime diversos fundamentos e razões formais,
como por exem plo a relação para um efeito ou para uma causa, que
se funda numa acção; ou a relação de uma imagem, que se funda
numa semelhança de imitação sem ordem à potência; ou a relação
do signo, que se funda no mensurado relativamente à medida, ao
modo de um substituinte em favor de outro em relação à potência,
algo que as outras relações não respeitam.
Perguntamos portanto se aquela formal e propriíssima relação do
signo, que se encontra ou surge de todas as coisas envolvidas na
acomodação do signo ao objecto ou à potência, é uma relação real
no caso dos signos reais ou naturais. E confessamos que a relação
do objecto â potência, que precede a relação do signo no signo
instrumental, seja por meio de mover, seja por m eio de terminar,
não é uma relação real, porque o objecto não diz respeito à potência
por uma relação real segundo o ser, mas antes a potência diz respeito
ao objecto, depende dele e é especificada por ele. E supondo que
a" relação do objecto para a potência fosse real, e que o objecto
mutuamente respeitasse a potência, do mesmo modo que a potência
respeita o objecto, (o que que é manifestamente falso visto" que o
objecto é a medida e a potência o mensurado), todavia esta relação
não seria nem relação nem razão do signo, porque a razão de um
objecto formal e directamente diz respeito ou é respèitada pela
potência, de tal m odo que o dizer respeito entre os dois é imediato;
porém a razão do signo diz respeito ao objecto directamente, e à
potência obliquamente, porque diz respeito ao objecto com o aquilo
que deve ser manifestado à potência. Logo, diversa é a linha e a
ordem de respeitar no objecto enquanto objecto, e no signo enquanto
signo, embora para que seja signo deva supor-se um objecto.
Respondo portanto, e digo: a relação do signo natural com o seu
objecto, pela qual é constituído no ser do signo, é real e não de
razão, enquanto é considerada a partir de si e por virtude do seu
fundamento e supondo a existência do termo e das restantes condições
da relação real.

5 Novamente, neste trecho, natureza equivale ao latino ratío.

129
Esta parece ser a perspectiva mais conforme ao pensamento de
S. Tomás. Primeiro, porque ele ensina que a relação do signo no
carãcter do sacramento é fundada numa qualidade acrescentada ã
alma, qualidade essa que é um fundamento real, com o está exposto
na Suma Teológica, III, q. 63, art. 2, resp. obj. 3; e no Com entário
às Sentenças de Pedro Lom bardo, dist. 4, q. 1, art. 1. E fala de
fundamento próximo, porque impugna aqueles que disseram ser essa
relação fundada imediatamente sobre a alma, e ensina que outra
coisa deve mediar, sobre a qual se funde a relação do signo do
carácter sacramental, isto é, a qualidade do carácter; logo, fala do
fundamento próximo. E na Suma Teológica, I, q. 16, art. 6, diz que
embora a saúde não resida na urina e na medicina, «há todavia
alguma coisa em ambos pela qual a medicina produz e a urina
significa saúde». Logo, a relação do signo natural é fundada em alguma
coisa real, alguma qualidade do tipo da que funda a relação da urina
para a saúde, nomeadamente em algo que tem em si, para que
signifique, assim como a medicina tem em si alguma coisa para que
produza saúde.
E o fundamento da conclusão é deduzido da própria natureza e
essência do signo, a qual consiste nisto, que seja alguma coisa mais
conhecida pela qual se represente e se manifeste o mais desconhecido,,
como bem nota S. Tomás em D e Verilale, q. 9, art. 4, resp. obj. 5,
e no C om entário às Sentenças de Pedro Lom bardo, IV, dist. 1, q. 1,
art. 1, quaestiunc. 1, resp. obj. 5, quaestiunc. 2. Mas para que alguma
coisa seja mais conhecida do que outra e torne essa outra cognoscível
e representãvel, requer-se que a cognoscibilidade da primeira .seja
mais capaz do que a da outra para mover a potência, e determinada
ou afectada por tal objecto, que mova a potência para conhecer
antes um determinado objecto do que outro, quer essa moção e essa
representação se façam formalmente, quer se façam objectivamente.
Mas para que alguma coisa em si própria seja cognoscível, não pode
ser simples produto da razão; e que seja mais cognoscível
relativamente a outra coisa, tomando-a representada, é também alguma
coisa real no caso dos signos naturais. Logo, a relação do signo, nos
signos naturais, é real.
A premissa menor tem duas partes, a saber, que a coisa em si
própria seja cognoscível realmente, e também que relativamente a
outra torne essa outra representada e cognoscível realmente.
E q u a n t o à p rim e ira p arte d a p re m iss a m e n o r, é p r o v a d a p o r q u e
a c o is a é c o g n o s c ív e l a n te s d e to d a a o p e r a ç ã o d o in telecto. Se, c o m
efeito , fo s s e to rn a d a c o g n o s c ív e l p e la o p e r a ç ã o d o in telecto, seria
c o g n o s c ív e l p o r s e r c o n h e c id a , e a ssim n ã o se ria c o g n o s c ív e l a n tes
d a c o g n iç â o , o q u e é a b s u rd o , p o r q u e e m n ó s a c o g n iç ã o é tirada

130
do cognoscível; mas se o cognoscível é tornado cognoscível pela
razão ou pelo conhecimento, então o conhecimento é anterior à
cognoscibilidade, e então o conhecimento não é tirado da cognos-
dbilidade como de um objecto.
Nada obsta a que o cognoscível ou objecto diga respeito à potência
não por uma relação real, mas por uma relação de razão, porque a
própria realidade da cognoscibilidade é provada mais firmemente a
partir deste facto. Pois é porque a potência depende do objecto, e
não o objecto da potência, que o objecto diz respeito à potência por
uma relação de razão; e o objecto funciona como medida, enquanto
a potência funciona com o mensurado, que pertence às relações de
terceira ordem , nas quais o mensurado é dependente, e por
conseguinte diz respeito realmente; todavia a medida não depende
do mensurado, e assim só por uma relação de razão diz respeito
àquele. Ora, apesar de tudo, isto mesmo prova uma maior realidade
na própria razão da medida, enquanto é menos dependente e por
isso, de menor realidade na sua relação ao mensurado, assim como
Deus ser senhor relativamente é alguma coisa de razão, mas segundo
o poder é alguma coisa real. E de modo semelhante o acto livre é
realmente livre em Deus e de muito maior realidade, porque só por
razão é referido ao objecto livre, enquanto realmente dele não
depende. Assim, o cognoscível no objecto real é absolutamente e em
si alguma coisa real, mas relativamente à potência é alguma coisa de
razão. Mas o facto de a cognoscibilidade numa coisa ser maior ou
mais clara do que em outra não se retira da relação de razão para
a potência, que em todo o objecto ocorre, mas da maior força e
eficácia de m over e manifestar, que em si é alguma coisa real.
A segunda parte da premissa menor mostra-se porque embora o
cognoscível, na sua ordem e relação à potência, seja alguma coisa de
razão, todavia em si é alguma coisa realmente cognoscível. Logo,
para que um signo natural não seja só cognoscível em si e a respeito
de si, mas também a respeito de outro, de que faz as vezes e a favor
do qual se substitui na cognoscibilidade e na apresentação, a relação
deve intervir realmente. A consequência é manifesta, porque a relação
substitutiva nos signos naturais se funda na cognoscibilidade real e
na conexão real do signo com determinado significado, para que o
signo represente o significado não em conexão com a potência. Logo,
o signo natural será um substituto daquela determinada coisa e dir-
-Ihe-á respeito com o objecto por uma relação real, embora tal
cognoscibilidade não diga respeito à potência realmente. Pois o facto
de que o fumo represente antes o fogo do que a água, e o vestígio
do boi antes o boi que o homem, e o conceito de cavalo represente
antes o cavalo que a pedra, funda-se em alguma proporção real e

132
intrínseca desses signos com aqueles objectos; ora, de uma proporção
e conexão reais com alguma coisa nasce a relação real. Donde
acontece que alguns autores estão fortemente enganados a respeito
disto, pois sem discussão, ao verem que a cognoscibilidade ou
apreensibilidade do signo funda a relação do signo, e que esta
apreensibilidade é uma relação de razão para a potência, julgam que
a própria razão do signo é simplesmente uma relação de razão.
Além disso, nisto fortemente se enganam, porque a relação de
cognoscibilidade para a potência precede e é pressuposta para a
razão do signo: pois pertence à razão comum do objecto ou
cognoscível. Mas requer-se ainda para a razão do signo que a sua
cognoscibilidade seja ligada e coordenada com outro, isto é, com o
objecto, de tal maneira que o substituto p or esse outro seja
subordinado e sirva para o remeter à potência. E assim a relação
desta cognoscibilidade do signo com aquela do objecto será também
essencialmente uma relação real, porque se funda na proporção e
maior conexão que esta cognoscibilidade tem para aquela, mais do
que para outra, de tal maneira que o signo pode substituir e fazer as
vezes da'quela cognoscibilidade, e isto é dado da parte da realidade,
sendo o exercício de representar à potência igualmente dado da
parte da realidade, embora a ordem e a relação para a potência não"
seja real; pois uma coisa é saber se a relação do objecto com
a potência é real, outra bem diferente é saber se a representação
é real.
Segundo S. Tomás, em D e Veritate, q. 3, art. 1, resp. obj. 2, «para
a espécie, que é um meio, requerem-se duas coisas, ou seja a
representação da coisa conhecida, que pertence à espécie segundo
a proximidade ao cognoscível, e a existência espiritual, que lhe
pertence segundo o ser que tem no sujeito cognoscente». Onde
pondero aquelas palavras: «a representação que pertence à espécie
segundo a proximidade etc.». Logo, a representação, no signo natural,
funda-se na proximidade do signo com o objecto cognoscível, a
favor do qual substitui e a respeito do qual é meio. Esta proximidade
será uma relação real no caso das coisas que são proporcionadas e
ligadas realmente, porque tem um fundamento real.
Do que foi dito concluirás que mesmo nos signos convencionais
a razão do signo deve ser explicada pela relação ao objecto significado.
Mas essa relação é de razão, e contudo o signo não consiste apenas
na denominação extrínseca, pela qual é imposto ou determinado
pela comunidade para significar, como alguns autores mais recentes
pensam, a partir do facto de que sem aquela ficção do intelecto,
somente pela própria imposição o §igno é denominado.

132
Porém, esta imposição é requerida, na verdade, como fundamento
da razão e relação do signo, porque é através desta imposição que
alguma coisa se habilita e é destinada para que seja signo
convencional; assim como é através do facto de algum signo natural
ser proporcionado e ligado com um dado objecto que é fundada a
relação do signo com esse objecto.
E assim, daquela denominação extrinseca, da destinação e da
imposição, surge uma dupla relação de razão.- a p rim eira é comum
a toda a denominação extrinseca, enquanto a denominação extrinseca
é concebida pela inteligência ao m odo de uma forma e relação
denominante, como, por exemplo, o ser visto é concebido relati­
vamente ao que vê, o ser amado relativamente ao amador; a segunda
é a relação particular pela qual uma denominação se distingue de
outra. Com efeito, a destinação e a imposição da comunidade para
várias funções não se distinguem a não ser pela relação a essas
funções para o exercício das quais são destinadas, assim como alguém
é destinado ou instituído para qualquer função, para que seja juiz,
presidente, médico, e algumas outras coisas são destinadas para que
sejam signos ou insígnia dessas funções, e semelhantemente são
destinadas as palavras, a fim de servirem à conversação dos humanos.
Estas funções provêm da escolha da opinião pública, que é uma
denominação extrinseca. Além disso, distinguem-se porque o juiz é
ordenado para julgar uns certos súbditos, o presidente para reger, o
professor para ensinar: estas distinções são tomadas através de uma
ordem para os seus ofícios, ou objectos acerca dos quais se exercem,
e não são explicadas de nenhum outro m odo a não ser pelas relações;
logo, são distinguidas pelas relações com as suas funções e objectos.
O mesmo se deve dizer acerca dos signos convencionais, embora
estes sejam fundados pela denominação extrinseca da imposição.
E cessando a relação, estes signos são ditos permanecer funda-
mentalmente, enquanto aquela destinação da comunidade é dita
permanecer moral ou virtualmente.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Argumentos para provar que o signo natural é um relativo de


razão podem ser postos de duas perspectivas: ou do ponto de vista
em que o signo se relaciona à potência, ou do ponto de vista em
que se relaciona ao objecto.
D a parte que d iz respeito ã potência, o argumento é comum mas
difícil de resolver: com efeito, o signo diz respeito à potência por
uma relação de razão. Mas esta relação é intrínseca e essencial ao

233
signo, e até mais principal. Logo, o signo natural não consiste
precisamente na relação real.
A premissa maior é certa porque entre o signo e a potência
encontra-se uma ordem da mesma linha e razão que a existente
entre o objecto e a potência. O signo, com efeito, é um tipo de
objecto ou substituto de um objecto, e, assim, nesta qualidade move
a potência objectivamente, não efectivamente, e portanto diz respeito
à potência na mesma ordem que o objecto. É evidente, por outro
lado, que o objecto se relaciona à potência por uma relação de
razão, porque não existe uma relação mútua e recíproca entre a
potência e o objecto. Logo, do ponto de vista do outro extremo, do
objecto, não há uma relação real; mas o mesmo não sucede do
ponto de vista da potência, porque esta diz respeito ao objecto
realmente, logo, a relação entre potência e objecto será de razão do
ponto de vista d o objecto. Contudo, especialm ente o signo
instrumental, não pode manifestar alguma coisa à potência a não ser
enquanto conhecido; mas ser conhecido é alguma coisa de razão.
Logo, o signo instrumental conduz para o objecto mediante alguma
coisa de. razão, isto é, mediante ser conhecido.
A premissa menor, na verdade, prova-se: quer porque o signo é
um instrumento, do qual se serve a potência para chegar ao objecto;.
quer porque o fim, para o qual o signo é ordenado, é a manifestação
do objecto à própria potência. Logo, a própria potência, ou antes, a
sua cognição, para a qual o signo conduz, é o fim principalmente
intentado pelo signo, e portanto uma ordem para a potência é
intrínseca e essencial ao signo.
E confirma-se o que foi dito porque os signos formal e instrumental
diferem na razão do signo, como diremos na questão seguinte, e
contudo não diferem por causa da diversa ordem para o objecto,
mas para a potência. Pois o fumo como signo instrumental e o conceito
com o signo formal de fogo dizem respeito ao mesmo objecto, ou
seja, o fogo; mas o fumo diz-lhe respeito instrumentalmente, e o
conceito formalmente. Logo, diferem pelas diversas ordens para a
potência, e assim, esta ordem é essencial ao signo, enquanto o signo
formal diz respeito à potência com o forma da cognição, e o
instrumental com o movente extrínseco.
Responde-se que, quer a ordem para o objecto e para a potência
no signo seja somente uma, quer seja dupla (assunto que será tratado
na questão seguinte), todavia, como é signo estando sob tal for­
malidade, não diz respeito à potência directa e principalmente, nem
como medida dela, mas comovia de acesso a ... e condutor da potência
para aquilo, que é o seu objecto e lhe é manifestável, ou seja, o
referente. Sendo assim, tanto a potência como o signo dizem respeito
ao referente com o objecto manifestável, pelo qual são especificados
e medidos, a potência como virtude cognoscente e tendendo para o
objecto, o signo como via e meio pelo qual a potência tende para
o objecto. Mas que o signo seja também objecto e conhecido primeiro,
para que por ele a potência tenda para o referente, não é o que
essencialmente constitui o signo enquanto signo; pois o signo formal,
sem ser objecto conhecido pela potência, mas forma tornando a
potência cognoscente, manifesta o objecto à potência. Logo, o que
pertence essencialmente à razão do signo é a sua qualidade de
substituinte a favor de um objecto na representação desse objecto à
potência, substituição essa que exprime uma subordinação real e
uma relação para o referente com o para um objecto principal, e esta
é a relação essencial e formalmente constitutiva do signo, embora
obliquamente o signo também atinja a potência, enquanto diz respeito
ao objecto como manifestável à potência.
Por isso, responde-se em forma ao argumento: distingo que o
signo diga respeito à potência por uma relação de razão: que
fòrmalmente, enquanto signo, diga respeito à potência por uma relação
directa e da medida para o mensurado, nego; que o signo diga
respeito à potência pressupostamente e como certo objecto que é,
concedo.
E para prova diz-se: nego que o signo esteja em linha e ordem
de um objecto principalmente e essencialmente, e que enquanto
■objecto seja uma medida; concedo que o signo esteja na linha e na
ordem de um objecto como substituinte e fazendo as vezes do objecto.
Donde o signo não diz respeito à potência da mesma maneira que
um objecto, mas respeita o objecto manifestável directamente, e a
potência obliquamente, assim como um hábito, que está nas potências,
respeita o objecto pelo qual é especificado directamente, embora
para adjuvar a potência a respeito desse objecto. Nem o signo
instrumental se funda em ser conhecido quanto à razão do signo,
mas ser conhecido requer-se para o próprio exercício de significar,
não para que o signo instrumental seja constituído no ser d o signo
relativamente a um objecto com o seu substituto; pois isto já o signo
possui antes de ser conhecido, porque o signo não consiste na
representação actual, mas no poder de representar.
E para primeira prova da premissa menor responde-se que o
signo é dito ser um instrumento da potência, do mesmo m odo que
é dito ser um instrumento do objecto e substituto dele para se
manifestar a si à potência. Com efeito, o signo não é instrumento da
potência do ponto de vista da eliciação do acto cognitivo, quase
como se a potência eliciasse o seu acto por meio do signo, mas do
ponto de vista da representação de um objecto, enquanto o objecto

135
é manifestado por meio do signo, e assim um signo é mais
principalmente subordinado ao objecto enquanto é aquilo a favor de
que substitui na representação à potência.
Para segunda prova da menor responde-se que o fim do signo é
manifestar um objecto à potência, manifestação essa a partir de uma
subordinação ao próprio objecto como a um principal, a favor do
qual o signo sub-roga e substitui ao representar. Contudo, o que a
partir da subordinação e substituição por outra coisa diz respeito a
algum fim, diz respeito àquilo a favor de que substitui mais
principalmente do que àquilo a que, ou fim ao qual tende, porque
diz respeito a este último como fim-efeito, enquanto diz respeito
àquilo pelo que é substituído como fim-por-causa-do-qual; pois é
pela subordinação a este último que diz respeito ao primeiro como
seu efeito.
Para confirmação responde-se que se a divisão do signo em formal
e instrumental é essencial, não se toma da ordem para a potência,
mas das diversas ordens para o objecto. Com efeito, os diversos
modos de afectar a potência, como objecto primeiro conhecido ou
como conceito intrinsecamente informante, redundam nas diversas
razões de manifestar e representar o objecto, porque a própria
manifestação e representação é um tipo de movimento. E assim o.
modo de afectar a potência, que faz variar o movimento, redunda na
variedade das representações. Contudo, as diversas representações
dizem respeito ao objecto sob diversas formalidades ou razões formais
do representável, porque a representação e o representável devem
ser proporcionais, e variando um, varia também o outro, e assim os
signos se tomam formalmente diversificados por razão do objecto e
do representável, embora materialmente possam ser signos do mesmo
objecto.
Um segundo argumento, para defender que o signo natural é
alguma coisa relativa de razão, pode ser provado porque mesmo da
parte do signo enquanto diz respeito ao objecto e na ordem para
aquele objecto não existe uma relação real. Em primeiro lugar, quando
o objecto não existe, apesar disso o signo não é formalmente menos
signo a respeito desse objecto, porque o representa em acto à própria
potência, e então a relação para o objecto não existente não é real.
Segundo, quando o signo representa algum ente de razão, como o
conceito de quimera, ou a efígie e imagem exterior daquela. Terceiro,
a relação do signo natural com o seu objecto não é real, porque a
relação do signo difere da relação de imagem só por isto — que o
signo toca o objecto como o que é representado à potência, a imagem,
porém, representa o exemplar como devendo ser imitado por si.
Mas no objecto ser representável à potência não é alguma coisa real,

136
mas de razão, porque o objecto nào se ordena à potência cognoscente
por uma ordenação e relação real, mas como manifestável, e assim
é como outros objectos, que não dizem respeito à potência por uma
relação mútua. Logo, o signo é atingido pelo objecto sob uma certa
formalidade de razão, e portanto não por uma relação real.
Finalmente, entre os signos naturais, a relação do signo com o
objecto não é real, porque o próprio exercício de representar ou
significar não põe nada de real no objecto. Com efeito, não se produz
uma mudança no objecto pelo facto de ser representado pelo signo;
produz-se porém uma mudança real na potência quando é movida
de novo pelo signo. Logo, a respeito do objecto, a relação de signo
não é real, porque nào pode ser mais real o poder de significar do
que o seu acto ou exercício.
Para a primeira prova responde-se que o signo, não existindo o
objecto, não permanece signo formalmente, mas fundamentalmente,
porque cessa a razão formal e actual de substituição, não existindo
o objecto pelo qual substitui. Mas a possibilidade de se manifestar a
si próprio, assim como o objecto ausente, permanece, porque
permanece a proporção ou conexão para esse objecto, a qual pode
fundar a relação de signo; e em virtude desta proporção ou conexão
é feita a representação, não em virtude da relação pela qual o signo
é formalmente constituído na razão do substituído.
Para a segunda prova diz-se que o conceito de ente de razão, ou
imagem da coisa quimérica, representa a coisa impossível ao modo
das coisas possíveis, assim como a quimera é representada pelas
suas partes, as quais são alguma coisa real, como a cabeça do leão,
o corpo da cabra e a cauda da serpente, embora tal conjunção não
exista na realidade. E para isto mesmo, que em tal objecto é pura
quimera e ente de razão, não é dada a relação real do signo natural,
mas pode ser dado um elemento manifestativo e representativo real,
ou seja, a espécie representando o ente de razão à semelhança do
ente real, mas este manifestativo não requer uma relação real, nem
exprime a formalidade do signo, mas a razão transcendental do
representativo.
Para a terceira prova responde-se que o referente, enquanto objecto
manifestável à potência, é em si alguma coisa de real, embora não
seja referido por uma relação mútua nem à potência, à qual é
representável, nem ao signo, pelo qual é representável. Na verdade,
porque o objecto na sua ordem está menos dependente da potência
que a potência dele próprio, não tem como objecto uma relação
recíproca para a potência. Donde, assim como o conhecimento e a
potência dizem respeito ao objecto por uma relação real do terceiro
gênero, embora o objecto não tenha uma relação real com a potência,

137
porque é suficiente para este tipo de relação a realidade do termo no
ser da coisa, e não na formalidade do termo; assim, a relação do
signo com o mesmo objecto com o significável à potência é real,
porque na ordem do ser real esse objecto é real, embora a relação
do objecto com a potência ou com o próprio signo não seja real.
Para última prova responde-se que o exercício do signo não põe
coisa alguma no objecto, visto que o signo antes respeita e depende
do objecto, enquanto substituinte a favor desse objecto. Mas se o
signo alterasse o objecto realmente, este diria respeito ao signo, pelo
qual seria mudado, realmente. Donde do facto de que o signo não
altere o objecto realmente, não se segue que o signo não diga respeito
ao objecto realmente, mas que o objecto não se relacione ao signo
realmente, o que sem objecções concedemos. Mas importava provar
que o signo não é alterado ou dependente realmente do objecto que
substitui. Em relação à potência, contudo, o signo move-a realmente
objectivamente, não agindo eficientemente, como abaixo se diz. Mas
tal moção pertence ao signo não enquanto signo formalmente, mas
como objecto; logo, mover substituindo a favor de outro é próprio
do acto do signo, ou significar; mas assim o signo importa a relação
de um substituto para o objecto, e então enquanto é signo, não diz
respeito directamente à potência movida, mas ao objecto, a favor do.
qual substitui para mover a potência.
Terceiro argumento: o signo natural e o convencional coincidem
univocamente na razão do signo. Logo, não pode um ser real, e o
outro de razão, porque nada é unívoco para relações reais e de
razão, nem são ambos, signo natural e convencional, alguma coisa
de real, visto que é sabido que o signo convencional é alguma coisa
de razão; logo, ambos são alguma coisa de razão.
Prova-se a antecedente: a razão de um objecto ou cognoscível é
unívoca no ente real e no de razão, porque pertence a tipos unívocos
de conhecimento e à mesma potência cognitiva. Com efeito, a Lógica,
que trata do ente de razão, e a Metafísica, que trata do ente real, são
ciências unívocas. Logo, os objectos das mesmas são univocamente
objectos e coisas cognoscíveis. Do mesmo m odo o signo natural e o
convencional são signos univocamente, visto que a razão do signo
e do significável é da ordem do objecto e do cognoscível, a favor do
qual o signo substitui.
Isto confirma-se por aquele vulgar argumento de que, pelo facto
de aquilo que é comum ao signo ser de determinada espécie de ente
ou relação, o signo deve ser posto em determinada categoria ou
gênero, mas não pode ser abstraído do real e de razão. Portanto na
própria categoria de relação não é claro em qual dos três tipos
essenciais o signo deve ser posto. .Na verdade, nem sempre é posto

138
na ordem da medida e do mensurado, visto que algumas vezes o
signo não é aperfeiçoado pelo objecto, mas o contrário, como sucede
quando uma causa é signo do causado, como a nuvem é signo da
chuva; nem também facilmente se mostra entre os signos que são
efeito, por exem plo de que m odo o fumo é medido pelo fogo, ou
também de que m odo na imagem se distinguem as duas relações de
medida, uma na razão da imagem, outra na razão do signo, se na
verdade estas razões são diversas.
Responde-se ser verdade que a razão do cognoscível e do objecto
no ente real e de razão pode ser unívoca; com efeito, uma coisa são
as divisões do ente na ordem das coisas reais, outra bem diferente
são as divisões na ordem do cognoscível, como bem ensina Caetano
no Com entário à Suma Teológica, I, q. 1, art. 3. E assim a razão do
cognoscível não é a razão do ente formalmente, mas só é ente
pressupostamente; pois o verdadeiro é uma afecção do ente, e assim
formalmente não é ente, mas consequente para o ente e pressu­
postamente ente; mas o verdadeiro é o mesmo que o cognoscível.
Donde pode muito bem ser que algum ente incapaz de existência
real seja capaz de verdade, não como sujeito, mas com o objecto,
enquanto não tem em si a entitatividade que enquanto sujeito funda
a verdade e a cognoscibilidade, mas tem o que enquanto objecto
pode ser conhecido à semelhança do ente real, e assim estar
objectivamente no intelecto enquanto verdadeiro.
Donde, embora entitativamente, o ente real e o ente de razão
sejam, todavia, análogos objectivamente, visto que um à semelhança
de outro é representado, mesmo entes que não são unívocos
entitativamente podem coincidir na razão unívoca do objecto; como
Deus e a criatura, substância e acidente na razão de um cognoscível
metafísico, ou de alguma coisa inteligível pelo intelecto. A razão do
signo, porque não consiste absolutamente na razão do objecto, mas
na substituição relativamente a outro, que é suposto ser objecto ou
referente, para que seja representado à potência não pertence à ordem
do cognoscível absolutamente, mas relativa e ministerialmente; e para
este papel, a razão do signo reveste-se de alguma coisa da ordem
entitativa, ou seja, como é relação e como traz a ordem do cognoscível
para a ordem d o relativo, e por este papel a relação do signo natural,
que é real, não coincide univocamente com a relação do signo
convencional, que é de razão.
A resposta à questão vem confirmada no capítulo precedente,
próximo do fim. À dificuldade acrescentada acerca da espécie, na
qual se põe o signo na categoria de relação, responde-se que pertence
ao gênero da medida e do mensurado. Pois o objecto funciona sempre
como principal coisa a ser representada, e o signo como servindo e

139
ministrando nesta ordem, e assim o signo diz respeito ao seu principal
como medida extrínseca na ordem do representável, e por
aproximação àquela medida, o signo é tão mais perfeito quanto melhor
representa. E assim, o fumo respeita ao fogo como medida na razão
do representável, não na ordem do ente. E a imagem como imagem
respeita ao exemplar como medida na imitação e derivação dele
próprio como de um princípio, mas na razão do signo uma imagem
representa o exemplar enquanto medida na ordem do representável
e manifestável â potência, relações essas que são diversas. Embora
relações de causa ou efeito sejam encontradas nos signos — sejam
eficientes ou formais relativamente ao seu objecto — tais relações
não são formalmente a própria relação do signo, mas alguma coisa
pressuposta ou concomitante, tornando este signo proporcionado a
um objecto, de preferência a outro, mas a relação do signo
propriamente dita é para um objecto como coisa representável à
potência, não como efeito ou causa.
Capítulo m

SE É A MESMA A RELAÇÃO DO SIGNO COM O OBJECTO


E COM A POTÊNCIA

É certo que nos signos externos, e que primeiramente se conhecem


para que conduzam ao objecto, se encontra uma ordem para a
potência, tal como sucede com alguns objectos conhecidos e
terminando a cognição, uma vez que cíaramente se vê que tais signos
são conhecidos como objectos, assim como o fumo primeiramente
se vê como objecto, e depois pelo conhecimento de si conduz ao
referente. Donde a relação ou ordem do signo para a potência, na
razão de um objecto, deve ser distinta da ordem ou relação na razão
do signo, visto que, nesta razão de um objecto, o signo coincide
com outros objectos que não são signos, e respeita objectivamente
à potência do mesmo modo que aqueles outros objectos.
Logo, para que um signo externo não só puramente objectivamente
mas também significativamente respeite à potência, resta inquirir se
aquela mesma relação pela qual o signo diz respeito ao objecto, e
em ordem para o qual se reveste da razão do signo, é a mesma
relação pela qual o signo também diz respeito à potência, à qual o
objecto deve ser manifestado pelo signo; ou se um signo externo
tem uma relação para o objecto já purificada e desligada da relação
à potência, potência que o signo, na razão de um objecto, respeita
por uma segunda relação, concorrendo uma e outra relação para
constituir a razão do signo; ou até se na própria razão do signo, além
da razão do objecto, pode encontrar-se uma dupla relação, uma para
a potência e outra para o objecto.
E a razão da dificuldade surge porque, por um lado o signo não
diz respeito ao objecto apenas em si, mas numa ordem para a potência,

141
já que na definição de signo se inclui uma ordem para essa potência,
ou seja, que o signo é manifestativo à potência. Se, portanto, a razão
do signo exprime essa relação para a potência; ou o signo diz respeito
ao objecto significado por uma única e mesma relação, e surgem as
dificuldades que abaixo devem ser tratadas, porque o objecto e a
potência são termos totalmente diversos, visto que em relação à
potência só existe uma relação de razão: em relação ao objecto existe
a ordem do mensurado para a medida, em relação à potência, pelo
contrário, a potência é mensurável pelo próprio signo externo como
por um objecto conhecido; ou são diversas as relações do signo para
a potência e para o objecto, e assim o signo não estará na categoria
de relação, porque na razão do signo não existe uma única relação,
mas uma pluralidade de relações.
Seja todavia a conclusão: se a p otência e o objecto são considerados
com o termos directam ente atingidos p ela relação, necessariamente
exigem um a dupla relação no signo, mas deste modo um signo externo
d iz respeito à p otên cia directam ente com o objecto, não form alm ente
com o signo. Se porém se considera a p otência com o term o tocado em
oblíquo, çntão o objecto e a p otência são atingidos pela ú n ica relação
do signo, e esta relação é a p róp ria e fo rm a l razão do signo.
Assim, uma relação existente, una e a mesma, pode ser terminada.
para dois termos, um directamente, outro obliquamente, o que é
simplesmente ter apenas um termo na razão formal do termo.
Não coincidem nesta conclusão muitos dos autores mais recentes.
Alguns, com efeito, julgam consistir o signo em duas relações
concorrendo igualmente, uma para o objecto, outra para a potência.
Outros consideram no signo, enquanto distinto do objecto, duas
relações, ao objecto e à potência, que embora não constituindo
igualmente a razão do signo, são contudo intrínseca e essencialmente
requeridas para aquele. Mas de que modo uma destas relações se
relaciona com a outra, se como gênero, ou como diferença, ou como
propriedade, ou como modo, torna-se-lhes dificílimo explicar. Outros
fundem a potência e o objecto, como se fossem partes materiais,
num termo formal integral e único. Outros autores negam que o
signo com o signo diga respeito à potência, e há ainda outros que
negam que diga respeito ao objecto, sustentando que toda a essência
do signo consiste numa certa apreensibilidade pela potência, como
meio para conhecer o outro. Embora estas últimas opiniões sejam
geralmente rejeitadas, porque a definição de signo postula o objecto,
que é manifestado, e a potência, à qual é representado; contudo
alguns concedem pertencer à intrínseca razão do signo apenas ser
.capaz de terminar a potência como meio pelo qual Ou no qual é
conhecido o objecto, mas que não pertence à natureza intrínseca do

142
signo ser referido à potência, nem por ordem real ou transcendental,
nem por uma relação de razão, embora do ponto de vista do nosso
modo de conceber o signo não seja apreendido sem tal ordem.
Todavia, a conclusão posta é provada.
£ quanto à primeira parte, que a potência e o objecto como
termo directamente atingido postulam uma dupla relação, assim é,
porque a potência não é respeitada directamente excepto pelo seu
próprio objecto, seja movente ou terminante; com efeito a potência
diz directamente respeito ao objecto com o objecto, contudo o signo
não exprime directamente a razão de um objecto, mas do substituinte
a favor do objecto e do meio entre o objecto e a potência, logo, o
signo diz directamente respeito ao objecto a favor do qual se substitui,
enquanto é signo. Logo, como directamente diz respeito à potência,
é necessário que seja tomado na razão do objecto, e não na razão
do signo; e assim atinge directamente a potência por uma outra
relação que não a relação do signo, que é ser várias relações. Em
suma: uma relação directa de um objecto à potência e orientando-
-se directamente para a potência, e a relação de um objecto com
o signo procedem de modos opostos, porque a potência é mo-
vível pelo signo — pois é movida como por um representante do
objecto — , mas o próprio objecto não é movível pelo signo, mas
manifestável, ou é aquilo a favor de que o signo faz as vezes na
representação. Logo, se estas relações são tomadas directamente,
dizem respeito a termos distintos mesmo formalmente na razão do
termo.
E não pode ser dito que o signo é relativo ao objecto -e não à
potência, mas apenas termina a potência. Com efeito, repugna intelec-
cionar que o signo se refira ao objecto, se é desligado da potência
e concebido sem nenhuma ordem para ela, porque o signo enquanto
diz respeito ao objecto, traz e apresenta aquele à potência. Logo,
esta relação com o objecto com o possibilidade de manifestar é
contraditória com estar desligado da potência. Se contudo o signo
não existe absolutamente em relação à potência, mas dependente e
ordenadamente para ela, tem, por consequência, uma relação para
com essa potência.
Isto é confirmado porque embora um objecto a respeito da potência
não seja constituído essencialmente numa relação para aquela, antes
a potência dependendo do objecto, contudo o signo, que faz as
vezes do objecto representando e exibindo-se à potência, necessaria­
mente inclui esta relação; tanto porque a substituição a favor de
outro sempre está numa ordem para alguma coisa, e com o o signo
substitui e faz as vezes do objecto numa ordem para a função de
representar à potência, o signo deve necessariamente exprimir uma
ordem para a potência; tanto porque representar é fazer um objecto
presente à potência, logo se o signo é meio e substituto do objecto
na representação, necessariamente envolve uma ordem para aquilo
que representa ou faz presente, e isso é a potência.
A segunda parte da conclusão é assim provada: a relação do
signo com o objecto é uma relação ao modo da representação ou da
sua aplicação à potência, logo, o signo deve dizer respeito ao objecto
como termo directo e «que» de si respeite, respeito que também
atinja a potência em oblíquo e como termo -para o qual». Repugna,
com efeito, nestas relações, as quais existem por modo de substituir
e representar, que digam respeito àquilo cujas vezes fazem, e não
àquilo em ordem para que se substituem, porque é ao substituir-se
ou fazer as vezes de alguma coisa segundo alguma determinada
razão e em ordem a algum determinado fim, que uma coisa faz as
vezes de outra; de outro modo aquela substituição não seria
determinada, porque é determinada pelo fim para o qual é feita.
Logo, se a relação de representar e de fazer as vezes de alguma
pessoa é determinada, importa que diga respeito àquela pessoa, e
que também atinja isto, por causa do que e em ordem ao que se
substitui; com efeito, é a partir desse momento que é uma substituição
determinada. E assim, como o signo faz as vezes e representa o '
objecto substituindo-se a favor daquele determinadamente (para que
tome presente o objecto à potência), necessariamente nas próprias
entranhas e íntima razão de tais substituições e representações do
objecto, como é uma substituição e representação determinada, é
envolvida alguma relação para a potência, porque é para isto que o
signo se substitui, para que represente à potência.
Qualquer que seja o modo como a mesma relação é dita atingir
directamente o objecto e obliquamente a potência, omissas muitas e
variadas explicações, a resposta mais adequada parece ser que o
signo diz respeito à potência obliquamente enquanto o ser
manifestável à potência é incluído no próprio objecto. E assim, como
o objecto não é aquilo a que se diz respeito como sendo alguma
coisa de absolutamente em si ou segundo alguma ordem, mas como
manifestável à potência, necessariamente a própria potência é tocada
obliquamente por aquela relação, a qual atinge o objecto não por
subsistir nele precisamente como é em si, mas enquanto é manifestável
à potência; e assim de alguma maneira a relação do signo atinge a
potência na razão de alguma coisa manifestável a outro, não por
separadamente atingir a potência, mas por atingir aquilo que é
.manifestável à potência, assim como, por exemplo, a virtude da religião
diz respeito, pelo seu objecto formgl, ao culto como algo para ser

144
oferecido a Deus, não que diga respeito a Deus directamente, pois
então seria uma virtude teológica, antes dizendo respeito ao culto
directamente e a Deus indirectamente, enquanto Deus está contido
no culto como termo para o qual o culto é oferecido, e a religião diz
respeito ao culto como estando sob aquele termo, e não absolutamente
ou sob alguma outra consideração. O mesmo se passa com a ordem
para o bem, que desejo ao amigo na amizade; pois essa ordem não
é terminada para o bem querido absolutamente, mas para um bem
querido como atribuível ao amigo, e o amigo como termo daquele
bem querido para alguém termina a mesma relação, embora não
como objecto directo, mas como incluído no objecto directo, pelo
facto de esse objecto directo, o bem desejado, ser respeitado enquanto
relativo a esta pessoa e não absolutamente.
É verdade que para que o signo diga respeito ao objecto deste
modo, isto é, como manifestável à potência, é essencialmente
pressuposto que o próprio signo diga respeito à potência por uma
outra relação, ou enquanto objecto apreensível — se for signo
instrumental — ou enquanto forma constituinte da apreensão — se
for signo formal — , assim servindo para chegar ao conhecimento de
outro como signo formal ou instrumental. Contudo esta relação do
signo para a potência, como dissemos no início do capítulo, não é
signo enquanto signo formalmente, mas enquanto objecto ou forma;
pressupostamente todavia, esta relação do signo para a potência é
requerida, porque um signo externo também é um objecto que move
a potência, e a não ser que a mova como objecto, não se manifestará
como signo, mas formalmente uma relação é distinguida da outra. E
embora por virtude da relação para o objecto, na qual é incluída
obliquamente a potência à qual esse objecto é manifestável, um
signo não exercesse representação, a não ser que a moção da potência
fosse conjugada com o signo enquanto objecto movente, contudo é
devido àquele dizer respeito ao objecto que esse movimento de
estimulação é significativo, isto é, representando e substituindo-se a
favor do outro que significa, e não principalmente a favor de si.
Disto deduz-se que a apreensibilidade do signo não é a própria
razão fundante da relação do signo imediata e formalmente, porque
ser apreensível ou cognoscível é a razão do objecto enquanto objecto,
a qual só pressupostamente é requerida para a razão do signo; mas
que o fundamento da relação do signo é a própria razão do meio
que o signo tem para o significado como manifestável à potência,
substituindo-se por aquele significado na razão de mover e representar.
Muito menos é o conhecido ou apreendido no signo, que alguns
chamam apreensibilidade próxima, que funda ou completa a razão

10
145
do signo, porque ser conhecido não pertence à razão do signo, mas
ao seu exercício (com efeito, quando em acto representa, em acto é
conhecido), não enquanto é representativo.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Prim eiro, é argum entado: a relação do signo com o objecto no


signo natural é real, mas com a potência, entre os mesmos signos,
é de razão, logo não pode haver uma única relação entre signo,
objecto e potência cognoscente.
A antecedente, para a primeira parte do problema, consta do
capítulo precedente. A antecedente para a segunda prova-se porque
a relação com a potência é a relação do signo, enquanto tal signo é
apreensível pela potência. Mas a relação de algo apreensível ou
cognoscível com a potência cognoscente é uma relação de razão,
mesmo se esse algo é apreensível como signo, porque ser apreensível
ou apreendido, seja no signo seja no objecto, nada de real põe no
próprio; com efeito, a cognição ou apreensão só existe realmente na
potência, mas na coisa apreendida, qualquer que ela seja, não põe
nada de real.
O mesmo argumento é feito a partir do diverso m odo e espécie'
da relação do signo com a potência e da relação do signo com o
objecto: pois a relação do signo com o objecto é do mensurado para
a medida, porque o objecto é o principal, pelo qual o signo substitui
e faz as vezes, como frequentemente já foi dito. Mas a relação do
signo com a potência é uma relação de medida para 0 mensurado.
Com efeito, o signo diz respeito à potência por uma relação não
mútua, porque o signo tem-se da parte do objecto representado, e
não funciona com o mensurado pela potência, logo como medindo
a potência; pois a potência não mede a coisa apreendida, mas é
medida por aquela, porque é aperfeiçoada por essa coisa apreendida.
A resposta a estes argumentos, e outros semelhantes, que são
multiplicados do mesmo modo, é que provam isto que a princípio
dissemos, a saber, que a relação com a potência da parte do signo
como objecto da potência, e a relação com o objecto como para os
termos directos, não é uma relação única, mas múltipla. Contudo,
nenhuma das duas é a relação do signo formalmente, mas a relação
que directamente diz respeito à potência é a relação do objecto sob
a razão e a formalidade de um objecto, enquanto a relação que
directamente diz respeito à coisa significada está na razão da causa,
ou do efeito, ou de outra razão semelhante; donde a coisa que é
signo é determinada para que seja alguma coisa do objecto significado,
e assim representa aquele objecto preferencialmente a outro.

146
Além disso, a própria relação do signo, formalissimamente falando,
enquanto é signo, respeita à potência obliquamente, não enquanto
o signo é apreensível pela potência e objecto daquela, mas enquanto
o próprio objecto é manifestável à potência e atingindo o objecto ou
substituindo-se a favor dele não absolutamente, mas como manifestável
à potência deste modo, está envolvida uma potência cognitiva, virtual
e indirectamente. Donde, embora a relação do objecto, ou apreensível,
com a potência, tomada directamente e ao m odo de um objecto, seja
de razão, contudo, essa relação com o objecto, ainda que como
manifestável à potência, pode ser real, porque, no objecto, ser
significável e representável à potência é alguma coisa de real, embora
ele não diga respeito à potência realmente; pois o m odo como um
objecto respeita à potência é uma coisa, outra bem diferente é o
que, num objecto, é ser manifestável à potência. Ser manifestável e
objectificável é alguma coisa de real, sendo aquilo de que depende
a potência e pelo que é especificada; por outro lado, é pelo facto de
um objecto ser assim real que não depende da potência por uma
relação real. Donde, como o signo, sob a formalidade do signo, não
diz respeito à potência directamente —- pois isto é a formalidade do
objecto — mas diz respeito à coisa significável ou manifestável à
potência, pelo que a potência, enquanto indirectamente inclusa
naquele objecto manifestável, é atingida por uma relação de signo
real, porque a potência não é respeitada separadamente, mas enquanto
incluída no que é real no objecto como algo manifestável à potência;
onde o todo que è atingido em acto e formalmente é real, e a
potência entra aí apenas como algo conotado e indirectamente. Por
exemplo, uma ciência que trata das cores enquanto objecto da visão,
diz respeito às cores de forma real enquanto especificativas dela
própria, embora as próprias cores incluam virtualmente uma ordem
para a potência para a qual são objectos, ordem essa que é de razão
nas próprias cores; todavia, a ordem da ciência para tais objectos
não é de razão. Mas aquela relação pela qual um signo diz directa­
mente respeito à potência cognitiva, movendo-a e estimulando-a para
conhecer o próprio signo, assim como o objecto cujas vezes faz, é
uma relação de razão, mas distinta da relação do signo, pela qual o
signo diz respeito ao objecto, porque é a relação de um objecto, não
formalmente a relação de um signo enquanto signo.
E assim é patente que a resposta ao segundo argumento é que
procede da relação pela qual o signo directa e formalmente diz respeito
à potência, que é a relação de medida ou de objecto mensurante,
não da relação pela qual o signo diz respeito ao objecto enquanto
esse referente é um objecto manifestável à potência, onde a potência
é atingida apenas obliqua e virtualmente, não por um respeito de

147
razão. E assim o signo não é uma medida da potência, mas um
instrumento do objecto para a potência.
Segundo, é argum entado: estes termos, o objecto e a potência,
são distintos mesmo na formalidade do termo, porque um ê termo
enquanto algo que é atingido directamente, enquanto o outro é termo
como alguma coisa «para a qual», logo distinguem-se mais do que
materialmente. Com efeito, quando o signo tem vários objectos
inadequados, então é relacionado com eles com o com vários termos
materialmente diversos, e logo potência e objecto são distinguidos
na razão dos termos mais do que materialmente.
Isto é confirmado porque é da ordem para a potência que os
signos são distinguidos especificamente, como claramente se vê nos
signos formal e instrumental, que são de diversa espécie no gênero
do signo, e não se distinguem do ponto de vista do significado; pois
o conceito de fogo, por exemplo, pode representar a mesma coisa
que o fumo, que é signo de fogo, mas os conceitos de fogo e fumo
são distinguidos no seu m odo de funcionamento relativamente à
potência, o conceito informando e o fumo objectificando. Logo, a
ordem para a potência existe directa e não indirectamente no signo,
uma vez que essa ordem especifica e distingue diferentes tipos de
signo.
Este argumento pode também ser feito de outra maneira, porque
os signos podem ser divididos em diversas espécies ou tipos segundo
a ordem para o objecto, quando a ordem para a potência permanece
invariável; logo isto é signo de que existem relações distintas, uma
para a potência, outra para o objecto, pois de outro modo, variando
uma, variaria a outra. A antecedente é de facto verdadeira, pois
diversos conceitos são variados pelos diversos objectos representados,
enquanto a relação à potência cognitiva permanece da mesma razão
em todos.
Confirma-se em segundo lugar: a natureza do signo e a natureza
da imagem diferem nisto, que uma imagem não diz respeito à
potência, à qual representaria, mas ao exemplar ou ideia do qual é
imitação. Pois, mesmo se uma imagem representa à potência, isso
é acidental à imagem. O signo, contudo, diz respeito essencialmente
à potência como aquilo a que representa. Logo, a relação com a
potência é intrínseca ao signo e constitutiva dele, pois essa relação
distingue essencialmente o signo da imagem.
Finalmente, uma terceira confirmação surge porque a relação com
a potência permanece no signo, mesmo depois de destruída a relação
para o objecto, como é claro quando o objecto não existe, e contudo
o signo conduz a potência para a apercepção daquele tal como
antes. Logo, o signo diz respeito à potência na razão de conduzir e

148
de significar tal como antes, quando o objecto ainda existia, e assim
a relação com a potência permanece.
A resposta ao argumento principal é que o objecto, que é
representado, e a potência, à qual é feita a representação, não são
dois termos adequados e distintos na razão do termo, mas integram
um termo estabelecido de algo directo e de algo indirecto. Assim
como, por exemplo, na religião, o culto, que é oferecido, e Deus, ao
qual é oferecido, não são dois termos adequados, mas um termo
íntegro e completo da religião. E acreditar em Deus e Deus não são
dois termos, mas um termo da fé, enquanto assim é atingido um
termo, que termina não absolutamente e segundo ele próprio, mas
como modificado e respectiva ou conotativamente se orientando para
algum outro, assim como o objecto é atingido com o representável à
potência.
Para primeira confirmação responde-se que a divisão do signo
em formal e instrumental é uma divisão por diversas espécies, as
quais são directamente tomadas, não apenas a partir das diversas
relações com a potência, mas também das diversas relações com o
objecto, como representável à potência de modos diversos. Com
efeito, qualquer objecto é representável por um duplo m eio repre­
sentativo, ou seja, um meio «no qual- e un\ meio «pelo qual». E, de
m odo semelhante, o primeiro funda a representação formal actuando
informativamente no interior da potência, o segundo funda a
'representação instrumental movendo a potência a partir d o exterior.
Donde no próprio objecto representável se encontram diversas razões
ou fundamentos para as relações que terminam a partir destas diversas
representações ou modos de representar nos signos, embora a coisa
representada possa materialmente ser a mesma. E, de m odo seme­
lhante, esta divisão dos signos em instrumental e formal, pressupõe
nos próprios signos diversos modos de mover e de representar à
potência, isto é , como objectos externos ou como formas internas;
contudo isto é relacionado pressupostamente à razão do signo,
enquanto a formalíssima razão do signo consiste em ser algo de
substituto a favor do objecto enquanto representável de tal ou tal
modo.
E disto é claro, para a outra parte da primeira confirmação, que
a ordem para a potência, embora seja da mesma razão em diversos
objectos, contudo não requer que a potência seja envolvida por uma
relação distinta, porque pode bem ser que as relações do signo sejam
variadas especificamente pela diversidade dos objectos representáveis,
embora convenham ou não difiram do ponto de vista dá conotação
indirectamente inclusa, assim como, por exemplo, a fé e a opinião
convêm na obscuridade, não na razão formal especificante.

149
Para segunda confirmação, responde-se que porque o signo diz
respeito ao objecto precisamente como representável à potência,
porque faz as suas vezes, sendo-lhe consequentemente inferior,
enquanto a imagem diz respeito ao seu exemplar como imitável e
como princípio do qual é originada e expressa, não podendo, assim,
ser muito diferente desse exemplar, por esta razão, do ponto de vista
do próprio termo com o qual directamente se relacionam, signo e
imagem têm distintas formalidades ou razões formais de terminar,
embora uma, o signo, siga indirectamente uma ordem para a potência
no próprio objecto, que toca, e a outra, a imagem, não. E assim a
razão formal distinguindo num caso é a razão do objecto com o tal,
e no outro caso é a razão de um exemplar com o tal, e não, em
ambos os casos, a própria potência à qual é feita a representação.
Para terceira confirmação responde-se que, destruída a ordem
para o objecto, é destruída a ordem para a potência, que no próprio
objecto oblíqua e conotativamente se incluía. Contudo, porque esta
ordem para o objecto não existente permanece no signo fundamental
e virtualmente, aquela ordem para a potência, que vai com o objecto,
permanece também fundamentalmente. De m odo formal, todavia, o
signo pode reter em si a razão do objecto movente ou da forma
representante, cuja razão ê outra relação diferente da relação do.
signo, como foi dito.
C apítulo IV

DE QUE MODO SÃO OS OBJECTOS


DIVIDIDOS EM MOTIVOS E TERMINATIVOS

Sejam supostas neste capítulo as definições destes objectos, moti­


vos e terminativos, que no primeiro livro das Súmulas transmitimos.
E aquelas supostas...
Seja a primeira conclusão: o objecto em geral, enquanto abstraído
'd e ser m otivo e term inativo, consiste nisto, que seja algum a coisa
extrínseca, da qu a l é retirada e depende a razão intrínseca e a espécie
de algum a potên cia ou acto; e isto é reduzido à categoria de um a
causa fo rm a l extrínseca não causando existência, mas especificação.
Para que esta conclusão seja entendida, advertimos de Caetano,
no seu Com entário à Suma Teológica, I, q. 77, art. 3, que algumas
coisas são inteiramente absolutas, não dependendo de nada extrínseco
a elas na sua constituição e especificação, tal com o a substância, a
quantidade, etc. Outras são inteiramente relativas, aquelas que têm
todo o seu ser para outro e daquele dependem com o de um puro
termo. Outras são médias entre estas, as que em si têm alguma
essência absoluta, para que tenham alguma outra coisa a que respeitar
e serem referidas: contudo na sua constituição e especificação
dependem de alguma coisa extrínseca, não para se referir, mas para
agir ou causar ou alcançar alguma coisa. E é deste m odo médio que
as potências e os actos e os hábitos funcionam a respeito das coisas
que atingem, e são ditos terem uma ordem transcendental para
aquelas.
E nota bem que, uma coisa é alguma coisa ser absoluta ou
independente de alguma coisa extrínseca na sua especificação, mas

151
outra bem diferente é ser assim na sua existência. Com efeito,
existindo, nenhuma coisa é absoluta ou independente de algo ex-
trínseco, excepto somente Deus, que é de si, enquanto todas as
restantes coisas são de Deus. Mas na presente questão falamos da
dependência de uma coisa, na sua especificação, de algo extrínseco,
e é deste m odo que um objecto funciona relativamente à potência.
Pois um objecto não existe relativamente à potência ou acto como
produzindo ou influenciando a existência; com efeito, isto não
pertence ao objecto, mas a alguma coisa que é producente. Contudo
d o objecto depende a especificação do acto ou da potência segundo
ela própria, mesmo abstraindo da existência do objecto.
Finalmente, um objecto, embora seja uma causa formal extrínseca,
difere da ideia ou causa exemplar, tanto porque a ideia é aquilo à
semelhança do que o objecto ideado é feito, sendo que o objecto,
contudo, não é alguma coisa em cuja semelhança a potência ou o
seu acto existe; como porque uma ideia é dita causa exemplar ao
modo de origem, o objecto, contudo, não sendo princípio de origem
a respeito da potência ou d o seu acto; e ainda, finalmente, porque
a ideia é causa exemplar eficaz, e por esta parte também causa a
existência, com efeito, influindo para formar a coisa singular em
acto, e estando, enquanto tal, a ideia no intelecto prático, que se
estende à obra e à existência de um efeito; o objecto, contudo, não
m ove a potência ou acto no que toca ao exercício ou eficiência, mas
só no que toca ao que é formal e à especificação.
Assim, a conclusão posta é retirada de S. Tomás na Sum a Teoló­
gica, I-II, q. 9, art. 1, onde diz que -um acto é especificado segundo
a razão do objecto», e que «um objecto m ove a potência determinan­
do-a ao m odo de um princípio formal, através do qual uma acção é
especificada na ordem das coisas naturais». E em I, q. 77, art. 3,
S. Tomás diz que -um objecto é relacionado com a potência passiva
com o causa e princípio movente», «mas com o acto ou potência
activa é relacionado com o termo ou fim». «Destas duas», diz, «uma
acção recebe a sua espécie, nomeadamente de um princípio, ou de
um fim e termo.» Logo, julga S. Tomás que os objectos das potências
activa e passiva coincidem nisto, que é especificarem um acto.
E finalmente, no seu comentário ao Livro II do tratado de Aristóteles
D e A nim a, lect. 6, próximo do fim: «É manifesto», diz, «que todo o
objecto é relacionado com uma operação da alma, ou com o activo
ou com o fim; mas a operação é especificada de ambos.» Onde a
palavra «todo» expressa aqui a razão universal do objecto.
E a razão disto é que embora as potências activa e passiva sejam
fundadas em razões tão diversas como diversos são o acto e a potência,
porque uma é para agir e outra para receber, com o optimamente

152
ensina S. Tomás na Suma Teológica, I, q. 25, art. 1, contudo os
objectos de ambas coincidem nisto, que é determinar ou aperfeiçoar
extrinsecamente a potência ou o acto dela. Pois a respeito da potência
passiva, é evidente que o objecto funciona aperfeiçoando-a extrinseca­
mente, pois reduz aquela de potência a acto funcionando para ela
como princípio do seu acto, que pertence à actualidade e perfeição;
contudo, para a potência activa, um objecto é relacionado como
termo e fim. Mas embora o que é puramente termo não aperfeiçoe,
tal com o sucede no caso dos relativos, porque a relação não tende
agindo, mas puramente dizendo respeito a, e do mesmo modo, o
que é puramente efeito, não aperfeiçoa, mas é apenas aperfeiçoado,
tal como sucede com as criaturas a respeito de Deus, que são pro­
duzidas por Deus de tal m odo que a sua acção não depende em si
da sua terminação; contudo, nos actos criados a terminação dá
perfeição aos actos, porque se não fossem terminados, não seriam
perfeitos nem completos, mas com o se estivessem em transição e
tendência; logo, são aperfeiçoados pela própria determinação para a
qual tendem. E assim S. Tomás diz em D e Potentia, q. 7, art. 10, que
no próprio efeito ou afecção é percebida uma espécie de bem e de
perfeição do movente, como no caso dos agentes unívocos, que
pelos seus efeitos perpetuam uma espécie de ser, e no caso de
outros agentes, que movem, agem ou causam apenas enquanto são
movidos; «pois do seu próprio movimento, pelo qual são afectados,
são ordenados para produzir efeitos. E semelhantemente em todos
os casos onde qualquer bem provém da causa para o efeito». Assim
S. Tomás. Desta doutrina é evidente de que m odo o -o b je c to
terminativo pode ser perfectibilizador da potência ou acção.
Segunda conclusão: no objecto m otivo, enquanto se distingue do
term inativo, salva-se a verdadeira razão do objecto.
Esta conclusão está contra alguns que julgam que a razão do
objecto é preservada apenas no objecto terminativo, mas que excluem
o objecto motivo da razão do objecto, porque exprime a produção;
o que pertence ao objecto enquanto objecto, contudo, não é produzir
mas especificar.
Mas um magno equívoco é cometido no uso do termo «motivo»,
aplicando-o apenas à causa eficiente, porque deve ser aplicado
também a outro tipo de causas, assim com o um fim, por exemplo,
ê dito mover, ou um objecto proposto pela vontade m ove a vontade,
e o exemplar move para a sua imitação. Logo, seguindo este raciocínio,
distinguimos entre o que é motivo pelo m odo do exercício, e o que
o é pelo modo da especificação. E aquele primeiro m odo pertence
à causa eficiente, o segundo ao objecto formal. E isto é evidente nas
passagens de S. Tomás citadas sobre a conclusão precedente. Pois aí

153
S. Tomás ensina daramente que o objecto motivo especifica a potência
passiva e se relaciona com ela como princípio movente, e assim é
anterior à sua especificação no processo de definir. Logo, na razão
do motivo existe a verdadeira razão do objecto, e não da produção
eficiente; com efeito, o eficiente enquanto eficiente diz respeito ao
ser da coisa que produz, não à especificação nem aos princípios de
definição, enquanto S. Tomás apesar de tudo diz, especialmente na
passagem já citada do seu comentário ao D e A n im a aristotélico,
lect. 6, que o s objectos são anteriores às operações da alma no
processo de definir», e falava tanto dos objectos terminativos com o
dos activos ou motivos. Logo, a razão do motivo não exprime a
eficiência no objecto, mas está contida dentro dos limites de uma
forma objectiva, isto é, especificativa.
A conclusão é confirmada, finalmente, porque a potência passiva
enquanto tal é especificável por alguma coisa extrínseca, uma vez
que a potência passiva ê ordenada com base no tipo de coisa que
é para aquele especificativo externo, e, logo, o seu carácter específico,
o tipo de coisa que é, não está inteira e absolutamente em si, e
independente de todo o factor extrínseco. Mas o que quer que não
esteja inteira e absolutamente em si, mas seja ordenável para outro
como consequência do que é, é especificável por esse outro. Todavia,
a potência passiva enquanto tal não é relacionada com um
especificativo extrínseco como com um termo, mas como com algo
movente, porque a potência passiva está na potência para que seja
movida, não para que a sua actualidade seja terminada; uma vez que
é uma potência passiva, e não activa. Logo, isto que é motivo dela
é verdadeiramente um objecto especificativo.
Dizes: pelo menos, o objecto motivo deve concorrer eficientemente
com a potência para produzir o acto; logo, a razão do motivo no
objecto pertence à ordem da eficiência.
A resposta a isto é, em primeiro lugar, que a conclusão não é
válida a respeito de toda a potência, mas apenas para o caso da
potência cognitiva, na qual é mais provável que a espécie concorra
com a potência para a produção do acto. Mas esta produção não é
a formal e essencial razão da espécie, que essencialmente só precisa
de ser representativa ou substitutiva do objecto do qual o acto
cognitivo depende na sua especificação. Mas, que o acto possa tam­
bém depender do objecto efectivamente no que toca à existência,
não pertence ao objecto enquanto objecto, nem à espécie enquanto
precisamente é representativa e faz as vezes do objecto, mas porque
a espécie intrinsecamente determina e age na potência, a qual, assim
actuada e determinada, flui vitalmente e efectivamente num acto. Por
esta razão, assim como a virtude da potência efectivamente influi,

154
também a actualidade e a determinação intrínseca do objecto influi
ao eiiciar o acto na sua especificação, que depende do objecto.
Se, contudo, inquires de que m odo é inteleccionada a razão do
motivo na causa objectiva, sendo suposta uma causa objectiva que
não é movente ao m odo da causa eficiente, responde-se, d o que foi
dito, que é movente no que toca à especificação, não no que toca
ao exercício. Isto é explicado por S. Tomás na Sum a Teológica, I-II,
q. 9, art. 1, quando diz que «a potência ou força da alma pode estar
na potência de duas formas, de um modo quanto ao agir ou não
agir, de outro quanto ao agir de uma forma ou de outra; assim como
a potência da vista às vezes vê, às vezes não vê, e às vezes vê isto,
digamos, uma coisa branca, e às vezes aquilo, por exemplo, uma
coisa preta. Logo, a potência necessita de algo movente e determinante
quanto a estas duas formas». E o determinante ou movente para agir
ou não agir é dito mover da parte do sujeito ou do exercício, mas
mover para agir desta ou daquela forma é dito do movimento e
determinação da parte do objecto. E assim S. Tomás acrescenta que
■um objecto m ove determinando um acto ao m odo de um princípio
formal». Logo, mover à maneira de um agente ou da parte do sujeito
e exercício, que pertence à ordem da causa eficiente, distingue-se da
moção ao m odo do objecto motivo, que se reduz à ordem da causa
formal extrínseca, a qual não é mais que o facto de que alguma
potência, para eiiciar um acto de tal ou tal espécie, precisa de ser
movida ou ordenada para um objecto extrínseco, não só na terminação
do acto, mas também na eliciação e princípio daquele, porque, mesmo
para eliciá-lo, a potência não é suficientemente determinada para
uma espécie de acto, até ser determinada ou movida e completada
pelo objecto.
E disto segue-se que embora algumas vezes no objecto motivo,
para que de facto mova, deva intervir a produção de alguma coisa,
que pertence à ordem da causa eficiente, contudo a razão formal do
objecto motivo não consiste essencialmente nesta produção, mas
esta ocorre acidental ou concomitantemente. Há uma máxima razão
para isto suceder entre as potências cognitivas, que não podem ser
movidas pelos objectos, excepto se esses objectos são impressos
nelas, e as espécies são efectivamente produzidas; contudo, a produção
efectiva das espécies não é causalidade objectiva na razão formal do
objecto motivo. Pois produzir efectivamente especificadores não
pertence à razão do objecto, como é patente no caso do nosso
intelecto e no dos anjos. Pois no nosso intelecto é o seu agir que
eficientemente produz as espécies, não o objecto, e no caso dos
anjos, Deus infunde as espécies, o que é produzi-las eficientemente;
mas os objectos não agem efectivamente no intelecto dos anjos,

155
segundo a opinião de S. Tomás. E em todas as opiniões é manifesto
que, no caso do conhecimento infundido, Deus produz ou infunde
eficientemente as espécies, não são elas produzidas pelos próprios
objectos. Logo, a razão formal do objecto motivo especificante não
consiste na produção eficiente das espécies.
Segue-se, em segundo lugar, que um objecto somente motivo
não é formalmente o mesmo que um signo instrumental, nem o
objecto apenas terminativo o mesmo que um objecto secundário,
embora muitas vezes estes coincidam materialmente.
A razão pela qual o objecto motivo não pode ser identificado
com o signo instrumental reside no facto de a natureza de um objecto
apenas motivo, embora movendo outro para além de si, contudo
não dizer respeito directamente ao objecto, que representaria e cujas
vezes faria, mas dizer respeito directamente à potência com o algo a
ser m ovido por si. Donde tem-se na linha de um objecto coordenado
com a potência, não na linha de uma representação ou substituição
a favor de outro e coordenada com a coisa representada. São, com
efeito, formalidades diversas a razão de um objecto motivo e a de
um signo instrumental, porque directamente respeitam termos diversos:
um objecto enquanto signo exprime a razão do m eio condutor para
outro, e um objecto enquanto motivo exprime a razão do princípio
de m over a potência. Donde o objecto motivo não exprime alguma
coisa que seja inferior e mais imperfeita que aquilo relativamente ao
que move, como, por exemplo, quando alguém é movido por um
ente real para conhecer um ente de razão, ou quando alguém é
movido por Deus para conhecer as criaturas, ou é m ovido pela
essência de um anjo para conhecer os seus acidentes. Contudo, o
signo enquanto signo é sempre alguma coisa mais imperfeita que a
coisa significada, uma vez que faz as vezes dela e substitui-se em
seu lugar na ordem do cognoscível. E assim é que a razão do signo
é uma relação categorial, como dissemos, mas a razão do objecto
motivo não é uma relação categorial, porque o objecto não diz res­
peito à potência, mas é antes aquela que a ele diz respeito, tal
com o sucede com a relação da medida e do mensurado, que não é
mútua.
A razão por que um objecto terminativo não pode ser identificado
com um objecto secundário explica-se pelo facto de, pela imagem,
conhecer o protótipo, ou o boi pelo vestígio da pegada. Com efeito,
o protótipo e o boi são objectos apenas terminativos, enquanto
conhecidos pela espécie de outro objecto, e contudo não são objectos
secundários, mas principais, enquanto primeiramente e por si mostram,
sendo que a imagem e o vestígio são conhecidos com o conduzindo
para aqueles objectos principais.

156
Última conclusão: o objecto term inativo tem também, a respeito
da p otência cognitiva e apetitiva, a razão da causa fo rm a l extrínseca.
Esta conclusão está contra alguns autores mais recentes os quais
julgam que o objecto terminativo tem a razão do puro termo, assim
como o termo a tem a respeito da relação categorial.
Mas a conclusão exposta é retirada de S. Tomás na Suma Teológica,
I-II, q. 18, art. 2, resp. obj. 2, onde diz que «o objecto não é matéria
a partir da qual, mas acerca da qual, e tem de certo m odo a razão
de uma forma, enquanto dá a espécie», onde claramente o Santo
Doutor fala do objecto terminativo: pois a «acerca da qual» não é o
princípio de um acto movendo a potência para eliciar um acto, mas
um princípio terminando um acto, porque o acto versa acerca daquela
matéria. Logo, o objecto terminativo especifica extrinsecamente; pois
um movimento toma a sua espécie do termo, como é dito no Livro
V da Física. Isto retira-se também de S. Tomás, no C om entário às
Sentenças de Pedro Lom bardo, I, dist.l, q. 2, art. 1, resp. obj. 2, onde
diz que «o objecto de uma operação termina e aperfeiçoa essa
operação e é o fim dela». Mas tudo o que aperfeiçoa tem-se formal­
mente a respeito do aperfeiçoável, pelo menos extrinsecamente, e
com o não é alguma coisa aperfeiçoando por produzir, mas por
terminar, dizemos que funcionam formalmente extrinsecamente.
Finalmente, a conclusão é provada porque o objecto terminativo
não funciona como puro termo, como sucede com o termo a respeito
da relação categorial; pois o objecto terminativo especifica a potência
activa, potência essa que não é uma relação categorial, mas diz respeito
ao objecto por uma ordem transcendental. Logo, o objecto não é
puro termo, pois de outro m odo só terminaria a relação categorial,
não a transcendental. Que na verdade um objecto terminativo não
termine e especifique em nenhum outro gênero de causa, excepto
no gênero da causa formal, deduz-se disto: não funciona com o uma
causa eficiente, porque não é um princípio de acção, mas um termo;
nem é uma causa material, porque não é sujeito respeitando ou
causa disponente; nem é um fim, porque o fim ou é flm-efeito ou
fim-causa, ou seja, um fim por causa do qual. Um flm-efeito não
especifica, porque com o efeito não aperfeiçoa o acto ou potência
activa, mas é aperfeiçoado ou feito pela potência activa, nem, enquanto
efeito, causa a própria potência activa, mas é causado por ela, Mas
o fim como causa não especifica o acto terminativamente, mas move
a causa eficiente metaforicamente, e assim não diz respeito à
especificação de uma acção ou ao seu predicado essencial, mas à
sua existência, pois para aquela, com efeito, move; logo, com o fim,
é numerado entre as circunstâncias; mas com o objecto pode
especificar, com o consta na Suma Teológica, I-II, q. 1, art. 2, onde

157
a especificação do acto moral é tirada do fim, enquanto o flm é bom
e objecto da vontade. E na q. 18, art. 6, e q. 19, art. 2, o fim é dito
especificar enquanto objecto do acto interior ou imperante; contudo,
é uma circunstância do acto imperado, acto esse que é por causa do
fim. Logo, se um fim com o fim especifica, reveste-se da razão do
objecto, pois uma coisa é a razão do objecto especificante, outra
bem diferente é a razão do fim de mover. E assim, a especificação
pertence à ordem de uma causa formal extrínseca, a moção do fim
pertence à finalização movente para produzir a coisa na existência,
mas m over relativamente ao ser e à existência está fora da ordem da
especificação.
A partir daqui distingues outras divisões do objecto, com o em
primário e secundário, formal e material. Com efeito, isto, que por si,
ou primeiro, ou formalmente especifica, ou seja, o objecto que é
forma e razão de especificar, é chamado essencialmente objecto ou
razão do objecto; os restantes são ditos objectos secundariamente ou
através de outro e materialmente. E a própria razão de especificar,
tomada segundo ela própria, é também habitualmente dita «razão
sob a qual» ou «objecto pelo qual». Mas considerada com o em alguma
coisa e afectando-a, a coisa assim afectada é dita «razão que», enquanto
o objecto material é dito «objecto que». Um exem plo fácil encontra-,
-se no caso da parede colorida e iluminada, a respeito da visão.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

O primeiro argumento é contra a primeira conclusão. Com efeito,


o intelecto divino e a sua potência, verdadeira e propriamente, têm
objectos; pois eles versam sobre alguma coisa primeira e essen­
cialmente, o intelecto sobre a divina essência, a omnipotência sobre
as criaturas. E contudo não são especificados pelos próprios objectos;
pois a potência divina não é especificada pelas criaturas, de outro
m odo teria actualidade e perfeição a partir das criaturas, assim como
teria espécie. Nem, semelhantemente, a essência divina especifica o
intelecto divino; pois em Deus não podem ser distinguidos o
especificativo e o especificado extrínseco, nem o aperfeiçoante e o
aperfeiçoável, o actuante e o actuável. Logo, a razão d o objecto não
consiste nisto que é especificar extrinsecamente.
Responde-se a este argumento que na inteligência divina é
encontrada a razão d o objecto livre de imperfeições, isto é, a
dependência de outro enquanto seu especificante extrínseco e
formalmente causante. Pois não é dada em Deus nenhuma espécie
ou coisa especificada, que seja causaçla, e consequentemente também

158
não é dada a razão do objecto, que cause com o causa formal
extrínseca. Mas nestes actos divinos, que são inteleccionar e querer,
dá-se a razão do objecto quanto ao que é da perfeição e da actuali-
dade, nisto, em que se dá o termo e especifícativo da cognição, uma
vez que a cognição e a volição devem atingir alguma coisa, embora
o especifícativo não seja distinguido d o especificado, nem tenha
relativamente ao especificado a razão da causa, mas sendo o especi-
ficativo e o especificado um e o mesmo, devido à sua suma eminência,
como se tem de S. Tomás na Suma Teológica, I, q. 14, art. 2 e 4. Mas
a respeito da potência executiva relativamente às criaturas, isto é, da
omnipotência, é dada a razão do objecto, enquanto as criaturas são
aquilo acerca de que versa aquela potência executiva de Deus como
seu puro efeito, não como perfectibilizador da potência, que de si
tem toda a perfeição.
O segundo argumento é contra a razão do objecto motivo, que já
explicamos. Pois falando do objecto motivo formalmente enquanto
motivo, a qualificação «motivo» exprime a razão, ou da moção eficiente,
ou da moção formal. N o primeiro caso, não é própria e simplesmente
um objecto, como mostramos acima, porque a moção eficiente não
dá a especificação mas a existência. N o segundo caso, não é
distinguida a razão do objecto motivo da razão do objecto terminativo,
porque cada uma tem o mesmo modo de causalidade, nomeadamente
o m odo formal, e assim o objecto motivo e o objecto terminativo
especificam do mesmo modo. Que, com efeito, o objecto motivo
tenha a razão do princípio não o muda na razão da causa formal
extrínseca, e, logo, o objecto motivo não tem a razão de um- objecto
enquanto motivo, mas enquanto coincide com o terminativo na razão
de especificar extrinsecamente, não enquanto tem a razão do princípio
movente.
Isto é confirmado, porque se o objecto motivo enquanto motivo
exprime a própria razão de um objecto, segue-se que não é dada
alguma razão do objecto em geral, na qual convenham o terminativo
e o motivo. Nem pode ser dada alguma razão comum ao motivo e
ao terminativo, excepto a de respeitar a potência enquanto alguma
coisa exterior àquela. Mas esta razão pertence ao mero acto da
potência, que é alguma coisa distinta da potência e lhe diz respeito
especificando, não sendo, contudo, o objecto da potência. Logo, a
razão de um objecto enquanto tal não consiste nisto, que é dizer
respeito à potência com o alguma coisa extrínseca especificante.
Responde-se a este argumento que na expressão «objecto motivo»
o qualificativo «motivo» é inteleccionado de uma moção formal ao
modo de um princípio a respeito da potência passiva, com o foi dito
acima, para que a especificação de um acto, e não apenas o exercício

159
ou existência desse acto, dependa de tal objecto, não da parte da
terminação, mas da parte da eliciação e d o princípio.
E quando se insiste que, nisto, o objecto m otivo coincide com o
terminativo, responde-se que coincidem na ordem de causar a
especificação, mas não no m odo nem na espécie d o acto causado,
assim com o diversos actos e hábitos são especificados pelo mesmo
m odo geral de especificação, mas não pelo mesmo m odo específico,
porque são de espécies diversas. Mas os diversos modos de especificar
e a diversidade de especificações são tirados, com o foi dito, disto,
que um objecto pode funcionar ao m odo de um princípio ou de um
termo, isto é, um objecto p od e ser aquilo de que depende a
especificação do acto, ou na sua eliciação, ou na sua terminação,
porque, como frequentemente diz S. Tomás na Sum a Teológica, I-II,
q. 1 e q. 18, e noutros locais, a razão do acto retira-se do seu princípio
e do seu fim ou terminação. E funcionando o objecto ao m odo de
um princípio, induz um m odo de especificar que é diverso d o de um
objecto funcionando ao m odo do teimo, porque um objecto especifica
uma potência activa ou passiva, potências que são sempre potências
diversas, e têm diversos actos.
Para confirmação, responde-se que assim com o a apercepção de
potência em geral abstrai das potências activa e passiva e junta as
duas na razão do princípio ou acto, da mesma forma a apercepção
de objecto em geral abstrai do motivo e terminativo e exprime o
especificativo extrínseco da potência da parte do princípio ou termo.
O acto, contudo, ou não é inteiramente extrínseco à potência, uma
vez que procede daquela, ou, antes, deve ser dito que num acto, a
respeito da potência, são consideradas duas coisas, nomeadamente
a razão do produzido ou efeito, e assim considerado o acto não diz
respeito à potência especificando-a, mas recebendo a sua existência,
espécie e natureza da potência; ou é considerada a razão de algo
perfectibilizante da potência no agir, enquanto como acto ultimamente
consuma a acção da potência, e, assim considerado, o acto não
especifica, excepto enquanto se mantém da parte do termo no qual
é consumada a actualidade da potência, e por esta razão reveste-se
da razão de um objecto terminante, assim como sucede com outros
efeitos a respeito dos seus agentes, enquanto aperfeiçoam e consumam
aqueles agentes em acto.
Argumenta-se em terceiro lugar: um objecto é objecto motivo
pelo m odo no qual a potência dizendo respeito a esse objecto é
passiva; pois um objecto como motivo corresponde à potência passiva
como passiva. Mas a potência cognitiva é passiva enquanto recebe
uma espécie, recepção essa em que o objecto não influi com o objecto
mas como eficiente e imprimente. Logo, a razão do m otivo não

160
pertence ao objecto como objecto, mas à razão de alguma coisa
eficiente ou imprimente da espécie, uma vez que a potência passiva
se tem com o passiva enquanto é afectada e recebe a espécie
antecedentemente ao acto. Mas naquela condição ou estado anterior
no qual a potência recebe a forma especificante e é movida, o objecto
não está ainda objectificado, porque não é ainda atingido pela potência
como objecto quando as espécies são imprimidas.
Isto confirma-se, porque o objecto com o m otivo não pode
especificar o acto nem a potência, logo, não especifica nada.
A antecedente prova-se: o objecto motivo não especifica o acto,
porque apenas aquilo que é m ovível p elo objecto p o d e ser
especificado por esse objecto. Logo, um acto não é especificàvel
pelo objecto motivo, porque o motivo enquanto motivo só especifica
o movível com o movível. Nem a potência pode ser especificada pelo
objecto motivo, porque o objecto não especifica a potência, excepto
mediante um acto, com o ensina S. Tomás na Sum a Teológica, I,
q. 77, art. 3- Logo, se o objecto motivo não especifica o acto cognitivo,
também não especifica a potência.
Responde-se que a potência é passiva tanto a respeito do agente
ou coisa que imprime a espécie, com o a respeito da forma impressa.
Mas a forma especificante impressa tem dois aspectos, nomeadamente:
informar entitativa ou fisicamente, e isto pertence à espécie mate­
rialmente com o aquilo que tem em comum com todos os outros
ácidentes; e informar intencionalmente, isto é enquanto a forma
é representativamente uma com o objecto, e deste m odo o objecto
informa intencionalmente na mesma ordem que a espécie, isto é,
formalmente, embora o objecto esteja fora e a espécie no interior da
potência. Mas a própria impressão eficiente das espécies não vem do
objecto com o objectivamente movente, mas do que produz as
espécies, cuja força produtiva nem sempre pertence à própria coisa
que é objecto, mas pertence às vezes a outro agente, assim como,
por exemplo, Deus infundindo as espécies nos anjos. Donde a razão
do m otivo num objecto não é a razão de imprimir ou de produzir as
espécies, mas a razão de objectivamente actuar e determinar a potência
por meio de uma espécie intencionalmente, não apenas entitativa-
mente, informando. E, por esta razão, o objecto m otivo é preservado
a respeito do intelecto do anjo, não porque o objecto mova impri­
mindo a espécie, mas porque o objecto determina e age sobre a
própria potência formalmente, não enquanto o objecto existe em si
entitativamente, mas intencionalmente, enquanto representado na
espécie, embora seja Deus quem efectivamente infunde aquela forma.
Para confirmação, responde-se que o objecto m otivo especifica o
acto cognitivo determinando ou actuando a potência passiva, que é

ii
161
m ovível pelo próprio objecto, e principiando ou causando o acto
quanto à especificação. Pois o objecto motivo, que especifica o acto,
não diz respeito ao acto como sujeito movível pelo próprio objecto
motivo, mas com o algo principiado; mas diz respeito à potência, que
determina, com o sujeito movível. Donde negamos que o objecto
motivo especifique a potência com o sujeito movível, mas especifica
o acto, do qual é princípio, como principiado por si. Com efeito, a
acção, com o diz S. Tomás, é especificada pelo princípio e pelo fim
ou termo; mas porque inicia o acto por mover e determinar a potência
para eliciar tal tipo de acto cognitivo, diz-se que o objecto é motivo.
Um quarto argumento é contra a razão d o objecto terminativo.
Pois de acordo com o que vimos dizendo, a razão do objecto é ser
uma espécie formal extrínseca; mas o termo como termo não especifica
o acto ou a potência; logo, um objecto terminativo, enquanto
terminativo, não é um objecto.
A premissa menor é provada, primeiro, porque de outro m odo o
termo da relação categorial seria o seu objecto, porque especifica
terminando. Segundo, porque o especificativo do acto e da potência
real deve ser alguma coisa real, porque a espécie dada por essa
coisa especificativa é real e dependente do especificativo com o de
algo aperfeiçoante e actuante. Mas é certo que o objecto terminativo
nem sempre é alguma coisa real; com efeito, são encontradas razões
do objecto mesmo nos entes de razão, tal com o dissemos na questão
introdutória sobre o objecto da Lógica. Terceiro, porque todo o
especificativo é uma causa formal, pelo menos extrinsecamente. Mas
toda a causa formal é um princípio dando ser, pois é a forma .que
determina a existência da coisa. Logo, todo o objecto é princípio,
enquanto é objecto e não termo, porque é causa formal especificante;
e assim, todo o objecto será objecto motivo, que especifica ao m odo
de um princípio.
Isto é confirmado, porque o objecto m otivo e o terminativo
participam na razão do objecto analogicamente, logo, um é objecto
simplesmente, o outro, segundo uma forma qualificada, e a razão do
objecto não pertence a ambos simplesmente.
A antecedente prova-se porque ambos, tanto o objecto real como
o de razão, são objectos motivos e terminativos; e porque as potências
activa e passiva funcionam analogicamente na ordem da potência,
como é dito por S. Tomás no Com entário à M etafísica de Aristóteles,
IX, lect. 1. Logo, os objectos motivos e terminativos correspondentes
àquelas potências são análogos. Donde o objecto motivo é aquele
que simplesmente actua e informa, e assim, analogicamente, é dito
que ambos, o motivo e o terminativo, especificam ou têm a razão da
forma especificante.

162
Responde-se ao principal argumento negando a premissa menor.
Para a primeira prova, responde-se que o termo da relação não
especifica enquanto precisamente é termo, mas enquanto é sujeito
de um fundamento, sem o qual a espécie das relações não é entendida,
como dissemos no capitulo sobre a relação, e consta de S. Tomás,
no Com entário às Sentenças de Pedro Lom bardo, I, dist. 26, q. 2,
art. 3, mas o objecto especifica essencialmente enquanto é objecto.
Para a segunda prova, responde-se que o especificativo intrínseco
dando a espécie real a um acto deve necessariamente ser alguma
coisa real, mas o especificativo extrínseco não, porque especifica
não por informar e ser inerente, mas terminando a tendência de
outro ou determinando extrinsecamente a eliciaçâo do acto. E assim,
basta a um especificativo extrínseco que determine a própria potência
a agir por meio de uma espécie real, forma essa que intrinsecamente
informa realmente, mesmo se o próprio objecto em si não é real ou
não existe realmente.
Para a terceira prova, responde-se que o termo tem a razão da
causa ou do efeito segundo diversas considerações, assim como as
causas são causas umas para as outras. E enquanto precisamente
termina ao m odo da execução ou do efeito, não especifica, mas
recebe espécie e existência. Mas enquanto este termo é considerado
como aperfeiçoando e consumando em facto existencial um acto da
potência, dá a espécie terminando e aperfeiçoando, e assim é
considerado com o princípio e causa extrínseca dando existência
consumativa e finalmente, não motivamente e inicialmente; com efeito
é a razão da perfeição no acto enquanto consumado, não enquanto
iniciado. E assim, diz S. Tomás na Suma Teológica, I-II, q. 33, art. 4,
resp. obj. 2, que «a operação causa deleite como causa eficiente, mas
o deleite aperfeiçoa a operação com o fim». D onde, o objecto
terminativo não coincide com o objecto motivo; também precede na
intenção, embora na execução, como efeito, se siga ou receba, e não
dê especificação.
Para confirmação, nega-se a antecedente. Para primeira prova,
responde-se que o objecto ser real ou de razão só faz diferença na
razão do ente, não na razão do objecto e do cognoscíveí. E está bem
que alguma coisa seja simplesmente objecto, e não seja ente
simplesmente. Pois um facto são as diferenças das coisas no ser da
coisa è do ente, outro bem diferente são as diferenças na razão do
objecto e do cognoscíveí, com ó bem adverte Caetano no seu
Com entário à Suma Teológica, í, q. 1, art. 3. E assim, muitas coisas
podem coincidir especificamente na razão do cognoscíveí, e não na
razão do ente, ou vice-versa, como mais plenamente é dito na última
questão do meu comentário aos A n a líticos Posteriores. Pois para a

163
presente questão, basta pôr alguns exemplos na Lógica, que é ciência
univocamente com as outras ciências que tratam do ente real, embora
a própria Lógica trate do ente de razão; e univocamente coincidem
Deus e a criatura na razão de um objecto cognoscível ou metafísico,
não na razão d o ente; e a quantidade e a substância univocamente
são cognoscíveis pela Matemática e pela Física, assim com o estas
ciências elas próprias são univocamente ciências, mas a quantidade
e a substância não são unívocas na razão do ente. Com efeito, a
razão do cognoscível só exprime a conexão necessária da verdade,
conexão que coincide univocamente com qualquer outra conexão
necessária na razão do verdadeiro, mesmo se não coincidem na razão
do ente. E quando é dito que o objecto aperfeiçoa a potência,
responde-se que mesmo o ente de razão a aperfeiçoa, não por razão
de si formalmente, mas por razão do seu fundamento e do ente real
por cuja proximidade é concebido.
E se dissesses: esta razão d o cognoscível é transcendente
relativamente a esta ou àquela razão de cognoscível, logo, não é
unívoca; respondería que o cognoscível em geral, assim como o
verdadeiro e o bom, propriedades do ente, é análogo a este ou
àquele cognoscível, à maneira de qualquer essência predicável por
uma predicabilidade do segundo predicável ou do primeiro predicável;
isto é, é predicável transcendentalmente em todas as categorias
unívocas. Mais ainda, dizemos que este ou aquele cognoscível
determinado pode ser unívoco a respeito dos sujeitos ou entes a que
pertence denominativamente à maneira do quarto predicável ou do
quinto predicável, embora aqueles entes não sejam unívocos
entitativamente, porque o cognoscível determinado em questão não
é consequência do ente tomado em si absolutamente, mas com­
parativamente à potência cognoscente, e pode haver um mesmo
modo de relacionar nas coisas não univocamente coincidentes segundo
elas próprias e entitativamente.
Para segunda prova, diz-se que S. Tomás, no texto em questão,
fala da potência na razão do princípio para agir; pois deste m odo as
potências activa e passiva não coincidem univocamente, porque a
passiva não principia o acto, excepto enquanto dependente da activa,
porque, de si, a potência passiva não está em acto. Mas na razão de
alguma coisa especifícável por um princípio extrínseco, as potências
activa e passiva são relacionadas univocamente, uma vez que ambas
têm a significação da coisa assim dependente. À proposição
acrescentada que o objecto motivo actua simplesmente, mas não o
terminativo, responde-se que, ao especificar extrinsecamente ambos
actuam simplesmente, enquanto de ambos depende na sua acção e
perfeição a potência ou o acto. Pois, embora o objecto pelo qual a

164
potência passiva é movida para eliciar um acto se aproxime mais no
m odo de m over à actuação da forma intrínseca, contudo a
especificação depende simplesmente de ambos.

165
Capítulo V

SE SIGNIFICAR É FORMALMENTE CAUSAR ALGUMA COISA


NA ORDEM DA CAUSALIDADE EFICIENTE

Para que o ponto da dificuldade seja claramente inteleccionado,


supomos que não falamos, na presente questão, d o signo e da
significação nos termos da própria relação na qual formalmente con­
siste o signo, com o mostramos acima, no capítulo i; pois a relação
de nenhum m odo é eficiente, mas puramente respectiva ao termo, e
dizer respeito não é produzir efeitos. Logo, falamos do fundamento
do signo e da significação, enquanto representa à potência cognitiva
alguma coisa, a favor da qual o signo substitui e cujas vezes faz ao
representar essa coisa à própria potência. E inquirimos se esta
condução ou exibição e representação do seu significado à potência
é alguma causalidade eficiente, ou em que ordem de causa deve ser
colocada.
N o próprio acto de representar ou significar podemos distinguir
três coisas que parecem pertencer ao acto de fazer presença de um
objecto na potência; com efeito, representar não é outra coisa senão
fazer o objecto presente ou unido à potência.
O primeiro é emissão ou produção de espécies, que a partir do
objecto e signo extrínseco vêm à potência.
O segundo é a excitação da potência para que atenda, que se
distingue da própria impressão da espécie; pois mesmo antes de
recebidas as espécies é necessária alguma excitação para a atenção.
O terceiro é o concurso do signo com a potência para eliciar a
ideia da coisa significada. Para eliciar este acto, um signo externo

7 66
concorre por m eio da espécie intrinsecamente recebida, pela qual
não só contribui para que seja formada uma apercepçâo de si, mas
também do objecto, para o qual conduz. Mas este concurso com a
potência não é significar, porque este concurso pertence à eliciação
da cognição. Ora, eliciar a cogniçâo não é significar, mas se a cognição
é do objecto, é o termo e fim de significar; com efeito, para isto
m ove o signo, para que seja recebida a ideia do objecto significado.
Por outro lado, se a cognição é do próprio signo, é pressuposta para
significar, porque é do facto de que algo é conhecido que o signo
conduz para outro ou significa. Nem duvidamos que esta representação
do objecto e condução da potência para o atingir, para que seja algo
de novo nas coisas da natureza, deva ter alguma causa eficiente. Mas
inquirimos se isto, precisamente enquanto depende do signo, depende
na ordem de uma causa eficiente, de tal modo que o signo produza
a significação e que significar em segundo acto seja produção ou
efeito; ou se isto provém eficientemente de outra causa, mas do
signo apenas vice-objectivamente.
Seja única a conclusão: S ign ifica r ou representar de nenhum modo
é eficientem ente prod u zid o p elo signo, nem sign ifica r, form a lm en te
fa la n d o, é p ro d u z ir um efeito.
Portanto esta proposição: -O signo produz» nunca está no quarto
m odo de predicaçâo essencial. Esta conclusão, que é muito comum •
entre os tomistas mais recentes, que estão habituados a tratar dela
•nas disputas quotidianas, pode ser retirada originalmente de S. Tomás,
De Verítate, q. 11, art. 1, resp. obj. 4, onde diz que «a causa eficiente
próxima do conhecimento não são os signos, mas a razão discorrendo
dos princípios para a conclusão».
Principalmente, contudo, a conclusão em causa tem o seu fun­
damento em dois princípios:
O primeiro é que o objecto, enquanto exerce uma causalidade
objectiva a respeito da potência e se representa a si, não o faz
eficientemente, mas apenas funciona como uma forma extrínseca,
que é aplicada à potência por outra causa eficiente, e é tomada
presente a essa potência por meio de uma espécie. Nos casos em
que o próprio objecto também tem força eficiente para se aplicar à
potência, isto sucede materialmente e por acidente, assim com o nas
coisas naturais a forma exibe a sua presença na matéria, mas
precisamente enquanto derivada da forma, essa presença não existe
eficientemente, mas formalmente, pois é feita eficientemente pelo
agente aplicando e unindo a forma.
O segundo princípio é que o signo sucede a e é substituído no
lugar do objecto na própria linha e ordem de uma causa objectiva,
mas não na razão de algo aplicando eficientemente, nem de algo

167
conducente da potência para o objecto ao m odo de uma causa
eficiente, mas antes à maneira de uma causa objectiva, não principal,
mas substitutiva, em razão do que o signo é dito instrumental, não
como se fora um instrumento eficiente, mas como se fora um substituto
do objecto; não informando como espécie, mas representando a partir
de algo extrínseco.
O primeiro princípio é explicado assim: porque a razão do objecto,
como já vimos, não consiste em emitir e produzir espécies de si na
potência cognitiva, etc. Com efeito, é evidente que as espécies são
algumas vezes infundidas eficientemente por Deus, com o no caso
dos anjos e do conhecimento infundido, quando o objecto não produz
impressões eficientemente. E a principal causa disto é que a razão
do objecto é preservada nisto, que alguma coisa seja representável
e cognoscível passivamente pela potência. Mas ser representável
passivamente não exprime de si a virtude aplicante e uniente do
objecto à potência activamente, mas exprime que é unido e feito
presente passivamente; assim com o representar é fazer presente, ser
representado e representável é ser feito presente. Logo, se a razão
d o obje,cto é salvada p or isto, que é o facto de a coisa ser
representável, então consequentemente, fazer a representação
activamente está fora da razão do objecto e não é requerido para ela;,
assim com o se a forma consiste nisto, que é ser alguma coisa unível
à matéria com o informante e pela sua presença tornando a matéria
conhecida, a razão da forma não pode consistir em aplicar-se e unir-
-se efectivamente à matéria. Donde um objecto é comparado por
S. Tomás a uma forma ou actualidade pela qual a potência é tornada
actuada ou formada. O inteligível, com efeito, é o intelecto sobre o
qual se agiu, com o ensina na Suma Teológica, I, q. 14, art. 2, e
q. 79, art. 2, e em muitos outros locais. Logo, representar ou fazer
presente não pertence ao próprio objecto, enquanto formalmente é
objecto, com o à causa eficiente desta apresentação, mas com o à
forma e acto que à potência é apresentado e unido.
Mas pelo mesmo motivo segue-se que à razão do objecto não
pertence excitar eficientemente, tanto porque esta excitação é feita
eficientemente por outra causa, quer do interior por Deus, quer do
exterior pelo homem ou outro proponente e aplicante do objecto
aos sentidos, como porque, na excitação, o objecto é o que é aplicado
à potência, mas não é requerido que seja ele próprio eficientemente
a produzir a aplicação. Por último, o objecto interior à potência
posto pela forma especificante pode efectivamente concorrer para a
produção da apercepção, não em virtude do objecto enquanto é
especificante, mas em virtude da potência determinada e actuada
pelo objecto do qual é constituído, .conjuntamente com a potência,

168
um único princípio em acto, não que o próprio objecto acrescente
Uma virtude eficiente à potência. E este concurso ou produção da
cognição não é significar ou representar; com efeito, a eliciação da
cognição supõe um objecto representado à potência e movendo-a,
para que tenda à cognição consumada e à representação do objecto.
E assim, aquela cognição do objecto é termo e fim da significação;
pois m ove para conhecer.
O segundo princípio é declarado a partir da razão própria do
signo enquanto signo, porque o signo é substituído em lugar do
objecto, para que conduza esse objecto à potência, de m odo a que
o objecto actue essencialmente na razão de um objecto. Pois o signo,
se é instrumental e extrínseco, não representa o significado de outra
forma que representando-se como o objecto mais conhecido, e o
significado com o alguma coisa virtualmente contida em si, isto ê,
como algo mais desconhecido para o qual o signo exprime alguma
relação e conexão. Logo, o seu concurso para representar o significado
à potência é o mesmo que o seu concurso para se representar a si,
porque representando-se a si representa também o objecto significado
enquanto pertencente a si. Donde a emissão das espécies e excitação
da potência pertence ao signo do mesmo m odo que pertence ao
objecto quando este se representa a si, ou seja, causando-o
objectivamente, não eficientemente, porque o signo instrumental não
representa o objecto de outra forma que representando-se primeiro
a si com o objecto, e ulteriormente estendendo a representação de si
para outro em si virtualmente implícito e contido. E assim, o signo
não representa objectivamente absolutamente, mas objectivamente
instrumentalmente e como servindo para outro. Se, contudo, é um
signo formal, é manifesto que representa não eficientemente, mas
formalmente a partir de si, com o se segue da sua definição e é
patente na apercepçào ou conceito, assunto das questões seguintes.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Primeiro, pode argumentar-se a partir de várias passagens de


S. Tomás. Pois na Suma Teológica, q. 68, art. 4, resp. obj. 1, diz que
■■na vo z existe uma certa virtude para excitar a alma de outro, que é
produzida na voz enquanto procede da concepção do sujeito que
fala». Mas esta virtude, de que fala S. Tomás, é virtude eficiente
fisicamente. Com efeito, diz aí S. Tomás, que a força espiritual nos
sacramentos existe do mesmo m odo que essa força excitativa
existe na voz. Mas essa força que está nos sacramentos é força
eficiente; logo, também o é a força que está na vo z para excitar e

169
consequentemente para significar, pois a significação é feita pela
excitação.
Semelhantemente, em D e Verítate, q. 11, art. 1, resp. obj. 11,
S. Tomás diz que -as palavras d o douto estão mais próximas de
causar o conhecimento que as coisas sensíveis fora da alma, enquanto
as palavras são signos de intenções inteligíveis". Logo, as palavras,
enquanto signos, causam conhecim ento, não representando
objectivamente, mas conduzindo para a coisa significada.
Assim, no C om entário às Sentenças de Ped ro Lom bardo, IV,
dist. 1, q. 1, quaestiunc. 1, resp. obj. 5, diz que «a demonstração de
que tal é o caso procede de um signo comum»; mas uma demonstração
produz eficientemente conhecimento por razão da matéria da qual é
estabelecida, não por razão de uma segunda intenção; logo, um
signo, do qual é estabelecida a demonstração, eficientemente flui no
conhecimento.
E finalmente, no Opúsculo 16, cap. 3, n. 219, diz que «a acção do
espelho, que é representar, não pode ser atribuída ao homem
reflectido no espelho», logo, dá-se que representar ou significar é
uma acção.
Responde-se à primeira citação de S. Tomás que aquela virtude
excitativa na voz não é a própria significação actual ou o significar
da voz, uma ve z que alguém é excitado antes para atender à
significação da voz. Antes, a força da voz é o próprio uso do intelecto
do falante, manifestando o seu conceito através da voz, com o adverte
Caetano no seu comentário à passagem em questão. Este uso é alguma
coisa além da significação, porque aplica a própria vo z significante
para que o outro atente. E assim, aquela excitação e força excitativa
procede eficientemente, como um tipo de energia latente, do que
emite a voz e a usa, enquanto o mover representativa e objectivamente
procede da vo z significante. E esta força excitativa, isto é, o uso da
voz derivado do intelecto do que fala, é comparada por S. Tomás
àquela moção virtuosa pela qual Deus m ove e usa os sacramentos
para produzir a graça, porque os sacramentos são como que um tipo
de signo e vozes de Deus excitando-nos para a graça e para produzir
a graça. Mas esta força é distinta da própria significação dos
sacramentos, pois é acrescentada àquela significação da mesma
maneira que o uso de uma força excitativa do discurso é acrescentada
à significação das palavras. Pois a excitação é feita para que atendamos
à significação e sejamos movidos por tal significação. E precisamente
como resultando da voz significante, esta significação ou representação
não opera eficientemente, mas objectivamente; mas com o a voz é
usada pelo sujeito que fala e estimula, tem uma força eficiente para
excitar, nascida não da representação, mas do sujeito que propõe e

170
usá a vo z derivadamente significando, e assim o sujeito que fala
funciona como aplicando a v o z significante, enquanto a vo z signi­
ficante funciona como aplicada e significando representativamente.
Nem devemos disputar se aquela força e uso da voz é alguma virtude
física acrescentada à voz, ou se é alguma coisa moral. Pois é suficiente
para o proposto que aquela excitação, enquanto funciona eficiente­
mente — seja moral seja fisicamente — não é o próprio acto de
significar, nem procede eficientemente do signo ao significar, excepto
se a própria significação fosse dita moral ou metaforicamente, ou
antes, gramaticalmente, uma acção e eficiência produtiva.
A segunda citação da q. 11 de D e Veritate responde-se dizer
S. Tomás que as palavras do mestre são mais proximamente relacio­
nadas a causar o conhecimento, mas não diz que são relacionadas
eficientemente para causar tal conhecimento; basta que sejam mais
próximas representativa ou objectivamente, porque o signo é substituto
da coisa significada.
A terceira citação responde-se que, na demonstração pelo signo,
o próprio representar e significar do signo não é produzir a
demonstração, ou produzir o conhecimento, mas aquele procede
eficientemente do intelecto movido pelo objecto e signo objectiva­
mente, não eficientemente representando. E assim, diz o próprio
S. Tomás em D e Veritate, q. 2, art. 1, resp. obj. 4, que -a causa efi-
.ciente próxima do conhecimento não são os signos, mas o próprio
intelecto".
À última citação responde-se que a acção do espelho é dita
representar pressupostamente, não formalmente, porque o espelho
pela refracçâo da luz gera eficientemente a imagem, que representa.
É argumentado em segundo lugar: na própria definição do signo
instrumental é incluída alguma razão de ser eficiente, logo, o signo
formalmente enquanto signo é causa eficiente.
A antecedente prova-se daquela definição geral de signo de Santo
Agostinho: «Signo é aquilo que, para além de apresentar uma espécie
aos sentidos, alguma outra coisa faz vir à cogniçâo.» Onde, «apresentar
espécies» e «fazer alguma outra coisa vir à cogniçâo» importam uma
causalidade eficiente; pois pelos mesmos movimento e causalidade
pelos quais são apresentadas espécies aos sentidos para se represen­
tarem a si, o signo conduz à cogniçâo de outro. Mas apresentar
espécies é poduzi-las eficientemente, logo, conduzir para a cogniçâo
de outro é, do mesmo modo, funcionar produtiva e eficientemente.
Isto é posto na definição do signo; logo, é essencial ao signo enquanto
signo exercer uma causalidade eficiente, o que é significar. Pois
representar eficientemente nada mais é que produzir a representação.

171
Mas o signo produz espécies, que são representações; logo, representa
eficientemente.
Confirma-se porque no signo, enquanto significa, convêm múltiplas
causalidades eficientes. Pois os sacramentos, que são signos, são
eficientes enquanto significam; logo, naqueles, significar é produzir
efeitos, pois de outro modo, formalmente não seriam signos práticos,
se enquanto significam, não produzissem. Semelhantemente, pertence
ao signo, enquanto significa, excitar a potência, emitindo espécies,
para influir na inferência da conclusão, o que pertence na totalidade
à causalidade eficiente.
Responde-se que aquelas duas coisas postas na definição do signo,
ou seja apresentar espécies e fazer vir à cognição, não exprimem a
significação ao modo de uma causalidade eficiente. Pois apresentar
espécies é comum ao signo e ao que não é signo; porque mesmo
um objecto que se representa a si próprio e não se significa, apresenta
espécies, e isto o objecto não o faz eficientemente enquanto objecto,
como provamos. Donde nisto, que é apresentar espécies, não pode
consistir a eficiência da significação. Mas se os objectos externos
eficientemente imprimem espécies, aquela produção de efeitos não
constitui o objecto na razão do objecto, mas provém de alguma
outra virtude, ou virtude oculta do próprio céu, como insinua.
S. Tomás em De Potentia, q. 5, art. 8, e outros julgam assim ser, ou
de alguma virtude manifesta, como da luz no caso das cores, ou do
ar refraccionado no caso dos sons, etc. Mas no segundo dos dois
factores, fazer vir à cognição, a palavra «fazer» não indica a causalidade
eficiente da parte do signo, mas uma representação que é como se
fosse objectiva ou vice-objectiva, que não exprime um concurso
eficiente, mas uma causa formal extrínseca movendo representativa­
mente para a cognição de si, e além disto, também conduzindo para
a apercepção de outro.
Para confirmação responde-se que toda aquela eficiência que foi
enumerada no argumento é extrínseca e acrescentada ao signo en­
quanto significante, não sendo essencialmente requerido para a
significação que a eficiência seja acrescentada ao signo; donde a
proposição «o signo é eficiente» nunca está no quarto modo da
predicação. O facto de os sacramentos serem eficientes enquanto
significam não sucede porque a significação formalmente seja
produção, mas porque a significação é juntada e ligada à eficiência,
ou de modo moral, enquanto os sacramentos são práticos e por
comando de Deus e pela vontade activa do ministro procede não
precisamente enunciando, mas dirigindo para a obra; ou actuam de
modo físico recebendo de Deus a virtude de produzir a graça. Às
observações acrescentadas sobre a excitação da potência e a emissão

272
de espécies, já foi dito que tal excitação não convém ao signo
enquanto é signo eficientemente, mas objectivamente ou vice-
-objectivamente; todavia, a causalidade objectiva pertence à causa
formal extrínseca, não à causalidade eficiente.
Argumenta-se em terceiro lugar: pode ser dado um signo formal,
que seja denominado tal não pela própria relação, que é formalíssima
no signo — de outro modo todo o signo seria formal, porque todo
o signo exprime uma relação — , mas pelo seu fundamento, porque
a relação do signo é fundada em algo, que informa a potência re­
presentando-lhe como conceito e apercepção. Logo, semelhantemente,
porque o fundamento do signo instrumental produz efeitos, ou seja,
emite espécies e excita a potência cognitiva unindo-a com a coisa
representada, de um signo instrumental será dito significar
eficientemente, assim como do signo formal ê dito significar for­
malmente.
Isto confirma-se porque o signo é verdadeiramente dito instru­
mental, logo produtor de efeitos, porque a causa instrumental é
reduzida à eficiente, não à formal. Nem vale dizer que o signo é
instrumental logicamente, não fisicamente. Pois o instrumento lógico
é o que causa, mediante alguma intenção de razão. Mas o signo,
especialmente se natural, não causa por meio de uma intenção de
razão, mas por meio da realidade da representação.
Responde-se a isto ser inteiramente verdadeiro que o signo é
formal ou instrumental em razão do fundamento da própria relação
do signo, mas não do ponto de vista da relação. Mais ainda, uma vez
que este fundamento é a própria razão de manifestar outro 'da parte
do objecto ou vice-objecto, não é impossível para este fundamento
funcionar na ordem da causa eficiente. Pois a própria razão do objecto
enquanto tal é a de ser o acto e a forma da potência; e apenas
acidentalmente, porque não pode ser interior à potência entitativa-
mente, é o objecto interior à potência intencionalmente por meio
dos seus signos, que fazem as vezes daquele objecto enquanto são
conceitos e apercepções. Donde uma causalidade formal extrínseca
pertence ao objecto essencialmente. Mas que seja algumas vezes
intrínseca, através de si ou através dos seus signos juntos e unidos
à potência, não é contraditório. Mas que um objecto mova eficiente­
mente a potência aplicando e representando, está fora da linha de
uma causa objectiva e pertence a outra linha de causalidade, não ao
objecto enquanto objecto, como dissemos muitas vezes. Se um objecto
tem também força eficiente para se aplicar e representar a si
produzindo espécies, isto sucede por acidente e materialmente ou
concomitantemente, não essencialmente formalmente e no quarto
modo de predicação.

173
Se insistes: então, o que é significar e manifestar, se nem é excitar,
nem emitir espécies, nem produzir a cogniçâo eficientemente?
Responde-se que é fazer as vezes do objecto ou significado e tomar
esse objecto presente à potência. Contudo, a presença do objecto na
potência no primeiro ou no segundo acto depende de muitas causas:
a que produz espécies ou aplica o objecto eficientemente; da potência
geradora da apercepção, também eficientemente; do objecto apre­
sentando-se a si formalmente extrínseca ou especificativamente; do
signo enquanto substituindo no lugar do objecto na mesma ordem
da causa objectiva, embora não como principal, mas como seu instru­
mento ou substituto, e não efícientemente.
Para confirmação responde-se que o signo é dito instrumental
objectivamente, não eficientemente, isto é, fazendo as vezes do
objecto, como foi dito. E é correctamente dito instrumento lógico,
não físico, não porque opere mediante uma intenção de razão, mas
porque não representa nem conduz a potência para o significado, a
não ser se prim eiro conhecido, significando assim com o algo
conhecido. Mas isto que convém à coisa enquanto conhecida é dito
pertencer-lhe logicamente, porque a Lógica trata das coisas enquanto
conhecidas. Mas a verdade é que as operações d o signo não são
eficientes, mas objectivas ou fazendo as vezes e ocupando o lugar
do objecto significado na mesma ordem e linha, não na ordem da
causa eficiente, como está provado. E assim este instrumento não é
reduzido à causa eficiente, nem é instrumento propriamente, mas
metaforicamente ou logicamente.
Capítulo VI

SE A VERDADEIRA RAZÃO DO SIGNO SE ENCONTRA


NO COMPORTAMENTO DOS ANIMAIS IRRACIONAIS
E NAS OPERAÇÕES DOS SENTIDOS EXTERNOS

É certo que os animais irracionais e os sentidos externos não uti­


lizam signos por comparação e colação, actividade que exige o ra­
ciocínio e o discurso. Mas a dificuldade consiste nisto, se sem o
discurso é dado propriamente o uso dos signos para conhecer as
coisas significadas. Esta questão, em qualquer caso, conduz a um
melhor entendimento do modo pelo qual o signo representa e significa
à potência.
Primeira conclusão: Os anim ais irracionais, ptopriam entefalando,
u tiliza m signos, tanto naturais com o consuetudinários.
Esta conclusão é retirada de S. Tomás em D e Veritate, q. 24,
art. 2, resp. obj. 7, onde diz que -da memória de flagelos ou benefícios
passados acontece que os animais irracionais apreendem alguma coisa
como se fora agradável, e portanto devendo ser prosseguida, ou
como se fora danosa e devendo ser evitada». E isto também pode
ver-se na Sum a Teológica, I-II, q. 40, art. 3- E sobre os signos naturais
diz em D e Veritate, q. 9, art. 4, resp. obj. 10, que os animais irracionais
exprimem os seus conceitos por signos naturais. E sobre o uso dos
signos consuetudinários fala no C om entário à M etafísica de A ristó­
teles, I, lect, 1, mostrando que alguns animais são disciplináveis, isto
é. pelas instruções de outro podem habituar-se a fazer ou evitar
alguma coisa; logo, os animais irracionais podem utilizar signos con­
suetudinários.
A razão disto, para além da experiência quotidiana, em que vemos
os animais serem movidos por signos, tanto naturais — com o os
gem idos, o balido da ovelha, o canto da ave, etc. — com o
consuetudinários, como sucede, por exemplo, quando o cão, chamado
pelo nome, é m ovido por costume, embora não inteleccione a
imposição, mas sendo conduzido apenas pelo costume. Para além
disto, digo, vemos que um animal irracional, ao ver uma coisa, tende
para outra distinta, assim com o quando ao perceber um odor
prossegue alguma via, ou vendo um ramo atravessado no caminho
evita-o, ou ouvindo o rugido do leão treme e foge, e seiscentas
outras coisas nas quais o animal não responde dentro dos limites do
que percebe pelos sentidos exteriores, mas pelo que percebe dos
sentidos externos é conduzido para outro. O que, claramente, é utilizar
um signo, ou seja, a representação de uma coisa não só por si, mas
por outra coisa distinta de si. E é claro que isto também se estende
aos signos consuetudinários, como foi dito acima, porque alguns
animais são capazes de disciplina: não percebem ao princípio algumas
coisas, que posteriormente são conhecidas a partir do costume, como
o cão não é a princípio movido quando chamado por tal ou tal
nome, e posteriormente é movido quando se estabelece um hábito
consuetudinário. Logo, alguns animais utilizam signos consuetudi-'
nários; pois não são movidos a partir da própria imposição do nome,
porque não conhecem aquela imposição ela própria, que depende
da vontade do que a impõe.
D igo em segundo lugar: Não só os sentidos internos, mas também
os externos, em nós e nos anim ais, percebem a significação e u tiliza m
signos.
E falamos aqui do signo instrumental, pois o signo formal depende
d o que deve ser dito nos capítulos seguintes: se a espécie ou acto
de conhecer são signos formais, e se os sentidos externos formam
alguma imagem ou forma em lugar do conceito.
Logo, é provada esta segunda conclusão, primeiro de S. Tomás,
que ensina que a coisa significada pelo signo é vista no próprio
signo, com o é patente em D e Verilate, q. 8, art. 5: “Conhecemos», diz
-Sócrates, por ver de duas formas, enquanto ver é assimilado a Sócrates,
e enquanto ver é assimilado a uma imagem de Sócrates, e cada uma
destas assimilações basta para conhecer Sócrates.» E mais adiante:
«Quando a vista exterior v ê Hércules na sua estátua, não faz a cognição
por alguma outra semelhança da estátua.» Veja-se também a Suma
contra os Gentios, cap. x l i x . Como a imagem e a estátua representam
à potência o seu significado ao m odo do signo, se a visão exterior
na estátua e na imagem não só atinge a estátua, mas também aquilo

176
que a imagem representa, conhece uma coisa menos conhecida por
outra mais conhecida, o que é utilizar signos.
Esta conclusão é provada, em segundo lugar porque: não há razão
para negar que o sentido externo seja conduzido de uma coisa para
outra sem discurso nem colação. Mas para utilizar o signo e a
significação não é requerida mais alguma coisa, nem é necessário o
discurso. Logo, o uso de signos pode ser atribuído aos sentidos
externos.
A premissa maior prova-se porque os sentidos externos podem
discernir entre um objecto da sua cognoscibilidade e outro, por
exemplo a visão pode discernir entre as cores branca e verde, entre
uma imagem que representa Cristo e outra que representa a Virgem;
pode também, por um sensível próprio, por exemplo, uma cor, atingir
um sensível comum, como por exemplo movimento ou figura, e
distinguir entre um e outro. Logo, o sentido externo pode, numa
coisa, conhecer outra ou ser conduzido para outra, porque para isto
basta que conheça como distinguir entre um e outro, e conhecer
uma coisa com o contida noutra ou pertencente àquela. E isto basta
para o sentido externo ser conduzido de um para outro, porque se
distingue entre um e outro, e conhece um como estando contido no
outro — tal com o sucede com a figura enquanto afecta ou é afectada
pela cor, a imagem como estando no espelho, Hércules na estátua,
um verde enquanto distinguido de um branco — nada mais é
requerido para que por um conheça o outro e seja conduzido de um
para outro.
A premissa menor, contudo, é provada porque o signo nada mais
pede na sua definição, excepto que represente outro distinto de si e
seja meio conducente para outro. Mas não pede que isto seja feito
por meio do discurso ou comparando e conhecendo a condição
relativa de um para outro; de outro modo, nem nos sentidos internos
dos animais os signos poderíam ser encontrados. E se exigisse o
discurso formal, nem os anjos utilizariam signos, o que é falso.
Contudo, deve ser observado que o sentido externo não pode
conhecer o objecto separado do signo e segundo ele próprio. Com
efeito, o objecto está muitas vezes ausente, e se fosse presente e
conhecido pelo signo como distinto do próprio signo, esta operação
requerida a comparação de um para outro; senão, de que modo
seria estabelecido que isto tomado distinta e separadamente daquilo
é o referente daquilo? O sentido externo conhece o objecto referido
como contido no signo e pertencente ao signo, e, com o diz S. Tomás,
conhece Hércules na estátua. Nem nada mais é requerido para o
signo; com efeito, o signo não representa mais amplamente o seu
objecto que o que está contido no signo, e assim não é necessário

12
277
conhecer o signo por uma cognição mais ampla e perfeita, ligando
e comparando o objecto com o signo com o coisas distintas entre si
e por razão da relação de um para outro. Mas é conhecido o próprio
objecto assim contido no signo, tal com o é conhecido que isto é a
imagem de um homem e não de um cavalo, que aquela é uma
imagem de Pedro e não de Paulo; o que não podería suceder se o
objecto fosse de todo ignorado.
Mas objectas: o objecto significado deve ser conhecido com o
distinto do signo. Com efeito, se é conhecido com o sendo uno e o
mesmo com o signo, o sentido externo não alcança na cognição
outra coisa distinta do signo, o que é requerido para a razão da
significação. Mas pela vista não é visto o referente distinto do signo,
por exem plo quando é vista a imagem de S. Pedro, não é atingido
pela vista S. Pedro, que está ausente, e aquele enquanto ausente é
o objecto referido; pois o que quer que seja que está presente à vista
nada mais é que signo e imagem. Logo, não é atingido o objecto
com o distinto do signo, e assim o sentido externo não chega do
signo ao objecto, mas toda a cognição externa é consumida no signo.
Alguns são convencidos por este argumento que o sentido externo
utiliza o signo apenas quando o objecto está também presente no
signo, não quando está ausente. Mas obstam a esta solução duas.
coisas:
Primeiro, porque S. Tomás declara que quem vê a estátua de
Hércules, vê Hércules na estátua; e na Suma contra os Gentios, III,
cap. 49, diz que o homem é visto no espelho pela sua semelhança
reflectida. Mas é evidente que o homem, cuja imagem está no espelho,
pode estar atrás do homem que vê o reflexo, e não presente a ele.
Segundo, porque se ambos, signo e objecto, são presentes ao
sentido, o sentido não é conduzido do signo para o objecto, que está
separado, mas o objecto é visto pelas suas próprias espécies, enquanto
está presente a si e enquanto se apresenta a si à vista. Logo, o
objecto não é então visto através do signo, nem o olho conduzido
do signo para o objecto, mas ambos são manifestados a partir de si
próprios, excepto talvez se comparando o signo ao objecto se vê
que este é signo daquele. Mas isto exige um acto comparativo
conhecendo a relação sob o conceito e a formalidade de dizer respeito
a, e comparativamente ao termo, o que nunca pertence ao sentido
externo.
Donde simplesmente respondemos que o sentido conhece o
objecto no signo pelo modo em que está presente no signo, mas não
só pelo modo em que o objecto é o mesmo que o signo. Por exemplo,
quando é visto um sensível próprio, com o uma cor, e um sensível
comum, com o uma figura ou movimento, â figura não é vista como

178
o mesmo que a cor, mas como conjunta com a cor, e tomada visível
por aquela cor, nem a cor e a figura são vistas separadamente; assim,
quando o signo é visto e o objecto é tornado presente nele, o objecto
é atingido aí com o conjunto e contido no signo, não com o existindo
separadamente e como ausente.
E se insistes: que é aquilo no objecto conjunto com o signo e
presente no signo, além do próprio signo e da sua entitatividade?
Responde-se ser a própria coisa significada noutra existência, assim
como a coisa representada pela espécie é o próprio objecto no ser
intencional, não real. E, assim como aquele que percebe o conceito,
vê aquilo que está contido no conceito como representado nele, e
não apenas o que funciona como representando, assim, quem v ê a
imagem externa, vê não só a função ou razão de representar, mas
também a coisa representada como estando nela. Mas pelo próprio
facto de que também vê a coisa representada com o estando na
imagem, vê algo distinto da imagem, porque a imagem como imagem
é algo representando, mas não o representado; contudo, vê a coisa
representada como contida e presente na imagem, não separadamente
e como ausente, e, numa palavra, vê-a como distinta da imagem,
não com o separada e à parte da imagem.
Do que foi dito colige-se que nos animais e em nós se encontra
a unívoca razão do signo, porque a razão do signo não depende do
m odo como é utilizado pela potência ao discorrer, comparar ou
atingir de m odo simples, mas do m odo como o signo representa,
isto é, torna presente objectivamente outra coisa diferente de si, que
é o mesmo, quer a potência conheça de modo simples ou discursivo.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Argumenta-se primeiro a partir das autoridades. Pois S. Tomás


diz, na Suma Teológica, II-II, q. 110, art. 1, que «toda a representação
consiste numa certa colação, a qual propriamente pertence à razão,
donde, embora os animais irracionais manifestem alguma coisa, não
têm intenção de manifestar". Logo, os animais não utilizam propria­
mente signos e representação, excepto materialmente e remotamente,
enquanto fazem alguma coisa, donde se segue a manifestação, coisa
que também os seres inanimados podem fazer.
Do mesmo modo, em D e Veritate, q. 9, art. 4, resp. obj. 4, diz
que, propriamente falando, uma coisa não pode ser dita signo, excepto
se for alguma coisa da qual se chega à cognição de outra coisa
quase como que discorrendo, e por isto, nega deste m odo os signos

179
aos anjos. Logo, com igual razão devem ser negados os signos aos
animais irracionais, porque estes não utilizam o discurso.
Responde-se que, em primeiro lugar, S. Tomás apenas fala da
manifestação e representação de modo racional, não da representação
feita de m odo natural, podendo, acerca deste assunto, ver-se Caetano.
Donde S. Tomás diz mais abaixo que -os animais não têm intenção
de manifestar, embora manifestem alguma coisa». Logo, é de opinião
que significam alguma coisa, embora não tenham intenção de
significar, e assim tal significação enquanto intencionada pede a
colação e o discurso, mas não a significação absolutamente. Nem
dos animais é dito significarem apenas porque fazem alguma coisa
de que se segue a significação, mas porque exercem a significação
e percebem o objecto referido, o que as coisas inanimadas não fazem.
A segunda citação responde-se que o signo é dito ser encontrado
propriamente na cogniçâo discursiva, falando da propriedade da
perfeição de significar, não da propriedade que salvaria a essência
do signo absolutamente. A razão do signo é discernida na cogniçâo
discursiva mais expressa e distintamente que na cogniçâo simples,
embora também seja encontrada na cogniçâo simples, como S. Tomás
ensina noutros locais. E os anjos também fazem uso dos signos,
porque têm o discurso eminentemente, embora o discurso apareça
mais formalmente em nós.
Argumenta-se em segundo lugar: para o uso do signo é requerido
o conhecimento do signo e da sua significação, e do mesmo m odo
é requerido o conhecimento do signo e do objecto, ordenado de tal
m odo que um conhecimento é coordenado com outro e inferido
daquele: de outro modo não se salva a definição do signo instrumental
como aquilo que, da cogniçâo preexistente de si, representa alguma
outra coisa. Mas estas duas características requeridas não se salvam
sem algum conhecimento colativo e discursivo. Pois a significação
de alguma coisa não pode ser percebida se não for percebida uma
ordem ou conveniência relativamente a outro; mas conhecer a ordem
é conhecer uma relação e comparação, o que o sentido interno do
animal não pode de nenhum m odo conhecer, e muito menos o
sentido externo. Semelhantemente, se uma cogniçâo é coordenada
de outra e retirada daquela de tal m odo que a partir de uma cogniçâo
se chega a outra, isto é discorrer e conhecer colativamente. o que de
nenhum m odo pertence aos sentidos dos animais.
Confirma-se porque quando é representado ou apreendido algum
objecto no qual um outro está contido, aquela apreensão simples só
subsiste no objecto imediato e proposto de m odo simples; de outro
m odo não seria uma cogniçâo simples, se se movesse e transitasse
de um objecto para outro. Logo, & uso de signos requer a potência

180
conhecendo colativa e discursivamente, e por mais que uma simples
tendência; mas todos os sentidos nos animais conhecem de m odo
simples e não colativo,
E a nossa própria experiência sufraga que quando percebemos o
signo e não a força significativa dele, é necessária a colação do signo
para o objecto, para que do signo eliciemos a cogniçâo do objecto.
Logo, como nos animais não existe a capacidade colativa, não podem
perceber a força de um signo naturalmente desconhecido deles, e
assim não procedem do costume para inteleccionar o objecto.
Responde-se a este argumento que pára o uso do signo não é
requerida a dupla cogniçâo, nem que de uma cogniçâo se alcance
outra, mas basta que a partir de uma coisa conhecida se alcance
outra coisa conhecida. Mas uma coisa é, por um objecto conhecido
atingir um objecto diferente, outra é, a partir de uma cogniçâo causar
outra. Para a razão da significação, basta que a partir de uma coisa
conhecida se chegue a outra, mas não é necessário que se chegue
de uma cogniçâo a outra. Donde, diz o Filósofo, no livro acerca da
M em ória e Rem iniscência, que o movimento na imagem é o mesmo
que o movimento na coisa da qual é imagem, o que S. Tomás, no
comentário sobre esta passagem, lect. 3, e na Sum a Teológica, III,
q. 25, art. 3, explica sobre o movimento relativamente à imagem,
não enquanto é um tipo de coisa, mas como imagem, isto é, enquanto
exerce a função de representar e conduzir para outro. “Com efeito,
•o movimento na imagem é um e o mesmo que o movimento na
coisa", diz S. Tomás. Isto optimamente entendeu Caetano no seu
C om entário à Suma Teológica, quando explica que S. Tomás fala da
imagem considerada no exercício de imagem ou função de representar,
não como um certo tipo de coisa tal como é em si, com o se fora
apreendida destacadamente. E que da parte do movimento apreensivo
ou cogniçâo, o movimento na imagem e o movimento na coisa
representada pela imagem sejam o mesmo, como Caetano aí nota, é
o consenso geral de todos, pois no conhecimento de um relativo cai
o correlativo. E assim não é necessário o discurso, mas a cogniçâo
simples basta para que vista a imagem ou signo da coisa, a própria
coisa que no signo está contida e significada seja atingida.
E para isto que é dito sobre o conhecimento da significação, que
é conhecer alguma relação e ordem, responde-se que não é necessário
pôr nos animais o conhecim ento da relação form alm ente e
comparativamente; mas os animais conhecem o exercício dela, que
funda a relação, sem comparação nem colação. Por exemplo, o animal
conhece a coisa distante, para a qual se move, recorda a coisa passada,
e tem expectativa da presa futura, como ensina S. Tomás na Suma
Teológica, I-II, q. 40, art. 3, sem que conheça a relação de futuro,

181
passado ou distância; mas o animal conhece no exercício o que é
distante ou futuro ou representante, onde se funda a relação, a qual
formalmente e comparativamente ele não conhece. Para confirmação
responde-se que, na cogniçâo simples que não se toma discurso
nem colação, pode ser atingido não só o objecto, que imediatamente
é proposto ou aposto ao sentido, mas o que nele está contido; assim
como a visão vê Hércules na estátua, e a forma representando a
coisa colorida também representa a figura e o movimento e outros
sensíveis comuns aí contidos e juntos, contudo não pode por isto
passar além da cogniçâo simples, embora o conhecido não seja
simples, mas múltiplo; de outro m odo não poderiamos pela simples
visão ver vários objectos. Mas se podemos ver vários objectos na
simples visão, porque não também uma pluralidade ordenada, e uma
coisa através de outra, e consequentemente o objecto através do
signo e com o contido no signo?
E a respeito daquela experiência de apreender o signo sem
apreender a sua força significativa, é dito que no caso dos signos
cuja significação a princípio não conhecemos, tanto nós quanto os
animais temos necessidade do costume. Mas nós habituamo-nos com
a razão e o discurso, já os animais se habituam enquanto a sua
memória é fortificada por algumas pluralidades ouvidas ou conhecidas,,
como por exemplo um certo nome, especialmente se daí são afectados
por algum benefício ou prejuízo, donde recordam-no com o algo de
que fugir, ou para prosseguir. E assim, a memória basta para a formar
d o hábito, e os animais que não têm memória não são passíveis de
formar hábito. Veja-se S. Tomás no C om entário à M etafísica de
Aristóteles, I, lect. 1, e D e Veritate, q. 24, art. 2, resp. obj. 7.
Por último, argumenta-se: uma ovelha, por exemplo, ouvido o
rugido não apreende o leão, excepto como nocivo, mas não como
representado a partir da força do rugido, logo, não utiliza o rugido
com o signo. A consequência é patente porque não se pode utilizar
nenhum signo, excepto para o que é representado pela força de tal
signo. Logo, se isto que se apreende não é representado pela força
de tal signo, então, formalmente falando, não utiliza aquele como
signo. A antecedente prova-se porque a ovelha apreende o leão
com o nocivo por um instinto natural, logo, não apreende de uma
cogniçâo preexistente. Pois o que é conhecido por instinto natural
não é atingido como resultado de uma cogniçâo preexistente, e assim
não é pelo signo que a ovelha atinge o leão com o nocivo. Mas a
ovelha não atinge o leão de outro m odo que enquanto nocivo.
Confirma-se porque o signo, essencialmente, é meio condutor
para a cogniçâo do objecto. Mas os meios diferem em consequência
das diversas ordens para um fim, logç também os signos diferem por

182
causa disto. Mas nos homens e nos animais os signos não são
ordenados para o objecto de m odo unívoco, porque os animais são
trazidos para o objecto conhecendo a ordem e a relação do signo
para o referente da mesma maneira que os homens. Logo, significar
nos homens e nos animais não é dito univocamente, assim como
não o é «conhecer» ou «ser disciplinado».
Responde-se a este argumento que a ovelha, ouvido o rugido,
apreende o leão como nocivo e, com o tal nocivo específico, pois
foge e teme o rugido do leão mais que o uivo d o lobo. Donde faz
a discriminação entre um e outro, o que não sucedería se não fosse
conduzida por aquele signo ao leão e ao lobo como distintos entre
si, e nocivos de m odo diverso. Mas que o instinto natural forme o
juízo do leão e do lobo para fugir, não retira o facto de que a ovelha
o faz de uma cogniçâo preexistente. Com efeito, alguma cogniçâo no
sentido externo deve necessariamente preceder, seja a cogniçâo que
vê o leão, seja a que ouve o rugido dele, para que o sentido estimativo
o apreenda e julgue como inimigo. Pois os animais têm julgamento,
mas sem indiferença, logo, determinado para uma coisa e a partir do
instinto natural, instinto que não exclui a cogniçâo e o julgamento,
mas a indiferença. Sobre isto pode ver-se S. Tomás na Sum a Teoló­
gica, I, q. 83, art. 1, e D e Veritate, q. 24, art. 2.
Para confirmação responde-se que o signo e o acto de significar
são tomados univocamente através da ordem para o objecto enquanto
-manifestãvel à potência. Mas, que isto seja feito de tal ou tal m odo
de acordo com a forma com o a potência faz uso do signo, não torna
a razão do signo análoga ou equívoca na ordem de manifestar, mas
toma os modos da potência diferentes na cogniçâo e no uso do
signo. Nem existe semelhança entre conhecer racionalmente e
representar, porque conhecer formalmente exprim e a cogniçâo
segundo a razão e a consequência, que não convêm ao animal; mas
representar significando exprime precisamente a manifestação de uma
coisa através de algum meio, sem determinar que essa manifestação
seja através de uma consequência ou razão.

183
CONSEQUÊNCIA E APÊNDICE
A TODOS OS LIVROS

Coligindo o que acerca do signo natural e de razão dissemos


nestas questões, expusemos qual é a definição do signo, quais são
as condições requeridas para o signo, e de que modo difere a razão
do signo da imagem e de outros manifestativos de coisas diferentes
deles.
E, na verdade, a definição de signo em geral é essencial. Mas
definimos o signo em geral abstraindo do signo formal e instrumental,
ou seja: «aquilo que representa alguma coisa diferente de si». Pois
aquela definição que circula desde Agostinho: «Signo é aquilo que,
além da espécie que apresenta aos sentidos, alguma outra coisa faz
vir à cogniçâo», só trata do signo instrumental. Mas a definição aqui
posta é trazida de S. Tomás no Livro IV do Com entário às Sentenças
de Pedro Lombardo, dist. 1, q. 1, art. 1, quaestiunc. 1, resp. obj. 5,
onde diz que «o signo importa alguma coisa de manifesto quanto a
nós, pela qual somos conduzidos ao conhecimento de outra coisa».
E em D e Veritate, q. 9, art. 4, resp. obj. 4, diz que «o signo, geralmente
falando, é qualquer coisa conhecida, na qual uma outra coisa é
conhecida», onde a palavra «geralmente» é o mesmo que «em geral».
Esta definição é essencial pelo modo no qual os relativos são
ditos serem essencialmente definidos pelo seu fundamento e em
ordem para um termo; pois é do fundamento e do termo que é
especificada a acção. Mas a razão do representativo não consiste na
relação categorial formal, porque o representativo é dado também
no termo não existente, como é claro no caso do imperador morto

185
representado pela imagem. Portanto, a razão do representativo
permanece na relação não existente, e assim o representativo
formalmente não é relação, mas no signo é o fundamento da relação,
enquanto existe relativamente a outro e funda a representação de
outro, e não permanece em si. E assim o fundamento do signo é
tratado em termos de gênero e diferença. Pois «representativo" é um
gênero, uma vez que é comum ao que se representa a si, com o o
objecto movendo para a cogniçâo de si, e comum ao que representa
outra coisa diferente de si, com o o signo, e é inferior ao ser
manifestativo, porque muitas coisas manifestam e não representam,
como a luz manifesta iluminando, não representando, e o hábito,
que também é dito luz, e assim por diante com as outras coisas que
efectivamente manifestam, mas não representativa e objectivamente.
De tudo isto coliges que na definição de signo a palavra -representa*
é tomada estrita e formalissimamente, em particular para o que
representa de tal maneira que não manifesta de outro m odo excepto
representando, isto é, o signo tem-se da parte do objecto representado
de tal maneira que só serve a representá-lo, nem de outro m odo
manifesta senão representando.
Donde excluis muitas coisas que representam outras coisas
diferentes de si e não são signos, e concluís que o signo deve ser
mais conhecido e mais manifesto que o objecto significado ao
representar, para que na existência e na razão do cognoscível seja
dissemelhante e inferior a esse objecto.
O primeiro ponto é patente porque muitas coisas manifestam
outras diferentes de si contendo-as, ou iluminando, ou causando, ou
inferindo, e assim não só representam mas iluminam e mostram pela
força de alguma conexão, não em virtude da pura representação,
isto é, na função de representar e de objectificar à potência na vez
de outro. Assim, premissas enquanto inferentes não significam a
conclusão (embora algumas vezes a demonstração seja inferida do
signo, mas aí significar tem-se materialmente); assim, a luz não significa
as cores, mas manifesta-as, Deus não significa as criaturas, embora as
represente, porque não as contém puramente por representar e fazer
as vezes delas, mas também as contém como causa e manifestando-
-as pela sua própria luz. Donde é impossível que seja dada alguma
coisa manifestando outra puramente ao representar, excepto se é
inferior e menos que aquela que representa, funcionando com o um
substituto e fazendo as vezes dela.
Mas o signo deve ser dissemelhante do objecto significado, porque
é mais conhecido e manifesto, de outro modo, se é igualmente
manifesto, não há razão para que isto seja signo daquilo ou de outra
coisa; por isso, o signo deve ser .inferior e menor que o objecto,

186
porque igual, como vimos, não poderá ser. Mas se é superior, conterá
ou causará o objecto, não o representará puramente e fará as vezes
dele. Pois aquilo que é superior não representa outro a não ser se
o causa; de outro modo, o homem representaria tudo o que é inferior
a si, e o anjo supremo todas as coisas do mundo. Mas se uma coisa
representa outra, porque a contém de m odo superior e a causa, e
não representa puramente e precisamente fazendo as vezes dela,
então não é signo.
De tudo isto coliges quais as condições requeridas para que alguma
coisa seja signo. Com efeito, o ser do signo consiste essencialmente
na ordem para o objecto como coisa distinta manifestável à potência,-
e assim, o objecto e a potência não são parte das condições requeridas,
mas fazem parte da razão essencial do signo. De forma semelhante,
é requerida a razão do representativo, mas da parte do fundamento,
e, logo, o representativo enquanto tal não é relação categorial, mesmo
se é representativo de outro, mas relação transcendental; contudo,
no signo, funda a relação do mensurado para o objecto, que é
categorial.
Além destas, são ainda requeridas ou seguem-se três condições já
mencionadas: Prim eiro, que o signo seja mais conhecido que o
objecto, não segundo a natureza, mas quanto a nós. Segundo, que
seja inferior ou mais imperfeito que o objecto. Terceiro, que seja
dissemelhante do próprio objecto.
Donde se segue que uma imagem não é signo de outra imagem,
nem uma ovelha é signo de outra ovelha, e quaisquer outras coisas
que sejam as mesmas em espécie, enquanto tal, não funcionam uma
como signo de outra, porque cada uma é igualmente principal. Nem
obsta que uma imagem seja transcrita de outra, pois isto é acidental
à razão do signo, assim como também um homem feito de outro não
é signo daquele, embora seja imagem. Pois na razão de significar
cada imagem tem o mesmo protótipo com o essencialm ente
representado, embora uma imagem possa ter uma maior excelência
que outra, porque mais antiga, ou primeira ou mais bem fabricada,
o que é acidental. Mas um conceito pode representar outro conceito,
como o conceito reflexo representa o conceito directo, embora difiram
em espécie, porque representam objectos diferentes em espécie, ou
seja, um representa um objecto externo, o outro o próprio conceito
interno.
Mas se inquires de que modo uma coisa semelhante representa
ou manifesta outra coisa semelhante, responde-se que representa
essa outra como correlativo, não como representativo, isto é, por
aquela razão geral pela qual um relativo expressa uma ordem ao seu
correlativo e o inclui, porque os correlativos são conhecidos simul­

187
taneamente, e não pela razão especial pela qual uma coisa é repre­
sentativamente relacionada a outra e exerce a função de apresentar
outros objectos à potência.
Finalmente, d o que foi dito torna-se claro de que m od o diferem
o signo e a im agem . Pois em primeiro lugar nem toda a imagem é
signo, e nem todo o signo é imagem. Com efeito, p od e a imagem ser
da mesma natureza daquilo de que é imagem, com o no caso do
filho, mesmo nas pessoas divinas, e contudo não é signo daquilo de
que é imagem. Muitos signos também não são imagens, com o o
fum o é signo d o fogo, o gem ido da dor. Logo, a essência da imagem
consiste nisto, que proceda de outro com o de um princípio e à
semelhança desse outro, com o S. Tomás ensina na Sum a Teológica,
I, q. 35 e q. 93, e assim a imagem é feita para imitação de outro e
p od e ser tão perfeitamente semelhante ao seu princípio com o ser da
m esma natureza qu e o p ró p rio e ser im agem p rop agativa e
comunicativa, não apenas representativa. Mas da natureza d o signo
não faz parte proceder de outro na semelhança, mas que seja m eio
condutor de outro para a potência, e substitua a favor desse outro
ao representar, com o alguma coisa díssemelhante e mais imperfeita
que ele.
Capítulo I

SE É CORRECTA E UNÍVOCA A DIVISÃO D O SIGNO


EM FORMAL E INSTRUMENTAL

D o signo instrumental, que verdadeira e propriamente seja signo,


ninguém duvida; com efeito, nada é mais manifesto que o facto de
os signos instrumentais e exteriores verdadeiramente serem signos.
Mas toda a dificuldade surge ao abordar os signos formais, pelos
quais a potência cognitiva é formada e informada para a manifestação
e o conhecimento do objecto. E toda a dificuldade se resume a isto:
de que modo pertence ao signo formal a natureza do meio condutor
da potência para o objecto, e de que modo pertencem ao signo
formal as condições do signo, especialmente esta, que o signo seja
mais imperfeito que o seu significado, e que uma coisa seja dita ser
conhecida mais imperfeitamente pelo signo que se em si própria e
imediatamente fosse conhecida e representada.
E a razão desta dificuldade reside no facto de que o signo formal,
como é a própria apercepção ou conceito da coisa, não acrescenta
numericamente a própria cognição para a qual conduz a potência.
Logo, não pode possuir a natureza de um meio para que a potência
seja tomada cognoscente, nem para fazer do objecto não manifesto
um objecto manifesto, uma vez que o signo formal é a própria razão
e forma de conhecer; e assim, o signo formal para isto conduz, para
que o conceito e a apercepção sejam postos na potência e esta se
torne cognoscente; mas o próprio conceito não é meio para conhecer.
Pelo contrário, de alguma coisa é dito ser conhecida igualmente
imediatamente quando é conhecida em si e quando é conhecida

191
mediante um conceito ou apercepção; com efeito, o conceito não
faz a cognição mediata.
Para que mais breve e claramente iniciemos este assunto, adverte
S. Tomás no C om entário às Sentenças de Ped ro Lom bardo, TV,
dist. 49, q. 2, art. 1, resp. obj. 15, e nas Quaestíones Quodlibetales,
q. 7, art. 1, que o meio na cognição é triplo: m eio sob o qu a l, com o
a luz sob cuja iluminação alguém vê; m eio p elo qual, ou seja a espécie
pela qual a coisa é vista; e m eio no qual, ou seja, em que outra
coisa é vista, com o quando no espelho vejo o homem. E este
m eio no qu a l pode ainda ser duplo: ou alguma coisa material e fora
da potência, com o aquilo em que existe uma semelhança ou imagem
de outro, tal com o no espelho a imagem do homem; ou outra coisa
formal e intrínseca â potência, como a forma expressa ou a palavra
na mente, na qual a coisa inteleccionada é conhecida. Pois S. Tomás
ensina em D e Potentia, q. 8, art. 1, e q. 9, art. 5, e nós mostramos
nos livros D a Alm a, q. 11, que a palavra mental ou conceito é dado
com o distinto do acto de cognição. Mais ainda, esta é a principal
razão para explicar a palavra no Ser Divino, porque em nós tal verbo
é dado procedendo por intelecção. Mas os que negam poder dar-se
esta palavra em nós, destroem esta razão. E o primeiro m eio no qu a l
faz a cognição mediata, isto é, a partir de outra coisa conhecida, ou'
cognição deduzida, e pertence ao signo instrumental; mas o segundo
m eio n o q u a l não constitui uma cognição mediata, porque não du­
plica o objecto conhecido nem a cognição. De resto, é verdadeira e
propriamente um meio representando um objecto, não com o meio
extrínseco, mas com o intrínseco e form ando a potência. Pois
representar não é mais do que tornar o objecto presente e unido à
potência na existência cognoscível, seja ao m odo do princípio e
espécie impressa, que se mantém da parte do princípio, porque é
dela própria e da potência que a cognição deve proceder; seja da
parte d o termo na espécie expressa, que se mantém da parte do
termo, porque na própria espécie o objecto é proposto e apresentado
como conhecido e terminando a cognição no interior da potência,
onde a espécie se reveste da razão do objecto. Mas um objecto é
tomado presente ou representado à potência, não a partir dele próprio
imediatamente, mas mediante o conceito ou espécie expressa. Logo,
o conceito é m eio ao representar, meio pelo qual o objecto é tomado
representado e conjunto com a potência.
D igo portanto em primeiro lugar: na op in iã o de S. Tomás, é mais
prová vel que o signo fo rm a l seja verdadeira e propriam ente signo, e
logo univocam ente com o signo instrum ental, em bora no m odo de
s ig n ifica r em m uito difiram .

192
E para tomar mais claro o que o Santo Doutor tinha em mente,
devemos ponderar que algumas vezes fala do signo enquanto exerce
precisamente o ofício de representar outro diferente de si, e desta
forma concede ao signo formal a razão do signo simplesmente. De
outras vezes fala S. Tomás do signo que, enquanto coisa objectificada
e primeiro conhecida, nos conduz para algum objecto, e em tal
acepção ensina que o signo se encontra principalmente nos sensíveis,
não nos espirituais, que nos são menos manifestos, com o diz no
Com entário às Sentenças de Pedro Lom bardo , IV, dist. 1, q. 1, art. 1,
quaestiunc. 2, e na Suma Teológica, III, q. 60, art. 4, resp. obj. 1.
Logo, que o signo formal seja signo simplesmente e absolutamente
deduz-se primeiro das Quaestiones Quodlibetales, q. 4, art. 17, onde
diz que «a v o z é signo e não objecto significado; mas o conceito é
signo e objecto significado, assim como é também coisa conhecida».
Mas, segundo S. Tomás, não pode o conceito ser signo instrumental,
pois não é patente a partir de si nem objecto extrínseco movente;
logo, atribui-lhe a razão do signo enquanto signo formal.
D o mesmo modo, em D e Veritate, q. 4, art. 1, resp. obj. 7, assim
diz: «A razão do signo pertence primeiro ao efeito que à causa,
quando a causa é relacionada ao efeito como sua causa de ser, mas
não quando é relacionada ao efeito com o causa de significar. Mas
quando um efeito tem da causa não somente a sua existência, mas
também o facto de significar, então assim como a causa é anterior ao
'efeito na existência, assim também é anterior no significar, e logo a
palavra interior tem a razão de significação que é anterior à da palavra
exterior.» Assim S. Tomás, onde fala absolutamente da palavrá mental,
também lhe atribui a natureza do signo, que não pode ser signo
instrumental, porque a palavra mental não existe nem m ove fora da
potência, com o foi dito.
Finalmente, em D e Veritate, q. 9, art. 4, resp. obj. 4, diz que -os
signos em nós são coisas sensíveis, porque a nossa cognição, como
é discursiva, nasce dos sentidos. Mas, em geral, podemos dizer que
é signo qualquer coisa conhecida, pela qual outra coisa é conhecida.
E, segundo isto, uma forma inteligível pode ser dita signo da coisa
que através dela é conhecida. E assim, os anjos conhecem as coisas
através de signos, e um anjo comunica com outro através de signos».
Assim, S. Tomás quando diz -em geral podemos dizer«, não usa a
palavra -em geral» com o o mesmo que «imprópria» e «não ver­
dadeiramente», mas usa-a segundo a razão do signo que é si­
multaneamente geral e verdadeiro, embora não fale da maneira
habitual na qual empregamos os signos de acordo com o nosso
m odo de conhecer, passando de um para outro e formando a
cognição, imperfeita ou discursiva, do signo para o objecto. E assim,

m
193
quanto ao modo de conhecer, com maior propriedade se encontra
a razão do signo no signo externo e instrumental, enquanto o acto
de conduzir de uma coisa para outra é mais manifestamente exercido
quando duas cognições existem, uma do signo, outra do objecto, do
que quando existe apenas uma única cognição, caso que sucede no
signo formal. Donde S. Tomás diz em último lugar em D e Verítate,
art. 4, resp. obj. 5, que «não pertence à razão do signo propriamente
entendida que seja anterior ou posterior por natureza, mas apenas
que seja pré-conhecido por nós». Donde sucede que, para salvar a
propriedade do signo, basta que este seja pré-conhecido, o que o
signo formal alcança, não porque seja conhecido com o objecto, mas
com o razão e forma pela qual o objecto é tornado conhecido no
interior da potência, sendo assim pré-conhecido formalmente, não
denominativamente e como coisa conhecida.
E disto retira-se o fundamento da conclusão, porque ao signo
formal pertence própria e verdadeiramente ser representativo de outro
diferente de si, e é ordenado a partir da sua natureza para esta
representação enquanto substituinte em lugar da coisa ou do objecto
que torna presente ao intelecto; logo, preserva a natureza essencial
do signo.
A consequência é patente porque salva a definição que foi trazida-
do signo, que seja representativo de outro diferente de si ao m odo
de alguma coisa mais conhecida e substituinte de outro, e, logo, não
igual a esse outro, mas mais imperfeito e deficiente. E tudo isto se
encontra no signo formal. Pois o conceito, por exemplo, de homem,
representa outra coisa diferente de si, ou seja os homens; e é mais
conhecido, não objectiva mas formalmente; uma vez que torna
conhecido o homem, que sem o conceito é desconhecido e não
presente ao intelecto; e pela mesma razão é primeiro conhecido
formalmente, isto é, funciona com o razão pela qual o objecto é
tomado conhecido. Mas isto que é razão para que alguma coisa seja
de tal tipo, enquanto razão e forma é anterior a essa coisa, do mesmo
m odo que a forma é anterior ao efeito formal. Logo, se o conceito
é razão para que a coisa seja conhecida, é anterior pela prioridade
da forma ao sujeito e razão denominante para a coisa denominada.
Semelhantemente, um conceito não é igual ao próprio objecto
representado, mas inferior e mais imperfeito do que aquele, com o é
patente no caso dos conceitos criados, porque os conceitos criados
são intenções ordenadas e subordinadas pela sua natureza para
substituir objectos e fazer as vezes deles do ponto de vista do termo
representado e do acto de conhecer pela potência. Logo, são inferiores
ao objecto enquanto é objecto daqueles conceitos, porque sempre o
objecto se tem como principal, e o «conceito com o representando e

194
fazendo as vezes dele. E assim, no ser intencional, o conceito é
sempre inferior, embora noutros casos, no intelecto das entida­
des espirituais, o conceito possa algumas vezes superar o objecto.
E quando dizemos que o objecto é principal e mais perfeito, falamos
do objecto primário e formal do conceito; pois o objecto material e
secundário comporta-se acessoriamente, nem é necessário que seja
mais perfeito que o conceito, uma v ez que o conceito não se substitui
por aquele objecto directa e essencialmente.
Finalmente, não obsta que o conceito não paréça acrescentar
numericamente ao objecto representado, uma vez que a coisa é vista
no conceito e não fora dele. Pois embora no m odo representativo
uma coisa possa ser vista como resultante do conceito representante
e do objecto representado, contudo esta unidade não destrói o
verdadeiro e próprio ser representativo e significativo. E ainda, quanto
mais a representação é una com a coisa representada, tanto melhor
e mais eficazmente é feita a representação. Contudo, não importa
quão perfeito, um conceito em nós não atinge a identidade com o
representado, porque nunca atinge isto, que se represente a si, mas
antes sempre representa outro diferente de si, porque funciona sempre
como substituinte a respeito do objecto; logo, retém sempre a distinção
entre a coisa significada e o próprio significante.
Nas pessoas divinas o caso é diferente. Pois o Verbo, porque é a
suma representação em acto puro, pela força de tanta representação
atinge a identidade com a essência divina representada, e assim perde
a razão do signo, sobre o que veja-se S. Tomás na Sum a Teológica,
I, q. 27, art. 1. E por esta mesma razão o conceito ou espécie èxpressa
retém a razão do meio quanto baste para a razão do signo. Pois tem
a razão do m eio no qual, porque nunca se representa a si, mas outro
diferente de si, enquanto se mantém da parte do termo da cognição,
não da parte do princípio, como sucede com a espécie impressa.
Mas porque não é termo último ou conhecido enquanto coisa, mas
servindo à potência, para que nele a potência apreenda a coisa
enquanto finalmente conhecida, logo possui suficientemente a razão
do meio, pelo próprio facto de que não é o termo último no
conhecimento. Nem se diz relacionar-se deficientemente com o
objecto, como se deficiente ê imperfeitamente representasse; pois
uma representação imperfeita e deficiente não pertence à razão do
signo, mas sobrevém-lhe fortuitamente. Mas para um conceito ser
signo basta que, de si, seja subserviente ao referente e faça as vezes
do objecto representado, substituindo-se em lugar daquele; uma vez
que enquanto tal, é inferior àquilo por que se substitui.
D igo em segundo lugar: a divisão em signo fo n n a l e instrum ental
é essencial, unívoca e adequada.

195
Que seja unívoca e essencial deduz-se da conclusão precedente,
porque o signo formal verdadeira e essencialmente é signo, como
mostramos. Mas do instrumental ninguém duvida que seja signo.
Logo, esta divisão é essencial e unívoca.
Todavia, que a divisão seja adequada, estabelece-se porque os
membros da divisão são reduzidos a contraditórios, e assim esgotam
o todo dividido. Pois com o todo o signo é meio condutor para outro,
ou este m eio é primeiro conhecido, para que o outro seja conhecido
como resultado, ou não. Se é primeiro conhecido denominativamente
ou objectivamente, é signo instrumental. Se não é primeiro conhecido
objectivamente, e contudo representa outro, fá-lo formalmente, porque
é a razão pela qual outro é tomado conhecido no interior da potência,
não fora dela, com o objecto conhecido; logo, é signo formal.
Finalmente, que a divisão seja essencial, não acidental, estabelece-
-se do facto de que a razão essencial do signo consiste na representa­
ção do significado, enquanto objecto tornado presente à potência e
com aquela unido. Mas tornar outro formalmente presente à potência
a partir de si próprio, e tornar outro presente como coisa primeiro
conhecida e com o objecto da potência, são essencialmente modos
diversos de representação. Logo, diferentes presenças resultam da
forma representando imediatamente ou de um objecto primeiro
conhecido como objecto, e consequentemente existem representações
e coisas conhecidas essencialmente diferentes, e, logo, existem signos
essencialmente diversos.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Contra a primeira conclusão podem ser formados argumentos,


seja de algumas coisas escritas por S. Tomás, seja tentando provar
que não pertencem ao signo formal as condições requeridas para a
essência do signo.
De S. Tomás pode objectar-se primeiro, porque na Suma Teológica,
III, q. 60, art. 4, resp. obj. 1, diz que primeiro e principalmente são
ditas signos as coisas que são oferecidas aos sentidos, mas os efeitos
inteligíveis não têm a natureza d o signo, excepto quando são
manifestados por algum signo. Ora, os signos formais são um tipo de
efeito inteligível, assim como são conceitos e espécies expressas;
logo, não são signos, excepto enquanto são manifestados por alguma
coisa sensível.
Semelhantemente, no Com entário às Sentenças cie Pedro Lombardo,
IV, dist. 1, q. 1, art. 1, quaestiunc. 2, diz que «â palavra ‘signo’,
quanto ao seu primeiro sentido, refere-se a alguma coisa sensível, de

196
acordo com a qual somos conduzidos à cogniçâo de alguma coisa
oculta». Logo, como «signo formal» não designa alguma coisa sensível
conduzindo para outra oculta, não são os signos formais primeira e
essencialmente signos.
E para a mesma conclusão serve o texto que citamos acima, D e
Veritate, q. 9, art. 4, resp. obj. 4, onde S. Tomás diz que o signo
propriamente é encontrado quando a cogniçâo discorre de um objecto
para outro; contudo, pode ser dito em geral que signo é tudo o que
é conhecido, no qual alguma outra coisa é conhecida. Logo, o signo
formal não é propriamente signo. Responde-se que nestes locais
S. Tomás não fala do signo segundo a comum natureza do signo,
mas segundo serve a nossa cogniçâo, enquanto a nossa cogniçâo
necessita primeiro da condução externa de um objecto, e só depois
requer formação por conceitos e formas inteligíveis; e, nesta última
necessidade, a nossa cogniçâo coincide com a dos anjos, mas difere
na primeira, e assim, é próprio da nossa cogniçâo ser conduzida a
partir do objecto proposto externamente. Mas a respeito do nosso
conhecimento, a razão própria do signo é encontrada no signo sensível
que nos conduz ao objecto. D igo razão «própria», não de um signo
enquanto tal, mas «própria» enquanto nos serve a nós no uso da
nossa cogniçâo. Donde as coisas que são espirituais não estão sujeitas
à nossa cogniçâo ao modo do signo [enquanto objecto que representa
outro objecto], excepto se nos são manifestadas através de alguma
coisa sensível. E é desta forma que S. Tomás fala na terceira parte da
Suma Teológica e no C om entário às Sentenças, IV. Mas explica o
que tem em mente em D e Veritate, q. 9, já citada, onde diz que o
signo é propriamente encontrado quando a cogniçâo discorre de um
objecto para outro. Digo «propriamente» quanto a nós, e enquanto o
signo serve a aquisição da cogniçâo. Mas S. Tomás acrescenta que,
em geral, qualquer coisa conhecida na qual outra coisa é conhecida
pode ser dita signo, não entendendo pelo termo «em geral» que fale
de um signo impróprio, mas a comum razão do signo, própria segundo
a sua natureza, do signo, mas não própria segundo o nosso m odo
de adquirir a cogniçâo.
Argumenta-se, em segundo lugar, que as condições requeridas
para o signo estão ausentes no caso do signo formal. Pois o signo
formal não tem a razão do meio, mas pode ter a razão d o termo da
cogniçâo, e consequentemente ser posterior à própria cogniçâo e
proceder daquela, com o é patente no conceito ou palavra mental,
que é termo de intelecção e procede da própria intelecção. Logo, o
signo formal não é meio da própria intelecção. D o mesmo modo, o
conceito não faz a cogniçâo mediata mas imediata, pois inteleccio-
namos a coisa objectificada imediatamente em si, m esm o se

197
inteleccionamos mediante o conceito e a apercepção. Mas é contra
a razão do signo que faça alguma coisa conhecida imediatamente e
em si; pois quando conhecemos a coisa pelo signo, conhecemos
menos perfeitamente que se conhecéssemos a coisa em si própria
imediatamente. Logo, como o signo formal não retira, mas antes
conduz para conhecer a coisa em si, não se reveste da própria razão
do signo.
Confirma-se porque vemos que a razão formal sob a q u a l não é
dita signo a respeito da razão objectiva a qual\ e que também não
é dita signo a espécie impressa, porque é um princípio intrínseco de
conhecer, com o diremos mais abaixo. Logo, também o signo formal
não será signo, porque é a própria forma de conhecer, nem acrescenta
em número com o objecto para o tornar conhecido, e tem-se da
parte do termo intrínseco da cognição, assim como a espécie impressa
se mantém da parte do princípio. Logo, ou ambas, espécie impressa
e expressa, serão signo, porque são representativas, ou ambas não
serão signo, porque são ambas formas intrínsecas da apercepção e
da cognição.
Resppnde-se para a primeira parte do argumento que o signo
formal, que é um conceito, tem a razão de um termo da cognição,
mas não de um termo final, antes de um termo ordenado para um
termo ulterior, ou seja para a coisa que é conhecida e é representada
naquele termo. Ora, não é inconveniente que alguma coisa seja termo
e meio, quando não é termo último, mas diz respeito e está ordenado
para alguma coisa exterior.
Nem pode insistir-se que, porque o objecto não é atingido tal
como é exteriormente, mas é-o tal como está contido e é tomado
inteligível no interior do conceito, o conceito não é alguma coisa
conducente para outra fora de si, mas conducente para uma coisa
que subsiste em si. Responde-se distinguindo a antecedente: que o
objecto não é atingido tal como é fora do conceito, é verdadeiro, se
a expressão «tal como» expressa a razão de atingir; se exprime a
coisa atingida, é falso, pois essa coisa que está fora é verdadeiramente
atingida e conhecida, embora por m eio de uma cognição intrínseca
e conceito, e isto basta para que o conceito seja signo e meio
intrínseco.
Para a outra parte do argumento responde-se que o signo formal
não é necessariamente aquele que faz a cognição mediata pela
mediação de um objecto conhecido, mas pela mediação de uma
forma informante e tornando o objecto presente, como diremos mais
amplamente ao tratar da palavra mental nos livros D a Alm a, q. 11.
E do mesmo m odo verificamos que o signo formal é algo condutor
para o seu significado formalmente, isto é, como forma representando

198
e unindo o objecto à potência, nâo instrumentalmente ou com o coisa
primeiro conhecida, e também é mais conhecida formalmente, não
objectiva ou denominativamente.
À proposição acrescentada, que pertence à razão do signo fazer
a cognição imperfeita não da coisa como é em si, responde-se que
isto apenas pertence ao signo instrumental, que por alguma coisa
estranha representa o objecto, mas não ao signo dito em geral, que
só exprime alguma coisa mais conhecida, na qual é manifestada uma
coisa menos conhecida, com o já dissemos muitas vezes de S. Tomás
na q. 9 de D e Veritate. art. 4, resp. obj. 4. E esta razão geral é pre­
servada no signo formal, que é mais conhecido que a coisa significada,
porque formalmente torna aquela conhecida e é meio para aquela
também formal e representativamente, embora não seja uma repre­
sentação estranha e imperfeita, mas apenas a representação de outro
diferente de si, a favor do qual substitui e para o qual é ordenado.
E se insistes: pois o Verbo Divino é excluído da razão do signo
por este motivo apenas, porque representa perfeitissimamente a Divina
Essência; e semelhantemente o filho de Pedro, embora seja imagem
dele, não é signo, porque perfeitamente iguala a semelhança de
Pedro; e Deus nâo é signo das criaturas, embora as represente, porque
as representa perfeitissimamente. Logo, pertence à razão do signo
representar imperfeitamente. Responde-se a isto que o Verbo Divino
nâo é signo de Deus, não só porque perfeitissimamente representa,
-mas porque é consubstanciai e igual a Deus. E assim, não é mais
conhecido nem substituindo ou servindo a favor d’Ele, muito menos
a respeito das criaturas, para as quais não é ordenado, mas as criaturas
são ordenadas para Deus, e assim, as criaturas são signos de Deus,
signos que nos representam Deus enquanto são elas próprias mais
conhecidas de nós. Contudo, não pertence à razão do signo a im­
perfeição da cognição que gera, mas a substituição a favor do objecto,
que representa. Mas o homem, que é filho do seu pai, não é mais
conhecido d o que o pai, mas univocamente igual, e assim não se
reveste da razão do signo.
Para confirmação responde-se que a razão formal sob a qu a l nâo
é signo, porque não faz o objecto presente à potência, mas constitui
o próprio objecto no ser de tal ou tal tipo determinada e especi­
ficamente; todavia, na razão de ser presente e conjunto à potência,
isto é feito pelo signo formal, ou instrumental, ou alguma outra coisa
fazendo as vezes do objecto.
Mas à proposição acrescentada de que o signo formal nâo
acrescenta em número com a própria coisa significada, para a tomar
conhecida, responde-se ser verdadeiro que o signo formal não
acrescenta em número como se existissem duas coisas conhecidas e

199
representadas; mas não é verdade que o signo formal nâo acrescente
numericamente como se existisse uma coisa representando e outra
representada; e assim, basta que haja um signo e um objecto, embora
no ser intencional ou representativo o signo formal seja dito ser uno
com o objecto, não só como sucede com aquelas coisas que coincidem
numa razão comum, mas antes porque totalmente contém o mesmo
número que está no outro, e representa aquele. Mas este facto supõe
que sejam distintos o representante e o representado, de tal modo
que nunca uma e a mesma coisa se represente a si própria, pois esta
identidade destrói a razão do signo.
Finalmente, para ó que é dito acerca da espécie impressa, que
será signo da mesma forma que a espécie expressa, trataremos mais
adiante no capítulo j p Basta por agora dizer que se a espécie impressa
é removida da razão do signo, isto sucede porque não representa à
cognição, mas à potência, para que produza a cogniçào. Mas a espécie
expressa representa à potência e à cognição, porque é termo da
cognição e também forma representando à própria cognição. Todavia,
disto trataremos mais adiante.
Contra a segunda conclusão, argumenta-se que esta divisão não
parece nem unívoca nem adequada nem essencial. Ergo.
A antecedente quanto à primeira parte, que a divisão não é unívoca,
prova-se porque esta divisão compreende os signos instrumentais
em toda a sua latitude, e assim compreende os signos instrumentais,
os naturais e os convencionais, que não coincidem univocamente na
razão do signo, uma vez que um é real, o outro de razão.
Semelhantemente, a razão do meio não é encontrada univocamente
no signo instrumental e no signo formal, mas é encontrada em um
com uma prioridade natural sobre o outro, e dependentemente no
caso do signo exterior. Donde diz S. Tomás em D e Veritate, q. 4,
art. 1, resp. obj. 7, que a significação é encontrada primeiro por uma
prioridade natural na palavra interior sobre a exterior, logo não
univocamente.
A segunda parte, que a divisão não é adequada, prova-se porque
parecem dar-se alguns signos que não são formais nem instrumentais,
e também alguns que podem simultaneamente ser as duas coisas.
Exemplo do primeiro: certamente o fantasma é isto, no qual o intelecto
conhece o singular, e contudo nem é signo formal, uma vez que não
é inerente nem informa o intelecto; nem é instrumental, porque não
conduz para o objecto a partir de uma cognição pré-existente, mas
imediatamente representa o objecto; pois o intelecto não necessita
primeiro de conhecer o fantasma enquanto coisa conhecida para ter
conhecimento dos singulares. Semelhantemente, o fantasma do
fumo a respeito do intelecto não é signo formal do fogo, porque nâo

200
informa o intelecto; nem é signo instrumental, porque não é efeito
do próprio fogo, assim como o é o fumo da parte da coisa real.
Do mesmo modo, o conceito não ultimado é signo formal a respeito
da voz, e instrumental a respeito da coisa significada pela voz; e o
conceito de homem ou de anjo, em ordem para si, 6 signo formal,
e em ordem para aquele a quem se fala ê signo instrumental. Logo,
a mesma coisa pode ser signo formal e instrumental.
Finalmente, a terceira parte da antecedente, que a divisão dos
signos em formal e instrumental não é essencial, prova-se porque
esta divisão é tirada em ordem para a potência; uma ve z que o signo
formal é inerente à potência, e o instrumental é o que é conhecido.
Mas a ordem para a potência não pertence à constituição d o signo
directa, mas obliquamente, como dissemos na questão precedente.
Logo, esta divisão não é essencial primeiiamente e por si.
E confirma-se porque não pode a mesma coisa ser dividida por
duas divisões essenciais não postas subalternamente. Mas a divisão
do signo em natural e convencional é essencial, com o abaixo diremos,
e não é subordinada à divisão entre signo instrumental e formal,
porque o signo natural também é superior ao formal e instrumental,
e novamente o signo instrumental divide-se em natural e convencional.
Logo, estas divisões não são essenciais.
Para a primeira parte do argumento duas coisas podem ser ditas.
Primeiro, que nesta divisão entre formal e instrumental o signo não
é dividido em toda a sua latitude, mas apenas os signos naturais,
porque só os signos naturais são incluídos em ambos os membros.
E embora o signo convencional seja também instrumental, contudo
nâo é um signo instrumental enquanto o instrumental é oposto do
formal; pois o signo formal nesta divisão é contraposto apenas ao
signo natural instrumental. Mas o signo convencional é signo com o
se fora extrinsecamente e não por si. E, em toda a divisão, o que é
capaz de ser incluído em cada um dos membros que dividem, deve
sempre ser aceite como aquilo que é dividido. Por exemplo, quando
o hábito intelectivo é dividido em sapiência e conhecimento, a divisão
é unívoca; contudo, a palavra -sapiência" não deve ser entendida em
toda a sua latitude, enquanto compreende também a sapiência
incriada, pois assim entendida não divide o hábito. E, de m odo
semelhante, a relação é dividida univocamente em relação de pater­
nidade e de semelhança; contudo não deve a paternidade ser in-
teleccionada em toda a sua latitude, enquanto inclui também a divina.
Assim, é dividido o signo em formal e instrumental univocamente,
nâo em toda a sua latitude da parte do signo instrumental, mas
enquanto restringido ao signo natural.

201
Em segundo lugar, responde-se que a divisão pode ser unívoca
mesmo tomando o signo instrumental em toda a sua latitude, enquanto
também compreende o signo convencional, porque embora o que é
real e o que é de razão não coincidam univocamente na razão de
ser, contudo na ordem e na formalidade do signo podem coincidir
univocamente, enquanto o signo pertence à ordem do cognoscível e
objectivo. E bem está que na razão do objecto e do cognoscível o
objecto real e de razão convenham, quando pertencem à mesma
potência específica ou a ciências univocamente convenientes, por
exemplo à Lógica, que trata do ente de razão, ou à Metafísica, que
trata do ente real, embora na razão do ente estes objectos sejam
analogizados. Assim, o signo natural e o convencional, embora ex­
primam relações analogicamente convenientes na razão do ente,
contudo na razão do signo, enquanto pertencentes à ordem do
cognoscível, coincidem univocamente como meio representativo do
objecto. E assim, entendida a divisão do signo precisamente na ordem
e na linha do cognoscível, pode univocamente ser estendida ao signo
convencional, mas não quando a divisão do signo é entendida na
ordem do ser real ou da relação.
E por isto é explicado de que m odo coincidem o signo formal e
o instrumental univocamente na razão do m eio representativo,
enquanto ambos verdadeira e propriamente servem para representar.
Mas a dependência que existe no signo instrumental a respeito do
formal, e na vo z a respeito do conceito, é uma dependência física,
não lógica, ou seja, é uma dependência para que um tipo de ente
seja posto fisicamente em exercício, ou para que alguma operação
de um tipo de ente possa depender de outra, assim com o a superfície
depende da linha, o ternário d o binário, o misto do elemento, etc.
Mas não é dependência lógica, isto é, ao participar da razão comum,
assim com o o acidente depende da substância na própria razão do
ente; e esta última dependência produz a analogia, não a primeira.
Esta doutrina é comum e expressamente trazida de S. Tomás, no seu
comentário ao D e Interpretatíone, lect. 8, n. 5 e 6.
Para a segunda parte do argumento responde-se que o primeiro
exemplo não é a propósito, porque o fantasma dos singulares não
serve para a cognição do intelecto enquanto signo, mas enquanto
aquilo pelo que o intelecto agente recebe a espécie. E assim, o
universal representa os objectos com alguma conotação para os
singulares, em razão de cuja conotação o intelecto reflectindo atinge
os próprios singulares: não pelo fantasma como se fora signo, mas
pela espécie abstraída como originada pelo fantasma e logo conotando
o singular com o termo a partir do qual, não representando-o
directamente, com o é explicado mais gmplamente na q. 1 da Física

202
e na q. 10 dos livros D a Alm a. Mas se o intelecto respeitasse o
fantasma como coisa cognoscível e atingisse o singular mediante ele
próprio, utilizaria o fantasma com o objecto conhecido manifestante
de outro, e consequentemente como signo instrumental. Mas isto
será por cognição reflexa sobre a entidade do fantasma.
Os outros exem plos aduzidos no argumento são explicados
semelhantemente, como o do fantasma do fumo a respeito do fogo,
o conceito não ultimado para a coisa significada, etc. Pois estes
exemplos provam que a mesma coisa pode ser signo formal e
instrumental a respeito de objectos diversos e de diversos modos de
representar, não a respeito do mesmo objecto e m odo de representar;
assim como o fantasma do fumo é signo formal a respeito da fantasia,
que p o r aquela representação form alm ente con h ece o fumo
imediatamente, e o fogo mediatamente, como contidos no fumo
representado; mas o fumo externo, enquanto conhecido, é signo
instrumental. Mas se o intelecto reflectir sobre o fantasma do fumo
como sobre a coisa conhecida, intelecciona no fantasma com o num
signo instrumental o fumo externo e o fogo, que o fantasma significa.
Também o conceito não ultimado representa a palavra pronunciada
significativa, mas a coisa significada e na voz contida será representada
mediatamente, enquanto as duas coisas ordenadamente representadas
no mesmo conceito serão representadas formalmente. Mas a respeito
da cognição, pela qual reflexivamente se conhece o conceito não
•ultimado, o conceito representará a vo z e o significado da voz
instrumentalmente, se todavia o conceito da palavra, conceito não
ultimado, atinge a coisa significada pela palavra em qualquer modo,
isso já não é assim tão certo, com o diremos mais abaixo. Finalmente,
o conceito de falar do anjo representa formalmente ao falante, mas
para o que ouve, que percebe o conceito com o coisa conhecida,
nele a coisa representada representa instrumentalmente; mas isto é
a respeito de diversos objectos e modos de representar.
Para a terceira parte do argumento, que a divisão não é essencial,
responde-se que embora a ordem para a potência seja, no signo,
consequência da ordem para o objecto, enquanto representa aquele
como significado à potência, contudo diversos modos de conduzir o
objecto à potência redundam na diversidade formal d o objecto
enquanto é objecto, enquanto respeitam diversos m odos de
representabilidade no significado, pois representam essa coisa à
potência por modos diversas. Mas a divisão segundo modos intrínsecos
resulta ou supõe a diversidade essencial das coisas sobre as quais os-
modos são fundados, assim como a diversidade segundo a obscuridade
ou a claridade diversifica as revelações e luzes, embora na fé a
obscuridade seja um m odo intrínseco, não a razão formal.

203
Para confirmação responde-se que, como mostramos nas Súmulas,
q. 5, art. 4, resp. obj. 2, não é inconveniente que a mesma coisa seja
dividida por várias divisões essenciais, não subaltemamente, mas
imediatamente, enquanto cada uma dessas divisões é feita segundo
alguma formalidade essencial tomada inadequadamente, não segundo
o todo adequadamente considerado, onde isto com vários exemplos
provamos, como pode ver-se nas Súmulas.
C apítulo n

SE O CONCEITO É SIGNO FORMAI

Procede a questão tanto do conceito do intelecto, que é chamado


espécie impressa e palavra, quanto da espécie expressa da fantasia
ou imaginação, que é chamada ídolo ou fantasma. De que modo a
definição de signo formal, que é uma apercepção formal e que de
si própria e imediatamente alguma coisa representa, convém àque­
les dois?
Mas para que o homem rude e sem instrução possa pelo menos
inteleccionar o que é o conceito, a palavra, a espécie expressa ou o
termo da intelecçào (que são todos a mesma coisa), e porque são
postos, é necessário advertir para o facto de que, por razões que
mais amplamente disputaremos nos livros Da Alm a, q. 6, 8 e 11, o
termo da cognição que é posto no interior da potência cognoscente,
é posto por duas razões: ou por necessidade da parte do objecto, ou
por fecundidade da parte da potência.
P o r causa da fecundidade porque é da abundância do coração
que a boca fala, e assim a palavra é chamada conceito, enquanto é
expresso e formado pela potência para manifestar aquelas coisas
que são conhecidas. Pois o intelecto naturalmente busca e desencadeia
a manifestação; e tal manifestação expressiva é chamada discurso ou
locução interior, e a própria palavra é uma espécie ou alguma
semelhança expressa e dita.
Mas p o r causa da necessidade de um objecto, o conceito é posto
para que um objecto seja tornado unido com a potência na razão de
um termo conhecido e seja presente à potência. Todavia, como ensina

205
S. Tomás na Sum a con tra os Gentios, I, cap. 53, existe uma dupla
necessidade de pôr um termo ou objecto no interior da potência
cognoscente. Ou porque o objecto está ausente e não pode terminar
a cognição para ele, a não ser que seja tornado presente na razão do
termo; e assim é necessário formar alguma semelhança ou espécie,
na qual o objecto é tomado presente ou representado, Com efeito,
assim com o foi necessário pôr a espécie impressa para o objecto ser
presente e unido à potência na razão do princípio concorrente para
formar a cognição, assim é necessário que outra semelhança ou
espécie seja posta para que o objecto seja presente na razão do
termo para que tende a cognição, se a coisa objectificada está ausente.
Ou, em segundo lugar, é necessário pôr o conceito no interior da
potência para que as coisas conhecidas ou os objectos se tornem
proporcionados e conformes à própria potência. Com efeito, assim
como um objecto não pode ser termo da visão externa, excepto
quando é banhado na luz visível, assim também o objecto não pode
ser atingido pelo intelecto, excepto se é despojado da sensibilidade
e afectado ou formado por uma luz espiritual, que é imaterialidade
ou abstracção. Mas a luz imaterial não é encontrada fora da potência
intelectiva; logo, é necessário que no interior da potência o objecto
seja iluminado e seja formado por aquela espiritualidade, para que"
seja atingido; e isto que é formado no ser do objecto é a palavra ou
conceito, que não é a própria cognição, com o já dissemos a partir de
S. Tomás e diremos mais abaixo na questão 4; porque mantém-se da
parte do objecto ou termo conhecido, e a sua função não é tomar
formalmente cognoscente, enquanto a cognição é tendência para o
objecto, mas tornar o objecto presente ao m odo de um termo
conhecido. Nem o conceito antecede a cognição, com o sucede com
a espécie impressa, porque é formado pela cognição, nem é dado
com o princípio da cognição, mas com o termo. Nem isto torna
necessário que tal palavra ou espécie seja conhecida com o objecto,
assim com o ê conhecida a imagem exterior, para que a coisa
representada nela seja atingida, porque com o representa no interior
do intelecto e como forma informando aquele, não representa
objectivamente e como algo primeiro conhecido, mas formalmente e
com o razão de conhecer, como mais amplamente diremos nos livros
D e A nim a, q. 11. Acerca destas várias questões pode também ver-se
S. Tomás na Sum a contra os Gentios, I, cap. 53, e IV, cap. 11; e os
Opúsculos 13 e 14 e muitos outros locais, onde trata da palavra
mental.
Mas se inquires através de que acto é feita esta expressão ou
conceito, brevemente diremos (pois este assunto aguarda os livros

206
D e A nim ei), que é feita no intelecto por um acto que substancialmente
é de cognição, mas tem alguma coisa mais, a saber, que seja cognição
fecunda, isto ê, manifestativa e falante ou expressiva. Com efeito, o
intelecto não conhece só a partir de si, mas produz também o ímpeto
para manifestar; e aquele irromper para manifestar é uma certa
expressão e concepção e parto do intelecto.
Mas nas potências sensitivas S. Tomás parece conceder que exista
um duplo m odo de fazer estas espécies expressas, que em si mesmas
são chamadas ídolo. Primeiro porque as potências sensitivas formam
ou produzem espécies activamente, como diz na Sum a Teológica, I,
q. 12, art. 9, resp. obj. 2, que «ã imaginação forma a representação
da montanha dourada a partir de espécies da montanha e de ouro
previamente recebidas». Segundo, porque as potências sensitivas
recebem as espécies expressas formadas por outras causas ou
potências, sobre o que pode ver-se S. Tomás na Suma contra os
Gentios, IV, cap. 11, e Opúsculo 14, dizendo que a forma ou re­
presentação é expressa pelo sentido e terminada na imaginação; e
assim uma coisa é o princípio do qual emana esta semelhança, outra
o princípio no qual é terminada. Embora o que foi posto — que os
sentidos internos recebem as suas espécies expressas dos sentidos
externos — tenha alguma probabilidade, parece mais provável, como
dizemos nos livros D a Alm a, q. 8, art. 4, que a espécie expressa
sempre seja uma imagem viva e produzida por acção vital da potência,
à qual serve para que por meio dela a potência conheça. Mas as
espécies impressas são espécies que são impressas por uma potência
noutra e movem essa outra potência para a cognição e formação do
ícone. E porque são trazidas pelos espíritos ou pelo sangue, assim,
quando o sangue e os espíritos descem aos órgãos dos sentidos,
então movem a imaginação, com o se fora movida pelos sentidos,
como acontece nos sonhos, e às vezes um demônio ou anjo assim
se ocupa da excitação da imaginação, com o ensina S. Tomás na
Sum a Teológica, I, q. 111, art. 3, e D e M aio, q. 16, art. 11, e em
outros locais.
Primeira conclusão : O conceito ou espécie expressa pelo intelecto é,
p o r excelência, um signo form a l.
Esta conclusão é tirada de S. Tomás, que frequentemente ensina
que a palavra mental é signo e semelhança da coisa, como nas
Quaestiones Quodlibetales, q. 4, art. 17; D e Veritate, q. 4, art. 1, resp.
obj. 7, e Suma contra os Gentios, IV, cap. 11. Mas não é signo ins­
trumental, porque não é objecto primeiro conhecido, que da cognição
preexistente de si conduz para a coisa representada, mas é termo de
intelecçâo, pelo qual, enquanto termo intrínseco, a coisa é tomada

207
conhecida e presente ao intelecto, como S, Tomás ensina nos locais
citados e nos Opúsculos 13 e 14. Logo, a palavra mental é signo
formal.
E o fundamento da conclusão tira-se porque o conceito inteligível
representa directamente uma coisa diferente de si à potência, por
exemplo o homem, ou a pedra, porque é uma semelhança natural
daquelas coisas, e pela sua informação o conceito toma o intelecto
cognoscente em acto por uma cognição terminada pela própria
cognição de si, e não por uma cognição de si pré-existente. Logo, o
conceito é apercepçâo formal tornando o intelecto inteleccionante
não ao m odo de um acto, mas ao m odo de um termo ou apercepçâo
terminada.
Segunda conclusão; Também o ídolo ou espécie sensível expressa
nas potências interiores sensíveis é signo fo rm a l a respeito de tais
potências.
Esta conclusão não tem qualquer dificuldade se estes ídolos são
formados pelas próprias potências, assim como o conceito é formado
no intelecto. Mas a dificuldade reside em saber de que m odo pode
ser mantido que sejam apercepções formais, pelo menos terminati-
vamente, se é verdade que estas expressões podem ser formadas
também por um princípio extrínseco, com o quando são formadas
por um anjo ou demônio por comoção do espírito, ou também pelo
descer do sangue aos órgãos dos sentidos dos que dormem.
Mas, apesar de tudo, dizemos que mesmo concedendo aquela
possibilidade (cujo oposto parece mais verdadeiro, com o dissemos),
continuaria a ser o caso de que tais imagens ou ícones são signos
formais, porque não conduzem a potência nem lhe representam o
objecto a partir de uma cognição de si pré-existente, mas conduzem
imediatamente para os próprios objectos representados, porque estas
potências sensitivas não podem reflectir sobre elas próprias e sobre
as formas expressas que têm. Logo, sem estas espécies expressas
sendo conhecidas pelas potências sensitivas, as coisas são tornadas
imediatamente representadas às potências; logo, esta representa­
ção é feita formal e não instrumentalmente, nem de alguma cognição
anterior da imagem ou ícone. Donde, para que o conceito formado
pelo sentido interno seja signo formal, basta que termine o acto de
cognição, seja formado pela própria cognição, seja formado a partir
de outra causa e unido àquela cognição de tal maneira que o acto
é terminado para aquele ídolo; assim como se Deus por si só unisse
o conceito ao intelecto e o acto do intelecto fosse terminado para
aquele conceito, isto seria chamado verdadeira e propriamente
apercepçâo formal terminativamente, embora não emanasse do próprio
acto de inteleccionar.

208
RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Primeiro argumenta-se que o conceito representa à potência como


signo instrumental, logo, não representa com o signo formal.
A antecedente prova-se, primeiro de S. Tomás, nas Quaestiones
Quodlibetales, q. 5, art. 9, resp. obj. 1, onde diz que «o intelecto
intelecciona uma coisa de duas formas, de um m odo formalmente,
e assim intelecciona pela espécie inteligível, pela qual é constituído
em acto; de outro modo à maneira de um instrumento, que é utilizado
para .inteleccionar outra coisa, e é deste m odo que o intelecto
intelecciona pela palavra, porque forma a palavra para isto —
inteleccionar a coisa». Logo, segundo S. Tomás, o intelecto não
intelecciona a palavra enquanto forma, mas enquanto instrumento, e
por esta razão a palavra mental não é signo formal, mas instrumental.
A antecedente prova-se porque o conceito representa com o
conhecido, logo, como signo instrumental; pois o signo instrumental
é o que, conhecido, conduz pára a cognição de outro. E isto prova-
-se porque S. Tomás diz em D e Veritate, q. 4, art. 2, resp. obj. 3, que
«uma concepção do intelecto não é só isto, que ê inteleccionado,
mas também aquilo pelo que a coisa é inteleccionada, para que
assim, aquilo que é inteleccionado, possa ser dito ser a própria coisa
e a concepção do entendimento». Logo, segundo S. Tomás, a palavra
é conhecida com o aquilo que é conhecido, e assim representa
enquanto conhecida. A mesma conclusão segue-se também porque
inteleccionar é comparado à palavra, assim como o acto de existência
é comparado com o ente em acto, como diz S. Tomás ná Suma
Teológica, I, q. 34, art. 1, resp. obj. 2. Logo, a palavra não representa,
excepto enquanto formada pela cognição e com o algo conhecido, e
logo como signo instrumental, o qual enquanto conhecido representa.
Responde-se negando a antecedente. Para primeira prova, tomada
a partir da autoridade de S. Tomás, responde-se que S. Tomás chama
à palavra mental instrumento, pelo qual o intelecto conhece alguma
coisa, não enquanto meio conhecido, que é instrumento e meio
externo, mas como meio interno, no qual o intelecto intelecciona no
interior de si, e isto é ser signo formal. Mas chama-se forma impressa
àquilo por que formalmente o intelecto intelecciona, porque mantém-
-se da parte do princípio de intelecçâo; ora, o que se tem da parte
do princípio é chamado forma. E contudo S. Tomás não diz que a
forma impressa significa ou representa formalmente, mas que é o
princípio pelo qual o intelecto formalmente intelecciona; e uma coisa
é ser signo formal, outra o princípio pelo qu a l de inteleccionar.
Para a segunda prova responde-se que do conceito não é dito
representar enquanto primeiramente conhecido ao m odo de um

H
209
objecto extrínseco, de tal maneira que esse «conhecido» seria uma
denominação extrínseca; más como um representar enquanto um
conhecido intrínseco, isto é, como termo da cognição interior à
potência. Mas porque não é o termo no qual a cognição se detém
finalmente, mas um termo mediante o qual a potência é chamada
para conhecer o objecto externo, por esta razão o conceito tem o ser
do signo formal, porque é conhecido intrínseco, isto é, razão intrínseca
de conhecer. Donde o signo instrumental é conhecido com o aquilo
que é conhecido extrinsecamente e enquanto coisa conhecida, a
partir de cuja cognição se chega ao objecto; mas o conceito é
conhecido como algo que é conhecido, não enquanto coisa conhecida
extrinsecamente, mas com o aquilo em que está contida a coisa
conhecida no interior do intelecto. E assim, pela mesma cognição,
são atingidos o conceito e a coisa concebida, mas a cognição da
coisa concebida não é atingida a partir da cognição do conceito.
E porque o conceito é aquilo em que a coisa ou objecto é tornado
proporcionado e imaterializado ao m odo de um termo, por esta razão
o próprio conceito é dito ser conhecido como algo que, não como
coisa separadamente conhecida, mas enquanto constituindo o objecto
na razão do termo conhecido. Ora, embora o signo instrumental
possa ser atingido com o objecto por um único acto de cognição,.
contudo permanece verdadeiro que é do signo conhecido que se
atinge o objecto, que o próprio signo não constitui formalmente a
coisa significada como conhecida.
Para terceira prova responde-se que inteleccionar, com o é dicção
ou expressão, tem por complemento a própria palavra enquanto
termo. E assim, S. Tomás em D e Potentia, q. 8, art. 1, diz que «o acto
de inteleccionar é completado pela palavra». Mas novamente, a própria
palavra noutra ordem é actuada e completada pelo acto de inte­
leccionar, enquanto o acto de inteleccionar é a última actualidade na
ordem do inteligível, assim como o acto de ser é a última perfeição
na sua ordem, com o diz S. Tomás na Sum a Teológica, I, q. 14,
art. 4. Mas que por razão desta actuaçâo a palavra seja tornada
conhecida, não basta para a razão do signo instrumental, porque a
palavra não é conhecida como objecto e coisa extrínseca, mas como
termo intrínseco da própria intelecçâo; com efeito, isso é representar
no interior da potência informando-a e tomando-a cognoscente, e,
logo, o conceito ou palavra é dito signo formal.
Argumenta-se em segundo lugar: a palavra não é apercepção
formal, logo, não é signo formal.
A consequência é patente da definição de signo formal. A ante­
cedente prova-se, primeiro, porque a apercepção formal é aquilo
que torna a potência formalmente cognoscente. Mas a potência é

210
tornada formalmente cognoscente por um acto de cognição, que é
a forma imediata do cognoscente, especialmente porque conhecer
consiste numa acção, uma vez que é uma operação vital; mas a
palavra não é a própria operação ou acto de conhecer, mas alguma
coisa formada pela cognição e efeito dela. Logo, não é a forma que
constitui o cognoscente, mas a forma que procede e é produzida
pelo cognoscente; logo, não é a própria apercepção formal da
potência. Donde a palavra não é constituída pelo acto de inteleccionar
activamente, mas por ser inteleccionada passivamente; logo, não
constitui formalmente o acto de inteleccionar, mas constitui for­
malmente a coisa inteleccionada,
A mesma questão antecedente prova-se, em segundo lugar, porque
no divino o Verbo não produz formalmente o entendimento, porque
o Pai não intelecciona por uma sapiência gerada, como, a partir de
S. Agostinho, ensina S. Tomás no C om entário às Sentenças de Pedro
Lombardo, I, dist. 32, q. 2, art. 1. Logo, a palavra não toma a potência
formalmente cognoscente a partir do gênero de coisa que é.
Confirma-se porque se a palavra fosse apercepção formal, sem a
palavra não poderia o intelecto ser formalmente cognoscente, pelo
menos não perfeitamente. Mas sem a formação da palavra, o intelecto
conhece formalmente, como é admitido ser provável no caso dos
Beatos e é manifesto na intelecção pela qual o Verbo e o Espírito
Santo inteleccionam. Ergo.
' Responde-se, ao argumento principal, distinguindo a antecedente:
Concedo que a palavra não é apercepção formal ao m odo de uma
operação; mas que o seja ao m odo do termo, nego. E assim a palavra
torna o intelecto form alm ente -inteleccionante», form alm ente
terminativamente, não formalmente operativamente. Mas quando é
dita signo formal, que é apercepção formal, é inteleccionada da
apercepção formal terminada, não da própria operação da apercepção
sem termo, porque à razão do signo pertence que seja representativo,
mas a operação enquanto operação não representa. Mas isto, que
representa, deve ser expresso e semelhante ao que é representado,
que pertence à razão da imagem; todavia ser semelhante e expresso
propriamente pertence ao termo procedente, que é assimilado ao
seu princípio, não à operação, que é mais assimilativa que a coisa
semelhante. Mas que se diga que inteleccionar consiste na acção ou
operação é verdadeiro do próprio acto formal de inteleccionar. Mas,
quando o signo formal é chamado apercepção formal, não é
inteleccionado da apercepção formal enquanto esta é operação, mas
da apercepção formal que é representação e expressão, o que só
pertence à apercepção formal terminada ou termo da apercepção,
não à operação enquanto é operação. E quando se diz que a palavra

211
é efeito da cognição, é entendido que é efeito da operação da cognição
e via ou tendência da cognição, não efeito da cognição com o
terminada. Pois a palavra é a forma da cognição com o terminada,
porque a palavra é o próprio termo da cognição; mas a palavra é
efeito da cognição enquanto esta é operação expressiva e dicção, e
assim supõe um acto de inteleccionar não terminado e completo,
mas operante e expressante, e logo, resta um lugar para que a palavra
seja apercepção formal formalmente terminativamente, não formal­
mente operativamente. E por esta razão, a palavra é constituída por
ser inteleccionada, e não por inteleccionar activamente, porque não
pertence à palavra enquanto signo formal ser apercepção formal
operativa e activamente, mas terminativamente e segundo um ser
intrínseco inteleccionado, pelo qual a própria coisa é tornada inte­
leccionada e representada intrinsecamente; contudo a representação,
não a operação, pertence à razão do signo, assim com o lhe pertence
ser apercepção formal representativa, não operativa.
Para segunda prova responde-se que a natureza do Verbo Divino
é diferente da do verbo humano, porque o Verbo no Divino supõe
uma intelecção essencial totalmente terminada e completa, para que
seja acto puro na ordem do inteligível; nem a Palavra serve para que
a intelecção seja completada essencialmente, mas para que seja dita.
e expresse nocionalmente. E assim, a Palavra Divina não torna Deus
formalmente «inteleccionante» mesmo terminativamente, essencial­
mente e no ser perfeito do inteligível, nem toma Deus um objecto
inteleccionado em acto, porque a essência divina segundo ela própria
é em acto final -inteleccionante» e inteleccionada, porque é acto puro
na ordem do inteligível, e não tem esta condição através da processâo
da palavra, mas, antes, esta processâo da palavra supõe tal condição.
Mas em nós, porque o objecto não é inteleccionado em acto último
por si, é necessário que seja formado no interior do intelecto na
razão do objecto terminante; e isto é feito pela expressão da palavra
no ser representativo, e então por aquela palavra o intelecto é tomado
formalmente -inteleccionante- terminativamente. Para confirmação
responde-se que não pode dar-se alguma cognição sem palavra, ou
formada pela própria pessoa que intelecciona ou unida àquela.
Contudo, nem sempre é requerido que a palavra proceda ou seja
formada por quem intelecciona. E assim, no caso dos Beatos, a divina
essência é unida ao seu intelecto na razão da espécie expressa, assunto
mais amplamente discutido por S. Tomás na Sum a Teológica, I,
q. 12, art. 2, e aflorada nos livros D e A nim a, q. 11.

212
C apítulo m

SE A ESPÉCIE IMPRESSA É SIGNO FORMAL

Supomos que existem espécies impressas, as quais fazem as vezes


do objecto unindo-se à potência para eliciar a cognição ou apercepção,
do facto de que esta nasce da potência e do objecto. Donde é
necessário que o objecto seja tornado unido ou presente à potência,
•determinando-a para eliciar a cognição. E como o objecto não pode
por si próprio ir para a potência e unir-se a ela, é necessário que isto
seja feito por meio de alguma forma, que é chamada espécie, que
assim contém o próprio objecto de m odo intencional e cognostível
para que possa tomá-lo presente e unido à potência. E porque aquela
forma ou espécie é instituída por natureza para esta função, diz-se
representar o objecto à potência, porque lhe presentifíca ou toma
presente o objecto. E é dita também semelhança natural do objecto,
porque da sua própria natureza actua fazendo as vezes do objecto,
ou é o próprio objecto no ser intencional. Esta unidade ou
conveniência é dita semelhança, e é dita semelhante porque é dada
para a potência formar uma semelhança expressa do objecto. Mas é
chamada impressa porque é imprimida e acrescentada à potência
por um princípio extrínseco, pois não procede nem é expressa pela
potência da mesma forma que a espécie expressa. Com efeito, a
espécie impressa é dada à potência para eliciar a cognição, e assim
funciona ao m odo de um princípio e concorre com a própria potência
para eliciar a cognição, não ao modo do termo procedente da própria
potência e da sua cognição. Deste assunto mais amplamente falaremos
em D e A nim a, e pode também ver-se S. Tomás, D e Potentia, q. 8,

213
art. 1; Opúsculos 13, 14 e 53; e Quaestiones Quodlibetales, 7, art. 1,
e vários outros locais, onde explica a natureza da espécie impressa.
Perguntamos portanto se esta espécie que assim representa o
objecto ao m odo de um princípio de cognição possui a natureza do
signo formal, assim como possui a natureza do representativo.
Seja única conclusão: A espécie impressa não é signo fo rm a l.
Esta conclusão é tirada em primeiro lugar de S. Tomás, que falando
do signo geralmente expresso, o qual é aquilo que está em
conformidade com o signo formal, diz em D e Veritate, q. 9, art. 4,
resp. obj. 4, que é «qualquer coisa de algum m odo conhecida, na
qual alguma outra coisa é conhecida, podendo assim uma forma
inteligível ser dita signo da coisa que é conhecida através dela». Mas
a espécie impressa não é forma inteligível — que é alguma coisa
conhecida na qual outra coisa é conhecida — porque para que fosse
alguma coisa conhecida, deveria ser, ou coisa conhecida, ou termo
da cognição. Mas a espécie impressa é apenas aquilo por que a
potência conhece como se de um princípio se tratasse, com o consta
de S. Tomás nas Quaestiones Quodlibetales, q. 7, art. 1, e na Suma
Teológica, I, q. 85, art. 2 e 7, e no C om entário às Sentenças de Pedro
Lom bardo, IV, dist. 49, q. 2 art. 1. Logo, não possui a natureza do
signo geralmente expressa e ao m odo da forma inteligível, no sentido
em que uma forma inteligível é signo formal.
O fundamento desta conclusão é que a espécie impressa não
representa o objecto à potência cognoscente ou à cognição da
potência, mas une o objecto à potência para que conheça; logo, não
é signo formal.
A consequência prova-se a partir da própria natureza intrínseca
do signo, porque é próprio e essencial à função do signo manifestar
outro ou conduzir a potência para outro mediante a manifestação.
Ora, a espécie não p o d e manifestar alguma coisa à potência
antecedentemente à cognição, pois toda a manifestação é feita na
própria cognição ou supõe-na, mas a espécie impressa não supõe a
cognição, à qual manifestaria, porque é um princípio da cognição.
Mas eliciada ou posta a cognição, não é a própria espécie impressa
que manifesta, mas a expressa, que é o termo no qual é completada
a cognição; pois nem a cognição tende para a espécie impressa, nem
conhece nessa espécie. Logo, a espécie impressa não é aquilo que
manifesta o objecto à cognição formalmente, mas aquilo que produz
a cognição, no termo de cuja cognição, ou seja na espécie expressa,
o objecto é tomado manifesto. E assim, o objecto concorre na espécie
impressa como princípio da cognição determinando a potência para
eliciar, não determinando-a como objecto conhecido, e, logo, nem
como objecto manifestado; pois algurpa coisa não é tomada manifesta

214
à potência no interior da própria potência, excepto enquanto é
conhecida. Logo, o que não manifesta à cognição, não toma o objecto
manifestado e consequentemente nem significado.
E confirma-se porque de nenhum m odo pode ser verificado que
a espécie impressa seja apercepção formal, que de si própria
imediatamente representa. Logo, a espécie impressa não é signo
formal, pois tal apercepção formal é requerida para a sua definição.
A antecedente prova-se: a espécie impressa é um princípio da
apercepção formal; pois constitui o intelecto em acto primeiro para
eliciar a apercepção formal. Mas pertence à razão da apercepção
formal que proceda d o intelecto, tanto quanto com o termo do
intelecto, ou seja a palavra, embora não seja absolutamente necessário
que a palavra proceda de todo o intelecto que intelecciona por meio
daquela palavra, mas baste ou que a palavra seja formada pelo
intelecto que intelecciona, ou que a palavra formada por outro seja
unida ao intelecto «inteleccionante», tal com o sucede na opinião
provável de que a essência divina está unida ao intelecto dos Bem-
-Aventurados em lugar da palavra. Contudo, embora a essência divina
não proceda do intelecto do Bem-Aventurado, ainda assim é unida
ou pelo menos relacionada como razão inteleccionada intrinsecamente
e com o meio no qu a l da própria cognição e entendimento. Logo, se
a apercepção formal é recebida como fazendo as vezes do próprio
acto de cognição, é manifesto que não coincide com a espécie
impressa, uma vez que esta não é um acto procedente da potência,
mas princípio do acto e da cognição. Mas se a apercepção formal é
tomada por algo procedendo do intelecto, não ao m odo d e um acto,
mas ao m odo do termo procedendo vitalmente, assim tomada a
apercepção formal é espécie expressa, não impressa. Logo, nada que
proceda do intelecto é espécie impressa, e, consequentemente, uma
espécie impressa não é de nenhum m odo apercepção formal, porque
a apercepção formal deve proceder da potência cognitiva, ou como
acto, ou como termo, porque é alguma coisa vital, uma vez que tem
por efeito formal tornar a potência vitalmente e formalmente
cognoscente. Logo, a espécie impressa não é apercepção formal, e,
logo, também não é signo formal.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA ARGUMENTOS

Primeiro argumenta-se: certamente a espécie impressa é verdadeira


e propriam ente representativa do objecto, semelhança dele e
substituindo ou fazendo as suas vezes. E não é representativa
objectivamente nem eficiente ou instrumentalmente, logo, formalmente
e com o signo formal.

225
A consequência é patente porque para que a espécie seja
representativa à maneira do signo, basta que seja representativa de
outro diferente de si, e ao m odo de algo substituindo a favor de
outro que representa.
A premissa maior é estabelecida por S. Tomás em muitos locais,
onde a espécie impressa é chamada semelhança e representação,
como em D e Veritate, q. 8, art. 1, onde diz que aquilo por que o que
está vendo vê, ou é semelhança do objecto visto, ou essência dele.
E acrescenta que o modo da cognição é conforme a coincidência da
semelhança, que é coincidência segundo a representação. Mas é
evidente que aquilo por que o que está vendo vê é espécie impressa.
E no livro sobre a memória e a reminiscência, lect. 3, diz que na
imaginação é imprimida uma espécie de figura sensível, impressão
essa que permanece quando o objecto sensível está ausente, assim
como a figura do anel é imprimida na cera. Mas é certo que o
sensível não imprime na potência nada mais que a espécie impressa.
Finalmente, na Suma contra os Gentios, I, cap. 53, diz que ambos,
isto é, a intenção inteleccionada e a espécie inteligível são semelhança
do objecto; e porque a espécie inteligível, que é um princípio de
inteleccionar, é semelhança da coisa exterior, segue-se que o intelecto
forma uma intenção semelhante dessa coisa. Onde clarissimamente
fala da espécie impressa enquanto distinta da expressa.
A premissa menor prova-se: pois em primeiro lugar a espécie
impressa é constituída na ordem do representativo, porque está na
ordem intencional. E não representa como objecto, mas como fazendo
as vezes do objecto, logo, representa como meio entre a potência e
o objecto. Nem representa instrumentalmente, porque não move a
potência a partir de uma cognição de si pré-existente, pois a espécie
não é conhecida para que represente; nem representa eficientemente
porque não existe representação ou significação eficiente, como
mostramos no livro precedente. Logo, representa formalmente,
enquanto por si própria e através da união à potência torna a própria
potência semelhante ao objecto por uma semelhança intencional,
que é representativa.
Confirma-se isto porque se a espécie impressa não é signo formal,
pois não representa à cognição, mas tem-se da parte da potência
como princípio da cognição, e contudo está verdadeiramente na ordem
do representativo, logo, é representativa como princípio da cognição,
logo, eficientemente representa à própria cognição, e assim é dada
a representação ou significação eficientemente.
Responde-se prim eiro à premissa maior do argumento, ser
verdadeiro que a espécie impressa seja uma semelhança representa­
tiva do objecto, mas ao m odo de um princípio da cognição, não ao

216
m odo de uma apercepção formal ou supondo uma apercepção à
qual representaria, e assim é chamada semelhança virtual, porque é
princípio, donde surge a semelhança formal e apercepção formal.
Mas, em razão disto, falta â espécie impressa a natureza do signo,
porque embora seja semelhança do objecto e representação unindo
e pondo o objecto presente à potência, não p õe o objecto presente
à cognição, mas é princípio da cognição. Com efeito, representando
à potência e não à cognição, a espécie impressa não representa
manifestando em acto, porque a manifestação actual não é feita sem
uma cognição actual, mas representa ou une e faz presente o objecto,
para que a manifestação e a própria cognição sejam eliciadas. E é
deste gênero de semelhança virtual e ao m odo de um princípio de
que fala S. Tomás.
E se insistes que, porque não é dito na definição d o signo que o
signo represente à potência como cognoscente, ou à própria cognição,
nem que o signo deva ser meio ou princípio de representar, logo,
todas estas condições foram acrescentadas arbitrariamente à definição
do signo.
Responde-se que estas condições não são acrescentadas à definição
de signo, mas estão contidas nela, pelo facto d e que o signo
essencialmente deve ter uma representação manifestativa de algo e
condutora para o objecto; mas a representação manifestativa apenas
pode manifestar à cognição. Donde a representação, que une o objecto
à potência para que seja determinada para eliçiar a cognição, não é
representação manifestativa, porque é representação ou união
e presença do objecto à potência ainda não cognoscente. -E assim,
quando a espécie impressa informa a potência, não a informa
tornando-a cognoscente, como fariá o signo formal, que é apercepção
formal, mas tornando-a apta a conhecer, e consequentemente não
torna o objecto manifestado em acto, mas actua e determina a potência
para que elicie a cognição, na qual é então manifestado o objecto.
Para prova da premissa menor do argumento principal responde-
-se que a espécie impressa não é representativa por nenhum daqueles
modos, porque não é representativa manifestando em acto o objecto,
mas actuando e determinando a potência, ao m odo de um princípio,
para eliciar a cognição, e isto formalmente é o que a espécie impressa
faz. Ora, isto não é formalmente ser signo, porque não é representar
manifestando actualmente, tal como é requerido para a natureza do
signo, cuja representação deve ser manifestativa e não apenas actuativa
da potência para eliciar a cognição.
Para confirmação responde-se que não se segue que exista o
representar ou significar eficientemente, especialmente quando falamos
da representação manifestativa, porque não convém à espécie impressa

227
actualmente, mas virtualmente. Nem, além disso, lhe convém outro
m odo de representar, porque a espécie impressa faz a representação
ao m odo de uma actuação da potência informando, não produzindo
a representação na potência. Mas a produção da representação
expressa é feita eficientemente a partir da espécie impressa, mas tal
produção eficiente não é representação, mas produção de uma coisa
representante, ou seja, da espécie expressa, da qual é feita a
representação actual, não eficientemente, mas formalmente a partir
do interior da potência, no caso do signo formal, ou de um signo
exterior fazendo as vezes do objecto, no caso do signo instrumental.
Argumenta-se em segundo lügar: a espécie impressa tem o que
quer que seja formalmente requerido para a natureza da imagem,
muito mais do que o tem a imagem exterior, logo, tem o que quer
que seja que é requerido para a natureza do signo representando em
acto.
A antecedente prova-se porque possui aquelas duas condições
que são, segundo S. Tomás, requeridas para a natureza da imagem
(.Suma Teológica, I, q. 93, art. 1 e 2), ou seja, tem semelhança com
alguma coisa e origem a partir dela. Ora, a espécie impressa é
semelhante ao objecto, porque tem coincidência intencional com ele
e, semelhantemente, é deduzida e originada pelo objecto.
A consequência prova-se porque aquela imagem da espécie
impressa tem uma representação adjunta, por ser uma semelhança
intencional, e isto basta para que o conceito seja dito ter a natureza
do signo formal, mesmo se é termo da cognição e não meio, porque
não é termo último, mas ordenado para o objecto exterior. Logo,
semelhantemente, a espécie impressa, embora tenha a natureza do
princípio de representar, tem também a natureza de um signo, porque
não é o primeiro princípio, mas mediador entre a potência e o objecto.
E assim S. Tomás, no Com entário às Sentenças de Pedro Lom bardo,
IV, dist. 49, q. 2, art. 1, resp. obj. 15, e nas Quaestiones Quodlibetales,
q. 7, art. 1, chama à espécie impressa meio da cognição.
Responde-se, em primeiro lugar, que a espécie impressa não é
imagem excepto virtualmente, não formalmente; pois existe sem
aquela segunda condição, a saber, que seja expressa, pois não é
expressa pelo objecto, mas impressa, assim com o o sêmen separado
do animal não é imagem, porque embora seja originado a partir do
animal, contudo não o é enquanto termo expresso, mas enquanto
virtude impressa para gerar. E assim, não é qualquer espécie de
origem a partir de outro que constitui a imagem, mas a origem ao
m odo do termo ultimamente intencionado.
Segundo, nega-se a consequência porque a representação da es­
pécie impressa não é representação ao m odo de um m eio ma-

218
nifestativo, porque não representa à própria cognição, mas ao m odo
de uma forma determinando e actuando a potência para que possa
conhecer. Nisto difere largamente do conceito, porque embora se
tenha da parte do termo representando o objecto, contudo representa
este objecto à própria cognição, e através daquela representação a
cognição é tornada terminada, e assim o conceito formalmente
representa terminativamente à potência cognoscente ao m odo da
manifestação actual. Mas a espécie impressa, embora não seja primeiro
princípio, contudo age sobre a potência anteriormente à cognição, e
por consequência anteriormente à manifestação actual, o que não é
ser m eio representativo manifestativamente, mas virtualmente, ao
m odo de um princípio para produzir a manifestação e a cognição.
Donde nem o próprio signo instrumental, que é objecto extrínseco,
é dito significar e representar, excepto segundo o conhecido, não
anteriormente à cognição. Com efeito, é condição no signo instrumen­
tal que primeiramente seja conhecido, para que signifique, e quando
S. Tomás chama espécie impressa ao meio da cognição, diz-se m eio
p elo qual, não m eio no qual; mas m eio pelo qu a l é um princípio para
conhecer, não algo manifestativo em acto do objecto ou da coisa
conhecida.

219
C apítulo IV

SE O ACTO DE CONHECER É SIGNO FORMAL

Supomos que o acto de conhecer é distinguido, no intelecto, do


próprio objecto conhecido e da espécie impressa e expressa. Pois,
como diz S. Tomás em D e Potentia, q. 8, art. 1, são quatro as coisas
que no intelecto concorrem para a cogniçâo, a saber a coisa
inteleccionada, o conceito d o intelecto, a espécie pela qual se
intelecciona, e o próprio acto de inteleccionar. E a razão disto é que
é necessário que sejam dadas no nosso intelecto algumas operações
vitais, que procedem do intelecto quando é formado pela espécie
impressa, uma vez que a operação do intelecto e a sua cogniçâo
nascem do objecto e da potência; mas o objecto age sobre a potência
por meio da espécie impressa. Novamente, esta operação não pode
formalmente ser a própria espécie expressa ou palavra formada pelo
intelecto, porque se a palavra é formada a partir da espécie impressa,
é formada por alguma operação, e consequentemente a operação
distingue-se de tal espécie expressa. E chamamos operação ao acto
de inteleccionar, mas a espécie expressa é chamada termo ou palavra
dita e expressa por aquela operação, enquanto é dicção.
D onde isto também é mais amplamente confirmado porque
inteleccionar ou é considerado enquanto -dicção que exprime», ou
como puro acto de contemplar e conhecer. Se é considerado enquanto
dicção, é essencialmente produção da palavra, e, logo, pede que a
palavra seja termo de tal produção. Se é considerado com o puro
conhecer, requer que o objecto seja aplicado e unido àquele acto
numa existência imaterial, não só#ao m odo de um princípio pelo

220
qual é produzida a cogniçâo, mas também ao m odo de um termo no
qual é atingido o objecto. Mas o termo da cogniçâo não é a própria
cogniçâo, mas a cogniçâo é tendência para o objecto que é conhecido.
E porque o objecto não é conhecido nem termina a cogniçâo segundo
o ser real e material fora da cogniçâo, mas como é tomado espiritual
e imaterial no interior da potência, é requerida alguma forma
inteligível, na qual seja dado o objecto assim imaterial e espiritual da
parte do termo. E isto é a espécie expressa ou palavra. Tudo isto
explicaremos mais largamente no livro D e A nim a, q. 11.
Então, porque é determinado da própria espécie impressa e
expressa, se é signo formal, resta ver se o próprio acto do intelecto,
que é a cogniçâo e a tendência para o objecto, é signo formal.
Logo, seja única conclusão: O acto de in teleccion a r assim distin-
gu id o da espécie impressa e expressa não ê signo fo rm a l, qualquer
que seja a operação do intelecto considerada.
Esta conclusão está contra alguns autores mais recentes, e também
alguns tomistas; contudo, a favor dela pode ver-se Capreolus, no
seu Com entário às Sentenças de Pedro Lom bardo, IV, dist. 49, q. 1,
e Ferrariensis, no seu C om entário ã Suma contra os Gentios, II,
cap. 49.
A razão desta conclusão é ser o signo essencialmente representa­
tivo, não sendo o acto de inteleccionar formalmente representação,
mas operação e tendência para o objecto. Donde, como por tais
actos multiplicados é gerado o hábito, um hábito produzido não é
representativo, mas disposição da potência para produzir actos seme­
lhantes àqueles que formaram o hábito. E assim, S. Tomás, na Suma
Teológica, I, q. 12, art. 2, negando que exista a espécie representativa
dê Deus como é em si, concede que exista a luz da glória, que é
semelhança confortando o intelecto da parte da potência, e assim
nega que a luz ou o hábito possuam a razão da representação. Logo,
semelhantemente, o acto de inteleccionar não é representação, porque
os actos são semelhantes aos hábitos, e se o acto de inteleccionar
fosse representação, muito mais a representação coincidiría com o
hábito que com o acto, porque o hábito é um tipo de coisa
permanente, enquanto o acto é um tipo de operação.
E confirma-se porque se o acto fosse representação, a representa­
ção, ou seria distinta da espécie expressa, ou seria a mesma coisa
que a espécie expressa. Não pode ser a mesma coisa, pois o acto de
inteleccionar é uma coisa distinta da espécie expressa. Mas se o acto
de inteleccionar é distinto, ou representa o mesmo objecto en­
quanto palavra, assim, um destes dois, acto ou palavra, é supérfluo,
ou representa alguma coisa distinta, e assim, a mesma coisa não será
conhecida pelo acto de cogniçâo e pelo seu termo, que é a palavra.

221
Finalmente, ou aquela representação do acto de eonhecer é
semelhança impressa ou semelhança expressa, porque não parece
poder dar-se alguma coisa intermédia entre a espécie impressa e a
expressa na ordem da representação. Se a representação é espécie
impressa, funciona ao m odo de um princípio que é imprimido ou
infundido por algo extrínseco ao próprio intelecto. Mas o acto de
inteleccionar não pode ser imprimido a partir de algo extrínseco,
mas é originado a partir de algo intrínseco ao intelecto, para que seja
vital. Se a representação é espécie expressa, então é palavra e funciona
ao m odo do termo expresso e produzido; mas aqui falamos do acto
de inteleccionar enquanto é distinto da palavra.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Primeiro argumenta-se: ser signo formal é ser apercepção formal


de alguma potência ao m odo de uma representação; mas tudo isto.
pertence ao acto de conhecer, logo, o acto de conhecer é signo
formal.
A premissa menor prova-se. Pois é manifesto que o acto de
conhecer é apercepção formal, uma vez que é a própria cogniçâo,
que é o mesmo que apercepção. Mas que o acto de conhecer exista
ao m odo de uma representação prova-se porque une o objecto à
potência; pois o acto de inteleccionar, como diz S. Tomás na Suma
Teológica, q. 27, art. 1, resp. obj. 2, consiste nisto, que faça o
entendimento uno com o próprio objecto inteligível; mas sendo este
acto de unir um acto de fazer presente à potência o objecto que une
com essa potência, logo é representação.
E cónfirma-se porque a acção imanente não é produção formal,
mas só virtual. Contudo, formalmente o acto de conhecer é um acto
na ordem da qualidade, que versa sobre o objecto tendendo para
ele, não operando nele. Mas esta tendência une o objecto à potência,
embora o acto de dizer respeito a não produza o objecto, e
consequentemente o acto de conhecer representa, porque representar
é fazer presente ou unir cognoscivelmente.
Responde-se que o acto de inteleccionar não é signo formal, porque
lhe falta a razão de representar, como dissemos. E à impugnação
oposta responde-se que o acto de inteleccionar une o objecto ao
m odo de uma operação tendendo para o objecto, não ao m odo de
uma forma que substitui e faz as vezes a favor daquele objecto.
E assim não possui a razão de representar, porque a representação
é feita contendo outro enquanto fazendo as vezes dele, não operando.
Donde a acção unitiva não é dita representar, embora una, e assim

222
nem todo o modo de unir é modo de representar; assim com o também
a espécie impressa, que une ao modo do princípio de cognição, não
une formalmente ao m odo de um representante.
Para confirmação responde-se que o acto de inteleccionar, embora
seja qualidade, contudo não toma presente o objecto com o forma da
parte do objecto, como se fizera as vezes desse objecto, mas como
forma tendendo e operando da parte da potência sobre o objecto.
E assim não é união representativa, mas operativa ou ao m odo de
um acto segundo, não como continente mas como tendente para o
objecto.
Argumenta-se em segundo lugar: a apercepção do sentido exterior
é signo formal, e contudo aí não é palavra ou imagem expressa,
como ensina S. Tomás em D e Veritate, q. 8, art. 5, e Opúsculo 14.
Logo, não é requerida para a natureza do signo formal a semelhança
expressa, mas basta o acto de conhecer.
A maior prova-se porque se a apercepção do sentido exterior não
fosse signo formal, não seria dada a apercepção formal nos sentidos
externos, e consequentemente não existiría cognição formal, porque
a apercepção formal é signo formal, Assim, com o diz Soto, nas
Súmulas de Lógica, cap. i i í , a apercepção dos sentidos exteriores é
termo, enquanto vem do m odo de significar; mas é da natureza do
termo que seja signo. Logo, o acto do sentido externo é signo, e
como não é signo instrumental, logo, é signo formal.
E confirma-se porque o acto do sentido externo é verdadeiramente
acto imanente, logo é complemento último e perfeição da potência,
logo no próprio é feita a última e perfeita união com o objecto, e
logo também a representação, porque não existe outra união entre
o sentido externo e o objecto que a união mediante o acto.
Responde-se ser verdadeiro que o sentido externo não tem a
palavra ou imagem expressa na qual conheça, porque devido à sua
materialidade não pede tanta união com o objecto que este esteja no
interior da potência, mas a sensação deve ser feita na coisa posta
exteriormente, que é ultimamente tornada sensível enquanto existe
fora do sentido. E embora a cognição do sentido externo seja acção
imanente, contudo não existe necessidade de produção nem diz
respeito ao termo com o mudado por si, mas com o intencional e
objectivamente unido, embora virtualmente possa ter a força da
produção; assim como a cognição enquanto dicção produz a palavra,
e o amor enquanto espiral produz o impulso, e a sensação externa
produz a representação ou espécie, não no interior de si, mas nos
sentidos internos, com o ensina S. Tom ás na Sum a con tra os
Gentios, IV, cap. 11, e no Opúsculo 14. Contudo, de si, o acto imanente
não é uma acção ao modo de um movimento e via tendente para

223
um termo ulterior, mas ao modo de uma última actualidade na qual
é completada toda a cognição, e por esta razão o acto de inteleccionar
é comparado por S. Tomás ao próprio acto de existir na Sum a
Teológica, I, q. 14, art. 4, e em muitos outros locais.
Donde para prova d o argumento é dito que no sentido externo
existe a apercepção formal ao modo de uma cognição, que é tendência
da potência para o objecto, não ao m odo de uma representação, que
é forma substituindo em lugar do objecto na potência. E assim, embora
o signo formal seja dito apercepção formal terminativamente, porque
é termo da cognição, contudo nem toda a apercepção formal é signo
formal, ou seja, o próprio acto de conhecer. Nem a cognição do
sentido externo é dita por Soto ser termo inqualificadamente, mas
•qualificadamente, apenas enquanto é um tipo de cognição simples.
Para confirmação responde-se que um acto do sentido externo é
complemento final ao m odo de um acto segundo para diferença da
acção em trânsito, porque, como diz S. Tomás em D e Veritate, q. 14,
art. 3, o acto da operação em trânsito tem complemento no termo
que é feito fora do agente; mas o complemento da acção imanente
não é derivado daquilo que é produzido, mas de agir, porque o
próprio acto é a perfeição e actualidade da potência. Donde a virtude
nestas potências não é considerada segundo o melhor que é feito,
mas segundo isto — que a operação seja boa. Assim S. Tomás. Mas,
embora a operação do sentido externo seja perfeição última unindo
o ob jecto à potência, contudo a operação não faz a união
representativamente, porque, como dissemos muitas vezes, é união
ao m odo de uma tendência da parte da potência para o objecto, não
ao m odo da forma substituinte a favor do objecto; mas a representação
é formalmente substituição a favor daquilo que é representado.
Capítulo V

SE É APROPRIADA A DIVISÃO DO SIGNO EM NATURAL,


CONVENCIONAL E CONSUETUDINÁRIO

A conveniência desta divisão não traz dificuldade quanto à


adequação, pois estes membros esgotam o todo que há para ser
dividido; mas existe dificuldade quanto à qualidade desta divisão, ou
seja, se o signo convencional é verdadeiramente signo, e consequente­
mente, se a divisão é unívoca.
Seja única conclusão: Se esta divisão do signo em n a tu ra l e con ­
ven cion a l é considerada entitativam ente e na ordem do ser real, é
análoga; se é considerada na ordem do representativo ou do cognos-
cível, é unívoca, e o signo con ven cion a l é verdadeiram ente signo na
fu n çã o e substituição do objecto que exerce.
A primeira parte da conclusão é manifesta porque, como foi tratado
no livro precedente, o signo é constituído na ordem da relação
formalmente falando. Mas da relação real e de razão, entitativamente
falando, não existe nada de unívoco, porque não podem estar na
mesma ordem; contudo a relação do signo natural é real, com o
já vimos, enquanto a relação d o signo convencional não pode ser
real. Logo, entitativamente falando, não há nada de unívoco àqueles
signos.
Dizes: não é certo que a relação do signo natural seja real, nem
que a do signo convencional consista na relação de razão, mas basta
ao signo convencional a denominação extrínseca, pela qual é dito
ser imposto pela vontade; logo, não subsiste o fundamento da con­
clusão posta.

225
Mas esta segunda proposição, que o signo convencional consiste
na denom inação extrínseca, não enfraquece o fundamento da
conclusão de que a divisão dos signos em natural e convencional é
análoga na ordem do entitativo, porque se o signo convencional só
tem o ser do signo a partir da denominação extrínseca, por este
próprio facto é signo segundo um certo aspecto e não simplesmente,
porque a denominação extrínseca não é formalmente ser real existente
naquilo que é denominado, mas é pressupostamente no denominante
extrínseco. A primeira proposição, que a relação do signo natural ao
objecto é real, foi explicada no livro precedente, onde mostramos
que o signo natural exprime alguma coisa real ao m odo de uma
relação, embora alguns digam que aquela relação é transcendental,
não categorial. Contudo, os que dizem que o signo, no que lhe é
formal, consiste na relação de razão, devem consequentemente
constituir a natureza do signo entitativamente unívoca nesta divisão
dos signos em convencional e natural.
A segunda parte da conclusão depende daquela célebre doutrina
de Caetano, no Com entário à Sum a Teológica, I, q. l, art. 3, que diz
que as diferenças das coisas como coisas são algo bem diferente das
diferenças das coisas com o objectos e no ser do objecto; e coisas
que diferem em espécie ou mais do que em espécie numa linha,
podem noutra linha não diferir, ou não diferir da mesma forma.
E assim, como a razão do signo pertence à razão do cognoscível,
porque faz as vezes do objecto, estará bem que na natureza do
objecto o signo natural real e o signo convencional de razão sejam
signos unívocos; assim como o ente real e de razão no ser do objecto
se revestem de uma natureza, uma vez que terminam a mesma
potência, ou seja o intelecto, e pelo mesmo hábito podem ser
atingidos, a saber, pela Metafísica, ou pelo menos especificam duas
ciências univocamente convenientes, por exem plo Lógica e Física.
Logo, no ser do objecto especificante os signos natural e convencional
coincidem univocamente.
Assim, também pelos signos convencional e natural a potência é
verdadeira e univocamente movida e conduzida para o objecto. Pois
que sejamos movidos pelos signos convencionais para perceber os
objectos, é manifesto pela própria experiência, e que isto seja feito
univocamente é evidente, porque o signo convencional não significa
segundo o que e dependentemente do signo natural na própria razão
de significar; pois por si só a palavra significativa enunciada conduz
para o objecto, assim como os outros signos naturais instrumentais.
Nem obsta que a palavra ou nome não signifique excepto mediante
o conceito, que é signo natural. Pois isto também convém ao signo
natural instrumental, que não representa a não ser mediante o conceito

226
e apercepção de si, e contudo o signo natural instrumental não é por
isto signo analogicamente, mas verdadeira e univocamente. Pois que
os signos ao representar dependam do conceito, não retira a unívoca
natureza do signo, uma vez que conceito e cognição é aquilo que os
signos instrumentais representam, não um meio pelo qual representam
enquanto natureza formal, embora os signos instrumentais possam
ser produzidos por esse conceito e cognição. Pois nem toda a
dependência de uma coisa para outra constitui a analogia, mas só
aquela que estã numa ordem para participar da natureza ou razão
geral e comum; pois a não ser que aquela desigualdade seja em
parte a mesma e em parte diferente, não destrói a univocidade, como
muito bem explica S. Tomás no seu comentário ao D e Interpretatione,
início da lect. 8.
Finalmente, esta segunda parte da nossa conclusão é abertamente
tomada de S. Tomás. Pois na Suma Teológica, III, q. 60, art. 6, resp.
obj. 2, diz que «embora as palavras e outras coisas sensíveis estejam
em ordens diversas enquanto pertencem à natureza da coisa, contudo
coincidem na natureza de significar, que é mais perfeita nas palavras
que nas outras coisas. E assim uma coisa que é de certo m odo
uma é feita das palavras e coisas no caso dos Sacramentos, en­
quanto a significação das coisas é aperfeiçoada pelas palavras». E no
Com entário às Sentenças de Pedro Lom bardo, IV, dist. 1, q. 1, art. 1,
quaestiunc. 5, resp. obj. 4, diz que «embora a representação, que é
propriedade da semelhança natural, importe uma certa aptitude para
significar, contudo a determinação e o complemento da significação
vêm da instituição». Logo, sente S. Tomás no signo convencional que
a significação não é analógica, uma vez que pode actuar e aperfeiçoar
a significação natural e com ela constituir um signo artificial que é
o sacramento.

RESOLUÇÃO DOS CONTRjVARGUMENTOS

Primeiro argumenta-se; a razão específica não pode permanecer


quando é removida a razão genérica; mas no signo convencional
não é encontrada a razão genérica do signo, ou seja a relação, excepto
analogicamente; logo, a razão específica do signo não é encontrada
aí, excepto analogicamente.
A premissa menor consta do que foi dito, porque a relação do
signo no signo convencional é de razão, que não coincide univoca­
mente com a relação real na razão da relação.
Responde-se que o argumento convence que o signo convencional,
tomado na ordem do ente e categorialmente, não é univocamente

227
signo com o signo natural, mas não mostra que não é univocamente
signo no ser do cognoscível e representativo. Pois assim como está
bem que alguma coisa não coincida univocamente no ser da coisa,
com o a quantidade, a qualidade e a substância, e contudo no ser do
objecto e cognoscível coincidam univocamente, porque pertencem
ao mesmo conhecimento ou potência cognitiva, assim está bem que
alguns signos difiram no ser da coisa e na razão de ser categorialmente,
e não coincidam univocamente, mas coincidam univocamente na
razão objectiva ou vice-objectiva, que é a razão do representativo e
significativo.
E se insistes: certamente este próprio gênero representativo é rela­
ção, ou dissemos mal no livro precedente que o signo, na razão do
signo, é posto na ordem da relação. Logo, se o signo convencional
enquanto é relação não coincide univocamente com o natural, então
também não coincide univocamente com o natural na razão do
representativo.
Responde-se que o próprio gênero significativo é considerado
duplamente, no ser da coisa e no ser do objecto ou cognoscível,
nem pode prescindir totalmente destas razões, porque são transcen­
dentais. E na razão do cognoscível o significativo é apenas uma
propriedade coincidente do ente e pressupostamente ente, não
formalmente, enquanto na razão do ente o significativo é, ou relação
transcendental, ou categorial. E quando dissemos acima que o signo
é constituído na ordem da relação, falavamos dos signos tanto formal
com o categorialmente, isto é, representativamente na ordem do
objectivo.
Argumenta-se em segundo lugar: porque o signo convencional é
constituído pela própria imposição, que nele nada de real põe, mas
apenas a denominação extrínseca; logo, não consiste numa relação
semelhante à do signo natural, nem tem em si alguma coisa em
razão da qual seja representativo, mas só m ove por outro, nomea­
damente em razão da apercepção que o intelecto tem da própria
imposição da voz.
A consequência prova-se porque a denominação extrínseca é efeito
proveniente da forma denominante, mas a forma denominante
extrinsecamente não é relação, mas acto da vontade que impõe.
A antecedente, por outro lado, prova-se porque se o signo con­
vencional não consiste na denominação extrínseca, mas na relação
de razão, o signo não existiría em acto, excepto quando é actualmente
conhecido, e assim os escritos no livro fechado, ou quando não são
considerados actualmente, não serão signo.
Responde-se que alguns assim sentem, ao tratarem dos sa­
cramentos, que a natureza do signo convencional nos sacramentos

228
consiste na atribuição extrínseca, não na relação de razão, como
Suárez, no seu tratado sobre os sacramentos. Mas uma vez que a
imposição da vontade só serve para determinar a tarefa e o ofício do
signo, não enquanto alguma coisa absoluta, mas respectivamente ao
objecto significado para o qual a voz não é determinada da sua
natureza como coisa, segue-se que a própria atribuição da vontade
só faz aquilo que nos signos naturais a própria natureza da coisa faz,
natureza que ordena o signo natural para o seu objecto, e assim
funda a relação, na qual consiste a própria razão do signo. Logo,
semelhantemente, a imposição destinando a voz para significar funda
a relação do signo, porque a própria destinação está no signo por
respeito a outro. Mas porque esta relação é fundada nalguma
destinação, a qual nada de real põe na coisa destinada, então é uma
relação de razão. E para além disso, corre no signo convencional a
mesma razão que no natural, uma vez que a razão do signo é uma
razão respectiva exercendo a sua função numa ordem para o objecto
como algo substituinte. Logo, se o signo convencional é signo e
exerce esta função, deve revestir-se da natureza da relação, não real,
porque carece do fundamento suficiente, logo, de razão.
E para réplica diz-se que o escrito no livro fechado ou não
considerado actualmente p e lo intelecto é signo actualmente
fundamentalmente, não actualmente formalmente, porque a relação
de razão não pode ter ser formalmente, excepto pelo intelecto. Mas
é denominado absoluta e simplesmente signo, porque nestas relações
de razão basta o fundamento próprio para denominar absolutamente,
porque é posto da parte da coisa denominável o que quer'que seja
que é requerido para tal denominação da parte de si. Mas porque
aquela relação, ao contrário das relações reais, não resulta do
fundamento, mas depende do acto de cognição, logo, não aguarda
a própria relação para que seja denominado signo absolutamente,
embora requeira a própria relação para que seja denominado como
sendo relacionado em acto; assim com o Deus é absolutamente
denominado Senhor e Criador, embora a relação de senhor e criador
não seja conhecida em acto; contudo Deus não é denominado
relacionado em acto às criaturas, excepto se é conhecido em acto.
Mas para isto que é acrescentado, que o signo convencional não
significa nem m ove por alguma coisa que em si tenha mas por outro,
responde-se que significa por imposição, que é própria dele, embora
seja requerida a apercepção da tal imposição enquanto condição e
aplicação para o exercício da significação, não para constituir a forma
do signo.
Argumenta-se em terceiro lugar: porque alguns signos nem são
convencionais nem naturais, esta divisão não é adequada.

229
A antecedente prova-se: certamente a imagem de César feita pelo
pintor, que o artista não conhece, não é signo natural, porque não
significa a partir da natureza da coisa, mas da livre acomodação do
pintor; assim com o também muitas imagens costumam ser atribuídas
a tal ou tal santo, ao qual não significam de propriedade. Nem são
signos convencionais, porque não significam a partir da imposição,
mas por m odo da imagem.
D o mesmo modo, os signos que são dados por Deus, com o o
arco-íris nas nuvens para significar que não haverá um dilúvio futuro
com o o do Gênesis, cap. ix, 12-17, e o signo que Deus pôs em Caim,
para que não fosse chacinado, não eram signos da imposição, uma
vez que eram conhecidos de todos; mas os signos convencionais
não são os mesmos junto de todos os homens, com o diz Aristóteles
no D e Interpretatione, cap. i, nem eram naturais, de outro modo
teriam sido impostos por Deus inutilmente.
Responde-se negando a antecedente. Para o primeiro exemplo
responde-se que a imagem pintada, embora seja signo feito pela
arte, contudo representa naturalmente, ou seja em razão da semelhança
que realmente tem, e não em razão da imposição. Mas é dita imagem
artificial em razão da causa eficiente, pela qual é feita, não da parte
da razão formal pela qual significa, a qual é real e intrínseca,
nomeadamente a semelhança com o outro que é ordenado para
representar. Mas estas imagens não significam directamente o objecto
com o é em si, mas com o é na ideia do pintor, ideia essa que a
imagem representa directamente. E porque a ideia do pintor algumas
vezes é própria a respeito do seu objecto, outras vezes imprópria ou
menos própria, assim também a imagem nem sempre representa o
objecto propriamente, como é em si, mas a sua ideia. Mas quando
uma imagem é acomodada a este ou àquele santo pelo uso do homem,
tal representação constitui signo consuetudinário, como diremos na
questão seguinte.
Para o segundo exem plo responde-se que muitos signos são
convencionais pela instituição divina, assim com o é patente nos
sacramentos. E tais signos não representam para todos, mas só para
aqueles cientes da própria imposição, e deste modo o arco-íris significa
que não haverá dilúvio futuro a partir da própria imposição particular
de Deus. Mas talvez o signo posto por Deus em Caim fosse alguma
coisa natural, ou seja um certo tremor do corpo, com o S. Jerónimo
diz na Epístola 36, que o tremor movia todos para a misericórdia,
para que não o assassinassem. Contudo, se o signo em Caim fosse
alguma coisa convencional estipulada pela instituição divina, deve
ser dito que Deus inscreveu uma apercepção dele em todos os que
viam Caim, para que não o matassem.

230
C apítulo VI

SE UM SIGNO CONSUETUDINÁRIO
É VERDADEIRAMENTE SIGNO

Há uma especial dificuldade acerca de certos signos, que são


acomodados para significar não a partir de alguma instituição pública,
isto é, de uma autoridade publicamente emanada, mas apenas da
vontade dos particulares, que frequentemente os utilizam para
significar alguma coisa. Donde, porque toda a força de significar
depende do próprio uso e frequência deste, é duvidoso se este uso
e frequência significa de modo natural, ou se na verdade tem uma
significação convencional.
Seja única conclusão: Se o costum e d iz respeito a algum signo,
destinando-o e propon d o-o pa ra signo, tal signo fu n d a d o no costum e
será convencional. Mas se o costum e não propõe e in stitu i algum a
coisa com o signo, mas expressa simplesmente o uso da coisa, e em
razão daquele a coisa é tom ada p o r signo, ta l signo reduz-se ao signo
natural.
Logo, o costume ou pode ser causa do signo, assim com o se um
povo pelo seu costume introduzir e propuser alguma palavra para
significar; ou pode funcionar como efeito, que nos conduza para
conhecer a sua causa, tal com o o cão frequentemente visto acom­
panhando alguém manifesta que este seja dono dele, e o costume de
comer com guardanapos manifesta a nossa refeição quando vemos
os guardanapos postos, e universalmente quase toda a indução é
fundada na frequência e no costume, pelos quais vemos alguma
coisa suceder frequentemente.

231
A primeira parte da conclusão prova-se de S. Tomás, na Suma
Teológica, I-II, q. 97, art. 3, onde ensina ter o costume força de lei.
Logo, o costume introduzindo alguma coisa para significar, introduz
essa coisa como signo pela mesma autoridade pela qual a própria lei
a introduziría. Mas se da lei pública alguma palavra é proposta para
signo, é verdadeiramente signo convencional, porque é instituído
pela autoridade pública. Logo, o costume, que é sub-rogado em
lugar da lei e tem a autoridade da lei, constitui signo convencional
d o mesmo m odo que a lei. E vemos muitas palavras serem deste
modo introduzidas numa comunidade para significar, e muitas palavras
agora não significam o que significavam anteriormente, porque caíram
em desuso. Donde acerca de tais signos consuetudinãrios, quando a
expressão “de» ou «a partir de» exprime a causa eficiente segundo o
uso e o consenso do povo, deve falar-se dos signos consuetudinãrios
da mesma maneira que se fala dos signos convencionais.
Mas a segunda parte da conclusão prova-se porque o costume,
como é um tipo de efeito, conduz-nos ao conhecimento da sua
causa, do mesmo m odo que outros efeitos mostram as suas causas;
e muito mais o costume que os outros efeitos, porque a frequência
de produzir algo firma que aquilo seja efeito de tal causa. Mas todos
os efeitos representam a sua causa enquanto procedem daquela, e.
assim têm alguma conveniência e proporção. Logo, tal significação é
fundada em algo natural, ou seja, na processão de um efeito da sua
causa e na conveniência com aquela causa. Consequentemente, o
costume como efeito fundando a significação é reduzido à causa
natural. E assim o Filósofo diz que o prazer é signo de um hábito
adquirido, porque encontramos o prazer nas coisas às quais estamos
frequentemente acostumados, devido à coincidência relativamente
àquilo em que temos costume.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Primeiro argumenta-se, porque o costume não é efeito natural,


mas moral e livre, então não pode fundar a razão do signo natural.
A consequência é manifesta porque o signo não pode ser dito
mais natural que a causa da qual tem existência; logo, o signo se não
provém de uma causa natural, consequentemente não pode ser dito
signo natural. A antecedente prova-se porque o costume é o mesmo
que o uso, do qual os actos são ditos morais ou humanos, como
ensina S. Tomás na Suma Teológica, I-II, q. 1, art. 3. Logo, o costume
entre os homens não é efeito natural mas moral, e assim, o signo
que se funda no costume, é fundado.em algo de moral e livre, que

232
nas coisas exteriores não põe nada de real, mas apenas a denominação
extrínseca; todavia, o signo fundado na denominação extrínseca não
pode ser signo natural.
Responde-se que, em primeiro lugar, geralmente falando, o
costume não se encontra só nos homens, mas também nos animais
operando por instinto natural. Donde S. Tomás, no C om entário à
M etafísica de Aristóteles, I, lect. 1, mostra que os animais podem ser
disciplináveis e acostumados a fazer alguma coisa, ou a evitá-la,
através das instruções de outro, e assim nem todo o costume é acto
humano, mas todo o costume pode fundar um signo natural, assim
com o o costume de um cão seguir alguém é signo de que este seja
dono dele.
Em segundo lugar responde-se, falando do costume humano, que
embora proceda de uma causa livre e assim seja denominado efeito
livre, contudo a sua razão formal de significar não é alguma atribuição
livre, mas a própria frequência e repetição do acto, e este significa
naturalmente, porque não é moral, isto é, atribuição extrínseca que
só moralmente denomina, mas processão intrínseca dos actos, e a
sua frequência e multiplicação constitui o signo consuetudinário. Logo,
a significação pertence naturalmente àquele signo, assim como também
os actos livres multiplicados geram o hábito enquanto efeito natural
e não livre, porque a própria multiplicação dos actos não funciona
livremente para gerar o hábito, e, logo, nem para o significar da
força resultante da repetição dos actos, embora os próprios actos em
si sejam livres.
Segundo argumenta-se: Se o signo consuetudinário representa
naturalmente a partir do facto de que é acto frequentemente repetido,
segue-se que qualquer costume será signo de alguma coisa, porque
todo o costume é efeito procedendo de actos repetidos. Mas isto é
falso, porque há muitos costumes que nada significam, assim com o
o costume de dormir de noite, comer ao meio-dia, acender o fogo
no Inverno, e infinitos outros costumes, nada significam. Logo, o
costume não significa precisamente pelo facto de ser efeito de alguma
causa, e assim não será signo natural.
E confirma-se porque sem alguma mutação intrínseca um signo
consuetudinário pode deixar de ser signo, nomeadamente apenas
por cessação ou omissão de utilização daquele; logo, não é signo
natural. A consequência é patente porque o signo natural deve ser
constituído por alguma coisa intrínseca e natural, e, logo, não pode
ser perdido apenas pela suspensão do uso voluntário, mas por alguma
coisa real que lhe seja oposta.
Responde-se que, para que alguma còisa seja signo consuetudi­
nário, requer-se que também tenha as coisas que concorrem para a

233
razão do signo, ou seja ser ordenado para alguma coisa que o próprio
costume toma mais conhecido, não precisamente porque o costume
é um efeito, mas porque é frequentemente repetido. Mas se, ou não
é tomado como meio para alguma outra coisa, como os guardanapos
para a refeição, ou da própria frequência da repetição não é tornado
mais conhecido, como se vê que alguém é dono do cão pela
frequência com que aquele o segue, não será signo consuetudinário,
embora seja costume.
Para confirmação responde-se que o signo consuetudinário não
desaparece com a mera suspensão retirando a instituição, mas
desaparece com a suspensão retirando a multiplicação dos actos e a
frequência dos usos. Donde, porque a representação do signo
consuetudinário é fundada na própria multiplicação dos actos, que
constitui o costume, quando tal multiplicação é removida, é removido
o fundamento do signo, e assim a determinação deixada com o
consequência da multiplicação é destruída pela privação oposta, assim
como o hábito da ciência é perdido por esquecimento, especialmente
porque algo de positivo sempre intervém para se perder a memória
ou o cpstume, enquanto os objectos se sucedem uns aos outros
numa sucessão pela qual os primeiros objectos paulatinamente
escapam da memória dispondo para o acto oposto ou impedindo a
própria memória e o costume de criarem raízes. Por último argumenta-
-se: Apenas da vontade, sem alguma multiplicação dos actos, pode
resultar o signo consuetudinário; logo, p elo menos então, não
representa enquanto signo natural.
A antecedente prova-se porque apenas da acomodação e da
designação d o homem uma estátua ou im agem é posta para
representar algum santo, ou do mesmo m odo um actor representa
um rei, ou César, não por um decreto da república nem por um
costume dos homens, mas apenas do facto particular de tal homem.
E confirma-se porque se a doutrina dada é verdadeira, segue-se
que as vozes naturalmente significam aquilo para o qual são impostas,
porque mesmo se a imposição deste som «homens» fosse removida,
continuaria a representar-nos o homem, por causa do costume que
temos, logo, representaria naturalmente a partir do costume.
Finalmente, porque o signo natural é o que significa o mesmo
junto de todos os homens. Ora o signo consuetudinário não significa
o mesmo junto de todos os homens, mas só junto dos que conhecem
o costume, assim com o o signo convencional significa junto dos
conhecedores da imposição; logo, não representa naturalmente.
Responde-se que qualquer imagem, enquanto é imagem, só
representa aquilo cuja semelhança expressa, nomeadamente a sua
ideia, qualquer que ela seja. Mas.se do uso do homem é acomodada

234
para representar outro objecto diferente da sua ideia, aquela acomo­
dação ou destinação a respeito do objecto constitui a imagem na
razão do signo convencional, se aquela destinação é feita a partir da
autoridade pública, ou na razão de um signo consuetudinário, se a
destinação é feita como consequência do uso dos homens. Mas se
alguém, através de apenas um acto, sem um costume, p õe alguma
coisa para representar outra, tal destinação será um tipo de costume
incoativo, e assim representará para ele ao m odo de um signo
consuetudinário ou como excitativo da memória. E por esta razão
também d o actor se diz representar o rei ou p or significação
consuetudinãria ou como um excitativo da memória, porque assim
sucede entre os homens, para que visto o homem que tal personagem
representa seja reduzido a uma memória da coisa representada; assim
com o também do pacto ou acordo alguma coisa pode ser designada
para signo ou estímulo da memória, o que na totalidade pertence
redutivamente ao signo convencional ou consuetudinário.
Para confirmação responde-se que as vozes apenas significam
convencionalmente, mas por acidente significam a partir do costume,
que é significar naturalmente não a partir de si, mas apenas para
aqueles junto de quem o costume é conhecido. Nem é inconveniente
que dois modos de significar pertençam à mesma coisa segundo
formalidades distintas. Daí que, quando um m odo de significar é
removido, o outro permanece, e assim o mesmo signo nunca é natural
e convencional formalmente, embora materialmente seja o mesmo,
isto é, as significações natural e convencional convenham no mesmo
sujeito.
Mas a proposição onde é dito ser signo natural o que significa o
mesmo junto de todos os homens, é inteleccionada do que é signo
natural simplesmente, porque a natureza é a mesma junto de todos
os homens. Mas o costume é quase outra natureza, mas não a própria
natureza, e assim significa para todos junto dos quais ê costume, não
para todos simplesmente, e assim é alguma coisa mais imperfeita na
ordem do signo natural, tal como o costume é alguma coisa imperfeita
na ordem da natureza.
Livro III
DIVIDIDO EM QUATRO CAPÍTULOS

ACERCA DAS APERCEPÇÕES E CONCEITOS


ACERCA DAS APERCEPÇÕES E CONCEITOS

Porque a divisão dos termos é feita entre mentais e vocais, e os mentais


pertencem aos conceitos e apercepções, e porque a exacta explicação dos
signos depen de maximamente dos conceitos e apercepções, para a exacta
explicação destes pareceu-me p o r bem disputar algumas coisas sobre os
conceitos e apercepções, especialmente enquanto pertencem aos termos
mentais simples. Ora, com o dissemos no cap. m do primeiro livro das Súmulas,
a apercepção, que é apreensão simples ou termo mental, divide-se, da parte
da cognição, em intuitiva e abstractiva, enquanto da parte d o conceito divide-
-se em conceito ultimado e não ultimado, directo e reflexo. N o.presente
livro apenas trataremos destas apercepções e conceitos.

239
C apítulo I

SE AS APERCEPÇÔES INTUITIVA E ABSTRACTIVA DIFEREM


ESSENCIAIMENTE N A NATUREZA DA COGNIÇÃO

Supomos aqui dada a definição de apercepção intuitiva e


abstractiva que transmitimos no primeiro livro das Súmulas, cap. m,
segundo a qual apercepção intuitiva é -apercepção da coisa presente»,
fenquanto a apercepção abstractiva é «apercepção da coisa ausente».
Onde presença e ausência não são tomadas intencionalmente pela
própria presença ou união do objecto com a potência. Com efeito,
é evidente que nenhuma apercepção pode dar-se sem esta presença,
uma vez que, sem um objecto unido e presente à potência, nenhuma
apercepção pode surgir nessa potência. Assim, diz-se apercepção
das coisas presente e ausente, tomando a presença e a ausência pelo
que convém à coisa em si. Donde diz S. Tomás em D e Veritate,
q. 3, art. 3, resp. obj. 8, que o conhecimento da visão, que é o
mesmo que a apercepção intuitiva, acrescenta sobre a simples
apercepção alguma coisa que está fora da ordem da apercepção, ou
seja, a existência das coisas. Logo, acrescenta a existência real, pois
a existência intencional e objectiva não está fora da ordem da
apercepção. E no Com entário ãs Sentenças de Pedro Lom bardo, III,
dist. 14, q. 1, art. 2, quaestiunc. 2, diz que «aquilo que tem existência
fora do sujeito que vê, é visto propriamente». Logo, a existência que
é requerida para a apercepção intuitiva deve ser real e física.
Sobre a dificuldade proposta, várias posições de autores se têm
tomado conhecidas. Com efeito, alguns consideraram as distinções
destas apercepções do ponto de vista do princípio, ou seja, da espécie

16
241
impressa. E assim disseram alguns, citados por Ferrariensis no
Com entário à Suma contra os Gentios, II, cap. l x v i , que é apercepção
intuitiva a que é feita sem recurso à espécie inteligível, enquanto a
abstractiva é a que é feita mediante alguma espécie.
Esta opinião, contudo, deve ser totalmente rejeitada, pois nenhuma
apercepção pode ser eliciada sem uma espécie. Com efeito, toda a
cognição depende do objecto e da potência, e este objecto não pode
informar a potência intencionalmente, não importando o quanto em
si seja presente, excepto mediante uma espécie, ou a não ser que o
próprio objecto em si tenha existência intencional e espiritual que
seja conjunta com a potência.
Outros dizem que a cognição intuitiva é aquela que conhece a
coisa através de espécies próprias, enquanto a abstractiva é a que
conhece a coisa através de espécies estranhas. Parece que a cognição
abstractiva e intuitiva pode também ser distinguida do ponto de vista
da evidência, porque a apercepção intuitiva é sempre evidente como
sendo da coisa em si, enquanto a abstractiva abstrai da obscuridade
e evidência e se, por vezes, tem evidência, não é a de uma coisa em
si imediatamente, mas como contida em alguma outra coisa, como
p o r exem plo, nas suas causas e princípios ou outras coisas
semelhantes, ou numa imagem, independentemente da presença.
Outros distinguem a apercepção intuitiva do ponto de vista do
termo ou do objecto com o terminante, segundo as definições aqui
transmitidas, porque uma é acerca da coisa ausente, e outra acerca
da coisa presente. Esta opinião é a mais comum entre os tomistas,
pois aquela distinção do ponto de vista da espécie, de que a aper­
cepção é por uma espécie própria ou estranha, em si. ou noutra,
obscura ou clara, estas não são formalidades que propriamente
pertençam à natureza do intuitivo ou do abstractivo. Pois o intuitivo
pode ser mantido através da própria cognição mediata, ou em outro;
pode também o abstractivo ser mantido através de uma cognição
com tanta evidência e claridade como a intuitiva, e semelhantemente
pode o abstractivo ser feito pela cognição e pela espécie imediata.
A primeira parte, que a distinção do ponto de vista da espécie
não expressa a formalidade que propriamente pertence à natureza
da apercepção intuitiva ou abstractiva é manifesta, porque as criaturas
futuras são vistas na essência divina como numa forma estranha de
especificação, e contudo Deus vê-as intuitivamente. E semelhante­
mente essa cognição é mediata e em outro. D e m odo semelhante os
anjos, pela sua própria essência como por uma espécie podem ver
intuitivamente os acidentes que estão em si; e do mesmo modo, por
uma espécie representante de outra substância, podem ver os acidentes
que estão presentes nessa substância, E nas palavras de S. Tomás o

242
intelecto não possui uma espécie directa dos singulares, e apesar
disso pode ver intuitivamente as coisas singulares quando são
presentes pelos sentidos. Logo, para a apercepção intuitiva não é
requerida nem a espécie própria nem a cognição imediata e directa.
Um exem plo do segundo caso, que a distinção do ponto de vista
da evidência não expressa a form alidade própria à razão da
apercepção intuitiva ou abstractiva, está no próprio caso de Deus,
que conhece as criaturas possíveis abstractivamente, com tanta
evidência e claridade da parte do cognoscente como se elas estivessem
presentes. Semelhantemente, pode Deus infundir em alguém a
cognição de uma essência possível fora do Verbo, e então esse sujeito
conhecería a coisa possível através de uma espécie própria dele, e
contudo conhecería abstractivamente. E um anjo pode ter a espécie
própria do eclipse futuro e conhecer a sua futuridade e existência
através de uma espécie própria, e contudo essa é uma cognição
abstractiva; assim com o nós somos capazes de nos recordar de uma
coisa ausente que vimos através de uma espécie própria, e mesmo
ser levados a admitir a sua existência ao modo de um objecto, como
por exem plo quando a partir dos efeitos conheço que Deus está
presente, sendo contudo essa cognição abstractiva. Logo, a apercepção
intuitiva e abstractiva não se distingue a partir disto, mas importa
•recorrer ao termo conhecido, nomeadamente que uma cognição atinja
o objecto terminante sob a sua própria presença física, e outra atinja
o objecto terminante sob ausência.
Daí que restem apenas dois modos de distinguir estas apercepções,
que são também os mais frequentemente seguidos entre os tomistas.
Pois alguns distinguem-nas essencialmente segundo a presença e a
ausência enquanto segundo naturezas diversas que são representadas,
e consequentemente as próprias representações diferem intrínseca e
essencialmente, devido aos diversos objectos representados.
Outros, contudo, dizem que estes tipos de apercepção diferem
acidentalmente porque não requerem diversas representações
formalmente, mas a mesma coisa pode ser representada numa
apercepção intuitiva e numa apercepção abstractiva, nomeadamente
a coisa que com a sua existência e presença significada em acto é
conhecida e representada; mas as representações diferem apenas
acidentalmente, devido ao diverso exercício de terminar. Com efeito,
se o próprio objecto fosse tomado presente em si, e a própria presença
fosse representada na cognição, por esse próprio facto a cognição
seria tornada intuitiva. Mas se a presença física da coisa, presença
através da qual o objecto termina a cognição, fosse removida, e
todas as outras condições do lado da cognição e do lado da re­
presentação permanecessem invariantes, a cognição seria tornada

243
abstractiva. Donde alguns autores também dizem que o intuitivo e o
abstractivo são apenas denominações extrínsecas, surgindo na
cognição da própria existência ou ausência da coisa em si. Mas outras
dizem que intuitivo e o abstractivo são modos intrínsecos à própria
cognição, embora não variando a própria representação essencial­
mente, porque na verdade pertencem à própria tendência da
apercepção para o objecto enquanto terminante de tal ou tal modo.
Seja portanto única conclusão: A razão fo rm a l e p róp ria do intuitivo
e do abstractivo não são razões essencial e intrinsecam ente variantes
da cognição, mas acidentalm ente: p o r acidente, isto é, p o r outro e
p o r razão d a qu ilo a que estão juntas, in tu itivo e abstractivo podem
im porta r tipos de apercepção de diferentes espécies.
A primeira parte desta conclusão é tirada das passagens de
S. Tomás supracitadas de D e Veritate e C om entário às Sentenças de
Pedro Lom bardo, porque o conhecimento da visão ou apercepção
intuitiva acrescenta sobre a apercepção simples ou abstractiva alguma
coisa que está fora da ordem da apercepção, nomeadamente a
existência da coisa. Logo, S. Tomás sente que a natureza da apercepção
intuitiva e abstractiva não expressa diferenças essenciais e intrínsecas,
porque estas naturezas não estão fora da ordem da apercepção, mas
pertencem à própria ordem do cognoscível. Mas acrescentar alguma-
coisa que está fora do sujeito que vê e fora da própria ordem da.
cognição, é acrescentar alguma coisa acidental e extrínseca.
Ora, o fundamento desta conclusão é que o intuitivo e o abstractivo
não importam a diversidade no próprio princípio formal de cognos-
cibilidade, porque o intuitivo e o abstractivo nas apercepções não,
são originados dos próprios meios, ou objectos motivos, ou prin­
cípios especificantes, nem da diversidade na imaterialidade que é
raiz da cognição, nem da diversa razão formal de representar «que»
ou «sob a qual». Logo, não importam razões especificamente dis-
tinguintes a partir de si e por virtude das suas formalidades.
A antecedente prova-se porque, como mostraremos no capítulo
seguinte, presença e ausência não pertencem especialmente ao
intuitivo e abstractivo como tipos de coisas representadas, com o se
fossem tipos de essências, mas apenas segundo afectam e modificam
o objecto em si e tomam esse objecto coexistente com a cognição
ou não coexistente com ela. O que é manifestamente patente, porque
a espécie representando a própria presença objectivamente como
uma coisa representada pode ser encontrada numa apercepção
abstractiva, com o quando conheço que Deus está presente a mim,
ou que a alma ou o intelecto está presente ao corpo, ou quando
tratamos da sua presença; e contudo não vemos nem a alma nem
Deus intuitivamente. E algo semelhante sucede com as espécies dos

2 44
anjos, que representam as coisas e a existência e a presença antes
que elas existam, e contudo os anjos não vêem as coisas in­
tuitivamente, excepto quando são em si em acto. Logo, a presença
ou ausência como coisas representadas, por si e directamente não
distinguem o intuitivo e o abstractivo, mas a presença enquanto
representada pode ser encontrada numa cognição abstractiva. Todavia
a presença ou ausência apenas variam intrinsecamente a ordem do
cognoscível com o representadas e cognoscíveis por si, ou enquanto
objecto por si, não como modificação e acessório de outro objecto,
como mostraremos. Logo, a própria razão formal de uma intuição
não é uma diferença essencial na ordem do cognoscível.
E isto é confirmado porque presença e ausência constituem o
intuitivo e o abstractivo enquanto o intuitivo e o abstractivo funcionam
como m odo da coisa cognoscível ou representada, para que a própria
presença não tenha a razão do objecto primeiramente e essencialmente
representado, mas apenas modifique o objecto representado, para
que aquela presença faça a cognição ser terminada para o objecto,
enquanto esse objecto está presente, isto é, enquanto é tomado
coexistente com a potência cognoscente, não enquanto a presença
é ela própria uma coisa representada. Pois assim, com o dissemos, a
existência da coisa em si pode ser atingida mesmo através de uma
cognição abstractiva, porque é representada ao modo de uma essência,
que é própria da cognição abstractiva. Logo, a presença só pertence
•ao intuitivo enquanto é modificativa do objecto, não enquanto
constitutiva do objecto. Logo, por si não é diferença essencial, porque
não se tem da parte d o princípio especificante, que é objecto ou
razão do representável, como razão -que» ou «sob a qual», mas supõe
o objecto principal representado, do qual ela própria é o modo. Pois
a presença modifica a terminação do objecto principal, não constitui
a razão motiva, enquanto aquela presença coexiste terminativamente
ou da parte do termo, modificação que no seu todo só acidentalmente
varia a cognição, assim com o na visão a modificação de um sen­
sível comum para um sensível próprio, de forma que uma coisa
branca, seja vista com ou sem m ovim ento, nesta ou naquela
posição, não varia a visão essencialmente porque não se tem da
parte do objecto essencial e formalmente, mas tem-se acidental­
mente da parte do objecto, e da mesma forma funciona a respeito
da apercepção a modificação da terminação através da presença
ou ausência.
Disto segue-se que se as apercepções diferem porque uma diz
respeito à presença como directamente representada e conhecida, e
a outra não, tais apercepções poderíam diferir essencialmente, devido
ao diverso objecto no ser do objecto representável, mas não diferiríam

2 45
apenas na razão do intuitivo e do abstractivo, mas na razão de objectos
diversos ao m odo da essência e da coisa representada.
A segunda parte da conclusão, ou seja que por razão de alguma
coisa contingente à natureza de uma apercepção intuitiva ou
abstractiva o intuitivo ou o abstractivo podiam importar uma diferença
em tipo, é manifestamente verdadeira, porque o intuitivo e o
abstractivo podem algumas vezes ser encontrados em cognições de
outro m odo distintas em tipo, já que ou representam diversos objectos,
ou representam sob diversos meios e luzes especificantes, com o é
patente na diferença entre a visão intuitiva de Deus em si e a
apercepção abstractiva d ’Ele através da fé, ou na diferença entre uma
cognição intuitiva de Pedro e uma cognição abstractiva de um cavalo.
Mas estas diversidades essenciais não são tomadas formalmente e
precisamente da própria razão do intuitivo e do abstractivo, mas de
outras razões formais que na ordem do cognoscível especificam estas
cognições. A natureza do intuitivo ou do abstractivo é acrescentada
a estas outras razões especificantes com o uma razão acidental
acompanhante, não com o uma razão constitutiva.
Mas inquires se estas razões do intuitivo e do abstractivo, dado
que por si não são diferenças essenciais da apercepção, são contudo
modos intrínsecos à própria cognição, para que realmente modifiquem
a cognição; ou se são apenas denominações extrínsecas originadas
por uma coexistência física; ou, finalmente, o que são.
A resposta é julgarem alguns que o intuitivo e o abstractivo con­
sistem apenas na denominação extrínseca, enquanto o objecto é dito
ser presente ou coexistente com a própria cognição, ou não
coexistente. E esta opinião pode ser fundamentada pelos exemplos
de verdade e de falsidade; pois a mesma cognição é dita de um
m odo ser verdadeira, de outro m odo falsa, a partir da mera de­
nominação extrínseca de que um objecto existe ou não existe em si.
Logo, sem elhantemente, uma ve z que o intuitivo exprim e a
coexistência física do objecto, e o abstractivo nega essa coexistência,
é apenas pela denominação extrínseca de tal coexistência ou não
coexistência que uma apercepção é dita ser intuitiva ou abstractiva.
E em Deus parece que isto deve ser asseverado sem qualquer dúvida,
porque uma cognição numericamente a mesma que é intelecção
simples a respeito dos possíveis, é tornada intuitiva pela mera de­
nominação extrínseca, porque a própria coisa passa de possível para
futura ou existente, passagem que nada põe no próprio conhecimento
divino excepto uma denominação extrínseca; assim com o também o
facto de o conhecimento divino ser um conhecimento de aprovação,
nada mais é que uma denominação extrínseca no conhecimento
divino. Todavia S. Tomás em D e Yeritate, q. 3, art. 3, resp. obj. 8,

246
equipara o conhecimento da visão com o conhecimento da aprovação
quanto a isto, que é acrescentar alguma coisa fora da ordem da
apercepção.
Esta opinião é provável. Contudo parece mais provável que o
intuitivo e o abstractivo sejam alguma coisa intrínseca à própria
apercepção a partir da sua ordem. E assim, quando a apercepção
criada passa de intuitiva para abstractiva, e vice-versa, é realmente
modificada.
A razão disto é que a intuição importa a coexistência da presença
física do objecto com a apercepção, não de qualquer modo, mas
com o atenção e tendência da própria cognição determinada para tal
coisa enquanto coexistente e modificante do objecto. Mas a diversa
terminação da cognição mediante a atenção para a coisa coexistente
põe alguma mutação intrínseca na própria cognição; com efeito, uma
apercepção abstractiva não tem tal atenção e terminação para a
coexistência da presença. Nisto reside a diferença entre a verdade ou
falsidade da cognição e a natureza do intuitivo e do abstractivo,
porque a verdade assim consiste na conformidade para ser ou não
ser da coisa, mesmo se não se atende ao ser ou não ser da coisa,-
contudo se uma única vez profere um juízo sobre a coisa não existente
no m odo em que foi julgada existir, por este próprio facto a cognição
perde a verdade, e quando a coisa existe do m odo como é julgada
existir, a cognição adquire verdade sem que nenhuma outra mutação
•intervenha intrinsecamente na cognição. Mas para que alguém veja
intuitivamente não basta, quando conhece alguma coisa, que essa
coisa seja posta presente em si, mas é necessário que o sujeito que
conhece atenda à sua presença como uma presença coexistindo
consigo, e não precisamente enquanto presença representada; se tal
tipo de atenção falta, a intuição é destruída, embora a coisa conhecida
esteja presente em si, porque não está presente ao terminar a atenção
e a apercepção; assim como Deus está presente em si à cognição
que eu tenho dele próprio, e a alma e aquelas coisas que estão na
alma estão presentes em si, e contudo eu não as vejo intuitivamente.
Logo, uma atenção diversa de tal terminação do objecto como presente
e coexistente é uma razão intrínseca na cognição, e todavia não
varia essencialmente essa cognição, porque é uma modificação
acidental ao próprio objecto, assim como a modificação de um sensível
comum a respeito de um sensível próprio é uma modificação acidental
ao objecto, pois não varia as cognições essencialmente, embora exija
uma diversa atenção e terminação. Assim a presença, enquanto
coexistente, modifica o objecto por si, não distingue essencialmente
um objecto, e todavia, devido à diversa atenção, pertence intrinse­
camente ao acto de conhecer.

247
Mas para o que é objectado sobre a cognição intuitiva de Deus,
a resposta é que assim com o o mesmo acto da vontade de Deus,
devido à sua eminência, é necessário e livre através da sua perfeição
intrínseca, embora conote alguma relação de razão ou denominação
extrinseca a respeito do objecto, assim o mesmo conhecimento divino,
devido à sua eminência, é intrinsecamente abstractivo e intuitivo e
de aprovação, e simultaneamente também prático e especulativo,
eficaz e ineficaz a respeito de diversos objectos, embora conote alguma
relação de razão ou denominação extrinseca a respeito do objecto.
O conhecimento divino, contudo, não consiste formalmente nesta
relação de razão ou denominação extrinseca, mas sem essa relação
não é denominado intuitivo nem acto da divina vontade livre. Ora o
que um acto tem em Deus eminentemente, muitos actos têm em nós
devido à sua limitação.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

O primeiro argumento é tomado da doutrina de S. Tomás na


Suma Teológica, ft t , q. 67, art. 5, onde diz que uma cognição da fé
não pode permanecer numericamente a mesma no céu porque
•removida a diferença de alguma espécie, a substância do gênero
não permanece numericamente a mesma» e assim «o conhecimento
que primeiramente foi enigmático e que se tornou depois visão clara
não pode ser numericamente o mesmo». A partir disto é formado o
argumento: S. Tomás nega que uma apercepção numericamente a
mesma que era enigmática, possa ser uma visão clara, pois quando
a diferença de alguma espécie é removida, a substância do gênero
não permanece numericamente a mesma. Logo, S. Tomás supõe que
visão clara é uma diferença específica da apercepção, de outro m odo
nada seria concluído de tal raciocínio, porque se a razão da intuição
ou visão acrescenta apenas uma diferença acidental, quando essa
diferença é removida a totalidade da substância dessa cognição pode
permanecer.
E isto é confirmado porque a apercepção intuitiva e a apercepção
abstractiva são opostas formalmente e expelem-se uma à outra
formalmente do sujeito. Com efeito, são opostas segundo o claro e
o obscuro acerca da presença da coisa, porque o intuitivo implica
intrinsecamente evidência e certeza da presença da coisa, o que o
abstractivo não importa. E em razão desta evidência e certeza uma
apercepção intuitiva exclui a apercepção abstractiva; com efeito, elas
não são opostas num sujeito apenas com o dois acidentes da mesma
espécie, de outro m odo as apercepções intuitiva e abstractiva não

248
seriam mais opostas que duas apercepções intuitivas ou duas
apercepções abstractivas entre si. Donde também a fé não é oposta
à visão da Glória de outro m odo que porque é abstractiva, enquanto
a visão da Glória é intuitiva.
A resposta a isto é que S. Tomás falava acerca da visão clara e da
cognição enigmática que são iniciadas de diversos meios e não incluem
apenas o m odo do intuitivo ou do abstractivo. Mas já dissemos acima
que o intuitivo e o abstractivo, embora não sejam diferenças essenciais
da cognição, podem contudo ser consequência e pressupor cognições
especificamente distintas, às quais são conjuntos quando encontrados
nas cognições constituídas através de diversos meios ou luzes ou
através de diversas representações. Mas, que uma cognição enigmática
e uma visão clara difiram segundo meios diversos, S. Tomás explica
melhor no seu comentário à primeira epístola de Paulo aos Coríntios,
cap. xin, lect. 4.
Para confirmação, a resposta é que o intuitivo e o abstractivo nem
sempre diferem segundo uma evidência ou não evidência essencial
à própria cognição, diferença essa que é derivada da própria razão
formal do meio pelo qual é constituída a razão específica da cognição.
Com efeito, pode dar-se uma apercepção abstractiva que também é
evidente acerca de todos aqueles objectos que a apercepção intuitiva
representa, embora essa apercepção intuitiva não tenha a evidência
da própria presença enquanto coexistente com a apercepção. Mas
. esta evidência não distingue essencialmente uma apercepção de outra,
porque não se tem da parte de uma razão formal especificante, mas
da parte da coexistência e aplicação do objecto. Donde S. Tomás
diz, no seu C om entário às Sentenças de Pedro Lom bardo, III, dist. 14,
q. 1, art. 2, quaestiunc. 3, que -a claridade da visão resulta de três
coisas, ou seja, da eficácia da virtude cognitiva, assim, por exemplo,
aquele que é de visão mais forte conhece mais claramente do que
aquele que é de visão débil; ou da eficácia da luz, como alguém vê
mais claramente ao sol do que à luz da lua; ou, finalmente, da
conjunção ou aplicação do objecto, assim como coisas próximas são
vistas mais claramente do que coisas afastadas-. Logo, a evidência de
uma apercepção intuitiva a partir da energia precisa e formal da
intuição provém dessa apercepção apenas deste último modo. Mas
é certo que tal claridade ou evidência é acidental e extrinseca, porque
depende apenas da aplicação e da coexistência da presença mais ou
menos próxima.
Quanto ao que foi dito sobre a oposição d o intuitivo e do
abstractivo num mesmo sujeito, a resposta é que eles se opõem
entre si formalmente por uma formalidade acidental à própria
apercepção, mas essencial à própria razão da intuição; assim com o

249
não é essencial para uma linha ser terminada ou não ser terminada
por um ponto, e contudo uma linha não p o d e ter ambos
simultaneamente. E a mesma cognição não pode ser ao mesmo tempo
verdadeira e falsa, devido a terminações opostas relativamente aos
objectos, e contudo verdade e falsidade pertencem à cognição
acidentalmente. Mas a fé e a visão de Deus não só diferem segundo
o intuitivo e o abstractivo, mas também segundo diversos meios,
porque a fé é iniciada pelo testemunho do que fala, e a visão pela
representação da própria coisa em si. D o mesmo m odo a visão da
divina essência em S. Paulo, e a recordação pela qual ele recordava
que a tinha visto, diferiam não apenas segundo o abstractivo e o
intuitivo, mas segundo diversos meios de representação, porque ele
viu Deus imediatamente em Si através da Sua representação, mas
recordou-se de que tinha visto Deus através de uma espécie criada
representando imediatamente algum efeito criado, ou seja a visão
quanto ao ter ocorrido de facto.
Argumenta-se em segundo lugar: o intuitivo e o abstractivo diferem
segundo diversos objectos formais e segundo diversas coisas
representadas; logo, importam diferenças essenciais na ordem da
cognição.
A consequência é patente porque não existe nenhum princípio
para distinguir cognições essencialmente, excepto segundo diferentes
objectos formais, e as representações são distinguidas segundo as
diversas coisas representadas. A antecedente prova-se porque o in­
tuitivo com o intuitivo diz respeito ao objecto como presente a si
próprio formalmente, e segundo esta formalidade difere do abstractivo.
E na apercepçâo intuitiva é representada a própria presença da coisa,
uma vez que é conhecida e atingida como uma coisa conhecida.
Nem basta que a presença exista no próprio objecto, a não ser que
essa presença também seja representada na cognição, com o é claro
no caso de alguém que não atenta numa coisa que passa à sua frente
e de outros exemplos trazidos mais atrás. Logo, o intuitivo não implica
a presença da coisa com o puramente entitativa e fisicamente
independente da ordem da apercepçâo, mas com o representada e
atingida cognoscivelmente.
Se fosse dito que aquela presença é representada em exercício e
não enquanto coisa directamente representada, quanto a isto existem
duas instâncias; a primeira sucede no caso dos nomes e dos verbos
que, com o dissemos na questão 2 das Súmulas, art. 3, tem nas suas
formas flexionadas conceitos fisicamente, embora não categorema-
ticamente, distintos dos conceitos das suas formas não flexionadas,
e contudo não diferem segundo as diversas coisas representadas,
mas segundo as diversas conotações exercidas da mesma coisa

250
representada. A segunda instância está na razão formal >sob a qual»,
pela qual é distinguida essencialmente uma cognição de outra, e
contudo não é representada nem atingida pela cognição directa, pois
assim seria razão «que» e não «sob a qual».
Isto confirma-se, porque o presente e o ausente distinguem essen­
cialmente actos apetitivos, logo, também distinguem actos de cognição.
A consequência é patente da paridade da razão no bom e no
verdadeiro em relação ao presente e ausente. Mas a antecedente
prova-se, porque o temor e a tristeza diferem apenas por razão de
um mal ausente ou presente, assim com o a esperança e a alegria
diferem apenas por razão de um bem ausente ou presente. Logo, a
presença e a ausência apenas especificamente diversificam actos de
apetite e cognição.
A resposta ao argumento principal é que o intuitivo e o abstractivo
não diferem segundo diversos objectos formais no ser e formalidade
de algo cognoscível, mas no ser e formalidade de alguma condição
e m odo acidental. E uma coisa é que seja formal e essencial ao
próprio intuitivo, outra que seja formal e essencial à própria cognição,
assim como é essencial ao branco que diferencie a visão em contraste
com o negro, e contudo não é essencial que o homem seja branco;
e semelhantemente, um objecto como presente ou ausente, quanto
à coexistência com a própria cognição e aplicação do objecto, é
essencial ao próprio intuitivo e ao próprio abstractivo, e contudo
•não é essencial à própria cognição. E assim o intuitivo e o abstractivo
diferem entre si essencialmente e por definição, assim como sucede
com o branco e o negro, mas estas diferenças são acidentais à própria
cognição porque, como foi dito, não dizem respeito ao presente e ao
ausente enquanto estes fundam a cognoscibilidade e imaterialidades
diversas, mas enquanto fundam a aplicação do objecto à coexistência
física ao terminar a cognição.
E quanto ao que foi dito acerca das diversas representações, res­
ponde-se que o intuitivo e o abstractivo formalmente e por virtude
deles próprios não diferem segundo as diversas coisas representadas.
Com efeito, pode também a apercepçâo abstractiva representar a
presença da parte da coisa representada; assim como, por exemplo,
eu agora penso que Deus está presente a mim, e con h eço
evidentemente através dos efeitos que a minha alma me está presente,
e contudo não vejo Deus nem a alma intuitivamente. Donde estas
representações não diferem segundo as diversas coisas representadas,
nem segundo uma conotação ou hábito relativamente a distintas coisas
representadas ou segundo distintas razões «sob as quais» essencial­
mente conduzindo para a representação, mas apenas segundo a
diversa terminação para a presença do objecto com o coexistente

251
com a própria cognição, com o já foi dito. Donde nem toda a variação
na representação é variação essencial, excepto se reduzida a diversas
razões «qual» ou «sob a qual» da própria representação. Assim como
também na visão exterior não é qualquer mutação que varia
essencialmente a visão — por exemplo se só é feita a variação segundo
um sensível comum diverso, como quando o branco é visto com
movimento ou sem movimento, com esta ou aquela posição ou figura
— mutações estas que não variam essencialmente a própria visão,
mas acidentalmente, como dissemos. Acerca disto veja-se Banez no
seu Com entário à Sum a Teológica de S. Tomás, I, q. 78, art. 3, n. 8.
Assim, também a presença ou ausência não variam essencialmente a
cognição enquanto implicam diversas terminações da cognição para
a presença do objecto com o coexistindo com a cognição. Mas se
presença e ausência também funcionam com o coisas representadas,
podem deste m odo variar apercepções enquanto seus objectos
diversos, mas não quando apenas fazem as vezes de condição
pertencente à coexistência da presença de um objecto com a
apercepção.
A partir disto também se toma clara a resposta às duas instâncias
aduzidas acima. Pois nos diversos casos de nomes distinguindo
conceitos essencialmente, isto sucede porque trazem ao objecto algum
hábito e conotação diversos relativamente à coisa representada, como,
por exemplo para a coisa ao modo de um agente ou de algo possuído,
que é ser representado ao m odo «de que» ou «do qual» ou «para o
qual», hábitos que são inteleccionados para afectar a própria coisa
representada e para serem fundados nela, e que são a fo rtio ri diversas
razões «sob a qual». Mas o intuitivo e o abstractivo segundo a sua
precisa formalidade não exprimem a própria presença ou ausência
enquanto coisas representáveis; pois deste modo, com o já dissemos,
a presença da coisa pode ser a coisa representada através de uma
cognição abstractiva, como quando conheço abstractivamente que
Deus está presente. Mas se alguma cognição abstractiva não representa
a presença como coisa representada, enquanto uma cognição intuitiva
o faz, então tais representações difeririam essencialmente não em
virtude do intuitivo e do abstractivo precisamente, mas devido à
razão geral de representarem diversos objectos. Logo, estando na
precisa formalidade do intuitivo e do abstractivo, que não postulam
diversas coisas representadas nem diversos hábitos ou conotações
fundados na própria coisa representada, mas diversas terminações e
aplicações do objecto segundo a coexistência com a apercepção,
por esta razão os conceitos não variam essencialmente, assim como
não varia uma coisa branca quando é vista com movimento ou
sem movimento, ou não varia a cognição quando é tornada ver­

252
dadeira ou falsa a partir da coexistência relativamente ao ser de
uma coisa.
Para confirmação, a resposta é que existem diversas razões nos
actos do apetite e nos actos da cognição, porque o apetite é feito no
bom ou mau, mas a razão do bom ou do mau é variada essencialmente
segundo diversas conveniências ou inconveniências. Mas conveniência
ou inconveniência dependem mais do que qualquer outra coisa da
presença ou ausência da coisa, porque um objecto presente satisfaz
o apetite, mas um objecto ausente estimula-o e fá-lo mover, pelo
facto de que o apetite funciona ao m odo de uma inclinação e de um
peso. Mas o peso comporta-se de uma maneira quando está ao centro,
e de outra maneira quando está fora d o centro, e por esta razão a
presença ou a ausência de um objecto que funciona ao m odo de
uma inclinação conta muito para variar a razão formal d o objecto.
Mas com o a cognição é aperfeiçoada no interior da própria potência
trazendo as coisas para si, sempre é aperfeiçoada pela presença
daquelas coisas no ser do cognoscível e do intencional. Donde,
excepto tal presença seja variada, não é feita a variação na razão
essencial da cognição, e assim isto, que resta da presença física do
objecto, seja coexistente ou não coexistente com a apercepção, está
fora da ordem de tal apercepção e é considerado por acidente, porque
já não pertence à presença intencional.
Por último argumenta-se, porque o intuitivo e o abstractivo, se
não variam essencialmente a apercepção, mas acidentalmente, ou
são denominações extrínsecas ou intrínsecas. Não são denominações
extrínsecas, pois se o fossem, uma apercepção numericamenté mesma
podería ser de um m odo intuitiva, de outro m odo abstractiva, assim
cómo a mesma cognição pode ser verdadeira ou falsa. E se a presença
e ausência são comparadas a respeito da apercepção intuitiva e
abstractiva, com o o é um sensível comum a respeito da visão, é claro
que não podem ser relacionadas por denominações extrínsecas; pois
a tendência para um sensível comum não é uma denominação
extrínseca na visão. Mas se o intuitivo e o abstractivo são modos
intrínsecos, não podem ser outra coisa senão tendência e ordem
para o objecto, o que essencialmente varia a cognição. Nem pode
ser inteleccionado como estes modos intrínsecos variariam o conceito
acidentalmente, e não variariam a própria representação na ordem
para a coisa representada.
Antes não é dada a divisão da cognição segundo modos intrínsecos,
excepto se também for uma divisão essencial, assim como a distinção
segundo o que é claro e o obscuro essencialmente varia a cognição,
embora a obscuridade não seja uma razão formal, mas um m odo
intrínseco da cognição.

253
Finalmente, podem ser aduzidos alguns exemplos que parecem
provar que esta distinção é essencial, assim com o o prático e o
especulativo são diferenças essenciais, exprimindo o prático, contudo,
uma ordem para o trabalho que está fora da razão. E o bom e o mau
são diferenças essenciais dos actos humanos, e contudo o mau pode
ser derivado de alguma circunstância intrínseca.
A resposta a isto é que o intuitivo e o abstractivo são modos
acidentais, que redutivamente pertencem à ordem da cognição como
modos, não com o espécies essenciais; e com o dissemos, é mais
provável que sejam modos intrínsecos. E quando é dito que são a
própria ordem ou tendência para o objecto, dizemos que formalmente
e directamente eles não são a própria ordem para o objecto na razão
•do objecto representado, mas modificações desta ordem, enquanto
fazem a apercepçâo tender para o objecto não apenas com o
representado, mas com o coexistindo com a apercepçâo, para que a
razão para o objecto com o representado e conhecido formalmente
constitua a especificação, mas a razão d o ser para o objecto assim
representado como coexistindo com a apercepçâo é um respeito
modificante. Todavia, quando comparamos a razão do intuitivo com
a ordem e relação para um sensível comum, o exem plo tem-se nisto,
que um sensível comum não é alguma coisa prim eiram ente
representada, mas é representada com o modificando a cor por uma
modificação que está acidentalmente para a visibilidade. Assim a
presença no conhecimento intuitivo não funciona com o a coisa
directamente representada, pois então podería ser representada numa
apercepçâo abstractiva, mas funciona com o modificando o objecto
representado por uma modificação acidental, com o foi dito; contudo,
da parte da coexistência, o exem plo de um sensível não se mantém.
E quando é dito que a divisão segundo os modos intrínsecos é
também uma divisão essencial, a resposta é que os modos podem
ser ditos intrínsecos, seja porque modificam a própria razão formal
constitutiva e assim são intrínsecos à própria constituição; ou podem
ser ditos intrínsecos porque não denominam extrinsecamente, embora
não modifiquem a constituição intrinsecamente. E a divisão em termos
de modos do primeiro gênero é também essencial, porque um m odo
não pode ser variado sem que varie a constituição dependente do
seu ser variado; mas a divisão em termos de modos do segundo
gênero é uma divisão acidental, com o foi dito.
Para exemplos, responde-se que o prático e o especulativo diferem
essencialmente, porque a relação para um trabalho externo é originada
a partir de princípios e meios de conhecer diferentes da razão formal
do especulativo. Essa diferença não origina apenas a diversa aplicação
e coexistência do objecto como sucede com o intuitivo e o abstractivo,

254
mas diversos princípios formais de conhecer um objecto de m odo
sintético e resolutivo. E para o que é dito sobre a diferença entre o
mal moral e o bem moral, a resposta é que existe uma diferença
essencial a respeito de um acto considerado no interior da ordem do
costume, contudo a espécie essencial ou o tipo de um acto moral
mau não são derivados da circunstância, a não ser que a própria
circunstância passe para condição principal do objecto, com o é dito
na Sum a Teológica, I-II, q. 18, art. 10. Mas o intuitivo e o abstractivo
sâo sempre circunstâncias da cogniçâo, porque pertencem àquela
coexistência.

255
Capítulo n

SE PODE SER DADA UMA COGNIÇÃO INTUITIVA


DA COISA FISICAMENTE AUSENTE,
SEJA NO INTELECTO SEJA NO SENTIDO EXTERNO

Para explicar exactamente a natureza do intuitivo e do abstractivò


é necessário ver as diferenças que lhes pertencem formalmente entre
si. Existem habitualmente quatro diferenças enumeráveis. A p rim eira
é da parte da causa, porque a apercepção intuitiva é produzida pela
presença do objecto, enquanto a apercepção abstractiva é produzida
pelas espécies deixadas para trás pelos objectos que já não estão
presentes. A segunda é da parte do efeito, porque a apercepção
intuitiva é mais clara, e, logo, mais certa que a apercepção abstractiva.
A terceira é do ponto de vista da ordem, porque a apercepção intuitiva
ê anterior à apercepção abstractiva. Com efeito, toda a nossa cogniçâo
nasce de algum sentido externo mediante uma cogniçâo intuitiva.
A quarta é da parte do sujeito, porque a apercepção intuitiva pode
ser encontrada em todas as potências cognitivas, sejam sensitivas,
sejam intelectivas, mas a apercepção abstractiva não p od e ser
encontrada nos sentidos externos.
Ora estas quatro diferenças supõem uma diferença principal, que
é derivada da coisa atingida e é explicitamente dada nas definições
destes tipos de apercepção, nomeadamente que a apercepção intuitiva
é de uma coisa presente, enquanto a abstractiva é de uma coisa
ausente. E certamente as primeiras três diferenças não são tão in­
trínsecas que não possam algumas vezes faltar a estas apercepções,
em bora sejam diferenças muitas vezes encontradas na nossa
experiência. Pois a espécie representando abstractivamente alguma

256
coisa ou essência, incluindo mesmo a presença da coisa ao modo de
uma essência, pode ser infundida por Deus antes que alguma coisa
seja representada intuitivamente; nem pode alguém atribuir menos
claridade e certeza às apercepções abstractivas do que às apercepções
intuitivas, assim como o próprio Deus não conhece as coisas possíveis
com menos claridade que as coisas futuras.
Donde as principais diferenças são reduzidas a estas duas: no­
meadamente, da parte do objecto, que a apercepção intuitiva versa
acerca da presença da coisa; e da parte do sujeito, isto é, das potências
cognitivas, nas quais tais apercepções podem ser obtidas. Acerca
disto levanta-se uma questão sobre os sentidos externos: saber se
uma apercepção abstractiva pode ocorrer neles.
Acerca da primeira destas duas diferenças há muitos que julgam
que para a apercepção intuitiva basta a presença da coisa objectiva,
mas que não é requerida a presença da coisa física, isto é, basta que
a presença seja conhecida, mas não é requerido que seja coexistente
com a própria apercepção. Disto se segue que pode essenciaimente
ser dada uma apercepção intuitiva da coisa fisicamente ausente.
E acerca da segunda, alguns julgam que é possível, pela potência
de Deus, que a coisa física ausente seja atingida pelo sentido externo,
se essa coisa é representada como presente. Acerca disto vejam-se os
Conimbricenses no seu comentário ao D e A n im a aristotélico, cap. m,
q. 3, art. 1 e 2.
Brevemente contudo (pois este assunto pertence mais aos livros
D e A n im a ), a resposta a estas opiniões é dupla:
A primeira: A co g n içâ o in tu itiv a n ã o só p ed e a p re s e n ça o b je ctiv a
d o seu objecto, m as tam bém fís ic a , e assim n ã o é d a d a n en h u m a
in tu iç ã o d o passado e do fu tu ro , excepto se f o r re d u zid o a a lg u m a
m edida n a q u a l esteja presente.
Esta conclusão é com um m ente deduzida da doutrina d e S. Tom ás
na Sum a Teológica, I, q. 14, art. 13. E ao comentar esta passagem,
aqueles que aprenderam com S. Tomás, para porem em Deus a
visão dos eventos futuros, geralmente dizem que as coisas futuras
devem estar fisicamente presentes na eternidade, pois d o futuro com o
futuro não p od e ser dada alguma visão. E certamente o argumento
de S. Tom ás naquele artigo necessariamente requer a presença física
do futuro na eternidade. Pois S. Tomás prova qu e Deus con h ece
todas as coisas futuras com o presentes, porque não as conhece nas
suas causas, mas em si próprias, segundo cada uma delas está em
acto em si própria, e porque a Sua cogniçâo é medida pela eternidade,
mas a eternidade abrange a totalidade d o tempo, e assim todas as
coisas que são no tempo são presentes a Deus pela eternidade. Este
argumento, se é apenas sobre a presença objectiva, é completamente

17
257
ineficaz, porque provaria o mesmo através do mesmo, uma vez que
como tenta provar que Deus vê as coisas futuras com o presentes em
si próprias, o que é ter a sua presença na cogniçâo e objectivamente,
provaria isto, que porque as coisas futuras estão presentes na
eternidade objectivamente, estão presentes à cogniçâo, e assim
provaria que são presentes objectivamente, porque estão presentes
objectivamente.
E o fundam ento da conclusão é tom ado disto, que todos
concordam que uma apercepção intuitiva deve respeitar um objecto
presente. Pois a visão deve atingir as coisas em si próprias, e segundo
existem fora do sujeito que vê, já que uma visão intuitiva funciona
como uma cogniçâo experimental, ou antes, é a experiência ela
própria. Mas não se entende que seja dada experiência, excepto de
uma coisa presente, pois de que m odo pode cair sob a experiência
a ausente enquanto ausente? Mas disto, sobre a própria visão, que é
conhecido por todos, deduz-se manifestamente que é requerida a
presença física do objecto, nem pode ser entendido que baste a
objectiva. Pois a presença da coisa pode ser conhecida apenas de
duas maneiras, seja significada em acto, com o um tipo de essência,
ou enquanto é exercida e afecta a própria coisa, tomando essa coisa
presente em si. E o primeiro modo de conhecer serve abstractivamente
para uma apercepção, porque é próprio de uma cogniçâo abstractiva
considerar a coisa ao m odo de uma essência e natureza. Logo,
considera a própria presença também com o uma coisa e com o um
tipo de essência ou carácter definível, sendo uma cogniçâo abstractiva
preservada mesmo a respeito de uma presença considerada enquanto
é um tipo de coisa e com o um objecto de discurso. Isto é patente,
por exemplo, quando intelecciono através do discurso ou através da
fé que Deus está presente, e que a minha alma está presente em
mim, e contudo eu não vejo Deus nem a alma intuitivamente.
Mas é requerido para a razão do intuitivo o segundo m odo de
presença cognoscente, ou seja, é requerido que alguma coisa seja
atingida sob a própria presença, atingida enquanto é afectada pela
própria presença e enquanto a presença é fisicamente exercida na
própria coisa. Mas se a presença é atingida deste modo, não pode
ser atingida tal como existe no interior das causas e ao m odo de
alguma coisa futura, nem enquanto passou e teve o m odo de alguma
coisa passada, porque nenhuma destas coisas é ver uma coisa em si
própria, ou ser movido por ela ou ser atingido excepto segundo é
em outro. Pois o futuro sob a razão do futuro não pode ser
inteleccionado excepto nas causas na quais está contido. Com efeito,
o futuro exprime essencialmente aquilo que não está ainda fora das
suas causas, mas se encontra ainda no interior dessas causas, que

258
são, contudo, ordenadas para produzir a própria coisa. Logo, envol­
vería uma contradição conhecer alguma coisa enquanto futura, excepto
como estando no interior das suas causas ou numa ordem para elas;
pois por este próprio facto que é concebido em si e separado das
causas, cessa de ser concebido como futuro. Semelhantemente, alguma
coisa passada enquanto passada não pode ser concebida excepto
segundo a razão de uma existência anterior. Logo, já não é concebida
como em si, porque em si não tem entitatividade nem existência;
logo, o passado é concebido como despojado de presença e existência.
Donde não pode representar excepto mediante algum efeito ou traço
de si deixado para trás, ou mediante a determinação de uma espécie
para a existência que teve — a totalidade do que não é ver uma
coisa em si própria segundo o ser que tem em si fora do sujeito que
vê, mas segundo está contido em outro e exprime uma condição e
hábito relativamente a outro.
Logo, com o a visão intuitiva é feita na coisa presente, enquanto
a presença afecta essa coisa em si, e não enquanto essa coisa é
contida noutra ou enquanto a própria presença é conhecida como
sendo um tipo de coisa e essência, a conclusão manifesta é a de que
a intuição é feita a partir da presença física, enquanto fisicamente
funciona da parte d o objecto, e não apenas enquanto está
objectivamente presente à potência cognitiva. Com efeito, isto que é
estar objectivamente presente, é preservado mesmo numa apercepção
abstractiva, que pode conhecer a presença não enquanto pre­
sencialmente terminando a apercepção, mas enquanto contida ou
deduzida de algum princípio, seja representada enquanto é -um tipo
de essência, com o quando conhecemos abstractivamente que Deus
está presente a nós.
Isto é optimamente coligido por Caetano no seu C om entário à
Suma Teológica, I, q. 14, art. 9, onde pôs duas condições para que
aiguma coisa seja dita ser vista por si e imediatamente: Prim eiro, que
esteja presencialmente objectifícada ao que vê, isto é, objectificada
através da presença, e não enquanto contida noutro, mas enquanto
afecta a própria coisa em si. Segundo, que a coisa vista tenha existência
fora do sujeito que vê, uma condição que S. Tomás também tinha
posto no seu Com entário às Sentenças de Pedro Lom bardo, III, dist.
14, citado acima. Por esta razão, não basta que o objecto de uma
apercepção intuitiva tenha existência no interior d o sujeito que vê
por m eio de uma representação intencional de si, mas deve também
ter existência fora da pessoa que vê, o que é ser um objecto físico,
para o qual a apercepção é terminada.
Mas se perguntas: onde está a contradição em supor que Deus
podería infundir na mente de alguém a representação de uma coisa

259
futura, com o por exem plo a do Anticristo, enquanto é em si futuro,
e segundo uma existência distinta das causas, contudo com uma
ordem e um hábito relativamente às causas, assim com o as próprias
coisas existentes também exprimem um hábito relativamente às suas
causas: a esta questào responderemos na solução d o primeiro contra-
-argumento abaixo.
Segunda conclusão: É im possível qu e seja en con tra d a no sentido
e x te rio r um a apercepção abstractiva, isto, é um a apercepção da coisa
ausente.
Tratamos desta conclusão nos livros D e A n im a , q. 6, art. 1, e os
Conimbricenses mencionados acima concordam com ela, embora
difiram enormemente na razão que dão, e julgam possível que uma
coisa fisicamente ausente seja sentida desde que seja representada
com o presente.
Contudo, a nossa conclusão é a mais comum entre os autores,
especialmente junto dos tomistas; e a opinião de S. Tom ás pode ser
vista na Sum a Teológica, Dl, q. 76, art. 7, e no seu C om entário às
Sentenças de P ed ro Lom bardo, IV, dist. 10, q. 1, art. 4, quaestiunc. 1.
Será óbvio que a coisa ausente não pode ser vista, porque os sentidos
externos devem receber espécies dos objectos. Mas se os objectos
não são presentes aos próprios sentidos, não podem m ovê-los e.
produzir espécies. Logo, ao menos para isto a presença física de um
objecto é requerida.
Depois, nos sentidos requerendo um contacto físico para produzir
a sensação, com o é o caso do tacto e do gosto, é manifesto que a
presença física d o objecto é essencialmente requerida, porque o
contacto é requerido, pois é através desse contacto que a própria
sensação é intrinsecam ente produzida. Mas o contacto requer
essencialmente a presença dos contactantes, porque não p od e ser
feito entre coisas distantes; logo, muito menos entre coisas ausentes,
porque todo o ausente in re está distante. Mas se alguém toca, não
a própria coisa, mas algo no lugar dessa coisa, então ele não é dito
tocar aquela coisa, mas aquilo que é sub-roga d o em seu lugar, assim
com o alguém que tem a língua infectada por um humor amargo
prova esse humor antes d o sabor de outra coisa que lhe parece
amarga: donde a amargura, que ele sente, está presente.
Acerca d o resto dos sentido externos prova-se também: tanto
a p o steriori, porque toda a cognição do sentido é experimental e
indutiva, uma v e z que a certeza d o intelecto é ultimamente resolvida
nessa cognição. Mas é impossível que seja feita uma experiência
acerca da coisa ausente, porque, enquanto está ausente, necessita de
outro m eio a partir d o qual a sua cognição seja recebida. Logo, al­
guma coisa lhe falta ainda para a experiência, porque a experiência

260
subsiste na própria coisa, segundo o que é em si; com efeito, assim,
uma coisa é sujeita à experiência quando é atingida em si. Isto é
também provado a p r io r i porque uma cognição exterior d o sentido
deve necessariamente ser terminada para algum objecto, não com o
representado no interior d o sentido, logo, com o situado fora dessa
potência sensitiva. Mas aquilo que é posto fora d o sujeito que v ê tem
uma existência física, ou, se não existe, por este próprio facto o
sentido carecerá de um objecto terminante, e logo, não terá um
objecto acerca d o qual verse, o que é uma contradição. A premissa
m enor é provada p elo facto de que os sentidos externos não formam
um ídolo, para que a cognição seja aperfeiçoada no interior do próprio
sentido c o m o num term o intrínseco, com o será p rovad o mais
largamente nos livros D e A n im a . A razão pela qual o sentido externo
não forma a sua espécie final é que as coisas qu e são sentidas são
sensíveis em acto último fora d o próprio sentido, assim com o a cor
se torna ultimamente visível por m eio da luz, daí que o sentido não
necessite de alguma espécie para que nessa espécie o objecto seja
tom ado formado com o sensível em acto último. Nem, novamente,
pertence aos sentidos externos a memória, que possam recordar-se
de coisas ausentes, com o sucede com os sentidos internos; logo, não
existe neles nenhuma razão para formar uma espécie expressa ou
palavra. Portanto, neste princípio com o numa raiz, é fundada a
.impossibilidade de conhecer uma coisa ausente através do sentido
externo, para que o sentido não careça de um objecto terminante,
supondo que um sentido externo não forma no interior de si a espécie
na qual a cognição é terminada. Mas se o objecto existe em alguma
coisa produzida por si com o numa imagem ou efeito, não será visto
imediatamente, mas com o contido na imagem, enquanto é a própria
imagem que é vista.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Argumenta-se em primeiro lugar: uma apercepção intuitiva p od e


salvar-se sem a presença física do objecto, mas apenas com a presença
objectiva; logo, a presença física não é requerida para que seja dada
uma apercepção intuitiva.
A antecedente é provada por muitos exemplos: primeiro, porque
Deus p od e produzir uma espécie representando alguma coisa futura,
por exem plo o Anticristo tal com o ele é em si, e com tanta evidência
e certeza com o se ele estivesse presente. Na verdade é provável que
Cristo Nosso Senhor visse intuitivamente coisas futuras através d e

261
um conhecimento infundido. Logo, p od e ser dada uma cognição in­
tuitiva que ‘represente alguma coisa ausente.
A antecedente prova-se porque o facto de tal coisa futura ser
representada não en volve em si uma contradição maior d o que uma
coisa passada ser representada, sendo contudo dada uma espécie
propriamente representativa da coisa passada. Depois porque aquela
espécie que o Anticristo emite a partir de si quando for presente
pode ser produzida por Deus independentemente d o Anticristo; logo,
então o Anticristo será representado intuitivamente antes que exista
em si. E o m esm o argumento se mantém acerca das espécies dos
anjos, que são infundidas neles antes de as coisas serem produzidas,
e representam as coisas sem nenhuma variação intrínseca, quer as
coisas existam, quer não; logo, as espécies representam sempre in­
tuitivamente. Pois uma apercepção intuitiva é ou a mesma cognição
que uma apercepção abstractiva, ou uma cognição diferente. Se é a
mesma, já será dada uma apercepção intuitiva de uma coisa ausente,
porque a mesma apercepção continua quando a coisa está presente
e quando está ausente. Se é diferente, então a representação num
anjo é variada quando v ê a coisa intuitiva e abstractivamente, enquanto
a espécie é, apesar de tudo, inteiramente a mesma.
O segundo exem plo está em Deus, que v ê as coisas futuras
intuitivamente, antes que elas existam em si próprias; de outro m odo
a sua apercepção dependería, para que fosse intuitiva, da presença
física da coisa. N em p od e ser dito que as coisas futuras são presentes
fisicamente na eternidade. Tanto porque isto não é certo, e o oposto
é mais provável; com o porque mesmo se coisas futuras não existirem
na eternidade, elas serão ainda vistas p o r Deus intuitivamente.
E ainda porque as coisas futuras existem na eternidade com o numa
causa, da qual depende a sua duração no tempo, pois elas existem
num acto estranho de ser e numa medida estranha. Logo, para uma
apercepção da coisa ser intuitiva, a existência física da coisa em si
não é requerida, mas uma existência em outra basta. Finalmente,
p orqu e as coisas existindo apenas condicionalm ente são vistas
intuitivamente, com o não são atingidas por uma intelecção simples,
e contudo não têm presença em acto, nem em si, nem na eternidade,
mas teriam essa presença se a condição fosse preenchida. Logo, uma
apercepção intuitiva não requer a presença actual da coisa em si.
O último exem plo pode ser visto no nosso próprio intelecto, que
conhece as coisas intuitivamente, e contudo não tem a espécie
representativa da coisa singular, e consequentemente não tem a
espécie da presença enquanto coexistente, a qual apenas convém à
coisa singular. Logo, uma cognição intuitiva não requer que a presença
física seja atingida.

262
Respondemos que nestes exem plos são tocadas muitas coisas que
pertencem às matérias teológicas, e por essa razão não podem os
tratá-las muito longamente.
Brevemente, contudo, responde-se ao primeiro exem plo que não
pode ser dada uma espécie da coisa futura que represente essa coisa
com o é em si, se a qualificação «em si* expressa a coexistência da
própria presença e a terminação da cognição por essa própria presença
imediatamente, contudo pode bem existir uma espécie qu e represente
a coisa futura com o é em si, se a qualificação «em si* expressar a
própria essência da coisa futura com o pertencendo ao m otivo e
especificativo da cognição. Logo, a própria essência d e uma coisa
futura p od e ser representada, quanto à sua substância e acidentes,
ao m odo de uma essência, e isto com maior certeza e evidência do
que se fosse vista intuitivamente, porque a evidência e a certeza são
derivadas d o lado da luz e d o m eio pelo qual a cognição é feita, não
da parte da terminação. D onde o fiel está mais certo d o mistério da
Encarnação d o que eu estou deste papel que vejo. Mais ainda, da
parte d o m odo de terminar nunca p od e o futuro ou o passado ser
conhecido segundo a presença, com o é em si, mas com o é em
outro, seja porque é representado nalguma coisa semelhante, seja na
imagem formada dessa coisa futura, ou em alguma causa na qual
está contida uma dada coisa futura, ou nalguma revelação e teste­
munho de um falante, ou em alguma outra coisa semelhante. Logo,
este m odo da cognição, que é terminar tal cognição pela própria
presença da coisa, nunca é encontrado excepto numa cognição
intuitiva, não importa quão abstractiva e clara seja da parte d o m eio
e da luz, que fazem a cognição.
D onde aparece a resposta para as provas aduzidas em apoio d o
nosso exem plo. Pois dizem os que de uma coisa passada p od e ser
dada uma representação própria da coisa em si, porque ela já se
mostrou a si própria, e assim p od e terminar a representação de si;
mas não p od e terminar através de si própria tal com o é requerido
para uma apercepção intuitiva, mas em algo produzido por si, com o
dissemos acima.
Para segunda prova diz-se que a espécie p od e ser produzida por
Deus, assim com o seria produzida pelo Anticristo quanto ao ser
entitativo da espécie, mas não podería ter o m esm o exercício de
representar o Anticristo com o se fora presente, tal com o é requerido
para uma intuição, especialmente da parte da terminação pela presença
de si. Assim a cognição apenas poderia ser terminada para a coisa
futura tal com o é em outro e mediante outro. E por esta razão é
impossível que a cognição tida por tal espécie da coisa enquanto
futura, se fosse tomada presente e feita intuitivamente, não fosse

263
variada intrinsecamente, devido à diferença entre a terminação para
uma coisa em si ou em outro, e à diferença na atenção que tal
diferença na terminação exige. Donde no sentido externo não poderia
ser posta uma espécie ímediatamente representando o Anticristo como
coisa futura.
E semelhantemente, para prova acerca das espécies dos anjos,
diz-se que eles não podem representar coisas futuras por uma
terminação para essas coisas em si, mas enquanto contidas nas suas
causas. Mas então as coisas futuras terão primeiro começado a ser
representadas em si próprias, quando existem em si, e cessam de ser
futuras, o que não requer um acto de representação distinto da parte
da espécie quanto à razão de representar e à coisa representada,
mas quanto ao m odo de terminar deste objecto, em cuja terminação
a semelhança da espécie é extrinsecamente completada, com o
diz S. Tomás na Suma Teológica, I, q. 57, art. 3, e q. 64, art. 1, resp.
obj. 5- Logo, se as coisas futuras estão contidas nas causas contingente­
mente, um anjo não pode, não importa quanto possa compreender
a sua espécie, conhecer essas coisas com o determinadamente
existentes, mas apenas indeterminadamente, porque elas não estão
de outro modo contidas na causa representada nessa espécie, embora
o anjo pudesse conhecer propriamente a sua essência. Mas deste
facto, que a cognição de um anjo é variada quando é tomada intuitiva,
não se segue que a sua espécie impressa seja variada essencialmente,
mas apenas a terminação da coisa representada; com efeito, a espécie
que representa a coisa e a presença também coexiste com a coisa
presente.
Para o segundo exemplo a resposta é que esta opinião acerca da
presença física requerida por uma intuição não pode ser sustentada,
a não ser que as coisas futuras sejam postas com o fisicamente
coexistindo na eternidade, em cuja medida podem as coisas coexistir
fisicamente com a cognição divina antes que existam numa medida
própria, e assim, por esta razão, supomos ser esta a opinião mais
certa, podendo ser vista a explicação de tal opinião nos intérpretes
da Sum a Teológica de S. Tomás, I, q. 14, art. 13, particularmente a
interpretação de Caetano; e na Suma contra os Gentios, I, cap. 66.
Donde nem mesmo Cristo Nosso Senhor era capaz de ver coisas
futuras intuitivamente através de um conhecimento infundido, a não
ser que aquela cognição pudesse ter sido medida pela eternidade, o
que, contudo, não parece possível admitir, com o no caso da visão
dos Beatos, que claramente manifesta Deus ele próprio, e conse­
quentemente a sua eternidade em si, na qual as coisas futuras estão
contidas.

264
E para prova deste exemplo diz-se que as coisas não estão contidas
na eternidade apenas com o numa causa eficiente, mas com o numa
medida superior medindo a duração das coisas ainda não existentes
na sua própria medida; de outro modo, a eternidade não seria imutável
e indivisível ao medir, se só medisse coisas em acto quando
mutavelmente existem em si próprias, e não as medisse se não
existissem assim, o que está contra a razão da medida da eternidade,
medida essa que é imutável e indivisível mesmo ao medir. Donde
todas as coisas estão na eternidade com o numa medida estranha,
contudo de tal forma que não estão nela como no interior das causas,
mas com o em si, todavia não como produzidas na sua própria medida
e segundo uma ilação de recepção e mutação, mas como atingidas
por uma duração imutável e eterna, enquanto são atingidas pela
acção eterna de Deus sob o aspecto da acção, não sob o aspecto da
recepção. Pois a acção de Deus não é sempre conjunta com a recepção
e consequência de um efeito numa mutação própria, com o S. Tomás
diz na Sum a Teológica, I, q. 46, art. 1, resp. obj. 10. E, contudo, em
si, a acção de Deus é sempre uma acção eterna, e sob este aspecto
eterno diz respeito ao termo e eleva-o a medida da acção eterna na
razão da acção, e diz-lhe respeito não apenas com o estando contido
no interior das causas. Mas destas distinções tratam os teólogos mais
detalhadamente.
Para a outra prova acerca das coisas futuras condicionadas, a
resposta é que essas coisas não são atingidas por Deus intuitivamente,
porque verdadeiramente elas não existem, mas poderíam ter existido.
Mas elas são atingidas por uma intelecção simples, não enquanto a
intelecçâo simples exclui um decreto da vontade mas enquanto exclui
a visão. Pois uma intelecção é dita ser simples, seja porque não
envolve alguma coisa da presença física que pertence à visão, seja
porque não envolve alguma coisa de uma ordem para a vontade,
que pertence à decisão, como S. Tomás ensina em D e Veritate, q. 3,
art. 3, resp. obj. 8. E a respeito do condicionado contingente da
verdade terminada, é dado um decreto determinando aquela verdade,
mas não quanto à consequência que, quando a condição e a aplicação
da concorrência de Deus são postas, se toma uma proposição de
verdade necessária. Mas o decreto salvaguarda a natureza do sujeito
livre, que não é suficientemente determinada pelo mero preenchi­
mento dessa condição, mas por decreto e vontade de Deus. Donde
esta determinação não é atingida por uma intelecção simples, enquanto
a qualificação «simples» é oposta a uma ordem para a vontade, mas
é uma intelecção simples enquanto oposta a uma presença física
em acto.

265
Para o último exemplo respondemos, em primeiro lugar, que em­
bora o nosso intelecto não tenha uma espécie impressa directamente
representando o singular, contudo tem uma concomitante, pela ordem
e reflexão para o fantasma, um conceito propriamente representando
o singular, com o explicamos mais largamente nos livros da Física,
q. 1, e nos livros D e A nim a, q. 10. Isto basta para do intelecto ser
dito ter uma apercepção intuitiva da coisa presente, ou seja, mediante
tal conceito.
Ou, em segundo lugar, diz-se que deste próprio facto de que o
intelecto conhece com uma continuação e dependência dos fantasmas,
enquanto os fantasmas são coordenados com os sentidos, porque
um fantasma é o movimento produzido por um sentido em acto,
com o é dito no tratado de Aristóteles D e A nim a, III, cap. 3, segue-
-se que embora a cognição intelectual seja feita por uma espécie não
directamente representando o singular, pode contudo pelo menos
indirectamente conhecer esse singular por meio das suas coordenação
e continuação relativamente aos sentidos. Isto basta para do mesmo
modo o intelecto ter uma apercepção intuitiva.
Argumenta-se em segundo lugar que pode existir uma apercepção
abstractiva no sentido externo, porque um infiel ou herético não
acreditando que Cristo é tornado presente na Eucaristia pela
consagração, continua a ver e julgar do pão da mesma maneira que
antes, e é assegurado da presença do pão da mesma forma que
antes, nomeadamente por meio daqueles acidentes. Mas antes que
exista uma apercepção intuitiva, não apenas dos acidentes, mas
também do pão através dos acidentes; logo, a apercepção intuitiva
acerca de tal objecto permanece tal com o antes. Pois se fosse
abstractiva, seria outra apercepção ou outro julgamento, e contudo
o pão está ausente, logo é dada uma intuição da coisa ausente.
Confirma-se porque no espelho é dada a apercepção intuitiva da
própria coisa aí representada, uma vez que é feita através das espécies
emitidas do objecto e reflectidas do espelho para o olho. Mas uma
apercepção que é feita por meio das espécies conservadas e emitidas
pelo próprio objecto, é uma cognição intuitiva. E contudo a presença
física do homem não é dada no espelho porque, por exemplo, ele
pode estar por trás e não em frente da pessoa que v ê quando é visto
como um objecto no espelho, e por esta razão o pão visto no espelho
não está apto para a consagração, porque não está presente aí.
Se fosse dito que a própria coisa representada não é vista no
espelho, mas apenas é vista a sua imagem, seria uma dificuldade a
esta passagem de S. Tomás no D e Veritale, q. 2, art. 6, onde ele diz
que «por meio da semelhança que, do espelho, é recebida na vista,
a vista é directamente levada à cognição da coisa reflectida, mas

266
através de um tipo de reversão é levada, por m eio da mesma
semelhança recebida, para a própria semelhança que está no espelho-.
Logo, segundo S. Tomás, o acto de ver não apenas vê a semelhança
no espelho, mas também a própria coisa representada.
A resposta a isto é que é dada em nós, a respeito d o pão
consagrado, uma dupla cognição: uma pertence ao olho exterior a
respeito do objecto que vê; a outra é um julgamento que é feito no
intelecto acerca da substância da coisa vista. A primeira cognição
permanece intuitiva tal como antes, igualmente para o fiel e o não
fiel do mistério da Eucaristia, porque permanece invariante acerca
do objecto primário e essencial, que é alguma coisa colorida. Mas a
respeito do objecto sensível acidental, que é a substância, essa visão
não permanece, porque o sentido não é actuado por alguma coisa
acidentalm ente sensível, co m o diz o F ilósofo nos livros D e
A n im a, II, cap. 6, e como pode ser visto na lect. 13 d o comentário
de S. Tomás aos livros D e A nim a. Logo, ao sentido externo, enquanto
é externo, pertence apenas atingir intuitivamente a coisa colorida
segundo a sua aparência exterior, mas o que lhe é interior, a própria
substância da coisa, uma vez que é acidentalmente vista, é também
acidentalmente atingida intuitivamente pelo sentido. Donde, quando
tal substância é removida, não continua a ser vista acidentalmente,
mas o próprio acto da visão externa não é intrinsecamente variado
como consequência deste facto, porque aqueles aspectos das coisas
' que são acidentais a uma dada cognição não variam intrinsecamente
a cognição. Mas o julgamento do intelecto pelo qual o herético decide
que aquela substância é pão, nunca foi intuitivo em si imediatamente,
mesmo antes da consagração, porque a substância da coisa não é
vista em si. Nem é um julgamento propriam ente intuitivo ou
abstractivo, excepto por razão dos extremos, a partir dos quais é
estabelecido; pois -intuitivo» é dito da apercepção simples, não da
apercepção judicativa, a qual formalmente não versa acerca da coisa
enquanto presente, mas enquanto coincidente com outra. O mesmo
julgamento acerca da substância do pão pode, deste modo, ser
continuado antes e depois da consagração, embora a verdadeira
intuição do pão, cuja substância foi vista acidentalmente e não em si,
seja interrompida, porque o que é visto apenas acidental e intuiti­
vamente, não pertence à cognição intrinsecamente, mas extrinseca-
mente, tal com o sucede com a verdade ou falsidade. E do mesmo
m odo, se uma substância nua pudesse permanecer quando os
acidentes fossem removidos, a sua cognição continuada no intelecto
não seria intuitiva; assim, invertendo-se a situação, quando os acidentes
permanecem mas não a substância, a sua cognição no intelecto não
é intuitiva, e contudo é a mesma cognição.

267
Para confirmação, a resposta é que no espelho não é vista
intuitivamente a própria coisa, mas a sua imagem, que é formada no
espelho pela refracção das espécies e da luz. Que uma imagem é
gerada, ensina S. Tomás no C om entário às Sentenças de Ped ro
Lombardo, IV, dist. 10, q. 1, art. 3, quaestiunc. 3, e na Suma Teológica,
III, q. 76, art. 3; e no C om en tá rio ao Tratado A ris to té lico da
M eteorologia, III, lect. 6, num tipo de digressão acerca das cores do
arco-íris, q. 4, resp. obj. 2. N o espelho, logo, pela luz refractada
juntamente com as espécies que são feitas com essa luz, a imagem
é gerada e resulta, assim como de uma nuvem oposta ao Sol resultam
as cores do arco-íris. E aquilo que o olho vê no espelho é a imagem
formada aí, a qual o olho mais definidamente vê intuitivamente; mas
as coisas espelhadas só são vistas enquanto estão contidas na própria
imagem do espelho. Contudo, do olho é dito ver por m eio das
espécies emitidas pelo objecto e refractadas, não porque formalmente
e imediatamente veja por meio das espécies enquanto emitidas pelo
objecto, mas pelas espécies da própria imagem formada no espelho
pelas espécies que são originadas pelo objecto, resultando as outras
espécies através da refracção. Mas quando S. Tomás diz que o acto
de ver é feito directamente na cognição da coisa espelhada por meio
de uma semelhança que, a partir do espelho, é recebida na vista, ele
não fala de ver apenas em termos de cognição sensitiva exterior,
mas em termos do todo da cognição, tanto interior como exterior, a
qual ê recebida do espelho e não subsiste na própria imagem do
espelho, mas na coisa espelhada, para a qual essa imagem conduz;
e esta totalidade é nomeada acto de ver ou visão.
Em terceiro lugar argumenta-se: alguma espécie representando
uma coisa ausente pode ser colocada no sentido externo por Deus
ou por um anjo; logo, essa coisa ausente será, então, vista pelo olho.
A consequência é clara, porque um olho formado por uma espécie,
especialmente quando a luz exterior permanece, pode produzir um
acto de visão; pois para nada mais é requerido um objecto presente
do que para fornecer a especificação ao olho. Logo, quando as
espécies são postas sem o objecto, a visão eliciará um acto de ver.
A antecedente prova-se: Prim eiro, porque não é impossível que
Deus conserve as espécies sem o objecto, pois as espécies dependem
desse objecto apenas na ordem de uma causa eficiente, que Deus
pode suprir. Segundo, porque algumas aparências acerca dos corpos
são muitas vezes vistas quando nenhuma mudança é feita nos corpos,
mas apenas no sentido da pessoa que vê, como é claro quando a
forma de um homem jovem ou da carne aparece na Eucaristia, como
S. Tomás ensina na Suma Teológica, III, q. 77, art. 8. E quando Cristo
foi visto pelos seus discípulos noutna forma, com o S. Tomás ensina

268
no mesmo trabalho, q. 54, art. 2; q. 55, art. 4, isso sucedeu através
da produção de uma semelhança no olho, como se fosse naturalmente
produzida, com o S. Tomás ensina no Com entário às Sentenças de
Pedro Lom bardo, IV, dist. 10, q. 1, art. 4, quaestiunc. 2. Mais ainda,
algumas ilusões são feitas da mesma maneira através da actividade
dos demônios, quando as espécies contactam os órgãos dos sentidos
exteriores e as coisas são vistas como se estivessem exteriormente
presentes, com o S. Tomás ensina no seu C om entário às Sentenças de
Pedro Lom bardo, II, dist. 8, q. 1, art. 5, resp. obj. 4.
Isto é confirmado pelo facto de que Deus pode elevar uma coisa
sensível para que opere em alguma coisa distante, e mesmo operar
instrumentalmente em alguma coisa espiritual. Logo, da mesma forma,
não é impossível para Deus ou para um anjo elevar o sentido externo
para que possa operar por um acto imanente dizendo respeito a
alguma coisa não presente, uma vez que a razão da presença ou
ausência não está fora do seu objecto adequado.
A resposta ao argumento principal é que Deus pode na verdade
preservar a espécie no olho quanto à sua entitatividade, suprindo a
eficiência do objecto, assim com o a luz pode conservar-se no ar sem
o Sol. Mas o olho actuado por tal espécie não pode tender para o
objecto não presente, assim como não pode ver sem a luz exterior,
porque sem a luz exterior ou objecto presente o olho carece de
forma ou termo da sensação experimental e externa, uma vez que
nenhum ídolo é formado no interior do sentido externo pelo qual a
cognição possa ser aperfeiçoada independentemente de um objecto
sensível exterior terminante, com o vimos acima. Donde "envolve
contradição uma coisa ser conhecida pelo acto de sentir e experienciar
de uma sensação externa, que difere da sensação imaginativa, excepto
atingindo alguma coisa externa em si própria, e não com o formada
no interior d o sentido.
Para segunda prova diz-se que estas aparências externas apenas
podem ser feitas de duas maneiras: seja através da eliciação de uma
visão externa, ou através da eliciação de uma visão imaginativa, que
considera ou se julga a si própria para ver externamente, enquanto
as espécies que existem interiormente descem para os órgãos dos
sentidos; seja dos sentidos comuns ou dos sentidos externos, e movida
por aquelas espécies a percepção imagina que vê por uma visão
externa, porque é movida pela própria visão, isto é, pelas espécies
que m ovem a visão. Se as aparências são feitas do primeiro modo,
sempre é dada alguma mudança no meio ou em algum corpo exterior,
por uma perturbação do ar e pelo aparecimento da cor, assim com o
o fumo algumas vezes faz as suas colunas parecerem serpentes, ou
vinhas, ou coisas semelhantes. E deste modo não é impossível para

269
algumas aparições ocorrerem na Eucaristia ou acerca do corpo de
Cristo, não porque uma mudança toma lugar no próprio corpo, mas
no ambiente circundante, contudo não porque o olh o possa ver
alguma coisa sem existir um visível exterior, seja aparente ou
verdadeiro. A mesma coisa sucede sempre que coisas visíveis sâo
vistas multiplicadas por uma refracção das espécies. N o segundo
m odo a visão não é formada pelo próprio olho, mas a imaginação
é enganada ou movida tomando-se a si própria para ver coisas que
não vê, assim com o nos ébrios as espécies são duplicadas pela
imaginação com o consequência da com oção excessiva dos espíritos
animais, e os demônios muitas vezes as usam deste m odo para enganar
e iludir a imaginação. Mas porque isto é feito através dos estímulos
das espécies ou ícones que estão nos espíritos da potência imagina­
tiva, descendendo até aos órgãos externos, com o resultado de que
a potência imaginativa parece então ser movida, por essa razão
S. Tom ás diz qu e aquelas espécies contactam os órgãos d o sentido
externo, nomeadamente ao descerem da cabeça para os sentidos,
para qu e então possam ser novamente levadas para a imaginação, e
assim alguma coisa parecería ser vista.
Para confirmação, a resposta é que é díspar a razão entre os
agentes por uma acção transitiva ou qualquer causa eficiente, e a
cognição d o sentido externo. Pois a causa eficiente, a presença da
coisa para ser agida pelo agente, é apenas uma condição para o agir
pertencendo à conjunção do que recebe, não à espécie formal de
agir, e lo g o essa condição pode ser suprida preservando a razão
essencial de agir. Mas para os sentidos, por contraste, a presença do
objecto não pertence à conjunção d o que recebe, mas à conjunção
do termo especificando a acção, termo esse de que a cognição essen­
cialmente depende. Assim com o uma acção transitiva depende do
efeito produzido, assim uma acção imanente depen de da coisa
conhecida, mesmo se não p od e ser dado um acto de intelecção sem
uma palavra, seja unida ou produzida; mas para os sentidos externos,
no lugar da palavra, é dada a coisa sensível, presente no exterior.
Mas se a visão fosse fortalecida para ver alguma coisa muito distante,
que de outro m odo lhe estaria ausente, isto não é ser elevado a ver
uma coisa ausente, o que sucede é que pela força da visão a coisa
é tomada presente, e não o estaria para uma potência mais fraca.

270
Capítulo n i

DE QUE MODO DIFEREM OS CONCEITOS REFLEXIVOS


DOS CONCEITOS DIRECTOS

Três coisas provocam dificuldade neste capítulo: P rim e iro , existe


a questão de saber se o conceito reflexivo se distingue realmente do
conceito directo, e qual é a causa desta diferença. Segundo, o que
é conhecido por m eio de um conceito reflexivo, e de que tipo são
os objectos que eles têm. Terceiro, se os conceitos directos e reflexivos
diferem essencialmente.
Relativamente à primeira causa de dificuldade, alguns são de
opinião que para conhecer o seu próprio conceito não é necessário
formar outro conceito dele, com o pode ser visto em Ferrariensis, no
C om entário à Sum a con tra os Gentios de S. Tomás, I, cap. u ii . Começa
com «mas quando é objectado». Mas S. Tomás diz expressamente na
Sum a Teológica, I, q. 87, art. 3, resp. obj. 2, que «o acto p elo qual
alguém intelecciona uma pedra é um acto, o acto pelo qual alguém
se intelecciona a si próprio inteleccionando é outra coisa bem
diferente»; logo, o conceito reflexivo é um conceito distinto de um
conceito directo, porque actos distintos produzem conceitos distintos.
Isto é mais claramente expresso por S. Tomás em D e Poten tia , q. 9,
art. 3, onde diz: «Quanto a isto, não faz diferença se o intelecto se
intelecciona a si próprio ou a alguma coisa diferente de si. Pois
assim com o quando intelecciona alguma coisa diferente de si forma
um conceito dessa coisa, coisa essa que é significada pela voz, assim,
quando se intelecciona a si próprio forma uma palavra expressiva de
si, a qual também pode ser expressa pela voz.»

272
Alguns autores laboram para dar a razão e a necessidade deste
conceito reflexivo para que alguém inteleccione os seus próprios
conceitos. Mas vê-se claramente que isto pode ser deduzido das pa­
lavras de S. Tomás, na passagem eitada da Suma Teológica, I, q. 87,
art. 3, resp. obj. 2. Supomos que apenas uma potência intelectiva,
não uma sensitiva, pode ser reflexiva, isto é, capaz de reflectir sobre
si, primeiro porque a potência do intelecto respeita universalmente
todos os seres, logo, também se respeita a si, mas a potência sensitiva,
no seu acto é despida daquilo que conhece; por exemplo, o acto de
ver não tem a cor em si, e assim não se atinge. Novamente, porque
um corpo não pode agir sobre si próprio com o um todo, mas uma
parte sempre age sobre outra parte; uma parte de um órgão, contudo,
não basta para eliciar a cognição. Neste ponto as observações de
S. Tomás no seu Com entário às Sentenças de Pedro Lom bardo, II,
dist. 19, q. 1, art. 1, e III, dist. 23, q. 1, art. 2, resp. obj. 3, devem ser
consultadas; bem com o o que nós próprios dizemos nos livros D e
A nim a, q. 4.
Na potência intelectiva toda a razão da reflexão é originada disto,
que o nosso intelecto e o seu acto não são objectivamente inteligíveis
nesta vida, excepto dependentemente das coisas sensíveis, e assim
os nossos conceitos, embora estejam formalmente presentes, não são
contudo presentes objectivamente enquanto não são formados ao
m odo de uma essência sensível, a qual apenas pode ser feita por
m eio de uma reflexão tomada a partir de um objecto sensível. Mas
no caso dos anjos e das substâncias separadas tal conceito reflexivo
não é necessário, porque os anjos conhecem directamente a sua
própria substância e o seu próprio intelecto, e as coisas que estão
em si com o acidentes da sua substância, e logo, através da mesma
espécie pela qual se conhecem a si podem também atingir aqueles
acidentes. Mas não se conhecem a si próprios reflexivamente, logo,
nem os seus próprios conceitos porque, quando são produzidos, os
conceitos deles próprios são inteligíveis pelo seu intelecto não menos
que a sua própria substância.
A razão para isto é então tomada da passagem supramencionada
da Suma Teológica, I, q. 87, art. 3, resp, obj. 2, porque cada coisa é
conhecida segundo aquilo que é em acto. Mas a perfeição última do
intelecto é a sua operação, porque pela operação não é ordenado
para aperfeiçoar outro, como sucede na acção transitiva. Logo, isto
é a primeira coisa que é inteleccionada pelo intelecto, nomeadamente,
o seu próprio acto de inteleccionar, porque isto é o que é mais
actual no intelecto e consequentemente de si primeira e maximamente
.inteligível. Contudo, este facto é diferentemente compreendido em
diferentes ordens do intelecto. Pois existe uma inteligência, nomea­

272
damente a divina, que é em si o seu próprio acto de inteleccionar,
e assim, para Deus, inteleccionar-se a Si próprio inteleccionando, e
inteleccionar a Sua essência são uma e a mesma coisa, porque a Sua
essência é o Seu acto d e inteleccionar. Existe também outra
inteligência, nomeadamente a angélica, que não é o seu próprio acto
de inteleccionar, mas onde, contudo, o primeiro objecto do seu acto
de inteleccionar é a sua própria essência. Assim, embora para um
anjo inteleccionar-se a si próprio inteleccionando, e inteleccionar a
sua essência, seja distinto segundo a razão, contudo um anjo
intelecciona ambos ao mesmo tempo e pelo mesmo acto, porque
inteleccionar a sua própria essência é a própria perfeição da sua
essência, mas, simultaneamente e por um acto, a coisa com a sua
perfeição é inteleccionada. Mas existe uma outra inteligência,
nomeadamente a humana, que nem é o seu próprio acto de
inteleccionar, nem o seu primeiro objecto é o acto de inteleccionar
a sua própria essência, mas o primeiro objecto do intelecto humano
é alguma coisa extrínseca, nomeadamente a natureza da coisa material;
e logo, aquilo que é primeiramente conhecido pelo intelecto humano
é este tipo de objecto, e o próprio acto pelo qual o objecto material
é conhecido é conhecido secundariamente, e através do acto é
conhecido o próprio intelecto do qual o próprio acto de inteleccionar
é a perfeição.
Disto manifestamente se segue que toda a raiz da reflexão de um
conceito sobre o próprio acto e a potência de inteleccionar deriva da
própria razão objectiva do intelecto, porque embora o conceito e a
cogniçâo estejam formalmente presentes à potência, contudo não
são presentes objectivamente; nem uma presença formal basta para
que alguma coisa seja directamente cognoscível, com o é notado por
Caetano no seu Com entário à Suma Teológica, I, q. 87, art. 3, resp.
obj. 2. A presença objectiva é requerida. Mas uma coisa não pode
estar objectivamente presente a não ser que se revista das condições
de um objecto de uma dada potência. Como o objecto do nosso
intelecto é a essência da coisa material segundo ela própria, aquilo
que não é uma essência da coisa material não é directamente presente
ao intelecto objectivamente, e para que se revista de tal carácter
necessita da reflexão. E assim os nossos conceitos, embora sejam
inteligíveis segundo eles próprios, contudo não são inteligíveis
segundo eles próprios ao m odo de uma essência material, e logo
não são primária e directamente presentes objectivamente, excepto
quando são recebidos ao m odo de uma essência sensível, m odo
que, sem excepção, deve ser recebido de um objecto sensível. E
porque recebem isto, no interior da potência, a partir de um objecto
exterior directamente conhecido, são ditos serem conhecidos

18
273
reflexivamente, e serem tornados inteligíveis pela inteligibilidade de
um ente material. A totalidade do que nâo ocorre no caso dos anjos
nem n o de Deus, que directa e primariamente inteleccionam a sua
própria essência e o que quer que esteja nela.
Mas se perguntas, que espécie impressa serve para a cognição
reflexiva do conceito, responde-se a partir de S. Tomás, em D e Veritate,
q. 10, a rt. 9, resp. obj. 4 e 10, que aquelas coisas que sâo conhecidas
através da cognição reflexiva não são conhecidas através da sua
essência ou por meio de uma espécie própria, mas por conhecer o
objecto, isto é, através da espécie daquelas coisas acerca das quais
versam o acto e o conceito, a partir do facto de que o conceito e o
acto necessitam da reflexão enquanto necessitam de ser formados ao
m odo de um objecto sensível, acerca do qual o conceito directo
versa. Logo, a cognição reflexiva necessita da espécie de tal objecto
para ser formada à semelhança desse objecto e para que conheça.
Donde S. Tomás diz, no seu Com entário às Sentenças de Pedro
Lom bardo, III, dist. 23, q. 1, art. 2, resp. obj. 3, que «o intelecto
conhece-se a si próprio assim com o conhece outras coisas, porque
claramente conhece por m eio de uma espécie, não de si, mas do
objecto, que é a forma daquilo a partir de que o intelecto conhece
a natureza do seu próprio acto, e a partir da natureza do acto, conhece
a natureza da potência, e a partir da natureza da potência, conhece
a natureza da essência, e consequentemente das outras potências.
Não que o intelecto tenha semelhanças diferentes para cada um
destes, mas porque no seu objecto o intelecto não só conhece
a razão do verdadeiro, mas toda a cognição que está nele». Aqui
S. Tomás ensina claramente com o a espécie do objecto serve para a
cognição do acto, nomeadamente enquanto representa no seu objecto
a razão de uma coisa conhecida. Com efeito, permanecem na memória
espécies não apenas representando um objecto, mas também
representando o próprio facto de que foi conhecido, e deste hábito
do conhecido regride o intelecto para a própria cognição e para os
seus princípios. Donde também através de tal espécie a própria espécie
pode ser atingida reflexivamente, não imediatamente em si, mas
enquanto é alguma coisa do objecto conhecido. Contudo posterior­
mente nâo é contraditório que o intelecto possa separadamente formar
espécies do conceito, da potência, e de outras coisas semelhantes,
do mesmo m odo que forma outras espécies a partir de espécies
previamente conhecidas; por exemplo, por meio das espécies da
montanha e do ouro, forma a espécie da montanha de ouro, com o
S. Tomás ensina na Suma Teológica, I, q. 12, art. 9, resp. obj. 2.
Acerca da segunda dificuldade, importa explicar duas coisas:
primeiro, quanto ao objecto material da cognição reflexiva, existe a

274
questão de saber sobre quais coisas versa a cognição reflexiva.
E para isto brevemente respondemos que são todas aquelas coisas
que são encontradas na alma e se revestem, como resultado da
cognição do objecto material, da representação e do m odo de uma
essência sensível, e assim o intelecto regride para conhecer não apenas
o conceito e o acto de conhecer, mas também o hábito, a espécie,
a potência, e a própria natureza da alma, com o diz S. Tomás
na passagem recentemente citada do livro in do seu C om entário às
Sentenças de Pedro Lom hardo, dist. 23, q- 1, art. 2, resp. obj. 3.
E quando é dito, na definição do conceito reflexivo, que é um conceito
de outro conceito, entende-se que é também um conceito de todas
as coisas que concorrem no interior da alma para produzir o conceito,
como dissemos no primeiro livro das Súmulas, cap. 3. Ou é dito que
o conceito reflexivo é um conceito de outro conceito porque a primeira
coisa que é atingida pela reflexão é outro conceito, depois a potência,
e a alma, e assim por diante.
A segunda coisa que deve ser explicada pertence à razão formal
pela qual um conceito reflexivo diz respeito a algo. E assim também
dizemos brevemente, a partir do mesmo texto de S. Tomás, que o
conceito reflexivo formalmente diz respeito ao conhecimento da
natureza daquilo sobre que reflecte, ao modo no qual essa natureza
pode ser conhecida através dos seus efeitos, ou conotativamente ao
modo de uma essência sensível. E embora os conceitos estejam
■presentes no intelecto fisicamente, contudo, porque não são tomados
presentes objectivamente por m eio deles próprios, mas por meio da
semelhança e da conotação com uma essência sensível — -o que é
atingir essa presença com o se fora em outro e não em si própria —
não é dito que vejamos os nossos conceitos intuitivamente.
Disto segue-se que por meio de um conceito reflexivo, enquanto
regride para um conceito directo, esse próprio conceito é representado
como um tipo de qualidade e a imagem significada em acto ao
modo da essência de uma imagem; e consequentemente a coisa
significada por meio do conceito directo não é representada aí, no
conceito reflexivo, excepto muito remota e indirectamente. E a razão
é que no conceito reflexivo a própria coisa significada funciona como
termo a partir do qual a reflexão se inicia; logo, o conceito reflexivo
não representa essa coisa com o seu objecto e com o termo no qual
a representação é feita, mas apenas conotando essa coisa como termo
a partir do qual a reflexão principiou. E embora o conceito reflexivo
atinja o conceito directo enquanto este é um tipo de imagem, e o
movimento na imagem esteja também na coisa a partir da qual a
imagem é feita, contudo, isto só é inteleccionado quando a imagem
não é considerada separadamente e segundo ela própria, mas

275
enquanto exerce o oficio de conduzir para o seu protótipo, como
ensina o Filósofo no seu livro A cerca da M em ória e da Rem iniscência,
e como S. Tomás explica no seu comentário, lect. 3- Mas num conceito
reflexivo o movimento é feito de m odo oposto, isto é, a partir do
objecto para a imagem; pois por conhecer um objecto directamente,
reflectimos para conhecer o conceito, que é imagem do objecto, e
logo, o intelecto é levado, por meio de tal reflexão, para uma imagem
ao m odo de uma essência sensível, e para atingir essa imagem
significada em acto. Consequentemente, o intelecto não necessita de
tender através dessa imagem para a coisa significada, embora
indirectamente, com o dissemos, também atinja esse significado,
enquanto este é o termo a partir do qual é feito este movimento
reflexivo.
Acerca da última dificuldade, responde-se brevemente que embora
as qualificações «directo» e «reflexivo», enquanto significam certos
movimentos do intelecto, não pareçam implicar diferenças essenciais
da cognição, assim como o conhecimento enquanto formado através
do discurso e sem ele, se é acerca do mesmo objecto, não varia a
natureza essencial do conhecimento, contudo, enquanto os conceitos
reflexivos e directos importam diversas representações e diversos
objectos representados — porque o conceito directo é uma semelhança
do objecto, enquanto o conceito reflexivo é uma semelhança do
próprio conceito, ou de um acto, ou de uma potência — por esta
razão devem diferir simplesmente em tipo; assim com o sucede com
as outras cognições e representações que versam acerca de objectos
diversos.

RESOLUÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS

Contra isto que resolvem os acerca da primeira dificuldade,


argumenta-se em primeiro lugar com base em que o intelecto
intelecciona pelo mesmo acto o conceito ou palavra, e o objecto
representado nesse conceito. E, semelhantemente, o intelecto é con­
duzido pelo mesmo acto para o objecto e para o acto de conhecer,
com o ensina S. Tomás no C om en tá rio às Sentenças de Ped ro
Lom bardo, 1, dist. 10, q. 1, art. 5, resp. obj. 2. Logo, o intelecto não
necessita do acto reflexivo para discernir entre o conceito e o acto.
Isto é confirmado porque o conceito e o acto estão muito mais
intimamente presentes e unidos ao intelecto do que o próprio objecto,
que é unido à potência mediante tal conceito. E, semelhantemente,
o conceito e o acto são ímateriais e inteligíveis em acto último, e por
essa razão o conceito é comparado à luz, pela qual o próprio objecto

276
é iluminado, como S. Tomás diz no Opúsculo 14; mas o que é
inteligível em acto último não necessita de outro conceito ou forma
inteligível para que seja conhecido. Donde a luz é conhecida pelo
olho através da sua essência, e não por meio da semelhança, o que
S. Tomás expressamente diz no C om entário às Sentenças de Pedro
Lom bardo, 2, dist. 23, q. 2, art. 1, onde distingue entre o m odo como
a luz é vista, e o m odo como a pedra é vista, dizendo que a luz não
é vista pelo olho por meio de alguma semelhança de si deixada no
olho, mas informando o olho através da sua essência; embora uma
pedra seja vista por m eio da semelhança deixada no olho. O mesmo
significa esta passagem da Suma Teológica, I, q. 56, art. 3. A mesma
coisa é também habitualmente dita de uma espécie impressa, que de
si própria já é cognoscível. Logo, a fo rtio ri, o conceito, que é espécie
expressa, está mais em acto do que uma espécie impressa.
A resposta ao argumento principal é que a potência é levada para
o objecto e para o acto pelo mesmo acto, segundo o acto é razão de
conhecer, mas não segundo é a coisa conhecida; pois deste m odo o
acto necessita d o conceito reflexivo. E é deste m odo que S. Tomás
é entendido no texto citado pelo contra-argumento: ele fala acerca
do acto de inteleccionar segundo é atingido com o razão de conhecer
o objecto directo; pois é deste modo que o acto de inteleccionar é
atingido pelo mesmo acto com que o seu objecto é atingido. E o
mesmo é verdadeiro quanto ao conceito ou palavra; pois o conceito
'e a coisa representada são inteleccionados pelo mesmo acto, segundo
a palavra é tomada como razão expressando o objecto da parte do
termo. Por este motivo, também a própria palavra é algumas vezes
dita ser conhecida como aquilo que é apreendido quando um objecto
é conhecido, isto é, porque é conhecida como estando da parte do
termo que é apreendido, e não com o estando da parte d o princípio,
ou com o aquilo por que a coisa é conhecida.
Para confirmação respondemos, a partir de S. Tomás em D e
Veritate, q. 10, art. 8, resp. obj. 4, e do Com entário à Sum a Teológica
de Caetano, I, q. 87, art. 3, que a palavra ou conceito está presente
ao nosso intelecto formalmente, mas não objectivamente; com efeito,
é uma forma inerente pela qual um objecto é conhecido, contudo
não é em si um objecto dado com aquela inteligibilidade que é
requerida pelo nosso intelecto, ou seja, inteligibilidade ao m odo de
uma essência sensível, não sendo o conceito por essa razão nem
inteligível nem inteleccionado em acto por meio de si a respeito do
nosso intelecto. Mas no caso de substâncias separadas, o conceito é
por si próprio inteligível formal e objectivamente, porque substâncias
separadas não inteleccionam apenas essências sensíveis, mas tudo o
que é puramente espiritual.

277
E para aquilo que é acrescentado acerca da luz, respondemos, a
partir de S. Tomás, em D e Veritate, q. 10, art.8, na resposta à objec-
çâo 10 da segunda série de objecções, que a luz não é vista através
da sua essência, excepto enquanto é razão de visibilidade e um tipo
de forma dando ser visível em acto. Mas a luz, segundo está no
próprio Sol, não é vista excepto pela semelhança dele no olho, tal
como a pedra é vista. Logo, quando S. Tomás diz, no liv. n, dist. 23,
q. 2, art. 1, do seu C om entário ás Sentenças de Ped ro Lom bardo, que
a luz é vista através da sua essência, o sentido da frase é que a luz
é forma de visibilidade através da sua essência, e precisamente porque
é tal forma, dando visibilidade actual à cor, não é vista por m eio de
uma semelhança distinta daquela que a própria cor que toma visível
emite. Mas da espécie impressa dizemos que é cognoscível através
de si própria com o aquilo «pelo que», mas não como aquilo «que», e
como a coisa conhecida; e deste m odo a espécie impressa necessita
do conceito reflexivo.
Argumenta-se em segundo lugar, porque as coisas espirituais, Deus
e os anjos e o que quer que não tenha essência material, não podem
ser atingidas pelo intelecto, excepto revestindo-se do m odo de um
objecto sensível, e contudo não são conhecidas por uma cognição
reflexiva. Logo, nem os nossos conceitos nem os nossos actos são
inteleccionados reflexivamente com o consequência do facto de que
são conhecidos ao m odo de um objecto sensível. Pois se fossem
conhecidos tal com o são em si, seriam conhecidos directamente pelo
mesmo m odo pelo qual os anjos os conhecem.
Isto é confirmado porque os conceitos reflexivos e directos são
formados através de espécies distintas, uma vez que uma coisa é a
espécie representando o conceito, outra a espécie representando o
objecto, assim como as próprias coisas representadas são também
diversas. Logo, não funcionam com o movimento reflexivo e directo;
com efeito, o movimento reflexivo deve necessariamente ser contínuo
com o movimento directo e ser proveniente do mesmo princípio.
Pois se movimentos distintos procedem de princípios distintos, um
não é reflexivo a respeito do outro.
A resposta a isto é que para a razão do conceito reflexivo não
basta conhecer alguma coisa à semelhança de outra, mas é necessário
que aquilo que é conhecido se tenha da parte do princípio do
conhecer. Pois deste modo é feita a regressão de um objecto para a
cognição, ou princípio da cognição. Mas quando algum objecto real
é revestido, através da construção do nosso intelecto, do m odo de
outro objecto, haverá aí uma ordem ou comparação de um com
outro, mas não uma reflexão.

278
Para confirmação, a resposta é que, seja ou não o conceito
conhecido por m eio de espécies distintas das espécies do objecto,
contudo é dito ser conhecido reflexivamente, porque tal movimento
da cognição tem a sua origem a partir do objecto, e a partir da
cognição do objecto a pessoa é movida para formar a cognição do
conceito e das espécies, pelas quais o objecto é conhecido. Donde
esta distinção dos princípios não remove o carácter reflexivo da
cognição, mas conduz ainda mais para isto, porque os próprios
princípios de conhecer ou espécies, são formados por aquele
movimento reflexivo continuado e derivado da cognição do objecto.

279
Capítulo IV

QUAL É A DISTINÇÃO ENTRE CONCEITO ULTIMADO


E NÃO ULTIMADO

O ultimado e o não ultimado são expressos, respectivamente,


com o fim e como meio. E assim, geralmente, pode ser dito conceito
ultimado qualquer conceito que é termo e fim de outro, para que um
conceito seja ordenado para outro; e assim uma operação do intelecto
é ordenada para outra, os princípios são ordenados para as conclusões,
e o raciocínio discursivo para o julgamento perfeito; e em todos
estes casos é encontrada alguma coisa na qual a cognição subsiste,
e isto é chamado ultimado; e alguma outra coisa é encontrada, através
da qual a cognição tende para tal termo, e isso é chamado meio ou
termo não ultimado.
Entre os dialécticos, que lidam com nomes e discursos significativos,
os conceitos ultimado e não ultimado são distinguidos através disto:
o conceito ultimado versa sobre as coisas significadas, enquanto o
não ultimado versa sobre as próprias expressões ou palavras
signifícantes. Com efeito, esta forma de distinguir o ultimado e o não
ultimado oferece uma maneira de distinguir entre o objecto da Lógica,
porque o dialéctico não trata das coisas elas próprias, enquanto são
coisas, à maneira de como o físico trata delas, mas dos instrumentos
pelos quais as coisas são conhecidas, os quais, na maioria das vezes,
são palavras significativas correctamente arranjadas e ordenadas.
D e tudo isto deduz-se que o ultimado e o não ultimado por si e
formalmente não são diferenças essenciais dos conceitos, porque
não se têm da parte do próprio objecto, enquanto exprime a razão

280
do cognoscível, mas têm-se antes da parte da ordem de um conceito
ou cognição para outro, e assim apenas acrescentam ao conceito
relações ou modos de ser para os objectos, não enquanto os objectos
são cognoscíveis e especificantes, mas enquanto são ordenados como
meio e termo. Mas uma diferença essencial na cognição é tomada a
partir do objecto enquanto motivo e especificativo e cognoscível;
todas as outras diferenças são modos de ser acompanhantes ou
conotações. E contudo, pressupostamente, sucede algumas vezes que
estes modos de ser acompanhantes supõem a distinção de objectos,
embora formalmente não constituam essa distinção, e é deste m odo
que o ultimado e o não ultimado, de que falamos no presente
contexto, são exercidos entre conceitos distintos, dos quais um versa
sobre a coisa significada, o outro sobre a expressão ou voz significante.
E por esta função, porque o conceito ultimado e não ultimado têm
objectos diferentes acerca dos quais versam, são conceitos distintos
pressupostamente, não formalmente e por virtude do ultimado ou
não ultimado.
E não pode ser dito que o conceito da voz significativa significa
convencionalmente o objecto do conceito ultimado, com o ensinam
alguns autores, não porque o próprio conceito não ultimado seja
imposto para significar, mas porque o seu objecto, nomeadamente a
expressão ou voz, significa a coisa convencionalmente. Mas isto é
impossível, porque o conceito é uma semelhança natural de um
•objecto, que de nenhum m odo retira do objecto uma significação
convencional, mas o próprio conceito não ultimado significa natu­
ralmente aquela significação da voz, que é convencional, com o uma
imagem daquela significação; e assim a significação convencional da
voz não é o exercício de significar o conceito, mas um objecto signi­
ficado pelo conceito.
Permanece portanto dúbio na presente questão saber se um
conceito não ultimado da vo z representa apenas a própria voz, mas
não a sua significação, ou se tal conceito representa tanto a expressão
como a sua significação.
E quase todos concordam que alguma ordem para a significação
é requerida para que um conceito seja não ultimado. Pois se a vo z
é nuamente considerada como um certo som feito por um animal, é
evidente que pertence a um conceito ultimado, porque deste m odo
é considerada enquanto é um tipo de coisa, isto é, do m odo como
a Filosofia trata aquele som.
Contudo, alguns dizem não ser necessário que a significação da
expressão seja representada num conceito não ultimado, bastando
que aquela significação seja exercida ou que seja suposto ser habi­
tualmente conhecida.

281
Mas a opin iã o mais verdadeira é a que sustenta que a p róp ria
significação deve também ser representada no conceito não ultim ado,
porque é dito ser não ultimado enquanto é concebida alguma coisa
na qual a cognição não cessa, mas que é tomada com o meio para
um termo ulterior. Mas apenas a significação da voz constitui a aquela
voz na razão do meio a respeito da coisa significada. Logo, se a
significação não é concebida, também não é concebido aquilo através
do que a expressão é constituída na razão do meio ou não ultimado.
Nem basta dizer que a significação em questão é exercida, porque
o que sucede é, antes, que a voz, enquanto representada no conceito
não ultimado, não exerce a sua significação convencional. Pois tudo
o que é exercido em tal conceito é de significação natural; logo, a
significação convencional da vo z concebida não é exercida, mas
representada, embora não seja necessário atingir a própria essência
da significação convencional e a relação de imposição, mas basta
conhecer a significação quanto ao facto de que existe. Menos ainda
basta a apercepção habitual de significação ou imposição para um
conceito não ultimado, porque a apercepção habitual só é apercepção
em acto primeiro; logo, a não ser que a apercepção surja em acto
segundo, não pode ser dita ser um conceito em acto não ultimado,
porque o conceito actual é uma representação. Logo, o conceito
actual não ultimado não pode ser denominado a partir de uma
apercepção habitual de significação.
Mas objectas: certamente o homem rústico, ouvindo esta expressão
latina «animal», cuja significação ignora, forma um conceito não
ultimado dessa enunciação, porque não passa para a coisa significada,
e contudo ignora a significação. Logo, a representação da significação
não é requerida para o conceito não ultimado.
Esta objecção é confirmada porque o conceito significa a mesma
coisa junto de todos os homens, com o diz o Filósofo no primeiro
livro do tratado D e Interpretatione, cap. t Mas as significações das
vozes não são as mesmas junto de todos os homens; logo, os conceitos
não ultimados não representam as significações das vozes, de outro
m odo não significariam a mesma coisa para todos os homens.
A resposta a isto é que o rústico ouvindo a expressão latina ou
conhece que é significativa, porque vê os homens usarem aquela
expressão no discurso embora ignore o seu significado; ou então, de
nenhum m odo está ciente de que aquela expressão é significativa.
Se ele apreende a voz do primeiro modo, forma um conceito não
ultimado, porque verdadeiramente conhece aquela palavra com o
significativa. Se apreende do segundo modo, o conceito que forma
será um conceito ultimado, porque apenas representa a expressão
ou voz enquanto é um tipo de sçm, não com o signo e m eio

282
conduzindo para outro. Mas quando percebe a significação no que
toca ao facto de existir, sem contudo conhecer para que fim essa
significação é imposta, em tal caso o conceito é chamado não ultimado,
porque embora de facto não conduza para a coisa significada como
para a coisa última em particular, contudo conduz para uma coisa
significada pelo menos em geral e de um modo confuso surgido da
deficiência do sujeito ignorante da significação.
Para confirmação dizemos que os conceitos significam a mesma
coisa para todos quando são acerca do mesmo objecto e formados
do mesmo modo; pois são semelhanças naturais. E assim todos os
conceitos não ultimados representantes de expressões ou palavras
enquanto significativas representam a mesma coisa junto de todos
aqueles entre os quais são assim formados. Mas se não são assim
formados entre todos os homens, devido ao facto de que nem
todos conhecem a significação das vozes, então não serão conceitos
da mesma coisa, e assim não significarão a mesma coisa junto de
todos.
Argumenta-se em segundo lugar: se o conceito não ultimado
representa a própria significação de uma expressão ou voz, então
segue-se que quando representa um termo equívoco, ou vários
conceitos são formados dessa expressão, ou apenas um. Se apenas
um, será dado um equívoco na mente, porque o conceito não ultimado
significa uma expressão com várias significações não subordinadas.
Se há vários conceitos formados, segue-se que não é dado na mente
um conceito de um termo equívoco, porque uma v o z nunca é
representada com várias significações, e logo, um termo equívoco
poderá ser originado pela enunciação de uma expressão vocal, porque
não se pode enunciar salvo o que é concebido pela mente; mas
nesse caso não é concebido algum termo equívoco, porque vários
conceitos são formados da expressão ou termo em questão, cada um
dos quais tem apenas uma significação, e assim será unívoco.
A resposta é que o conceito de um termo equívoco, com o por
exem plo o de cão, é apenas um conceito não ultimado, porque
representa uma expressão ou voz tendo várias significações, assim
como o conceito que representa o homem tendo vários acidentes é
apenas um conceito; nem se segue disto que exista um equívoco
nesse conceito, porque estas várias significações não estão no conceito
formalmente, mas objectivamente. Com efeito, o conceito em questão
representa um objecto que tem várias significações, nomeadamente
a expressão ou v o z em questão, mas fá-lo por uma única semelhança
natural representando uma única expressão afectada por várias
imposições. Um equívoco na mente, contudo, seguir-se-ia apenas
quando um conceito tivesse várias significações formais, as quais são

283
semelhanças naturais; pois estas não podem ser multiplicadas num
conceito. Mas que um conceito represente várias significações de
uma expressão ou signo enquanto coisa representada não apresenta
nenhum inconveniente, porqu e isto é fe ito p o r uma única
representação formal.
Mas se insistes: o conceito não ultimado do termo equívoco é
ordenado para vários conceitos ultimados, porque é ordenado para
várias coisas significadas, e não por uma única ordenação, mas por
várias, as quais pertencem à representação do conceito ultimado.
Logo, assim com o existe um equívoco, na expressão por causa de
várias significações relativas a vários significados, assim o conceito
dessa expressão deve ser chamado equívoco, devido a ter várias
relações com vários conceitos ultimados.
A resposta a isto é que o conceito não ultimado é ordenado para
vários conceitos ultimados por uma única ordenação da parte da
representação formal, mas por várias ordenações da parte do objecto
representado. Com efeito, representa por uma única significação e
representação natural uma expressão ordenada para várias coisas
significadas como resultado de várias imposições, e assim, da parte
d o seu objecto, representa as várias relações pertencendo a uma
expressão coincidindo com várias coisas e com vários conceitos
ultimados, pelo que o conceito não ultimado expressa várias relações
enquanto representadas; mas formalmente tem uma única representa­
ção daquela vo z ou expressão assim afectada por várias relações.
Finalmente, argumenta-se que um conceito não ultimado não
precisa de representar o facto de que uma expressão é significativa,
porque o mesmo conceito não ultimado da voz, pelo mero facto de
que aquela vo z é retirada da sua significação, continuará com o
conceito ultimado, porque então significará essa voz como uma coisa
na qual a cognição ultimamente subsiste. Logo, o conceito não
ultimado não é distinguido essencialmente de um conceito ultimado,
uma vez que sem nenhuma mudança intrínseca pode ser tornado
ultimado. Nem pode ser dito que, porque se representa a si, a
expressão ou v o z em questão terá a capacidade de fazer as vezes do
termo a respeito de si; pois assim qualquer coisa que se representasse
a si teria um conceito não ultimado, enquanto se representa a si
própria.
A resposta a isto é que estes conceitos não diferem essencialmente,
devido precisamente ao facto de que um é ultimado enquanto o
outro é não ultimado, como já foi mostrado, mas devido ao facto de
que eles são pressupostos serem de diversos objectos, a partir dos
quais a diferença essencial é derivada. Donde, no caso de expressões
privadas da sua significação, se o ^intelecto conhece esse facto e

284
forma o conceito da expressão como não significante, esse conceito
é já distinto do conceito não ultimado que foi previamente formado
daquela vo z como significativa, porque então será um conceito
ultimado da expressão como coisa, não como signo. Mas se o intelecto
não está ciente de que a expressão perdeu a sua significação e
mantém o conceito previamente formado daquela vo z como som
significativo, o conceito permanece não ultimado tal como antes,
embora falso, e então será mudado quanto ã falsidade, não quanto
à sua representação essencial.
E nota que as relações do ultimado e do não ultimado, embora
possam ser distinguidas em tipo como diversos modos de conceitos,
contudo não funcionam enquanto especiflcantes dos próprios
conceitos formalmente. E assim causam os próprios modos a serem
distinguidos em tipo, mas não a própria razão intrínseca dos conceitos,
excepto porque os conceitos, com outros fundamentos, têm objectos
distintos em espécie.

285
GLOSSÁRIO DOS PRINCIPAIS TERMOS UTILIZADOS
POR JOÃO DE SÃO TOMÁS

Absoluto — O que é considerado isoladamente em si, e não relacionado


com outra coisa. É aquilo que não depende de nada extiínseco a ele
próprio nas suas constituição e especificação. Opondo-se ao absoluto
estão os relativos, que constituem relações secundum esse, têm todo o
seu ser para outro e dependem dele inteiramente. Há ainda coisas que
são médias entre estas, que constituem relações secundum d ici: são as
que têm em si algo de absoluto, e contudo nas suas constituição e espe­
cificação dependem de outro que lhe é exterior para agir ou causar al­
guma coisa. É o caso da potência cognitiva a respeito dos objectos que
atinge, e que por isto tem uma ordem transcendental para aqueles.
Acidente — E o que sobrevêm a um sujeito, pertencendo-lhe como atributo,
sem modificar a sua essência. O acidente não pode subsistir por si, mas
necessita de um sujeito — substância — para ser capaz de existência.
Para Aristóteles, que será, neste ponto, retomado por S. Tomás de
Aquino, a substância é a primeira categoria ou gênero supremo, po­
dendo as restantes nove categorias, quantidade, qualidade, relação..., ser
subsumidas sob o conceito de acidente.
Acto — Só pode ser concebido em relação com o conceito de potência. Para
resolver o problema do movimento — que já fora objecto de soluções
tão radicais quanto a de Parménides, que simplesmente o negava —
Aristóteles vai defender que o movimento é consequência da passagem
de potência a acto; sendo a potência todo o manancial de possibi­
lidades contido numa substância, e o acto a actualização de uma
dessas possibilidades. Representa «a perfeição realizada pela acção e
possuída pelo agente» \ O movimento é a consequência do perpétuo

1 Celestino Pires, 1989, «Acto», in Logos, Enciclopédia Luso-Brasíleira de


Filosofia, Verbo, Lisboa, p. 63.

287
devir executado por tudo aquilo que existe em potência a fim de poder
passar a acto.
Analogia — O termo ser aplicado às criaturas tem um significado não
idêntico, mas semelhante ou proporcionalm ente coincidente com o ser
de Deus. Esta é a relação de analogia, que não é identidade, nem
diferença, mas semelhança sob uma certa proporção. É que o ser das
criaturas é separável da essência, e portanto é criado, ao passo que o ser
de Deus, sendo idêntico à essência, é necessário. É por isso que estes
dois significados de ser não são unívocos, nem equívocos; são análogos,
isto é, semelhantes mas de proporções diversas. «Só Deus é ser por
essência, as criaturas têm o ser por participação; as criaturas, enquanto
são, são semelhantes a Deus, que é o prim eiro princípio universal de
todo o ser, mas Deus não é semelhante a elas: esta relação é a analogia.
A relação analógica estende-se a todos os predicados que se atribuem ao
m esm o tem po a Deus e às criaturas; porque é evidente que na Causa
agente d evem subsistir de m od o indivisível e simples aqueles caracteres
que nos efeitos são divididos e m últiplos»2.
Anjo — Substância que é forma pura, inteligência pura, sem matéria. Um
anjo não tem com posição de matéria e forma, mas tem a de essência-
-existência. A essência de um anjo está em potência em relação à
existência, e por isso esta última requer o acto criador d e Deus. Já em
Deus a essência é a própria existência, porque Deus é por essência. Em
Deus, não há uma essência que seja potência, por isso se diz d'Ele que
é acto puro.
Apercepção — É a apreensão simples ou o acto p elo qual é form ado o
termo mental, e com preende tanto a apreensão intelectiva com o a dos
sentidos externos. N ão é tanto, com o o termo parece sugerir, o próprio
acto de o sujeito se aperceber de alguma coisa, mas sobretudo o
conteúdo dessa apercepção, a noção que é gerada ou «termo mental»,
com o João de São Tom ás tão bem explica.
Apercepção abstractiva — Trata-se da apercepção de uma coisa ausente,
sem existência física.
Apercepção intuitiva — É a apercepção de uma coisa fisicamente presente
no exterior da potência cognitiva, com portando assim existência real e
física.
Conceito directo — O conceito pelo qual se conhece algum objecto, sem
reflectir sobre o próprio acto de conhecer.
Conceito reflexivo — Trata-se d o conceito p elo qual o hom em conhece que
conhece. T em por objecto o próprio acto cognitivo da potência
cognoscente, daí ser reflexivo. Este conceito reflexivo não está,
obviamente, acessível às operações dos animais nem dos sentidos
externos.
Conceito ultimado — É o conceito da coisa significada por um termo.

2 Nicola Abbagnano, 1985, H istória da Filosofia, vol. iv, cap. xv, sobre
S. Tomás de Aquino, Editorial Presença, Lisboa, p. 36.

288
Conceito não ultimado — É o conceito pelo qual um term o é tido com o
significante, ainda que se desconheça qual o seu significado.
Conotação — Acto de apreender uma coisa não através d e um conceito
próprio, absolutamente, mas conotativamente e a respeito de outro, à
semelhança d o qual o objecto é concebido.
Denominação extrínseca — A cto p elo qual se atribui um nom e às coisas,
nom e esse que só exprim e relações com outros objectos.
Denominação intrínseca — Acto pelo qual se atribui um nom e às coisas
quando exprim e propriedades intrínsecas de um objecto.
Ente de razão — Ens ra tion is é o que depende da razão, opondo-se ao ente
real porque não tem nenhum ser nem existência fora d o intelecto, mas
só objectivamente — enquanto conhecido — reside na razão. É um tipo
de ente, embora com um caracter entitativo mínimo, porque é conhe­
cido com o se fora um ente real, mas não tem existência física nas coisas
d o mundo. T o d o o ente de razão resulta da actividade cognitiva, pois é
o próprio m od o de conhecer d o hom em que constrói apreensivamente
com o ente o que não é ente, p e lo que tod o o ente d e razão resulta da
cognição. Há dois tipos de ente de razão: negação e relação, sendo este
último que ocupa João de São Tomás. A relação é um ente d e razão,
porque é puro «ser para» e portanto não pode ser concebida absoluta­
mente (e m si), nem em outro sujeito, mas com o «em direcção a outro».
Equivoco — N om e que é comum a várias realidades distintas, opondo-se a
unívoco. Trata-se da utilização de um mesmo e único nom e para
denominar coisas inteiramente diferentes; é o caso, por exem plo, da
palavra ca n is em latim, que tanto p od e significar «cão» com o «cons­
telação».
Espécie — É a semelhança ou im agem das qualidades sensíveis d e um ser
que é imprimida nos sentidos para que o objecto possa ser percebido.
N ão há percepção nem experiência sem as espécies emitidas pelo
objecto. A etim ologia de species vem de forma, semelhança, imagem-, é
aquilo que faz as vezes d o objecto tom ando-o presente ao sujeito cog-
noscente. «Para S. Tomás e seus comentadores trata-se de ‘formas sem
matéria’, ‘semelhanças individuais sem matéria', qualidades sensíveis ou
inteligíveis...» 3.
Essência— Conjunto das determinações de um ser que fazem com qu e este
seja aquilo que é. É o que resta de um ser quando é despojado dos seus
acidentes. A essência, para S. Tomás de Aquino, não é separada, existe
no objecto e p od e ser abstraída pelo pensamento. Trata-se d o sujeito ou
substância que é substrato d e acidentes, e engloba todas as determi­
nações à falta das quais a coisa deixaria d e ser aquilo que é.
Fantasma— São as espécies ou imagens produzidas pela imaginação que
são submetidas à acção iluminadora do intelecto. C om o o fantasma é um

3 Manuel Morais, 1990, «Espécie», in Logos, Enciclopédia Luso-Brasileira de


Filosofia, Verbo, Lisboa, p. 219.

19
2 89
signo formal, não é constituído propriamente p e lo ícone mental (caso
em que seria signo instrumental), mas pela relação de substituição entre
as imagens e aquilo qu e representam.
Indução— E o acto de ascender dos singulares para os universais (in d u c tio
p e r ascensum ); e dos universais descender aos singulares (in d u c tio p e r
descensum ).
Intenção objectiva — E a própria relação d e razão que é atribuída a uma
coisa conhecida.
Intenção form al — Trata-se d o conceito pelo qual a intenção objectiva é
formada.
Meio n o qu al— E aquilo em que outra coisa é vista, assim com o, por
exem plo, quando o hom em é visto no espelho — e esse espelho é m eio
n o qu a l. Pode ainda ser material e exterior ao sujeito cognoscente, com o
no caso d o espelho; ou intrínseco à potência cognitiva, com o sucede no
caso da forma expressa ou palavra mental.
M eio pelo qu al— E a espécie através da qual o objecto é visto.
M elo sob o qu al— Trata-se das condições sob as quais alguém apreende um
objecto, assim com o a luz permite a apreensão das cores.
Operações do intelecto — São três as operações d o intelecto. A primeira é a
apreensão dos termos, sem que nada se afirme ou negue sobre eles.
A segunda é a com posição ou divisão, que forma a proposição atri­
buindo ou negando algo ao termo. A terceira é a elaboração d o discurso
ou raciocínio, quando da verdade d e uma proposição se infere outra
verdade aí não presente.
Potência — N oção introduzida por Aristóteles que surge para solucionar
o problema d o m ovim ento e da multiplicidade n o ponto — extre­
mamente com plicado — em que os eleatas o haviam deixado, negando
pura e simplesmente a sua existência ou possibilidade. Para explicar a
mudança, Aristóteles vai imaginar os seres constituídos, simultanea­
mente, d e potência e acto. O acto é a determinação, aquilo que um ser
num dado m omento é; enquanto a potência é a indeterminação
determinável, o conjunto d e possibilidades que uma coisa, por acção do
acto, p o d e vir a ser. Em João d e São Tomás, todavia, este termo é
fundamentalmente usado para se referir às potências cognitivas, e
abrange tanto os sentidos internos — o intelecto propriam ente dito —
quanto os sentidos externos — visão, olfacto, tacto, gosto...
Razão — Pode ser a faculdade d e pensar, mas, n o sentido mais comum em
que João de São Tomás utiliza o termo, é razão e causa de porque uma
coisa é tal com o é. Costuma ser, também, definida com o natureza ou
essência. Sendo ra tio aquilo p elo que a realidade é o que é, confunde-
-se com ideia, natureza, essência, mas é também princípio d e inte­
ligibilidade, logos, razão imanente, essencial e substancial das coisas.
Trata-se d o princípio imanente das coisas determinando-as na sua essên­
cia e actualidade.
Relação — Trata-se de um ente de razão que é constituído unicamente
com o ser p a ra um outro, daí ter um carácter entitativo mínimo. A relação
é a ligação entre duas ou mais coesas que recebem o nom e d e termos;

290
é portanto a referência de um sujeito a um termo. Consta d e três
elementos, um su jeito — aquilo que é referido, o qu e é form ado e
denom inado pela relação; um term o — aquilo a que o sujeito se
relaciona ou para que tende; e um fu n d a m e n to — aquilo p e lo que o
sujeito se refere ao termo, e que é razão e causa de on de as relações
obtêm existência.
Relação categorial ou predicamental — E a relação em qu e o fundamento se
distingue d o sujeito relacionado e o termo se distingue do sujeito. Na
relação categorial, sujeito, termo e fundamento são reais e realmente
existentes. Além disso, os relacionados, sujeito e termo, têm de
pertencer à mesma ordem.
Relação de razão — E a relação lógica que se dá em virtude das operações
mentais d e um sujeito que relaciona idéias ou conceitos. As relações de
razão pertencem às coisas segundo o ser objectivo, e são apenas
afecções mentais pelas quais as coisas são comparadas umas com as
outras.
Relação real — É a relação que se dá nas coisas, independentem ente da
operação mental que pode, ou não, apreendê-las. E o caso da relação
de paternidade, que existe, ou não, independentem ente d e ser conhe­
cida.
Relação segundo o ser ou ontológica — Integram relações secundum d ic i
aquelas coisas cuja totalidade d o seu ser se orienta para outro, com o é
o caso d o signo; e com preendem tanto as relações reais co m o d e razão,
com fundamento real ou sem ele. A sua essência é referir-se, ser
referência a outro.
Relação transcendental ou segundo o ser dito — E aquela na qual o sujeito
da relação se identifica com o fundamento. Na relação secundum d ic i o
relacionado é uma coisa absoluta conhecida por com paração cpm outro.
A o contrário da relação secundum esse, aqui temos uma ordem para
outro derivada de um sujeito absoluto. A totalidade d o ser da relação
transcendental não é «ser para outro», mas mantém em si algo de
relativamente independente... Com o tal, têm um ser absoluto e não são
totalmente para outro.
Segunda intenção — Trata-se da afecção qu e pertence à coisa segundo o
m od o com o é conhecida; enquanto a que pertence às coisas tal com o
são em si constitui as primeiras intenções. As segundas intenções, que
são relações de razão, constituem propriamente o objecto da Lógica,
porque a tarefa da disciplina é ordenar as coisas enquanto existem na
apreensão. A distinção entre primeiras e segundas intenções baseia-se
na distinção entre os dois estados sob os quais a matéria p o d e ser
considerada: tal com o é em si, quer na existência quer na essência; ou
tal com o é na apreensão. Este último estado é segundo relativamente ao
ser em si, que é primeiro, pois ser conhecido é posterior ao ser em si
d o objecto.
Semelhança — E a espécie de um ser que é produzida ou emitida p elo
objecto e imprimida nos sentidos do sujeito, a fim d e que este possa
conhecer essa realidade que lhe é exterior.

291
Signo — A lg o que representa ao intelecto uma coisa diferente d ele próprio,
sem que constitua, necessariamente, uma realidade material e física, pois
só assim a definição de signo abrange tanto o formal com o o instru­
mental. O signo comporta tanto uma relação com outro, ao qual
representa, co m o dependência desse outro — o seu objecto — pois é
sem pre mais im perfeito do que aquilo que representa e manifesta ao
sujeito cognoscente. O signo relaciona-se assim com o objecto com o seu
substituto e subordinado, e a representação é tanto mais perfeita quanto
mais próxim o este estiver d o objecto significado, com o qual tem, ne­
cessariamente, alguma conexão ou proporção.
Signo consuetudlnário — Representa, a partir do uso, por um costume
amiudadamente repetido, mas sem «imposição da autoridade pública»
para significar.
Signo convencional— Considera a relação d o signo co m o seu objecto, e
qu e a capacidade de tal signo representar algo distinto d e si se d eve a
uma im posição convencional ou acordo estabelecido entre os homens,
com o é o caso das palavras.
Signo form al— O signo formal determina-se pela relação d o signo à
potência cognoscente. É a apercepção que representa algo a partir d e si
própria, e não mediante outro, com o é o caso dos conceitos.
Signo instrum ental— Classifica-se a partir da relação d o signo com a
potência. O signo instrumental representa algo a partir d e uma cognição
pré-existente d e si. Funciona com o instrumento para conhecer a cois$
que significa, assim com o o vestígio do lobo, se d ele já tivermos uma
imagem, significa o animal que o produziu.
Substância — Trata-se do substrato dos acidentes de um ser. A substância
«está sob os acidentes, é fonte d e acção, revela aquilo que a coisa é [...]
é aquilo que é em si e não noutro; é o que subsiste em si [...] aquilo d e
qu e em prim eiro lugar e principalmente se diz que é, porque é, no
plano ontológico, sujeito d e todas as determinações; porque é natureza,
isto é, centro d e actividade, e essência, isto é, o qu e determina o ser a
ser aquilo que é» .
Termo — É o último elem ento que forma a proposição e oração simples.
Trata-se d o signo convencionalm ente significativo a partir d o qual se
elabora a proposição, e com preende tanto o termo mental, quanto o
pronunciado ou escrito.

4 Celestino Pires, 1992, «Substância», in Logos— Enciclopédia Luso-Brasileira


de Filosofia, Verbo, Lisboa, p. 1330. •

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