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Era uma vez uma família temente a Deus e às forças da parte Dele. Eles
viviam no campo, cuidavam de uma humilde casa de repousos para viajantes,
de um pequeno campo de pasto e de uma horta simplória. Eram em três: pai,
mãe e filho. José, Maria e João. Uma pequena família cristã. Uma família
comum da região de Toledo.
_ Pode ser besteira, pode ser preocupação sobre as carroças, pode ser
o clima, a viagem ou pode ser o jeito dele mesmo. Não vejo por que incomodá-
lo. Respondeu o velho.
_ Mas ele ainda não comeu ou bebeu e nem tirou o casaco! Sussurrou
com certo nervosismo a mulher para o homem.
_ Certo! Mulher supersticiosa! Vou lá, mas não vejo porque esse medo
todo... Replicou o velho homem, já se dirigindo ao estranho senhor encostado
na porta.
O homem alto tocou seu chapéu e entrou. Sorriu. Um sorriso que não
alcançava os negros olhos. E disse:
_ Não! Que tipo de gente seria eu! Deixando alguém no relento neste
tempo! Entre e beba! Coma! Nossos preços são pequenos! Há ha! Respondeu
o estalajadeiro.
_ Se assim for o melhor, agradeço. Uma noite dessas não acaba sem
um desastre. Completou Cícero antes de se sentar perto do fogo. Sua
presença era forte. O som parecia mais abafado em comparação a sua voz.
_ Sua família é muito grande? Por um acaso és cigano? Aqui não tenho
problemas com sua gente ou qualquer gente, contanto que não sejam mouros!
Esses não! Mas pela sua aparência não és mouro não... então? Deve ser
cigano, por certo. A família é grande?
_ Busque nosso filho! Algo aconteceu! Treze aqui estavam, mas um não
chegou e agora somos em doze! Velho! Meu filho! Busque ele que algo
aconteceu a meu menino! Implorou tremendo a pálida mulher. Branca de medo
e terror _ Vá meu velho! Vá ainda no escuro! Que Deus nos ajude e nos livre
de todo mal!
O homem nem pensou duas vezes, correu até seus hospedes e pediu
auxílio para achar seu filho. A hospedagem seria gratuita, a bebida e comida
também. O preço seria achar seu filho.
O rapaz foi achado, caído, meio torrado, meio afogado. Vivo, mas muito
além do que era ou poderia voltar a ser. Um raio o acertou na subida da colina.
A chuva o cobriu pela noite toda e sua saúde era um caos de febre e de dor.
Aquela Maria não parava de chorar. Seu rosto afundou de luto por um
vivo. A Alegria sumiu igual aos vegetais e o dinheiro. A fome era novo nome a
esta pobre senhora. Fome de comida, fome de vida na casa, fome de seu filho
brincando e ajudando seu marido, fome de seu lar de antes da tormenta.
Era uma noite fria, com pouca comida. Uma sombra de mulher, pálida e
envelhecida. Um Tolo e bobo jovem, seco e torto. Um desesperado homem,
carcaça e horror.
As folhas cobrem tudo lá fora e a poeira dentro. A lua vai alto, fria em
uma noite de névoa. Brilha, some, sombreia, brilha, ensombrecida. As sombras
ganhando vida. Uma noite tão sombria quanto os pensamentos daquela casa.
_ Meu Amor! Que faremos! Nem o padre quer nos ver! Exclama a
mulher.
_ Mulher não sei! Não sei. NÃO SEI! Deus está escondendo-se de
nossas preces! Não sou eu que perdi a fé! Ele não me ouve! Grita o farrapo de
Zé. _ Aquele homem! Aquele! Ele fez algo contra nós! É praga! MALDIÇÃO!
Uma maldição... Estamos malditos para Deus?
_sim... sim, mulher. Sei disso, não dá pra continuar assim. Vou ter que
vender nosso rebanho. Se não metade, talvez todo. Vou dar um jeito.
Concordou o pesaroso homem. _ Mas acho que ninguém em Toledo vai querer
nada de nós. Lamentou-se.
_ Venda aos ciganos, aos judeus, venda a qualquer um. Venda fora da
cidade. Diz a mulher como sugestão. _ Não podemos ficar assim e temos
amigos entre todos. Eles devem nos ajudar.
_Cícero, Que o Diabo te carregue! Alma Sombria dos Infernos! Que farei
agora...
Acordou e ainda era noite. Cícero não saia de sua cabeça. Um nome.
Uma pessoal. Um diabo em forma de gente.
Foi até o guarda dos portões e perguntou sobre este estranho homem,
se era da cidade. O guarda negou.
Durante o dia, não vendeu nada. Sua despedida era sempre uma
pergunta:
Na noite seguinte ele sonhou. Um sonho que não era sonho. Mas tinha
que ser. Ele viu uma encruzilhada e Cícero no meio dela. Ele ria. Um riso
rouco, de escárnio e satisfação macabra.
_ Quê que eu tenho que fazer?! Cícero! Tire de minha família esta
maldição! Quê que queres?! O Quê eu ainda tenho pra você tirar?! Chora e
grita o velho homem.
_ O que quero?! Não QUERO nada. Quem quer algo és TU! Pois se
Queres um acordo, faça o festim para meu Anfitrião. Diz Cícero com uma
expressão de asco e desdém. E complementa com voz de trovão:
A meia noite
Uma fornalha
Na encruza
Pedras e madeira
Sete toras
Sete tochas
E o Ferro do Salvador
Em pedras Salgada
Na alvorada
A ferro Marcada.
O anfitrião
O primeiro
A primeira carne
A primeira boca
A primeira sabedoria.
A ferro Marcada
Sua carne
Sua Alma
Seu sacrifício.”
Sua alma tinha sido vendida? Era apenas corpo o que ainda existia?
Capítulo 3 – A vara em brasa
Voltou a Toledo. Aquela estrada ele não andaria nunca mais. Tentou
vender novamente seus animais. Nada. Maldita Sorte! Maldito homem! Maldita
tarefa! Maldito tormento.
Este pobre José, Alma atormentada. Meio viva, meio morta. Sonâmbulo.
Direcionou-se a igreja de Toledo. Pedia apoio a Deus. Seu sofrimento tinha que
acabar. A Tarefa corroia sua mente. Nem a missa conseguiu escutar.
_ Sim, sim. Farei isso, padre. Até prepararei um ferrete. Com a cruz, pra
todos saberem que aquelas são ovelhas do Senhor e da igreja. Diz o Cristão,
com um sorriso louco escondido para os outros, contudo exposto para a
imagem do Cordeiro de Deus.
_OH NÃO! Que eu fiz?! Isto é um sacrilégio! Perdoa-me Pai! Era preciso!
Era preciso! Que o Senhor tenha piedade de mim! Que tenha piedade de quem
comer deste pecado! Disse cabisbaixo para o céu o homem.