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br Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● NEUROANATOMIA

NEUROANATOMIA 2016
Arlindo Ugulino Netto.

ANATOMIA MACROSCÓPICA DA MEDULA ESPINHAL E SEUS ENVOLTÓRIOS

Etimologicamente, o termo medula significa “miolo”, indicando “o


que está dentro”. Da mesma forma, temos a medula óssea dentro dos
ossos; medula suprarrenal, dentro da glândula do mesmo nome; e medula
espinhal dentro do canal vertebral, canal formado entre o corpo e a lâmina
das vértebras quando uma está posta sobre a outra. A medula espinhal,
juntamente ao encéfalo (conjunto do telencéfalo, diencéfalo, tronco
encefálico e cerebelo), forma o sistema nervoso central ou neuroeixo.
A medula espinhal é uma massa cilíndrica de tecido nervoso e que
está situada dentro do canal vertebral sem, entretanto, ocupá-lo
completamente. No homem adulto, ela mede aproximadamente 45
centímetros, sendo um pouco menor na mulher.
Cranialmente, a medula limita-se com o bulbo, aproximadamente
em nível do forame magno do osso occipital. O limite caudal da medula tem
uma grande importância clínica e, no adulto, situa-se ao geralmente ao
nível da 2ª vértebra lombar (L2). Nesse nível, a medula termina afunilando-
se para formar um cone, o cone medular, que continua com um delgado
filamento meníngeo, o filamento terminal. Depois desse cone medular, há
apenas nervos espinhais de grande comprimento formando a cauda
equina.
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OBS : O limite superior da medula pode ser encontrado a partir do primeiro filamento radicular do primeiro nervo cervical (C1): acima
desse filamento, tem-se o bulbo e abaixo, medula espinhal.

Embriologicamente, a medula é formada a partir da porção mais caudal do tubo neural, porção esta que não sofre as
dilatações que formam as vesículas prosencefálicas, primórdios do encéfalo. O tubo neural pode não se fechar completamente no
desenvolvimento fetal (geralmente, por carência de ácido fólico durante a gestação) e, uma vez que a ultima porção a se fechar é a de
baixo, gera o quadro conhecido como mielomeningocele, que discutiremos mais adiante.

FORMA E ESTRUTURA GERAL DA MEDULA


A medula apresenta forma aproximadamente cilíndrica, sendo ligeiramente achatada no
sentido ântero-posterior. Seu calibre não é uniforme, pois apresenta duas dilatações
denominadas intumescência cervical e intumescência lombar, situadas em nível cervical e
lombar, respectivamente. Essas intumescências correspondem às áreas em que as raízes
nervosas que formam os plexos braquial e lombossacral, destinadas a inervação dos membros
superiores e inferiores, fazem conexão com a medula. A formação dessas intumescências se
deve à maior quantidade de neurônios e, portanto, de fibras nervosas que entram ou saem destas
áreas e que são necessárias para a inervação dos membros superiores e inferiores.
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OBS : Esta interpretação encontra apoio da anatomia comparada: o estudo dos canais vertebrais
de dinossauros mostrou que estes animais, dotados de membros anteriores diminutos e membros
posteriores gigantescos, praticamente não possuíam intumescência cervical, enquanto a
intumescência lombar competia com o tamanho do próprio encéfalo. Já um animal gigantesco
como a baleia, mas com massas musculares igualmente distribuídas ao longo do corpo, possui
medula larga, mas sem dilatações locais.

A superfície da medula apresenta os seguintes sulcos longitudinais: sulco mediano


posterior, fissura mediana anterior, sulco lateral anterior e sulco lateral posterior. Na medula
cervical existe ainda o sulco intermédio posterior, localizado entre o sulco mediano posterior e o
lateral posterior e que continua em um septo intermédio posterior no interior do funículo posterior
(porção posterior da medula). Nos sulcos lateral anterior e lateral posterior fazem conexão,
respectivamente, as raízes ventrais e dorsais dos nervos espinhais.

MORFOLOGIA MEDULAR EM SECÇÃO TRANSVERSAL


Na medula, a substância cinzenta localiza-se por dentro da branca e apresenta a forma de uma borboleta (mais semelhante
com as da família Papilionidae) ou de um H. Nela, distinguimos de cada lado três colunas que aparecem nos cortes como cornos e
que são as colunas anterior, posterior e lateral (esta existente apenas na medula torácica e parte da alta da medula lombar, por
estar relacionada com inervação visceral simpática).

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A substância branca é formada por fibras, a maioria mielinizada, que sobem e descem na medula e que podem ser
agrupadas de cada lado em três funículos ou cordões medulares:
 Funículo anterior: situado entre a fissura mediana anterior e o sulco lateral anterior.
 Funículo lateral: situado entre os sulcos lateral anterior e lateral posterior.
 Funículo posterior: situado entre o sulco lateral posterior e o sulco mediano posterior, este ultimo ligado à substância cinzenta
pelo septo mediano posterior. Apenas na parte cervical da medula, o funículo posterior é dividido pelo sulco intermédio
posterior em dois fascículos: o fascículo grácil e fascículo cuneiforme, regiões por onde passarão tratos de mesmo nome
que carregam estímulos nervosos (relacionados à propriocepção consciente, tato discriminativo ou epicrítico, sensibilidade
vibratória e estereognosia) a núcleos no bulbo (núcleos grácil e cuneiforme) e destes, ao tálamo, onde serão interpretados.

CONEXÕES COM OS NERVOS ESPINHAIS (SEGMENTOS MEDULARES)


Nos sulcos lateral anterior e lateral posterior,
existem as conexões de pequenos filamentos
radiculares, que se unem para formar,
respectivamente, as raízes ventral e dorsal dos
nervos espinhais. As duas, por sua vez, se unem para
formar os nervos espinhais propriamente ditos. É a
partir dessa conexão com os nervos espinhais que a
medula é dividida em segmentos. Portanto, esses
nervos são importantes por conectar o SNC à periferia
do corpo.
Os nervos espinhais são assim chamados por
se relacionarem com a medula espinhal, estabelecendo
uma ponte de conexão SNC-SNP.
Existem 31 pares de nervos espinhais aos
quais correspondem 31 segmentos medulares assim
distribuídos: 8 cervicais (existem oito nervos cervicais,
mas apenas sete vértebras, pois o primeiro par cervical
se origina entre a 1ª vértebra cervical e o osso occipital),
12 torácicos, 5 lombares, 5 sacrais e 1 coccígeo.
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OBS : Na realidade, são 33 pares de Nn. Espinhais se
forem considerados os dois pares de nervos coccígeos
vestigiais, justapostos ao filamento terminal da medula.

A medula de um adulto tem aproximadamente 45 cm de comprimento. Sabe-se que, pela topografia vertebromedular, a
medula não ocupa toda a extensão do canal vertebral, sendo explicada pelo desenvolvimento embrionário das vértebras em relação à
medula. Até o 4º mês de vida embrionária, o crescimento medular se faz concomitantemente com o crescimento vertebral. Porém, ao
avançar dos meses, pode-se perceber que o crescimento das vértebras é mais avançado do que a medula, explicando o porquê dela
não ocupar toda a extensão do canal vertebral. Anatomicamente, sabe-se que os nervos espinhais são formados entre os forames
intervertebrais das vértebras. Como consequência deste crescimento desproporcional entre medula e vértebra, ocorre a formação da
cauda equina, em que filamentos nervosos formados em segmentos mais caudais da medula descem para alcançar os seus
respectivos forames intervertebrais e, assim, formar os nervos espinhais baixos.
A formação da cauda equina se dá no momento em que as últimas grossas raízes dos nervos espinhais lombossacrais são
arrastadas pelo rápido desenvolvimento longitudinal das vértebras e da coluna como um todo. Devido aos diferentes comprimentos do
canal vertebral e da medula, os únicos segmentos medulares que são adjacentes aos respectivos corpos vertebrais são os da região
cervical. Abaixo desse nível, as vértebras deixam da manter uma relação exata com seus respectivos segmentos medulares e suas
raízes nervosas espinhais, que seguem cursos descendentes, progressivamente oblíquo, até atingir seus respectivos forames
intervertebrais. Este fato é mais acentuado na porção caudal da medula (na qual há a formação da cauda equina). Exemplificando tal
desproporção: uma fratura na vértebra T12 poderia levar a um comprometimento da medula lombar, e não de segmentos torácicos,
como era de se imaginar.
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Devido a esta discrepância entre vértebra e segmento medular, devemos tomar nota da seguinte regra: entre os níveis das
vértebras C2 e T10, adiciona-se 2 ao número do processo espinhoso da vértebra e tem-se o segmento medular subjacente (assim, o
processo espinhoso da vértebra C2 está sobre o segmento medular C4 e o da vértebra T10 está sobre T12). Os processos
espinhosos de T11 e T12 correspondem aos cinco segmentos lombares, e o processo espinhoso de L1 corresponde aos cinco
segmentos sacrais. Desta forma, em resumo, temos:
 Processo espinhoso de C2 a T10 – Segmentos C4 a T12
 Processos espinhosos de T11 e T12 – Segmentos L1 a L5
 Processo espinhoso de L1 – Segmentos S1 a S5
 Vértebras L2 a L5 – Cauda equina.

Cortes transversais de determinadas regiões da medula


apresentarão características diferentes. Ao nível cervical, a
substância branca circundante da cinzenta é mais escura, além do
fato de que o corno anterior e posterior da substância cinzenta é bem
mais proeminente que em outras regiões (exceto a lombar), devido
ao fato da presença do plexo braquial. O mesmo vale para a região
lombar, em que os cornos anterior e posterior são mais robustos,
mas a substância branca aparece em menor quantidade do que em
níveis mais altos. Na coluna torácica, além do afinamento do corno
posterior e corno anterior, há o aparecimento marcante do corno
lateral (relacionado com o sistema nervoso autônomo simpático:
inervação de vísceras torácicas e abdominais).
Além disso, nota-se um aumento gradativo da substância
branca medular com relação à cinzenta na medida em que
observamos cortes cada vez mais altos da medula. Isso acontece
devido à maior presença de fibras brancas na porção mais alta da
medula.
Considerando que, no primeiro segmento cervical, por exemplo, todas as fibras nervosas que vão para o encéfalo ou que
descem para seus órgãos-alvo, justifica o fato de haver mais substância branca do que cinzenta em tal corte. De modo contrário, em
cortes lombares mais baixos, observamos mais substância cinzenta do que branca, uma vez que quase todas as fibras descendentes
já tomaram seu rumo e as fibras ascendentes ainda nem entraram na medula.

ENVOLTÓRIOS DA MEDULA
Assim como todo o SNC, a medula é envolvida por membranas fibrosas conhecidas como meninges. Sendo três, os
envoltórios da medula, de fora para dentro, são: dura-máter (que corresponde à paquimeninge, sendo ela a mais espessa e a mais
externa), aracnoide e pia-máter (essas duas últimas denominadas, em conjunto, de leptomeninge).
A dura-máter tem uma rigidez característica devido à espessura que lhe é
conferida pela abundância de fibras colágenas encontradas quando realizada cortes
histológicos. Uma particularidade da paquimeninge é que esta termina em nível de
S2, de modo que envolve a medula espinhal como se fosse um dedo na luva, o que
leva à formação do chamado saco dural.
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OBS : Os prolongamentos laterais da própria dura-máter formam o epineuro dos
nervos espinhais.

A aracnoide-máter se dispõe entre a dura-máter e a pia-máter. Compreende


um folheto justaposto à dura-máter e um emaranhado de trabéculas, as trabéculas
aracnóideas, que une este folheto à pia-máter. Já a pia-máter é a meninge mais
delicada e mais interna. Ela adere intimamente ao tecido nervoso da superfície da
membrana e penetra na fissura mediana anterior. Quando a medula termina no cone
medular, a pia-máter continua caudalmente, formando um filamento esbranquiçado
denominado filamento terminal, que perfura o fundo do saco dural e continua até o
hiato sacral. Ao atravessar o saco dural, o filamento terminal recebe vários
prolongamentos da dura-máter e o conjunto passa a ser denominado filamento
terminal da dura-máter espinhal. Este, ao inserir-se no periósteo da superfície
dorsal do cóccix, constitui o ligamento coccígeo.
Da pia-máter surgem processos triangulares que, em conjunto, formam duas pregas longitudinais denominadas ligamentos
denticulados, que se dispõem bilateralmente em um plano frontal ao longo de toda a medula. Desta forma, o ligamento coccígeo e os
ligamentos denticulados constituem os meios de fixação da medula, que têm a finalidade de limitar o deslocamento dessa estrutura no
seu repouso subaracnóideo.
Com relação às meninges que envolvem a medula, existem três cavidades ou espaços: epidural (ou extradural, entre a dura-
máter e o periósteo do canal vertebral), subdural (espaço praticamente virtual entre a dura-máter e a aracnoide, onde corre uma
pequena quantidade de líquor) e subaracnóideo (espaço maior entre a aracnoide e a pia-máter, onde escorre uma quantidade
razoavelmente grande de líquido cérebro-espinhal ou líquor). Este último espaço está comunicado com o 4º ventrículo (no tronco
encefálico) por meio da abertura mediana e de duas aberturas laterais do 4º ventrículo.
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OBS : A exploração clínica do espaço subaracnóideo em nível da medula é facilitada por certas particularidades anatômicas da dura-
máter e da aracnóide na região lombar da coluna vertebral. Sabe-se que o saco dural e a aracnóide que o acompanha termina em S2,

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enquanto a medula termina mais acima, em L2. Entre estes dois níveis, o espaço subaracnóideo é maior, contém maior quantidade de
líquor e nele se encontram apenas o filamento terminal e as raízes que formam a cauda equina. Não havendo perigo de lesão da
medula, esta área é ideal para a introdução de uma agulha no espaço subaracnóideo, o que é feito nas seguintes finalidades:
 Retirada de líquor para fins terapêuticos ou diagnósticos de punções lombares (ou raquidianas)
 Medida da pressão do líquor
 Introdução de substâncias que aumentam o contraste das radiografias, como ar, hélio e sais de iodo
 Introdução de anestésicos nas chamadas anestesias raquidianas
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OBS : A introdução de anestésicos no espaço meníngeo da medula de modo a bloquear as raízes nervosas que os atravessam
constitui um procedimento de rotina na pratica medica, especialmente em cirurgias das extremidades inferiores, da cavidade pélvica e
em algumas cirurgias abdominais.
 Anestesias raquidianas: o anestésico é introduzido no espaço subaracnóideo por meio de uma agulha que penetra no
espaço entre as vértebras L2-L3, L3-L4 ou L4-L5. No seu trajeto, a agulha perfura sucessivamente a pele e a tela celular
subcutânea, o ligamento interespinhal, o ligamento amarelo (primeira resistência), a dura-máter e a aracnóide (segunda
resistência). Certifica-se de que a agulha realmente atingiu o espaço subaracnóideo pela presença de líquor que goteja de
sua extremidade. É comum o paciente relatar dores de cabeça (cefaléia) no pós-operatório com raquianestesia. Esta é
explicada pelo fato de que, ao perfurar a dura-máter, cria-se um canal de saída que leva a formação de um gradiente de
pressão, que por sua vez leva à saída do líquor (mesmo que seja em mínima quantidade). Isto desencadeia a dor de cabeça
no momento em que o líquor puxa junto de si estruturas superiores a favor da gravidade, no momento em que tende a sair
pelo canal de acesso da anestesia. O paciente relata o desaparecimento da dor quando se deita, diminuindo o efeito da
gravidade sobre as estruturas cranianas.
 Anestesias epidurais (ou peridurais): são feitas geralmente na região lombar, introduzindo-se o anestésico no espaço
epidural, onde ele se difunde e atinge os forames intervertebrais, pelos quais passam as raízes dos nervos espinhais.
Certifica-se de que a ponta da agulha atingiu o espaço epidural quando se observa uma súbita baixa de resistência,
indicando que ela acabou de perfurar o ligamento amarelo.

CORRELAÇÕES CLÍNICAS

Mielomeningocele: é uma das lesões congênitas mais comuns da


medula espinhal. É causada pelo fechamento incompleto do canal
vertebral. Quando isso acontece, o tecido nervoso é induzido a sair por
este orifício, formando uma protuberância mole, na qual a medula
espinhal fica sem proteção (espinha bífida). Embora possa ocorrer em
qualquer nível da coluna vertebral, é mais comum na região
lombossacral. A exposição da medula espinhal causada pela espinha
bífida resulta em deficiências neurológicas, com distúrbios sensitivos e
ortopédicos (malformações ósseas), geralmente nos membros inferiores.
A falta de controle das funções intestinal e urinária e a hidrocefalia estão
presentes em 80% dos casos de mielomeningocele.
A criança com mielomeningocele pode apresentar graus variáveis de paralisia e ausência de sensibilidade abaixo do nível da
lesão medular, com preservação da parte superior do abdome, tórax e membros superiores. Torna-se importante a
assistência precoce em reabilitação para prevenção das deformidades ortopédicas: pé torto, deslocamento do quadril,
diminuição das amplitudes articulares, deformidades no tronco (cifoscoliose), etc.
O tratamento da hidrocefalia é uma emergência neurocirúrgica e inclui a monitorização das cavidades cerebrais (ventrículos)
através de ultrassom, tomografia ou ressonância magnética e a derivação ventricular. Uma das condutas iniciais para um
recém-nascido com mielomeningocele é o fechamento cirúrgico da lesão com pele. A avaliação da hidrocefalia é uma
emergência na assistência ao recém-nascido.

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