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Sumário

Coordenador Nacional da Rede UNIDA Comissão Executiva Editorial


Alcindo Antônio Ferla Janaina Matheus Collar 1. VIVÊNCIAS NO TERRITÓRIO VIVO: PISTAS PARA SUPERAR A MODELIZAÇÃO NA
João Beccon de Almeida Neto FORMAÇÃO MÉDICA
Coordenação Editorial Alexandre Sobral Loureiro Amorim, Alessandra Wladyka Charney, Vanderléia Laodete Pulga...............7
Alcindo Antônio Ferla Arte gráfica - Capa
Natália Grey
Conselho Editorial
Adriane Pires Batiston - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Diagramação
2. AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA: A OUVIDORIA ATIVA COMO ESTRATÉGIA DE
Brasil Luciane de Almeida Collar FORTALECIMENTO DO CUIDADO E DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Alcindo Antônio Ferla - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Hêider Aurélio Pinto, Andréia Burille, Mirceli Goulart Barbosa, Alcindo Antônio Ferla..........................15
Àngel Martínez-Hernáez - Universitat Rovira i Virgili, Espanha Revisão e tradução língua inglesa
Angelo Steffani - Universidade de Bolonha, Itália Shirley Silva Costa
Ardigó Martino - Universidade de Bolonha, Itália 3. ‘NEM DO BEM, NEM DO MAL’: INFÂNCIA, MORAL E SOCIALIZAÇÃO
Berta Paz Lorido - Universitat de les Illes Balears, Espanha Grafia atualizada segundo o
Celia Beatriz Iriart - Universidade do Novo México, Estados Unidos da Anaclan Pereira Lopes da Silva...............................................................................................................27
Acordo Ortográfico da Língua
América Portuguesa de 1990, que entrou
Dora Lucia Leidens Correa de Oliveira - Universidade Federal do Rio em vigor no Brasil em 2009.
Grande do Sul, Brasil 4. PERCEPÇÃO DE ESTRESSE DE SERVIDORES NA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE DE
Emerson Elias Merhy - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil DOURADOS-MS
Izabella Barison Matos - Universidade Federal da Fronteira Sul, Brasil Copyright © 2015 by Associação
João Henrique Lara do Amaral - Universidade Federal de Minas Gerais, Brasileira da Rede UNIDA Marcelo Gonçalves da Silva, Bruna Paes de Barros................................................................................35
Brasil
Julio César Schweickardt - Fundação Oswaldo Cruz/Amazonas, Brasil
Laura Camargo Macruz Feuerwerker - Universidade de São Paulo, Brasil Revista Saúde em Redes 5. EDUCAÇÃO PERMANENTE E O CUIDADO EM SAÚDE: ENSAIO SOBRE O TRABALHO
Laura Serrant-Green - University of Wolverhampton, Inglaterra ISSN: 2446-4813 COMO PRODUÇÃO INVENTIVA
Leonardo Federico - Universidade de Lanus, Argentina DOI: http://dx.doi.
Lisiane Böer Possa - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Janaina Matheus Collar, João Beccon de Almeida Neto, Alcindo Antônio Ferla.....................................53
org/10.18310/2446-
Liliana Santos - Universidade Federal da Bahia, Brasil 4813.2015v1n4
Mara Lisiane dos Santos - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
Brasil 6. O BACHAREL EM SAÚDE COLETIVA E O MUNDO DO TRABALHO: UMA ANÁLISE
Márcia Regina Cardoso Torres - Secretaria Municipal de Saúde do Rio de SOBRE EDITAIS PARA CONCURSOS PÚBLICOS NO ÂMBITO DO SISTEMA ÚNICO DE
Janeiro, Brasil SAÚDE
Marco Akerman - Universidade de São Paulo, Brasil
Diego Menger Cezar, Ivan Gonçalves Ricalde, Liliana Santos, Cristianne Maria Famer Rocha...............65
Maria Luiza Jaeger - Associação Brasileira da Rede UNIDA, Brasil
Maria Rocineide Ferreira da Silva - Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Ricardo Burg Ceccim - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Rossana Staevie Baduy - Universidade Estadual de Londrina, Brasil 7. PORQUE ELAS NÃO USAM?: UM ESTUDO SOBRE A NÃO ADESÃO DAS ADOLESCEN-
Sueli Goi Barrios - Ministério da Saúde - Secretaria Municipal de TES AO PRESERVATIVO E SUAS REPERCUSSÕES
Saúde de Santa Maria/RS, Brasil Maria Regina Bernardo da Silva, Leandro Andrade da Silva, Halene Cristina Armada Maturana, Raquel
Túlio Batista Franco - Universidade Federal Fluminense, Brasil Bernardo da Silva Enfermeira, Márcia Esequiel dos Santos, Valdise Figueredo Filho............................75
Vanderléia Laodete Pulga - Universidade Federal da Fronteira Sul, Brasil
Vera Lucia Kodjaoglanian - Fundação Oswaldo Cruz/Pantanal, Brasil
Vera Rocha - Associação Brasileira da Rede UNIDA, Brasil 8. CONHECIMENTOS E PRÁTICAS DE TRABALHADORES DA CONSTRUÇÃO CIVIL SOBRE
PRÁTICAS DE PROMOÇÃO DA SAÚDE E ATENÇÃO À SAÚDE
Fabiana Martins Sales de Melo, Fábia Alexandra Pottes Alves, Theresa Pricilla Calado de Barros Gon-
çalves, Maria Ilk Nunes de Albuquerque, Maria Wanderleya de Lavor Coriolano-Marinus...................85
Todos os direitos desta edição reservados à Associação Brasileira Rede UNIDA
Rua São Manoel, nº 498 - CEP 90620-110, Porto Alegre – RS Fone: (51) 3391-1252
www.redeunida.org.br

Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 03 3


Editorial

DOI: http://dx.doi.org/10.18310/2446-4813.2015v1n4p05-06

Este número da Revista Saúde lugares do mundo, o desastre ambiental na


em Redes comemora o primeiro ano cidade de Mariana/MG, violências de toda
dessa publicação, abordando temas que ordem, epidemias. Muitos acontecimentos
conectam o trabalho e a educação na marcaram os últimos meses criando terreno
saúde. Nos doze meses de circulação, a fértil para criticas xenofóbicas e discursos
revista manteve a periodicidade, constituiu- de violência e exclusão. Discursos violentos
se ponto de referência para o envio e a e também iniciativas concretas de morte
consulta de artigos, ampliou sua base de e extermínio. Diante dessa situação, não é
indexação (atualmente com Diadorim, possível reagir com imobilidade. Tomados
Latindex e DOAJ) e o reconhecimento pelo temário do nosso 12º Congresso
científico. Trabalho intenso e feito em rede, Internacional da Rede UNIDA, “Diferença
com muitos colaboradores e apoiadores, a sim, desigualdade não: pluralidade na
quem é preciso agradecer o empenho e o invenção da vida”, tivemos um ano também
compromisso com o compartilhamento do mobilizado pelos Encontros Regionais, que
conhecimento. buscaram fortalecer a visibilidade sobre
O esforço da Rede UNIDA no situações de violência e exclusão. Também
compartilhamento de conhecimentos não identificar experiências de inclusão e
se esgota na Revista, envolvendo também fortalecimento de direitos e da cidadania por
eventos e outras publicações pela Editora meio de políticas públicas de valorização da
Rede UNIDA. A Editora lançou 15 livros no vida, em partícula na educação e na saúde.
ano de 2015, perfazendo um total de 43 Essa é uma ação política relevante para a
publicações desde sua fundação, em agosto Rede UNIDA, já que o reconhecimento de
de 2013. Com a política de publicações iniciativas exitosas não apenas fortalece
abertas, temos tido um enorme volume a diversidade como também afirma a
de acessos aos livros nas diferentes séries importância das políticas que as sustentam.
já lançadas. A diversidade de temáticas e Em relação à produção editorial da
abordagens, que é a aposta editorial da Rede, com a aproximação do 12ª Congresso,
Rede, demonstra a importância da escuta que será realizado em Campo Grande/
às diferentes experiências, que acontecem MS nos dias 21 a 24 de março próximo,
na academia, nos serviços, no cotidiano da além de uma vasta programação, estamos
vida. Temos um desafio de tornar visíveis preparando mais lançamentos pela Editora
as iniciativas e os saberes que organizam Rede UNIDA. As inscrições estão abertas
redes de atenção formais e informais, no site (http://www.redeUNIDA.org.br/
contribuindo assim com a vitalização de congresso2016/congresso).
valores democráticos nas relações, na Para o próximo ano, seguimos
aprendizagem, na condução de políticas. apostando na circulação de experiências e
Muito trabalho num ano bastante vivências diversas, plurais, em prosa e verso.
agitado. Mudanças no cenário político, Também na democratização do acesso às
crises econômicas internacionais, grande políticas públicas, na mudança da formação
fluxo de imigrantes fugindo de seu território dos trabalhadores da saúde, na expansão da
de origem em busca de um local seguro educação permanente, na qualificação do
e que ofereça condições para uma vida acesso e da atenção oferecida nos serviços.
digna, atentados terroristas em diversos Se o ano que se encerra foi marcado por

Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 05-06 5


Editorial Artigo de Original
situações de dificuldade e de violência, pensamos que a mobilização das nossas redes pode não DOI: http://dx.doi.org/10.18310/2446-4813.2015v1n4p07-13
apenas torna-las visíveis, mas de constituir viabilidade para práticas de superação da exclusão
e também da cultura de desvalorização de algumas vidas. A formação dos profissionais de
saúde tem grande potência para o desenvolvimento do trabalho, para a defesa do SUS e para VIVÊNCIAS NO TERRITÓRIO VIVO: PISTAS PARA
a produção de culturas de paz e cidadania.
Por hora, desejamos uma excelente leitura dos artigos que compõem este número da SUPERAR A MODELIZAÇÃO NA FORMAÇÃO
nossa Revista Saúde em Redes!
MÉDICA
Alcindo Antônio Ferla
Editor-Chefe

Janaina Matheus Collar LIFE EXPERIENCE IN THE LIVE TERRITORY: CLUES TO OVERCOME
João Beccon de Almeida Neto MODELING IN MEDICAL TRAINING
Editores-Executivos

Alexandre Sobral Loureiro Resumo


Amorim
Doutorando em Educação (PPGEdu/ Os processos formativos em cursos de medicina
UFRGS) / Mestre em Saúde precisam abrir-se (ou ser rasgados) tornando-se
Coletiva (PPGCol/UFRGS). Tutor possibilidade para que os coletivos de aprendentes
do Programa Mais Médicos para o e ensinantes inseridos em seus meandros possam
Brasil e Professor de Saúde Coletiva inventar outras formas de ensinar e aprender
- Universidade Federal da Fronteira para consequentemente reinventar a forma
Sul (Curso de Medicina / Campus como produzem cuidado em saúde. Para tanto as
Passo Fundo). vivências em território (territórios vivos em suas
Email: amorim.alexandre@yahoo. intensidades) - entendidas como transformação de
com.br si, a partir da experiência - apresentam-se como um
potente dispositivo de produção de subjetividades,
Alessandra Wladyka Charney estratégico para reinvenção dos processos
Mestranda em Saúde Coletiva formativos na educação médica.
(PPGCol/UFRGS). Tutora do
Programa Mais Médicos -
Universidade Federal da Fronteira Palavras-chave: Saúde Coletiva; Educação em
Sul. Saúde; Educação Médica.
Email: charney.alessandra@yahoo.
com.br
Abstract
Vanderléia Laodete Pulga
Doutora em Educação (PPGEdu/
The formative processes in medical schools need
UFRGS). Professora de Saúde
to open up themselves (or be torn apart) making
Coletiva - Universidade Federal da
it possibilities for the collective of learners and
Fronteira Sul (Curso de Medicina /
Instructors inserted into its intricacies can invent
Campus Passo Fundo).
other ways of teaching and learning, consequently
Email: vanderleia.pulga@gmail.com
to reinvent the way produce health care. For

6 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 05-06 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 7 - 13 7


Artigo de Original Artigo de Original
both experiences in the territory (living setores sociedade. Tenta-se aqui neste texto podendo levá-los “a expandir a qualidade de que olha”4:84 vai distinguindo não uma, mas
territories in their intensities) - understood então, também um convite-provocação aos sua momentânea realidade, a sua relação inúmeras configurações possíveis. Uma vez
as transformation itself from experience - leitores-atores dos processos formativos com o viver, com o acaso e com o outro, que a imprevisibilidade é incorporada, a
present themselves as a potent subjectivity em saúde. Empurrões para atuar na sua fazendo de sua existência uma experiência significação das leis da natureza ganha um
production device, for strategic reinvention própria recriação, na transformação de seu mais formativa e transformativa.”3:111 novo sentido elas exprimem possibilidades.
of formative processes in medical education. cotidiano, na desnaturalização do instituído. Imaginemos então um imenso jogo Não só as peças podem ser encaixadas
Convites à vivenciar experiências como de quebra-cabeça desmontado sobre em várias posições, fazendo uma quantidade
projetos/trajetos formativos, posto que a uma mesa. Na frente, na mesma mesa, infinita de combinações e sentidos
Keywords: Public Health; Health “experiência é mais vidente que evidente, dispõe-se a caixa do jogo, com o modelo possíveis, como várias peças sempre
Education; Medical Education. criadora que reprodutora.”1:26-27 a ser seguido para montá-lo. Você começa sobram podendo simplesmente não ser
Precisamos cada vez mais nos ater seguindo o modelo e avança na montagem encaixadas, ou ainda você usa todas as suas
a formação de coletivos agenciadores exemplarmente. No entanto, num dado peças podendo optar por um assimétrico
da diferença, tecelões de alteridade momento, você se inquieta. Será que seria quebra-cabeça, com lacunas que não serão
Escapar e pensar, só para começar…
e mobilizadores de afetos já que da mesma forma se por um acaso você não preenchidas. “Múltiplas possibilidades que
compartilhamos a percepção de que de estivesse seguindo as dicas do modelo? fazem aparecer as escolhas múltiplas e os
dentro do processo educativo formal – a Naquele momento então você decide horizontes de previsibilidade ilimitada.”5:12
Lançamos neste texto algumas
formação-formatação – escapam fluxos desafiar-se: deixa por alguns instantes de Faz-se desta forma uma aposta: assume-
percepções sobre a formação médica,
de desejo e nestes reside a potência observar o modelo, para dotar a brincadeira se riscos nos processos pedagógicos da
tal qual a ponta de uma linha solta que
transformadora. A aposta das instituições, de um maior grau de desafio e testar-se. incerteza, da experiência vivencial com suas
pegamos para o arremate de uma longa
de docentes (e discentes) em processos O mais interessante é que você recompensas e seus perigos inerentes, pois
espiral. Sem saber se nossos dedos tocam
de transição do eixo sala de aula/corredor, começa a perceber que na medida em que do que vê e ouve - vivencia - “o escritor
o final ou o começo da mesma. Esperamos
quando o processo educativo atira o passam os minutos e que você está imerso regressa sempre com os olhos vermelhos,
que com esta produção textual seja possível
estudante para fora das instituições, cria em seu desafio, sem olhar o modelo, o com os tímpanos perfurados.”6:14
constituir uma tentativa de fornecer pistas
espaços de potencial transformação. O jogo – agora bem mais difícil – começa a Sendo confrontado com um espaço-
para atores implicados com processos
que pode ser feito destes espaços, destas transfigurar-se lentamente. Enquanto isso, tempo “que se insinua para além de seu
educativos, principalmente aqueles que
brechas? Pensemos então por meio de a caixa, ali parada, fornecedora da forma- corpo e que o convida a uma experiência
acontecem nos territórios do cuidado em
todos estes escapes… do-como-fazer, lhe convida a todo instante complexa e fragmentária – não exatamente
saúde - territórios vivos.i1Não pistas de
a olhá-la, examiná-la, seguí-la. Você não ‘positiva’, já que abandona qualquer
caminhos traçados - receitas do já feito -
quer, mas sente que o modelo praticamente percurso linear ascendente” sempre
mas pistas-pensamento para trilhar novos
Escolhas pedagógicas: saber-modelo lhe verbaliza um convite para voltar a seguí- existirão possibilidades insondáveis,
caminhares: relatos vivosii,2intuídos a partir
ou apreensão do imprevisível? lo. Você segue seu caminho, mas percebe “conseqüências imprevisíveis”7:34 e por
de nossas caminhadas.
que através do canto de seu olho, mira o isso falham os modelos formativos
Nossa sociedade vive hoje – talvez
modelo. Isto sem dúvida coloca-o imerso instituídos previamente em suas tentativas
mais do que em qualquer outra época –
Modelos são gerados a todo instante numa profunda reflexão. Será preciso de assegurar a estabilidade do conjunto
um processo ampliado de modelização
pela ciência e esta constitui a base da escolher como seguir com sua jornada. Será instituição-ensinante-aprendente.
em série. Seguimos reproduzindo lógicas
formação escolar moderna, não sendo preciso escolher, ali e naquele momento. Afinal “se o experimento é repetível,
educacionais e de poder. Na medicina isto
diferente nos processos formativos na saúde. Dá-se então o momento inusitado da a experiência é irrepetível, sempre há algo
é ainda mais evidente, mas podemos sem
Propomos pois, um pequeno deslocamento grande decisão: Você decide abandonar como a primeira vez. Se o experimento é
muito esforço perceber isto em em vários
para apoiar o pensamento sobre as relações definitivamente o modelo, jogando-o fora. predizível e previsível, a experiência tem
i1
Escolhemos diferenciar o conceito de território, entre constantes movimentos de liberdade/ Mais ainda: Você não o substitui. Escolhe sempre uma dimensão de incerteza que não
criando o território vivo, considerando que neste
captura que atravessam a formação médica, aventurar-se pela descoberta profunda pode ser reduzida”8:28 e deste modo torna-se
último existem acontecimentos onde pode se daquele jogo. impossível prever os resultados individuais
identificar intensos transbordamentos de vida. cenário por onde, de um modo ou de outro,
Espaço-tempo onde a vida resiste e se afirma a transitamos. Pensamos ser possível criar Quanto mais distante temporalmente de uma ação pedagógica, podendo
despeito de quaisquer obstáculos. alguns fluxos de pensamento que para os do dito modelo – sabendo sempre que apenas tentar antecipar seus possíveis
ii2
“À diferença da informação, o relato não se preocupa
aprendentes e ensinantes de medicina ele repousa, a espreita na gaveta de resultados coletivos, neste caso a partir de
em transmitir o puro em si do acontecimento, ele o algum móvel de sua sala – você começa a experiências avaliativas inusitadas e que
incorpora na própria vida daquele que conta, para constituam-se como o apelo de uma
comunicá-lo como sua própria experiência aquele oferta, “arma ativa contra a domesticação”, perceber que o seu olhar “sobre o olhar sejam igualmente abertas ao desconhecido.
que escuta.”2:53

8 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 7 - 13 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 7 - 13 9


Artigo de Original Artigo de Original
Pensando a desmodelização da professor-sobre-aluno; médico-sobre- com outridades e onde os pontos de partida transformativo: “viver, estar vivo, não é
formação médica equipe-de-saúde; equipe-de-saúde-sobre- se produzem nesta interface - pode tornar os permanecer o mesmo, mas sim saber
usuários) nos processos formativos da estudantes mais sensíveis para os problemas atualizar-se sempre numa relação direta
saúde. de saúde da população e mais capazes para com as coisas em torno – sendo a experiência
As atividades formativas do curso Entendemos que apresentam- lidar com os paradoxos cotidianos em sua vivencial um importante dispositivo neste
médico na Atenção Primária em Saúde se impostergáveis os movimentos para prática clínica. Vivenciar o território vivo processo.”7:29
(APS), Atenção Básica e/ou Estratégia de implantar mudanças mais radicais no em sua intensidade: construção pedagógica Algumas iniciativas educacionais nas
Saúde da Família inicialmente realizadas nas ensino médico (especialmente por parte da de si a partir da própria experiência, “uma universidades (principalmente em projetos
Unidades Básicas de Saúde (UBS) propunham Saúde Coletiva enquanto campo do saber vez que a experiência vivencial jamais pode de extensão e em algumas experiências
aos estudantes o acompanhamento de por suas contribuições nas mudanças em reduzir-se à pragmática operacional.”7:29 de gestão estudantil) vêm sendo
consultas e atividades procedimentais como processos instituídos nos estudos da saúde) orientadas pelas vivências no território
expectadores. Hoje, já vemos em algumas com o intuito de produzir possibilidades vivo descobrindo, aos poucos e enquanto
instituições formadoras os estudantes transformadoras dos processos formativos, Vivência: apre(e)nder como caminham, os caminhos metodológicos
participarem da programação de atividades das práticas pedagógicas e de saúde e para de sua aplicação no contexto institucional
produção de si
e assumirem a responsabilidade de algumas a organização dos serviços, exercitando da formação acadêmica dos profissionais
práticas coletivas de educação em saúde ou o tecer de redes de cuidado em saúde e de saúde. Desta forma, os estudantes dos
até mesmo de práticas corporais, seguindo de afirmação da vida no sistema Único de cursos de saúde insatisfeitos com as práticas
A palavra vivência pode ser
uma complexidade diferenciada conforme saúde (SUS), em suas várias esferas de clínicas mercantilizadas e desejosos de uma
encontrada no dicionário como o “fato de
seus semestres no curso, imbricadas em gestão, em composição com as instituições atuação mais significativa tem a possibilidade
ter vida; existência; experiência de vida;
um grande projeto de reforma curricular formadoras e com as comunidades, abrindo de vivenciar uma outra possibilidade clínica,
o que se viveu; modo de viver”10, nos
nacional. “espaço para uma autonomia aberta, onde em geral mais comprometida com as
dando a partir destes significados vários
Em sua maioria estas estratégias o jogo formal se completa na medida em intensidades de vida das pessoas.
sentidos interessantes para pensar como
utilizam, ainda a lógica do campo de que estabelece relações produtivas com o Concordamos que esta atitude reflexiva
a experiência pode aqui ser colocada.
prática: a idéia-modelo de que haveria entorno”7:30-31, expandindo e extrapolando e crítica diante da vida, a compreensão
O primeiro sentido a resgatar é o de
a transformação de um estudante os olhares, as escutas, os olfatos, os das singularidades dos sentimentos
experiência de vidaiv,4o que se viveu, já que
(desmodelizado) em médico (modelizado), paladares, as sensações e as percepções dos humanos, a sensibilidade com a sutileza das
as experiências realizadas nos processos
praticando - de maneira mais ou menos profissionais formados. manifestações das dinâmicas subjetivas, o
formativos em território inscrevem-se
envolvida, mas sempre calculadamente Para produção de mudanças engajamento com os movimentos sociais
num espaço-tempo que constituem-se em
determinada - ações objetivas. Remonta-se desta ordem precisamos de propostas etc. não podem ser ensinados maciçamente
um conjunto de cenários de experiências
assim nos cenários formativos da atenção metodológicas moventes (não-sedentárias), de modo disciplinar. É possível no entanto,
vividas, inscritas num determinado
básica a lógica desta da formação que se dá arranjos de pensamento que nos permitam criar situações pedagógicas orientadas pelas
quantum de realidade, que deixam marcas,
(historicamente) no ambiente hospitalar. desnaturalizar o mundo, composição de vivências em comunidade, possibilitando
transformando inexoravelmente quem
Várias destas mudanças realizadas entendimentos-não-capturados-a-priori uma aprendizagem significativa
as vive. Assim, a vivência “indica uma
nos currículos das escolas médicas então, que transformam-se “enquanto momento transformadora capaz de romper com a
modalidade de relacionamento com o
acabam por reforçar a centralidade do sujeito se perceber em rede, amarrado a clínica in vitro, protocolar, rotinizada e
mundo (…) que surge com a marca de uma
procedimental do hospital (e suas grave processos que se estendem e se rizomatizam com práticas de educação em saúde de
ampliação e expansão sensorial”7:28 numa
consequências no plano relacional destes a partir de um lado de fora, sem repousar tendências modelizadoras.
dobra entre o sentir e o viver.
futuros profissionais) sendo insuficientes, em qualquer interiorização tranqüila.”7:36 Nesta proposta de oferta de vivências
Sua perspectiva já aponta para
já que não desterritorializamiii3o estudante Destarte, tensionar uma transição, para serem vivenciadas aos estudantes (seja
outros modos de fruição possíveis, a partir
e consequentemente emprestam pouca partindo de uma estratégia pedagógica nas comunidades ou serviços de saúde)
de metamorfoses em seu significado
potência, no sentido de fazer repensar – e modelizada - de transmissão e memorização desenvolve-se um processo de aproximações
inicial. Afinal, a própria expressão, em seu
principalmente reconfigurar – as linhas de de informações, centrado no professor, com e encontros inusitados num espaço-
sentido amplo de relação com o campo da
poderes vigentes (hospital-sobre-território; a lógica de aquisição de conhecimentos tempo extra-muros que pode fazer surgir a
vida e da existência, acentua seu aspecto
onde os pontos de partida são os conteúdos chance de substituir a tutela de processos
Conceito criado por Gilles Deleuze e Félix Guattari9.
iii3
- para um novo fazer pedagógico - produzido Como nos traz Basbaum7:28: “Seu equivalente em
iv4
totalitários - e totalizantes - pela tutoria (ou
Eles nos explicam que não há território sem um vetor língua inglesa poderia ser ‘life-experience’ –, procura
na construção do conhecimento a partir demarcar um território em que o relacionamento facilitação): acompanhamento transversal
de saída do território, e não há saída do território, ou
seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um da experimentação da realidade e seu com o trabalho (…) ultrapassa o jogo formal rumo a do estudante, que reconhece nos lugares, a
esforço para se reterritorializar em outra parte. estranhamento, centrado nos encontros outro modo de envolvimento perceptivo.”

10 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 7 - 13 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 7 - 13 11


Artigo de Original Artigo de Original
todo o momento, sua fluidez e a grandeza No caso da medicina, típica carreira atores envolvidos, contribuindo na invenção prática se transversalizam mutuamente.
de seus ínfimosv,5atirando o estudante a liberal, com maior seletividade no de uma cuidado em saúde de caráter mais É ética e politicamente urgente a
estranhar e estranhar-se, condições estas vestibular, maior demanda universitária e emancipatório e democrático, no qual pode tarefa de superar os protocolos formativos
despertadas “pela experiência interior alto status social, a atribuição de qualidade se dar a construção compartilhada dos cristalizados, modelos persistentes para
que através de algum tipo de interação e, pedagógica está costumeiramente conhecimentos, das práticas de cuidado e a formação médica. Desconstruir a
também, por uma decisão interior, modifica ligada a capacidade organizada para a da organização política necessários à sua modelização enquanto prática pedagógica.
profundamente seu instante vivido.”3:100 reprodução do conhecimento e deste efetivação. Ensinar é dar pistas de caminhos de
Partindo destas vivências, acreditamos modo tem maiores resistências (docentes Este entendimento permite a tentativa busca de informações, fazer apostas em
que nos cabe disputar uma outra concepção e discentes) a inovações, sendo o grau da de produção de espaços institucionais onde pensamentos diferentes e sensações
de cuidado. Trabalham-se assim as lógicas recusa diretamente proporcional ao grau possam existir autoprodução a autonomia desconhecidas. É necessário permitir a
docentes e discentes de maneira plástica, de mudança no previamente instituído. dos estudantes, que crescendo como criação de caminhos próprios - inusitados
partindo da idéia de que não existe um A aprendizagem geralmente é feita atores sociais e fortalecem as instituições - de aprendizado sabendo que estes,
certo e um errado mas sim vários pontos de pela memorização e dissocia teoria de formadoras. De seus exercícios teóricos, quando transformadores e produtores
mirada singulares, que permitem diferentes prática. O ensino é valorizado enquanto passam a carregar consigo a expectativa de si (produtores de subjetividade),
interpretações sobre as situações, reconhecimento do saber do professor, do pensar/inventar outras vivências, de transbordarão a instituição e os limites
dependentes principalmente das vivências cuja imagem depende do seu êxito como maneira mais autônoma também em instituídos num movimento circular sem
as quais cada um foi ou está vivendo. Não profissional liberal, pelo que é estimulada seu exercício profissional permitindo a fim: criação-vivência-experiência-criação.
há verdade, há verdades: produção de a relação de dependência e admiração do existência de territórios vivos onde teoria e
“cadeias de mediação”, não somente entre aluno. Ainda que exista uma constante crítica
as coisas e as sensações, mas, sobretudo, de vários profissionais em relação ao pouco
entre as próprias sensações: “constrói-se tempo e ao pouco contato que os estudantes
um caminho em que o ‘processo’ de sentir tem com a equipe multiprofissional esta
Referências
é sensorializado – sensação de sensação, possibilidade só se coloca disponível de fato
sensação de conceito”7:37 e assim convida o (quando institucionalmente possível) nas
estudante a protagonizar seu aprendizado disciplinas de Saúde Coletiva. Mesmo com . Lopes D. A Delicadeza: estética, experiência e paisagem. Brasília: UnB; 2007.
1

e a transformação de mundos como uma as transformações curriculares em curso, . Guattari F. Três ecologias. Campinas: Papirus; 2004.
2

estratégia-dispositivo de educação e não se atingiu ainda, em nossa opinião,


mudança. o cerne da questão: a desconstrução das
3
. Silveira MB. O Presente: uma vivência extracotidiana estruturada na fronteira porosa das
estruturas de poder. artes visuais com as artes cênicas. R. Científica / FAP Curitiba. 2012 jan-jun; 9:98-114.
Neste sentido propomos que as 4
. Prigogine I. Arquiteto das ‘estruturas dissipativas’. In: Pessis-Pasternak G. Do caos a inteligência
Mais algumas considerações vivências nos territórios vivos podem, artificial: quando os cientistas se interrogam. São Paulo: UNIFESP; 1993.
enquanto processo pedagógico de contato-
e-estranhamento, potencializar a formação . Prigogine I. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: Unesp; 1996.
5

Compartilhando da crítica de vários médica singularizada já que lançando


aprendentes e ensinantes de maneira . Deleuze G. Crítica e clínica. São Paulo: Ed. 34; 1997.
6

autores de que a formação médica e seus


processos, deve ser “uma atividade que desejante – inventando, experimentando . Basbaum R. V.C.P. - vivência crítica participante. ARS (São Paulo). 2008; 6(11):26-38.
7

se faz com as verdades da inteligência e vivenciando – às experiências com as


comunidades com as quais trabalham,
8
. Bondía JL. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras. Educ. 2002 jan-abr;
e não com as verdades do pensamento
aumentam suas chances de construir 19:20-28.
racional explicativo”11:86 percebemos que
as transformações curriculares muitas propostas próprias e desterritorializadas - 9
. Deleuze G, Guattari F. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.5. Rio de Janeiro: Ed. 34;
vezes ainda seguem lógicas de organização montáveis-desmontáveis - de experienciar
1997.
fragmentadas (e fragmentadoras dos os territórios e os encontros.
sujeitos) não necessariamente aproximando Um aprendizado dessa natureza 10
. Ferreira ABH. Dicionário da língua portuguesa.Curitiba: Positivo; 2010. 5.ed.
os estudantes de medicina do ideal colocado requer interação de saberes e práticas da
academia, dos profissionais de saúde, da . Ferla AA. Participação da população: do controle sobre os recursos a uma produção estética
11
nas diretrizes curriculares ao final de suas da clínica e da gestão em saúde. Physis: Rev. Saúde Coletiva. 2004; 14(1):85-108.
graduações. gestão e da comunidade, ampliando os
espaços de interação social, cultural e de 12
. Barros M. Poesia completa. São Paulo: LeYa; 2013.
Intensamente afetados pela poética de Manoel de
v5
negociação de direitos entre os diversos
Barros12 em nossas vivências.

12 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 7 - 13 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 7 - 13 13


Artigo Original
DOI: http://dx.doi.org/10.18310/2446-4813.2015v1n4p15-26

AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA: A OUVIDORIA


ATIVA COMO ESTRATÉGIA DE FORTALECIMENTO DO
CUIDADO E DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL

EVALUATION OF PRIMARY CARE: A CALL ACTIVE AS STRENGTHENING


CARE STRATEGY AND THE SOCIAL PARTICIPATION

Hêider Aurélio Pinto Alcindo Antônio Ferla


Mestre em Saúde Coletiva pelo Médico, Doutor em Saúde Coletiva, Professor do
Programa de Pós-Graduação em Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
Saúde Coletiva da UFRGS. Secretário da UFRGS, Coordenador Nacional da Rede Unida
de Gestão do Trabalho e da e Coordenador da Rede Governo Colaborativo em
Educação na Saúde do Ministério da Saúde (UFRGS).
Saúde. E-mail: ferlaalcindo@gmail.com
E-mail: heider.aurelio.pinto@gmail.
com
Resumo
Andréia Burille
Professora da Universidade do vale
do Rio dos Sinos. Doutorando em Objetivo: Refletir sobre os dados divulgados
Enfermagem na UFRGS. pelo “Relatório de Pesquisa de Satisfação com
E-mail: andreiaburille@yahoo.com. cidadãos usuários e não usuários do Sistema Único
br de Saúde (SUS)”, elencados pelo dispositivo de
Ouvidoria Ativa em Saúde. Métodos: Apresenta-
Mirceli Goulart Barbosa se uma análise crítica-reflexiva a partir de dados
secundários, apresentados em 3 eixos: 1) quem
Mestre em Saúde Coletiva pelo são os usuários do SUS; 2) Atenção Básica (AB)-
Programa de Pós-Graduação referência do cuidado; 3) Satisfação com o SUS.
em Saúde Coletiva da UFRGS; Resultados: Dentre os 26.692 usuários ouvidos pela
Especialista em Residência pesquisa, 70% mencionaram a utilização do SUS,
Integrada em Saúde pelo Grupo em contrapartida a 30% que não utilizaram estes
Hospitalar Conceição; Educadora serviços. Em relação ao perfil dos entrevistados,
física e nutricionista, coordenadora evidencia-se no grupo que utilizou nos últimos
técnica do PMAQ/Rede Governo 12 meses o serviço de AB ou de urgência do SUS
Colaborativo em Saúde (UFRGS). que 77% das pessoas entrevistadas não possuem
E-mail: mirceligoulart@yahoo.com. plano de saúde. Dentre os entrevistados que
br responderam ter utilizado algum serviço do SUS,

Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 15 - 26 15


Artigo Original Artigo Original
85% deles haviam sido atendidos nas service, 85% of them had been met in the em prol da reorganização da Atenção Básica contexto, as avaliações na perspectiva do
Unidades Básicas de Saúde (UBS). Dentre Basic Health Units (BHU). Among those who (AB). Por contemplar um conjunto de ações usuário, estavam vinculadas aos conselhos
aqueles que buscaram algum serviço do sought some UHS service, 36% attributed que vão desde a promoção de práticas de saúde, que em diferentes esferas de
SUS, 36% atribuíram o conceito de muito the concept of good or very good, 34% fair, saudáveis até tratamentos e medidas gestão, representavam um loccus, nos quais
bom ou bom, 34% de regular, seguido de followed by 29% who considered it as bad de reabilitação, esse modelo de atenção diferentes atores poderiam expressar suas
29% que consideraram como ruim ou muito or very bad. In the group of respondents apresenta potencial significativo no cuidar inquietações e posicionamentos.
ruim. No grupo composto por entrevistados who have not accessed any service UHS de indivíduos, famílias e comunidades, Esses espaços, nos quais os usuários
que não acessaram nenhum serviço do in the last 12 months, the percentages sendo alvo de múltiplas estratégias, entre assumem protagonismo no “fazer saúde”
SUS nos últimos 12 meses os percentuais were 25% with very good or good rating , elas, a Portaria 2.488 de 21 de outubro têm se mostrado importantes vetores
ficaram em 25% com avaliação muito boa 30% as fair and 45% as poor or very poor. de 2011, que define a AB como porta de para melhoria do acesso e da qualidade
ou boa, 30% como regular e 45% como ruim Conclusions: The outlook elucidated shows entrada e ordenadora do acesso universal e de atenção. Nesse sentido, várias apostas
ou muito ruim. Conclusões: O panorama significant progress in relation to UHS, igualitário aos serviços da Rede de Atenção vêm sendo realizadas nas Ouvidorias
elucidado mostra avanços significativos and in particular, corresponding to the PC. à Saúde (RAS).2 em Saúde, que representam dispositivos
em relação ao SUS, e em especial, ao que It should be noted the power of Active O reconhecimento das potencialidades capazes de viabilizar a participação dos
corresponde à AB. Cabe destacar a potência Ombudsman to strengthen the UHS and e a oferta de mecanismos que possibilitem usuários. Todavia, há que se destacar que
da Ouvidoria Ativa no fortalecimento do SUS in the operationalization of the principles, melhor gestão do cuidado no âmbito não basta cria apenas canais de acesso para
e na operacionalização dos seus princípios, guidelines and services. da AB apresentam-se como estratégias manifestações, é preciso uma ouvidoria
diretrizes e serviços. factíveis e robustas, que ganham contornos ativa, pela qual se produz estratégias de
especiais quando contemplam práticas escuta do usuário através da busca ativa de
Keyword: patient advocacy; primary avaliativas na perspectiva de usuários. O informações.5
Palavras-chave: ouvidoria dos pacientes; health care; Unified Health System. acompanhamento dessas experiências vem O movimento de ouvidoria ativa,
atenção básica à saúde; Sistema Único de se dando por meio de taxas de cobertura além de viabilizar a consolidação do
Saúde. e indicadores epidemiológicos, que se princípio da participação social, consegue
Introdução mostram insuficientes para perceber os apreender como os usuários experienciam,
movimentos de mudança na qualidade de representam ou constroem imaginários
Abstract atenção, principalmente no que se refere ao sobre os serviços de saúde no nível micro e
A reorganização da atenção em saúde, processo de trabalho das equipes, na relação no macro, sobre o SUS. Assim, considerando
alicerçada nos princípios da universalidade, com a população adstrita e a integralidade o cenário aqui elucidado, esse manuscrito
Objectives: Reflect on the data released by integralidade, equidade, intersetorialidade, da atenção à saúde.1 propõe-se a refletir sobre os dados
the “Satisfaction Survey Report with citizens humanização e controle social, constitui Corriqueiramente, observa-se nas divulgados pelo “Relatório de Pesquisa de
users and non users of the Unified Health um desafio cotidiano para todos os atores práticas avaliativas a não centralidade no Satisfação com Cidadãos Usuários e não
System (UHS)”, listed by the Ombudsman que militam no Campo da Saúde Coletiva.1 usuário a partir do que ele pensa e vive, Usuários do SUS”, elencados pelo dispositivo
Active device in Health. Methods: It presents Justificam-se esses esforços, na medida mas a partir de como esse serviço o vê. de Ouvidoria Ativa em Saúde.
a critical - reflexive analysis based on em que, a complexidade de apreender a Está presente a lógica do serviço, que leva
secondary data, presented in three areas: 1 diversidade de condições e situações que em conta indicadores de desempenho, sem
) who are the users of UHS ; 2 ) Primary Care permeiam o adoecer e o ser saudável, considerar as dimensões subjetivas, o que Metodologia
(PC ) - Reference care ; 3) Satisfaction with tornam a tarefa de ofertar modelos de por sua vez dificilmente irão dar conta da
the UHS. Results: Among the 26 692 users cuidados efetivos, uma ação constante e complexidade da vida cotidiana e das suas
polled by the survey, 70 % mentioned the necessária para a consolidação do acesso repercussões na saúde.3 Apresenta-se uma análise crítica-
use of UHS, in contrast to 30% who did not e da qualidade a saúde para todos os Os estudos relacionados à satisfação reflexiva de dados referentes à AB publicadoi1
use these services. Regarding the profile of brasileiros. dos usuários iniciaram na década de no “Relatório de Pesquisa de Satisfação com
respondents, is evident in the group that Na trajetória do Sistema Único de 1970, influenciados pelo paradigma do Cidadãos Usuários e não Usuários do SUS
used the past 12 months the PC service or Saúde (SUS), diversas propostas têm sido consumismo e pela cultura da qualidade quanto aos aspectos de acesso e qualidade
UHS urgency that 77 % of respondents have implementadas, em especial, no âmbito em países como Inglaterra e Estados percebida na atenção a saúdeii”,2realizada
no health insurance. Among the respondents municipal, no qual a partir da metade da Unidos.4 No Brasil, essa inspiração surgiu na
década de 90, devido ao fortalecimento da 1Dados Secundários.
i

who reported having used some of the UHS década de 90, vem se mobilizando esforços 2Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/
ii
participação social no âmbito do SUS. Nesse arquivos/pdf/relatorio_da_pesquisa_de_satisfacao.

16 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 15 - 26 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 15 - 26 17


Artigo Original Artigo Original

pelo Departamento de Ouvidoria Geral do discutir e avaliar o acesso e a qualidade da Tabela 1- Diferenças entre os grupos entrevistados
SUS6, com 26.662 participantes, distribuídos qualidade da AB em diferentes contextos,
em todo território nacional, nos períodos de sendo aprovado no Comitê de Ética em Utilizaram o Não utilizaram o
junho a julho de 2011 e novembro de 2011 Pesquisa da Universidade Federal do Rio SUS SUS
a janeiro de 2012. Grande do Sul, sob protocolo nº 21904.
Os dados supracitados foram gerados Não têm Plano de Saúde 77% 49%
por meio de contato telefônico assistido Sexo Feminino 67% 55%
por computador, a partir de bases de dados Declaram-se Brancos 41% 45%
Resultados
fornecidas por empresas de telefonia. Declaram-se Negros 12% 11%
Após serem informados sobre o objetivo
da pesquisa e o órgão executor, 18.673 Declaram-se Pardos 43% 40%
Eixo 1- Quem são os usuários do SUS? Têm Nível Médio de Escolaridade Completo 43% 44%
usuários que mencionaram que utilizaram
o SUS nos últimos 12 meses antes da Num primeiro momento, antes de Têm Nível Superior de Escolaridade Completo 10% 19%
entrevista, responderam um questionário problematizar e traçar o perfil dos usuários Renda familiar maior que 2 salários mínimos entre os
de 41 perguntas divididas em quatro partes: do SUS é importante destacar que entre 30% 47%
que declararam
atenção básica; atenção odontológica; os 26.692 ouvidos pela pesquisa, 70%
urgência e emergência; perfil. Para quem (18.673) mencionaram a utilização do Renda familiar maior que 10 salários mínimos entre os
1,3% 4,7%
não possuía histórico de utilização do SUS SUS, em contrapartida a 30% (7.989) que que declararam
no período citado (7.989 usuários), além do não utilizaram os serviços em busca de Fonte: Relatório de Pesquisa de Satisfação com Cidadãos Usuários e não Usuários do SUS quanto aos aspectos
de acesso e qualidade percebida na atenção a saúde-Departamento de Ouvidoria Geral do SUS (DOGES, 2012).
perfil, os demais questionamentos visaram consultas, exames, vacinação, atendimento
identificar a opinião quanto ao SUS e acesso de urgência, internação ou medicamentos,
a outras formas de assistência à saúde. no recorte temporal de 12 meses. Eixo 2- A Atenção Básica como referência de cuidado
As análises expressas nesse Seguido desse primeiro recorte, Não passa de uma década, o discurso e, consequentemente as ações em saúde, apontam
manuscrito foram geradas após leitura podem-se constatar algumas diferenças para o entendimento de uma AB acessível, responsável pelo acolhimento e primeiro contato
do relatório de pesquisa. Com essa etapa entre os dois grupos (Tabela 1). Em relação dos usuários, com amplo leque de ofertas de ações de saúde, resolutiva e com capacidade
concluída, os dados relacionados ao perfil ao perfil dos entrevistados, evidencia-se no de agregar as tecnologias necessárias para atender à maior parte possível das necessidades
dos entrevistados e satisfação com o SUS grupo que referiu ter utilizado nos últimos de saúde dos usuários perto de onde eles vivem.7 Portanto, entender como a população
foram recortados, agrupadosiii3e agregados 12 meses o serviço de AB ou de urgência compreende o SUS é importante. A proposta de trabalhar a Ouvidoria em Saúde, como espaço
em dois grupos: usuários e não usuários do do SUS que 77% das pessoas entrevistadas potencial de avaliação dos serviços na perspectiva do usuário é fundamental para atingir este
SUS. Os dados referentes à avaliação da AB, não possuem plano de saúde. Observa-se objetivo.
gerados pelos entrevistados que referiram também neste grupo, um maior percentual Dentre os entrevistados que responderam ter utilizado algum serviço do SUS (70%),
utilizar os serviços do SUS, também sofreram de mulheres e pessoas de cor parda. Além 85% deles haviam sido atendidos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Para esses usuários
recortes e foram agrupados de acordo da maior utilização dos serviços por parte questionou-se também o nível de satisfação com os profissionais de enfermagem, médicos,
com os questionamentos. Após essa etapa das mulheres, é possível observar fatores ACS e cirurgiões dentistas.
elencou-se três eixos de apresentação: 1) que marcam diferenças socioeconômicas Com relação à satisfação, entendida como expressão do “contentamento de um
quem são os usuários do SUS?; 2) Atenção importantes nesses dois grupos. Já no grupo indivíduo com uma situação, serviço ou até outros indivíduos”6 pode-se evidenciar que 63%
Básica-referência de Cuidado; e 3) Satisfação que referiu não utilizar o SUS, evidencia- dos entrevistados avaliaram o atendimento de enfermagem como muito bom ou bom, e 72%
com o SUS. se os dados referentes à renda familiar, verbalizaram esta percepção para os profissionais médicos. Sobre os Agentes Comunitários
Com relação aos aspectos éticos, a pois neste grupo 47% recebe mais de dois de Saúde, o questionamento foi realizado para 42% dos usuários, que disseram ter recebido
discussão apresentada integra o projeto de salários mínimos, a escolaridade, tendo em a visita destes profissionais, sendo o percentual de satisfação em torno de 73%. A avaliação
pesquisa “Avaliação da atenção básica no vista que 19% possuem nível superior de dos cirurgiões dentistas foi realizada por 18% dos usuários que disseram ter buscado atenção
Brasil: estudos multicêntricos integrados escolaridade completo. odontológica nos últimos 12 meses, e as respostas satisfatórias foram mencionadas por 80%
sobre acesso, qualidade e satisfação dos
dos entrevistados. Assim, considerando que as avaliações positivas variaram de 63% a 80%
usuários”, no que se refere ao objetivo de
para os quatro profissionais avaliados e os números de ruim e muito ruim não passaram de
pdf>. Acesso em: 15 jan 2016. 10%, pode-se afirmar, com estes e com os achados que seguem que o grau de satisfação
iii
3No relatório os dados encontram-se separados por
regiões. com os profissionais de AB é muito bom e inferir que as Unidades de Básicas de Saúde têm

18 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 15 - 26 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 15 - 26 19


Artigo Original Artigo Original

conseguido acolher os usuários e na medida do possível lhes ofertar certa resolubilidade. A Tabela 3- Recomendação, avaliação e atendimento das demandas na UBS
tabela 2 apresenta os dados referentes à satisfação dos usuários, quanto à satisfação com o
cuidado ofertado por estes profissionais.
Entrevistados UBS
Tabela 2- Satisfação dos usuários com os profissionais Recomendaria 74%
Não Recomendaria 25%
Profissionais Muito Bom + Bom Regular Ruim + Muito Ruim Avalia o serviço como Muito bom/Bom 38%
Enfermeiros 63% 26% 10% Avalia como Regular 35%
Médicos 72% 17% 10% Avalia como Ruim/Muito Ruim 28%
Agentes Com. Saúde 73% 20% 6%
Teve demanda atendida 60%
Cirurgiões Dentistas 80% 12% 8%
Parcialmente atendida 25%
Nota: Os percentuais acima não totalizam 100% devido ao fato de uma parcela dos usuários não ter respondido
à pergunta. Não teve demanda atendida 14%
Fonte: Relatório de Pesquisa de Satisfação com Cidadãos Usuários e não Usuários do SUS quanto aos aspectos Nota: Os percentuais acima que não totalizam 100% devem-se ao fato de uma parcela dos usuários não ter
de acesso e qualidade percebida na atenção a saúde- Departamento de Ouvidoria Geral do SUS (DOGES, 2012). respondido à pergunta.
O vínculo com Equipe Saúde da Família (ESF) foi mencionado por 55% dos usuários Fonte: Relatório de Pesquisa de Satisfação com Cidadãos Usuários e não Usuários do SUS quanto aos aspectos
de acesso e qualidade percebida na atenção a saúde- Departamento de Ouvidoria Geral do SUS (DOGES, 2012).
que referiram ter buscado cuidado em Unidades Básicas de Saúde, sendo que 42% destes
receberam algum profissional de saúde em domicilio, pelo menos uma vez nos últimos seis
meses. Importante destacar que os percentuais mencionados convergem para a estimativa de Os encaminhamentos para outros procedimentos no SUS, também foram elencados,
cobertura populacional pela ESF (54%), gerados pelo Departamento de Atenção Básica do MS, sendo que 49% dos usuários das UBS informaram terem sido encaminhados. Destes, 60%
no período pesquisado. conseguiram realizar exames, 56% consultaram com especialista, 76% tiveram que ser
Com relação à distribuição das unidades básicas no território, o estudo apontou que internados e 73% acessaram o serviço de urgência.
87% dos entrevistados responderam que demoram menos de 30 minutos para chegar a UBS Quanto ao acesso aos medicamentos prescritos, 57% dos entrevistados os obteve na
mais próxima de casa. Esse dado, do ponto de vista da acessibilidade e das dimensões do própria UBS, para 7% foram disponibilizados gratuitamente em outros serviços no SUS, para
território de referência, está de acordo com a nova Política Nacional da Atenção Básica (PNAB), outros 7% os medicamentos foram disponibilizados pela farmácia popular, 19% comprou na
publicada em 2011, que recomenda 3 mil pessoas para cada ESF e o máximo de 12 mil pessoas rede privada e 10% não conseguiu a medicação, o que merece três considerações: é expressivo
por UBS orientada por esta estratégia. Para UBS que não são orientadas pela ESF e que estão o número de usuários que conseguem a medicação necessária na própria UBS sem precisar se
em áreas de grande concentração populacional recomenda-se o teto de até 18 mil pessoas.2 deslocar; também é importante o número de usuários (71%) que adquirem os medicamentos
Perguntados se para serem atendidos precisaram agendar suas consultas previamente, gratuitos ou subsidiados; mas não é desprezível o percentual (29%) de usuários que ficaram
51% dos usuários responderam que conseguem agendamento no mesmo dia, 34% referiu sem o medicamento prescrito ou tiveram que comprá-lo.
um período de uma semana a um mês e 13% mencionou mais de um mês. Já com relação ao
tempo de espera na UBS, os dados apontam que 54% dos usuários aguardam menos de uma
Eixo 3- Avaliação geral do SUS
hora, em contrapartida, a 23% que mencionaram obter atendimento entre uma e quatro horas
e 13% que referiram ter aguardado mais de quatro horas ou não ter conseguido atendimento. Para compor esse último eixo, agregaram-se os dados dos que utilizaram os serviços do
Ainda os entrevistados que utilizaram UBS responderam questões sobre demandas SUS nos últimos 12 meses e os que referiam não ter buscado. Entre aqueles que buscaram
levadas, recomendação e avaliação do serviço (Tabela 3). Interessante notar que, embora a algum serviço, 36% atribuíram o conceito de muito bom ou bom, 34% de regular, seguido de
pesquisa tivesse como premissa associar satisfação com atendimento da demanda do usuário, 29% que consideraram como ruim ou muito ruim. No segundo, composto por entrevistados
os números revelam que ter a demanda atendida não significa necessariamente avaliar que não acessaram nenhum serviço do SUS nos últimos 12 meses os percentuais ficaram em
positivamente o serviço. O número de pessoas que tiveram a demanda atendida é de 60% e o 25% com avaliação muito boa ou boa, 30% como regular e 45% como ruim ou muito ruim.
número de pessoas que avaliam os serviços como bom e muito bom é de 38%. Os dados expressam uma diferenciação na avaliação entre os dois grupos, à medida
que a proporção de opiniões de que os serviços do SUS são muito bons ou bons foi maior
(36%) entre os que utilizaram, do que entre o outro grupo (25%). Outro achado interessante
é de que a proporção de opiniões de que os serviços prestados pelo SUS são ruins ou muito
ruins foi maior entre os entrevistados que não tiveram experiência com algum dos serviços
pesquisados (45%), em comparação com aqueles que tiveram (29%).

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Algumas reflexões saúde que buscaram o atendimento no SUS. Com relação à satisfação com os necessidades de saúde. Todavia, assinala-
Tal achado permite presumir que muitos profissionais da AB faz-se necessário se que, muitas vezes, o usuário pode
usuários, inclusive de planos de saúde, alguns apontamentos, como por exemplo, não ter acesso ao que “foi buscar”, seja
Um primeiro efeito da pesquisa é estão encontrando no SUS serviços capazes que é incorreto deduzir que a qualidade por ter mudado a compreensão sobre
colocar interrogações sobre quem são os de lhes ofertar cuidado de qualidade e que do atendimento dos ACS é melhor que essa necessidade, seja por não haver
usuários do SUS. Mais que uma provocação, por isso os acionam. a dos enfermeiros, embora esteja claro disponibilidade no serviço naquela ocasião
a forma de agrupar quem utilizou algum Outro ponto que merece ser discutido que as pessoas estão mais satisfeitas e, mesmo assim, sair satisfeito com os
serviço de saúde do SUS, no recorte de 12 no eixo “quem são os usuários do SUS?” é o com os primeiros do que com os últimos. profissionais por ter se sentido acolhido e
meses, vem problematizar que o imaginário maior percentual de mulheres que referiram Neste contexto, é preciso considerar que cuidado.3
coletivo reconhece “inadequadamente” utilizar os serviços de saúde. Ao investigar talvez a satisfação esteja mais relacionada Ao comentar os achados referentes
como usuários do sistema, apenas aqueles as razões para a não procura masculina, com o acesso àquilo que se buscou, e ao agendamento de consulta e tempo de
que não possuem plano de saúde privado. estudos evidenciaram justificativas com a realização ou não de algumas das espera na unidade é importante enfatizar
Considerando o escopo de ações e serviços que estão implicadas com a forma de expectativas que o usuário levou para que não se quer estabelecer parâmetros
ofertados pelo SUS, pode-se afirmar que organização dos serviços, por exemplo, esse atendimento, do que com a própria únicos para realidades diferentes e
todas as pessoas são usuárias do sistema, horário de atendimento coincidir com o qualidade de cuidado ofertado. complexas. Pode-se dizer que de um modo
pois suas ações vão além das assistenciais, trabalho, e com as barreiras socioculturais Parece razoável supor que pesou na geral, é expressivo o número de usuários
abarcam entre outras, oferta de que atribuem ao homem à falsa premissa avaliação da enfermagem a impossibilidade que conseguem atendimento em tempo
medicamentos, ações de vigilância à saúde, que “são invulneráveis.”9,10,11 de ofertar certos procedimentos que oportuno, o que mostra as unidades de
normatização e fiscalização das condições Pode-se acrescentar que o SUS motivaram a maioria das buscas pelos saúde mais preparadas para ser de fato uma
sanitárias de produção, armazenamento vem investindo fortemente em políticas serviços. Por exemplo, 79% dos usuários porta de entrada que se molda em função
e distribuição dos alimentos e dos direcionadas a grupos específicos, disseram ter buscado no SUS uma consulta da necessidade dos usuários. De outro
estabelecimentos comerciais e produtivos. considerando as particularidades e médica, 53% medicamentos e 49% exames, lado, aguardar três ou quatro semanas
Sobre isso, um estudo8, ao fazer um especificidades de cada um. Como ações que dependem, na maioria dos para marcar uma consulta, independente
balanço dos 20 anos da Reforma Sanitária, exemplos, podem-se citar a Política Nacional casos, diretamente do profissional médico. da necessidade de saúde em questão, é
reflete que houve, durante um período, um de Atenção Integral a Saúde do Homem11 e Outro grupo representado por 45% dos um tempo muito grande. Também não
deslocamento dos temas das produções a previsão das Unidades Básicas de Saúde entrevistados buscou vacinações, curativos é razoável esperar mais do que 2 horas
técnicas e acadêmicas, visto que no início Fluviais, Equipes de Saúde Ribeirinha e e orientações. Talvez um estudo que numa UBS para um atendimento. Nesse
eram mais voltadas para questões mais Consultórios na Rua na PNAB2 como Equipes identificasse a existência de diferenças sentido, os dados reforçam que a AB ainda
abrangentes como democracia e papel do de Atenção Básica que devem buscar e entre esses grupos quanto à avaliação de apresenta aspectos importantes a serem
estado. Neste deslocamento, houve muitas ofertar atenção integral a estas populações enfermagem traria mais subsídios para a melhorados, além disso, apontam lacunas
confusões entre termos e significados e que reconhecem o potencial da AB no discussão, pois é preciso considerar que a nas redes de atenção com relação ao fluxo
por outro lado, a criação de termos novos, cuidado e reforçam a ideia de um sistema enfermagem teve mais governabilidade de de encaminhamentos. Cabe destacar que
muitos deles para contrapor o ideário da de saúde público e de qualidade para todos ofertar ações que atenderam à demanda este tempo de espera pode ser reduzido
Reforma Sanitária, a exemplo do termo SUS os brasileiros. para o segundo grupo do que para o com o uso de dispositivos de organização de
- dependente. Nesse sentido, concorda-se Os dados apresentados no eixo “A primeiro. agenda como marcação por hora e poderia
com a autora de que este termo “remete Atenção Básica como referência de cuidado” Obter acesso (entrar nos serviços de ser aproveitado para ações de orientação,
exatamente à exclusão social, uma vez que confirmam que as Unidades Básicas de saúde) não garante que as necessidades educação em saúde e intersetoriais, o que
se refere àqueles sujeitos sociais que não Saúde são, com larga vantagem, os serviços serão satisfeitas, e mais, acessibilidade raramente acontece.
tem acesso à atenção a saúde que não seja mais acessíveis e acessados do SUS. A refere-se às facilidades e dificuldades em As ofertas de cuidados programados
por meio dos serviços públicos de saúde.”8 pesquisa mostra que as pessoas usam o buscar/receber cuidado (interação entre e prioritários na AB, como gestantes,
Os dados revelaram que existem serviço, que ele está localizado próximo de quem busca e quem oferece cuidado).3 crianças até dois anos, pessoas em
desigualdades socioeconômicas suas casas e que os profissionais chegam Assim, define acessibilidade como uma condições crônicas, muitas vezes, são
importantes entre os dois grupos, sendo até a população em seu próprio domicílio. prática não normativa, de inter-relação e questionamentos realizados pelos usuários
os que referiram utilizar os serviços do Também permitem inferir que quem é intersubjetividades, portanto uma prática e acabam gerando desconforto nas equipes,
SUS, menos favorecidos. No entanto, é coberto de fato está usando o serviço e que que significa não apenas no acesso dos pois aqueles que nesses grupos se encaixam
preciso considerar que existe uma parcela as pessoas sabem cada vez mais identificar usuários aos serviços de saúde, mas conseguem acesso relativamente fácil. Em
significativa de usuários com planos de quando uma UBS se organiza pela ESF. também a resolução das suas demandas e contrapartida, outros que não se “encaixam”

22 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 15 - 26 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 15 - 26 23


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em nenhum “grupo”, mesmo estando em colocados no campo do debate e disputa levando-se em conta as condições que já todo? Não seria interessante questionar
situações de sofrimento e apresentando um do público e do privado, do mercado da estão dadas, como o tempo de espera para o que leva estes usuários que não usaram
problema agudo, podem encontrar muita saúde no Brasil e das relações entre saúde agendamento de consultas, de espera na o SUS a avaliarem-no como ruim ou muito
dificuldade para serem atendidos, exigindo e sociedade. unidade e o percentual de usuários que ruim? Questões como essas merecem
incursões de madrugada em busca de uma não conseguiu obter medicação gratuita na ser exploradas, assim como, abordagens
das poucas fichas disponibilizadas “para o unidade ou na rede. qualitativas são bem vindas, na medida em
dia”. Algumas considerações Outra questão abordada no estudo que poderiam contribuir para a melhoria
De outro lado, sabe-se que uma que merece um destaque é a diferença dos processos avaliativos.
UBS pouco acessível e que não acolhe as de avaliação do SUS entre quem utilizou e Por fim, cabe destacar a potência da
pessoas nas situações agudas e de urgência, quem não o utilizou. Será que as pesquisas Ouvidoria ativa no fortalecimento do SUS
justamente na hora que se sentem mais Os estudos constroem-se de avaliação ao não separarem estes dois e na operacionalização dos seus princípios,
aflitas e desamparadas, não é legitimada sobre outros estudos, não no grupos não estão produzindo fenômenos diretrizes e serviços.
pela população e faz com que muitas sentido de que retornam onde diferentes e apresentando-o como um
pessoas busquem serviços de pronto outros deixaram, mas porque
atendimento com necessidades de saúde melhor informados e melhor
conceituados, eles mergulham
que seriam melhor acolhidas, cuidadas e mais profundamente nas mesmas
acompanhadas nas UBS. Contudo, essa Referências
coisas.12
pressão pode exigir de uma UBS um volume
de ações que extrapole a capacidade de Com as considerações de Geertz12,
oferta frente a uma demanda comprimida
1
. Silva Junior AG, Mascarenhas MTM. Avaliação da Atenção Básica em Saúde sob a ótica da
pontua-se que os dados compartilhados são Integralidade: aspectos conceituais e metodológicos. In: Pinheiro R, Mattos RA. Cuidado: as
no tempo por diversos motivos que vão resultantes de uma primeira aproximação
desde a insegurança do usuário (que se fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: CEPESC-IMS/UERJ/ABRASCO. 2008; p.243-260.
e que novos inquéritos mostram-se
traduz num “não deixar pra amanhã, pois, necessários para qualificação do cuidado e 2
. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 1.654, de 21 de outubro de 2011. Aprova a
amanhã não sei se terei oportunidade”) à fortalecimento da participação social. Desse Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para
reprodução mais geral do consumismo e modo, entende-se que a pesquisa não se a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de
da instantaneidade da sociedade atual no esgota aqui. Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília, 2011.
conjunto das relações. O panorama elucidado mostra
No que corresponde o eixo “Avaliação avanços significativos em relação ao SUS, e
3
. Gerhardt TE et al. Determinantes sociais e práticas avaliativas de integralidade em saúde:
geral do SUS” reforça-se a ideia de que as em especial, ao que corresponde a AB. Os pensando a situação de adoecimento crônico em um contexto rural. In: Pinheiro R, Martins
pessoas que usam o SUS o avaliam a partir de dados mostram que o perfil dos usuários que PH (Orgs). Avaliação em saúde na perspectiva do usuário: abordagem multicêntrica. Rio de
suas vivências e experiências com os serviços buscam o SUS está se modificando, à medida Janeiro: CEPESC / IMS-UERJ; Recife: Editora Universitária UFPE; São Paulo: ABRASCO; 2009;
do Sistema, ao passo que as pessoas que que mais da metade dos entrevistados com p.287-98.
não usam tendem a reproduzir uma opinião plano de saúde referiu buscar atendimento 4
. Esperidião MA, Trad LAB. Avaliação de satisfação de usuários: considerações teórico-
muito influenciada pela representação no SUS. Nesse sentido, pode-se apostar conceituais. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2006; 22(6):1267-1276.
social dominante, continuamente reiterada na desconstrução do ideário do SUS como
pelos meios de comunicação comerciais e alternativa para pobres, tendo em vista a
5
. Bolzan LC et al. Ouvidoria ativa: a inovação das pesquisas de satisfação na ouvidoria-geral do
de massa. maior divulgação do escopo de ações e de SUS. In: Congresso Consad de Gestão Pública (5: Brasília: 2012) [Anais.] Brasília: 2012.
Tem-se notado que os elementos experiências positivas no Sistema. Talvez um
negativos sobre o SUS é que ganham . Brasil. Ministério da Saúde. Relatório Preliminar da Pesquisa de Satisfação com Cidadãos
6
caminho seja trabalhar mais o lema “todos
visibilidade na grande imprensa comercial. Usuários e não Usuários do SUS. Brasília, 2012.
usam o SUS”.
De fato, matérias que relatam os sofrimentos Partindo para avaliação na perspectiva 7
. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 648, de 28 de março de 2006. Aprova a Política
dos cidadãos no uso do SUS são mais dos usuários, elencam-se como pontos Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização
atrativas e tem mais audiência, elemento positivos a utilização da AB, a satisfação da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários
central para uma mídia comercial que além com os profissionais que ali atuam e a de Saúde (PACS). Brasília, 2006.
de vender anúncios muitas vezes funciona distribuição das unidades no território. De
como caixa de reverberação de interesses outro lado, há pontos a serem considerados
8
. Cohn A. A Reforma Sanitária Brasileira Após 20 anos do SUS: reflexões. Cadernos de Saúde
comerciais, econômicos e políticos como passíveis de melhoria, inclusive Pública, Rio de Janeiro, 2009; 25(7): 1614-1619.

24 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 15 - 26 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 15 - 26 25


Artigo Original Artigo Original
9
. Araújo MAL, Leitão GCM. Acesso à consulta a portadores de doenças sexualmente DOI: http://dx.doi.org/10.18310/2446-4813.2015v1n4p27-33
transmissíveis: experiências de homens em uma unidade de saúde de Fortaleza, Ceará, Brasil.
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2005; 21(2): 396-404.
. Gomes R, Nascimento EF, Araújo FC. Por que os homens buscam menos os serviços de
10

saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com
ensino superior. Cadernos de Saúde Pública, 2007: 23(3): 565-74.
‘NEM DO BEM, NEM DO MAL’: INFÂNCIA, MORAL
11
. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção E SOCIALIZAÇÃO
Integral à saúde do homem. Brasília, 2008.
12
. Geertz C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
‘NEITHER THE GOOD OR THE EVIL’: CHILDHOOD, MORAL AND
SOCIALIZATION

Anaclan Pereira Lopes da Silva Resumo


Mestre em Antropologia pela
Universidade Federal do Pará
Este é um estudo sobre o processo de inculcação
(UFPA) e Psicóloga na Universidade
de valores morais na infância, a partir de pesquisa
do Estado do Pará (UEPA).
realizada em uma escola de Belém, entre alunos de
E-mail: anaclansilva@yahoo.com.br
Jardim II a 4ª série, considerando as repercussões
identificadas na interação das crianças entre si
e com os outros componentes da equipe escolar.
Pensado sob o ponto de vista da articulação entre os
campos da Antropologia e da Psicologia, este tema
ganha formas e cores no cotidiano de uma escola
construtivista que possui extrema preocupação e
declarado compromisso com a temática investigada.
Mais ainda, a questão de gênero se presentifica
através das observações no contexto escolar e
das interlocuções com professoras e dirigentes, a
ambivalência com que tratam a problemática da
formação moral dos alunos e alunas, ora revelando
certa hierarquização nos atributos de valores
entre eles, ora demarcando uma igualdade desses
atributos para meninos e meninas.

Palavras-chave: Infância; Educação; Moral;


Valores; Gênero.

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Artigo Original Artigo Original
Abstract cada vez mais apresentariam - em meu segundo eles, o ‘normal’, o ‘aceitável’ (sendo longo do trabalho. Primeiro, por ser uma
papel de psicóloga no contexto escolar, essas definições muito vagas). Mas, no geral, escola que apresentava uma preocupação
este tema surgia de forma recorrente em achavam que essa indisciplina (a falta de declarada e um compromisso com a
This is a study about the process of meu cotidiano de trabalho. Assim, decidi limites) era algo ‘normal’, que fazia parte do questão dos valores. Segundo, porque sua
inculcation of moral values in childhood aprofundar o estudo sobre este problema desenvolvimento infantil e que ia passando proposta pedagógica é considerada a mais
made in a school in Belém of Pará, em minha dissertação de mestrado na área com o tempo. As intervenções para que avançada no mundo atualmente, baseada
between students from Jardim II to 4th da Antropologia da Educação. tais manifestações fossem controladas não no construtivismo, teoria alicerçada nas
serie (elementary school), considering the No decorrer dessa atuação, muitos eram vistas como necessárias, já que seria ideias do psicólogo suíço Jean Piageti.1
repercussions identified over the interation desafios, surpresas e crescimento foram ‘natural’ que as crianças agissem assim e Se a escola se propunha a trabalhar com
between the children by them and with propiciados por minha prática profissional e esta situação se abrandaria com o passar esses conteúdos chamados de atitudinais1
the other members of the scholar group indagações a respeito de uma questão em dos anos e seu crescimento. de forma destacada, ao acompanhar essa
(like teachers and directors). Thought especial que recorrentemente era colocada Por que tantos casos de crianças proposta, tentaria identificar que efeitos
in the point of view of the articulation em minha sala de atendimento tanto por encaminhadas para o psicólogo no âmbito ela poderia ocasionar nas crianças, seu
between the fields of Anthropology and alunos, pais ou professores, assim como fora das escolas? Estariam as professoras (na sua alvo de intervenção e quais consequências
Psychology, this work obtains forms and deste âmbito, pelos corredores da escola, maioria mulheres), também perdendo seu poderiam também ocasionar em sua
colors in the quotidian of one construtivist em suas festas, palestras, encontros, enfim, referencial de autoridade diante de seus formação moral. Mais ainda, esta instituição
school that is extremely worried about the em qualquer situação a problemática surgia, alunos/crianças? Mais precisamente, diante apresenta a inclusão de crianças deficientes
moral values and has declared engagement demandando de mim - enquanto psicóloga - dos meninos, já que a grande parte dos em seu convívio no ensino regular. Existem as
with this thematic. Even more, the subject uma resposta, ao mesmo tempo, explicativa alunos encaminhados eram meninos. Em crianças ditas ‘especiais’ em todas as classes
‘gender’ is present when we notice through e ‘preventiva’. Tratava-se da preocupação todo esse percurso em anos de atendimento da escola, com problemas os mais variados,
our observations in this schoolar context dos adultos em torno da chamada “falta de de famílias com problemas tão semelhantes, desde paralisia cerebral, síndromes, até
e through our interlocutions with the limites” das crianças que piorava a cada dia com nuanças, matizes diferenciados, mas distúrbios globais de desenvolvimento
teachers and directors, the ambivalence in e a tendência (que todos eram uníssonos em grande parte relacionados à regra, a como psicose e autismo.
their discourses when they deal with the em apontar) era ficar fora de controle. falta dela mais propriamente, meu interesse A escola será rebatizada de “Amor
subject ‘moral constitution of the students’, A discussão sobre essa “falta de foi se voltando a aprofundar esta questão. Perfeito”, nome pensado como uma
sometimes demonstrating a hierarchization limites” geralmente vinha atrelada a A escola, poderosa instituição, que metáfora para traduzir como as relações
in their atributes between male and female uma ideia nostálgica que remetia a um apresenta e baliza, junto com a família, as pretendem ser nesse espaço de idealismo
students, sometimes emphasizing an passado glorioso em que todas as crianças normas sociais, destaca-se como foco de e compromisso com o outro. As diretoras
iguality from these atributes for boys and obedeciam aos pais - bastava que eles minha investigação. Após anos ‘fazendo e professoras também ganharam novos
girls. olhassem para elas e pronto, elas se parte’ desse universo e percebendo a sua nomes, todos de flores, sendo que tentei
recolhiam e obedeciam-nos imediatamente. influência no aprendizado de valores nas relacionar um pouco o que percebi do perfil
Essas opiniões se somavam e um corolário crianças, não poderia abandonar este viés de cada uma com seus nomes fictícios, para
Keywords: Childhood; Education; Moral; de queixas em relação aos filhos ou alunos particular que a perspectiva das relações assim, conduzir minha escolha. Assim, a
Values; Genre. (no caso dos professores/as) girando em escolares entre adultos e crianças possibilita. diretora que é psicóloga ganhou o nome
torno dessa ‘falha’ terrível que estaria A escolha de investigar a crise moral e de “Rosa” (por causa dos espinhos...), a
ameaçando as relações entre as crianças e como a criança vai constituindo seus valores, outra diretora, que é pedagoga, recebeu
os adultos. Pior ainda: o prognóstico seria as noções de certo e errado e bem e mal no o nome de “Hortênsia” pela harmonia e
O contexto do interesse pela
o mais devastador possível - essas crianças contexto escolar parece muito clara para tranquilidade que transmite, assim por
temática da formação moral e a poderiam se tornar tão incontroláveis mim, no sentido em que me sentia parte diante. Cito ainda as professoras Magnólia
escolha do campo de pesquisa a ponto de ninguém poder direcioná- integrante desse processo de formação (da Educação Infantil), Açucena e Margarida
las, podendo cair na ‘marginalidade’ justamente dentro da instituição escolar. (do Ensino Fundamental), como os
(drogas, gangues, pequenos furtos, dentre Refletir sobre a inculcação de valores morais personagens principais desse “jardim” de
O interesse pela temática da moral outros). Por outro lado, existia um número neste contexto parecia um pouco desvendar infância. É preciso mencionar que só falo
surgiu de minha atuação como psicóloga significativo de pais (especialmente) e os limites de nossa e minha própria atuação. i
1De acordo com os Parâmetros Curriculares
escolar, já que após anos envolvida com alguns professores que até se preocupavam A opção pela instituição escolar na Nacionais (PCN), há três tipos de conteúdo que
a problemática dos “limites” - ou melhor, com a questão dos limites das crianças qual realizei minha investigação se deu por precisam ser trabalhados nos currículos escolares: os
com a falta de limites que as crianças conteúdos conceituais, os conteúdos procedimentais
quando algum fato ocorria que extrapolava, algumas razões que tento deixar claras ao e os conteúdos atitudinais.

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Artigo Original Artigo Original
de flores (mulheres) porque só existem tenho que considerar em meu estudo que, homens e mulheres, que os torna distintos verificadas tanto no dia a dia, por exemplo,
professoras na “Amor Perfeito” e a presença sociologicamente, elas existem - em sua e pertencentes, neste sentido, a gêneros das crianças, preocupadas com o bem-
masculina resume-se ao porteiro e a um ideia particular, sua separação mais radical diferentes. estar das crianças ‘especiais’, parando
professor substituto de Educação Física (a e suas intersecções, enfim, sua atualização Ao tentar aprofundar essas dimensões suas brincadeiras para colocá-las em uma
professora está de licença-maternidade), o nas pessoas (particularmente) que, a partir que compõem a questão a ser investigada, posição mais confortável (no caso dos
que, aliás, não é nenhuma ‘novidade’ nas daí, serão boas/más ou boas para mim, más procurarei buscar caminhos nesse labirinto alunos de cadeiras de rodas) ou tentando
escolas de Educação Infantil, em especial. para outras, ou boas com uns, más com de confluências de fatores que poderão inclui-las em suas brincadeiras, respeitando
A instituição só funciona no turno outros. As novelas televisivas e os contos mostrar as nuanças da formação moral suas limitações (físicas ou de compreensão).
da manhã e conta com sete salas de aula, de fada exploram à exaustão (para públicos das crianças escolarizadasiii3pesquisadas, Esse olhar e discurso aguçados a respeito
sendo três de Educação Infantil e quatro de diferentes) personagens “bons” e “maus” suas formas de pertencimento aos gêneros das relações sociais é cultivado e parece
ensino fundamental. No total a escola possui incondicionalmente, assim como a ideia que e a influência dos adultos (professoras) e ser motivo de orgulho na escola. “Aprender
91 alunos. Todas as turmas da instituição se nasce “bom” ou “mau” (numa referência demais membros da equipe escolar nessa a ser” é a maior conquista que um aluno
possuem alunos especiais, pelo menos um à índole com que cada um nasceria)ii.2. composição. pode obter. O processo de “aprender a
em cada turma e no máximo três por turma, Professor e aluno quando ser” constitui-se de um vasto aprendizado
dependendo do tipo de dificuldade. estabelecidos em seus papéis, criam e construção de sentimentos e valores,
Como já destacamos, a imensa laços, formam vínculos que possibilitam tais como: solidariedade, respeito, justiça,
A constituição de valores pelas
maioria dos professores de Educação Infantil a aprendizagem. O professor constitui-se cuidado, afeto, cordialidade e equidade.
e de Ensino Fundamental são mulheres, e figura de referência para o aluno em vários crianças na escola que “ensina a
O conceito de valor, como Hessen5
cabe a elas, junto com a família, iniciar o níveis. O que pretendemos enfocar no ser”
nos aponta é de difícil definição, pois cabem
processo de inculcação de valores morais estudo proposto é o nível moral, ou seja, várias perspectivas para se pensar em valor,
no âmbito escolar. Privilegio, neste estudo, em que medida o professor na relação com tais como: o valor como vivência, como
a perspectiva das professoras na formação seus alunos apresenta, discute e baliza com A Escola “Amor Perfeito” finca sua
qualidade ou como ideiaiv,4segundo o autor
moral por parte dos alunos, devido papel eles referências morais, valores e atributos proposta pedagógica na perspectiva da
mencionado nos esclarece. No entanto, para
fundamental que elas representam de “bem” e “mal”, “certo” ou “errado”. formação pessoal de seus alunos, como
os objetivos de minha discussão, utilizarei
neste âmbito, como adultos, modelos de Mais ainda, investigar de que maneira o pessoas que merecem respeito, amor e
a concepção de valor como uma ideia, um
referência. fato de grande parte do contingente de solidariedade e que devem dar isso aos
preceito que você defende, de acordo com
A perspectiva antropológica amplia professores que trabalha com crianças do outros, quaisquer que sejam.
o ponto de vista de Yves de La Taille (2003)v.5
o espectro de análise quando aprofunda nível investigado, ser do gênero feminino, Os conteúdos atitudinais não só
Assim, todo ato moral pressupõe escolhas
a discussão sobre o universo cultural pode interferir no processo de constituição são levados em conta como preceitos a
possíveis dentre diversos atos, baseada em
circundante e formador dos valores nos de valores morais em meninos e meninas serem seguidos dentro dos Parâmetros,
preferências, como nos esclarece Vásquez6.
indivíduos; além disso, a questão de (os diferentes gêneros). mas são o eixo do trabalho desenvolvido
Essa escolha é conduzida, segundo este
gênero - fundamental para a construção Por estar tratando de uma junto às crianças. A escola enfoca o
último autor, pelo o que nos é mais ou
desse percurso - há tempos está fincada no problemática imbricada com as comportamento, as atitudes positivas
menos valoroso em termos morais.
discurso antropológico. diferenciações que se estabelecem entre diante da sociedade, a postura crítica e, ao
As crianças, rumo à constituição de a formação de valores em meninos e mesmo tempo, solidária das pessoas que iv
4“Se quisermos significar com esta palavra,
buscam uma relação pautada no respeito exclusivamente, a vivência, permaneceremos
seus valores morais, e as pessoas em geral, meninas, o conceito de gênero torna-se uma no domínio da consciência, da Psicologia e do
são ‘nem do bem, nem do mal’, no sentido categoria fundamental para ser utilizada e no compromisso consigo e com o outro, psicologismo. Se entendermos por ela unicamente
que suas ações e julgamentos transitam pelos em meu trabalho. Segundo Joan Scott4:86, segundo sua proposta. A “Amor Perfeito” é uma qualidade, um particular modo de ser das coisas,
dois “universos” que se articulam, afirmando “gênero é um elemento constitutivo das uma escola que pretende “ensinar a ser”, permaneceremos no domínio do Naturalismo, em
o que é enfática e recorrentemente posto que o valor é apenas uma qualidade real de certos
que não há uma separação radical entre as relações sociais baseado nas diferenças objectos. Se finalmente entendermos por valor
chamadas duas esferas (do bem e do mal), percebidas entre os sexos”. Remete-se ao em pauta por suas dirigentes e professoras, apenas a sua ideia, não tardaremos em ‘coisificar’,
embora, comumente, separemos as ações e aprendizado cultural diferenciado entre especialmente. em hipostasiar, os valores, como já aconteceu com
Essas atitudes solidárias são Platão.”5:43
estigmatizemos situações ou pessoas como os sexos masculino e feminino, entre v
5Yves de La Taille é psicólogo, especialista no
‘boas’ ou ‘más’ de maneira essencializada, ii
2Não precisaria lembrar que, na esteira da 3O termo ‘escolarizada’ e ‘escolarização’ que utilizo
iii
debate da moral na obra piagetiana e proferiu uma
como se pudessem ser só boas ou só más. construção e, ao mesmo tempo, da atualização dessa chama atenção para o fato que estou me referindo conferência em setembro de 2003 em Belém - Pará
Dado que, socialmente, essas esferas são ideia, foram formuladas, por sua vez, as conhecidas a crianças que frequentam a escola e vivenciam o na VII Semana Acadêmica de Pedagogia promovida
teses criminais de figuras como Cesare Lombroso2 e, processo educacional que as instituições escolares pela Universidade da Amazônia (UNAMA) com o
tidas como existentes de forma dicotômica, entre nós, de Nina Rodrigues.3 veiculam. tema “Escola e Valores: ação dos professores”.

30 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 27 - 33 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 27 - 33 31


Artigo Original Artigo Original
A “Amor Perfeito” dedica-se à o que é certo pra ele, o que não e potencialidades, não restringindo seu é legal, do que é ético (...) é uma
discussão e procura influenciar diretamente é, pra poder estar dando conta de espaço de convivência por discriminações e porta que a gente abre e que eles
seus alunos e alunas nessas escolhas morais estar lidando com essas questões desconhecimentos de suas possibilidades. são capazes de transitar por ela
aí fora. (Margarida – Professora) pela vida...
mais próximas àquilo que é tido e valorizado As professoras neste processo
como ‘correto’ socialmente, como já foi de ‘ensino’ tem papel preponderante,
De acordo com seu olhar, esse aroma
visto anteriormente. Os pilares valorativos no sentido em que são diretamente
de ‘amor-perfeito’ fica irremediavelmente
como as concepções de justiça, respeito, responsáveis em suas ações e palavras
A “Amor Perfeito” ensina a ser e impregnado nas crianças que por lá
solidariedade são cotidianamente reiteradas cotidianas pela condução dessa proposta
assim, todos se tornam “bons”? OU ‘aprenderam a ser’. Acredito que sim, tanto
em intervenções entre as crianças, entre educativa no âmbito moral. Cientes disso,
no que guarda de positivo e de negativo. A
professoras e crianças e entre componentes à guisa de conclusão elas não só se informam a respeito das
formação moral fica marcada de maneira
da escola e crianças, de forma mais geral. condutas adequadas para levar adiante
indelével em suas vidas, porém seus alunos
É claro que esse processo socializatório todo o processo, mas também se formam
não serão “nem do bem, nem do mal” de
não é linear, ao contrário, é permeado por Na busca por saberes esclarecedores para levar a cabo sua desafiadora missão.
forma essencializada, mas oscilarão entre
conflitos, idas e vindas, que a própria vida acerca de meu dilema inicial a respeito Este sonho, partilhado entre elas,
essas posições, como todos nós.
social fomenta. Diferenças nos pontos de da crise instalada em meu cotidiano de alimenta essa proposta de ‘ensinar a ser’ que
Ao me debruçar nesse processo de
vista entre os alunos devido à formação trabalho como psicóloga pela ‘falta de busca suplantar as barreiras do preconceito
constituição de valores pelas crianças, fui
familiar distinta costumam render grandes limites’ das crianças, percorri, na verdade, e incompreensão que o social impõe. Ou nas
desvendando o percurso, as nuanças dessa
e profundos debates que nem sempre o caminho de volta à escola, porém com palavras de Hortênsia, fundadora da escola:
formação incessante e fundamental para
acabam em consenso. Muito pelo contrário, matizes e objetivos diferentes.
As crianças têm uma coisa mais que busquemos, entre conflitos, cuidados
às vezes esses acabam levando as crianças a Por se tratar de um contexto escolar
humana, mais ética, até nos que e afetos, elementos que sustentem as
irem às vias de fato, quando as desavenças muito diferenciado, parecia que estava
já saíram da escola, eles têm uma relações entre nós, pessoas, às vezes
não encontram um ponto de equilíbrio. assistindo a formação moral ocorrer a minha
visão mais solidária (...) é uma ‘perdidas’ nesses ‘jardins’, em busca de
Tais episódios são comuns nas disputas frente no dia a dia pautado por incessantes semente plantada, eles ficam com amores ‘quase-perfeitos’...
esportivas e nas brincadeiras entre eles. A intervenções para ‘ensinar a criança a isso de forma bem internalizada,
hora do recreio é um momento privilegiado ser’. Era como se pudesse “fotografar” de conseguir ter essa percepção do
para que tais situações eclodam. Nem tudo esse processo de constituição de valores outro, do que é valor, do que não
são flores na “Amor Perfeito”, como em nas crianças, ao vivo e visualizar de uma
qualquer instituição escolar, a diferença forma ou de outra, seus efeitos através de
é que lá essas situações são discutidas e atos e falas delas. Às vezes, sentia-me em
Referências
tratadas em primeiro plano. uma espécie de filme, com cenas ideais,
A respeito do papel do professor nesta ‘perfeitas’ demais para serem verdade.
. Piaget J. O Juízo Moral na Criança. São Paulo: Summus; 1994.
1
constituição de valores e das dificuldades Saía da escola e pensava: “a vida aqui fora
que esta formação no cotidiano da escola continua... saí do país das maravilhas... “. 2
. Lombroso C. O Homem Delinquente. Rio de Janeiro: Ícone; 2013.
impõe, vejamos trechos da opinião de uma Para as crianças, os efeitos dessa
professora da escola, que ilustra o ponto de ‘educação moral’ pautada no respeito,
3
. Nina Rodrigues R. Os Africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas
vista da instituição: consideração, afeto e solidariedade parecem Sociais; 2010.
ser muito palpáveis com seu engajamento 4
. Scott J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. IN: Educação & Realidade, 20 (21);
Essas questões de valores... eu em campanhas contra a fome, pelas crianças
procuro estar refletindo muito o jul/dez 1995.
abandonadas, pela defesa do planeta ou por
que é certo, o que é errado, até por
relações mais igualitárias. O ‘aprender a ser’ . Hessen J. Filosofia dos Valores. Portugal: Almedina; 2001.
5
conta de que, alguma coisa pode
ser certa pra mim, mas pode não não é contemplativo, mas também envolve
a ação, conjugando reflexão e atitude. . Vásquez AS. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 1995.
6
ser pra você. É muito a questão
da diferença, desse respeito às A inclusão das crianças ‘especiais’
diferenças. Então, eu reflito muito deu certa eloquência a essa postura que
no respeito às diferenças. Eu acho concretizou a ideia de um mundo com
que o professor, ele deve, ele
precisa estar sempre atento pra
relações mais justas, no qual os ‘diferentes’
isso, estar revendo o que ele acha, possam estar sendo vistos em suas limitações

32 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 27 - 33 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 27 - 33 33


Artigo de Original
DOI: http://dx.doi.org/10.18310/2446-4813.2015v1n4p35-52

PERCEPÇÃO DE ESTRESSE DE SERVIDORES NA


ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE DE DOURADOS-MS

SERVER STRESS PERCEPTION IN THE BASIC ATTENTION TO HEALTH OF


DOURADOS-MS

Marcelo Gonçalves da Silva Resumo


Acadêmico de Psicologia pelo
Centro Universitário da Grande
A atuação profissional em saúde é uma das áreas
Dourados - UNIGRAN.
em que o estresse e temas correlatos são estudados
E-mail: celogsil@gmail.com
frequentemente, e os resultados provenientes
destes estudos nem sempre são animadores.
Bruna Paes de Barros Múltiplos são os fatores geradores de estresse nos
Psicologia. Pós-doutorado em serviços de saúde. Atualmente, dispositivos para
Ciências da Saúde (Nefrologia) pela amenizar os impactos negativos do estresse são
Universidade Federal de São Paulo/ discutidos por diversos atores, dentre os quais, a
Escola Paulista de Medicina. Psicologia. Este estudo levantou a percepção de
E-mail: brunapaes@hotmail.com estresse de 34 servidores que atuam na atenção
básica de 4 Unidades de Saúde de Dourados/
MS, além de considerar alguns dispositivos para
contribuir com a saúde psicológica do servidor. A
grande maioria das pessoas que participaram eram
mulheres (92%), com idade média de 41 anos, sendo
44% destas autodeclaradas da cor branca. Cursaram
o ensino médio 58% e 35% o ensino superior, sendo
32% técnicas de enfermagem. O tempo médio de
trabalho na área é de 10,7 anos. Do total, 44% já
solicitaram afastamento por motivo de doença,
sendo que 17,6% fazem uso de psicotrópicos e 64%
realizam atividades físicas em busca de qualidade
de vida. Da percepção de estresse, sendo os valores
da escala de 0 a 56 (menor e maior percepção,
respectivamente), o escore mínimo foi 13 e máximo
41, a média 23,9. Dentre as políticas voltadas aos
servidores estão atividades individuais, grupais,
planejadas por profissionais de saúde mental ou
multidisciplinares, sempre consensuais quanto

Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 35 - 52 35


Artigo de Original Artigo de Original
a modificações de situações e condições Key-words: Stress; Psychology; Servers; Nesse sentido, Silva4 aponta que da atividade profissional em saúde são
estressantes também no âmbito da gestão Health. diante dos efeitos da globalização, várias compartilhados por médicos, enfermeiros,
em saúde. alterações têm sido cobradas e exigidas assistentes sociais, terapeutas ocupacionais,
dos profissionais de todas as áreas, como psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos,
implicação o mercado de trabalho tornou-se no que se refere à saúde ocupacional, por
Palavras-chaves: Estresse; Psicologia; Introdução amplamente competitivo e para sobreviver exemplo, o sofrimento psíquico inerente ao
Servidores; Saúde. neste ambiente é necessário que a vida trabalho no âmbito hospitalar é comuns a
deste trabalhador seja adequada tanto todos esses profissionais.8
Um dos fatores de maior relevância na dentro da empresa quanto fora da mesma. Porém, cabe mencionar também
vida de cada ser humano é o labor diário. Um fator de grande importância nos que os atendentes das unidades de saúde
Abstract Por vezes este, pode ser sentido como um dias contemporâneos tem sido observado e os agentes comunitários de saúde
pesado fardo pelo cansaço e desgaste que pela ampliação constante tecnológico e também estão propícios a sofrer desse
causa, todavia também pode ser avaliado a corrida desgastante pelo capital, tais mal, e percebe-se que em diversos casos os
The professional experience in health como algo que traz sentido à vida, e um
is one of the areas in which stress and fatos tem levado de modo crescente o mesmos não são considerados.
caminho ao bem-estar físico e financeiro esquecimento do trabalhador como ser Essa pesquisa teve como objetivo de
related issues often are studied, and the que este pode proporcionar.
results from these studies are not always humano, numa visão holística com suas avaliar o estresse, nos trabalhadores dos
Tavares1, afirma que o trabalho fraquezas, medos, ansiedades e também serviços de atenção básica em saúde de
encouraging. Multiple factors that generate nos dias atuais ocupa uma parcela de
stress in health services. Currently devices seus próprios limites.5 Dourados/MS. Além de levantar programas
relevância no cotidiano de cada indivíduo Nesta perspectiva Oliveira6 defende e ações desenvolvidos pelo SUS no que se
to mitigate the negative impacts of stress e se relaciona de maneira tão intrínseca
are discussed by various actors, including, que o trabalhador sempre padeceu com refere ao estresse de servidores em serviços
com a vida que por vezes é idealizado, por as consequências negativas que o próprio de saúde públicos; pontuar possíveis
psychology. This study raised the perception várias vertentes teóricas, como decisivas do
of stress of 34 servers that act in the basic trabalho apresenta, seja este pela falta sugestões para serem executadas pelo SUS
cerne, identidade e da própria subjetividade de reconhecimento de seus direitos ou para amenizar, o estresse, se constatado
attention of Health Units Dourados/MS 4, humana.
in addition to considering some devices to pela carga horária densa ou excessiva, neste estudo; apresentar estudos sobre
Nessa direção, Fernandes2 considera seja pelos aspectos de saúde e bem-estar, como a Psicologia atua nesta temática.
help with the psychological health of the que avaliado neste âmbito e contextualizado
server. The vast majority of people who já que muitas vezes trabalha em recintos Conhecer a realidade das pessoas que
no cenário hodierno, compreende-se que o insalubres expostos aos múltiplos agentes atuam na saúde básica se faz necessário
participated were women (92%), with an trabalho permite que as pessoas alcancem
average age of 41 years, 44% of those self- nocivos, ou mesmo em um ambiente que para valorizar as equipes de saúde em
reconhecimento e também prestígio exige concentração e atenção excessiva seu desempenho profissional, ajudando
proclaimed white color. Attended high social, bem como auxílio para atenderem
school 58% and 35% higher education, and com horários e com atenção a saúde do na promoção de saúde e prevenção de
às suas necessidades psicossociais mais semelhante ao qual tem responsabilidade. doenças, uma vez que tais servidores lidam
32% of nursing techniques. The average time corriqueiras, podendo ser qualificado como
of employment in the area is 10.7 years. Outro aspecto importante nesta com a saúde da população.
meio de aquisição de prazer a efetivação discussão é que a qualidade de vida tem
Of the total, 44% have requested removal pessoal, sendo esta um condicionamento
by reason of illness, with 17.6% make use despertado o interesse de estudiosos que
humano para a vida humana. tem aferido um alto índice de estresse
of Psychotropics and 64% perform physical Revisão de Literatura
Cabe mencionar que conforme o ocasionado pelo trabalho e com o
activities in search of quality of life. The Departamento intersindical de Estatística Características do Trabalho em
suporte para a crescente necessidade de
perception of stress, the values of the scale e Estudos socioeconômicos/DIEESE3, o Saúde
of 0 to 56 (lesser and greater perception, satisfação do ser humano, incrementando a
mercado de trabalho brasileiro passou por produtividade e alterando o sistema de vida
respectively), the minimum score was 13 diversas transformações, com um período
and 41, the average maximum 23.9. One dos indivíduos. 7
intenso de estruturação, apresentando Conforme a Lei Orgânica da Saúde
of the policies to the servers are individual, Destaca-se que dentre as profissões
nos últimos anos do séc. XX um aumento - LOS 3.º parágrafo, artigo 6.º a saúde do
group activities, planned by mental health de saúde, o trabalho do médico é o que
do trabalho formal. Este cenário estimula trabalhador é determinada como “um
professionals or always consensual, as the tem maior quantidade de estudos tanto
a competitividade na sociedade, favorece conjunto de atividades que se destina, por
modifications of situations and stressful do ponto de vista psicológico quanto
uma busca maior por qualificação, meio das ações de vigilância epidemiológica
conditions also in the field of management sociológico. Vale ressaltar também que,
habilidades e competências para o ingresso e vigilância sanitária, à promoção e
in health. ainda que conservando as particularidades
nesse mercado de trabalho. proteção da saúde do trabalhador, assim
de cada profissão, diversos aspectos

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Artigo de Original Artigo de Original
como visa à recuperação e à reabilitação ou especialidades, a psicologia na saúde Como um estímulo- Quando Silva4 afirma que, nos dias
dos trabalhadores submetidos aos riscos tem ganhado destaque e importância em o indivíduo expõe alguma contemporâneos o estresse é muito
e agravos advindos das condições de âmbitos multi e interdisciplinares para a circunstância vivenciada contestado por suas variadas significações.
que demanda uma atitude;
trabalho.” compreensão dos múltiplos elementos Como resposta, ou mesmo Mas ainda não há uma definição apropriada,
De acordo com Silva6 no ano de pautados à questão da saúde e ao exige uma atitude, como um pois não houve um acordo a respeito da
1992, a (OMS) Organização Mundial de adoecimento, assim como vêm sugerindo retorno, quando há uma reação mesma.
Saúde noticiou que “Estresse” era avaliado influências para o avanço e manutenção do psicológica, psícossociológica ou Silval7 defende que o Hans Selye foi
como a enfermidade do século XX. Fato já bem-estar humano.12:01 comportamental ao causativo o cientista que empregou essa significação
pontuado pelo Ministério da Saúde9 em Mendonça e Solanos13 apontam o do estresse; Como uma relação “estresse” na área da saúde humana.
entre o estímulo e a resposta,
2001, conforme segue, estresse integrado a implicações desastrosas, quando há influência mútua entre Por meio de avaliações, Selye observou
com múltiplas alterações orgânicas, os estímulos determinantes do que muitos indivíduos padeciam de
A adoção de novas tecnologias enfraquecendo o binômio mente-corpo, estresse e as respostas particulares doenças físicas e reclamavam de sintomas
e métodos gerenciais facilita a sendo um dos motivos mais corriqueiros de aos estímulos.14 corriqueiros, e tais fatores o induziram a
intensificação do trabalho que,
consultas médicas e também de quedas de pesquisar ações em animais, onde tão-
aliada à instabilidade no emprego,
modifica o perfil de adoecimento produtividade no trabalho diário. Os autores Outra definição descreve o estresse somente no ano de 1936, definiu o estresse
e sofrimento dos trabalhadores, ponderam ainda que o estresse afeta mais ocupacional como um método estressor - como implicação explicita de qualquer ação
expressando-se, entre outros, pelo de 90% da população mundial. Sendo esta resposta, ressaltando em conjunto tanto sobre o corpo, seja em decorrência mental
aumento da prevalência de doenças considerada uma epidemia global. os fatores do trabalho que extrapolam ou somática, e estressor, como agente ou
relacionadas ao trabalho, como a competência de enfrentamento do demanda que provoca reação de estresse,
as Lesões por Esforços Repetitivos indivíduo (estressores organizacionais) seja de extensão física, mental ou mesmo
(LER), também denominadas
de Distúrbios osteomusculares Estresse quanto as respostas fisiológicas, psicológicas emocional.
Relacionados ao Trabalho (DORT); e comportamentais aos eventos avaliados Por meio de suas pesquisas, observou
o surgimento de novas formas de como estressores.15 que o estresse causava reações de defesa
adoecimento mal caracterizadas, Assim, Rios10, versa que até o século e adequação frente ao agente estressor. A
como o estresse e a fadiga física O Estresse tem sido um tema muito
debatido, pois este traz uma representação XIX a termo estresse era empregado partir destas ressalvas, Seyle14 apresentou a
e mental e outras manifestações somente por engenheiros que e mediam
de um dos fatores causadores das síndrome geral de adaptação denominada
de sofrimento relacionadas ao
trabalho. Configura, portanto, transformações do organismo do indivíduo, e avaliavam os aparelhamentos físicos e (SAG). Essa pode ser alcançada como o
situações que exigem mais podendo levá-lo á sérias doenças analisavam a condição de durabilidade contíguo das reações do organismo frente à
pesquisas e conhecimento para que inclusive à morte. Seus primeiros indícios e flexibilidade dos aparelhamentos exibição delongada do estressor.13
se possa traçar propostas coerentes examinados. A reação do equipamento Mendonça e Solanos13 citam vários
e efetivas de intervenção.9 foram compreendidos pelo homem na
antiguidade, quando o mesmo guerreava contra as compressões e pressões sofridas estudiosos que apontam que dentre
por sua sobrevivência. por meio dos testes era apontada como os profissionais de saúde, o estresse
Trabalhos médicos ratificaram a estresse. Nesta compreensão, ou seja, para ocupacional pode ter consequências
influência do estresse nas enfermidades Selye14 foi o primeiro estudioso que
tentou definir o estresse, por meio de sua a física, o estresse é um retorno adentro do negativas quando associado com prejuízos na
do coração, pele, gastrointestinais, objeto, sendo esta parte de sua composição qualidade de vida no trabalho (FERNANDEZ,
neurológicas e conflitos emocionais.10 teoria do estresse, atribuiu à definição
partindo do aspecto biológico, definindo ou estrutura que é incitado por uma força GASCON et al., 2008), problemas de saúde
Nesse sentido11 menciona em sua pesquisa extraordinária. física e mental (HERNANDEZ, 2003), baixa
que doenças que atingem o ser humano são esta circunstância como uma síndrome,
ou mesmo fruto de uma ampla condição Todavia, Hobert Hook, na área satisfação no trabalho e maior chance de
denominadas como aquelas caracterizadas da física, por meio desta definição este cometerem erros no trabalho (WILLIAMS,
pelo acúmulo lento e progressivo de danos. de desgaste. Para o pesquisador este não
pode ser compreendido como uma tensão tentava explicar as sobrecargas, energias MANWELL et al.; 2007).
A psicologia no campo na saúde vem ou compressões, sendo primeiro a expor e Capitão et al12 destaca que prevenir o
se estabelecendo como uma das formas nervosa, nem mesmo possui semelhança
com o desequilíbrio da homeostase (alude analisar este impacto, ressaltando que não desenvolvimento de maus hábitos de saúde
de se compreender o adoecimento e na saúde humana, mas na área da física.16:56 persistirá sendo prioridade da psicologia na
aos modos pelos quais o indivíduo pode ao equilíbrio do organismo, abrangendo que
a sua interrupção ou a sua intranquilidade O autor definiu que este estado é como saúde. Investigações futuras poderão indicar
manter-se saudável. Em um campo não uma síndrome produto de um alto nível de as intervenções mais eficazes para alcançar
uniforme de teorias e técnicas, cujas provoca o fundamental sintoma do estresse).
Segundo ele, o estresse pode ser desgaste ocasionado pela própria existência o maior número de indivíduos no ambiente
ajudas são provenientes de distintas áreas humana. de trabalho, em escolas e universidades e
compreendido em três dimensões:

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Artigo de Original Artigo de Original
na comunidade. Diante do exposto pode- onde prevalecem as emoções de angústia hipertensão arterial, artrites e lesões no podem incidir, todavia, este fator esta ligado
se considerar o estresse como um estado destrutiva, do receio, tristeza, raiva, músculo cardíaco. à herança genética e neste caso podem
desagradável, decorrente de exterioridades, capacidade, de concentração é atenuada e Embora Selye14 tenha identificado as complicar ou não devido às implicações
principalmente das tarefas que o indivíduo o funcionamento a incerteza e aumenta a três fases do estresse, Lipp e Guevara no ocasionadas pelo estresse.18
considera ameaçador a sua auto-estima e perspectiva de acidentes. transcorrer de suas pesquisas, identificaram Guerrer17, cita em sua pesquisa
ao seu bem-estar. Guimarães5 afirmam que o termo outra etapa do processo, que foi avaliada que é comum nesta última fase contrair
distresse quase caiu em desuso, sendo tanto clínica como estatisticamente. Em úlceras, hipertensão, crise de pânico, de
trocado pelo termo estresse, sendo suas pesquisas, Lipp e Guevara19 relatam as herpes dentre outras. Sem tratamento
Tipos de Estresse e suas Fases este concernente ao equilíbrio deste possíveis reações físicas e emocionais frente especializado o indivíduo pode correr o risco
procedimento que os corpos vivenciam, ou ao estresse. de: infarto, acidente vascular cerebral, etc.
seja, as reações diante das transformações Sendo relevante destacar que não é
dinâmicas e constantes do meio físico Os sinais e indícios que ocorrem o estresse que origina tais enfermidades,
O indivíduo humano apresenta como com maior constância de nível
agente natural a busca do equilíbrio de externo ou interno dos indivíduos. O autor mas ela propicia o desencadeamento das
físico são: aumento da sudorese,
todo seu organismo, todavia, quando este pontua também as três fases do estresse enfermidades para as quais os indivíduos
tensão muscular, taquicardia,
equilíbrio passa a ser acidentado por um sendo elas: o alarme, a resistência e o hipertensão, aperto da mandíbula, estão predispostos ou mesmo o sistema
agente estressor, ou mesmo, por qualquer esgotamento/exaustão. ranger de dentes, hiperatividade, imunológico baixo colabora para tal fato
circunstância que desperte um anseio, seja náuseas, mãos e pés frios. Em ocorrer, conforme afirma Guimarães.5
▪ A fase de Alarme incide em uma etapa termos psicológicos, múltiplos
esta boa ou má, isto se estabelecerá numa sintomas podem acontecer como:
fonte de estresse.4 muito célere de orientação e identificação
ansiedade, tensão, angústia,
O estímulo pode desencadear do perigo, aparelhando o corpo para a Estresse no Trabalho em Saúde
insônia, alienação, dificuldades
diferentes respostas e, dependendo da reação, ou seja, a fase de resistência. interpessoais, dúvidas quanto a si
forma com que o indivíduo objeta a esse próprio, preocupação excessiva,
estímulo, ele pode alterar-se em um estresse Por vezes essas sensações não se inabilidade de concentrar-se A satisfação no trabalho é um elemento
identificam como estresse, sendo esta a em outros assuntos que não o
positivo ou negativo.5 relacionamento ao estressor, estritamente observado e esse empenho
Quando o estresse é positivo ele causa por que muitos não se enquadram procede do alcance que a mesma exerce
dificuldade de relaxar, ira e
denomina-se: eustresse. Este fator é neste quando ou mesmo estado. sobre o trabalhador, comprometendo sua
hipersensibilidade emotiva.19:43
cognominado quando ocorre o esforço saúde física e mental, bem como as atitudes,
de adequação que gera percepção de ▪ A fase Resistência é uma etapa desempenho profissional, social, o que
Nessa ordem de ideias Silva4, expõe
realização pessoal, bem-estar e satisfação que pode perdurar por anos. Sendo a repercute tanto na vida pessoal e familiar
que quando a nova fase foi abonada o termo:
das necessidades, mesmo que decorrente maneira pela qual o corpo se adapta à do indivíduo como para as organizações.
quase exaustão, por se deparar-se entre a
de esforços inesperado. É um esforço na nova circunstância. É parte do estresse Para tanto é importante conhecer as
fase de resistência e a fase de exaustão. Esta
garantia da sobrevivência.17 integral do indivíduo e atua de dois modos fontes que levam o profissional ao estresse,
fase recém-identificada distingue-se por
básicos: sintáxico (tolerância e acedência) em especial do trabalhador que atua nas
um enfraquecimento do indivíduo que não
No eustresse, prepondera a e catotóxica (contra, não acessão). Tal fato unidades de saúde, os quais estão expostos
está impetrando acomodar-se ou combater
emoção da alegria, assim sendo se dá quando o indivíduo tenta se habituar a distintos estressores ocupacionais que
o elemento estressor. Guerrer17, completa
existe um acrescentamento da à nova conjuntura, restituindo o equilíbrio
que nesta fase as enfermidades principiam comprometem diretamente o seu bem-
capacidade de concentração, da interno.
agilidade mental, as emoções a aparecer, porém ainda não são tão graves estar.
▪ A fase de esgotamento/Exaustão Dentre os quais estão às extensas
musculares são harmoniosas e como fase de exaustão.
bem empregadas, há sentimento incide em uma amortização da resistência, jornadas de trabalho, o número insuficiente
Quando nenhuma ação é realizada
de vitalizacão de bem-estar e seja pelo afastamento do estressor ou de pessoal, a falta de reconhecimento
para abrandar a tensão, o indivíduo cada
confiança.18 mesmo agressor, seja pela fadiga dos profissional, a elevada exposição do
vez mais se perceberá esgotado, sem
mecanismos de Resistência. profissional aos riscos químicos e físicos,
energia e depressivo, um fator importante é
Segundo o autor, se acontecer o a queda do sistema imunológico deixando o bem como o constante contato com o
contrário onde o comprometimento de Neste âmbito, a implicação será o da sofrimento, a dor e até mesmo a morte.
indivíduo pré-disposto à múltiplas ameaças.
adequação não traz realização pessoal, enfermidade ou mesmo um esgotamento, Conforme apresentada por alguns
Na área física, muitos tipos de enfermidades
comodidade e nem satisfação produzindo posteriormente a essa fase, verificou-se estudiosos.
um retorno negativo, gera-se um distresse, o surgimento de doenças como úlcera,

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A atividade laboral na área de saúde faziam antes. A Despersonalização
sempre é intensa por ser caracterizada pela faz com que o profissional passe
a tratar os clientes, colegas e a pressão arterial, sendo este um transtorno MS; UBS Jockey Clube; USB Ramão Vieira-
excessiva carga de trabalho, as situações transitório que ocorre em indivíduo, sendo Cachoeirinha; USB Seleta e USB Vila Rosa,
organização como objetos, de
limitantes, o alto nível de tensão e o maneira que pode desenvolver este um dos fatores que ocorrem com com população constituída por Assistentes
risco que correm e a responsabilidade de insensibilidade emocional. Já quem trabalha em lugares denominados Administrativos, Técnicos/Auxiliares de
também não transmitir este risco, finda por a Baixa Realização Profissional estressores como indivíduos da área da Enfermagem e Agentes de Saúde, as UBSs
afetar a qualidade da assistência por vezes revela-se por uma tendência do
saúde. Que pode também ser denominado foram escolhidas por serem referências na
proporcionada ao usuário.20 trabalhador em se auto-avaliar
de forma negativa. As pessoas Estresse Ocupacional é analisado como uma cidade de Dourados e por estarem situadas
Paschoalini21 argumenta que trabalhar das decorrências da cultura organizacional, em pontos estratégicos/cardeais da cidade.
sentem-se infelizes com elas
no campo da saúde hospitalar em geral próprias e insatisfeitas com seu sendo uma enfermidade crônica ocasionada O critério de inclusão foram os
expõe o trabalhador a múltiplos fatores, desenvolvimento profissional.23:103 pelas condições da atmosfera de trabalho servidores concursados, independentemente
pois, esta área é sempre uma realidade que comprometem negativamente o do tempo em que ocupa o cargo, desde
inquietante que inquieta e angustia o Grazziano24 ressalta que o trabalho em comportamento e desempenho de um que esteja atuando nos locais de estudo.
indivíduo, por estar presenciando e fazendo instituições hospitalares comumente expõe indivíduo quanto seu bem-estar integral: A exclusão se deu caso algum servidor
parte da circunstância que envolve outros os trabalhadores a diversos estressores com corpo e mente.21 não possua condições para responder os
seres humanos. extensas jornadas de trabalho, exposição a questionários, servidores em gozo de férias
Nesse sentido Gonçalves22, menciona riscos biológicos, tensão, baixa pagamento, ou afastamento de suas atividades laborais.
que o exercício profissional neste ambiente relação direta com a dor, amargura,
Metodologia Para convite aos servidores, foram feitas
é caracterizado por distantes exigências ansiedade e morte, e muitas vezes exigem visitas às UBSs, onde se foi feito a proposta
que se somam as condições por vezes deste profissional da saúde um domínio e a explicação de forma detalhada aos
contrárias de trabalho, onde podem advir emocional maior que em outras profissões.
Para a realização da pesquisa fora participantes do objetivo da pesquisa e que
sentimentos de incapacidade profissional e Trigo et al25 menciona que em sua
utilizado a estratégia metodológica esta respeita sua identidade que será mantida
descontentamento com a atividade laboral pesquisa avaliou que a enfermagem
quantitativa através da pesquisa de campo, em sigilo e sua privacidade respeitada. A
desenvolvida. Desta forma, o adoecimento é ponderada como a quarta profissão
a qual consiste em produzir conhecimento participação do estudo foi voluntária e os
profissional, envolve e afeta o enfermo mais estressante, segundo relata Health
que tem origem em informações de pessoas mesmos consentiram formalmente sua
como também seus familiares. Education Autorithy e depara-se com
diretamente envolvidas com a experiência, tais participação através da assinatura em duas
O Ministério de Previdência Social no problemas em delimitar os diferentes
como, a equipe de enfermagem (enfermeiros, vias do Termo de Consentimento Livre e
ano de 2007 afastou mais de 4,2 milhões de papéis da profissão e, por conseguinte, a
técnicos e auxiliares de enfermagem, agente Esclarecido (TCLE).
trabalhadores sendo que dentre esses 3.852 ausência de reconhecimento nítido entre os
comunitário de saúde, recepcionista/ Conforme já mencionado neste
foram diagnosticados com estresse crônico indivíduos, abrangendo a despersonalização
atendentes). Para execução da pesquisa, trabalho, o universo de estudo foram
denominada como Síndrome de Burnout. do labutador em analogia a profissão.
fora submetido o projeto de pesquisa na quatro UBSs do Município Dourados/MS,
De acordo Carlotto e Gobbi23, a Torres26 em uma pesquisa avaliou
Plataforma Brasil do Ministério da Saúde e a população foram constituídas por 56
definição de Burnout mais usada e acolhida que as condições dos médicos de uma
sob registro: CAAE: 47691215.4.0000.5159 e funcionários UBSs. Por se tratar de população
na comunidade científica é a baseada no Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e obteve
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa finita, para o cálculo da amostra, utilizou-se
aspecto social psicológico. Conforme segue o relato de diversos fatores que acarretam
– CEP do Centro Universitário da Grande da seguinte fórmula.
as três dimensões: o estresse nesta categoria, em essencial
Dourados – UNIGRAN, no dia 28 de setembro Cálculo do tamanho da amostra dos
pelas condições e pelos ritmos de trabalhos funcionários de quatro Unidades Básicas de
Exaustão Emocional (EE), de 2015 sob o parecer 1.246.636.
expostos, rotinas exigentes, questões éticas saúde de Dourados
Despersonalização (DE) e Baixa Para tanto, em seguida foram feitas
Realização Profissional (BRP) que exigem decisões frequentes e difíceis,
a aplicação de questionários estruturados
(MASLACH; JACKSON, 1981). A convívio com o sofrimento e a morte,
juntamente com o preenchimento da escala
Exaustão Emocional é caracterizada imprevisibilidade e carga horária excessiva.
pela falta ou carência de energia,
de estresse percebido, os quais permitiram
Por vezes o estresse agudo (aquele em
entusiasmo e por sentimento reunir dados, quantificá-los, e apresentá-los
que os agentes estressores estão presentes
de esgotamento de recursos. Os sob forma de gráficos e tabelas estatísticas.
durante um período inferior a uma
trabalhadores acreditam que já não As unidades convidadas para
têm condições de despender mais semana), ativa o sistema nervoso simpático
participação foram quatro Unidades Básicas
energia para o atendimento de seu (SNS). Vários estudos demonstraram o
de Saúde (UBS) do município de Dourados/
cliente ou demais pessoas como aumento da frequência cardíaca e da

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Portanto a amostra foi constituída por 46 funcionários das UBSs, sendo que os tamanhos
das amostras foram estimados de forma que os parâmetros calculados a partir delas fossem Escolaridade (N/ %)
significativos em relação aos valores verdadeiros determinados com a população.
Ensino Fundamental 02 (5,8%)
A pesquisa se constituiu em três etapas, sendo: 1ª) Assinatura e do TCLE, 2ª) Pesquisa
de levantamento de dados junto aos funcionários da UBSs, através de questionário sócio Ensino Médio 20 (58,8%)
demográfico e informações sobre o estado de saúde; 3ª) Preenchimento do Instrumento de
Escala de Estresse Percebido, (Cohen et al27) o qual possui cinco opções de respostas para as Ensino Superior 12 (35,2%)
questões expostas.
A Escala de Estresse Percebido formulada originalmente por Cohen27, traduzida e validada Estado Civil (N/ %)
para a população brasileira por Luft et al28, possui 14 questões com opções de resposta que
variam de zero a quatro (0=nunca; 1=quase nunca; 2=às vezes; 3=quase sempre 4=sempre). As Com parceiro 18 (52,9%)
questões com conotação positiva (4, 5, 6, 7, 9, 10 e 13) têm sua pontuação somada invertida,
da seguinte maneira, 0=4, 1=3, 2=2, 3=1 e 4=0. As demais questões são negativas e devem Sem parceiro 16 (47,1%)
ser somadas diretamente. O total da escala é a soma das pontuações destas 14 questões e os
escores podem variar de zero a 56. Sendo assim os escores próximos a 0 são considerados de Profissão (N/ %)
nenhum estresse percebido, e próximo a 56 considera-se maior estresse percebido. Agente de Saúde 07 (20,5%)

Auxiliar de Enfermagem 04 (11,7%)


Resultados
Técnico em enfermagem 11 (32,3%)

Administrativo 13 (38,2%)
A amostra foi constituída de 34 de servidores em saúde como mostra a (Tabela 1), sendo
que o previsto era de 46, o que que não foi possível devido ao absenteísmo de 08 pessoas e de Habitantes por casa
04 pessoas que se recusaram a participar da pesquisa declarando que não tinham estresse ou
não tinham interesse pela pesquisa. Média ±DP 3,2 ± 1,1

Tabela 1 – Dados Sociodemográfico Tempo de Trabalho (anos)

Média ± DP 10,7 ± 8,4


(n=34)
Cursos de Capacitação (N/ %) 25 (73,5%)
Sexo (N/ %)
Fonte: Dados da pesquisa.
Feminino 31 (92%)

Masculino 03 (8%) As unidades de saúde participantes foram as: Cachoeirinha, Jóquei Clube, Vila Rosa
e Seleta (Flórida I). Na unidade de saúde do bairro Cachoerinha, foram entrevistados 08
Idade (anos) servidores em saúde, 02 servidores encontravam-se em afastamento do trabalho (férias e
licença médica) e uma servidora se recusou a participar da pesquisa. Unidade da SELETA
Média ± DP 41,4 ± 9,9 foram entrevistadas 07 pessoas, 01 encontrava-se de férias e 02 se recusaram a participar.
Na Unidade de Saúde do Jóquei Clube, foram entrevistadas 07 pessoas e 02 se recusaram à
Cor/raça (N/ %)
participação. Já na Vila Rosa, foram entrevistadas 12 pessoas, 02 encontravam-se de férias e
Branco 15 (44,1%) 02 duas recusaram à participação.
A análise dos dados sociodemográficos revelou que a amostra se constitui em sua
Pardo 17 (50 %) maioria do sexo feminino com 92% e apenas 8% do sexo masculino, com a média de idade de
41 anos. Quanto a cor, 44,1% se declararam brancos, 50 % pardos e 5,8% negros.
Negro 2 (5,8%) No que se refere ao estado civil, no momento da entrevista, 52,9% estão com parceiro
(casados, união estável, entre outros) e 47,1% sem parceiro (solteiros, divorciados ou viúvos).

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Artigo de Original Artigo de Original
Em relação a escolaridade dos trabalhadores 5,8% possui apenas o ensino fundamental, Conforme os dados apresentados na (Tabela 03), observa-se que a distribuição da
58,8 % o ensino médio e 35,2% possui ensino superior e/ou pós-graduação. pontuação da população estudada variou entre 13 e 41, com média de 23,9 e desvio padrão
Entre os cargos dos entrevistados, 20,5% são agentes comunitário de saúde, 11,7% de 7,4. Deve-se considerar que o resultado da Escala de Estresse Percebido – pode variar entre
auxiliares de enfermagem, 32,3% técnicos de enfermagem e 32,2% atuam no administrativo zero e 56 pontos. Embora os estudos sobre percepção do estresse não categorizem os escores
das unidades de saúde. em valores/intensidade, a média de 23,9 escore e seu desvio padrão, nos remete afirmar
A média de habitantes por casa é de 3,2 e a média de tempo de trabalho é de 10,7 anos, que os participantes se encontram em estresse, na ocasião da aplicação do questionário.
sendo que 73,5% dos entrevistados declaram que recebem cursos de capacitação oferecidos Ainda que não houvesse adesão a pontos de corte e classificação de níveis, nos casos em que
pela Secretaria Municipal de Saúde e parceiros. foram encontrados escores mais altos que a média do questionário (>23), os trabalhadores
No que se refere à saúde dos funcionários conforme mostrado na (Tabela 2), 26,4% foram convidados/orientados e/ou encaminhados para os serviços de Psicologia oferecidos
declaram ter ou ter passado por algumas doenças, e que 35,2% faz uso de medicamentos, gratuitamente no Núcleo de Psicologia da Unigran, bem como foram orientados a procurar os
sendo que 17,6 % são de psicofármacos e 8,8 % são anti-hipertensivos e hipoglicemiantes. Já demais serviços de atendimento psicológico gratuitos disponíveis na cidade.
passaram por internação hospitalar ou intervenção cirúrgica 58,8 %, sendo que 14,7 % foram
diagnosticados com câncer de mama, 8,8 % cirurgia de apendicite, 8,8% vesícula e 26,4 % de Tabela 03 – Escala de Estresse Percebido
outras causas. Estiveram afastados do campo de trabalho por motivos diversos 44,1%. A maioria
(67,7%), pratica atividades que estimulam o bem-estar, entre as mais citadas: academia, lazer, n= (34)
passeio com a família, andar de bicicleta.
Média ± DP 23,9 ± 7,4
Tabela 2 – Dados de Saúde dos Servidores Entrevistados Pontuação mínima 13
Pontuação máxima 41
(n=34) Fonte: Dados da pesquisa.
Doenças Prévias* 9 (26,4%)
Uso de Medicação 12 (35,2%) Discussão
Classe Medicamentosa

Psicofármacos 06 (17,6%) O resultado obtido de que a maioria dos participantes era do sexo feminino, vai ao
encontro do identificado por Curado29, que, em sua pesquisa com trabalhadores em saúde,
Anti-hipertensivos/Hipoglicemiantes 03 (8,8%) observou que 86,5% dos participantes também eram do sexo feminino. Esse dado pode sugerir
Internação Hospitalar/Cirúrgica 20 (58,8%) que o trabalho em serviços de saúde é caracterizado pela grande presença do sexo feminino.
A reflexão sobre as diferentes exigências socioculturais entre homens e mulheres, construídas
socialmente desde a infância, é uma das possíveis considerações sobre essa maior quantidade
de mulheres nos serviços de saúde, trabalhos esses considerados como função de cuidado e
Câncer de Mama 05 (14,7%) ajuda.
Ainda que nossos dados indiquem que a maioria convive com parceiros afetivos e
Apendicite 03 (8,8%)
apresentam filhos em suas configurações familiares, reforçando também o papel das mulheres
Vesícula 03 (8,8%) em busca de igualdade de gênero no trabalho, nossos instrumentos não pesquisaram as
condições socioculturais que podem levar as mulheres a despender um esforço maior ou
Outras Causas 09 (26,4%) sua escolha pessoal para lidarem com as exigências da vida diária, como exercer além das
Afastamento do Trabalho 15 (44,1%) atividades no trabalho a responsabilidade pela casa, marido e filhos, ainda que no Brasil, o
modelo social seja conservador e considere as atividades da casa e do cuidado das crianças
Atividades para o bem-estar** 22 (64,7%) como obrigação das mulheres. Assim, essa é uma possível hipótese levantada que deve ser
* Depressão, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, entre outras. verificada em pesquisas futuras, sobretudo para garantir políticas públicas que assegurem a
** Academia, caminhada, bicicleta e outros. igualdade de gênero e a diminuição da violência contra a mulher.
Fonte: Dados da pesquisa. Através deste estudo pôde se perceber que a área de saúde, por contemplar doenças
e a possiblidade de morte, pode ser considerada um setor propício para o desenvolvimento
do quadro de estresse, e isso se torna mais significativo para os cargos que necessitam estar

46 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 35 - 52 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 35 - 52 47


Artigo de Original Artigo de Original
constantemente em contato com usuários assume conformações específicas, variando A cidade de Dourados/MS conta e autoridade, oferecimento de horários
de saúde pública. O estresse é amplamente de oito a 20 profissionais de nível superior e com apenas uma unidade do CERESTs, flexíveis, entre outros. Na secundária há
compreendido como uma necessidade de médio, a depender da sua esfera de atuação e que atende toda a região, o que torna uma tentativa de aliviar a intensidade
adaptação ou ajustamento de um organismo (estadual ou regional) e da dimensão de sua insuficiente para atender toda a demanda, da sintomatologia do estresse presente
frente as pressões que o ambiente impõe. O área de abrangência. Algumas categorias necessitado assim de um olhar especial antes que doenças se manifestem. E por
modo como as pessoas reagem ao estresse profissionais são obrigatórias em tais de nossos governantes para aplicação de fim a terciária que se caracterizada pelo
também está ligado ao tabu social sobre equipes, sendo elas o médico, o enfermeiro novas políticas públicas e estratégias para tratamento das doenças que tem em
doenças e a morte. e o auxiliar de Enfermagem. O restante da melhoria desses profissionais de saúde. sua gênese a contribuição do estresse e
Os desgastes causados pelo estresse equipe pode ser composto por diversas A unidade do CEREST/RENAST na que já se manifestaram. Isto é feito, pelo
podem levar o profissional ao estado da categorias de nível médio e por profissionais cidade de Dourados promove ações para encaminhamento dos trabalhadores a
síndrome de burnout, termo que descreve de nível superior “com formação em Saúde melhorar as condições de trabalho e a profissionais da área de saúde física ou
a realidade de estresse crônico em do Trabalhador”, que podem ser médicos qualidade de vida do trabalhador por mental.
profissionais que desenvolvem atividades generalistas, médicos do trabalho, médicos meio da prevenção e vigilância da saúde
que exigem alto grau de contato com as especialistas, sanitaristas, engenheiros, do trabalhador, entre os serviços estão:
pessoas. enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, acompanhamento médico, psicológico/ Considerações Finais
Sabendo da relevância que tem o fonoaudiólogos, fisioterapeutas, sociólogos, psiquiátrico, fisioterapeuta. Sendo estes
estresse na vida dos profissionais de saúde ecólogos, biólogos, terapeutas ocupacionais serviços oferecidos em parceria com a rede
e o efeito negativo que este proporciona e advogados. de saúde pública do município. De acordo com os dados obtidos,
é importante que sejam desenvolvidas Segundo a Portaria do Ministério da Programas de atenção à saúde do podemos identificar algumas linhas de
medidas de enfrentamento com o objetivo Saúde, GM/MS 2.728/05 As atribuições trabalhador podem ser desenvolvidos considerações na investigação da percepção
de diminuir os problemas existentes do CEREST são: I. Prover suporte por psicólogos ou até mesmo por equipes sobre a ocorrência de estresse e suas
no ambiente de trabalho, minimizar as técnico adequado às ações de Saúde do multiprofissionais, utilizando-se de consequências nos servidores de saúde nas
dificuldades, dar apoio aos trabalhadores, Trabalhador; II. Recolher, sistematizar e intervenções em grupos, ou em casos Unidades Básicas (UBS) do município de
proporcionar melhores condições de vida difundir informações de interesse para mais severos, atendimentos individuais. O Dourados.
dentro e fora do ambiente de trabalho e a Saúde do Trabalhador; III. Apoiar a ambiente de trabalho poderia ser utilizado Diante do presente resultado,
assim, melhorar a qualidade da assistência realização das ações de vigilância em Saúde como espaço terapêutico para esses reconhece a necessidade de medidas e,
prestada ao indivíduo.30 do Trabalhador e IV. Facilitar os processos trabalhadores, assim, não necessitando que por isso, sugere-se à implantação de novos
No SUS a Saúde do Trabalhador iniciou- de capacitação e educação permanente os mesmos faltem ao trabalho, ou tenha programas de educação para a saúde, de
se nos anos 80, fruto da iniciativa de alguns para os profissionais e técnicos da rede do que se deslocar para outro local. prevenção e redução do estresse para todos
profissionais e de diversos movimentos SUS e dos participantes do controle social.32 Zanelli33 aponta dois programas de esses profissionais pesquisados e também
sociais. Para prevenção e promoção de Observa-se então que o psicólogo não atenção à saúde do trabalhador, um, centrado outros que trabalham nas UBSs deste
saúde do trabalhador, o Ministério da tem inserção obrigatória nessas equipes, nas manifestações da pessoa, visando a município.
Saúde criou a Rede Nacional de Atenção mas está entre os profissionais de saúde aprendizagem, por parte do trabalhador, de Concluiu-se que estes servidores
Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), que podem integrá-las. No entanto, o que estratégias de enfrentamento das condições indicam sinais característicos de estresse,
que tem como objetivo “integrar a rede de se tem observado na prática é que a maioria ou dos agentes estressantes, procurando e que a rede de saúde oferece programas
serviços do SUS, voltados para a assistência dos CERESTs tem destacado a importância recuperar e prevenir respostas negativas de saúde para promoção e prevenção da
e a vigilância, para o desenvolvimento das dos psicólogos neste processo de saúde do associadas aos efeitos do estresse. saúde do trabalhador. A psicologia tem sua
ações de Saúde do Trabalhador.”31 trabalhador e tem optado pela inclusão do Ainda segundo o autor, uma importância em execução de programas
Essa estratégia deu-se, por meio de psicólogo em suas equipes. outra maneira de conceituar os tipos de e intervenções junto as Unidades de
incentivo financeiro aos municípios e estados É importante ressaltar que a Saúde intervenção é classificá-las em primária, Saúde Contribuindo assim, para reduzir
para a criação de Centros de Referência em do Trabalhador, enquanto política de saúde secundária e terciária. A primária é os estressores no trabalho (prevenção
Saúde do Trabalhador (CERESTs), que devem pública, não focaliza apenas a saúde dos aquela que tenta mudar os estressores primária), o nível de estresse encontrado
desempenhar a função de suporte técnico, trabalhadores com vínculos formais de organizacionais presentes no trabalho. (prevenção secundária) e as consequências
de coordenação de projetos e de educação trabalho. Ela se ocupa de qualquer tipo de Alguns tipos de ações para essa intervenção de longo prazo do estresse relacionado ao
em saúde para a rede do SUS da sua área de atividade de trabalho, formal e informal, são: redefinição de tarefas33, modificação trabalho (prevenção terciária).
abrangência. As unidades contam com uma que ofereça riscos à saúde e à segurança do ambiente ergonômico, outorga ao Espera-se que os resultados
equipe mínima definida em portaria31 que dos trabalhadores. trabalhador de maior poder de decisão encontrados nesta pesquisa possam

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Artigo de Original Artigo de Original
contribuir para o reconhecimento dos sintomas de estresse como um alerta, assim, verifica-se 9
. Ministério da Saúde Do Brasil. Doenças Relacionadas ao Trabalho – Manual de Procedimentos
a necessidade de as unidades de saúde acompanharem, monitorarem e fornecerem apoio a para os Serviços de Saúde. Brasília: MS; 2001.
todos os seus trabalhadores, com a finalidade de evitar fatores estressores, além de propor
programas de prevenção, promoção de saúde e também da criação de campos de estágios de . Rios OFL. Níveis de stress e depressão em estudantes universitários (Dissertação de
10

Psicologia ou uma possível parceria com as clínicas de Psicologia das faculdades de Dourados, Mestrado). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica; 2006.
para fins de oferecer atendimento a esses servidores de forma gratuita e de qualidade. . Bauer ME. Estresse – Como ele abala as defesas do organismo?  Ciência hoje.  2002;
11

O alívio e redução dos sintomas do estresse pode ser obtido por meio de exercício físico 30(179):20-25.
ou de qualquer tipo de atividade de bem-estar. Algumas vezes, a mudança de ambiente ou de
modo de vida produz boa resposta terapêutica. Somente com o conhecimento e conscientização . Capitao CG.; Scortegagna AS, Baptista MN. A importância da avaliação psicológica na saúde.
12

dos fatores de risco de adoecimento no trabalho é possível estabelecer medidas corretas para Aval. psicol., Porto Alegre, jun. 2005; 4(1). Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.
a redução do estresse e prevenção de doenças que nele têm sua origem. php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712005000100009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10
Propõe-se que novas pesquisas ampliem o estudo do estresse ocupacional em mai 2015.
trabalhadores em saúde pública e até mesmo privada, para continuar explorando a influência . Mendonça MB, Solano AF. A pragmática do stress: conceitos e releituras no ambiente
13
de variáveis que possam estar envolvidas nos processos de transação entre o indivíduo e o empresarial. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos”, 2013; 4(1):57-67.
ambiente. Aprofundar os estudos do estresse organizacional, como investigar o nível de Burnout
encontrado nos profissionais e utilizar instrumentos que possam avaliar mais detalhadamente 14
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Programa de Pós-Graduação Saúde
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. Ministério da Saúde do Brasil. Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações
31
Coletiva, Universidade Federal do
formação em saúde num plano micropolítico, a
Programáticas Estratégicas, Área Técnica de Saúde do Trabalhador. Cadernos de Atenção Rio Grande do Sul (PPGCOL/UFRGS).
partir de perspectivas teóricas que mobilizaram os
Básica, Brasília/DF; 2002. Vol. 5. E-mail: janainacollar@gmail.com
autores na reflexão sobre a educação permanente
32
. Ministério da Saúde do Brasil. Portaria nº 2.728/05. Dispõe sobre a ampliação e o e a integralidade em saúde. O estilo ensaístico
João Beccon de Almeida Neto se compôs de inquietações, conceitos, teorias,
fortalecimento da RENAST no SUS. Brasília: MS; 2005.
Doutorando no Programa de Pós- experiências, metáforas e análises do contexto
. Zanelli JC et al. Estresse nas organizações de trabalho: compreensão e intervenção baseadas
33
Graduação em Bioética e Saúde atual. O ensaio foi constituído em três movimentos.
em evidências. Porto Alegre: Artmed; 2010. Coletiva (UFF/UFRJ/UERJ/FIOCRUZ). Um primeiro deles fez aproximações entre a
Professor da Universidade Federal formação profissional e o trabalho em saúde,
de Juiz de Fora - Faculdade de buscando explicitar uma dimensão técnica (o
Direito. domínio de certo conjunto de conhecimentos e
E-mail: jbeccon@gmail.com técnicas) e uma dimensão política (a produção de
modos de subjetivação que moldam a relação do
Alcindo Antônio Ferla sujeito com o trabalho). Um segundo movimento
tomou o trabalho em saúde na contemporaneidade
Doutor em Educação. Professor como campo de problematizações, desenvolvendo
Adjunto da Escola de Enfermagem a ideia da potência do conhecimento produzido no/
da Universidade Federal do Rio pelo trabalho como dispositivo para a autonomia
Grande do Sul. do trabalhador no cotidiano. Por fim, o encontro
E-mail: ferlaalcindo@gmail.com entre educação permanente e trabalho em saúde é
dispositivo para refletir sobre a gestão do trabalho,
a integralidade e o cuidado inclusivo.

Palavras-chave: Educação Permanente em


Saúde; Saúde Coletiva; Ensino das profissões da
Saúde; Subjetividades.

52 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 35 - 52 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 53 - 64 53


Artigo Original Artigo Original
Abstract foram inicialmente compartilhadas peças Educação permanente para práticas doença e à dependência dos serviços. Não
confeccionadas nas diferentes formações de integralidade: uma brecha à há cuidado integral se não houver produção
e atuação dos autores. O estilo ensaístico criação nas políticas e práticas de autonomia para o sujeito, já que essa é
Essay about connections between work and se compôs de inquietações, conceitos, uma dimensão das necessidades de saúde.1
teorias, experiências, metáforas e análises
contemporâneas Para a realização efetiva desse trabalho,
health training in micro-political plan, from
theoretical perspectives that mobilized do contexto atual. Não perseguimos um a análise dos muitos atravessamentos que
the authors reflection on lifelong learning objetivo de ineditismo e densidade teórica perpassam trabalhadores e usuários, é
and comprehensiveness in health care. ampliada, apenas o de compartilhar imprescindível para se constituir uma rede
The essay style consisted of concerns, reflexões a partir de conexões teóricas, de cuidados híbrida. No ato de cuidar,
concepts, theories, experiences, metaphors empíricas e também afetivas que o jogo nos a dimensão micropolítica, que mobiliza
and analyzes the current context. The test foi oferecendo. reações na interação com o outro, toma
consisted of three movements. A first one O ensaio foi constituído em três a cena e produz sentidos diversos para o
made links between the vocational training movimentos. Um primeiro deles fez cuidado. As relações que se estabelecem na
and health work, and endeavors to identify aproximações entre a formação profissional cena do cuidado também são atravessadas
a technical dimension (right domain set e o trabalho em saúde, buscando explicitar por normas e protocolos, que normalmente
of knowledge and skills) and a political uma dimensão técnica (o domínio de certo estabelecem molduras fixas e incidem
dimension (the production of subjectivity in conjunto de conhecimentos e técnicas) sobre a cultura de saúde das pessoas.
ways that shape the subject’s relationship e uma dimensão política (a produção Mas, em tempos de fluxos migratórios
with the job). A second movement took de modos de subjetivação que moldam intensos, os conhecimentos que precisam
health work nowadays as problematizations a relação do sujeito com o trabalho). ser mobilizados para o cuidado requerem
field, developing the idea of ​​the power of A educação permanente em saúde é a desnaturalização do conceito de “cultura
knowledge produced in / the work as a proposta como brecha no cenário atual, local” para incluir o contato com valores,
device for the autonomy of the worker in que produz abertura para a organização culturas e produções que auxiliem na
everyday life. Finally, the meeting between do trabalho de formas mais potentes para resposta ampla ao direito fundamental a
lifelong education and health work is device a produção da integralidade. Um segundo vida de todos e todas, de forma integral.
to reflect on the management of labor, movimento tomou o trabalho em saúde Mais do que um problema operacional, a
completeness and comprehensive care. na contemporaneidade como campo de capacidade de deixar a prática tornar-se
problematizações, desenvolvendo a ideia híbrida de valores e saberes diversificados,
da potência do conhecimento produzido Fonte: Quino. Quinoterapia. São Paulo: Martins potencializa a integralidade pela abertura
no/pelo trabalho como dispositivo para a fontes, 2004. à alteridade. Para tanto, é necessário pôr o
Keywords: Continuing Health Education;
Public Health; School of Health Professions; autonomia do trabalhador no cotidiano. Por trabalho, a relação com o trabalho e a relação
subjectivities fim, o encontro entre educação permanente Um dos principais objetivos do SUS com o outro em análise, buscando quebrar
e trabalho em saúde é dispositivo para é a atenção integral à saúde das pessoas as naturalizações que o conhecimento, a
refletir sobre a gestão do trabalho, a e das coletividades, envolvendo o uso de técnica e as normas dos serviços tendem
integralidade e o cuidado inclusivo. diferentes naturezas de tecnologias como a produzir. O cuidado não será integral se
Um ensaio sobre a educação e o
destaca, em diversas produções teóricas apenas estiver moldado pelo conhecimento
trabalho sobre a micropolítica do trabalho em biomédico disponível.
saúde, Emerson Merhy (equipamentos É necessário nutrirmos um olhar
tecnológicos, saberes estruturados e questionador, pois a “segurança” dos
Este ensaio nasceu da motivação tecnologias leves, as quais são a base conceitos naturalizados, duros e lacrados
por pensar conexões entre o trabalho e a da gestão do cuidado). Importante, no em caixotes, tem efeito de sedação à
formação em saúde num plano micropolítico, contexto de um trabalho complexo e com capacidade de criação, à inovação, ao viver
a partir de perspectivas teóricas que grande densidade tecnológica, reconhecer saúde e ao exercício permanente de viver
mobilizaram os autores na reflexão sobre a a autonomia do usuário, porque a oferta em intensidade e inventar novos modos de
educação permanente e a integralidade em de saúde precisa ser resolutiva, mas ao andar a vida, que, afinal, são marcadores
saúde. Tal qual num jogo de quebra-cabeça, mesmo tempo fazer sentido para o usuário contemporâneos da saúde. Mais do
e gerar padrões de liberdade em relação à que a capacidade de mobilizar todos os

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Artigo Original Artigo Original
conhecimentos e capacidades profissionais à formação longitudinal de carreiras, mas o trabalho. O Ministério da Saúde, nesse escuta de intensidade, pois o importante
decorrentes das técnicas e normas, falamos no estreitamento da relação entre “(...) sentido, considerou como caminho para era o diagnóstico da doença e prescrição do
aqui de uma competência em Educação formação, gestão, atenção e participação formação e promoção da EPS a indução tratamento, independente da singularidade
Permanente em Saúde, como filtro e como nesta área específica de saberes e de de projetos de mudança na educação que congrega a trajetória de cada usuário
dispositivo para mobilizar conhecimentos práticas, mediante as intercessões técnica, na graduação, nas especializações e das sensações que o encontro do usuário
úteis e oportunos, localizados na cena do promovidas pela educação na saúde (a em serviço, nas residências médicas ou com o serviço produz. Para isso, não é
cuidado, que fazem avançar a integralidade educação intercede pela saúde, ofertando outras estratégias de pós-graduação; necessária essa dimensão da escuta,
no cotidiano. Através deste movimento, suas tecnologias construtivistas e de ensino- desenvolvimento dos trabalhadores e dos apenas a identificação de sinais e sintomas
acreditamos que se forme e consolide em aprendizagem).”3:976 A EPS, como política gestores de saúde; envolvimento com o que podem advir da objetivação da fala do
cada um de nós escuta e gestão do cuidado, púbica, tem tomado forma nas práticas movimento estudantil da saúde; produção outro. O hospital, para dar um exemplo,
mobilizado o quadrilátero da formação2, de atenção em saúde desde 2003, com a de conhecimento para a mudança das quando deixa de ser o local para assistir à
estabelecendo assim, uma visão singular formação de política nacional específica práticas de saúde e de formação, bem como morte e passa a ser o local de tratamento
de todos e de cada indivíduo no momento aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, a educação popular para a gestão social das das doenças, não visou o cuidado ao
em que se expressa o encontro no sistema cujo termo, destarte, era inexistente até políticas públicas de saúde. doente ao tratar a doença, mas evitar que
de saúde. Por isso que atenção (oferta de então.3 Essa política se espalha também a doença fosse potencializada a partir do
saúde) está sempre associado à gestão como prática de ensino-aprendizagem A escolha da Educação Permanente próprio hospital e que as doenças não se
(como se organiza a política), à participação e como gestão da aprendizagem no em Saúde como ato político de espalhassem pela cidade.6 Há um duplo
defesa do trabalho no SUS decorreu
(a expressão do singular) e a formação (há cotidiano dos sistemas e serviços de saúde. fluxo disciplinar nessa origem: a disciplina
do desafio para que o setor da saúde
aprendizagem que precisa ser feita o tempo É a aprendizagem colada ao cotidiano do correspondesse às necessidades da da organização do hospital e suas práticas
todo), “constituem a prática da qualidade trabalho, mobilizada pelos problemas e população, conquistasse a adesão e a disciplina de organização da cidade e
da formação para o desenvolvimento situações do mundo do trabalho, e que dos trabalhadores, constituísse do estado civil. Em ambas, o predomínio
tecnoprofissional, o ordenamento da constrói redes de saber para a ação a partir processos vivos de gestão da ordem disciplinar sobre a vida, de uma
rede de atenção e a alteridade com os do cotidiano. participativa e transformadora e biopolítica que se exerce sobre todas as
seduzisse docentes, estudantes
usuários.”2 Conhecimentos e práticas Pela agenda de formação da EPS, vidas.7
e pesquisadores à mais vigorosa
precisam ter movimento no interior dos mais do que educação profissional, a implementação do SUS.3:979 Essa forma de interpretar a relação
serviços, para produzir vetores de força aprendizagem atua no desenvolvimento entre saúde e doença passa a sofrer
para a integralidade. Ao mesmo tempo do trabalho no cotidiano dos sistemas e É uma proposta que não só coloca a críticas na contemporaneidade. Contudo,
em que a formação profissional distribui serviços, mobilizando aprendizagens que educação no seio da agenda e das políticas inolvidável que os discursos cientificistas
identidades para o trabalho, precisamos colocam em contato o trabalho e a produção públicas, mas que vem ao encontro da reforçavam a armadura biomédica de
produzir quebras nessas identidades de conhecimentos.4 A proposta da EPS é ruptura de uma formação profissional negar a escuta. Nesse sentido, não há
para um cuidado integral, que busque “tomar o cotidiano como lugar aberto à assistencialista e centrada no conhecimento como negar a própria influência desse
responder às necessidades de saúde de revisão permanente e gerar o desconforto biomédico, cujo espaço de subjetividades discurso na gestão, que se entregava ao
pessoas e coletividades, que são sempre com os lugares ‘como estão/como são’.”5:166 procura-se manter nulo, tanto no âmbito conhecimento provado/ditado pelo método
diversas. Esses movimentos, a conexão dos Por isso, a EPS, como modo de aprender, dos saberes e práticas, quanto no cuidado e aplicado a partir de critério de utilidade
saberes com o cotidiano do trabalho e a se produz no cotidiano do trabalho, no ao usuário. O profissional como detentor (não é à toa o quanto a ética utilitarista
aprendizagem constante e significada pela “entre” dos diferentes papéis que são do saber que domina a vigência das se destacou no período, sendo uma das
capacidade de embasar ações profissionais desempenhados na cena do cuidado, e, práticas, produzido pela incorporação bases da própria formação das nossas
compõem a Educação Permanente em como política, se forma no entre setores, dos conhecimentos e técnicas validados instituições disciplinares ou de biopolítica).8
Saúde (EPS). no entre ministérios (Saúde e Educação). pela ciência vigente, ainda é o padrão da São exemplos desse cenário, as influências
Desenvolver na rede pública de saúde, Tudo isso com o intuito de fomentar, formação profissional em saúde desde as aos currículos médicos do Relatório
interconexões de ensino-aprendizagem trazer transformações do trabalho, dando origens, no final da idade média. A formação Flexner (1910), a Revolta da Vacina no Rio
no exercício do trabalho está intimamente espaço ao pensamento reflexivo, crítico e profissional se expressa de forma mais fiel de Janeiro (1904), a promoção em saúde
ligado ao conceito e formação da EPS e, criativo, para deixar de lado as reproduções na absorção do conhecimento disponível através de outras práticas, interpretadas em
nesse caso, também é o dispositivo que da cultura institucionalizada no seio dos e o desenvolvimento da habilidade de alguns momentos como acientíficas, como
permite avançar na mobilização de saberes serviços e para quebrar o elo inflexível tornar-se sujeito desse conhecimento e Homeopatia9 e o uso de ervas medicinais,
e tecnologias adequadas ao cuidado entre conhecimento especializado como das técnicas que ele produz. É sabido que que ainda encontramos na literatura como
integral. Este movimento não se propõe ferramenta que produz racionalidade para esse discurso anulou a escuta, ao menos a sendo cuidados ou medicinas alternativos/

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Artigo Original Artigo Original
as ou complementares. Saberes tradicionais, realizar a EPS em nossa sociedade ainda diversas roupagens em nosso admirável Podemos utilizar essa situação para
validados ao longo da história pelo uso em muito imediatista e individualista? mundo, cujo próprio conceito de novo é ilustrar um pouco da reflexão que propomos
diferentes culturas e grupos, deslocam- reinventado constantemente. Somos seres aqui, que coloca a capacidade de análise
se para o limite do que pode ter vigência portadores de vontades imediatas. Somos de si e das relações com o entorno como
para ordenar as práticas de cuidado por Identidades, individualismos e seres desejantes de prazer imediato, como dispositivo de aprendizagem permanente.
meio do rótulo de “alternativo” ou mesmo excessos: quando tudo parece se equivalesse à vida em intensidade. Assim como o imitador de vozes em seu
“complementar”. Diversas novas drogas são disponibilizadas número, internalizamos e reproduzimos
Portanto, a inscrição de sentidos no demasiado para a aprendizagem diariamente, justamente para perseguir diversas práticas visíveis e audíveis ao nosso
trabalho não se constitui em ato, mas é essa condição. Mas é paradoxal como redor. Desenvolvemos, ao longo da vida, a
previamente pensada e instituída a partir da facilmente culpabilizamos o fabricante, ao capacidade de lapidar nosso personagem (o
ciência vigente, fazendo com que houvesse Sem nos atermos aos embalos de invés de repensamos sobre nossas próprias que desempenhamos no cotidiano, como
como que uma objetividade anterior ao conceitos de qual época vivemos e seus vontades. A construção do papel de profissionais, usuários, cidadãos) a partir de
momento do cuidado, definida a partir desdobramentos, como o pós-modernismo, cidadão parece se esgotar na condição de um conjunto de valores que são vigentes e
da ciência e da técnica biomédica. E essa modernismo tardio, contemporâneo, ... consumidor de produtos e serviços; assim que definem o modo considerado adequado
objetividade constitui os discursos que são queremos refletir aqui sobre o hoje, dentro como o sujeito saudável parece requerer de existir e andar a vida. Aqui o desafio
considerados legítimos no sistema de saúde do espaço onde estamos inseridos, e o que apenas o consumo de um certo conjunto de parece ser outro, o de criar personagens
como um todo. Isso fez crescer o abismo enxergamos como nosso território, não drogas e de procedimentos biomédicos e de que sejam capazes de superar os obstáculos
entre formação, gestão, profissionais e como proprietários de um lugar, mas como adestramento físico. do cotidiano e produzir autonomia, saúde,
usuário. Não obstante, a integralidade e viventes em um espaço que é individualizado Vivemos uma sociedade muito aprendizagens. Não há aprendizagem se não
a intersetorialidade ainda têm enorme por escolha ideológica, ética e moral, e com individualista, cujo sintoma mais marcante houver transformação e, assim, o aprender
dificuldade de sair do papel. Ceccim, em este se afeta/desassossega. A reflexão sobre é o centramento na vontade imediata e ventríloquo das vozes alheias não tem outro
2005, chamava a atenção para determinados o trabalho, aqui, pretende centrar-se numa a culpabilização do outro por frustrações efeito que não de reforçar as identidades e
aspectos que ilustram essa dificuldade: perspectiva de certos atravessamentos na satisfação dessa vontade. Como já as práticas vigentes. “Outras vozes”, nesse
culturais do nosso tempo sobre os sujeitos afirmamos, a reflexão não passa de algo caso, não compõem alteridade, mas apenas
Os gestores do SUS que querem do trabalho em saúde e do cuidado. Os distante, em muitas situações do cotidiano. ventriloquia. A falta desse exercício reflexivo
transformar as práticas, reclamam tempos atuais produzem vetores de força Thomas Bernhard em seu conto o “O radical nos remete a uma exacerbação do
que os profissionais vêm para o SUS sobre as pessoas sobre os quais nos parece imitador de vozes”, narra uma cena onde movimento individualista, que também
com formação inadequada, que necessário refletir um pouco mais para
os estudantes não são expostos um formidável imitador de vozes, após sua constitui alienação no andar a vida.
seguir pensando a relação entre trabalho apresentação e atender inúmeros pedidos Inserimos aqui uma metáfora, o
às melhores aprendizagens e
que as universidades não têm em saúde e formação. de imitações, não consegue atender ao amanhecer de primavera, para falar de algo
compromisso com o SUS. Falamos em liquidez dos sentimentos simples pedido de que realizasse a imitação que sempre nos é convidativo, mas que
Os docentes e as escolas que querem relacionais, uma vez que a vida corre de sua própria voz.II2 produz efeitos nos modos de andar a vida,
mudar a formação reclamam que literalmente de forma desordenada e inclusive no trabalho. Num amanhecer de
rápida. O tempo do pensamento reflexivo inexiste casamento, relacionamentos amorosos,
as unidades de saúde não praticam primavera, temos a sensação de que tudo
sendo incentivado a busca pelo prazer do sexo e pelo
a integralidade, não trabalham com parece inexistir. Não obstante, temos a
equipes multiprofissionais, são uso de drogas. Os seres humanos eram subdividos em está em seu devido lugar e que, portanto,
tendência de confundir nossa racionalidade castas conforme a sua função social e reproduzidos é necessário reservar apenas um espaço
difíceis campos de prática e que os
com critérios de utilidade, que associados à por meio de incubadoras.10 exíguo a questionamentos. O excesso de
gestores são hostis em produção
de pactos de reciprocidade.3:983-984 celeridade, nos forçam a uma plasticidade II2
“Convidado de ontem à noite da Sociedade
da vida e das relações. As relações não Cirúrgica, o imitador de vozes, depois de se se repetisse, mas apresentasse algo inteiramente
apresentar no Palais Pallavicini a convite da própria diverso do mostrado na Sociedade Cirúrgica, ou
Estas ainda são questões importantes, necessitam de durabilidade, mas de Sociedade Cirúrgica, já havia concordado em se seja, que imitasse na Kahlenberg vozes inteiramente
fazendo com que seja importante cada vez intensibilidade e de rapidez. O somaI1tem juntar a nós na Kahlenberg para, também ali, na diferentes daquelas imitadas no Palais Pallavicini, o
colina onde mantemos uma casa sempre aberta a que ele prometeu fazer. E de fato o imitador de vozes
mais se pensar num ambiente menos fixo, I1
O soma é a droga criada por Aldous Huxley em sua todas as artes, apresentar seu número, naturalmente imitou na Kahlenberg vozes inteiramente diferentes
mas reflexivo. Não exatamente moldado obra “Admirável Mundo Novo” (1932) em que seus não sem o pagamento de cachê. Entusiasmados com daquelas apresentadas na Sociedade Cirúrgica,
por experimentalismos empiristas, mas personagens consumiam a fim de que eles nunca o espetáculo a que tínhamos assistido no Palais algumas mais, outras menos famosas. Pudemos
ficassem tristes, mas sim se mantivessem felizes. Pallavicini, pedimos ao imitador de vozes, natural inclusive fazer pedidos, aos quais o imitador de vozes
por exercícios de reflexão e análise, onde de Oxford, na Inglaterra, mas que frequentou escola atendeu com a maior solicitude. Quando, porém, no
problemas e soluções tenham conexões Cabe destacar que a obra de Huxley traz como
cenário um mundo futurista, onde a humanidade em Landshut e exerceu de início a profissão de final, sugerimos que imitasse sua própria voz, ele
com o cotidiano vivido. Porém, como se estabelece da forma mais racional possível, onde
armeiro em Berchtesgaden, que, na Kahlenberg, não disse que aquilo não sabia fazer.”11:capa

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cores é quase orgástico, ele seda qualquer valores religiosos e normas institucionais. ambiente racionalizado e que necessita na saúde, por exemplo, usa a expressão
incômodo. É um dia que, para além da Para Spinoza, a natureza não é algo inerte. ser assim para que seja mantida uma certa “autonomia” não para falar de liberdade de
contemplação, representa a própria imagem Assim, como nossos desejos são produtos ordem. Ordem, por certo, não é igual a escolhas do profissional para organizar o seu
do prazer imediato. É nesse contexto que de nossas afecções, a liberdade não existe estagnação de movimentos, a uma tensão trabalho, mas justamente da necessidade
colocamos na discussão a micropolítica em sua completude, mas em certos graus entre fixos e fluxos. O conhecimento é fruto que o mesmo se deixe tomar pela lógica
do trabalho, em especial de como nos de liberdade em consonância com certos da capacidade de sistematização, sendo com que o conhecimento científico e
relacionamos com o processo de produção graus de captura. o pesquisador um observador/analisador. tecnológico do seu núcleo profissional
de cuidado. Nesse sentido, nossos desejos não Assim, os processos de produção não configura esse trabalho. Ou mesmo os
Invariavelmente observamos que são exclusivamente produtos de nossa reconhecem a experiência, olvidando- processos de formação profissional, onde se
a produção do cuidado é capturada liberdade, mas também de atravessamentos se, por exemplo, que o pesquisador é avalia o desempenho do estudante não pela
por um conteúdo tecnológico muito que nos afetam. Da mesma forma, nossos implicado pelo tema, envolvendo-se com o sua capacidade de mobilizar conhecimentos
específico, principalmente por direitos não são bens de uso, de frutos próprio objeto. Há uma relação de cognição para resolver os problemas do cotidiano,
equipamentos, conhecimentos e técnicas ou de abuso. “Os direitos humanos estão e afeição. Essa forma de produção de mas do volume de conhecimentos que o
mais programáticos. Há um grande ligados a uma ideia de liberdade que inclui, conhecimento não deve ser ignorada. A mesmo adquiriu no percurso da formação.
desenvolvimento científico e tecnológico também, o dever de lutar por ela.”13:165 Isso produção de conhecimentos no espaço do Para avançar na capacidade de
na saúde e isso se coloca, diante dos significa que são formados pelo diálogo, trabalho precisa reconhecer as diferentes cuidado como liberdade de mobilizar
desafios do cuidado, como um jardim bem pelas lutas, vivências em conflitos, aprender motivações que o produzem; não há recursos cognitivos, simbólicos, tecnológicos
cuidado, diante do qual só nos resta a com as dificuldades. Portanto, fazem parte somente um conhecimento exterior, mas e relacionais para ampliar a autonomia
imobilidade. Quando analisamos o trabalho do entorno de cada pessoa. Nesse sentido, modos como ele se relaciona com o trabalho dos sujeitos que buscam cuidado,
na saúde, geralmente identificamos a fica sedutoramente fácil entendermos de real e modalidades de conhecimento parece necessário o desenvolvimento
vigência dos protocolos de atendimento, forma individual o sentido de luta, mas intuitivo e vivencial que pertencem aos de capacidades profissionais de interagir
o volume de demanda da equipe, bem quando pensamos no desejo do outro, as sujeitos do trabalho e, no caso do cuidado, com os desafios do cotidiano e produzir
como a própria equipe que reproduz uma dificuldades aumentam, pois o outro é um aos usuários. subjetividades marcadas pela autonomia de
forma preestabelecida de atendimento, estranho e que deve se cuidar por si. Mas Ao encontro disso, Hardt15 comenta cada trabalhador comprometido eticamente
procurando evitar o surgimento do novo; como não faz sentido existir direito na ilha sobre a formação do trabalho imaterial a com o cuidado do outro. Nesse processo,
não há outros possíveis na cena tomada de Robson Crusué, não há o eu sem o outro partir da pós-modernidade. O quanto ele mobilizar técnicas e conhecimentos prévios
pelas ofertas tecnológicas da biomedicina. e a formação de desejos e sociedades. A pode ser libertador, mas ao mesmo tempo e uma das habilidades necessárias, mas
Essa cultura institucionalizada, com o alteridade constitui a condição humana, pode servir a lógica vigente. Como uma das o desenvolvimento do trabalho estará na
tempo, é internalizada e reproduzida pelo considerando que não é uma identidade formas de trabalho imaterial, o trabalho capacidade de interagir com o contexto, de
novo membro da equipe. Assim, somado fixa, mas um processo que se transforma afetivo ao produzir cuidado, pode estar, mobilizar redes de saberes locais; enfim,
com o tempo que é algo incalculável, não pela aprendizagem em contato com outras em sua produção, servindo-se de lógicas de produzir educação permanente em
há momento de reflexão ou de quanto pessoas e coisas. capturadas pela vigência, reproduzidas saúde.16 O trabalho não é apenas aplicar
cada um repensa sua prática. Há, mesmo, Spinoza12 elenca três proposições de pelo coletivo, sem espaço à liberdade ou à conhecimentos; também é mobilizar o
uma espécie de abdicação da necessidade conhecimento: 1ª) impróprio, produzido autonomia. É inegável que o trabalho afetivo reconhecimento de saberes e a produção
de liberdade para agir por fora das regras e a partir exclusivamente de afetos, na sua tenha potencialidade libertadora, mas de novos conhecimentos.
das normas. Com tanta abundância, parece relação com os outros; uma 2ª) produto da para isso, necessita de que o trabalhador
que qualquer liberdade é excessivamente racionalidade científica, que não pode por si tenha espaço para compreender sua
perigosa e, mais além, desnecessária. só se completar, mas geram conhecimentos relação com o próprio trabalho e repensar
O conceito de liberdade para Spinoza12 verdadeiros. E uma 3ª) ciência intuitiva, sua forma de produção.15 Essa liberdade
equivale a realizar aquilo que vem de você em que é criado conhecimento a partir que o trabalhador da saúde tem em sua
mesmo. Aquilo que está em você mesmo. das forças imanentes à própria pessoa e produção de cuidado pode ser usada tanto
Realizar sua própria natureza. Portanto, as percepções sensíveis.12 Essas ideias nos para a reafirmação do modelo biomédico,
realizar algo em liberdade, seria não se deixar ajudam a refletir um pouco mais sobre a quanto pela possibilidade de uma formação
vincular a coisas externas, no sentido de se organização do trabalho. criativa desse trabalho. Veja-se que toda
deixar tomar por essas coisas. Nós estamos De certa forma o território onde se a normativa corporativa de ordenamento
sempre em luta, seja da cultura, sejam realiza o trabalho é interpretado como um do trabalho das entidades profissionais

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Para concluir: pensar o trabalho assim como a prática sem teoria, vira que todos tenham oportunidades idênticas valorização da vida, principalmente em
como uma manhã chuvosa com ativismo. No entanto, quando se une a para argumentar, refutar ou interpretar. tempos de exclusão e violência.
prática com a teoria tem-se a práxis, a ação Supõe ainda que só serão admitidos aqueles Merhy21 descreve que a diferença do
vento criadora e modificadora da realidade.”17:23 participantes que se disponham a agir de outro na prática do cuidado enriquece o
Onde não há o estar só (nem no lugar do acordo com normas que lhes pareçam trabalho, mas que, infelizmente, na nossa
saber, nem no lugar do poder), mas o justificáveis. Compreender o trabalho sociedade a diferença é vista de forma ruim
compartilhar de experiências de “lugares”. também como ação comunicativa provoca e perigosa. Independente da forma com
Vale aqui o destaque para o atravessamento a participação de cada um, mas também o que determinados indivíduos são rotulados,
da teoria e da prática, mas vale também o reconhecimento do espaço coletivo como como diferentes, anormais ou anormais do
movimento que muda teoria e prática. Essa espaço compartilhado de poder para a desejo, muitas vezes este indivíduo tem
dupla perspectiva nos permite retomar gestão do trabalho. Há necessidade de práticas desejastes que a sociedade rejeita
a ideia da integralidade para pensar nos produção de alteridade para que isso seja e criminaliza. Esta segregação faz com que
desafios do encontro educação e trabalho possível. a prática do cuidado se torne punitiva,
na saúde. Outro grande desafio para o trabalho que coiba todos aqueles que apostam em
Segundo Cortella a “integralidade mobilizado pela integralidade é a inclusão outras práticas do viver, sendo necessário
é um fundamento ético que deve ser de todos e todas que precisam de cuidado. o encontro onde se possa constituir um
internalizado e praticado - concepção e O desafio da prática do cuidado está em novo sentido para a vida deste e também
prática”18:26. É preciso que a prática e a cuidar da vida de todos e todas, pois todas para o trabalhado em saúde. Muitos
teoria andem juntas.17 Inclusive por se as vidas valem a pena.20 As sociedades profissionais praticam o cuidado através
tratar, em ambos os casos, de práticas: parecem ter naturalizado uma hierarquia de ações punitivas, exercendo ações como
práticas de trabalho e práticas de saber. de valor para as vidas, separadas por a internação compulsória, a violência
Entretanto, no cotidiano do trabalho, gênero, por raça, por etnia, por profissão, obstétrica, entre outras situações, não
muitas vezes é difícil perceber que há muito pela renda, pelo padrão de consumo, por existindo a prática do dialogo no processo
a ser feito. Sobrecarga de trabalho, pressão estilos de vida, por diagnósticos ... A análise do cuidado para outros sentidos da vida.21
por respostas rápidas, diferentes graus de do trabalho requer uma perspectiva ética Atravessar o trabalho com práticas
envolvimento dos trabalhadores com o sobre quais ofertas estão sendo feitas para de educação permanente significa assumir
trabalho ...: há muitas razões para deixar o cada pessoa e coletivo, já que o trabalho é o compromisso de reinventar o trabalho
Fonte: Quino. Quinoterapia. São Paulo: Martins trabalho ser guiado por forças externas, mas vivo e construído em ato, portanto sujeito para que possa produzir integralidade.
fontes, 2004. essas mesmas razões podem, justamente, a atravessamentos que podem torna-lo não Pensamos aqui a integralidade como obra
descrever a importância da reflexão e apenas aprisionado pela impessoalidade de arte, singular e resultado do trabalho.
da análise (também da auto-análise) da técnica, mas também por valores que O trabalhador, nesse caso, precisa tornar-
Considerar o trabalho como produtor sobre o cotidiano do trabalho. É preciso não respondem à construção ética em que se artista. Um artista que se constitua em
de conhecimentos, traz à cena a educação pôr o trabalho em movimento: deixa-lo está inserido. O trabalho em saúde precisa movimento.
permanente em saúde, que no caso do atravessar-se pelo híbrido produzido no ter um efeito pedagógico de inclusão e de
sistema de saúde brasileiro, é uma política. encontro teoria e prática e mobilizá-lo pelo
A EPS propõe um olhar hibrido sobre o desafio da integralidade. As iniciativas de
cotidiano do trabalho, movimentado por educação permanente no nosso cotidiano Referências
se permitir questionar, se constituir como têm desafios importantes, considerando
integrante do território, e assim fomentar essas conexões.
a alteridade de cada um daqueles que Para isso é necessário pôr em
1
. Cecílio LCO, Matsumoto NF. Uma taxonomia operacional de necessidades de saúde. In:
compartilhamos nossas vivências. análise os modos de gestão do trabalho e Pinheiro R, Ferla AA, Mattos RA (Orgs.). Gestão em redes: tecendo os fios da integralidade em
Como num amanhecer chuvoso e sua influência no cotidiano. A educação saúde. Rio de Janeiro/Caxias do Sul: CEPESC – IMS/UERJ – EDUCS, 2006, p.37-50.
agitado pelo vento, a EPS, deve mobilizar permanente pode mobilizar formas 2
. Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O Quadrilátero da Formação para a Área da Saúde: Ensino,
conceitos, campos de vivências e práticas coletivas de organização do trabalho, Gestão, Atenção e Controle Social. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 2004; 14(1):
voltadas para o cotidiano. Nos aproximamos tornando-o também ação comunicativa. A 41-65.
aqui do conceito de práxis para seguir na ação comunicativa19 pressupõe que todos os
reflexão sobre a relação formação e trabalho: interessados possam participar do discurso,
3
. Ceccim RB. Educação Permanente em Saúde: descentralização e disseminação de capacidade
“A teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, pedagógica na saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 2005; 10(4):975-986.

62 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 53 - 64 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 53 - 64 63


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4
. Ceccim RB, Ferla AA. Educação e saúde: ensino e cidadania como travessia de fronteiras. DOI: http://dx.doi.org/10.18310/2446-4813.2015v1n4p65-73
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5
. Ceccim RB. Educação Permanente em Saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface -
Comunicação, Saúde, Educação, 2005; 9(16): 161-168.
6
. Foucault M. O nascimento do hospital. In.: Foucault M. Microfísica do poder. Tradução e O BACHAREL EM SAÚDE COLETIVA E O MUNDO
organização de Roberto Machado, 26ed.. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 99-111. DO TRABALHO: UMA ANÁLISE SOBRE EDITAIS
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PARA CONCURSOS PÚBLICOS NO ÂMBITO DO
7

2007.
. Foucault M. Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
8 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
9
. Luz MT. A arte de curar versus a ciência das doenças: história social da homeopatia no Brasil.
Porto Alegre: Rede UNIDA, 2014. 2ed.
10
. Huxley A. Admirável mundo novo. Rio de Janeiro: Biblioteca Azul, 2014. THE COLLECTIVE HEALTH BACHELOR AND THE WORKING LIFE: AN
ANALYSIS OF BIDS FOR PROCUREMENT UNDER THE BRAZILIAN PUBLIC
11
. Bernhard T. O imitador de vozes. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
HEALTH SYSTEM
12
. Spinoza B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
13
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Diego Menger Cezar Resumo
. Franco TB. A ética em pesquisa e a estética do conhecimento. Revista Brasileira de Sociologia,
14

2015; 3(5): 203-213. Bacharel em Saúde Coletiva/UFRGS.


E-mail: diegomcezar@gmail.com
. Hardt M. O trabalho afetivo. In: Lancetti A. (Orgs.) O reencantamento do concreto. São
15 O objetivo principal desse trabalho é identificar as
Paulo: Hucitec/Educ, 2003, p.144-157. oportunidades de inserção do Sanitarista na carrei-
Ivan Gonçalves Ricalde ra pública, via concurso, e os requisitos para inves-
. Franco TB, Merhy EE. Trabalho, produção do cuidado e subjetividade em saúde: Textos
16
Bacharel em Saúde Coletiva/UFRGS. tidura no cargo no âmbito do Sistema Único de Saú-
Reunidos. São Paulo: Hucitec, 2013. E-mail: ricaldivan@gmail.com de (SUS). Trata-se de uma pesquisa do tipo explora-
tória e descritiva, com o uso de procedimentos da
17
. Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970. pesquisa documental. Foram localizados 22 editais
Liliana Santos
18
. Cortella MS. Educação, convivência e Ética – Audácia e Esperança. São Paulo: Cortez, 2015. de concursos públicos no período de 2012 a 2015.
Professora Adjunta do Instituto de Deste total, 16 editais (73%) são para o cargo de
19
. Habsbawn EJ. Era dos Extremos: Breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Saúde Coletiva/UFBA. Sanitarista, 2 editais (9%) para o cargo de Bacharel
E-mail: lilianapsico@gmail.com em Saúde Coletiva. Outros 4 editais (18%) são para
20
. Merhy EE. Saúde: a cartografia do Trabalho Vivo. São Paulo: Hucitec, 2002.
cargos como Analista/Técnico/Especialista e Gestão
. Merhy EE. Entrevista à Rede UNIDA, 2011. Disponível em: <http://www.youtube.com/
21 Cristianne Maria Famer Rocha em Saúde. Referente aos requisitos para provimen-
watch?v=Pa0HadRt5ns>. Acesso em: 26 jun 2014. to no cargo, 13 editais (59%) eram direcionados
Professora Adjunta da Escola de En-
para outra graduação seguida de Especialização
fermagem/UFRGS.
em Saúde Pública ou Coletiva, 6 editais (27%) para
E-mail: cristianne.rocha@ufrgs.br
graduados em Saúde Coletiva, e 3 (14%) eram di-
rigidos a outras graduações da área da saúde sem
exigência de especialização. Do total de editais, 9
(40%) exigiam inscrição ou registro em conselho de
classe competente. A maioria dos concursos ainda
não privilegia o profissional graduado em Saúde
Coletiva. O desconhecimento da formação do Sa-
nitarista em nível de graduação direciona as vagas

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para profissionais de outras formações da Keywords: Public Health; Collective depois capacitar os profissionais em Saúde de pesquisa, este texto tem como objetivo
área da saúde e exigência de especialização Health; Professional Education; Health Coletiva. A modalidade de formação de identificar e descrever as oportunidades de
em Saúde Pública ou Saúde Coletiva. Work. Sanitarista graduado, inegavelmente, adere inserção do Sanitarista na carreira pública,
à consolidação do SUS, cuja estabilidade via concurso, e os requisitos para investidura
requer profissionais com perfis não visíveis no cargo no âmbito do SUS, desde 2012.
Palavras-chave: Saúde Coletiva; Saúde Introdução na quantidade e qualidade requerida pelo
Pública; Formação profissional; Trabalho em Sistema. Reconhece-se, portanto, a Saúde
Saúde. Coletiva como um campo científico e âmbito A Graduação em Saúde Coletiva
O movimento da Reforma de práticas, e o curso de graduação ajuda na
Sanitária Brasileira (RSB) e a busca pelo demarcação mais clara dos contornos dessa
Abstract desenvolvimento do Sistema Único de identidade.² Atualmente, são 21 cursos de
Saúde (SUS) apresentaram muitos desafios, O interesse pela temática dos graduação na área da Saúde Coletiva em
entre eles, a demanda por profissionais concursos públicos para o cargo de funcionamento em universidades brasileiras
The main objective of this paper is to iden- qualificados para atuarem nesta nova Sanitarista surge a partir da necessidade de (Quadro 1). As primeiras turmas concluíram
tify the Sanitarian insertion career opportu- conformação de gestão e atenção à saúde. se realizar uma reflexão das oportunidades a graduação em 2012 e, desde então, vem
nities in the public sector, and the require- A possibilidade de criação de cursos de de inserção no mercado de trabalho para se ampliando as reflexões e os debates
ments for taking office under the Health graduação na área da Saúde Coletiva vem este profissional capaz de atuar tanto no acerca da formação e da inserção desses
National System. It is an exploratory and sendo abordada no Brasil desde o início campo da gestão, planejamento e avaliação, novos profissionais no campo de trabalho.
descriptive survey, using procedures of doc- dos anos 2000, apontando à necessidade como nas áreas de promoção, educação e
umentary research. Were located 22 notic- de antecipação da formação do Sanitarista vigilância em saúde. Quadro 1. Instituição, curso e ano de início
es of public contracts in the period 2012 to como ator na mudança do contexto de Por conta disso, faz-se necessário (adaptado)6
2015. Of this total, 16 bids (73%) are for the saúde vigente até então. conhecer as oportunidades de inserção do
post of Sanitary, two notices (9%) for the A profissão de Sanitarista é uma Sanitarista (Bacharel em Saúde Coletiva)
position of Bachelor of Collective Health. ocupação antiga no Brasil, datada da por meio de concursos públicos, visto que,
Other 4 notices (18%) are for positions as década de 1920, sendo acessível às mais o principal lócus de atuação do Sanitarista
an Analyst/Technical/Specialist and Health diversas categorias profissionais por meio é o SUS como setor público.3 Então, é
Management. Regarding the requirements de formação pós-graduada. Com a nova pertinente analisar como esse mercado está
for appointment in office, 13 notices (59%) conformação do sistema de saúde advinda organizado para absorver estes profissionais
were directed to another graduation fol- do processo da RSB, tornou-se necessário formados na graduação, e também quais são
lowed by specialization in Public or Collec- pensar em uma nova formação que os requisitos necessários para a investidura
tive Health, 6 notices (27%) for graduates conseguisse abordar esta nova configuração no cargo de Sanitarista nos locais onde já
in Collective Health, and 3 (14%) were di- de sistema de saúde. Castellanos et al1 existe esta possibilidade.
rected to other grades of health without destacam a relevância da criação de uma Para tanto, no ano de 2014, iniciou-
requirement of expertise. Of all notices, 9 graduação em saúde que garanta uma se a construção do projeto de pesquisa
(40%) required registration on professional formação rigorosamente interdisciplinar intitulado: “Graduação em Saúde Coletiva
council. Most of the contracts still does not e orientada para as demandas do SUS, no Brasil: Percursos formativos e inserção
favor the professional graduate in Collective responsável por formar profissionais no mundo do trabalho”, no âmbito do
Health. Not knowing about the graduation solidários à RSB. “Projeto do Observatório de Análise Política
em Saúde”.4 Este projeto de pesquisa reúne A formação do Sanitarista em nível
of Sanitarian Professionals at the under- O processo de formação de de graduação possibilita que aquele que
graduate level directs the vacancies for pro- Sanitaristas, em nível de graduação, é um pesquisadores, estudantes e egressos dos
Cursos de Saúde Coletiva de cerca de dez queira atuar no campo da Saúde Coletiva
fessionals from other health education and projeto já institucionalizado em diversas não necessite prioritariamente percorrer
demand for specialization in Public Health universidades brasileiras desde 2008, tendo universidades brasileiras, que oferecem o
Curso de Bacharelado em Saúde Coletiva, o caminho de uma formação que se inicia
or Collective Health. sido bem recebido pela gestão nacional do com um curso de graduação seguido de pós-
SUS, com a premissa de que não se justifica das cinco regiões do Brasil, com o objetivo
de analisar os processos de formação e a graduação. Graduados em cursos da área da
esperar o tempo requerido para a graduação, Saúde (mas não exclusivamente) que façam
nos diversos cursos da área da saúde, para inserção profissional dos egressos destes
cursos no Brasil. Como parte desse projeto cursos stricto ou lato sensu, também podem
atuar como tal.²

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Ainda que seja possível atuar como Inserção profissional Para tanto, a porta de entrada o Bacharel em Saúde Coletiva como
Sanitarista com a graduação em Saúde principal para atuar na área da Saúde profissional capaz de concorrer às vagas
Coletiva ou com a graduação em outro curso Pública, no país, é a dos concursos públicos. existentes com os demais Sanitaristas.
mais cursos de pós-graduação, Castellanos A demanda de profissionais Segundo a Constituição da República
et al1 afirma que a graduação condensa as qualificados para atuar no SUS deve-se ao Federativa do Brasil8, somente a aprovação
experiências de ensino da Saúde Coletiva crescimento do setor saúde nas últimas em concurso público permite a investidura Metodologia
em nível de graduação e pós-graduação no décadas, decorrente, entre outros fatores, em cargo ou emprego público. Logo,
Brasil, apresentando um avanço decisivo da implantação das redes descentralizadas para a inserção do Sanitarista na gestão
rumo a uma formação interdisciplinar neste e regionalizadas, da expansão da oferta de do SUS como profissional de carreira, é Trata-se de uma pesquisa do tipo
nível de ensino. serviços de assistência médica e também necessário o seu provimento através de exploratória e descritiva, com o uso de
Os argumentos para a criação dos da expansão do setor privado em todas as concursos de provas, ou provas e títulos. procedimentos da pesquisa documental, que
cursos de graduação em Saúde Coletiva regiões do país.6 Paim3 resalta que a criação Há também a possibilidade de inserção via tem como objetivo secundário identificar e
apontavam para a formação de um dos cursos de graduação em Saúde Coletiva editais de seleção pública, em organizações descrever os editais de concursos públicos
profissional capaz de atuar perante a foi uma decisão baseada, principalmente, não governamentais, com contratação para os cargos passíveis de concorrência
complexidade e as necessidades de saúde, nestas demandas, e também na busca pela frequentemente baseada na consolidação pelo Sanitarista, de 2012 até hoje. Quanto
as iniquidades na distribuição e alocação qualificação da gestão do SUS em diversas das leis trabalhistas (CLT), oferecendo à abordagem da pesquisa, foi utilizada uma
dos recursos, as novas tecnologias de localidades e serviços. contratos de trabalho por tempo pré- perspectiva quantitativa, possibilitando
informação e comunicação, a legislação Isto vem suscitando discussões acerca determinado ou por produto entregue. organização e análise dos dados obtidos.
sanitária e as diretrizes das políticas da inserção profissional dos Sanitaristas Alguns Bacharéis em Saúde Coletiva A coleta de dados foi realizada por
setoriais.5 O profissional da Saúde Coletiva formados na graduação, sendo tema de já estão atuando na gestão do SUS como meio de busca de editais para concursos e
deve dominar conhecimentos e habilidades debates nos meios acadêmicos, em grupos profissionais de carreira, outros como processos seletivos para o cargo de Bacharel
que vão além das ciências biológicas, da de egressos da graduação em Saúde Coletiva bolsistas e consultores, mas a maioria ainda em Saúde Coletiva, Sanitarista e Analista/
utilização da clínica, da epidemiologia e em eventos da área, mas o eco dessas busca uma oportunidade de inserção no Técnico/Especialista e Gestão em Saúde em
e da gestão.3 Ele apresenta, de modo conversas ainda chega de forma escassa mercado de trabalho. Pesquisa realizada por sites especializados em concursos públicos.
simplificado, características importantes às instâncias colegiadas de gestão do SUS. Pinto6 apresenta um levantamento sobre Foram identificados os documentos
para a compreensão do trabalho do Este profissional ainda é pouco conhecido onde estão os graduados em saúde coletiva provenientes de entidades oficiais (federal,
profissional da Saúde Coletiva: “(...) pode-se pelos gestores de saúde, o que acarreta em e conclui que 57,6% dos egressos ainda não estadual e municipal) e incluídos em uma
reconhecer tal profissional como um “técnico oportunidades escassas de emprego, em estão trabalhando na área de formação. tabela com as seguintes variáveis: cargo/
de necessidades sociais de saúde” e um concursos públicos e pouco aproveitamento Muitas das oportunidades existentes, ocupação, entidade/órgão, estado da
“gerente de processos coletivos de trabalho na área da gestão e atenção do SUS. como a abertura de editais para concurso federação, vencimento (em Reais), carga
em saúde”, voltados para a realização de No que tange à atuação profissional, público, surgiram após a pressão de horária semanal, requistos/escolaridade.
ações de vigilância, planificação, gestão, a recente formação do Bacharel em Saúde coletivos de profissionais junto às instâncias Posteriormente, foi feita a análise
controle, avaliação, além de intervenções Coletiva ainda não conseguiu constituir um de gestão do SUS. Há exemplos como o do quantitativa dos dados coletados através do
sociais organizadas dirigidas à promoção, cenário bem definido. Estudos7 mostram Rio Grande do Sul, onde houve alteração programa Microsoft Excel, fornecendo as
proteção, comunicação e educação em que os Sanitaristas tem o anseio de atuar de editais da Secretária Estadual de Saúde frequências relativas e absolutas em tabelas,
saúde.”3 em áreas como a gestão em saúde nos e inclusão do Bacharel em Saúde Coletiva de acordo com as variáveis indicadas.
Deste modo, os Sanitaristas formados âmbitos dos ministérios e secretarias, nas e da Bahia que a estratégia foi encaminhar
na graduação possuem os requisitos para atividades da vigilância, administração e ao Secretário Estadual de Saúde uma
atuar na gestão do SUS. Porém, ainda é tími- desenho de ações e articulação na área de solicitação de revisão do Plano de Cargos e Resultados e discussão
da a inserção destes profissionais no merca- Saúde Coletiva do país. Porém, o mercado Carreiras no sentido de incluir estes novos
do de trabalho público, local prioritário para de trabalho para estes profissionais não profissionais.9
atuação. Analisar como tem se dado a inser- tem se apresentando como algo dado a Deste modo, analisar as oportunidades Foram localizados 23 editais de
ção profissional é importante para entender priori, mas tende a surgir como resultado de inserção na carreira pública via concurso concursos públicos no período de 2012 a
as dificuldades que permeiam este proces- dinâmico da correlação de forças políticas e e os requisitos para investidura no cargo 2015. Deste total, 17 editais (74%) são para
so e as oportunidades que tem surgido para ideológicas que investem em projetos como de Sanitarista é necessário para que se o cargo de Sanitarista, 2 editais (8%) para
estes novos Sanitaristas. o da RSB e do SUS. possa ampliar o conhecimento de como as o cargo de Bacharel em Saúde Coletiva e 4
instituições e esferas de gestão identificam

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editais (18%) para os cargos de Analista/Técnico/Especialista e Gestão em Saúde. visa, por meio do mapeamento e visitas a possíveis locais de atuação do Sanitarista, divulgar
Quanto à esfera de atuação, 10 editais (43%) se referem à esfera municipal, 7 editais e apresentar este profissional nos diferentes serviços identificados (de saúde, de educação,
(30%) à estadual, 4 (18%) são para atuação em fundações e institutos e 2 (9%) são para cargos públicos, privados, filantrópicos, entre outros). Há também o Projeto de Pesquisa sobre
em nível federal. Sobre o contrato de trabalho, os editais localizados junto às esferas de gestão a “Graduação em Saúde Coletiva no Brasil: Percursos formativos e inserção no mundo do
apresentavam contratação via regime jurídico único. Já os editais localizados junto a fundações trabalho”, coordenado pela UFBA e que inclui pesquisadores de outras dez universidades das
e institutos apresentavam contratação via CLT. cinco regiões do país. Este projeto tem como objetivo analisar os processos de formação e
A figura 1 apresenta a distribuição dos editais localizados por estado, e destaca os que inserção profissional dos egressos de cursos de Saúde Coletiva.
possuem Curso de Graduação na área da Saúde Coletiva. Quanto à remuneração, o vencimento médio dos cargos foi de R$ 2.866,77 e a carga
horária média de 34 horas semanais. O gráfico 1 apresenta um panorama da distribuição dos
editais segundo a carga horária e a remuneração oferecida.
Figura 1: Distribuição dos editais localizados por Estado
Gráfico 1: Quantitativo de editais segundo remuneração e carga horária

Fonte: produção própria, 2015.


Fonte: produção própria, 2015.
Em sua pesquisa, Pinto6 identificou que 32,8% dos egressos de Saúde Coletiva entrevistados
Tais dados corroboram a discussão existente desde a criação dos cursos de Graduação recebem remuneração de R$ 2.035 a R$ 3.390 reais e 23% dos egressos estão recebendo mais
em Saúde Coletiva sobre qual a titulação ou denominação que este profissional receberia. de R$ 4.068 reais, o que corrobora com a remuneração da maioria dos editais localizados.
Há diferenças entre os cursos de graduação, tanto quanto ao perfil do profissional egresso Porém cabe ressaltar que muitos desses egressos que estão atuando profissionalmente
quanto à titulação que este recebe. Algumas universidades em seus projetos já visualizavam possuem vínculos de bolsista ou contrato de trabalho com tempo determinado ou prestação
questões referentes ao mercado de trabalho e empregabilidade, voltando seus cursos para de serviços.
o preenchimento de lacunas identificadas e direcionando a titulação para uma melhor Referente aos requisitos para provimento no cargo, 13 editais (57%) foram direcionados
visibilidade do futuro profissional. para outra graduação seguida de Especialização em Saúde Pública ou Coletiva, 6 editais (26%)
Como meio de possibilitar uma maior absorção de seus egressos, o curso da UFMG já para graduados em Saúde Coletiva, e 4 (17%) a outras graduações da área da saúde sem
apresenta, em seus objetivos, a necessidade de atender a crescente demanda do mercado exigência de especialização. Do total de editais, 10 (43%) exigiam inscrição ou registro em
de trabalho por profissionais qualificados em nível de graduação na área de gestão da saúde, conselho de classe competente. Desde modo, apenas uma quarta parte dos editais localizados
direcionando a nomenclatura de seu curso para esta grande área11. Já a UFRGS possui um pôde ser concorrida pelos egressos de cursos de Saúde Coletiva.
Projeto de Extensão chamado “Divulgação do Curso de Bacharel em Saúde Coletiva”, que

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Os editais passíveis de concorrência trabalho desses novos Sanitaristas.10 Saúde Coletiva: o primeiro procuraria para fins remuneratórios e de progressão
pelos Bacharéis em Saúde Coletiva não Ao analisarmos o perfil do profissional defender que estes entrem na carreira na carreira.9
apresentam diferenças substanciais dos desejado, segundo as atribuições dos cargos pública no mesmo nível que os profissionais Independente da escolha a fazer,
demais quanto à carga horária e vencimento nos editais localizados, verifica-se a ampla de outras áreas da saúde com diplomas certamente o caminho é longo e, espera-se,
médio. Porém, ao analisamos as atribuições gama de responsabilidades e atividades de pós-graduação em Saúde Coletiva ou com esta pesquisa, que seja possível ampliar
dos cargos, é possível identificar conceitos que este profissional deve desempenhar. Saúde Pública. O segundo apresenta como o conhecimento de como as instituições
que são amplamente abordados na Em linhas gerais, os editais buscam a indicação de que todos os egressos de e esferas de gestão visualizam o Bacharel
graduação, como promoção da saúde, um profissional capaz de participar do cursos de graduação e de pós-graduação em Saúde Coletiva como profissional capaz
educação em saúde, planejamento e planejamento, gerenciamento, supervisão, possam exercer o mesmo tipo de atuação de concorrer às vagas existentes ao cargo
avaliação de sistemas e serviços de saúde. avaliação e execução de planos, programas profissional, podendo integrar uma mesma de Sanitaristas e auxilie na formulação de
A exigência de registro em conselho e políticas de saúde pública. O uso da carreira, guardadas as especificidades, em estratégias para inserção deste profissional
de classe e/ou pós-graduação nos editais epidemiologia também e uma atribuição termos de formação e títulos acadêmicos, no âmbito do SUS.
é um fator que limita e dificulta ainda frequente, juntamente com as áreas
mais a inserção dos graduados em Saúde da vigilância em saúde e educação em
Coletiva e tendo em vista a possibilidade saúde. Poucos editais apresentavam como Referências
de regulação do exercício profissional ser atribuição atividades relativas à educação
realizada pelo próprio SUS, cabe questionar permanente em saúde, diagnóstico da
a necessidade de Conselho Profissional situação de saúde e pesquisa em saúde, 1
. Castellanos MEP et al. A implementação do curso de graduação em saúde coletiva do Institu-
para esta futura profissão, visto que para o áreas de potencial atuação do Sanitarista to de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia: da criação até a formatura da primeira
desenvolvimento de muitas carreiras, como formado na graduação. turma. Tempus: Actas Saúde Col, Brasília, 2013; 7(3):63-80.
a de gestor público, não se faz necessária
a apresentação de Conselho. Como ainda 2
. Bosi MLM, Paim JS. Graduação em Saúde Coletiva: limites e possibilidades como estratégia
é uma profissão relativamente nova, estas Considerações finais de formação profissional. Ciênc. saúde coletiva  [Internet]. 2010; 15(4).
vagas acabam sendo direcionadas para o
. Paim JS. Desafios para a Saúde Coletiva no Século XXI. Salvador: Edufba; 2006.
3
perfil de Sanitaristas graduados em outros
cursos, com pós-graduações em Saúde Em linhas gerais, após a análise de 4
. Instituto de Saúde Coletiva (ISC). Observatório de Análise Política em Saúde e Centro de
Pública ou Saúde Coletiva e com registro editais de concurso público direcionadas Documentação Virtual são lançados no Abrascão 2015. Disponível em: <http://prose-isc.com.
em conselhos. Dessa forma, a descrição às vagas de Sanitaristas, de 2012 para cá, br/site/observatorio-de-analise-politica-em-saude-e-centro-de-documentacao-virtual-sao-
presente nos perfis de cargos e salários podemos concluir que o desconhecimento lancados-no-abrascao-2015/>. Acesso em: 17 out 2015.
acaba direcionando as vagas para um leque da formação do Sanitarista em nível
maior de profissionais, quando abertas, de graduação direciona as vagas para
5
. Ruela HCG. A formação de sanitaristas e os cursos de graduação em saúde coletiva no Brasil
diminuindo as chances de inserção do profissionais de outras formações da área [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fiocruz; 2013.
Sanitarista graduado. da saúde e exigência de Especialização em 6
. Pinto MR. Levantamento dos egressos da graduação em saúde coletiva no Brasil: Onde está
Por outro lado, a alteração dos editais Saúde Pública ou Saúde Coletiva. Apesar o sanitarista formado por essa graduação? Universidade de São Paulo; 2015.
publicados muitas vezes não é possível, pois de poucos editais localizados, alguns já são
é necessário projeto de lei que possibilite passiveis de concorrência pelo profissional
7
. Sampaio JRC, Santos RDS. Graduandos em saúde coletiva Brasil: perspectivas, opiniões e
a alteração da descrição dos cargos ou de Saúde Coletiva formado na graduação. críticas sobre os cursos.  Tempus: Actas Saúde Col., Brasília; 2013; 7(3):81-89.
inclusão do Sanitarista graduado. Assim, em A exigência de inscrição ou registro
muitos casos, antes mesmo de se publicar
8
. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
em conselho de classe aparece como Senado Federal; 1988.
um edital, seria necessário revisar os planos requisito em parte dos editais, sendo
de cargos, carreiras e salários vigentes em uma questão importante a ser destacada 9
. Paim JS, Pinto ICM. Graduação em saúde coletiva: conquistas e passos para além do
cada ente federado (nacional, estadual quanto à regulamentação da profissão do sanitarismo. Tempus: Actas Saúde Col., Brasília, 2013; 7(3):13 - 35.
e municipal), com vistas à inclusão do Bacharel em Saúde Coletiva, pois ainda não
Sanitarista graduado. há um consenso entre os egressos sobre a . Anjos DSO, Pinto, ICM. Formação de um novo Sanitarista: expectativas para inserção no
10

Diante disso, ainda está posto o desafio constituição de um conselho ou associação Mercado de Trabalho. CICS-Publicações/eBooks [Internet]. 2014; 1(1):187-193.
quanto à regulamentação da profissão do de classe. . Universidade Federal de Minas Gerais. Apresentação do curso de Gestão de Serviços de
11
Bacharel em Saúde Coletiva para poder Por fim, há pelo menos dois caminhos Saúde. Disponível em: https://www2.ufmg.br/mostradasprofissoes/Mostra/Cursos/Ciencias-
assegurar, talvez, a inserção no mercado de a serem explorados pelos Bacharéis em da-Saude/Gest.-de-Serv.-de-Saude. Acesso em: 24 jan 2016.

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Artigo Original
DOI: http://dx.doi.org/10.18310/2446-4813.2015v1n4p75-83

PORQUE ELAS NÃO USAM?: UM ESTUDO


SOBRE A NÃO ADESÃO DAS ADOLESCENTES AO
PRESERVATIVO E SUAS REPERCUSSÕES

WHY THEY DO NOT USE?: A STUDY ABOUT THE ACCESSION OF


ADOLESCENTS NOT CONTRACEPTIVE METHODS AND THEIR
IMPLICATIONS

Maria Regina Bernardo da Silva Márcia Esequiel dos Santos


Mestre em Saude da Familia, Acadêmica de enfermagem. Universidade Castelo
Enfermeira, Docente da Branco, RJ, Brasil.
Universidade Castelo E-mail: mrcia_santos@ymail.com
Branco,RJ,Brasil
E-mail: m.regina2000@uol.com.br Valdise Figueredo Filho

Leandro Andrade da Silva Enfermeira. Universidade Castelo Branco, RJ,


Brasil.
Doutor em Enfermagem pela Uerj, E-mail: valdisefigueredo@hotmail.com
Docente universidade Castelo
Branco, RJ.
E-mail: proflandrade@gmail.com Resumo
Halene Cristina Armada
Maturana A Organização Mundial da Saúde (OMS) define
adolescência como uma etapa intermediária do
Mestre em Enfermagem Uerj,
desenvolvimento humano, entre a infância e a fase
Docente da Universidade Castelo
adulta, que ocorre entre os 10 e 19 anos de idade.
Branco, RJ , Brasil.
Objetivo: Compreender o que leva as adolescentes
E-mail: halenecmsbpenna@gmail.
à gravidez não planejada. Métodos: Trata-se de uma
com
pesquisa qualitativa exploratória do tipo pesquisa
de campo. A coleta de informações foi realizada
Raquel Bernardo da Silva com 13 gestantes adolescentes menores de 19 anos
Enfermeira cadastradas em uma Clinica da Familia em Padre
Pós-graduação em Saúde da Família. Miguel, no Rio de Janeiro no período entre agosto
Responsável Técnica de uma clinica a setembro 2015 .Resultados: As adolescentes
da Família, RJ, Brasil. entrevistadas são gestantes,se auto declararam
E-mail: raquellenf@yahoo.com.br pardas, solteiras, tem baixa escolaridade, moram

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Artigo Original Artigo Original
com os pais e vivem com a renda familiar brown, single, It has low education, living riscos na saúde materno infantil. Alem disso, explícito, enquanto a pesquisa descritiva
em torno de 1 salário mínimo. Tiveram sua with parents and living with the family pode acarretar abandono da vida escolar e, descreve as características de determinada
menarca entre 12 e 14 anos, com relação ao income around 1 minimum wage. Had their até mesmo da vida social, interferindo no população ou fenômeno, ou então o
início da atividade sexual , 46,15% relataram menarche between 12 and 14 years, with the desenvolvimento do individuo.2 estabelecimento de relações entre
usar camisinha de vez em quando, 38,46% start of sexual activity, 46.15% reported using As razões para o alto índice de gravidez variáveis.6
informaram ter recebido orientação sexual a condom every so often, 38.46% reported e DST na adolescência são atribuídos a A pesquisa de campo permite
através dos amigos e 31,53% tinham receiving sexual orientation through friends não utilização de métodos contraceptivos a aproximação entre o pesquisador
parceiro fixo. Constatou-se conhecimento and 31.53% had a steady partner. It found de forma adequada em razão da própria e a realidade sobre a qual formulou
insuficiente e pouco ou quase nenhuma insufficient knowledge and little or no use of negação do adolescente quanto à perguntas, buscando testar e aprofundar
utilização de método contraceptivo, contraception, inform side effects, partner possibilidade de engravidar, os encontros seu conhecimento hipotético.7. É o tipo de
informam efeitos colaterais , objeção do objection on the use of condoms to prevent casuais e o ato de assumir sua vida sexual pesquisa que pretende buscar a informação
parceiro no uso da camisinha tanto para both pregnancy and STDs. Conclusion: It ativa, além de pouco conhecimento em diretamente com a população pesquisada,
prevenir gravidez quanto DST’s. Conclusão: reinforces the importance of investments relação aos métodos.3,4 é aquela que o pesquisador vai onde o
Reforça-se a importância de investimentos in sexual education of adolescents and the A prevenção neste contexto ganha fenômeno ocorre.
na Educação sexual dos adolescentes health team, be careful in the development enfoque prioritário, sendo necessário para Para a coleta de dados foi utilizada a
e a equipe de saúde, esteja atenta no of actions to promote, reflection and que estratégias de redução desses eventos técnica de entrevista semi-estruturada com
desenvolvimento de ações na promoção, awareness of adolescents regarding aos adolescentes sejam implementadas o auxilio de formulário com questões abertas
reflexão e conscientização dos adolescentes the issues of contraception, generating pela equipe de saúde, junto à escola. e fechadas, referentes ao conhecimento
em relação as questões da anticoncepção, behavioral change and respecting the Este estudo se justifica pela e uso dos métodos contraceptivos pelas
gerando mudanças de comportamento e individual capacity to receive and process necessidade de obtenção de informações adolescentes. O presente estudo foi realizado
respeitando a capacidade individual em the data to use them properly. sobre os motivos a não adesão aos métodos em uma Clinica da Familia no bairro Padre
receber e processar as informações para contraceptivos entre os adolescentes que Miguel, Rio de Janeiro após aprovação do
utilizá-las corretamente. apesar de existir programas de educação Comitê de Ética em Pesquisa da SMS/RJ,
Keywords: Adolescents; Contraceptive em saúde, campanhas imediatistas e sob nº CAAE 41371015.3.0000.5279.
methods; Pregnancy. temporais na TV para o uso do preservativo A coleta de informações foi realizada
Palavras-chaves: Adolescente; Métodos e programas de planejamento familiar com treze (13) gestantes adolescentes na
Contraceptivos; Gravidez. segundo o ministério da saúde, ainda é faixa etária de 13 a 19 anos. E representam
Introdução muito grande a incidência de gravidez e DST. 20% das 65 gestantes adolescentes
E o presente estudo teve como objetivo cadastradas que estavam sendo
Abstract compreender o que leva as adolescentes a acompanhadas no pré-natal, nos meses de
A Organização Mundial da Saúde gravidez indesejada. agosto e setembro de 2015.
(OMS), define adolescência como uma Teve-se dificuldade de fazer as
The World Health Organization (WHO) etapa intermediária do desenvolvimento entrevistas porque as gestantes são menores
defines adolescence as a transitional stage humano, entre a infância e a fase adulta, Método de 18 anos, compareciam na unidade, sem
of human development between childhood que ocorre entre os 10 e 19 anos de um responsável, iam com amigo-primas
and adulthood, which occurs between 10 idade.1 Nessa fase, ocorre uma variedade menores de idade, sendo que quatro não
and 19 years old. Objective: To understand de mudanças biopsicosociais, que trazem Trata-se de uma pesquisa qualitativa participaram apesar do convite, com medo
what drives teens to unplanned pregnancy. dúvidas e desejos levando-os a viverem exploratória do tipo pesquisa de campo. de responder e também aconteceram
Methods: This is an exploratory qualitative novas experiências, muitas vezes de forma As formas de pesquisar em saúde são faltas à consulta de pré-natal no período da
research of field research type. Data impulsiva, como o sexo desprotegido, que os diversas. A abordagem qualitativa se destaca pesquisa.
collection was performed with 13 pregnant tornam vulneráveis à gravidez indesejada por levar em consideração as relações Como critério de inclusão, as
teenagers under 19 years enrolled in a e precoce, além da exposição às doenças humanas e os aspectos da subjetividade dos participantes foram gestantes cadastradas
clinic of the Family in Padre Miguel, in Rio sexualmente transmissíveis. indivíduos e coletividade.5 que faziam acompanhamento de pré-natal
de Janeiro in the period August-September A gravidez precoce tornou-se um A pesquisa exploratória tem como na referida Clinica da Familia, com idade de
2015. Resultados: Adolescents are problema de saúde publica, devido ao objetivo proporcionar maior familiaridade 13 aos 19 anos, mediante a autorização e
interviewed pregnant women, self declared impacto sócioeconômico e aos possíveis com o problema, com vistas a torná-lo assinatura do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido do responsável. E exclusão foi

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a impossibilidade de colher as informações tanto de órgãos governamentais, quanto É oportuno destacar que as Copo de leite…não usei o preservativo
das gestantes pela não autorização e de pessoas vinculadas a instituições, exalta adolescentes pouco buscaram por sei lá... acho que foi na hora que não pensei
assinatura do Termo por seus responsáveis, variáveis como pobreza, renda, baixa profissionais de saúde, embora o país conte e não usei (risos). Gérbera… Ah, eu nunca
as que estavam fora da faixa etária proposta escolaridade, falta de perspectiva de futuro com a implantação de programas de saúde nem tentei usar camisinha acho que não
e as que não quiseram participar. e subemprego como condicionantes da com extensão de cobertura populacional em podia engravidar por causa dos cistos que
A análise dos dados foi feita através realidade em questão.8:31 muitas localidades, como o caso é o caso da tenho, nem me preocupei.
de categorias. “a análise de conteúdo, é o Segundo a pesquisa,9 constatou-se Estratégia da Saúde da Familia (ESF), muitos A informação que as adolescentes
método preferido, no qual o pesquisador que, a maternidade é mais prevalente entre jovens ainda têm pouco acesso à informação possuem sobre a necessidade do uso
estabelece um conjunto de categorias e as adolescentes de cor de pele preta ou e aos serviços adequados ao atendimento de contraceptivos não significa que elas
depois conta o número de exemplo que parda, com menor renda familiar e menor de suas necessidades de saúde sexual e possuam conhecimento para se prevenir
pertence a cada categoria.” As categorias escolaridade. reprodutiva, o que os estimula a tomar de adequadamente.15
foram formulados de acordo com o método Para 38,5% das meninas, o maneira livre.13 O pensamento mágico surge como
de Bardin, assim o nome de cada categoria acontecimento da menarca se deu quando Ao indagar sobre a utilização da um mecanismo que atua na construção
foi relacionado ao que estava acontecendo tinham entre 9 e 11 anos e 53,84% entre camisinha, duas (15,38%) disseram ter das representações, produzindo uma
de modo empírico, foi realizado então 12 e 14 anos. Com relação ao início da usado somente na primeira relação sexual, dissociação entre a prática sexual e a
categorias simples.7 atividade sexual, na sua maioria, 76,92% outras duas (15,38%) disseram que sempre gravidez na adolescência. Daí surge uma
iniciaram entre 13 e 15 anos de idade, mas usavam, já seis (46,15%) relataram usar justificativa fundada na fatalidade, acaso e
encontrou-se 15,38% entre 10 e 12 anos. camisinha de vez em quando e três (23,07%) destino, demonstrando que as adolescentes
Resultados e discussões Sendo 51,53% apresentam parceiro fixo, adolescentes disseram que nunca usavam. não se consideram responsáveis pela
segundo informações durante o pré-natal O desconhecimento ou, a inadequação gravidez precoce.16
e 48,47% não tinham e informaram que do conhecimento sobre as possibilidades A preocupação com a qualidade da
Foram entrevistadas 13 gestantes tiveram os parceiros fixos até descobrir a contraceptivas atua como fator de informação recebida deve ser constante,
adolescentes, cadastradas na clínica da gravidez. Quando se trata de informações resistência ao uso.14 pois esta deve orientar não apenas os tipos
família. A idade variou de 13 a 19 anos, sobre o exercício da sexualidade (38,46%) E não existindo a prática do uso de métodos, mas também seu uso correto,
mas teve-se predomínio entre 16 a 19 relataram ter recebido orientações do preservativo, os adolescentes ficam a escolha individual do melhor método,
anos sendo 61,53% e 76,92% consideram- através dos amigos, (30,76%) através vulneráveis as DSTs e gravidez não planejada. suas vantagens e desvantagens.16
se pardas. Em relação a escolaridade, foi dos pais, um (7,69%) disse ter recebido A análise dos dados abaixo foi A baixa adesão ao planejamento
observado que 7,69% tinham estudado orientação de alguém da família (tia), três feita através de categorias. A análise de familiar, reflete no baixo nível de informação
entre a 1ª e 5ª série, enquanto 58,46% (23,07%) receberam orientações de outros conteúdo, é o método preferido, no qual acerca dos métodos contraceptivos
estudaram entre a 6ª e 9ª série, já 33,84% (namorado, “todos” e ninguém). o pesquisador estabelece um conjunto disponíveis e sobre o uso adequado dos
tinham o ensino médio incompleto. A A menarca precoce, favorece a de categorias e depois conta o número de mesmos.
maioria das entrevistadas são solteiras, relação sexual precoce com os parceiros. exemplo que pertence a cada categoria:
cerca de 92,30% sendo que 76,92% moram E as alterações hormonais da puberdade Desconhecimento e não uso de métodos
com seus pais, somente 23,07% moram ocasionam a descoberta da sexualidade, contraceptivos, Não utilização da camisinha Não utilização da camisinha pelo
de novas sensações corporais e a busca pelo parceiro, Não têm dificuldade de
com o companheiro, e 53,84% apresentam parceiro
renda familiar mensal de 01 salário mínimo do relacionamento interpessoal entre os conseguir o método contraceptivo,
da época R$ 788.00 (setecentos e oitenta e jovens.10 Conhecimento das adolescentes da
oito reais). Para elas, a gravidez é a primeira vulnerabilidade em que estão expostas
oportunidade de atuar no mundo dos quando não se previne na relação sexual, Ficou evidenciado, em algumas
A gravidez na adolescência é um falas, a oposição do parceiro na utilização
problema que pode estar relacionada à adultos e, se excluídos desse processo, cresce Desconhecimento e não uso de métodos
seu senso de alienação e de incapacidade contraceptivos. do preservativo. Fato que mostra
condição social e econômica desfavorável dependência da adolescente do parceiro
da adolescente. O que se observa é que a de ajuda.11 Dentro da mesma visão, é alta E uma certa afirmação do
a incidência de pais que não admitem sua comportamento de vulnerabilidade e tamanha falta de iniciativa no que diz
incidência da gravidez precoce com maior respeito à preservação da saúde da mesma.
frequência em grupos de pessoas ou em paternidade por não acreditar, negar ou das jovens, as mesmas demonstram
por recusa em aceitar as obrigações que a desconhecimento e pouca preocupação Revelou-se também nas falas de algumas
regiões demográficas que apresentam adolescentes o não uso do preservativo por
características em comum. Várias pesquisas, paternidade implica.12 com a relação sexual desprotegida.

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iniciativa própria por sentir certo incômodo Não têm dificuldade de conseguir o Tulipa, Felicidade… Sei, sim. Tem importancia da orientação sexual a partir
ao usar o método. método contraceptivo várias doenças, AIDS pior que gravidez na do momento que a adolescente começa a
Margarida… Assim, eu tomava injeção, Unidade de saúde falaram. manifestar as alterações biopsicossociais
só que deu rejeição, aí parei de tomar. Eu Os adolescentes representam um dessa fase.
até gostava de usar camisinha, só que aí o Apesar das adolescentes entrevistadas grupo vulnerável ao risco de infecção de HIV Suprir de conhecimento e acima de
parceiro não gostava muito, não. terem acesso aos métodos contraceptivos, e outras DSTs. Supri-los de conhecimento tudo fazer com que as adolescentes adotem
Tulipa… Não, assim como eu principalmente da camisinha e pílulas, talvez e acima de tudo fazer com que adotem em suas relações sexuais comportamentos
namorava, usei uma ou duas vezes, me não tenham a concepção real do benefício e em suas relações sexuais comportamentos seguros tem se mostrado um desafio para a
incomodou e a gente parou de usar... fui da importância do uso destes.22 seguros tem se mostrado um desafio para a educação em saúde.
engravidar depois de sete meses! Achei Rosa… “Dificuldade nenhuma, né?! Eu educação e saúde.23 Já é sabido a importância da ação dos
que não podia engravidar! e ele não usa a esqueço, né”. A pílula eu esqueço. Eu tinha Os adolescentes afirmam conhecer os profissionais de saude no comportamento
camisinha. até conversado com a menina, né, que eu ia meios de manter uma relação sexual segura, das adolescentes e seu papel na orientação
Muitas vezes a mulher acata a decisão parar de tomar a pílula pra tomar injeção, entretanto tal conhecimento não os tem dos mesmos na estrategia da saude da
do parceiro do não uso de preservativos, mas aí na correria que comecei a trabalhar, colocado em um grupo menos vulnerável familia, mas sugere-se que a promoção
o que a expõe ao risco de gestações não aí nem deu tempo de eu vir aqui pra mudar. de contrair uma DST; inversamente, seu de ações de educação e orientação sexual,
planejadas, além de exposição às doenças Na época que eu comecei a tomar, era pra comportamento os coloca em situação integrem e se estendam à família, é preciso
sexualmente transmissíveis.17 controlar a menstruação. Aí, sendo que não de extrema vulnerabilidade diante dos que todos se comprometam em despertar
Os adolescentes também alegam como tava controlando, comecei a passar mal comportamentos sexuais de risco, em geral o interesse das adolescentes em ampliar o
motivo para não usar o preservativo o fato com o remédio e parei de tomar. Injeção, eles associam o seu uso a uma gravidez mais conhecimento e ter novas atitudes em meio
de estarem em um relacionamento sério, praticamente, eu não gosto não, tenho do que a uma DST.24 as relações sexuais.
ou seja, ter só um parceiro.18 Outro motivo medo (risos). É significativo o número de
que se destaca é não usar preservativo Mesmo tendo clareza do risco de adolescentes acometidos por DST’s e que
por conhecer o parceiro por muito tempo, engravidar com a prática sexual sem o o decurso de adolescer é caracterizado por Conclusão
atitude de extrema vulnerabilidade.19 emprego de medidas preventivas, as ser um período de maturação física, psíquica
É fundamental que as ações de adolescentes preferem manter a relação e emocional, é importante a realização de
orientação e prevenção não sejam sexual desprotegida, abandonando os oficinas, com o intuito de conversar com O presente estudo possibilitou
destinadas apenas para as meninas, mas métodos contraceptivos. Mascarado pelo os adolescentes sobre sexualidade e sexo identificar que o conhecimento das
que envolvam também os meninos nessa não uso dos métodos, o desejo inconsciente seguro para a prevenção de DSTs/HIV, além adolescentes acerca dos métodos
responsabilidade conjunta relativa à de engravidar acaba se tornando o maior de esclarecer-lhes as dúvidas sobre tais contraceptivos é um tanto superficial
contracepção.20 determinante do futuro das adolescentes.23 assuntos e conscientizá-los sobre a adoção e ainda, pouca importância é dada na
A educação em saúde constitui de comportamentos favoráveis a saúde utilização. Saber o que é, não significa
um dos componentes vitais no cuidado sexual deles.25 portanto, que as mesmas, compreendam
de enfermagem, pois esta é dotada de Segundo estudos26, fatores associados
Conhecimento das adolescentes a importância dos métodos. Muito se fala
capacidade para desenvolver práticas a não utilização de métodos contraceptivos sobre o assunto, mas pouco se aplica.
educativas culturais individuais e coletivas da vulnerabilidade em que estão na adolescência, constatou que a falta de
expostas quando não se previne na O acesso aos métodos contraceptivos
capazes de garantir ao ser adolescente o conhecimento do adolescente a cerca das e planejamento familiar nas unidades de
exercício de sua sexualidade de forma plena, relação sexual questões sexuais, a má informação acerca saude acontecem, mas as adolescentes
saudável e responsável.20 Esta é a melhor dos métodos existentes, o pensamento de procuram pouco o planejamento familiar
maneira de transformar o comportamento que o contraceptivo interefere no prazer apesar da existencia de grupos na unidade
dessas adolescentes, pois fornece Quando questionadas se sabiam das sexual, a baixa autoestima, a percepção de saúde, onde foi feita a pesquisa.
informação, educação e saúde e aperfeiçoa conseqüências à não prevenção, a maior de invulnerabilidade causam uma menor Os resultados apontam para a
as atitudes indispensáveis para a vida.21 parte das adolescentes disseram que procura e uso dos metodos contraceptivos. necessidade de programas educativos
sabiam que estavam expostas à doenças E como as adolescentes tornam- envolvendo os adolescentes no
principalmente ao vírus do HIV. se ativas sexualmente em um periodo de ambiente escolar, familia e na ESF, uma
Rosa… Isso aí, essas coisas eu já sei, já! dúvidas sobre o corpo, a identidade, a interdisciplinalidade entre saúde e
Ah, tirando as doenças, né. HIV, né? AIDS, se sexualidade, entre outros problemas como educação, capaz de enfrentar os desafios da
eu não me engano, né. É, assim de cabeça, DST e gravidez não planejada.Percebe-se a orientação sexual para adolescentes.
só lembro dessas.

80 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 75 - 83 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 75 - 83 81


Artigo Original Artigo Original
A orientação sexual é um assunto sendo necessário também que a equipe 12
. Luz AMH, Berni NIO. Processo da paternidade na adolescência. Rev. bras. enferm.,  Brasília,
bastante abordado na atualidade, e a equipe da Estratégia da Saúde da Familia, esteja fev 2010; 63(1): 43-50.
de saúde na ESF, deve disseminar educação atenta no desenvolvimento de ações na
diretamente ao adolescente, no sentido de promoção e a reflexão e conscientização . Thuler AL. Paternidade e deserção: crianças sem reconhecimento, maternidade penalizadas
13

prevenir doenças e situações indesejadas dos adolescentes em relação as questões pelo sexismo. Soc. estado., Brasília, dez 2004; 19(2): 491-514.
através dos métodos contraceptivos. da anticoncepção, gerando mudanças de . Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
14

As informações devem ser passadas comportamento e respeitando a capacidade Programáticas Estratégicas. Direitos sexuais, direitos reprodutivos e métodos anticoncepcionais.
de maneira clara, objetiva e verdadeira. individual em receber e processar as Brasília (DF); 2006.
Portanto, é importante ressaltar que apenas informações para utilizá-las corretamente.
a informação não é suficiente para favorecer . Mendonça RCM, Araujo TME. Análise da produção científica sobre o uso dos métodos
15

a adoção de comportamentos preventivos, contraceptivos pelos adolescentes. Rev. bras. enferm.,  Brasília, dec 2010; 63(6):1040-1045.
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82 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 75 - 83 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 75 - 83 83


Artigo Original
DOI: http://dx.doi.org/10.18310/2446-4813.2015v1n4p85-96

CONHECIMENTOS E PRÁTICAS DE
TRABALHADORES DA CONSTRUÇÃO CIVIL SOBRE
PRÁTICAS DE PROMOÇÃO DA SAÚDE E ATENÇÃO
À SAÚDE

KNOWLEDGE AND PRACTICES OF CONSTRUCTION WORKS ABOUT


HEALTH PROMOTION AND HEALTH CARE PRACTICES

Fabiana Martins Sales de Melo Maria Wanderleya de Lavor Coriolano-


Marinus
Graduada em Enfermagem e
Fonoaudiologia Universidade Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente.
Federal de Pernambuco. Departamento de Enfermagem da Universidade
E-mail: fabmsm@gmail.com Federal de Pernambuco.
E-mail: wandenf@yahoo.com.br
Fábia Alexandra Pottes Alves
Doutora em Saúde Pública.
Departamento de Enfermagem
da Universidade Federal de
Resumo
Pernambuco.
E-mail: fabia.alexandra@terra.com.
br Objetivos: identificar o conhecimento de
trabalhadores da construção civil acerca da Política
Nacional de Atenção à Saúde do Homem, traçar
Theresa Pricilla Calado de Barros
o perfil desses trabalhadores da construção civil
Gonçalves quanto aos dados de identificação, condição
Graduanda em Enfermagem. socioeconômica e situação de saúde, acesso
Universidade Federal de aos serviços de saúde para a prevenção e/ou
Pernambuco. tratamento de agravos e identificar os principais
E-mail: theresapricilla@gmail.com motivos e fatores culturais que interferem na busca
pela atenção à saúde. Métodos: estudo transversal,
Maria Ilk Nunes de Albuquerque com abordagem quantitativa. A coleta de dados
foi realizada em empresas da construção civil,
Doutora em Serviço Social. localizadas na cidade do Recife-PE. Foi aplicado um
Departamento de Enfermagem formulário estruturado, além da realização de uma
da Universidade Federal de atividade educativa que abordou questões sobre
Pernambuco. alimentação, uso de álcool e cigarro. Os dados foram
E-mail: nunesilk@gmail.com analisados de forma descritiva e apresentados
em tabelas, construídas pelo programa Epi Info
3.5.2. Resultados: Encontramos homens que na

Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 85 - 96 85


Artigo Original Artigo Original
maioria classificam sua saúde como ótima/ Epi Info 3.5.2 program. Results: We found Os principais objetivos da Política A partir da realidade observada no
boa 56(77,7%), a maioria faz uso do álcool that most men rate their health as excellent são promover mudanças de paradigmas no que se referia à deficiência de ações de
57(79,2%), não usam nenhum método / good 56 (77.7%), most uses of alcohol que concerne à percepção da população saúde de promoção da saúde e prevenção
de prevenção contra DST’s45(62,5%), 57 (79.2%), use no method of prevention masculina em relação ao cuidado com sua de fatores de risco e agravos direcionados
procuram os serviços de saúde pela DST’s45 (62.5% ), seeking health services saúde, aumentando a expectativa de vida e à população masculina, delimitou-se a
atenção especializada, pronto socorro/ for specialized care, emergency room / reduzindo os índices de morbimortalidade questão de pesquisa: “Qual o conhecimento
ambulatórios 53(73,6%) e desconhecem outpatient 53 (73.6%). By analyzing the dessa população, além do fortalecimento de trabalhadores da construção civil a
a Politica Nacional de Atenção Integral à covered population, there was ignorance of da assistência básica no cuidado com o cerca da política Nacional de Atenção
Saúde do Homem. Quanto às informações the National Policy for Integral Attention to homem, facilitando e garantindo o acesso Integral à Saúde do Homem? E qual o perfil
de prevenção de doenças, quando as Men’s Health, as well as disease prevention e a qualidade de atenção necessária ao dessa amostra em relação às variáveis
tinham não eram utilizadas no dia a dia. information and when they were not used enfrentamento dos fatores de risco das sócioeconômicas e demográficas, fatores de
Conclusão: Evidencia-se uma população de on a daily basis. Conclusion: it is necessary doenças e dos agravos à saúde.2 risco para doenças e práticas de promoção
trabalhadores jovens, que considera a saúde to intensify the practice of health services, Quando os indivíduos resistem na à saúde?”
como boa, embora tenha sido evidenciado educational activities with effect to men. busca à promoção do autocuidado e são Os objetivos foram: identificar
elevado percentual de uso de álcool, com negligentes com as ações preventivas, não o conhecimento de trabalhadores da
situações de embriaguez no ambiente de afetam apenas sua condição de saúde, construção civil acerca da Politica Nacional
trabalho. Conclusão: Faz-se necessária a Keywords : Men’s Health , Health Policy , mas oneram o sistema de saúde, que de Atenção Integral à Saúde do Homem;
intensificação das praticas dos serviços de precisa direcionar o financiamento para traçar o perfil de homens trabalhadores de
saúde, com ações educativas de efeito para health services os serviços de média e alta complexidade, empresas da construção civil no que se refere
os homens. que contempla internamentos e exames a estado civil, condição socioeconômica,
de alto custo. Sendo assim, é relevante agravos à saúde, procura pelos serviços de
Introdução que os homens procurem o serviço de saúde para a prevenção e/ ou tratamento de
Palavras-Chave: Saúde do Homem, saúde, pelo menos uma vez ao ano, além agravos e Identificar os principais motivos e
de serem necessários mecanismos locais fatores culturais que interferem na busca
Politica de Saúde, serviços de saúde.
Numa perspectiva de gênero onde o para melhorar a assistência oferecida a essa pela atenção à saúde.
referencial de masculinidade aponta para população.2
padrões reconhecidos como característicos Porém, observa-se na prática dos
Abstract do ser homem, como viril, forte e provedor, serviços de saúde de atenção primária, Método
negando inclusive, a existência de dor ou uma baixa frequência da população
sofrimento e vulnerabilidades, reforçando masculina às ações de promoção da saúde
Objective: to identify the knowledge of a diferenciação com o feminino dito como e prevenção de doenças e agravos, por
construction workers on the National Pesquisa de natureza transversal
frágil, contribui para maior visibilidade do inúmeras razões das quais podem ser com abordagem quantitativa4,5, realizada
Health Care Human Policy, trace the processo saúde-adoecimento com relação à destacadas: desconhecimento e a falta de
profile of construction workers as the em duas empresas da construção civil
saúde dos homens.1 capacitação dos profissionais de saúde, a localizadas na Região Metropolitana da
identification data, socioeconomic status Na tentativa de reverter esse quadro inexistência de mecanismos de captação
and health status, access health services cidade do Recife- PE. A escolha destes locais
ou modificar, em 2009, instituiu-se a e busca da população masculina por parte ocorreu por oferecerem, no seu quadro
for the prevention and / or treatment of Política Nacional de Atenção Integral à dos profissionais de saúde, a rotina de
diseases and identify the main reasons and funcional, homens trabalhadores, nos mais
Saúde do Homem (PNAISH), que dispõe funcionamento do serviço de saúde no diferentes cargos e por estes indivíduos
cultural factors that influence the quest sobre a qualificação da atenção à saúde horário diurno, além de fatores relacionados
for health care. Methods: cross-sectional estarem na faixa etária da PNAISH.
da população masculina na perspectiva ao âmbito cultural de gênero, como a falta Foram incluídos trabalhadores da
study with a quantitative approach. Data de linhas de cuidado que resguardam a de interesse dos homens no cuidado a sua
collection was conducted in two companies construção civil que estavam dentro da
integralidade da atenção, propondo uma saúde.3 faixa etária da PNAISH, dos 20 aos 59 anos
of construction, located in the city of Recife- mudança na qualidade da assistência O interesse da autora principal em
PE. It was applied a structured form, besides e que aceitaram participar na pesquisa e
oferecida a essa população, bem como investigar essa temática, partiu da vivência utilizavam os serviços do SUS.
the realization of an educational activity mudanças na visão cultural de cuidados aos acadêmica na graduação em enfermagem,
that addressed issues on food, alcohol and As duas empresas possuíam um
homens na faixa etária de 20 a 59 anos de na qual observou que a demanda de total de 79 homens que preenchiam aos
cigarettes. Data were analyzed descriptively idade.2 usuários do sexo masculino em relação ao
and presented in tables, constructed by the critérios de inclusão da pesquisa. A coleta
feminino era discrepante.

86 Saúde em Redes. 2015; 1 (3): 85 - 96 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 85 - 96 87


Artigo Original Artigo Original
foi realizada no canteiro de obras das empresas através duas visitas, sendo feita na primeira União estável 22 30,6%
visita a aplicação do questionário estruturado, em uma sala previamente reservada com 72
participantes no total. Estes foram todos os que se encontravam nos canteiros de obras no Outros 4 5,6%
momento de coleta de dados, ocorrendo duas recusas. Tipo de residência
Na segunda visita das pesquisadoras, foi realizada uma ação educativa com orientações
sobre hipertensão arterial, diabetes, dislipidemias, hábitos de alimentação, alimentação Alugada 13 18,1%
saudável. Esse momento contou com a participação de 38 homens que estavam no canteiro Própria 53 76,6%
de obras. Após a ação educativa foram coletados dados da pressão arterial, da glicose pós
prandial, peso, altura e realizado o cálculo de índice de massa corpórea (IMC). Outros 6 8,3%
Os dados foram digitados em um banco de dados do programa Epi-Info, versão 3.5.2. Nº de pessoas no domicílio
Para análise de dados não foram realizados testes de associação por se tratar de um tamanho
amostral que não permitiu traçar um panorama analítico. Sendo assim, os dados foram 0a5 53 73,6%
analisados de forma descritiva e apresentados em tabelas. 6 a 10 19 26,4%
Seguindo os preceitos éticos foi assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Renda mensal
(TCLE) após concordância verbal e esclarecimento dos objetivos deste estudo e sobre os
critérios assegurados pela resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Menos de 1 salário 1 1,4%
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde De 1 a 3 salários 63 87,5%
da Universidade Federal de Pernambuco com o CAEE nº 38714414.0.0000.5208.
Mais de 3 salários 8 11,1%
Fonte: Dado da pesquisa.
Resultados
A tabela 2 apresenta os principais fatores de risco relacionados à saúde dos trabalhadores.
O cigarro era consumido por 21(29,2%) e destes 15(20,8%) consumiam de 1 a 20 cigarros
Dos indivíduos investigados, 70 (97,2%), exerciam as funções das mais variadas (pedreiro, por dia, 6(4%) consumiam de 30 a 40 cigarros por dia. Em relação ao álcool, 57(79,2%) dos
ajudante de pedreiro, marceneiro, eletricista, encanador, etc.) e apenas 2 (2,7%), eram técnicos trabalhadores consumiram na última semana e 15(20,8%) não consumiam em nenhum
de segurança do trabalho. Trabalhadores de nível superior não foram entrevistados devido à momento.
ausência desses profissionais durante a fase de coleta de dados. Quando questionados sobre terem sofrido algum acidente de trânsito no último ano,
A tabela 1 apresenta os aspectos socioeconômicos e demográficos dos entrevistados. 12(7%) responderam que sim, dos quais 6 (50,0%) precisaram ser hospitalizados. Desses
acidentes, 11(91,7%), o tipo de veiculo foi à motocicleta.
Tabela 1 - Perfil de trabalhadores da construção civil segundo variáveis socioeconômicas e
demográficas. n=72. Recife, 2015. Tabela 2 - Fatores de Risco à saúde de trabalhadores da construção civil. N= 72. Recife- PE,
2015.

Variáveis n %
Variáveis n %
Faixa etária Uso de cigarro
20 a 29 14 19,4% Sim 21 29,2%
30 a 39 22 30,6% Não 51 70,8%
40 a 49 19 26,4% 1 a 20 cigarros 15 20,8%
50 a 59 17 23,6% 30 a 40 cigarros 6 4%
Estado civil Bebida alcoólica na última semana

Solteiro 18 25,0% Sim 57 79,2%


Não 15 20,8%
Casado 24 33,3%
Viúvo 4 5,6%

88 Saúde em Redes. 2015; 1 (3): 85 - 96 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 85 - 96 89


Artigo Original Artigo Original
Acidentes de transito no último ano Injeção (companheira) 6 12,5%
Sim 12 16,9%
Nenhum método 2 4,2%
Não 59 83,1%
Outros 22 45,8%
Doenças prévias
Prevenção contra DST
Sim 19 26,4%
Sim 27 37,5%
Não 53 73,6% Não 45 62,5%
Fonte: Dados da pesquisa.
Medida da PA no último ano
Na tabela 3, apresentam-se questões relacionadas à promoção da saúde e prevenção de Sim 46 63,9%
doenças e agravos, constatando-se que em relação à autoclassificação de sua saúde a maioria, Não 26 36,1%
56 (77,8%), classificou sua saúde como ótima ou boa e apenas 5 (7,0 %) classificaram como
Medida da glicose no último ano
ruim ou péssima.
Os métodos anticoncepcionais definitivos foram os mais encontrados, referidos por Sim 15 20,8%
22(45,8%) (laqueadura, histerectomia). Em 8 (16,7%), as companheiras utilizavam a pílula Não 57 79,2%
anticoncepcional, 10(20,8%) usavam a camisinha masculina, 6(12,5%), as companheiras faziam Serviço de saúde que mais procura
uso do anticoncepcional injetável. Quando indagados sobre a prevenção contra as doenças
sexualmente transmissíveis (DST), utilizando camisinha masculina, 27 (37,5%) afirmaram sua Ambulatórios 2 2,8%
utilização, embora na pergunta anterior sobre concepção apenas 10 referiram a utilização Unidade de Saúde da Família 18 25,0%
desse método. Pronto Socorro 30 41,7%
A medição da pressão arterial no último ano foi realizada por 46(63,9%). Em relação à
glicose, apenas 15(20,8%) afirmaram ter medido no último ano. O tipo de serviço de saúde Hospital 17 23,6%
mais utilizado diante de necessidades em saúde foram o pronto socorro por 30(41,7%), a Outros 4 5,6%
Unidade de Saúde da Família por 18 (25,0%) e os hospitais por 17(23,6%). Conhece sobre a PNAISH
Quanto ao conhecimento por PNAISH, 52(72,2%) afirmaram não ter conhecimento sobre
Sim 20 27,8%
a existência de tal Política. No acesso à informação sobre prevenção de doenças, a maioria,
37(51,4%) dos entrevistados afirmou ter esse conhecimento , sendo o Agente Comunitário de Não 57 72,2%
Saúde uma relevante fonte de informações.
Acesso à informação sobre prevenção de
doenças
Tabela 3 - Práticas de promoção da saúde e prevenção em trabalhadores da construção civil.
n=72. Recife – PE, 2015. Sim 37 51,4%
Não 35 48,6%
Variáveis n % Fonte: Dados da pesquisa.
Auto-classificação da saúde
Ótima 13 18,1% Após a coleta de dados através do questionário, foi realizada uma ação educativa
abordando a importância da alimentação adequada na saúde, os tipos de alimentos que
Boa 43 59,7% influenciam diretamente na alteração do padrão da pressão arterial, glicemia e dislipidemia.,
Ruim 4 5,6% Apenas 38 indivíduos compareceram a essa atividade. Na avaliação do estado de saúde dos
Péssima 1 1,4% participantes foi realizada a mensuração da PA, Glicemia Pós Prandial, Peso e Estatura. Com os
dados, peso e altura foram calculados o IMC. Os dados referentes à essa etapa encontram-se
Regular 11 15,3%
descritos na Tabela 4.
Uso de métodos anticoncepcionais Dos 38 participantes, 32(84,3%) apresentavam PA em estágio Pré Hipertensão, 5 (13,2%),
Pílula (companheira) 8 16,7% apresentavam estágio 1 de hipertensão e apenas 1(2,6%), apresentava PA dentro do padrão de
Camisinha masculina 10 20,8% normalidade. Desses 38 entrevistados, nenhum fazia uso de medicação anti-hipertensiva ou
medicação para controle da glicose.

90 Saúde em Redes. 2015; 1 (3): 85 - 96 Saúde em Redes. 2015; 1 (4): 85 - 96 91


Artigo Original Artigo Original
Com a verificação da glicemia pós prandial, identificou-se que 18(47,4%) estavam acima alcoolizados. Além do consumo do álcool, reconhecem suas necessidades de saúde
do padrão de 140mg/dl, indicando intolerância à glicose. Ao calcular o IMC dos entrevistados em excesso, ser prejudicial à saúde, o no âmbito preventivo, sendo assim cultivam
identificou-se que, 22(57,9%), estavam com sobrepeso e 6(15,8%) com obesidade grau I. cenário de trabalho da construção civil, por a ideia que não adoecem e só procuram a
si só, apresenta vários riscos de acidentes atenção quando as doenças estão instaladas.
Tabela 4 - Avaliação nutricional e mensuração de pressão arterial, glicemia, peso e estatura de trabalho e com indivíduos alcoolizados, A doença é considerada sinal de
(IMC) em trabalhadores da construção civil. N=38. Recife, 2015. esse risco pode ser potencializado.7 fragilidade, e os homens não reconhecem
O relatório do Status Mundial de como algo inerente à sua condição biológica,
Variáveis N % Álcool e Saúde da Organização Mundial por isso o julgamento da invulnerabilidade,
de saúde (OMS) de 20118, afirma que o ficando expostos a condições de risco.11
Peso consumo de álcool é o terceiro maior fator Enquanto há preocupação com o
50 a 70 7 18,4% de risco para doenças e incapacidade no aumento da família, dentre os entrevistados,
71 a 90 23 60,5% mundo e o maior deles em países de renda percebe-se nas respostas quanto ao uso de
média. métodos anticoncepcionais, não vêm com
91 a 120 8 21,1% Outro fator risco à saúde encontrado medidas de proteção contra as DST, as quais
Pressão Arterial foi o consumo do cigarro. O tabagismo estão aumentando significativamente no
<120/<80 1 2,6% passivo é a 3ª causa de morte evitável no Brasil e são consideradas um problema de
mundo e o maior responsável pela poluição saúde pública. As estimativas da OMS é que,
120-139/80-89 32 84,3% em ambientes fechados. A maioria não a cada ano surgem 330 milhões de novos
140-159/90-99 5 13,1% consome o cigarro, mas são fumantes casos de DST, aproximadamente, 1 milhão
Glicemia passivos, pois convivem com os fumantes a cada dia; por não serem de notificação
ativos. Os fumantes passivos correm riscos compulsória, o país não têm dados precisos,
73 a 140mg/dl 20 52,6%
assim como os que fumam, são os tabagistas à exceção da AIDS e Sífilis.12,13
144 a 166mg/dl 18 47,4% passivos e em ambientes fechados, o risco A epidemia da AIDS motivou a inserção
IMC é 30% maior de desenvolver um câncer do homem nos debates sobre saúde sexual,
de pulmão, 25% maior de desenvolverem passando a se falar sobre prevenção e
18,5 a 24,99 10 26,3%
doenças cardiovasculares, além de asma, mudança comportamental a ser adotada
25 a 29,99 22 57,9% pneumonia, sinusite, dentre outras.9 na relação sexual. O uso da camisinha,
30 a 34,99 6 15,8% No ultimo ano, 12 (7%) dos amplamente divulgado como método mais
entrevistados sofreram acidente de eficaz na prevenção de DST/AIDS é o que
Fonte: Dados da pesquisa.
trânsito, dos quais 6 (50,0%) ficaram vem mostrando ao longo dos anos, porem
internados e 11(91,7%), foram causados sua adesão ainda apresenta desafios ao
por motocicletas. A PNAISH aponta alguns controle das DTS/AIDS.14
Discussão indicadores de morbidade e mortalidade Dos participantes da pesquisa 46
que se destacam na população masculina, e (63,9%), mediram a PA no último ano em
os acidentes de transito estão enquadrados algum momento e apenas 15 (20,8%),
Os participantes, em sua maioria, eram casados ou em união estável com renda entre 1 nas causas externas que atingem esse grupo mediram a glicose no último ano. A saúde
a 3 salários mínimos, morando em casa própria, que abrigavam, de 1 a 5 moradores, e dentro populacional na faixa etária dos 25 a 59 masculina ainda está vinculada quase
de uma faixa etária predominante de 30 a 39 anos, perfil que se enquadra com o já descrito anos.10 exclusivamente ao exame preventivo de
em outras pesquisas sobre a população masculina. Quanto à autoclassificação da saúde, câncer de próstata, deixando de lado a
Em pesquisa com homens com idade acima de 21 anos, alfabetizados, o perfil encontrado, a maioria, 56(77,7%), referiu como ótima ou prevenção de outros fatores de risco em
estava diante de homens inseridos no mercado de trabalho, situação que muitas vezes impede boa, relatando “não sentiram nada”, e ainda, homens jovens.6
a busca por serviços de atenção a saúde, devido à incompatibilidade de horários dos serviços muitos indivíduos tinham a percepção de A maioria não buscava os serviços de
de saúde com o horário de trabalho, o que na visão dos mesmos, os impedem de ausentar-se que apresentavam algum sintoma, mas atenção primária, sendo mais frequentes a
do trabalho, pelo risco de perdê-lo, para cuidar de sua saúde.6 dificilmente aceitavam ou reconheciam busca como serviço de “porta de entrada”
Na busca dos principais fatores de risco à saúde, o álcool e o cigarro foram os principais a necessidade de procurar um serviço de o pronto socorro para 41,7% e os hospitais
problemas identificados. O álcool era consumido por 79,2% dos pesquisados e no momento saúde. Esses dados são corroborados por para 23,6%. Esse resultado semelhante
da entrevista e no ambiente de trabalho, não foi difícil observar que existiam participantes estudo10 que pontua que os homens não aos dados de Vieira et al.11, ressaltam,

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que a população masculina acessa o de resolutividade das necessidades de encontravam acima do nível de tolerância quando as tinham não eram utilizadas no dia
sistema de saúde por meio de atenção saúde. Os entrevistados apontaram 140mg/dl, indicando intolerância à glicose. a dia, pôde-se conhecer sobre as dificuldades
especializada, corroborando a necessidade como estratégias de enfrentamento a Esses resultados preocupam, da busca, a falta de conhecimento sobre
do fortalecimento e qualificação da atenção essas dificuldades , a necessidade de um sobretudo pelo fato das duas doenças (HA medidas de promoção da saúde, prevenção
primária. acolhimento adequado pelo serviço de e DM) serem fatores de risco para doenças e assistência à saúde. Nesse contexto, faz-se
Pereira; Nery15 referem a necessidade saúde, a comunicação adequada, através cardiovasculares. necessário a intensificação das praticas dos
de uma reflexão sobre a necessidade de de informações e a formação de vínculo, Em relação ao parâmetro de serviços de saúde, com ações educativas de
reestruturação da relação entre homens e através da estabilidade profissional e da sobrepeso/obesidade, identificou-se que efeito, uma vez que essa pesquisa mostrou
serviços de saúde no sentido de promover visita domiciliar, evidenciando-se que os a maioria 22 (57,9%), encontrava-se com alterações importantes nos parâmetros
qualidade de vida à população masculina. profissionais que compõem a ESF precisam o índice acima do normal e em grau 1 clínicos.
Fagundes et al16 relatam a unanimidade se apropriar da estratégia de humanização de obesidade. Esses dados caminham As equipes da atenção básica tem
entre os profissionais de saúde quando nas suas práticas em saúde. para lado inverso do que os participantes a possibilidade de captar esses homens,
afirmam que os homens, além de menos Dos entrevistados, a grande maioria acreditam, já que a maioria afirma que porém esbarram nos entraves como a falta
presentes e assíduos no serviço de saúde, foi identificado com PA alterada na sua saúde é ótima/boa, corroborando de ações contínuas, que são prejudicadas
também são mais resistentes aos convites realização da aferição, (84,3% em estágio com Ribeiro et al19, quando afirmam que a pela falta de capacitação de profissionais de
para irem ao serviço, assim como o índice Pré Hipertensão e 13,1% em estágio 1 de maioria dos homens desconhece sobre sua saúde, falta de organização de horários de
de faltas e a não adesão aos tratamentos Hipertensão). Nenhum deles fazia uso de saúde, por negar a existência de pelo menos funcionamento compatíveis com o trabalho
são os maiores por parte dos homens. medicação anti-hipertensiva. A VI Diretriz uma doença ao longo de sua vida, levando-o da população masculina.
Mesmo diante da morbimortalidade Brasileira de Hipertensão17 caracteriza a a procurar apenas os meios curativos e não A PNAISH, desde sua criação e
masculina, a busca pelos serviços de saúde HAS como síndrome crônica multifatorial, os preventivos. implantação, ainda não conseguiu inserir
ainda é pequena quando comparada à com prevalência preocupante, que atinge o homem no contexto de saúde. Torna-se
busca feminina, deixando claras as barreiras aproximadamente 25% da população evidente que, a PNAISH precisa ir muito além
culturais e o medo da descoberta de uma mundial e com previsão de crescimento Conclusão para se consolidar na prática dos serviços de
doença grave, e como um fator de proteção, chegando aos 60% até 2025 e com maior saúde, portanto, identifica-se a necessidade
preferem não ter conhecimento.11,12,15 prevalência no sexo masculino. O Ministério da realização de ações educativas de caráter
Quanto ao acesso a informações da Saúde, classifica a pressão Arterial como Esta pesquisa foi significativa embora continuado, de um plano estratégico que
sobre prevenção de doenças, um grande Normal (<120 <80mmHg), Pré-hipertensão não aplicada a todos os trabalhadores da identifique as principais queixas do público
percentual dos entrevistados não tem ( 120-139/80-89mmHg), Hipertensão em construção civil, deu a oportunidade de alvo da política, e, que os profissionais de
acesso a essas informações, o que indica Estágio 1 (140-159/90-99mmHg) e Estágio 2 ouvir um pequeno grupo de homens que saúde sejam capacitados para o atendimento
a necessidade urgente de oferecer a essa (>160 >100mmHg). Com isso, é necessário têm o SUS como o único serviço de saúde. especifico a esse grupo populacional a partir
população ações de promoção a saúde e o controle dos níveis pressóricos, pois Percebeu-se que poucos sabiam de parcerias intersetoriais.
prevenção de doenças. A PNAISH enfatiza esses níveis acima de 115/75mmHg elevam da existência da PNAISH, assim como
que um aspecto ainda determinante no os riscos de mortalidade por doença informações sobre prevenção de saúde e
baixo acesso dos homens aos serviços de cardiovascular.17,18
saúde, deve-se ao fato de que, os serviços Esses dados apontam a necessidade
e as estratégias de comunicação não tem de ações que possam beneficiar esse
privilegiado esse público.16 publico, minimizando os efeitos da Referências
Cavalcanti et al6 ao estudarem as hipertensão arterial a partir de mudanças
necessidades de homens e os principais comportamentais voltadas para a
obstáculos para uma atenção integral alimentação saudável, pratica de atividade 1
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como obstáculos referenciados pelos do fumo e álcool.
homens, a vergonha de se expor e Mesmo com a identificação de que
2
. Brasil. Portaria nº1.944, de 27 de agosto de 2009. Instituto no âmbito do Sistema de Único
a impaciência enfrentada durante a a maioria dos entrevistados estava com de Saúde (SUS). Politica Nacional de Atenção Básica à Saúde do Homem. Diário Oficial da
espera por atendimento, a inexistência valores da glicemia pós prandial, dentro União, Brasília; 28 de ago 2009
de tempo para dedicar a sua saúde, da normalidade, destaca-se o percentual 3
. Leal AF, Figueiredo WS, Nogueira da Silva GS. O percurso da Politica Nacional de Atenção
atribuída ao regime de trabalho e a falta de 47,4% desses trabalhadores que se Integral à Saúde do Homem (PNAISH), desde a sua formulação até sua implementação nos
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