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O caminho marxista para a demanda efetiva: Marx, Tugan-Baranovsky,

Rosa Luxemburgo e Kalecki.

Apostila Economia Política II.

Segundo semestre de 2019.

A grande contribuição de Kalecki para o entendimento do modo de


funcionamento e do desenvolvimento da economia capitalista foi sua formulação e seu
aprofundamento do princípio da demanda efetiva. Antes mesmo da publicação por
Keynes da Teoria Geral em 1936, Kalecki elaborou a primeira formulação precisa e
sistemática do papel da demanda efetiva no processo de acumulação capitalista. Ao
contrário de Keynes, que vinha da tradição marshalliana, Kalecki segue a tradição
marxista.
Assim, Michal Kalecki, nos seus escritos, reconhece explicitamente a
importância que tiveram as obras de Marx e de autores marxistas como Tugan-
Baranovski e Rosa Luxemburgo sobre o desenvolvimento do princípio de demanda
efetiva. Kalecki escreveu, assim, que “Marx estava profundamente consciente do
impacto da demanda efetiva sobre a dinâmica do sistema capitalista”. Marx tinha
identificado o problema da realização da mais-valia, mas, segundo Kalecki, não chegou
a investigar sistematicamente o processo descrito por seus esquemas de reprodução, do
ponto de vista das contradições inerentes ao capitalismo decorrentes do problema da
demanda efetiva. É significativo observar que o próprio Kalecki usou os esquemas de
reprodução ampliada do Marx, particularmente no famoso artigo “As Equações
Marxistas de Reprodução e a Economia Moderna”, para ilustrar o princípio da demanda
efetiva. Da mesma forma, Kalecki, no seu artigo “O Problema das Demanda Efetiva em
Tugan-Baranovski e Rosa Luxemburgo”, mostra os progressos que fizeram esses dois
autores na direção do princípio da demanda efetiva e analisa, também, as fraquezas das
suas abordagens. Neste sentido, aparece de forma nítida que Kalecki construiu seu
próprio princípio de demanda efetiva, muito mais sofisticado e completo, a parte da
análise crítica e construtiva da questão da superprodução geral (“general glut”) em Marx
e autores marxistas como Tugan-Baranovski e Rosa Luxemburgo.

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Tanto Marx, quanto Tugan-Baranovski e Rosa Luxemburgo estão preocupados
com o problema da realização da mais valia e as crises de superprodução. O objetivo
para eles é, então, de saber se vai ter demanda o suficiente para o que já foi produzido.
No Marx, a questão central é a seguinte, então: dado o produto, será que vai haver
gastos suficientes para absorver inteiramente a produção da economia? Os esquemas de
reprodução simples e de reprodução ampliada são esquemas normativos que mostram a
improbabilidade da realização da mais valia e o forte risco da economia capitalista ter
que enfrentar crises.
Pensando no caso de uma economia fechado sem governo (salários + lucros =
consumo do trabalhadores (Cw) + Consumo dos capitalistas (CK) + Investimento (I) )
No Tugan-Baranovsky e na Rosa Luxemburgo, os salários sendo inteiramente
consumidos pelos trabalhadores, a questão é de saber se, no caso do esquema de
reprodução ampliada, o consumo dos capitalistas e o investimento vão aumentar tanto o
quanto a mais valia potencial.
Como será mostrado, no caso de Tugan-Baranovsky, a resposta é sim porque,
apesar das crises de curto prazo devidas à “repartição desproporcional da produção”,
Tugan supõe que a tendência é que o investimento seja igual à parte da mais valia
potencial (ou seja, o lucro menos CK ).
A mais valia é igual a (1-w)Y
onde w é a parcela dos salários dada pela produtividade e pelo salário real
onde Y é o produto
que não é destinada ao consumo capitalista:
Temos, portanto:
I = (1-w)Y - CK

No caso de Rosa Luxemburgo, pelo contrário, existe uma tendência à estagnação


ou reprodução simples porque CK não cresce muito e ai não viabiliza o investimento. A
situação é então a seguinte: I <(1-w)Y - CK . Como será mostrado, Lux. Considera que o
dinamismo dependeria dos “mercados exteriores” (exportações para as áreas não
capitalistas e gastos do governo).
A definição do princípio de demanda efetiva por Kalecki representou uma
evolução considerável em relação à tradição marxista do estudo da questão da
superprodução. De fato, Kalecki formula uma teoria do produto e não mais da crise de
superprodução. Kalecki parte da ideia que a demanda é dada e que o produto vai ter que

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adaptar a esse nível de manda. Kalecki está interessado em responder à questão
seguinte: dada a demanda, quanto vai ser produzido? Ele responde que o nível de
produto associado à demanda aos preços de produção (aqueles preços além dos custos
de produção que garantem lucros, porque no capitalismo só é produzido o que dá lucro)
não garante de forma alguma, numa economia capitalista monetária, que haja plena
utilização da capacidade produtiva e pleno emprego do trabalho.
Neste texto, será apresentado o caminho marxista para o desenvolvimento do
princípio de demanda efetiva através do estudo sucinto da contribuição de Tugan-
Baranovski e de Rosa Luxemburgo ao problema da demanda efetiva. Em seguida, serão
examinadas as críticas ao conceito de demanda efetiva nas obras de Tugan-Baranovski e
de Rosa Luxemburgo formuladas por Kalecki. Será, também, apresentada de forma
mais aprofundada a obra de Kalecki o papel crucial da demanda efetiva na dinâmica das
economias capitalistas desenvolvidas.

I. As crises de realização em Marx

As crises de realização ocorrem por falta de demanda efetiva agregada. A possibilidade


de crises de superprodução vem, segundo Marx, das características da produção
capitalista que ignorou Ricardo: a mercadoria e o dinheiro. A produção capitalista, diz
Marx, é antes de tudo, a produção de mercadoria, ou seja, a produção cujo verdadeiro
proposito é a apropriação do excedente. O capital segue um circuito que permite que a
extração do excedente (sob a forma de lucros) aconteça, a moeda sendo um elemento
indispensável deste circuito. O objetivo do capitalista não é transformar o capital-
mercadoria M em capital-mercadoria M’, mesmo se isso necessariamente acontece,
mas, na verdade, o capitalista deseja transformar o capital-dinheiro D numa quantidade
maior ainda de capital-dinheiro D’. O processo pelo qual o excedente é criado e
distribuído no capitalismo requer que o capital-dinheiro seja transformado em capital-
mercadoria e, então, transformado de volta em capital-dinheiro. Assim, o dinheiro,
longe de ser um mero meio de troca, é um aspecto essencial da mercadoria neste
processo de metamorfose.

Marx criticou a Lei de Say em várias ocasiões na sua obra. Seu ataque mais
detalhado contra a Lei de Say se encontra no volume II das Teorias da Mais Valia, onde
ele critica a teoria da produção de Ricardo. Marx argumenta lá que a Lei de Say é errada
porque ela está baseada numa concepção errada da produção capitalista. Marx ataca a

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visão “harmônica” do capitalismo como uma economia de escambo onde se trocariam
valores de uso. Marx estabelece, pelo contrário, que a produção capitalista é organizada
e direcionada pela necessidade de produzir mercadorias, ou seja, valores de troca, e de
transformar esses valores de troca na forma geral do valor: o dinheiro.

O problema é que a realização do excedente, numa economia capitalista


monetária, não é garantida, sendo que o circuito D-M-D’ pode ser quebrado. Como o
dinheiro é, por natureza, uma reserva de valor, ele não precisa imediatamente se tornar
numa mercadoria e pode ser entesourado. Além disso, através do credito mais dinheiro
pode ser criado e gasto.

A sequência D-M não necessariamente coincide no tempo e no espaço, então,


com a sequência M-D’, ou seja, o ato de receber uma renda é separado do ato de gastar
esta renda. A noção desenvolvida por Marx de que a moeda (equivalente geral) permite
“A separação da venda e da compra” remete à separação que existe numa economia
monetária entre a decisão de começar a produção e a capacidade de vender as
mercadorias produzidas. A possibilidade de crises é inerente a este aspecto da produção
capitalista. A existência de moeda equivalente geral permite vender sem comprar e
comprar sem vender. Isso gera a possibilidade de crise porque na economia mercantil (e
mais ainda na capitalista) todo mundo tem que vender e ninguém é obrigado a comprar.

O general glut é impossível numa economia de escambo porque o total do valor


do que se quer vender agregado é por definição igual ao total do que se quer comprar
(ou aceitar em troca). A demanda agregada, então, não pode ser diferente da oferta
agregada. Na economia monetária, pelo contrário, a separação da compra e venda
implica na possibilidade da demanda agregada ser diferente da oferta agregada.

Marx usa os esquemas de reprodução (simples e ampliada), que são esquemas


normativos, para mostrar que é improvável que uma economia capitalista cresça a taxa
constante, sem problema de realização e crises de superprodução.

Apresentação dos esquemas de reprodução (simples e ampliada)

Origem da ideia de esquemas de reprodução: Quadro Econômico de Quesnay na


sua versão aritmética (amplamente documentado: ver Gherke & Kurz (1998))

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Na economia em geral, realização da mais valia produzida se:

c+v+s = c + CW + CK + I

Se I = 0 : estagnação da economia

Se I >0 : expansão da economia

com c: reposição do capital constante

v: capital variável

s: mais valia produzida

CW: consumo dos trabalhadores

CK : consumo dos capitalistas

I: investimento líquido

Obs: Marx usa valores-trabalho

O problema da reprodução simples e da reprodução ampliada é uma questão de


nível e de composição

Apresentação simplificada dos esquemas de reprodução:

2 setores:

Setor 1: bens de capital

Setor 2: bens de consumo

Só capital circulante

2 dimensões: escala e composição

Esquema de reprodução simples:

Escala:

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S = CK

Para obter a reprodução simples deve-se gastar toda a mais valia produzida em
consumo (departamento 2)

Composição:

c1+v1+s1 = c1+ c2

c2+v2+s2 = v1+ v2+s1 +s2

comci : capital constante do setor i

vi : capital variável do setor i

si : mais valia produzida do setor i

S = s1 +s2

Mais valia produzida inteiramente gasta em consumo nos setores 1 e 2

Se não houver nível agregado de demanda suficiente e também proporções corretas


entre os setores, não haverá reprodução simples e a economia estará em crise (recessão).

Esquema de reprodução ampliada:

Condições para o crescimento da economia capitalista a uma taxa constante

Escala:

S = CK + I

Mais valia produzida inteiramente gasta em consumo e investimento

Composição:

c1+v1+s1 = c1+ c2 + α (s1 +s2)

c2+v2+s2 = v1+ v2+ (1-α) (s1 +s2)

com α : proporção do lucro que é reinvestida

α>0
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Mais valia produzida inteiramente gasta numa proporção α em investimento
(bens de capital do setor 1) e (1-α) em consumo (bens de consumo do setor 2)

Se não houver nível e proporção corretos, não vai ter o crescimento da economia
capitalista a uma taxa constante associada à fração investida do lucro α (note que com α
=1 , toda a mais valia é investida, o que permite atingir a taxa de crescimento potencial
máxima). Isso significa que, se não houver nível e proporção corretos, haverá problema
de realização e, portanto, não será possível a reprodução ampliada a uma taxa constante.

II. Tugan-Baranovski e a “repartição proporcional da produção”.

Tugan-Baranovski distingue dois grupos de sistemas econômicos: os sistemas


“harmônicos” e os sistemas “antagônicos”. Nos sistemas “harmônicos” (economias de
autoconsumo, economias socialistas imaginadas no tempo de Tugan,...) os trabalhadores
são os sujeitos econômicos e a produção tem como objetivo de satisfazer as
necessidades sociais dos trabalhadores. Nos sistemas “antagônicos” (sistema escravista,
feudal e capitalista), existe uma separação entre o sujeito econômico (proprietário
feudal, proprietário escravista e capitalista) e o trabalhador, que funciona como simples
meio de produção, o que faz com que a produção tenha como único objetivo a satisfação
dos interesses do sujeito econômico. Tugan-Baranovski considera, então, que o
capitalismo é um regime “antagônico” que visa a garantir os interesses dos capitalistas e
não um regime “harmônico” cujo propósito seria o de satisfazer as necessidades sociais
dos trabalhadores. O objetivo da produção capitalista é o lucro, a valorização do capital,
não importando se isso é conseguido com a venda de bens de consumo ou de bens de
produção. Os bens de consumo para os trabalhadores são produzidos só porque estes
são necessários enquanto meios de produção, assim como outros bens (carvão, aço) são
necessários para o funcionamento do capital fixo. Tugan-Baranovski afirma, então, que
contrariamente à tese dos teóricos subconsumistas russos, o aumento do consumo, que
seja dos trabalhadores ou dos capitalistas, não é imprescindível para realizar a crescente
produção. De fato, essa crescente produção pode ser realizada apenas no setor produtor
de meios de produção.

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Tugan-Baranovski colocava em primeiro plano a questão da demanda,
afirmando que o obstáculo ao desenvolvimento capitalista é a dificuldade de encontrar
mercados para escoar a produção. Mas, Tugan-Baranovski defendia a ideia que, se
houver uma “repartição proporcional da produção social”, as economias capitalistas
podem se desenvolver sem discrepância entre a oferta e a demanda. O conceito de
“repartição proporcional da produção” surge na obra de Tugan a partir do exame dos
esquemas de reprodução ampliada de Marx. Tugan divide a economia em três
departamentos (produção de meios de produção, de bens de consumo para os
trabalhadores e de bens de consumo para os capitalistas) em vez de dois no Marx. A
“repartição proporcional da produção social” corresponde a uma situação onde o
investimento total deve ser distribuido entre os departamentos de acordo com o
crescimento da demanda pelos produtos de cada um deles, o que significa um
deslocamento de capital entre os departamentos (ao contrário da hipótese de Marx),
acompanhando a movimentação da demanda.
Se a produção fosse repartida proporcionalmente, Tugan considera, então, que as
economias capitalistas poderiam expandir-se sem enfrentar restrições de demanda e
crises. Mas, Tugan afirmava que a ausência de planejamento no processo de distribuição
social da força de trabalho e do capital no regime capitalista cria uma falta de
proporcionalidade na repartição da produção social o que leva a crises periódicas do
sistema. Alguns setores ampliam sua oferta além da demanda, criando uma
superprodução nesses setores, o que restringe suas compras nos outros setores, criando
as condições para uma superprodução geral. Mas, ele insiste que, depois do período de
crise, as economias capitalistas voltam a operar normalmente e que a reprodução
ampliada é garantida, até a próxima crise.
Tugan, a partir da ideia de falta de proporcionalidade na repartição da produção
social inerente à “anarquia” da produção no sistema capitalista, elabora uma teoria da
crise e do ciclo econômico. Segundo Tugan, o sistema de crédito agrava as crises
resultando da falta de proporcionalidade. O mecanismo resumido é o seguinte. Uma
numerosa camada social (funcionários públicos, militares, aposentados, pessoas que
vivem de renda fixa proveniente de aluguéis, empréstimos privados e públicos, ...)
mantém um fluxo regular de renda e de entesouramento, mesmo nos períodos de crise,
ao contrário dos empresários e dos trabalhadores. Essas reservas monetárias são
depositadas nos bancos e se convertem em capital emprestável para financiar o
investimento produtivo dos empresários. Durante o período de depressão da economia,

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não há oportunidade de investimento para esse capital emprestável e as taxas de juros
baixam muito. Mas, com a destruição do capital ocioso e a falência das empresas mais
fracas durante a crise, o processo de investimento volta a acelerar graças ao capital
emprestável abundante e barato de um lado e ao efeito “multiplicador” dos primeiros
investimentos de outro. Abre-se um período de prosperidade da economia durante o
qual a desproporcionalidade na repartição da produção não cria problemas porque todos
os setores estão crescendo ao mesmo tempo. Porém, essa situação não dura e aparece
uma escassez do capital emprestável e uma elevação dos juros devido tanto à conversão
do capital emprestável em capital produtivo quanto às atividades especulativas. Os
investimentos diminuem, então, consideravelmente. Ora, a produção social está cada
vez mais desproporcional, principalmente porque as atividades especulativas criam uma
superprodução setorial que acaba se generalizando a toda a economia. É a crise. Esse
encadeamento se repete periodicamente, constituindo o mecanismo do ciclo econômico
tal como concebido por Tugan.
Tugan supõe uma recuperação e não prova que vai haver uma recuperação
(o que será criticado pelo Kalecki depois). De fato, Tugan diz que bastam as
proporções certas e isso não é correto. O montante absoluto de gasto capitalista
tem que crescer também no montante certo, não apenas a repartição deste gasto
total entre os setores.
Enfim, Tugan se opunha à ideia que uma economia capitalista precisa dos
mercados externos para realizar uma parte de sua produção e se desenvolver. Nisso, ele
discordava profundamente dos narodniks e refutava o ponto central da teoria da
acumulação do capital de Rosa Luxemburgo.

III.Rosa Luxemburgo.

Rosa Luxemburgo tentou desenvolver uma teoria marxista do processo de


acumulação de capital, com um grande interesse pela questão da realização.
Luxemburgo considera que o esquema de reprodução ampliada estabelece as
condições necessárias para que haja acumulação, mas, que falta provar a existência de
uma demanda crescente para o aumento da produção decorrente do processo de
acumulação de capital. Esse aumento da demanda, no capitalismo, não pode prover dos
trabalhadores dos dois departamentos porque não faz sentido no capitalismo que a
produção aumente apenas para que os trabalhadores possam consumir mais.

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No esquema de reprodução ampliada de Marx, a crescente demanda necessária para
absorver a crescente produção deve, então, vir dos capitalistas, que seja através de seu
consumo ou da acumulação de capital. O aumento do consumo dos capitalistas não
sendo suficiente para absorver toda a mais-valia, a parcela restante deveria ser
acumulada pelos capitalistas. Rosa Luxemburgo afirma assim que se os capitalistas
poupam, somente um investimento igual a sua poupança pode garantir a realização dos
seus lucros.
Mas, ela considerava impossível, numa economia fechada nas suas relações intra-
capitalistas, a persistência de um nível de investimento líquido (pelo menos no longo
prazo), garantindo a acumulação de capital.
Nestas condições, Luxemburgo considera que a reprodução ampliada no capitalismo
só é sustentável se forem encontrados “mercados exteriores” ao sistema capitalista
mundial, onde seriam escoados os bens sobrando. No seu conceito de “mercados
exteriores”, Rosa Luxemburgo inclui as exportações para os países subdesenvolvidos
não capitalistas, mas, também, os setores não capitalistas das economias desenvolvida,
assim como as compras do setor público, e particularmente o gasto militar. No esquema
e R. Luxemburgo, só esses “mercados exteriores” vão permitir a expansão do
capitalismo. É interessante observar que existe uma conexão direta entre esse aspecto da
obra de R. Luxemburgo e o conceito de imperialismo que ela ajudou a desenvolver. De
fato, na visão de Lux., o imperialismo é uma forma para o capitalismo de ampliar seus
mercados e evitar a crise, num contexto de falta de demanda efetiva nos mercados
internos, devida a uma distribuição da renda muito desigual, desfavorável para os
trabalhadores.
Entretanto, como ela observa, o se desenvolver, o capitalismo elimina os
“mercados exteriores” e cria condições de seu próprio fim. Sua concepção de “mercados
exteriores”, profundamente ancorada na ideia de Imperialismo, é principalmente focada
nos mercados dos países ou áreas não capitalistas. R. Lux considera, então, que os
gastos do setor público têm um papel reduzido e são incapazes de sustentar o processo
de acumulação.

IV. Visão crítica de Kalecki sobre a obra de Rosa Luxemburgo e de Tugan


Baranovski.

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Kalecki apreciava que Tugan-Baranovski tenha mostrado o caráter
profundamente antagônico do sistema capitalista, cujo principal objetivo não é o de
prover as necessidades humanas.
Tugan-Baranovski deixou, então, bem claro, duas questões básicas. Primeiro, ele
sustentou que, contrariamente à tese dos teóricos subconsumistas, o aumento do
consumo (seja dos trabalhadores ou dos capitalistas) não é imprescindível para realizar a
crescente produção; esta pode ser realizada apenas no setor produtor de equipamentos.
Isso é decorrente do que Kalecki considerava o grande avanço de Tugan, ou seja, a
ênfase no “caráter antagônico” do regime capitalista mostrando que a produção de bens
de consumo não é seu objeto final e a demanda por eles não é o motor de seu
desenvolvimento. Segundo, Tugan mostrou que o desenvolvimento da economia
capitalista depende não apenas da expansão das forças produtivas, mas também da
ampliação dos mercados para absorver a produção.
Mas, Kalecki acusava Tugan de considerar que os capitalistas, fora dos
momentos de crise devido à uma repartição da produção excessivamente
desproporcional da produção, vão investir o suficiente e na proporção correta entre os
setores, de tal forma que a plena utilização da capacidade seja garantida. Segundo
Kalecki, Tugan rejeita a lei de Say no curto prazo, mas, aceita ela no longo prazo,
porque Tugan nunca coloca em dúvida o fato que, após uma crise de desproporção, haja
investimento e consumo capitalista o suficiente para absorver a produção. Kalecki
enfatiza, assim, que Tugan não fornece uma teoria satisfatória dos determinantes das
decisões de investimento, questão que Kalecki ia explorar bastante na sua teoria.
Enfim, Kalecki demonstrou que o desenvolvimento de longo prazo não é inerente à
economia capitalista, mas requer certos elementos de apoio (mas, não necessariamente
apenas os “mercados externos” de R. Lux.) para ser mantido.
Kalecki criticou, também, vários aspectos da teoria de R. Lux. Assim, segundo ele,
ela exagerou o impacto dos mercados externos para a realização da mais valia . Kalecki
mostra que a massa de lucros ou mais valia é dada por P= I+CK + X-M tamanho dos
“mercados externos”, considerando que o mercado para o excesso de produção das
economias capitalistas era criado pelas exportações totais para o setor não capitalista da
economia mundial. De fato, Kalecki considera que não o total das exportações que
importa neste caso, mas, é o aumento do excedente comercial (X-M).
Kalecki criticou, também, o fato que Lux acentuou de forma excessiva a
impossibilidade do desenvolvimento da economia capitalista, deixando de lado a

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expansão, devida a certos aspectos do progresso técnico, que, entretanto, não garantem
uma utilização satisfatória da capacidade produtiva no longo prazo. De fato, Kalecki
acreditava que existe um componente autônomo de investimento em inovação que gera
endogenamente uma tendência ao crescimento da economia. Mas, ele acrescentava que
não há tendência de crescimento máximo.
Quanto ao gasto público, R. Luxemburgo cometeu outro erro, segundo Kalecki. Ela
fala de gasto público de forma genérica, sem distinguir sua origem. De acordo com
Kalecki, de fato, deve ser distinguido o gasto financiado pela tributação dos lucros ou
por déficits, de um lado, e o gasto financiado com a tributação dos salários. De fato,
segundo ele, este último não eleva a demanda, só transfere a demanda dos trabalhadores
para o governo.
Além disso, somente o déficit público aumenta a massa de lucros como se vê na
equação geral da massa de lucros:

Lucros = I+CK+ G-T + X-M


Com G: gasto público
Apesar destas fraquezas, Kalecki reconhece a importância da contribuição de R.
Lux.. Ele considera que seu avanço mais notável foi enxergar, mesmo de forma
incompleta, a importância do papel das compras estatais para resolver o problema da
falta de demanda efetiva.

V. O princípio da demanda efetiva em Kalecki

Kalecki formulou uma teoria do produto e não das crises de superprodução. Ele está
interessado em entender porque existem capacidade produtiva ociosa e desemprego
permanente ou persistente nas economias capitalistas e não apenas nas crises. Neste
sentido, ao contrário de Marx e de Rosa Luxemburgo, ele não está focado na questão da
realização da mais-valia já produzida e sim no quanto a demanda limitava a própria
tendência da produção da massa de mais valia. Ele considera que o fator limitante da
acumulação capitalista está do lado da demanda, sendo que no capitalismo, em geral,
nada garante que existe uma demanda suficiente, aos preços de oferta (o preço de
oferta é aquele preço que induz a produção, ou seja, que cobre os custos de produção e
ainda proporciona a margem de lucro correspondente às condições estruturais da
intensidade da concorrência e do estado do conflito distributivo), para absorver toda a

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produção que poderia ser criada se os recursos produtivos disponíveis (capital, trabalho)
fossem plenamente utilizados. Como o próprio Kalecki escreve, “o principal problema
de uma economia capitalista é a adequação da demanda efetiva [...] ao equipamento de
capital [e] à força de trabalho existentes”.
Assim, as economias capitalistas são economias monetárias em que há separação
entre o ato de compra e o ato de venda, e, portanto, o total do que é posto à venda no
mercado pode ser diferente do total do que é comprado. O fato de existir uma
quantidade de bens e serviços à venda não implica, então, em nenhum mecanismo que
garanta que estes serão comprados. Isso se explica porque todo mundo é obrigado a
vender se quiser auferir uma renda, porém ninguém é obrigado a gastar.
Kalecki considera, então, que numa economia monetária, é o nível de gasto
agregado que determina o total de renda recebida, rejeitando, assim, a Lei de Say tanto
no curto quanto no longo prazo.
Kalecki constata que, do ponto de vista lógico, a decisão de gasto é autônoma, ou
seja, as pessoas podem escolher o quanto gastam. Porém, não se pode decidir
autonomamente o que vai ser vendido. Dessa forma, a renda é consequência do ato de
venda, que por sua vez depende de alguém ter decidido autonomamente que iria
comprar. Em outras palavras, na economia como um todo, as pessoas decidem quanto
podem gastar, mas, nunca quanto irão ganhar.
Assim, é o nível de produto que ao longo do tempo tende a se ajustar ao nível de
demanda efetiva. Esse ajustamento, numa economia monetária capitalista, ocorre em
geral abaixo do nível de produto de pleno emprego, sem que nenhum mecanismo leve
essa economia de volta ao nível de pleno emprego.

No caso de uma economia fechada, sem governo, tem duas classes: os trabalhadores e
os capitalistas. Kalecki considera numa versão mais simples do modelo que, na
economia capitalista, os trabalhadores gastam todo o que eles ganham, ou seja:

CW = W

Os capitalistas consomem e investem. Na economia como um todo, temos, então:

CW + CK + I = W + R

Com R massa dos lucros

W salários

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Sendo que CW = W, temos:

CK + I = R

Como Kalecki escreve: “os trabalhadores gastam o que ganham e os capitalistas


ganham o que gastam”. Ele demonstra a igualdade CK + I = R usando o esquema de
reprodução.

Numa situação onde o nível de produção é Y, nada garante a mais valia potencial
vais ser realizada virando lucros e que CW + CK + I = Y. A parte da produção que vai
para o consumo dos trabalhadores vai ser vendida. O problema é que nada garante que
CK + I = Y - CW. Se termos CK + I < Y - CW, o que representa uma situação comum no
capitalismo, então, a massa de lucro potencial não vai ser realizada e teremos:

CK + I = R < Y - CW

Isso é inevitável porque os capitalistas não vão diminuir os preços e suas margens
de lucro para escoar uma produção “barateada” (a característica do capitalismo é a
produção regular que gera lucros). Assim, serão acumulados estoque durante no final do
período considerado e, no período seguinte, se a demanda efetiva aos preços de oferta
permanecer igual, a produção será reduzida, o que implica o aumento da capacidade
ociosa e do desemprego. De fato, numa economia capitalista, a produção deve gerar
lucro. Logo, a única maneira de igualar a produção (oferta) às vendas (demanda
efetiva), mantendo uma rentabilidade normal, é produzindo quantidades num nível em
que há demanda efetiva pelas mesmas.

O produto vai tender para Y= I+CK/(1- w)

onde w = W/Y é a parcela dos salários na renda determinada de forma exógena.

Para Kalecki, os determinantes do investimento são a taxa de lucro (R/K) e o


progresso técnico. Ele rejeita completamente a ideia neoclássica de uma determinação
do investimento pela poupança. Para ele, a causalidade é inversa.

A taxa de lucro é dada pela seguinte relação:

lucro produto capacidade lucro C +I


r= = = K
produto capacidade capital capital K

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Com: produto/capacidade = grau de utilização da capacidade

Ou seja, A TAXA DE lucro depende positivamente do grau de utilização da


capacidade.

Com K: capital investido na produção

Kalecki considera que o ciclo econômico é causado pelo que ele chama de “caráter dual
do investimento”. O investimento possui, de fato, duas características:

1) É demanda efetiva no momento em que é realizado (efeito demanda agregada).


Quando a demanda agregada aumento no curto prazo, a capacidade é dada, logo
o grau de utilização da capacidade produtiva aumenta. Como o investimento
depende positivamente da taxa de lucro, e esta depende positivamente do grau
de utilização da capacidade, tem aumento do investimento;

2) Aumenta a capacidade produtiva no período posterior (efeito oferta). No período


seguinte, há o que Kalecki chama de “tragédia do investimento”. De fato, para a
mesma demanda agregada, a capacidade produtiva aumentou, ou seja, o produto
potencial (produto de pleno capacidade) aumenta, e, logo, o grau de utilização
cai. Isso reduz a taxa lucro, e, portanto, o próprio nível do investimento.

O investimento possui, então, um efeito benéfico de aumentar a demanda agregada e


realizar lucros, no curto prazo, porém, no período seguinte, ele aumenta a capacidade
ociosa e reduz a rentabilidade, o que induz uma redução do investimento deste período
posterior. É a interação desses dois efeitos que explica parcialmente o ciclo kaleckiano,
ao lado de uma tendência de crescimento exógena d dada pela introdução de inovações
tecnológicas.

Graficamente, o ciclo econômico kaleckiano pode ser representado da forma seguinte:

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Referências:

Gherke, C. & Kurz, H. 1998. Karl Marx on Physiocracy. In Kurz, H. & Salvadori, N.
(Eds) Understanding ‘Classical’ Economics’ (pp. 187-225). London & New York:
Routledge.
Kalecki, M. In: Kalecki, M. Crescimento e ciclo das Economias Capitalistas, Miglioli,
J. (org.). S.Paulo: Hucitec, 1979.
Kalecki, M. (1971). "O problema da Demanda Efetiva em Tugan-Baranovski e Rosa
Luxemburgo". In: Kalecki, M. Crescimento e ciclo das Economias Capitalistas,
MIGLIOLI, J. (org.). S.Paulo: Hucitec, 1979.
Marx, K. 2004. [1867, 1883, 1894] O Capital. São Paulo: Civilização Brasileira.
Miglioli, J. 1981. Acumulação de Capital e Demanda Efetiva. São Paulo: TAQ.

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