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DECISÃO

Boleto bancário pode ser usado para propor ação de execução

Boletos de cobrança bancária e títulos virtuais suprem a ausência física do título cambial e podem constituir títulos
executivos extrajudiciais. Para isso, eles precisam estar acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação (sem
apresentação da duplicata) e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços. O entendimento é
da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A tese foi debatida no julgamento de um recurso especial interposto pela Pawlowski e Pawlowski Ltda, contra acórdão que
julgou válida a execução de título extrajudicial ajuizada pela Petrobrás Distribuidora S/A com vistas a receber R$ 202 mil
pela venda de produtos lubrificantes devidamente entregues. A recorrente alega que o Tribunal de Justiça do Paraná não
poderia ter aceitado a execução com base somente em boleto bancário acompanhado de notas fiscais e de comprovantes de
entrega das mercadorias, sem indicar as duplicatas mercantis que tiveram origem no negócio celebrado entre as partes.

Segundo o argumento da empresa, uma ação de execução não poderia ser embasada em boleto bancário ou título virtual,
sendo indispensável a apresentação física do título. Isto porque boletos bancários seriam documentos atípicos e apócrifos,
que não constam do rol taxativo do artigo 585 do Código de Processo Civil, razão pela qual não serviriam para instruir uma
execução de título extrajudicial.

A empresa apontou no recurso ao STJ - responsável pela uniformização da jurisprudência no país acerca de lei federal -
divergência entre o acórdão contestado e a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O Judiciário catarinense
entende que boleto bancário, ainda que acompanhado dos instrumentos de protesto e dos comprovantes de entrega de
mercadoria, não constitui documento hábil para a propositura de ação de execução de título extrajudicial.

Duplicatas virtuais

A ministra Nancy Andrighi (relatora) constatou a divergência e fez algumas considerações antes de analisar o mérito do
recurso. Lembrou que “a Lei das Duplicatas Mercantis (Lei n. 5.474/68) foi editada numa época na qual a criação e posterior
circulação eletrônica de títulos de crédito eram inconcebíveis”. Ela ressaltou que a admissibilidade das duplicatas virtuais
ainda é um tema polêmico na doutrina.

Com base no ensinamento do professor Paulo Salvador Frontini, a ministra afirmou que “a prática mercantil aliou-se ao
desenvolvimento da tecnologia e desmaterializou a duplicata, transformando-a ‘em registros eletromagnéticos, transmitidos
por computador pelo comerciante ao banco. O banco, por seu turno, faz a cobrança mediante expedição de simples aviso ao
devedor – os chamados boletos, de tal sorte que o título em si, na sua expressão de cártula, surgir se o devedor se mostrar
inadimplente’”.

Nancy Andrighi destacou ainda que o legislador, atento às alterações das práticas comerciais, regulamentou os títulos
virtuais na Lei n. 9.492/97. Posteriormente, os títulos de crédito virtuais ou desmaterializados também foram reconhecidos
no artigo 889, parágrafo 3º, do Código Civil de 2002. “Verifica-se assim que as duplicatas virtuais encontram previsão legal,
razão pela qual é inevitável concluir pela validade do protesto de uma duplicata emitida eletronicamente”, concluiu a
ministra. Todos os ministros da Turma acompanharam o voto da relatora.
DECISÃO
Ecad não pode cobrar por execuções musicais em evento religioso, gratuito e sem fins lucrativos

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) excluiu a cobrança de direitos autorais em relação a um evento
religioso, com entrada gratuita e sem fins lucrativos promovido, em 2002, pela Mitra Arquidiocesana de Vitória. O Tribunal
de Justiça do Espírito Santo (TJES) havia determinado o pagamento ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição
(Ecad). A Turma seguiu integralmente o voto do relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

A ação de cobrança movida pelo Ecad diz respeito a “execuções musicais e sonorizações ambientais” quando da celebração
da abertura do Ano Vocacional em Escola. O TJES considerou que o artigo 68 da Lei n. 9.610/1998 autorizaria a cobrança
dos direitos autorais. A Mitra recorreu ao STJ.

Em seu voto, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino admitiu que a leitura isolada do artigo 68 da Lei n. 9.610/98 indica a
obrigação dos direitos autorais. “Mas a lei, nos artigos 46, 47 e 48 regula as limitações aos direitos autorias”, apontou. O
relator destacou que entre essas limitações estão o direito à intimidade e à vida privada, desenvolvimento nacional e à
cultura, educação e ciência.

Para o magistrado, negar essas limitações seria negar direitos fundamentais que, no caso, devem se sobrepor aos direitos
dos autores das obras. Ele apontou, ainda, que o artigo 13 do Acordo OMC/TRIPS, do qual o Brasil é signatário, admite a
restrição de direitos autorais, desde que não interfira na exploração normal da obra ou prejudiquem injustificavelmente o
titular do direito. Para o relator o evento não teria magnitude o bastante para prejudicar a exploração da obra.

O ministro explicou que é preciso verificar três hipóteses em que se admite a reprodução não autorizada de obras de
terceiros (a chamada “regra dos três passos”): em certos casos especiais; que não conflitem com a exploração comercial
normal da obra; que não prejudiquem injustificadamente os legítimos interesses do autor.

Sanseverino acredita ser este o caso. “O evento de que trata os autos – sem fins lucrativos, com entrada gratuita e
finalidade exclusivamente religiosa – não conflita com a exploração comercial normal da obra (música e sonorização
ambiental), assim como, tendo em vista não constituir evento de grandes proporções, não prejudica injustificamente os
legítimos interesses dos autores”. E ele completou: “Prepondera, pois, neste específico caso, o direito fundamental à
liberdade de culto e de religião frente ao direito do autor”.
DECISÃO
Palavra relacionada a consumidor negro não pode ser registrada como marca exclusiva

A palavra “ébano”, usada na designação de produtos voltados para os consumidores afrodescendentes, não pode ser
registrada como marca exclusiva. O entendimento foi dado pela ministra Nancy Andrighi em recurso interposto pela Unilever
Brasil Ltda. e Unilever N. V. contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). O restante da Terceira Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acompanhou a relatora integralmente.

Dona da marca de desodorante Rexona Ebony, a Unilever entrou em disputa com a empresa Comércio de Cosméticos
Guanza Ltda., produtora da linha de maquiagem Ébano e Marfim. A Unilever alegou que teria a precedência do registro da
marca Rexona Ebony no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), já que o produto está há mais de 22 anos no
mercado. A Ébano e Marfim foi registrada apenas em meados de 2004.

De acordo com a Unilever, a marca teria sido usada indevidamente pela outra empresa, num ato de concorrência desleal. O
consumidor, segundo ela, ao se deparar com o nome Ébano e Marfim, faria uma associação automática com a marca Ebony,
“pensando se tratar de produtos da mesma origem”. O juiz de primeira instância deu razão à Unilever e considerou nulo o
registro da Guanza, com base na Lei de Propriedade Industrial – LPI (Lei n. 9.279/1996), que veda a reprodução, no todo ou
em parte, de marca alheia já registrada.

A Guanza recorreu ao TRF2 e este considerou que o termo inglês “ebony”, (“ébano”, em português) é uma expressão de uso
corrente, culturalmente relacionada a pessoas negras. O tribunal federal afirmou não ser possível conferir exclusividade ao
uso de vocábulos como “branco”, “negro”, “amarelo”, “pardo” ou “mulato” e que o INPI não poderia, portanto, alegar
anterioridade do registro de uma marca com um desses termos para negar o registro a outra.

O artigo 124, inciso VI, da LPI impede, como regra geral, o registro de expressões de uso comum que tenham relação com o
produto ou serviço a ser identificado ou com alguma de suas características. Para o TRF2, a Unilever não poderia se
beneficiar pela precedência do registro, pois “se trata de expressão ou nome inapropriável, que não pode ser monopolizado”.
No recurso ao STJ, a Unilever afirmou que “ebony” não seria um termo comum para o segmento de mercado em questão,
porque “é uma palavra que não tem qualquer relação com produtos de higiene pessoal”.

Marcas fracas

Em seu voto, contrário à pretensão da Unilever, a ministra Nancy Andrighi disse que determinadas marcas, embora tenham
alguma relação indireta com os produtos que designam, “são perfeitamente registráveis”. Segundo ela, é o caso das
chamadas “marcas fracas”, elaboradas sem um alto grau de criatividade.

“O critério de análise das marcas fracas exige menos rigidez do que o dos sinais considerados criativos e fortes. Não cabe,
portanto, qualquer alegação de notoriedade ou anterioridade de registro, com o intuito de assegurar o uso exclusivo da
expressão de menor vigor inventivo”, explicou a relatora.

Ela observou que a marca Ebony deve gozar de “proteção limitada e restrita, sendo possível admitir sua convivência
harmônica com outros sinais igualmente registráveis, que utilizam o mesmo vocábulo”. Já a marca Ébano e Marfim, segundo
a relatora, pode ser considerada fraca. Assim, não há nenhum impedimento legal para seu registro, porque se relaciona
“apenas indiretamente com a linha de maquiagem que produz”.

Além disso, os produtos são de natureza diferente: o Rexona Ebony é um desodorante e a outra marca é de maquiagens.
Apesar da semelhança fonética, a ministra Andrighi considerou que a diferença entre os produtos basta para evitar a
confusão do consumidor.

A magistrada também salientou que, segundo o julgado do TRF2, seria abuso do direito de propriedade intelectual e atitude
de puro oportunismo a iniciativa de obter monopólio de uma marca que pode ser identificada com metade do público
consumidor brasileiro.

“Marcas de convivência possível não podem se tornar oligopolizadas, patrimônios exclusivos de um restrito grupo
empresarial. Deve o Judiciário reprimir a utilização indevida da exclusividade conferida ao registro quando esse privilégio
implicar a intimidação da concorrência, de modo a impedi-la de explorar o mesmo segmento mercadológico”, acrescentou a
ministra.
DECISÃO

Quarta Turma considera penhorável saldo de previdência complementar

Os valores depositados em planos de previdência privada não têm natureza alimentar, adquirindo, em vez disso, o caráter
de poupança ou investimento – razão pela qual podem ser penhorados. Com esse argumento, a Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou recurso de um ex-presidente do Banco Santos, que pretendia excluir da indisponibilidade
de bens o saldo acumulado em fundo de aposentadoria na modalidade PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre).

“O saldo de depósito em PGBL não ostenta nítido caráter alimentar, constituindo aplicação financeira de longo prazo, de
relevante natureza de poupança previdenciária, porém suscetível de penhora”, disse o ministro Raul Araújo, relator do
recurso. Ele considerou que esses valores não podem ficar de fora da indisponibilidade que, por força de lei, atinge os bens
dos administradores de instituições financeiras sob intervenção, liquidação extrajudicial ou falência. 

O executivo presidiu o Banco Santos por apenas 52 dias, a partir de 11 de junho de 2004, mas, antes disso, segundo o
Ministério Público de São Paulo, atuou como diretor de fato junto a uma holding do Grupo Santos. Com a intervenção
decretada pelo Banco Central em novembro de 2004 – sucedida pela liquidação e, depois, pela falência –,  ele e os demais
ex-administradores tiveram todos os seus bens colocados em indisponibilidade, conforme determina a Lei n. 6.024/1974.

O ex-dirigente do banco requereu à 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo que fosse desbloqueado o
saldo de seu plano de previdência privada (R$ 1,17 milhão em fevereiro de 2005), alegando a natureza alimentar do bem e
o fato de que esse patrimônio foi constituído enquanto trabalhava para outro grupo econômico. Afirmou, ainda, que por ter
presidido o Banco Santos por muito pouco tempo, não poderia ser responsabilizado pelos atos que levaram à ruína da
instituição.

Segundo o executivo, seu ingresso no plano de previdência ocorreu por força do contrato de trabalho, e todo o valor
depositado resultou de descontos no seu salário (um terço) e de contribuições do empregador (dois terços). Estas últimas
caracterizariam um salário indireto. Desse modo, acrescentou, o fundo não poderia ser equiparado nem a aplicação
financeira nem a qualquer bem adquirido com o produto do trabalho, mas ao próprio salário, cuja penhora é vedada pelo
artigo 649 do Código de Processo Civil (CPC).

Lei severa

O juiz de primeira instância e o Tribunal de Justiça de São Paulo negaram o pedido de desbloqueio. No STJ, o recurso
especial apresentado pelo ex-presidente do banco foi rejeitado por quatro dos cinco ministros que integram a Quarta Turma.
Ao votar, o relator considerou “extremamente severa” a indisponibilidade de todos os bens da pessoa, na forma como
prevista pela Lei n. 6.024/74.

“Os processos se arrastam por anos ou até décadas, padecendo os ex-dirigentes (que, em tese, podem não ser culpados) e
seus familiares (que normalmente nem estavam envolvidos na administração) de uma situação extremamente aflitiva”, disse
o ministro Raul Araújo, ao sugerir uma flexibilização da lei – por exemplo, com limitação temporal da medida ou liberação de
um percentual para assegurar a subsistência da família.

No entanto, segundo o ministro, a lei em vigor é clara ao determinar que “a indisponibilidade atinge todos os bens, sejam
eles adquiridos antes ou após o ingresso na administração”, tendo por objetivo “a preservação dos interesses das pessoas de
boa-fé que mantinham valores depositados junto à instituição financeira falida, sobre a qual pairam suspeitas de gestão
temerária ou fraudulenta”.

Sobre a principal questão jurídica do recurso – a alegada impenhorabilidade dos depósitos em plano de previdência –, o
relator afirmou que, embora “os valores depositados tenham originalmente natureza alimentar, provindo de remuneração
mensal percebida pelo titular, perdem essa característica no decorrer do tempo, justamente porque não foram utilizados
para manutenção do empregado e de sua família, passando a se constituir em investimento ou poupança”.

Excedente salarial

O ministro lembrou que as proibições de penhora relacionadas no artigo 649 do CPC – as quais afastam a indisponibilidade
da Lei n. 6.024/74 – não alcançam, necessariamente, a totalidade da remuneração recebida pelo trabalhador. “Os salários se
repartem, quando possível, em duas partes: aquela essencial, usada para a manutenção das despesas próprias e da família,
e aquela que se constitui em sobra, a qual pode ter variadas destinações”, disse.

Quando o excedente é usado na compra de imóveis ou veículos, tais bens podem ser penhorados. Quando colocado em
fundos de previdência ou outras aplicações financeiras, segundo o ministro, “essa distinção acerca de sua penhorabilidade
perde a nitidez, devendo o intérprete se valer da razoabilidade”.

De acordo com o relator, “o depósito de valores em fundos de previdência complementar, que representa poupança de longo
prazo, não se confunde com a aplicação de curto prazo para impedir a desvalorização da moeda”. Por isso, ele concluiu que
os valores mantidos pelo ex-dirigente do banco em fundo de previdência “não se traduzem como verba alimentar, embora
ostentem relevante caráter de poupança previdenciária”.
Mesmo que o fundo seja constituído por contribuição do empregador e não do empregado, segundo o ministro, isso não
altera a situação, porque, independentemente de sua origem, os valores não foram usados para manutenção do trabalhador
e de sua família, “direcionando-se para a aplicação financeira”.

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