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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas


Graduação em Filosofia
Profs Izabela Bocayuva
História da Filosofia Antiga III
Frederick Chame de Mello Caldas

NOTAS SOBRE A POLÍTICA EM PLATÃO

No interior da coletânea A Construção da Filosofia Ocidental, Luc Brisson observa em


seu artigo que, sob uma perspectiva panorâmica, toda a obra de Platão tinha por objetivo
reformar a vida política de sua cidade. Se por um lado tratava-se de propor uma alternativa para
o primado do poder posto em termos militares ou de riqueza, por outro lado, havia também uma
lacuna moral a ser preenchida em função das circunstâncias culturais daquela sociedade. Quanto
a este segundo aspecto, nos conta John Rawls em sua História da Filosofia Moral: pois que,
diferentemente da religião cristã, a religião presente na antiga Atenas poder ser conceituada
como religião cívica, isto é, mais centrada em rituais de participação conjunta do que em
oferecer uma doutrina dotada de códigos de conduta para a salvação. Isso significa que, sem
qualquer conflito provocado por parte da religião, havia naquela época uma demanda para a ação
intelectual sobre esses assuntos. E é justamente pelo caminho intelectual que também seguirá
pautada a alternativa política fundada por Platão. Desta alternativa proposta, podemos destacar
um aspecto essencial: o de fundar uma educação com vistas às realidades verdadeiras, das quais
a noção de justiça, de justa medida se desdobra em múltiplas implicações para a estrutura ideal
de um sistema político. Veremos a seguir como são desenvolvidos os temas aqui traçados a partir
de alguns dos seus diálogos.
N’A República, diálogo no qual Platão elabora o seu sistema de governo ideal, algumas
de suas ideias nos chamam atenção, como por exemplo, o suposto paralelismo entre as justas
características da alma individual em conformidade ao Bem e a justa configuração requisitada
para o Bem da república, que se expressa pelo maior Bem dos seus integrantes. Uma segunda
tese extremamente desdobrada é a da presença da distinção entre domínio das artes e os seus
ofícios correspondentes. Segundo tal raciocínio, as funções devem ser ocupadas pelos indivíduos
mais abastados do conhecimento adequado – e aqui se explicita o cerne da alternativa política de
Platão, fundada no saber. Às últimas consequências, tudo se tratará de identificar os meios
através dos quais os indivíduos possam desenvolver o conhecimento a que lhes cabe, e de
depurar o conceito de cada ofício, de modo que também se possa identificar as propriedades
internas de cada ciência, para além das confusões aparentes. Por essa razão, uma das tarefas mais
urgentes para a consumação do seu projeto é a de identificar a função do chefe de estado e quais
devem ser as suas qualidades.
De maneira sumária, podemos citar o diálogo Alcibiades como expressão do paralelo já
citado entre alma e cidade, além mesmo da base sobre a qual é erguida a filosofia moral. Pois no
diálogo, é discutida a importância do governo de si como requisito para o governo sobre os
outros. E tal é por si só um primeiro traço da qualidade do governante. Ora, pois governar a si,
sob a perspectiva empregada, significa o domínio da alma com ênfase na justa contenção das
paixões e da irascibilidade, em benefício da razão. Já o meio para exercer o domínio é
precisamente aquele do cuidado de si, ou cuidado da alma. Em suma, cuidar da alma em prol da
razão, do que se segue do diálogo, implica o exercício da filosofia e, consequentemente, o
indivíduo mais capacitado para governar deve ser aquele que melhor governa a si – o filósofo.
Quanto ao diálogo chamado Político, seu propósito se resume em purificar o conceito
homônimo ao seu título, bem delimitando assim aquilo que lhe cabe. As definições asseguradas
foram as seguintes: a de que o político é um sábio dominador de uma ciência – a ciência de
governar. Esta ciência não é prática, e sim teórica, pois que apenas julga de maneira a dirigir e
tecer relações para o funcionamento da república. Nesse sentido, é também uma ciência voltada
para o coletivo de seres vivos, mansos, que vivem sobre a terra, desprovidos de chifres, que não
cruzam com outras espécies, bípedes e sem plumas – isto é, voltada para uma sociedade humana.
Ademais, é uma ciência conceituada para o período cósmico atual, e não do reino de Cronos, e
deve ser exercida preferencialmente com o apelo à boa vontade dos seus súditos, de maneira a
não se tratar de uma tirania.
Todas as definições dadas acima se acrescentam ao que havíamos dito até agora, mas são
dois tópicos do diálogo que melhor se amarram aos traços gerais mais característicos de Platão
que vínhamos frisando. Um deles é a retomada à tese de que o ofício cabe àquele dotado da arte
adequada, que culmina na conclusão de que a melhor forma de governo é aquele da monarquia,
em função da impossibilidade de todos os membros de uma sociedade serem dotadas da arte
necessária. Portanto, a democracia haveria de ser a pior forma de governo bem intencionado. Por
outro lado, um segundo tópico diz respeito à legitimidade das leis e da transgressão delas por
parte do monarca. A tese elaborada no diálogo em questão dirá, em linhas gerais, que as leis
servem especialmente para suprir, ainda que enquanto cópias imperfeitas, a ausência da plena
idealidade do governo do contemplador do Bem. Porque caso o governador gozasse da plena
sabedoria acerca da justiça, o seu julgamento haveria de ser mais acertado do que as prescrições
legislativas. Afinal de contas, as leis devem prescrever em sentido uniforme e universalizante,
implicando certa incompatibilidade com os eventos concretos – marcados por diferenças
contextuais. Dessa maneira, supondo que o mais sábio esteja no poder, ele possuiria legitimidade
para transgredir a lei, ou antes, ela sequer possuiria razão de existência.

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