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cadernos temáticos CRP SP
Psicologia, demandas escolares e
intersetorialidade: os caminhos do
diagnóstico de crianças e adolescentes
XV Plenário (2016-2019)
Diretoria
Presidenta | Luciana Stoppa dos Santos
Vice-presidenta | Larissa Gomes Ornelas Pedott
Secretária | Suely Castaldi Ortiz da Silva
Tesoureiro | Guilherme Rodrigues Raggi Pereira
Conselheiras/os
Aristeu Bertelli da Silva (Afastado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Beatriz Borges Brambilla
Beatriz Marques de Mattos
Bruna Lavinas Jardim Falleiros (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Clarice Pimentel Paulon (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Ed Otsuka
Edgar Rodrigues
Evelyn Sayeg (Licenciada desde 20/10/2018 - PL 2051ª de 20/10/18)
Ivana do Carmo Souza
Ivani Francisco de Oliveira
Magna Barboza Damasceno
Maria das Graças Mazarin de Araújo
Maria Mercedes Whitaker Kehl Vieira Bicudo Guarnieri
Maria Rozineti Gonçalves
Maurício Marinho Iwai (Licenciado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Mary Ueta
Monalisa Muniz Nascimento
Regiane Aparecida Piva
Reginaldo Branco da Silva
Rodrigo Fernando Presotto
Rodrigo Toledo
Vinicius Cesca de Lima (Licenciado desde 07/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Organização do caderno
Lucia Masini, Maria da Penha Tamburu, Alacir Cruces, Lilian Suzuki e Maria Rozineti Gonçalves
Revisão ortográfica
Lucia Masini e Mariana Yumi Ramos da Silva
___________________________________________________________________________
C755p Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Psicologia, demandas escolares e Intersetorialidade: os caminhos do
diagnóstico de crianças e adolescentes. Conselho Regional de Psicologia de São
Paulo. - São Paulo: CRP SP, 2019.
104 p.; 21x28cm. (Cadernos Temáticos CRP SP /nº 36)
ISBN: 978-85-60405-63-3
07 Introdução
Núcleo de Educação e Medicalização do CRP SP
crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres
diagnóstico
Psicologia
caminhos do emergências
em de desastres
Cadernos Temáticos CRP SP
Temáticos CRPosSP
e intersetorialidade:
O Conselho Regional de Psicologia de São Pau- • Problematizar os encaminhamentos e
lo, em consonância com o Sistema Conselhos de caminhos do diagnóstico de crianças e
Psicologia defende uma Psicologia Escolar/Edu- jovens quanto às queixas e fracassos
cacional crítica e contextualizada, que resgata escolares;
Cadernos
a complexidade do processo de escolarização
• Contribuir nas políticas públicas de forma
crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres
desastres
e aos serviços de atendimento
emergências
Lilian Suzuki
em de
diagnóstico
05/11/2015. Sede do CRP SP (São Paulo).
Psicologia
Rozi: Esta é a primeira roda. As pessoas convida- dado para compor esse Núcleo de Educação den-
caminhos do
das foram, de certa forma, escolhidas pela aproxi- tro do CRP, para discutir a temática da educação.
mação com a regional, pela aproximação do entor- Então, esta roda é uma ação do núcleo. Acho que
no. CAPs e UBS’s1, a gente buscou esses serviços como apresentação ficaria por aqui.
Temáticos CRPosSP
além da educação. Ao NAAPA2, também da rede
Lilian Suzuki: Eu sou Lilian Suzuki, eu fiz o
e intersetorialidade:
municipal, fizemos o convite, enfim, esse é esse
curso de Orientação à Queixa Escolar (OQE) da
primeiro momento. Eu sou a Rozi, estou como psi-
USP. Sou recém-formada (risos), recém-formada
cóloga dentro da psicologia escolar, atendo dentro
na OQE. Já durante o curso de OQE, eu comecei a
da escola da rede particular. Há treze anos, tam-
participar do GIQE. Atualmente, sou representante
Cadernos
bém estou na área da saúde. Então, eu tenho o
do grupo, junto com a Rozi, do Núcleo de Educação.
pé na educação e na saúde, estou atualmente no
crianças e eadolescentes
Diretoria Regional Jaçanã/Tremembé. Junto com o população é de mais ou menos 200-250 mil habi-
desastres
NAAPA, nós temos outros profissionais também tantes. É um grupo bem grande. Os encontros com
que fazem essa assessoria para as unidades es- CEFAI (Centro de Formação e Acompanhamento à
colares desses territórios. Sou da rede municipal Inclusão) das escolas municipais tem surtido mui-
emergências
da prefeitura, sou professora da rede, pedagoga. to efeito, um efeito positivo que a gente conse-
Para o NAAPA, estou designada como psicóloga. guiu entender como é o fluxo do acolhimento da
saúde mental, como é que funciona internamente
Liliane: Eu sou Liliane, eu sou psicóloga, con-
em de
o serviço e como é que são essas avaliações, e
tratada da SPDM. Trabalho no CAPS Infantil II Vila
diagnóstico
dá encaminhamento na melhor compreensão do
Psicologia
Maria Vila Guilherme que atende toda a subprefei- quadro da criança. E aí, posteriormente, veio o
tura, entram os bairros: Jardim Brasil, Parque Novo NAAPA, que facilitou nossa vida e que veio a par-
Mundo, Vila Ede, algumas escolas da Vila Gusta- ticipar de uma forma mais intensa. Então, as dis-
caminhos do
vo. A gente trabalha em conjunto com o NAAPA e cussões são mais ricas porque tem profissionais
CAPS Santana. Trabalha com as escolas da região mais específicos da área. E a gente consegue ter
e algumas do Jaçanã, porque este CAPS fica na uma discussão mais rica e até o encaminhamento,
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divisa, alguns moradores de algumas regiões do acolhimento fica mais fácil para gente compreen-
Jaçanã preferem ir para Vila Maria, porque Santana
e intersetorialidade:
der esse fluxo. Eu estou há três anos no CAPS. O
fica contramão e eles vêm para cá. Guarulhos tam- CAPs também é SPDM, só que é outra SPDM, são
bém, alguns bairros de Guarulhos eles preferem. primos, né? É como eu falei, a gente está em cons-
Então a gente tem pacientes de Guarulhos, pa- trução mesmo de uma discussão maior com as
cientes do Jaçanã e algumas regiões de Santana. escolas. Quando surge essa ideia desse encontro,
Cadernos
Por exemplo, Vila Gustavo que é aqui perto é nos- eu até falo, há um ano a gente teve um encontro
crianças e eadolescentes
complicada, Jardim Brasil. Quando eu ouço assim, locando uma sementinha para ver se consegue
desastres
psicólogos, eu penso “gente, eu nunca vi psicó- frutificar alguma coisa. E nessa reunião em 2009
logo na minha escola”, (risos) isso fica na minha com os antropólogos surgiu alguma coisa “será
cabeça. Eles saem da Fundação Casa, eles têm que a gente vai conseguir?”, “ainda não”. Então
emergências
que estar dentro da escola e o aluno está lá e eu espero também que um dia a gente tenha
ninguém te dá um amparo em relação a isso. Isso esse trabalho. E concordo com Andréia, não só
me incomoda muito. alunos, mas os professores também.
em de
Neide: Oi. Boa tarde a todos. Meu nome é Renata: Bom, meu nome é Renata, eu sou
diagnóstico
Neide e eu sou também daqui, sou PCNP da área psicóloga e pedagoga, professora no município
Psicologia
de sociologia e filosofia. E vim para ouvir e estou de São Paulo. Trabalho na secretaria do Núcleo
vendo o material aqui, o meu trabalho está mui- de Apoio e Acompanhamento para Aprendiza-
caminhos do
to voltado para essa questão de fortalecimento gem, o NAAPA. Estudo psicanálise e educação
dos colegiados na escola, de grêmios, de traba- há bastante tempo. Na verdade, nós, da secre-
lhar muito com o jovem na inclusão em todos os taria, recebemos o convite e falamos “vamos
sentidos. Agora pouco estava lá em uma video- ver que história é essa”, né? Estamos aqui para
Temáticos CRPosSP
conferência sobre a questão de alunos transe- entender melhor qual é a proposta para depois,
e intersetorialidade:
xuais e travestis nas escolas, tudo isso às ve- numa pós-conversa a gente pensar o que fazer.
zes também é um problema para esses alunos, Bom, o NAAPA é um núcleo praticamente novo
o uso do nome social. Então eu acho muito inte- no município, ele foi criado em novembro, a por-
ressante esse encontro, como a Márcia colocou, taria saiu em novembro de 2014. E a princípio,
Cadernos
a educação está carente de todos que queiram por que o NAAPA foi criado? Por conta das ava-
ajudá-la. Então fortalecimento, união de forças liações de educação especial, esse é um dos
crianças e eadolescentes
dos e garantir aprendizagem de todos e de cada favorecer a interlocução, fomentar o debate e
desastres
um, se vocês me permitem reforçar isso. Então eu fazer algumas referências que a psicologia tem
venho hoje aqui porque eu tenho algumas coisas pensado, a gente já tem. Como a Carmem colo-
e acho que gostaria de partilhar com vocês as cou no começo, um material já produzido, pensa-
emergências
ideias de vocês. É isso. do a partir do seminário de educação, uma coisa
que vem sendo feito também, mas às vezes fica
Rozi: - Quando você fala de legislação tem al-
muito restrita aos psicólogos, né, Carmem?
guma específica que você pontua?
em de
Carmem: Só queria comentar e dizendo as-
diagnóstico
Aglaé: Nossa, várias. A resolução do Con-
sim, nós não somos pouco escolares no Brasil, mas
Psicologia
selho Nacional de 2001 que anda absolutamente
somos muito poucos, principalmente nos serviços
defasada. Eu acho que a pior é a Resolução: ela
públicos. A gente tem alguns psicólogos já contra-
dá competência para escola decidir que vai ter
caminhos do
tados por secretarias de educação em cidades da
uma classe especial ou uma escola especial, e
nossa vizinhança aqui da Grande São Paulo, mas
mais ainda, essa escola especial vem com o di-
a cidade mesmo, ela no público não, nem na OS,
nheiro do Fundeb (Fundo de Manutenção e De-
nem direto, não tem. Então a nossa interlocução
Temáticos CRPosSP
senvolvimento da Educação Básica e de Valori-
na cidade, ela é muito pequena, mesmo no con-
e intersetorialidade:
zação dos Profissionais da Educação), questão
gresso, a gente faz congressos bianuais pela As-
delicadíssima, porque na verdade, as pessoas
sociação Brasileira de Psicologia Educacional e
passam a ser mercadorias porque cada cabeça
Escolar, vem 1.200, 1.500 pessoas, mas do Brasil
vale um tanto. A questão da adaptação curricu-
inteiro, é pouco, é muito pouco. Mas a gente con-
lar que você frisa na diferença, não das diferen-
Cadernos
tinua pensando, escrevendo, buscando junto aos
ças, mas no “o diferente”. Então a terminalidade
legisladores pensar em projetos de lei, e trabalhar
Rozi: Nossa, já passou bastante tempo, nossa apresentação, contar um pouco como que
tivemos uma enxurrada de coisas. Falando com essa turma, que é uma turma, não dá para gente
quem não estava aqui no começo, a Carmem também generalizar, que todo o grupo da psicolo-
comentou que um sonho dela era ver esta roda gia escolar pensa dessa forma, porque não, e nem
acontecendo, esse momento, e que o CRP pôde todo grupo de queixa escolar pensar dessa forma,
estar próximo desta rede e da interlocução en- porque não, mas é uma forma que nós já temos
tre a saúde e a educação, dos fazeres que acon- teoria, já temos literatura, muitos trabalhos produ-
tecem na área da psicologia e dessa interface zidos. Então vamos apresentar e vamos começar a
das áreas correlacionadas e da educação, é discutir e sair desse nosso campo só do escolar. A
uma coisa que vem sendo discutida muito no ideia é de abrir mesmo esse jeito que a gente pen-
Núcleo de Educação, mas a prática a gente não sa, que se aproxima do NAAPA e pôr em discus-
tinha conseguido fazer esse salto. E aí a ideia da são, quem sabe algumas concepções facilitem se
roda de conversa vem nesse sentido de propor a gente pensar mais parecido e não tão imediato.
Brisa: É, isso. Essa é uma primeira roda, es- você que chamou atenção aqui da minha região.
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colhemos a Zona Norte, - quem não estava aqui Quando vocês falam escolas, que vocês vão à es-
no começo. E então é meio usar esse mecanis- cola, vocês fazem algum trabalho com a escola,
mo de roda de conversa para replicar na capital, vocês são escolas municipais ou estaduais?
né? Pensar isso que a Carmem falou de colher, de
Participante: Todas.
discutir, de debater, quem sabe em um segundo
momento. E é o meu sonho de consumo, ((risos)) Renatra: No caso, o NAAPA, são municipais,
é fazer algo na linha maior, não só município, não nós somos da rede municipal.
só a rede estadual, rede municipal, mas que essa
interlocução se amplie para ir pensando tudo que Participante: E você atende estadual e mu-
foi trazido por vocês e outras pessoas aqui, nesse nicipal?
sentido dessa avalanche que a gente tem tido de
Maurício: - Tudo. E particular.
demanda de queixas escolar que chega aos equi-
pamentos de saúde feito uma enxurrada, né? Um Participante: - Mas, na verdade só pegando
tsunami cada vez maior por conta da identificação o gancho do que você falou primeiro, eu acho que
de pessoas diferentes. Esse é o objetivo. A gente o foco, como a gente está na área da saúde e é
pensou no percurso para apresentar um pouqui- uma área que é um CAPs que é psicossocial, en-
nho umas ideias que o CRP vem pensando e esse tão não é só a área da saúde, eu acho que o foco
material escrito produzido também. principal hoje nosso, emergente a escola e a gen-
te é o segundo tópico, conhecer os caminhos do
Rozi: Eu não sei como que o grupo pode se
diagnóstico de crianças e jovens contra as queixas
organizar para propor alguma coisa ou para es-
e fracassos escolares. Acho que isso abre um ca-
tar compondo um outro grupo ou prescrever um
minho enorme para gente discutir. E eu fico muito
documento, enfim. Só considerar que o Conselho
feliz, apesar que eu acho que ainda é no início, não
Regional de Psicologia, ele tem bastante autori-
para vocês, mas para mim sim, o CRP ter se pro-
dade para propor trabalhos, para mostrar traba-
nunciado, sabe? Chamado a gente. Muitas vezes
lhos, para propor eventos, porque afinal, é o nos-
eu me sinto (em um mar) e eu tenho uma casa e é
so órgão de representação de categoria. E essa
a casa dos médicos. E existe sim leis que alguns
gestão não chama comissão, chama núcleo, mas
profissionais gostam, eu fico incomodada porque
é este Núcleo de Educação, ele também pode pro-
parece que está tendo um retrocesso “aonde a
por coisas, pensar ações.
psicologia tá entrando?”. E a gente está entrando
Participante: - Quando vocês falam em quei- em um colapso. Eu supervalido os testes psicoló-
xa escolar no curso, foi na USP, o que vem a ser a gicos, os nossos instrumentos, sou orgulhosa do
queixa escolar? que a classe já conquistou até hoje pela história
no Brasil e no mundo, porém, está tendo um retro-
Rozi: Porque a gente chama escolar porque
cesso e estão passando a demanda para área da
não é de aprendizagem, porque é outra concep-
saúde, a saúde mental que também tem sua his-
ção, e é um pouco isso que talvez a gente possa
tória aqui. No Brasil, vou falar do Brasil porque é o
conversar, porque não é o aluno, entendeu? Não
único lugar que eu estou, que eu conheço mais. E o
é ele que tem problema de aprender, é a institui-
que acontece? Todos os cursos que eu acabo fa-
ção que está com problema para ensinar. A gente
zendo cai nessa discussão, eu vejo outros colegas
mesmo. É uma outra concepção que leva em con-
falando a mesma coisa, e colegas não só psicólo-
ta alguns aspectos. O institucional é o primeiro
gos, “o que tá acontecendo com a saúde mental?”
aspecto; a relação com o professor é um outro
A gente está recebendo uma demanda, uma en-
aspecto importante nas relações que se estabe-
xurrada das demandas e a gente está aceitando,
lece com o professor. A família também, mas não
mas estamos meio desesperados. A Secretaria de
que a família tem de doente, é como a família pen-
Saúde determinou, - é só um gancho, não que eu
sa a vida escolar dessa criança, quão próxima da
queira entrar nessa discussão -, determinou que
vida escolar da criança ela está, é outra família
os CAPs, somente os CAPs reavaliem as crian-
que a gente quer, chama. E o próprio aluno, quer
ças diagnosticadas com TDH e vem para gente.
dizer, será que ele tem oportunidade para contar
A maioria dessas crianças não ficariam em CAPs,
a versão dele do que se passa...
porque CAPs a gente atende demanda de alta e
Participante: É, eu escutei os psicólogos fa- média complexidade, baixa e leve seria a UBS. A
lando em escolas, é assim, eu gostaria de saber, gente tem pernas? Não, nem UBS tem pernas, mas
a gente teria que abraçar essas demandas. Es- fiquei sabendo que o aluno tal é do CAPs?”, “é”,
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tão todos lá no CAPs. Claro que a gente também “tá, mas ele veio transferido para nossa escola”,
não insere “ah, o seu projeto terapêutico singu- “hã?”, “mas eles são de vocês”. E assim. E uma ou-
lar vai ser tudo aqui”. Não. A gente trabalha com tra coisa também, - eu acho que estou colocando
CJ10, CCA’s11, mas eu fico pensando, a gente tem vários tópicos -, quando veio o NAAPA eu fiquei
que reavaliar essas crianças porque a secretaria, muito feliz de ouvir vocês falando que vocês são
crianças e eadolescentes
segundo o que eles visitaram alguns equipamen- professores. Super, porque assim, eu tenho uma
desastres
tos, vamos dizer, um foi o nosso para falar que eles ideia, - e me desculpe os professores, apesar de
acham que esse diagnóstico, ele tá bem banaliza- admirar muito, para mim é a classe que tinha que
do, todas as crianças estão com superdiagnósti- ser melhor paga seria a dos professores -, mas eu
emergências
co tomando Ritalina, que é o Metilfenidato e que acredito que a autoestima da classe está rebaixa-
eles estão dispensando muito. E eles acham que da há muito tempo. E a nossa está indo, a gente
tem que ser reavaliados. Eu também, até concordo, está indo para esse caminho.
em de
mas foi uma coisa bem tirada, porque outros mé-
Carmem: Deixa-me dar uma informação qua-
diagnóstico
dicos que já davam, não podem mais dar e a gen-
se administrativa do Conselho. O Conselho somos
Psicologia
te abraça essa demanda, claro, é uma lei, não tem
nós mesmo, então qualquer grupo que precise
como lutar sozinha. E o que acontece? Existe uma
conversar sobre o seu trabalho e pedir a ajuda do
coisa que eu ouvi na sua fala, na de vocês também,
caminhos do
órgão da categoria, o Conselho está aberto. Então,
eu acho que a história da educação entrou em co-
por exemplo, se juntar psicólogos do CAPs ir lá e
lapso. E nós estamos entrando também apesar de
falar “a gente queria fazer uma reunião com o pes-
estar com tão pouca atuação a saúde mental, a
soal do Núcleo de Saúde, pode ser?”, “pode ser”
Temáticos CRPosSP
gente teve a luta antimanicomial, vamos entrar se
e leva a demanda. Eu te asseguro que vocês vão
e intersetorialidade:
a gente não entrar cuidado, porque a gente está
conseguir se encontrar e vão conseguir pensar em
abraçando tudo, área jurídica, área social, cai tudo,
um encaminhamento para demanda, porque pare-
o CAPs tem que dar conta gente.
ce que desse jeito as coisas vão. Conforme você
Participante: Do estudante também vem. E falava eu me lembrava do pessoal da justiça, psi-
Cadernos
eu não acho gente, que uma questão de uso de cólogos dos presídios que os juízes queriam que
drogas tem que ser a saúde mental que tem que a única tarefa que eles fizessem fosse avaliação
crianças e eadolescentes
está olhando lá para lousa, ele faz assim” “é, eu que tinha uma busca incessante e extremamen-
desastres
olhei, ele faz” “Já pensou que talvez ele não en- te politizado, que acontece isso que a Carmem
xergue?”, “será?”. Só que ele é um bom avaliador, está falando e ir lá no CRP e dizer assim “bom,
por quê? Vamos imaginar, e assim eu falei muito vamos lá, vamos pensar aí o que nós vamos fa-
emergências
com a Educação Infantil e Ensino Fundamental I. zer” A gente chegava lá, sentava na época com
Então a visão era: você passa muito tempo com o a diretora e dizia “ó, não tá bom para gente isso
aluno, muito. Então você entra na sala tem vinte, e a gente quer saber o que que a escola pode
em de
trinta, você olha todo dia, e aí tá lá o Luizinho, ele fazer para favorecer”. E na semana seguinte ti-
diagnóstico
está sentado todo dia no mesmo lugar e ele está nha uma ação, e a gente foi conquistando coisas.
Psicologia
todo dia olhando, em uma semana o Luizinho está É tão triste hoje saber o que está acontecendo
olhando e ele está olhando esquisito, olharzinho com o Albino, como ele está e quando eu soube
dele está longe, no dia seguinte, ele está longe de que a piscina e hoje ela está concretada, aula de
caminhos do
novo, você fala “aí tem”. Pô, esse cara é um exce- natação, não era brincadeira não.
lente avaliador de pessoas, né? Tem esta função,
Participante: Tinha aula de natação, lindo
não que o professor do Ensino Fundamental II e
isso. Então assim, é possível. E ia ser legal ser pe-
Temáticos CRPosSP
do Ensino Médio não tenha, mas essa função da
dagogo e psicólogo nessa hora porque dá essa
e intersetorialidade:
gente ir percebendo esse aluno, e a gente foi em-
alegria, de brigar internamente, né?
poderando nesse trabalho, o professor e a gente,
nós diminuímos essa lista para vinte. Maurício: Deixa-me acrescentar um elemen-
to nessa questão, que vai ficando a ideia assim,
Participante: Porque, por exemplo, você
dentro ou fora, ou como é essa articulação entre
Cadernos
olhar para o seu aluno e verificar que ele não está
educação e saúde e psicologia, é o como se faz,
conseguindo enxergar, ele... a minha pergunta é
crianças e eadolescentes
não sai, e aí que me incomoda um pouco.
desastres
xe, né? A questão da queixa de aprendizagem e a
Participante: Ele não sai talvez para não queixa escolar, a diferença de paradigma.
sair de uma zona de conforto porque se ele
Participante: ...mas eu queria continuar na
olhasse um pouquinho do que a gente está ven-
emergências
verdade, aquela minha fala que eu meio que parei,
do, ele provavelmente não manteria essa postu-
mas a Aglaé de uma certa forma também contem-
ra, inclusive de querer ser ajudado para colocar
plou algumas coisas, mas eu acho que é isso que
o aluno para fora, porque o que a escola espera,
em de
o NAAPA tenta fazer, porque o meu sonho é que
inclusive como supervisora, eles esperam que
diagnóstico
o professor faça essa atenção para que isso não
eu ajude a colocar o aluno para fora, desde de
Psicologia
entre, no sentido do professor se fortalecer mes-
transferência compulsória até terminalidade, to-
mo para sua atuação pedagógica e poder sentar
dos os processos legais permitidos. E isso não
com os serviços de saúde e fazer o contraponto.
caminhos do
gera felicidade para ninguém. Isso, pelo contrá-
Por exemplo, a Aglaé vai trazendo o que o pro-
rio, gera uma infelicidade enorme para todos e
fessor não consegue trabalhar dentro da escola,
para sociedade, enfim. E aí, como ela disse, eu
eu também acho que ele é vítima de um sistema,
não gostaria que isso fosse só uma conversa
Temáticos CRPosSP
de uma política pública, de toda uma sociedade.
legal e eu gostaria de saber o que vamos fazer
e intersetorialidade:
Toda essa dificuldade dentro da escola, ela já
mesmo enquanto grupo porque nós não temos
está posta, a gente tem pesquisas, pesquisas e
competências sozinhas.
mais pesquisas sobre isso, a coisa não está fun-
Participante: Acho que aí entra a questão cionando. Então, o professor está sofrendo, o alu-
disciplinar. no está sofrendo, o estudante está sofrendo. A
Cadernos
minha questão atualmente é “como que eu faço
Aglaé: É. E ver como é que a gente vai fa-
uma política nossa equivocadíssimo, que nós com estranheza. A princípio eu não estou con-
temos o Saresp, e a partir do desenvolvimento vencida de que as escolas, os estudantes preci-
desse Saresp, do desempenho, nós temos uma sam de um acompanhamento terapêutico lá na
questão de bonificação. Então a criança, ela escola, mas a gente pode conversar sobre isso,
não é um aprendiz, ela é potencialmente cash a gente não precisa pensar igual, mas a gente
na minha conta. E aí essa criança com Síndrome precisa falar sobre isso com os psiquiatras, por
de Down era tida como a causadora do fracas- exemplo. Então qual é meu sonho de consumo aí
so da escola. É isso que é terrível. no caso? É que o professor faça esse tipo de es-
tranhamento quando vem o pedido.
12 Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Classi- Participante: A gente não discute, é a escola
ficação no Código Internacional de doenças (CID 10) F90-F98:
transtornos do comportamento e transtornos emocionais o lugar deles. Eu só estou pensando em como que
que aparecem habitualmente durante a infância ou a ado- a gente pode fortalecer esse professor para que
lescência. Doença também descrita no DSM-5, o Manual de
Estatística e Diagnóstico de Transtornos Mentais. ele não venha solicitar um laudo do CAPs.
Participante: Terceiro ponto dessa história “olha, você não vai fazer, não”, e você dizia as-
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é a família. Vou contar uma história que justifi- sim “sim, senhor”. Não é porque é uma questão
ca isso. Uma coordenadora de uma escola aqui hierárquica. Não é isso. É porque tem alguém que
da rede, uma escola estadual tem um aluno que, naquele momento detém o controle de uma situ-
em tese, ele não tem dificuldade de aprendiza- ação, que a gente sabe que toda vez que a gente
gem, mas ele tem um desvio de conduta e ele vai perde o controle. Se tem uma situação que tem
transtornando as coisas. E aí, essa coordenado- alguém que dê rumo, não ponha no trilho, a chan-
ra orienta a professora e disse para ela ter uma ce é muito grande de enrolar. Então, a estrutura
atenção especial com algumas coisas, ótimo. E eu acho que precisa ser de realmente, - e aí por
convoca os pais para uma orientação e até para isso que eu falo do papel do psicólogo na escola
entender um pouco o que é que está se passan- e entendo o quanto isso fortalece -, que aí você
do nessa família e todo esse contexto. Ouve a vai empoderar ele o dia inteiro, chegar para ele
família, há uma questão de divórcio que estaria todo dia e dizer assim “cara, é isso aí, vamos lá.
para acontecer e todo um conflito e de que eles Tá vendo? Olha aqui o resultado da nossa ação,
tiraram completamente a atenção desse menino, vamos lá fazer”. Quantas vezes dentro de esco-
que era um menino que tinha que oito ou nove la eu fui fazer atendimento junto com a coorde-
anos. Esta coordenadora usa uma expressão nação e com o professor “então vamos sentar
que foi o melhor e o pior, porque ela disse assim junto e conversar com os pais?”, “vamos, vamos
“olha pai, talvez estejamos falando de uma falta lá” e você senta e aí você vai entender a história.
de limites, e sem limites, ele não identifica até No próximo atendimento você não precisa estar,
onde ele pode ir”. Muito bem. Esse homem não porque aí professor chega lá apropriado, né? Ele
gostou, dali para frente ele fechou a cara, não sabe do que ele está falando, ele chega e diz
falou mais com a coordenadora. No dia seguinte, para o pai assim “olha, infelizmente, a gente aqui
ele foi à escola e falou com a diretora que ele está fazendo esforço sobre-humano para o teu
não admitia a coordenadora fazer uma coloca- filho aprender, mas a gente não tem contraparti-
ção como essa, de como é que ela podia dizer da em casa, a gente sabe que o teu filho passa
que eles não sabiam dar limite para o filho deles. dias inteiros sozinho, que ele fica no computador
Não contente com isso, ele veio aqui. Procurou a o dia inteiro, que ele não senta para fazer uma
dirigente da época, - isso faz muitos anos -, le- atividade, tablet, internet, celular”. Então, não
vou a história e, no dia seguinte esta coordena- tem mágica. A gente precisa de alguém que dê
dora foi destituída do cargo. Enfraquece ou for- suporte e você vê o professor empoderado. Uma
talece? E o que acontece? Essa mãe e esse pai delícia porque o resultado final é sempre o me-
vão para o meio social e vão dizer assim “olha, lhor. Então talvez o nosso grande trabalho até
apertando bem, eles fazem. Apertando bem eles acho que as (intervenções) agora nesse sentido,
fazem”. A gente pega esse professor que está é de a gente fazer um exercício que seja esse de
enfraquecido, que tem toda essa questão, ‘biriri, favorecer, já que a saúde pode ajudar em vez de
bororo’ do universo, e quando chega um pai e diz atrapalhar, seja isso “vamos empoderar o povo”.
para ele assim “olha, eu acho que o meu filho tem
que tomar Ritalina e precisa de X, Y, Z”, mas e Brisa: Mas a saúde tem perna para isso?
agora? A gente vai para saúde, chega na saúde, Porque ela acabou de dizer, - usando a fala dela
chega lá “ó, Liliane, essa mãe é barraqueira, vai -, que ela tem escolas lá no Guarulhos que ela
fazer ouvidoria”. O que que a Liliane faz? “Bom, não consegue nem dialogar. É uma das questões
vamos dar psiquiatra”. Bom, aí “ó doutor, seguin- que a gente tem discutido muito no CRP, né?
te, barraqueira, ouvidoria, já causou na escola, Nesse lugar do psicólogo. Como ele pode lidar
o pessoal lá não sei aonde já falou que a mu- com a demanda, com a queixa escolar se ele não
lher é um terror, ‘nanana’. Dá a Ritalina para ele, conhece a escola, até o psicólogo clínico.
‘bota alguém’ para cuidar desse menino e está
tudo bem.” Infelizmente, a gente foi entrando Participante: Qualquer um inclusive, inclu-
nesse barco. Eu entendo quando a Carmem fala sive o do laudo, o que essa conversa que a gente
que precisa pegar o negócio e criar um manual está tendo, ela pode servir para qualquer ativi-
que se sustente para gente fazer isso também dade que qualquer psicólogo tenha e qualquer
na educação. Agora de novo eu falo como pro- educador com as questões escolares. E não po-
fessor, eu quero de novo ver o professor como demos mais dar o luxo de fazer isso, todo mundo
eu via. O meu professor falava para mim assim vai ter que fazer tudo.
Participante: A gente vai escutando e fica de ATPC13 das escolas, e esse dia os professores
23
parecendo ações assim “eu psicóloga faço, eu precisavam estar na escola. Então houve um pro-
escola faço, eu...”. e é interessante que quando blema, porque muitas escolas passaram a fazer o
a gente fala dos laudos e dos (médicos) a gente ATPC lá no Vila Maria, isso foi perfeito.
diz assim, “porque a medicina ou a neuropsiquia-
Participante: Exatamente. E o que aconte-
tria, a psiquiatria”. Então ou a gente tem ações
ce? Quando foi repensado o TEAR e agora é na
crianças e eadolescentes
em que todos nós de saúde e educação ou então
desastres
supervisão, né? As meninas vão e eles debatem
a gente vai volta em um discurso “Eu fiz, eu faço,
sobre temas, não fica em um foco só, - de vez em
olha o meu jeito, olha...”.
quando deve acontecer -, mas de uma escola só,
Participante: Talvez isso responda ao que de um indivíduo só, mas abrangendo mais. Só que
emergências
você trouxe, em quais as ações. eu fui contra porque eu falei “não, mas tem que
ser para os professores, não pode ser só para su-
Participante: Isso. Quais ações, mas quais pervisão”, mas outros profissionais acabaram que
em de
ações, que a gente pensa em notas técnicas, em falando “não, a gente também tem que mexer um
diagnóstico
referenciais, e todos nós independente do psicó- pouco com a supervisão” e eu concordo. Mas eu
Psicologia
logo que você vai encaminhar, porque senão você fico pensando: o que que a gente faz? É atuar, - que
vai começar a dizer assim “ó eu encaminho para é uma coisa difícil para gente -, também junto à ca-
caminhos do
Rozi, mas não encaminho para Lilian”. E não é essa tegoria médica, porque é o grande dono da casa,
função. A gente fala em nome de uma classe, de gente, infelizmente falando isso. Um profissional
uma categoria, a gente fala de professor, - porque de saúde, o psicólogo já é um profissional chato, a
eu também sou professora e me incluo -, assim, gente sempre questiona, problematiza todo lugar
Temáticos CRPosSP
eu falo de professor, eu quero que o meu filho es- que eu vou, hospitalar, seja onde for todo mundo
e intersetorialidade:
tude, quero que (eu tenha) um aluno e que possa fala “aí, é psicólogo”. Porque a gente não aceita
ser recebido por todos os professores e por todas do jeito que vem, a gente sempre vai problemati-
as escolas. E daí talvez volte um pouquinho nessa zar e estudar e ver para depois dar a nossa opi-
discussão que a gente estava falando assim, não nião, mesmo que depois a gente volte atrás. E o
Cadernos
estou preocupada com aluno da inclusão, estou profissional de saúde mental pior ainda, porque o
preocupada com uma escola onde todos caibam. profissional de saúde mental é aquele profissio-
crianças e eadolescentes
continuada, há um favorecimento da gente partici- Participante: E a gente fica mesmo penaliza-
desastres
par dos estudos da Unifesp, coisa que também foi dos porque eles também precisam e são professo-
ofertado para o psicólogo do município, só que tem res também, oficineiros, professores, educadores.
muitos poucos, a maioria lá é OS. Aliás, os públicos
Participante: Exatamente e é a classe pior
emergências
vieram de outro estado.
paga. A classe social, que eles falam que é a assis-
Participante: Eu estou fazendo uma crítica tência. Mas assim, o que eu quero, - só fechando
maior, que era de o público desprezar os servi- a minha fala nesse sentido -, é que a prefeitura,
em de
ços de saúde e começar agora desprezar os de o Estado não tire o time de campo, tudo que as
diagnóstico
educação, como já desprezaram os SAICA’s, e na OS’s fazem é junto com o poder público. Eles des-
Psicologia
saúde isso é assistente social que está privati- caracterizam que é o que não poderia ser desca-
zada há muito mais tempo e muito mais jogada. racterizado. Só para dar um exemplo, o nosso ma-
caminhos do
Quando a gente vai para esses lugares, a gente triciamento, que é um serviço de CAPs que a gente
vai diferente. E você vai me dizer que há algumas deveria estar nas escolas, nos CJ’s, nos SAICAs e
vantagens. De fato, há vantagens porque o es- tal, no CAPs Infantil II Vila Maria Vila Guilherme a
gente tem que fazer lá dentro só com as UBS’s,
Temáticos CRPosSP
tado declinou. Ele não quis mais e ele vende. Ele
vende a população, - a população é a mercadoria dentro do CAPs.
e intersetorialidade:
-, ele vende a população para OS.
Lilian: Mas você tem agenda interna então?
Participante: Então eu posso até falar um Participante: Em vez da minha agenda ser
pouco para vocês do nosso quadro atual. A grande externa, porque pela porcentagem eu teria que
Cadernos
desvantagem, que é essa questão de você preci- estar mais na rua do que dentro, porque a gen-
sar lutar pelo seu emprego, precisa mostrar o que te não é ambulatório, não é para eu fazer clínica
Existe jogo político de poder. que ele está na rua, que ele sabe quais as dro-
gas, ele vai ficar lá dentro daquele CAPs? É uma
Participante: Por que a prefeitura não tira
concorrência desleal com a gente. E chegam para
o time de campo, é o Estado, né? Por quê? Porque
gente e fala “vocês não são atrativos”, a nossa
eles que continuam determinando, as nossas
direção chega para gente e fala “vocês têm que
agendas vão ser refeitas e vem porcentagem do
ser atrativos”, “mas gente, eu não sou oficineiro,
que eu posso fazer.
eu não sei mesmo, eu vou ter que ir atrás”.
Participante: E o repasse é proporcional
Participante: O trabalho que vocês fize-
(àquilo que libera).
ram é fundamental. E a gente não encaminha
Participante: É. Eu posso fazer X% de aten- para lá para ter um laudo, mas a gente percebe
dimento no individual, 100% para o centro de aten- que os professores que sabem que o aluno pas-
dimento e grupo, e o matriciamento que a gente sa pelo CAPs, ele fica mais confortável, porque
deveria estar nas escolas. Tem um outro equipa- ele sabe que ele tem parceiros que estão olhan-
do o outro lado, ele não passa a responsabilida- Participante: Quando a gente conversa
26
de para o CAPs, mas ele entende o CAPs como de órgão para órgão, a chance de a gente ter
um parceiro, então assim “eu vou tentar fazer evolução parece muito maior. Então, o que que
a minha parte porque a mãe está fazendo e le- eu entendo? Enquanto Norte 2 vocês consegui-
vando no CAPs”. rem ir à subprefeitura, que tem especificamente
a área de saúde, e dizer assim “olha, existe um
Participante: Os alunos tiveram a questão
programa muito bacana que é o PSE Programa
do dentista, eles iam e levavam as crianças. Deu
Saúde nas Escolas que a gente enxergou bons
supercerto, foi superbom, todo mundo gostou
resultados só que a gente não consegue viabi-
muito e cada um na sua área fazendo o bem-es-
lizar. O que que a gente tem que fazer? Como é
tar da criança, os professores se sentiram com
que a gente favorece isso?”. A gente sabe que
respaldo técnico que não é da área deles, mas
lá no (Carandiru) eles fizeram um trabalho bom,
eles tinham esse respaldo. Então foi muito legal.
no (Guilherme) eles fizeram, no (Japão) eles fize-
Só que era assim, era uma sala de manhã e uma
ram. E como é que a gente faz para viabilizar uma
sala à tarde. Esse ano é uma sala de manhã e o
abrangência maior disso? E eu acho que esse é
ano que vem uma sala à tarde. Então é o irmão
um caminho fundamental. A gente enquanto OS, -
no primeiro ano que precisa, que está morrendo
e eu acho que talvez alguém não concorde comi-
de dor de dente, mas vocês estão com proje-
go, não concorde em nenhum sentido -, é a hora
to no segundo B, entendeu? Então acaba não
que a gente se amarra é essa, que se você for lá,
atendendo a demanda. É esse compartilhar de
levantar a mão para gritar, “mas isso tem que mu-
ações, é fundamental. Eu acho que isso precisa
dar” “psiu, rapazinho, senta e ficar quietinho, (não
ser fortalecido.
é para fazer alarde), você não entende disso, seu
Participante: Aí sim, quando a gente pega papel é ser psicólogo, não vai ficar se metendo
o que que limita a gente. Então para justificar em política que política é outro universo”.
duas coisas. Primeiro: eu falei na primeira fala
Rozi: Não sei, eu entendi que pelo que você
que a gente tem um déficit de quarenta e pou-
falou, para fortalecer uma ação que é vista como
cos funcionários. E tem por quê? Porque no novo
boa e parte da escola e parte dessa educação e
contrato da SPDM com a prefeitura diz que: para
da saúde, que está se perdendo um pouco, era
fazer contratação tem que ser via processo se-
a educação cutucar a instância superior e dizer
letivo, como se fosse concurso. Isso vai levar 6
“aquilo foi bom para gente, como a gente faz
meses para acontecer, por isso que vai demorar,
acontecer”. Eu diria: e a saúde, o que deve fazer
obviamente. Eu sou da UBS Carandiru. Aí a se-
ou o que poderia fazer a partir das nossas discus-
gunda questão: para eu poder me deslocar para
sões que deveria também fazer esse movimento
unidade escolar, o que que preciso fazer? Preci-
para chegar na educação.
so justificar. E a gente usa um sistema, sistema
enrijecido que chama Siga que ele não reconhe- Participante: É. Não, não, acho que nesse
ce nada, ele reconhece atendimento individual, ponto sim. Acho que pensando nessa questão da
atendimento em grupo e triagem, e não se con- OS, eu acho que qualquer ação política não vejo
versa. Então eu tenho que ir lá colocar um códi- como impossível, mas eu entendo que se a Márcia
go dizendo que eu estava fazendo alguma coisa vai lá e age desse jeito, eu me disponibilizar a fa-
para gerar produção, para gerar a receita. Ok? zer é a minha parte. Então assim, eu imaginar um
Ok. Como é que eu justifico que eu estava uma projeto, uma proposta, idealizar, criar alguma coisa
tarde inteira fora da UBS? A gente não consegue que realmente empodere o professor, que traga
no CER, - que é reabilitação -, justificar atendi- esse pai para discussão e que ele entenda que pa-
mento compartilhado, que é prerrogativa do CER, pel cada um tem, eu acho que se eu me disponho
é prerrogativa. Então, tem que ter lá o atendi- a criar, a produzir, a definir, a estabelecer, eu acho
mento fonoaudiológico, com fisioterapeuta, com que eu estou fazendo a minha parte sem ferir as
Terapeuta Ocupacional, psicólogo, todos traba- relações trabalhistas e “blábláblá”.
lhando com aquele paciente. Não pode, porque
Participante: E isso justificaria lá esse núme-
não tem código de atendimento compartilhado. E
ro que você tem colocado e dizendo que você pode
a SPDM está lutando, lutando, - que essa é a ex-
ficar fora da sua unidade.
pressão -, com a prefeitura, para conseguir defi-
nir um código de atendimento compartilhado. E é Participante: Porque eu tenho muito alu-
esse absurdo que não faz sentido. no que não aprende porque ele tem dor, eu tenho
muito aluno que não aprende porque ele tem uma essas ações que a saúde faz, ele já está aprova-
27
vida social muito difícil. Então para professora fica do na nossa diretoria. Então, eu não vou inventar
mais fácil “vai pro psicólogo pegar um laudo” do a roda. Eu vou pegar essa proposta aqui e levar
que olhar para o real problema dele. Então qual é para minha dirigente, eu jamais iria na secretaria
o problema dele? É a dor de dente. Então aí sim a do município e falar “olha, eu sou a Márcia e vim
saúde é extremamente importante. aqui” eu não sou ninguém.
crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres
desastres
Maurício: O trabalho que a odonto tem com Participante: É assim, de algo que, a agen-
a escola é muitas vezes a porta de entrada para o da ou a comunicação, seja feita antes de fazer a
paciente que vai vir para a gente. Então, eles che- programação dos lugares.
gam lá e voltam “ó Maurício, eu estou te encami-
emergências
Participante: Eu primeiro quero até agra-
nhando esse, esse e esse e ó, a demanda é muito
decer ao CRP porque uma das coisas que eu ve-
parecido, será que você não consegue formar um
nho pegando no pé de mim mesmo quanto psi-
grupo?”. “Ah, legal, eu vou avaliar e se eu enten-
em de
cóloga e com os psicólogos, é dessa conversa
der...”, é a hora que a gente forma o grupo. Grupo
diagnóstico
com a educação. Porque eu acho que a gente
de dificuldade de aprendizagem.
Psicologia
ficou muito especialista em educação, mas não
Márcia: É a moda, mas a gente precisa tra- junto com a educação. Então isso é uma das
balhar. Eu acho que vocês têm formação para tra- coisas que, para mim, me vem, eu tenho falado
caminhos do
zer essa formação para o meu professor, para o em vários lugares que a gente já se encontrou
coordenador, para ele estabilizar essa situação em outros, e eu sempre falo isso, falo “puxa
emocional desses adolescentes que não está no vida”. E quando a Carmem falou, “a gente quer
Temáticos CRPosSP
nosso colo, mas a gente precisa participar. conversar com os professores, a gente ainda
e intersetorialidade:
não sabe como, a gente não sabe conversar
Participante: Vou defender a Márcia, nessa
com eles”. Então acho que eu parabenizo a ini-
questão de que caminho que ela estava tentan-
ciativa de “bom, agora a gente tem que pensar
do fazer o caminho contrário, e eu estou pensan-
em como conversar com esses professores”.
do na situação aqui nossa do nosso cotidiano. A
Não tem nada melhor dentro de uma diretoria
Cadernos
Márcia é uma pessoa cujo trabalho é espetacular
de ensino. É diferente. Eu acho que é um bom
aqui dentro da diretoria, mas, a autonomia dela
crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres
desastres
já deu o tempo de se aposentar, mas ainda não negócio que eu me sinto absolutamente compro-
se aposentou, não vai se aposentar por causa missada, porque eu não poderia pensar de outra
dos nossos projetos. Mas eu acho que uma das maneira, porque acho que partilhar o que eu vejo
coisas que eu pego dele, e me anima muito, as com o outro, que não necessariamente é o corre-
emergências
contribuições das pessoas que não entregaram, to, mas partilhar o que eu estou vendo, inclusive
não jogaram a toalha, que ainda estão animados, quando você falou, para escutar alguém para fa-
mesmo já tendo trabalhado muito. E vocês con- zer o contraponto, para ampliar ainda mais ainda.
em de
tribuem, e fazem toda diferença quando eu vejo Então acho que é isso, acho que essa partilha que
diagnóstico
vocês falando, eu acho que faz toda diferença as pessoas esqueceram porque essas partilhas
Psicologia
para a gente continuar. Eu não sou tão nova de seriam fundamentais, então a Carmem falou assim
idade, sou nova na área, eu tenho 10 anos de “não sei que... encaminhamento”, mas acho que
caminhos do
psico, pela minha idade eu ainda sou novíssima, não importa muito o encaminhamento.
tinha que ter mais, mas eu vejo ele falando as-
Participante: É o próprio processo.
sim. Mas, se não fosse vocês que estão há mais
tempo, não sei, esse excesso me fortalece mui- Rozi: Processo, né? Respondendo à sua per-
Temáticos CRPosSP
to, porque às vezes eu fico muito cansada, é o gunta inicial, eu vim aqui para saber que história,
e intersetorialidade:
defeito de quem é muito crítico porque fica can- essa história. Essas três horas que tivemos junto,
sado das próprias críticas e não consegue fazer eu acho que enquanto CRP todas as nossas ex-
nada, mas vocês me animam bastante de “não, pectativas foram atendidas com essa roda com
eu vou continuar sim”. E assim, parar para ouvir vocês, e convidar para um cafezinho final.
Cadernos
Psicologia, demandas escolares
Cadernos Temáticos CRP SP
30
Os caminhos do diagnóstico de
crianças e jovens, partir do olhar
dos psicólogos: da queixa escolar
e aos serviços de atendimento
Brisa Campos
03/06/2016. Sede do CRP SP (São Paulo).
Brisa: Boa tarde, meu nome é Brisa, eu trabalho no do Núcleo de Educação que vão se apresentar e
CRP, vim representando o CRP (Conselho Regional também do Núcleo de Saúde do Conselho Regio-
de Psicologia). Eu pensei bastante nessa mesa, fui nal de Psicologia, por isso que vocês estão ven-
uma das idealizadoras dessa roda de conversa, do mais gente hoje. Para iniciar, eu sou a Rozi,
muito por conta da aproximação, sobretudo, na in- atuo como psicóloga, tanto na área da educação
terface da saúde com a educação. Eu sei que hoje como psicóloga escolar, quanto na área da saú-
é uma continuidade de uma roda de conversa que de, no atendimento de pessoas com deficiência
aconteceu em novembro, eu estava de licença- lá no ambulatório.
maternidade, mas eu tive um feedback muito ba-
Dinorá: Meu nome é Dinorá, eu sou professo-
cana, foi uma conversa legal que vocês tiveram. E
ra-coordenadora do Núcleo Pedagógico (PCNPs).
eu recebi uma avaliação muito bacana que houve,
de fato, uma troca interessante entre os profissio- Aglaé: Meu nome é Aglaé, eu sou supervi-
nais, acho que era esse um dos objetivos que que- sora de ensino e eu não vou falar no início, mas
ríamos que acontecesse. E a pedido desse grupo, eu gostaria de estabelecer uma parceria, que
o CRP organizou uma segunda roda de conversa, nós estamos agora com uma plataforma virtual,
para dar seguimento e fechamento na conversa e que eu gostaria muito que vocês fossem par-
que aconteceu nesse primeiro momento. Então, a ceiros nessa parceria. Todos os professores têm
gente escutou essa solicitação do grupo, e volta- acesso a todos os gestores, as setenta e uma
mos. Eu gostaria de abrir uma coisa que eu pensei escolas tem acesso a essa plataforma. Acho que
para vocês, ver se está todo mundo de acordo. Eu se vocês aceitarem essa parceria, depois a Már-
pensei de cada um se apresentar rapidinho, nome cia pode dizer. Nós oferecemos uma sala para
e o que faz, e a Carmem dá início a um debate que vocês dentro dessa escola virtual, e acho que,
ela propôs, falando um pouco da posição da psi- me arrepia até, porque depois a Márcia pode ex-
cologia frente ao diagnóstico das crianças e esse plicar melhor.
caminho que o diagnóstico faz na área de práti-
Márcia: Eu sou Márcia, PCNP de educação
cas inclusivas, esse caminho que ele faz da escola
especial.
para a área da saúde. Acho que essa é uma pre-
ocupação nossa na hora que a gente pensou na Brisa: Eu sou a Brisa, sou psicóloga. Queria
mesa aqui: qual o percurso que esse diagnóstico especialmente agradecer ao espaço. Obrigada.
vai tomando em relação às pessoas, com as crian-
Ana Paula: Eu sou Ana Paula, eu sou psicó-
ças? Então, pensei de cada um falar o seu nome, a
loga do Caps (Centros de Atenção Psicossocial)
Carmem fala um pouco, a gente faz um intervalo de
Infantil Vila Maria e Vila Guilherme.
15 minutos e voltamos para uma conversa.
Carmem: Carmem, sou psicóloga, estou na
Rozi: Acho que só para situar para vocês, área da educação há muitos anos, estudando es-
fizemos a Roda mais ampliada, então tem mais sas questões da psicologia e principalmente dessa
gente no grupo de educação. Tem mais pessoas integração escola e saúde.
Lilian: Eu sou Lilian, sou psicóloga, também de atendimento”. Retomando rapidamente nos-
31
trabalho nessa interface da educação com a psi- sos objetivos da rede de conversa dos nossos
cologia, faço parte de um grupo chamado GIQE - encontros. São: estabelecer um diálogo entre os
Grupo Interinstitucional de Queixa Escolar. Estou profissionais psicólogos dos serviços públicos de
no Núcleo da Educação representando o GIQE. educação e saúde, apresentar as contribuições da
psicologia aos profissionais que atuam nas insti-
Clarisse: Meu nome é Clarisse, eu sou psicó-
crianças e eadolescentes
tuições escolares educacionais, e conhecer o ca-
desastres
loga, estou no CRP no Núcleo de Saúde e também
minho do diagnóstico de crianças e em relação às
compondo a subsede metropolitana de São Paulo
queixas e fracasso escolar. Está baseado nesse
fundada agora há um ano e meio. Faço doutorada
documento que são as referências, e elas são fru-
no IP (Instituto de Psicologia) e sou psicóloga clíni-
emergências
tos de uma discussão que foi feita desde 2007. O
ca e professora universitária.
documento foi sistematizado em 2009, onde fize-
Bruna: Eu sou a Bruna, sou psicóloga, traba- mos uma pesquisa no nível nacional com todos os
em de
lho mais diretamente com educação, então faço psicólogos que responderam online o questionário
diagnóstico
alguns acompanhamentos. Atualmente trabalho sobre as suas atividades para o Brasil inteiro, psi-
Psicologia
com inclusão cultural e sou professora. cólogos que trabalham vinculados à área de edu-
cação. Dessa pesquisa, nós fizemos uma leitura e
Carmem: Então, a proposta na primeira reu-
construímos então esse documento de referên-
caminhos do
nião era que a gente pudesse estar contando para
cias. Esse documento é nacional e as referências
todos, tanto para o pessoal da educação, como
foram publicadas pelo Conselho Federal de Psico-
para os psicólogos que trabalham em UBS’s (Uni-
logia. E no CRP especificamente, em 2010, nós sol-
dades Básicas de Saúde) e em Caps, o que a gente
Temáticos CRPosSP
tamos essa Nota Técnica, que orienta quanto às
da educação pensa e compartilhar o nosso pensa-
e intersetorialidade:
atribuições do psicólogo. É claro que, várias con-
mento com os profissionais. E daí talvez estreitar
cepções da psicologia existem atualmente. Nós
uma conversa, considerando todas as dificuldades
estamos apresentando uma proposta, proposta
que temos com a psicologia escolar e educacional,
que a gente acredita, que é uma psicologia críti-
e com a saúde. Na primeira reunião ficou claro uma
ca e contextualizada, que resgata a complexidade
Cadernos
necessidade que as pessoas tinham de se conhe-
do processo de escolarização, protagonizada por
cer, não foi? E de saber o que um ou outro faziam,
Carmem: Bom, gente, esse é o nome ofi- Participante: Inclusive a questão da própria
cial da nossa roda de conversa, “Os Caminhos instituição. Porque se a gente for falar de escola-
do Diagnóstico, das queixas escolares ao serviço rização, a própria instituição colabora para o fra-
casso. Então, eu acho que essa não é a temática psicólogo vem em um Caps, por exemplo, que aí
32
da coisa, mas o que me incomoda muito é que o não é tão simples. Psicólogo que está na escola
problema está na própria instituição, na organiza- tem uma atuação que é diferente, mas quando
ção dessa instituição que a gente tende a colocar ele vem de fora, é interessante essa ideia ma-
na criança o problema psicológico que não existe, cropolítica, “putz, o Projeto Político Pedagógi-
quando, na verdade, o problema é muito maior. co”. Agora, também tem atividades do campo da
micropolítica que o psicólogo pode fazer e que
Carmem: É. De qualquer maneira, a criança
a gente também acredita que ele faça. Então,
sofre. Porque ela pode sucumbir por conta disso
por exemplo: a discussão de um currículo adap-
tudo. Não é que a gente fala, “a criança não vai
tado para as crianças. Problematizar um fator
ser olhada”, a criança vai ser olhada também, só
que acontece bastante dentro do fenômeno da
que a compreensão é maior. Não coloca o foco só
criança em questões dentro da sala de aula, que
nela. Quando você fala “a instituição colabora”, eu
é o isolamento que essa criança acaba vivendo.
vou tomar liberdade de dizer que a psicologia tam-
Normalmente, qual a saída que a escola tem para
bém, porque, ao ser encaminhado para um diag-
o problema da criança? Individualizar a criança
nóstico tradicional na psicologia, a criança tam-
com uma pessoa mais velha. Nas escolas parti-
bém recebe um tipo de diagnóstico. Bom, temos
culares, a gente tem a figura do acompanhante
uma proposta, tendo essas considerações, qual a
terapêutico, porque a família paga, e nas públicas
nossa proposta? É compor sempre com a equipe
a gente tem o cuidador. O cuidador também fica
escolar, a elaboração e a interligação e avaliação
na sala de aula, muitas vezes também isolando
do Projeto Político Pedagógico da escola. Então,
a criança dentro de um sistema de aprendizado,
é uma proposta de que o psicólogo, esteja aon-
que a gente acredita que ela é capaz de se in-
de estiver, possa compor a equipe escolar para
serir. O psicólogo que vem de fora, ele também
isso, problematizar o cotidiano da escola, colabo-
pode fazer essa situação de isolamento, que não
rar com a construção coletiva do projeto de for-
está só no macro, não está só no Projeto Político
mação e serviço, no qual os professores possam
Pedagógico da escola, mas ele também está na
planejar e compor, e compor as ações continua-
micropolítica da sala de aula, nessas questões
das, e construir junto com a equipe estratégias
que, no fim, é justamente o que a gente quer, que
de ensino/aprendizagem considerando então os
a criança aprenda, o que é a função da escola,
desafios que temos e as necessidades dessa co-
né? Carmem, obrigada. Desculpa interromper.
munidade onde a escola está inserida. Pensando
na psicologia, a gente pretende ter uma inserção Carmem: Esse item, eu acho que vai ao en-
mais ampla, considerando a questão do contexto. contro do que você está fazendo que é assim:
Então, o psicólogo não é aquele que está só lá quase uma obrigação nossa, da psicologia, é com-
quietinho, isolado no seu gabinete fazendo diag- partilhar os nossos conhecimentos, né? Então, vai
nósticos, mas ele é capaz de sair da sua sala e ter uma postura de que só eu sei o que ele tem,
compor reuniões com o pessoal da educação. ou só eu sei o que é melhor para ele, mas de po-
der compartilhar, inclusive, os conhecimentos da
Rozi: Eu acho que isso faz uma diferença
própria área, da própria psicologia. Introduzir en-
muito significativa na psicologia, para que se
tão, e aí gente, isso é para psicólogo e para não
execute, se pense as diretrizes desse lugar do
psicólogo, porque isso que a gente tem defendido,
psicólogo muito ligado à uma clínica ainda redu-
para alguns psicólogos é uma grande vantagem,
zida, e consegue ir lá na questão que é o Projeto
não é consenso dos psicólogos sair desse lugar
Político Pedagógico da escola. Porque ali, se a
tradicional e desenvolver práticas coletivas in-
gente pensar nessa questão, define-se grandes
tersetoriais; na saúde, na educação, no trabalho,
questões coletivas desse processo que a esco-
nos movimentos sociais, na assistência social, no
la se propõe. Se você está junto nisso, quantos
poder judiciário, que possam então acolher todas
projetos talvez a gente não pensa que possam
essas feições e os sofrimentos de quem? Alunos e
ser pensados, ajustados.
professores, dos educadores, e buscar novas saí-
Participante: Carmem, deixa eu só posicio- das na comunidade escolar, sem mágica, e dentro
nar uma observação. Eu acho muito bacana isso daquilo que pode ser experimentado, que pode ser
que a Rozi está dizendo da ideia macropolítica testado. Não fazemos mágica. Procurar romper
que o psicólogo pode se inserir dentro dessa in- com essa prática hoje de patologizar, de medicali-
terface com a educação. Sobretudo, quando o zar e de judicializar das práticas educacionais nas
situações em que as reuniões desses diagnós- é uma fé qualquer, é escrito, que eu acabei de ler,
33
ticos, fortalecem essa produção de distúrbio, de em um mestre único, Cristo, que tem que ser le-
transtorno, e da própria exclusão. Não dá, gente, vado para as escolas. Isso é fresco, está aconte-
para eu ler isso e não lembrar do menino hoje, de cendo agora. Então, da igreja em peso, os bispos,
manhã, todos sabem, né? todos na assembleia dizendo que essa violência,
que esse caos na escola é por falta de uma religio-
Participantes: Não, nós não sabemos.
crianças e eadolescentes
sidade. Então se a igreja católica entrar dentro das
desastres
Carmem: Um menino de dez anos que foi escolas públicas. A Márcia brincou, essas palavras
morto na Avenida 23 de Maio. Dois garotos rouba- “a ordem e o progresso voltarão para as escolas”.
ram um carro e tinham uma arma 38: um de nove e Por final, nosso colega que estava lá que chegou
emergências
um de dez anos. Eles foram perseguidos pela po- passando mal, disse do deputado e disse que essa
lícia, e revidaram. Aí o garoto fugiu, bateu o carro, proposta foi rechaçada inúmeras vezes, mas que
mas desceu atirando. A polícia matou o menino de agora, ela provavelmente será aprovada. Então, a
em de
dez e o de nove também foi detido, não souberam nossa Secretaria de Educação estava junto.
diagnóstico
o que fazer, devolveram ele para a mãe e a mãe diz
Participante: Como é que é o nome do depu-
Psicologia
que não sabe mais o que fazer com ele. Mas não
tado? Que a gente pode soltar uma nota técnica.
dá para eu ler isso e não lembrar dos garotos. En-
tão, a polícia paulista mata o menino de dez anos, Participante: Rogério Marinho do PSDB.
caminhos do
porque revidou o tiro. É esquisito. Tem meninos de
Participante: Então, o que que acontece
dez anos comandando “boca”, né, gente?
todo esse caos, a gente usa uma lei da física,
Participante: Eu queria também falar uma que o espaço vazio, alguém há de ocupar. Como
Temáticos CRPosSP
coisa que está me incomodando muito. Primeiro, o seu caso do menino, então o que que aconte-
e intersetorialidade:
o que me toca muito é essa questão da medica- ce? A sociedade clama para uma resposta. E uma
lização, que agora virou uma coisa absurda. Nas resposta fácil que o senso comum vai acreditar e
nossas escolas chegamos ao ponto de falar as- vai apoiar, e que é fácil em um país como o nosso,
sim, “olha, se não medicalizar, não dá”, e muitas é que façam mesmo uma religião nas escolas. O
Cadernos
vezes, a Marcelina aqui pode testemunhar e eu que nós ganhamos em 100 anos, nós vamos per-
também como supervisora, às vezes a intenção der em uma cartada só.
crianças e eadolescentes
eu quero simplesmente tentar ajudar o que eu te- muitos outros espaços, que sejam a construção.
desastres
nho percebido ao final de uma carreira que eu per- Então, a gente orientaria o professor a colocar a
cebi o que a educação precisa, e que, de alguma dúvida dele nesse fórum, e alguém, que obviamen-
maneira, eu posso contribuir. Isso colocado, então te isso é um trabalho voluntário que nenhum de
emergências
vocês vão ver que tem um Moodle, que vocês co- nós também ganhamos nada disso, todos nós es-
nhecem, né? Que eu abri o Moodle, é meu, eu que tamos fazendo isso porque acreditamos, e talvez
pago a hospedagem, e o núcleo pedagógico dessa eu acho que daí a gente daria um salto no sen-
em de
diretoria é uma referência, porque isso não quer tido de, primeiro estarmos mais juntos, segundo
diagnóstico
dizer que seja uma certificação, mas podem ser que estaríamos fazendo aquilo que vocês querem,
Psicologia
algumas evidências. Nós temos quatro doutores, formando professor para essas questões. Acho
cinco mestres aqui dentro do nosso núcleo. Então que estaríamos diminuindo o trabalho do Caps
independente dessa divulgação, são pessoas que com as “besteiradas”, que vou falar besteiradas
caminhos do
estão muito harmonicamente juntas e todas elas mesmo, que vão para lá e que não precisariam ir,
querendo aprender. Por exemplo, quando a colega porque talvez aqui seria solucionada as questões,
fala de currículo adaptado, é uma coisa que para a dúvida do professor. E acho que a gente esta-
Temáticos CRPosSP
mim já complica, por causa da questão conceitu- ria fazendo realmente aquilo que é o sonho, uma
e intersetorialidade:
al que depois um dia eu vou falar sobre isso. Mas parceria entre a psicologia naquele âmbito do que
enfim. Nessa plataforma, nós temos hoje 25 salas, a Carmem disse, de sair dessa questão de sim-
e nós temos algumas parcerias. Nós temos par- plesmente de clínica, e seja realmente o psicólogo
ceria com o Sesc, que tem uma sala que leva as como ator social em todas as esferas. Então, se a
nossas crianças com tudo pago, com ônibus, para Andreia abrir, eu vou mostrar para vocês.
Cadernos
os espetáculos do Sesc. Nós conseguimos essa
Carmem: Nós que temos que levar a pro-
crianças e eadolescentes
Participante: Tá. O que talvez fosse bacana, tir daí a gente pode conversar e discutir. Hoje a
desastres
foi exatamente isso que você está falando, porque gente recebe os encaminhamentos através da
eu não tenho meios e nem certa competência para escola e as famílias trazem para o Caps Infantil,
falar sobre a questão do psicólogo lá dentro da e lá a gente tem um processo de acolhimento
emergências
escola. Mas aqui, de alguma maneira, eu estou te onde oferecemos uma escuta para as famílias
colocando dentro da escola. e fazemos uma anamnese. A gente consegue
acessar aí a história daquela criança e a histó-
Carmem: Mas as vezes é um estudo muito
em de
ria da família. A partir disso, a gente identifica
maior que tem que ser feito.
diagnóstico
se é um caso que o paciente está em crise e
Psicologia
Participante: Ou entrar e conversar através precisa de um atendimento médico ou se ele já
dos textos que a gente coloca também. Que nem vem com um diagnóstico. Ou se é uma questão
eu falo da avaliação pedagógica, a importância de o que já está fechada, ele já vai para uma consul-
caminhos do
professor descrever verdadeiramente as questões ta médica ou é inserido em um grupo ou é en-
pedagógicas e não de comportamento. Então aqui caminhado para a UBS. Se não, a gente tem os
seria uma ideia de a gente escutar mesmo, dialogar nossos grupos de avaliação. E hoje, o que tem
Temáticos CRPosSP
com o professor mesmo a importância de ele olhar acontecido bastante é de vim queixas escolares
e intersetorialidade:
a parte pedagógica e não de comportamento. e de déficit de atenção e hiperatividade, que é o
que tá sendo a nossa maior demanda. O nosso
Carmem: É isso mesmo.
grupo de avaliação, é praticamente um grupo de
Participante: Eu queria fazer atividade em avaliação de TDH. E nesse grupo a gente tem
rede. Mas, em primeiro lugar, eu acho que a gente alguns instrumentos padronizados, né? O SNAP,
Cadernos
tem que agradecer, eu acho que a iniciativa é ma- que é um questionário que vê sintomas de de-
Participante: Não. Às vezes a gente marca Participante: Agora, este psicólogo que a
uma reunião, não mandamos nada por escrito, Carmem apresentou aqui, este psicólogo, como
porque às vezes faltam pernas para gente ((risos)) você imagina ele na escola? Este que dialoga
conseguir atender toda a demanda. como equipe multidisciplinar, que vai para as
questões coletivas. Tudo que ela relatou. O que
Participante: Por exemplo: uma criança é
você pensa desse psicólogo?
encaminhada e tem déficit de atenção. Você vai
lá e fala que não. Qual é a reação desse professor Participante: Posso só uma coisa? Isso que
coordenador? vocês acabaram de falar é o que a Márcia acabou
de dizer. Esse personagem que você descreveu é
Participante: Muitas vezes é negativa, por-
o que está na nossa legislação, que é o professor
que a gente encontra professores muito adoeci-
coordenador.
dos, em sofrimento por não conseguir lidar com
essas demandas específicas dessa criança e não Participante: Porque quando o coordenador
conseguir oferecer o manejo que é adequado por falhou, porque foi o coordenador que falhou, o co-
conta do tamanho das salas, do número de alu- ordenador é que não deu conta. Não é o sistema
nos por sala. E eles continuam achando que, na que não deu conta, não é o gestor que não deu
verdade, precisa de um remédio, que vai existir um conta, não é o grupo, a escola que deveria cada
remédio que vai fazer com que essa criança co- um fazer sua parte. O coordenador falhou porque
mece a aprender. E quando a gente diz que não, hoje o coordenador, ele não presta e veio a ma-
então, eles perguntam “e você, Caps? O que que ravilha que é a figura do mediador. Mediador veio
você pode fazer por essa criança?” E a gente tem como solução.
um grupo de estimulação, mas nem sempre esses
Participante: O próximo, até acredito que vai
grupos vão suprir toda a necessidade da criança.
ser ou psicólogo ou psicopedagogo.
Participante: Que tipo de psicólogo deve es-
Participante: Ou psicopedagogo ou psi-
tar na escola?
cólogo, um dos dois vai “pintar”. Porque a gente
Participante: Porque hoje nós temos um co- sempre vai culpabilizar os atores da escola pela
ordenador que ele é um gestor muito importante. falha da própria escola. Ou seja, a criança, ela vai
Ele é o cara que deveria dar condições pedagó- continuar sendo vítima e o corpo que vitimiza,
gicas para o professor desenvolver o trabalho e ele vai aumentando e ninguém busca, de fato, a
essa condição deveria já trazer o repertório, de solução, que é olhar cada um para o seu papel e
buscas, de opções para que vários alunos apren- fazer o seu papel.
Participante: O meu papel é esse, o meu pa- Carmem: Vou te contar por que que a gente
39
pel de professor é ensinar. Eu também sou profes- saiu. A gente já esteve.
sora, eu estou na sala de aula. Então me sinto à
Participante: Então só uma coisa: porque
vontade para falar isso. Na sala de aula enfrento
eles esperam ainda o psicólogo, e não é o educa-
problemas, falei hoje para as meninas, essa sema-
dor falando. Seria esse profissional que ainda eles
na vim desesperada da sala de aula, e refiz, pus
têm uma esperança que vai ajuda-los, falando não
crianças e eadolescentes
minha cabeça para funcionar, “a coisa tem que dar
desastres
de que vai ter que padronizar, mas falando para ele,
certo”. Hoje eu vim maravilhada com os mesmos
“professor, você está doente”, “você precisa ver in-
alunos, porque eu é que tenho que mudar, os meus
clusive a sua limitação, inclusive que você não está
alunos continuam sendo os mesmos. Eles são jo-
bem”. Mas não falar que ele está louco. Não é isso.
emergências
vens, eu dou aula para ensino médio. Adoro, adoro
os pequenos também, mas o professor precisa se Carmem: Agora, mais do que o CRP, os
olhar. Então, a minha busca, a minha palavra, a mi- psicólogos da região, dentro da sua plataforma
em de
nha fala não é uma fala simpática nas escolas, por- não cabe?
diagnóstico
que eu venho para bater no professor e fazer ele
Participante: Não, porque eu não abri para
Psicologia
se olhar, e para você se olhar, até para mim, para
ninguém, vocês estão sendo os primeiros, eu
eu me olhar eu já mudei bastante, mas tem muita
não tinha pensado.
coisa para melhorar, e vou morrer com desafios.
caminhos do
Brisa: Estou pensando junto aqui. Será que
Participante: E só para falar para linkar. Como não é possível? Por exemplo, ela como profissional
eu concordo plenamente com a Márcia porque eu da área que recebe as crianças dessa região, des-
Temáticos CRPosSP
estou dentro desse sistema, e concordo plena- se território, poder ter acesso à essa plataforma,
e intersetorialidade:
mente que a gente pode criar vários outros atores de repente, ela pode ter alguma palavra, né, algu-
e sempre vai ser uma fala e vai criando outras, é ma dúvida, ela pode responder.
que isso que eu achei quando eu propus, a beleza
Participante: Brisa, eu acho lindo. O que eu
desse repositório de materiais. Como eu pedi ajuda
achei legal é que alguém, não sei quem, não era
de vocês, é aí que o psicólogo está falando o que
Cadernos
para fazer consulta, mas era aquele professor
nós estamos falando. O que nós estamos falando
que está naquela função encontrar um texto tal-
crianças e eadolescentes
ções de violência, enfim, várias características que
desastres
a gente também, como serviço, - e eu acho que a
também são comuns à região e não só a criança.
Ana Paula também mencionou muito isso -, tem
Participante: De quanto em quanto tempo que preservar esse lugar de que a gente está lá, a
a criança é atendida? Para você fazer todo esse gente liga, a gente propõe, a gente escuta deman-
emergências
diagnóstico que você está falando. De quanto em da, mas a gente não vai entrar na casa da pessoa e
quanto tempo a criança é atendida? falar, “você tem que vir de qualquer forma”.
em de
Participante: Semanalmente. Carmem: E se ela vai no Caps, alguém cuida
diagnóstico
dela. E isso já é uma coisa, isso já é um ganho.
Participante: Se ela faltar em uma delas,
Psicologia
como é que você vai saber que teve uma alteração Participante: Ou alguém obriga a ir, porque
ou não, ou por quê, se ela não foi. Você vai atrás obrigo levar.
caminhos do
para saber por que que ela não foi ou simplesmen- Carmem: Mas é o de menos, alguém leva. O
te não foi, tudo bem? fato de alguém levar já mostra que essa criança
Participante: Não, a gente vai e espera 15 dias. tem algum cuidado. Pode não ser o cuidado que a
Temáticos CRPosSP
gente gostaria, mas tem. Mesmo que ela falte, al-
Participante: Mas aí vocês não descobrem o
e intersetorialidade:
guns que faltam, eles ligam para dizer que faltou.
porquê que ela não foi. Então, não tem o padrão, não é assim, toda família
Participante: Geralmente, a gente entra em é relapsa, toda não, algumas. E quando você liga,
contato com a família e tenta ver por que ela não eles se desculpam. Do que eu sei é um serviço mui-
to bem controlado pela turma da comunidade. E lá
Cadernos
foi no atendimento.
tem o conselho gestor, que controla bem o serviço.
crianças e eadolescentes
aprendizagem, ela está com problema de dificul- go, por exemplo, quem são os responsáveis, sabe?
desastres
dade de ‘ensinagem’. Eu falo isso, com o profes- Eu acho que talvez na psicologia nesse sentido,
sor eu falo de uma forma muito mais suave, lógico, a gente teria que começar a pensar, - isso é uma
mas a gente precisa ter esse feedback. Porque o coisa que veio na minha cabeça agora -, mas teria
emergências
professor diz assim, “a gente manda para o Caps, que começar a pensar que em uma certa coletivi-
ninguém faz nada, ele fica lá”, a família não leva, a dade de responsabilidades, que é uma coisa que já
gente não sabe se foi, não sabe se não foi. Ou a existe na escola há anos e anos e anos, mas que
em de
mãe vem aqui, fala que o Caps falou que não é pro- a saúde e a psicologia, quando se coloca nesse
diagnóstico
blema deles não. Precisamos ter um canal não para lugar da saúde, não se ocupa ou não pensa a res-
Psicologia
responsabilizar, mas, de fato, de dar um feedback peito dessa responsabilidade que é coletivizada,
para a escola “esse psicólogo, esse terapeuta, compartilhada, de que os professores, eles estão
esse neuro, ele olhou essa criança e ele diagnosti- responsáveis por essa criança, que eles precisam
caminhos do
cou que essa criança está em sofrimento escolar”. de mínimos dados ou mínimos questionamentos.
Quer dizer, levar de fato isso para a escola, para a
Brisa: Eu acho que tem duas coisas tam-
comunidade escolar olhar para essa criança. Aí eu
bém, Márcia, que a primeira é: a criança que está
Temáticos CRPosSP
vou puxar um adendo para a questão das crianças
sofrendo, a maior parte do tempo dela, a criança
e intersetorialidade:
dos abrigos. A minha relação está muito estreita
na grade horária dela, mesmo a pública, ela está
com as crianças do abrigo, por quê? Eu vou nas es-
dentro da escola. Ela vai para o Caps uma, duas
colas, faço as avaliações e percebo que a criança
horas por semana, né? Então, o alcance de tra-
de abrigo, não precisa nem me dizer que é de abri-
tamento eu acho que precisa ser pensado. Uma
go, ela não consegue aprender, ela não memoriza,
Cadernos
outra coisa que eu acho que a Márcia falando da
ela não, “não, não, não, não,” mas eu faço a avalia-
escola é muito assertiva, o que ela vai dizendo?
crianças e eadolescentes
embate quando eu digo para ele, “mas eu estou poderia até já alinhar algumas formas que vocês
desastres
na sala de aula, eu sei o que eu estou falando, acham, julgam importante, e a gente também com
não estou só no discurso”. E eu acho que esse a nossa demanda pedir para vocês, Caps é sempre
discurso da psicologia não vai ficar só no discur- muito importante. Eu acho que o Conselho Regio-
emergências
so, você entendeu? Porque vocês têm esse po- nal também é importante para falar nesse sentido.
der de acolher, esse professor vocês sabem que A saúde, a saúde mental é muito importante. Além
ele está em sofrimento e que ele precisa des- disso, nós também podemos fazer alguma coisa,
em de
sa questão de você chegar mais próximo. E até como um simpósio de um dia para discutir essas
diagnóstico
para dizer para ele, “prô, você precisa de ajuda, questões, trazer o professor para discutir. Quer fa-
Psicologia
você não consegue ver que esse...”. É isso que zer uma mesa redonda de um dia inteiro com os
eu estou fazendo na escola, “prô, você não con- professores? Pegar aqui o Sesc que ali cabe 300.
segue ver as habilidades dessa criança porque
caminhos do
Participante: É um 500 e pouco.
você está em sofrimento, você está triste, você
está nervosa, você está cansada, a sala de aula Participante: Ali na Unip eu já tenho uma
não tá sendo fácil”. Aí o professor vai e olha para semana para usar em outubro, eu não sei se eu
Temáticos CRPosSP
a criança. Entendeu? Então assim, eu acho que conseguiria, o problema também é que a gente
e intersetorialidade:
vocês da área da saúde, vocês têm muito essa estenderia para municipal, para uma demanda que
questão de poder ver. eu tenha para discutir a criança marginalizada, de
Participante: Mas, como a gente está ven- qualquer forma, excluída.
do aqui, infelizmente, as comunicações não estão Participante: Vocês estão pegando agora a
Cadernos
permitindo muito isso, né? Acho que é nisso que a demanda dos presídios também, né?
gente tem que investir.
Demandas Escolares: os
caminhos do diagnóstico
crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres
desastres
de crianças e adolescentes
emergências
Alexandra Lelis
em de
diagnóstico
07/06/2017. Subsede Baixada Santista e Vale do Ribeira do CRP SP (Guarujá).
Psicologia
Rozi: Começo trazendo a história de como surgiu lugar da assistência social. Todos nós participare-
caminhos do
a possibilidade dessa Roda de Conversa para, de- mos também dessa conversa.
pois, passar a palavra às pessoas convidadas e,
Alexandre: Eu sou psicólogo, atualmente
juntos, construirmos um diálogo. A intenção foi
Temáticos CRPosSP
trabalhando em CAPS, e minha formação foi em
de, a partir de ações de planejamento estratégico,
universidade particular, uma formação com viés
e intersetorialidade:
pensar em como se dão os encaminhamentos es-
bastante clínico e para o cuidado individual das
colares das crianças que circulam pela educação
pessoas. Muito cedo comecei a trabalhar no SUS,
e acabam, de alguma forma, tendo suas deman-
num programa de aprimoramento profissional na
das levadas para a saúde ou para a assistência
saúde mental, principalmente de adultos; depois
Cadernos
social; como as psicólogas têm lidado com essa
disso integrei também a equipe de internação para
questão, quais são os desafios e as problematiza-
Gabriela: Boa tarde, sou Gabriela, sou es- Jaqueline: Bom, sou Jaqueline, psicóloga, mi-
tudante do quinto ano de psicologia da Unifesp nha formação maior é na psicologia escolar, mes-
e faço estágio na saúde mental no CAPSi de São trado, doutorado, estou há um mês e meio em San-
Vicente. tos, na Unifesp, sou professora nova da Unifesp,
na educação. Também faço parte do Fórum sobre
Cristiane: Cristiane, estou na enfermagem Medicalização da Educação da Sociedade, do nú-
administrativa do CAPS Infantil São Vicente. cleo São Paulo e tentamos restabelecer o Núcleo
Rafael: Eu sou Rafael, sou psicólogo, tra- da Baixada Santista do Fórum, que existe, mas
balho atualmente na educação aqui no Guarujá, está um pouco parado, estamos tentando reorga-
equipe de apoio pedagógica, mas estou indo para nizar o núcleo e as ações.
saúde, trabalhar na atenção básica, trabalho na Rozi: Eu sou a Rozi, também me formei em
penitenciária aqui no Guarujá, e sou representante universidade particular. Você estuda em escolas
também do Conselho Municipal da Juventude. públicas toda a vida, mas não tem condição de
Daniel: Sou Daniel, eu sou psicólogo, sou fis- entrar na universidade pública. Isso para trazer
cal do Conselho de Psicologia, atuo lá na sede, e que hoje essa questão da clínica deu uma amplia-
um dos temas que eu acompanho pela Comissão da. Acho que mais oferta, pelo menos. Na época a
de Educação e Medicalização. Tenho acompanha- gente tinha que se colocar numa caixinha, e eram
do as atividades do núcleo de educação e medica- poucas caixinhas há 25 anos, quando me formei.
lização do ponto de vista das estratégias éticas e Mas o meu percurso sempre foi mais social, de-
de conduta no trabalho. senvolvendo formação em psicologia social, fami-
liar. Por atuar com as pessoas com deficiência, eu
Marina: Eu sou Marina, sou psicóloga, atuo trabalhei em ambulatório durante dezessete anos,
aqui no Creas do Guarujá, a minha formação tam- pessoas com deficiência intelectual e física, e, sem
bém foi em universidade particular, extremamente dúvida, a militância. Por atuar como psicóloga es-
clínica, mas no meio da graduação, eu comecei a colar em uma escola de educação básica os fatos
repensar um pouco isso e parti para a assistência, sociais foram me puxando tanto para o tema so-
fui buscar estágio na assistência e descobri um bre medicalização, como sobre a queixa escolar.
mundo que é bem diferente, e não sei hoje como tá Atualmente estou como Coordenadora do Núcleo
a graduação, mas na minha época eu era a única Educação e Medicalização do CRP SP.
que se interessava por essa área.
Lívia: Sou Lívia, trabalho no Cras Santa Rosa,
Evelise: Sou Evelise, psicóloga e estou na as- como psicóloga.
sistência social no CRAS no bairro do Morrinhos.
Jaqueline: Agradeço ao Conselho pela opor-
Tayná: Eu sou a Tayná, sou psicóloga tam- tunidade de trazer essa dimensão do diálogo en-
bém aqui da prefeitura do Guarujá, trabalho no tre saúde, educação e assistência. Hoje tentamos
romper a perspectiva das formações clínicas e, No entanto, isso também diz respeito à possibili-
49
com isso, pensar em uma formação mais interdis- dade do significado que a escola tem para crian-
ciplinar. No entanto, essa é uma construção e, na ças e adolescentes, que está além da questão dos
verdade, um grande desafio. A realidade é muito conteúdos escolares propriamente ditos e diz res-
mais complexa do que as nossas caixinhas, então peito, na verdade, a todo o significado de sociabili-
agradeço por essa iniciativa, pois, é possível que dade, de vida, de presença do Estado.
crianças e eadolescentes
essa discussão mude a vida completa do sujeito.
desastres
E como é que essas três áreas muitas vezes
Quero pensar nesses lugares, educação, se comunicam? Então pensamos: “bom, é presen-
saúde e assistência, porque pensando em re- ça do Estado”. Mas a comunicação costuma acon-
lação ao que chamamos de queixa escolar, ou tecer na base dos encaminhamentos: educação
emergências
seja, o lugar do estudante ou a produção do não encaminha para saúde, a saúde encaminha para
aprender, e o que significa isso nessas três áreas a assistência e vice-versa, e, na verdade, há uma
do conhecimento. E mais do que isso, se pensar- tentativa de uma construção de redes. O raciocí-
em de
mos na população mais vulnerável, onde se dá a nio aqui é aquele em que se a criança está dando
diagnóstico
presença do Estado? problema na escola, deve ter problema de saúde,
Psicologia
porque não aprende, porque é agitado, porque tem
problema cognitivo. Vemos essas falas constan-
caminhos do
“Diz respeito à possibilidade do tes: “se não aprende, algum problema ele deve ter.
Vamos mandar para saúde”. Quando não é esse o
significado que a escola tem argumento, vem a questão da família, mas mantém
para crianças e adolescentes, o encaminhamento, só que agora para a assistên-
Temáticos CRPosSP
que está além da questão cia social. Nesse processo de encaminhamento, é
e intersetorialidade:
comum vermos o sujeito transitado de serviço em
dos conteúdos escolares serviço e assim por diante, ou não vai mais a ne-
propriamente ditos e diz nhum porque ele já está encaminhado para outro,
respeito, na verdade, a todo o e ainda aparece a fala: “ih, mas esse aí não adere,
Cadernos
não adere ao tratamento”.
significado de sociabilidade, de
crianças e eadolescentes
Transtorno do Espectro Autista. Por que essa inci-
desastres
dência? Porque estamos falando de 3 a quase 30%
da população que supostamente teria alguma do-
ença neurológica que lhes causaria, como sintoma,
“Mas essa escola não existe mais
da maneira como que ela era”
emergências
ou não conseguir escrever ou não se comportar.
em de
lação brasileira? Atualmente tem crescido muito neira como que ela era e, talvez, o caráter disci-
diagnóstico
o diabetes, falamos entre 30,5 para cada 100 mil plinador da escola hoje não consiga dar conta de
Psicologia
habitantes. Hipertensão, 28 para cada 100 mil. Ou- como ele dava antes. E, nesse sentido, podemos
tra doença neurológica, a esclerose múltipla, 30 pensar: será que estamos precisando de um dis-
caminhos do
para cada 100 mil. E, de repente, estamos falando ciplinamento químico? Me parece que, quando
de uma doença que tem 10%, 10 a cada 100, 20 a vemos esse grande número de diagnósticos e de
cada 100. Isso mostra que há alguma coisa muito utilização de medicamentos, sobretudo para o
estranha aí, uma doença que tem uma prevalên- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade,
Temáticos CRPosSP
cia muito maior do que as outras, quase como se no perguntamos: “por quê?”, “mas isso é baseado
e intersetorialidade:
fosse um castigo divino. Se falamos para cada 100 em quê?” Porque a criança que não se comporta na
mil, para cada mil, de repente estamos falando em escola tem um problema. Só que ela não é a única
porcentagem de doença. Se estamos desconfian- que teria problema, existe uma visão reducionista
do desse diagnóstico, acho que temos de olhar dos problemas escolares, que é assim: “então, essa
Cadernos
para o lugar em que ele talvez surja: a escola. Que criança tem um problema, ou problema de ordem
escola é essa que esses alunos frequentam? Qual cognitiva, ou de ordem neurológica, ou de ordem
crianças e eadolescentes
Vários estudos já que vêm mostrando que ado- conta que ele gostava de ler, gostava de história,
desastres
lescentes que, na infância, tomaram Metilfenidato filosofia, gostava de saber como o mundo funcio-
têm uma probabilidade muito maior de se torna- nava, mas se ele não entendia determinada coisa
rem dependentes. Dependentes de outras drogas na escola, não fazia sentido, ele não queria saber,
emergências
ilícitas. Fora isso, ela começa a ser utilizada como e falavam, “ah, você tem saber isso para passar no
droga de escolha de muitos adolescentes, na ba- vestibular, depois esquece”, e ele não se conforma-
lada, toma uma Ritalina com Uísque, porque é fácil va com isso e ele foi tomando pau. Ele falou, “eu
em de
de se conseguir. E se um médico recomenda, não era o rei da recuperação, e aí desde o sexto ano até
diagnóstico
deve ser muito perigoso. Nós, no Fórum, tivemos o terceiro do ensino médio eu ia passando aos tran-
Psicologia
notícias de criança de três anos de idade, toman- cos e barrancos. E eu não entendia o que acontecia,
do remédio para déficit de atenção. me sentia incapaz.” “Aos 15 anos, veio o diagnóstico
de que eu tinha TDAH, eu senti uma sensação de
caminhos do
As pessoas vão se sentindo doentes e vão
conforto, porque finalmente eu sabia o que tinha de
achando que podem ter a cura através do servi-
errado comigo”. Só que esse conforto era apenas
ço de saúde. E isso não vai parar, a partir da lógi-
aparente, aí eu vou ler um pouco uma carta em
ca do não aprender, não se comportar na escola,
Temáticos CRPosSP
que ele falou, “o problema é que o diagnóstico cola
sem a gente conhecer e saber como que é essa
e intersetorialidade:
na gente feito cola, TDAH, TODs, disléxicos e etc.,
escola. Há algumas experiências muito interes-
e silenciamos nossas angústias e questionamentos.
santes. Por exemplo, em São Paulo, tivemos uma
Durante um tempo não me era permitido ficar triste,
experiência interessantíssima, uma horta comu-
porque eu tomava antidepressivos devido a minha
nitária de um CAPS Ad. Aquele bando de gente
oscilação de humor. Depois fui perceber que muita
Cadernos
viciada que queriam expulsar do bairro, resolve
dessa oscilação era causada pelo efeito do Cloridra-
fazer o projeto de uma horta, que era pequenini-
sem efetivar o encontro. enças às vezes não são de origem individual, tinha
algo que dizia, ‘mas algo eu tenho, eu tenho algum
problema’”. É interessante pensarmos como é forte
esse discurso que atribui problemas ao indivíduo
“As pessoas vão se sentindo
dentro de um contexto maior. É forte para família
doentes e vão achando que dele, era forte para ele, e ele, alguma hora, fala,
podem ter a cura através do “mas eu tenho algum problema”.
serviço de saúde. E isso não vai Como ele rompeu isso? No caso, rompeu na
parar, a partir da lógica do não hora em que ele encontrou um coletivo que pen-
sasse nas suas situações e que o ajudasse a rom-
aprender, não se comportar na per essa dor, que era dor individual, o fórum sobre
escola, sem a gente conhecer e medicalização da educação e da sociedade. E ele
saber como que é essa escola” falou, “nesse momento, eu pude romper esse estig-
Alexandre: Uma coisa que eu acho bem in-
54
“Se medicalização é a teressante, que foi bem enfatizado, foi pensarmos
nos problemas que são coletivos se tornarem indi-
individualização de processos viduais, e a partir disso aceitarmos, apesar de fre-
coletivos, o antídoto é coletivizar quentemente termos consciência disso, por exem-
os processos” plo, a legitimidade desse tipo de queixa que chega
a partir dos trabalhos que nós temos, seja em que
ma, não só dos outros em relação a mim, mas eu âmbito que for.
a mim mesmo”, e ele conclui, “se medicalização é a Eu vou tentar falar um pouco da prática para,
individualização de processos coletivos, o antídoto é a partir disso, darmos voz para as outras pessoas
coletivizar os processos”, e então ele rompe isso e e esquentarmos um pouco o nosso bate papo aqui.
vai fazer mestrado sobre isso, sobre essa questão,
e foi com o CAPS IJ. Eu lembro uma vez, por exemplo, em que,
no serviço de saúde, lá no CAPS onde eu traba-
lho, começamos a receber muitos encaminha-
“Saúde é quando ter esperança mentos de crianças de uma determinada idade,
é permitido” e começamos a suspeitar que uma determinada
escola estava fazendo isso. Então, fiquei curioso
por saber quais eram essas escolas. Fizemos um
levantamento, era mês de maio mais ou menos,
Eu quis lembrar isso, porque esse é um pro-
e foram feitos encaminhamentos de 17 alunos de
cesso importante para rompermos, porque esta-
uma mesma classe de um primeiro ano. Seria um
mos no serviço muito sozinhos, o professor está
absurdo, naquele momento, avaliarmos as crian-
muito solitário nas escolas, os psicólogos estão
ças individualmente, porque era um contrassenso
solitários, o médico, trabalhadores da saúde es-
total aquele tipo de encaminhamento que se rea-
tão muito solitários, trabalhadores da assistência
lizou. Combinamos de conversar com a orientado-
estão muito solitários. E queria retomar uma ideia
ra da escola e tentar entender. A partir disso, um
do Christophe Dejours, que é um psicanalista e
grande processo foi disparado de reaproximação
psiquiatra francês que trabalha, sobretudo, com
ou de aproximação. Tem uma coisa que estamos
as dimensões do sofrimento psíquico no trabalho.
conversando aqui e é muito importante de perce-
Dejours tem um breve texto que chama “Por um
ber. Ao longo do tempo, tem acontecido um monte
Novo Conceito de Saúde”, em que ele faz a crítica
de debates a respeito do fenômeno da Baleia azul,
à essa definição da OMS, que diz que a saúde é
entre outros, com adolescentes. E aí eu fico pen-
um bem-estar físico, psíquico e emocional, maior
sando, por exemplo, como é que estamos lidando,
do que ausência de doença. Mas Dejours vai fa-
nesse momento, com a tolerância ao sofrimento.
lar primeiro que esse bem-estar físico e psíquico
A impressão que dá é que estamos num momento
não existe. Isso é uma abstração. Não existe essa
da existência em que a tolerância ao sofrimento
ideia de bem-estar físico, bem-estar psíquico. E
está muito diminuída. Quantas mães não dei-
ele vai falar que, na verdade, saúde é quando ter
xaram de amamentar para dar o leite Ninho, por
esperança é permitido. É um ponto de vista muito
exemplo, e isso já é um sinal de um processo que
interessante, ele vai falar não em um bem-estar
é muito parecido com o da medicalização.
abstrato, mas a possibilidade de ter esperança é
permitido. Nesse momento em que estamos vi- Estive no Guarujá, no mês passado, em que
vendo no Brasil, talvez valha a pena a gente se teve um evento sobre violência, com profissionais
atentar para isso. Eu ainda queria completar De- da Saúde Mental. No ano passado, a professo-
jours, para falar que saúde é quando construímos ra Marilene Proença veio aqui também. O que eu
coletivamente essa esperança. quero dizer com isso é que começa a se criar uma
cultura, tem alguma coisa muita esquisita nesse
jeito de lidarmos com o nosso sofrimento. E se o
“Eu ainda queria completar sofrimento é de criança e adolescente, piorou. Por-
que o recurso para lidar com a própria condição é
Dejours, para falar que completamente diferente. Mas essa questão da
saúde é quando construímos medicalização envolve um processo todo que, mui-
coletivamente essa esperança” tas vezes, faz com que passemos a adotar a psi-
cologização, que é atribuição de aspectos emocio-
55
nais para problemas que não são exatamente da “A questão da real inclusão
esfera psicológica. Muito facilmente caímos nessa
armadilha quando temos uma formação clínica,
das crianças na escola é tão
muito voltada para o indivíduo. O nosso fazer é um importante quanto a inclusão de
fazer ainda muito precário em termos de diagnós- quem não tinha um sofrimento
crianças e eadolescentes
ticos. Mais importante do que a gente contestar o
psíquico no passado, espero
desastres
diagnóstico de TDAH e de dislexia, é entendermos
qual é a lógica disso para não fazermos com que que seja passado mesmo, e era
a artimanha da exclusão possa migrar por outros institucionalizado”
emergências
caminhos. Essa questão da psicologização é muito
importante de ser considerada porque é bastan- como: “essa criança devia estar numa escola espe-
te frequente também, ao avaliarmos uma criança, cial”. Acho que pensar em estratégias para lidar
em de
não olharmos para o contexto dela e cairmos na com essas questões é muito importante. Essa si-
diagnóstico
tentação de tratar algo que não vai ser resolvido tuação que a Jaqueline falou, por exemplo, no CAPS
Psicologia
com uma abordagem que é muito limitada. AD, de pensar em fazer uma horta e a partir disso
aproximar as pessoas da comunidade é uma ideia.
caminhos do
Pensando aqui: quem produz diagnóstico? Os 12%
“O nosso fazer é um fazer ainda dos disléxicos na população, os 3% de TDAH, entre
muito precário em termos de outros? Isso é produzido por um viés muito par-
diagnósticos. Mais importante cial: a visão biológica do fenômeno do sofrimento.
Temáticos CRPosSP
E que também encontra sustentação e interesse
do que a gente contestar o
e intersetorialidade:
comercial, financeiro. Fazer frente a isso envolve
diagnóstico de TDAH e de aproximarmos as pessoas, todos os envolvidos no
dislexia, é entendermos qual é a processo, no que está sendo realmente verificado.
Cadernos
mental, em que cada um está numa porta, com
com que a artimanha da
mais abrangente, como inclusão, falando especifi- que quem não está na assistência tem uma in-
camente da questão da saúde mental, o processo terface bem próxima, podemos entrar nesse
de reforma psiquiátrica tem sido considerado um ponto do que encontramos nos nossos serviços
avanço muito importante no sentido de preservar também, e tem colegas da assistência que eu
os direitos das pessoas com o sofrimento psíquico. gostaria que fossem completando.
A questão da real inclusão das crianças Começo falando de como ela surgiu, acho
na escola é tão importante quanto a inclusão de importante contextualizar um pouco. Lá na
quem não tinha um sofrimento psíquico no passa- Constituição de 88, começamos a ver a assis-
do, espero que seja passado mesmo, e era insti- tência social como um direito, assistência e
tucionalizado. Hoje, ainda, muito frequentemente, previdência. Ao longo dos anos, foram surgindo
percebemos na discussão com pessoas de diver- algumas redes normativas, para ir organizando
sos lugares, seja da educação em que isso é muito essa política que era mais no sentido do favor,
frequente, ou mesmo da assistência social, coisas da filantropia; trabalhávamos com a demanda.
Tínhamos ações que eram necessárias para as Para falar um pouco da prática, agora que
56
pessoas pobres. Trabalhávamos a natureza a estou no CREAS, como é que essas questões
partir do que era demandado na assistência. Ao chegam para nós, no serviço, especificamente,
longo desses anos, vimos tentando organizar com situações de violência, violações de direi-
com muita pesquisa, com estudos e normati- tos. Os encaminhamentos que recebemos do
vas, com uma proposta numa outra perspecti- CAPS Infantil, por exemplo, crianças com uso
va mais política mesmo. E muito tem a ver com problemático de drogas. Aí alguns colegas me
isso, porque todas as normativas da assistência perguntam: “mas qual a relação entre isso e
falam em coletivizar os processos. Tudo que pe- isso?”, “ah, porque a família é negligente e deixa
gamos de documento - caderno de orientações, a criança ter acesso. Não cuida da criança”. En-
material do Ministério do Desenvolvimento So- tão, temos sempre um culpado, mas chega na
cial, a Política Nacional de Assistência, a forma assistência a gente pára para olhar: “mas, espe-
como os serviços foram pensados e organiza- ra aí, que situação é essa? Que uso problemático
dos - vem nessa perspectiva de coletivizar, de é esse? O que de verdade está acontecendo?”.
fortalecer vínculos familiares e comunitários. E, então, quando começamos um contato mais
Isso falamos todos os dias, esse tem de ser um próximo com a família, com a escola, com a fa-
trabalho daqui da assistência. mília extensa, vamos percebendo uma situação
de violência muito intensa. Quando começamos
a ampliar o olhar sobre uma determinada situa-
“Nós que trabalhamos nos CRAS ção, vamos encontrando a ausência do Estado,
uma família superculpada, se sentindo muito
temos de ter essa perspectiva responsável por todos aqueles diagnósticos.
do vínculo da pessoa com o Então, o filho tem uso problemático de drogas,
lugar onde ela vive, com os o outro tem transtorno opositor e já está na
Fundação Casa com diagnóstico e muito medi-
equipamentos que ela frequenta” cado. Os encaminhamentos chegam, e quando
ampliamos, dificilmente tem uma relação com
a queixa inicial: transtorno opositor que chega
É claro que os documentos falam de uma muito, tentativa de suicídio na adolescência,
estrutura ideal, de uma situação ideal e, na prá- tem chegado bastante também.
tica, acabamos, às vezes, não atendendo aqui-
lo que a política preconiza e até reproduzindo
algumas práticas que são sim medicalizantes,
excludentes. Mas o que prevê a política é bem
“Quando começamos a ampliar
no sentido contrário. Nós que trabalhamos nos o olhar sobre uma determinada
CRAS temos de ter essa perspectiva do vínculo situação, vamos encontrando a
da pessoa com o lugar onde ela vive, com os
equipamentos que ela frequenta. Os coletivos
ausência do Estado, uma família
dos quais ela participa, seja no posto de saú- superculpada, se sentindo muito
de ou no CRAS, na escola. Como trabalhador da responsável por todos aqueles
assistência temos os nossos princípios éticos,
no trabalho da assistência, somos obrigados
diagnósticos”
a prestar atenção nessas relações ali no terri-
tório e, a partir do lugar dessas pessoas e de
como elas vivem, no que elas fazem ali, pensar Numa visão bem simplista, a adolescen-
a respeito de todo o sofrimento, as potenciali- te, às vezes, passa pelo Conselho Tutelar an-
dades e ir monitorando e ajudando a pessoa a tes ou por um atendimento de saúde e recebe
se desenvolver ali naquele meio. É bem diferen- uma bronca: “mas por que você fez isso? Você
te daquilo de levar para o consultório, de tratar tem tudo”. Visões bem particulares e vamos
aquela perspectiva individual. Precisamos estar tentando ampliar, desconstruir algumas coi-
no território, precisamos estar com a pessoa na sas, e vamos identificando uma série de violên-
família, na comunidade para entender aquela cias mesmo, de ausências, na maioria das ve-
situação e para ajudá-la a entender o que está zes de ausência mesmo do Estado. A questão
acontecendo com ela. de bullying na escola, recebemos bastante. E
na perspectiva da relação de direitos também Rafael: Eu penso um pouco assim: esco-
57
atendemos, por exemplo, criança fora da es- lhemos entrar especificamente na queixa es-
cola. Quando a família vai em busca de vaga e colar, só focamos na queixa escolar; saúde, só
não consegue porque a criança já tem um diag- focamos na saúde; na assistência, só focamos
nóstico, por exemplo, de TOD. Então, ela não na assistência; e acabamos não conhecendo
encontra vaga em escola nenhuma porque nin- as demais políticas. Acabamos privilegiando e
crianças e eadolescentes
guém quer ficar com problema. Ela é transferida priorizando uma política pública específica, e
desastres
a pedido. Já vai escrito e não vai para psicóloga acabamos correndo risco. Faltam pessoas para
nenhuma, e aí chega como violação porque é um perceber que uma pessoa que está sendo aten-
dever do Estado garantir a vaga para a criança dida na educação é a mesma pessoa que está
emergências
seja quem for. na assistência, é a mesma pessoa que está na
saúde e que os serviços acabam não se conver-
sando para dar seus encaminhamentos.
“Ultimamente, os casos de
em de
Participante: Eu sou fisioterapeuta; acho
diagnóstico
suicídios são os que mais que essa questão do parcelamento é a lógica
Psicologia
aparecem. E, em geral, uma do mundo em que vivemos. É a lógica do tra-
balho, na verdade, fazer algo diferente disso é
relação de direito que não foi
caminhos do
ir contra a lógica dos mundos. Então nosso de-
revelado, que não foi cuidado safio, agora, tem a necessidade de ir contra a
e que acaba levando a um lógica do mundo.
Temáticos CRPosSP
sofrimento tão intenso que Participante: E até do ponto de vista da
e intersetorialidade:
chega nessas tentativas” educação, ele enxerga o aluno só, ou não se im-
porta com a família, a não ser quando o aluno
apresenta algum problema. Se é um aluno que
Fiquei pensando no egresso da Fundação a escola considera um aluno modelo, ideal, ele
Cadernos
Casa que não consegue entrar em escola nenhu- pode passar nove anos naquela escola sem se-
ma, porque é um problema ele ter passado na Fun- quer a escola conhecer a família e para ela pou-
crianças e eadolescentes
tindo com a colega do Guarujá. Muitos casos que
desastres
horário para a escola que quer falar sobre o alu-
chegam ao CAPSi, não passam pela equipe que
no. Se estivermos com uma dificuldade com o
faz parte ainda da educação, que é uma equipe
aluno e queremos conhece-lo melhor na escola,
multiprofissional. Muitas vezes, conversamos
ligamos para lá e nunca foi negado um pedido
emergências
com a escola, discutimos o caso com a equipe
de visita. Não sei como é que funciona, lá sem-
escolar e chegamos ao entendimento de que
pre tivemos portas abertas. A maioria dos nos-
aquela criança está num processo de aprendiza-
sos pacientes é da escola municipal. Disponibi-
em de
do que a escola tem de dar conta. Mas, por in-
lizamos um dia, toda quinta-feira, das 11 às 13h,
diagnóstico
satisfação da escola, muitas vezes a professora
para os educadores virem conhecer o CAPS,
Psicologia
faz um relatório escondido, entrega para mãe e
saber do aluno. A escola vem e quer saber do
a incentiva a procurar o CAPSi.
aluno, como está o tratamento, quem atende,
caminhos do
quem é o técnico que atende e ela quer as infor- Participante: Temos uma comunidade ex-
mações. Há também muita visita ao CREAS. O tremamente empobrecida, no Guarujá. Muitas
que chega muito é criança muito agitada. Mas o vezes, a família acaba se desinteressando do
que temos de nos preocupar, na saúde mental, atendimento porque não tem condições finan-
Temáticos CRPosSP
é com o quietinho que não dá trabalho, o quie- ceiras de seguir adiante; não vai ter dinheiro
e intersetorialidade:
tinho que não socializa. É esse o problema da para três, quatro pessoas, ida e volta. Psiquiatra
saúde mental, não é o bagunceiro, aquele que que não dá diagnóstico para as crianças sofre
conversa com todo mundo, que não dá sossego, também pressão da instituição, da escola, do
esse vai para saúde mental, porque ele dá tra- CRAS. Então tem essa questão.
Cadernos
balho, mas não é ele quem tem de estar na saú-
Participante: Vou voltar ao que o Alexandre
de mental. É o que não socializa, aquele menino
crianças e eadolescentes
coletividade, não é só família, é a sociedade. Por- da escola ou seja das próprias mães, são situa-
desastres
que existe uma série de coisas que interferem na ções de crianças com muita agressividade, e as
personalidade da pessoa. mães não sabem o que fazer e já começamos
daí a questão. Não sei se por conta de vermos a
Um dos problemas que eu enfrentei, no
emergências
criança como um sujeito de direitos em relação
início projeto, foi ter entrado na sala errada. Caí
ao modo de criação tradicional, que é completa-
de paraquedas nesse projeto, entrei na sala er-
mente autoritário, tanto os pais quanto a escola
rada e minha superiora falou, “já que você errou,
em de
começam a não saber muito o que fazer com a
fica aqui, nada é por acaso”, aí eu fiquei. Passei
diagnóstico
criança. Aparece muito a questão das crianças
por um treinamento, fui nas escolas e achei in-
Psicologia
sem interesse, do adolescente que se desinte-
teressante. Percebi que as crianças são muito
ressou da escola e já foi se envolver com droga.
largadas em muitas coisas. Nesse ano, tentei
E também crianças que não acompanham a tur-
caminhos do
passar para elas a seguinte informação: o vício é
ma, pedem ajuda no sentido de fortalecer víncu-
o oposto da virtude. Por eles estarem numa fai-
los. Mas o que vejo é que realmente tem crian-
xa etária em que são mais vulneráveis, eles não
ças pequenas que, observadas do ponto de vista
conseguem entender que determinadas atitudes
Temáticos CRPosSP
do processo de constituição psíquica, elas têm
vão gerar uma consequência e essa consequên-
e intersetorialidade:
sim algum atraso no desenvolvimento. Não que
cia pode não ser tão boa quanto eles acham que
necessariamente tivesse que passar no CAPS,
devia ser. Então o trabalho vai tentar reconstruir
muito menos medicalizadas, mas algo aconte-
essas virtudes que eles estão perdendo. Só que,
ceu na relação dessa família com a criança. Ou
para isso, precisamos da ajuda de várias áreas,
o adolescente que não dá conta de lidar com a
Cadernos
da psicologia, da parte da saúde, é todo um con-
frustração e acaba se envolvendo com droga e
junto. Um dos problemas que a gente tem, em
crianças e eadolescentes
de conversa pra falar o que nós queremos e o que individualmente para conversar também. É uma
desastres
e não queremos”. proposta que estamos desenvolvendo saúde,
assistência e a educação.
Participante: Não tem espaço dentro da
escola? Participante: Pensando nessa questão que
emergências
você comentou, o que o psicólogo faz no meio
Rafael: Em lugar nenhum. Nem em casa.
disso tudo, esse é um exemplo que o psicólogo
Dentro da vida deles mesmo. Então, estou co-
pode fazer na assistência, nesse trabalho em
em de
meçando a trabalhar com alguns jovens, que
rede, de tentar levar outro olhar, “a gente está fa-
diagnóstico
estavam em processo de automutilação, risco
lando de automutilação ou a gente está falando de
Psicologia
de suicídio. A gente acabou conversando com
afeto?”. Tentamos trazer esse debate, por exem-
o pessoal da saúde. Os técnicos do CRAS são
plo, às vezes se uma família chega no CREAS com
totalmente contra esse meu encaminhamento.
caminhos do
alguma situação, e começamos a investigar, “mas
Acham que tenho de encaminhar direto para a
em que serviços você vai? Que atividades você cos-
saúde. Mas eu quero conversar com os jovens,
tuma participar? Você conhece o CREAS lá perto do
eu quero tentar conhecê-los um pouco mais. In-
CRAS, perto da sua casa?”. Às vezes a família diz
Temáticos CRPosSP
sisti para poder conversar com eles, mas a jus-
que vai no serviço, mas não consegue identificar
e intersetorialidade:
tificativa é que se algum vir a se suicidar, a cul-
muito bem o que faz lá. Ela está ali com outras
pa ia recair sobre nós que não encaminhamos.
famílias, às vezes até sem o técnico, mas numa
Então fui voto vencido e encaminharam todos
atividade que faz todo o sentido para ela. Então,
para saúde.
ela encontra um atendimento que não é o que ela
Cadernos
Participante: E aí pensar junto com a saúde foi procurar, a família chega lá procurando um psi-
alguma ação... cólogo para um atendimento clínico e, na maioria
crianças e eadolescentes
Isso é uma coisa patológica, vamos tendo muitos de práticas coletivas, potencializem pessoas,
desastres
problemas com isso. Pensar, por exemplo, no que o grupos da comunidade escolar. Compartilhe a
Rafael colocou, de entender a linguagem do outro, prática e o conhecimento desenvolvido pela psi-
e a partir do protagonismo do sujeito, o profissio- cologia, socializando os saberes e ampliando as
emergências
nal se adequar para poder atingir o objetivo, isso é possibilidades de atuação”.
uma coisa muito importante.
Então, acho que quando falamos dessa sen-
Rozi: Estamos encaminhando para o final da
em de
sibilidade de como o psicólogo articula o saber
nossa roda de conversa. Eu queria informar que
diagnóstico
psicólogo, ele não está só no psicólogo, o saber
temos aqui esse orientador, ‘Orientações sobre
Psicologia
psicológico está nas pessoas. Claro que existe um
as atribuições do psicólogo no contexto escolar e
campo científico do conhecimento, mas a gente
educacional’. Pensei em finalizar, lendo uma parte
vai abrindo algumas brechas importantes de se-
caminhos do
dessa orientação, para orientar o psicólogo, aque-
rem abertas. Eu acho que se percebe que aqui,
le que lida com questão do processo de escolari-
no território, vocês estão articulando e tentando
zação, que fala o seguinte.
essas brechas. Foi muito bom, do ponto de vista
Temáticos CRPosSP
“Considere a realidade da escola brasileira produtivo, essa articulação de rede. E acho que
e intersetorialidade:
articulando com o setor de saúde, do trabalho, ela deveria ter um processo de continuidade; daria
os movimentos sociais, da assistência social e um bom fórum intersetorial. É uma proposta para
do poder judiciário, e compreenda os fatores que discutir questões perpassam esses campos e ou-
produzem e causam sofrimento em educandos tros campos de atuação e desafios do psicólogo.
e educadores, que analise o campo das rela- É uma forma de pensar em como se desdobraria a
Cadernos
ções sociopolíticas pedagógicas para melhoria interlocução que começamos hoje. Pensem nisso.
Daniela: Bom dia a todos, prazer, eu sou a Danie- Maria Inês Betine é psicóloga escolar, com
la, eu faço parte do representativo do núcleo de uma extensa experiência em equipe técnica
educação e medicalização, da subsede do ABC, multiprofissional atuando em escolas a partir
fico muito agradecida de ver a sala cheia de pro- de concurso público municipal. A especialização
fissionais e colegas. Essa roda de conversa tem dela é em psicologia e educação, pelo Institu-
o objetivo de fazer essa interface das demandas to de Pesquisa da USP, 2004, e gestão escolar
escolares entre educação, assistência social e a pela USP em 2012. Ela é integrante do grupo de
assistência de saúde. Foi construída também em estudos do laboratório institucional de estudos
conjunto com os colegas: Lucas, que é represen- e pesquisas de psicologia escolar e educacional
tante do ABC do núcleo de saúde, e André, do da USP. Temos também a Débora, psicóloga gra-
núcleo de assistência social. Então, inicialmente, duada pela USP, com aprimoramento em saúde
organizamos isso aqui como uma proposta de coletiva no Instituto de Saúde de São Paulo, es-
promover esse diálogo e ter um fortalecimento, na pecialização em saúde mental pela Faculdade de
promoção das nossas atuações com o processo Medicina do ABC e que atua como psicóloga da
crítico desse meio que a gente tem na nossa prá- rede de saúde em UBSs, com apoio institucional
tica no dia a dia. Vamos começar com o núcleo de do departamento de assistência básica e ges-
educação. Eu tenho aqui uma representante junto tão do cuidado, e atualmente na coordenação
comigo da sede, que é a Lilian Suzuki, ela vai falar técnica de uma UBS da rede de São Bernardo
um pouquinho depois também de algumas práti- do Campo. E o Jean Fernandes, ele é psicólogo,
cas que temos sobre essa proposta de roda de mestre em psicologia social pela PUC, atua no
conversa. A roda de conversa é exatamente para sistema único de assistência social e é colabo-
isso, é poder promover diálogo, aproximação e rador aqui do CRP, do núcleo estadual da criança
pensar junto sobre as práticas do dia a dia, o que e adolescente na subsede do Grande ABC. Mui-
que acontece e como que eles percebem algo que to obrigada por vocês terem aceitado o convite,
não é só específico. Precisamos nos aproximar, vou passar agora um pouquinho a palavra para
para poder entender quais são os serviços, enca- a Lilian Suzuki.
minhamentos, o que que está acontecendo, quais
são as atuações, precisamos promover esse diá- Lilian: Olá, eu estou muito satisfeita de
logo e essas ações. Aconteceram duas rodas de pensar que nós tivemos 54, mais ou menos, ins-
conversa já alguns anos atrás, e, a partir do êxito critos. Essa roda de conversa foi pensada assim:
destas rodas e os encaminhamentos, percebe- o núcleo de educação no CRP, no Conselho Fe-
mos o quanto precisávamos continuar promoven- deral, têm vários documentos e pensamos que
do esses espaços pra nos fortalecer. Foi com esse quando perguntávamos na escola para um pro-
intuito que nós daqui do ABC, com a nova gestão, fessor a respeito desses documentos e se ele
vamos construir cada vez mais propostas de pen- sabia o que faz um psicólogo escolar e educa-
sar nesse coletivo entre essas diversas redes. cional, na maioria das vezes eles diziam “não”.
Vou começar a falar sobre os três convidados: Todo mundo sabe o que faz um psicólogo clínico,
sabem que se tiverem um problema é só ir até lá. instituição, porque uma coisa é o que pensamos
67
Mas o psicólogo escolar era visto também como que deve se fazer na educação, outra coisa é
um psicólogo clínico por esses mesmos profes- o que a instituição te pede para fazer. Localizei
sores. Então, essa roda de conversa está ba- entre duas grandes solicitações, aquelas insti-
seada nas referências técnicas da atuação do tucionais e formativas e as demandas mais re-
psicólogo e tem uma nota técnica também que lacionadas à queixa escolar. Quando ingressei
crianças e eadolescentes
está disponível. Construindo Caminhos é o do- na prefeitura, entrei pela sessão de creches e
desastres
cumento que saiu agora no finalzinho da gestão. aí a solicitação da instituição era essa demanda
Lançamos em 2016, foi uma construção mui- mais global, quer dizer, uma demanda formativa,
to bonita, nós levamos esse material paras as onde devíamos olhar para o que estava aconte-
emergências
crianças, para eles avaliarem e entenderem. Ele cendo nas creches ali naquele momento e aju-
se parece com um gibi ou uma cartilha mesmo, e dasse a construir o projeto pedagógico, porque
explica o que faz um psicólogo na interface com estávamos num momento que era a passagem
em de
a educação. Com as crianças foi muito bonitinho, das creches da assistência para a educação. As
diagnóstico
porque eles começaram a ler, ler, ler, até que um tarefas daquele momento eram justamente de
Psicologia
pegou e falou, “tudo isso?”. E aí, depois, quando construir o projeto pedagógico, construir o am-
nós levamos uma versão melhorada, eles dis- biente educacional para as crianças. Se eu olhar
seram, “ah, nós entendemos muita coisa, mas a para esse momento, tínhamos basicamente as
caminhos do
gente não sabe o que é CRP”. contribuições, elas vinham nos espaços forma-
tivos, não só formativos, porque acabávamos
Maria Inês: Vou começar dizendo que
tendo também contribuições com relação à es-
quando as meninas me chamaram, na verdade,
Temáticos CRPosSP
trutura das creches. Um pouco desse olhar mais
veio por intermédio de uma apresentação que
e intersetorialidade:
abrangente para instituição era possível fazer
eu já tinha feito também em uma roda de con-
naquela época, porque essa era uma solicitação
versa que foi no CRP do Paraná. E lá se discutia
da instituição. Então, ao mesmo tempo em que
um pouco a prática do psicólogo escolar e eu
olhávamos o que estava acontecendo lá no coti-
montei esses slides com essa finalidade. Quan-
diano, tínhamos acesso, por exemplo, às chefias,
Cadernos
do me contaram um pouco qual era o meu ob-
e fazíamos tanto uma interlocução no cotidiano,
jetivo aqui, eu achei que poderia tangenciar um
que está aqui do meu lado e que também faz ça se comporta no coletivo, nós perguntamos
parte desse trajeto todo. Vou iniciar por uma como o coletivo cria nesta ou naquela criança
frase que também está em caderno temático, as funções superiores”. Peguei aqui uma frase
que traz que o principal critério pra se definir o do Vygotsky, através do texto da Nanci, que nos
que vamos fazer nos nossos planos de ação, e diz um pouco desse olhar, quando a gente vai
o quanto que nós podemos contribuir para que pensar um pouco psicologia escolar. Como é que
a escola cumpra a sua função. Essa é uma fra- a gente pensa essa estrutura de educação para
se norteadora para a gente pensar um pouco que ocorra desenvolvimento e aprendizagem
nessa questão psicólogo e a educação. Agora, pras crianças? Dentro das configurações da se-
traduzir essa frase no cotidiano normalmente cretaria, a gente mudou para outra equipe que
não é muito tranquilo, digamos assim, isso nos era, na época, o atendimento de quatro a seis
traz várias polêmicas. Olhando retrospectiva- anos. Essa solicitação da queixa escolar é que
mente, eu localizei dois tipos de demandas da veio de uma forma bastante forte, diferente da
solicitação que tínhamos anteriormente, então nho uma escola melhor preparada no sentido de
68
a ideia era de que devíamos olhar para as crian- visão de grupos, do espaço físico, eu vou criar
ças que tivessem necessidades específicas, e subjetividades diferentes e suportes para essa
isso gerou muitas polêmicas entre nós, pois vi- subjetividade muito diferentes para as crianças.
nhamos de outro percurso. Fomos trabalhando Sempre tivemos um contato muito próximo com
na assessoria aos profissionais das escolas so- as equipes gestoras e assim, particularmente,
bre as dificuldades e questões do trabalho com com o tempo fui me aproximando das educa-
as crianças. Uma característica dessa época foi doras também e percebendo que esse contato
a questão da entrada de muitas crianças com mais direto com as educadoras também facili-
deficiência na rede. Acho que esse também foi tava bastante. Então apareceu uma criança com
um fator importante de como as escolas, às ve- autismo que não parava na sala, as educadoras
zes, sentiam pouco preparadas e tinham muitas não sabiam o que fazer, perguntavam “como é
questões de como lidar com as crianças, e, nes- que vamos vai lidar com isso?”. Combinávamos
se sentindo, fomos fazendo esse olhar mais de pautas com a equipe gestora, então, nesse mo-
aproximação para o cotidiano, buscando tam- mento, quem é mais interessante entrar? A co-
bém esse atendimento mais singular, de ques- ordenadora, a diretora, no caso, é a psico ou é a
tões mais específicas, ou seja, de algo que vinha fono? Quer dizer, qual é o profissional que pode
de um movimento mais coletivo, mais formativo. ajudar a ampliar um pouquinho o olhar sobre
Passamos a ter um olhar mais para questões as questões que estão acontecendo? “O sujei-
do cotidiano. Conseguimos, através deste olhar to psicológico aqui é enfocado a partir de uma
para o cotidiano, buscar essa interlocução so- perspectiva que permita entendê-lo no contex-
bre as dificuldades que as escolas apresenta- to histórico escolar, em suas relações com os
vam, fomos também fazendo leituras coletivas condicionantes da estrutura escolar decorren-
disso. Um tema, por exemplo, que foi recorrente tes tanto da superestrutura social, quanto dos
dessas observações foi a relação escola e fa- fatores intraescolares responsáveis pelos pro-
mília, por que, ao se aproximar desse cotidiano, blemas em questão, bem como da estrutura dos
fomos percebendo uma relação da escola, uma próprios indivíduos”, da Elenita Tanamati. Como
ideia de uma família muito idealizada, muitos é que olhamos? Onde devemos olhar e intervir?
conflitos nessa relação, oposições. Discutimos Nesse processo conversamos com as equipes
um pouco história da família da criança, histó- gestoras, as educadoras e fomos utilizando
ria social da família e da criança, os processos bastante também da observação em contexto,
de acolhimento, formas de compreender o pro- então o que a observação em contexto normal-
cesso inicial das crianças quando entram na es- mente traz para a gente? Conhecer a criança,
cola, as formas de comunicação com a família, suas possibilidades, dificuldades, relação com
até desembocar na implantação do conselho de as crianças da sala, com a professora, com as
escola. Questões do tipo: interpretar que a difi- propostas apresentadas, característica do es-
culdade da criança ficar inicialmente na escola paço, tempo, atividades, enfim, a observação
estava ligada a dificuldade de separação dos foi se mostrando um mecanismo que ajuda a
pais, por exemplo, era muito recorrente, então dar uma concretude para entender um pouco o
começamos a fazer outras discussões também. que essa professora ou equipe gestora pensa.
As escolas foram criando muitas estratégias di- A partir disso, voltamos para uma conversa com
ferentes, inclusive, do ponto de vista estrutural, os envolvidos, com essa ideia de ampliar olha-
de como organizar seus grupos, de como orga- res, ver que mais alternativas existem naquela
nizar os horários das crianças para poder rece- situação, buscar as alternativas e pensar nelas,
ber menos crianças ao mesmo tempo. Eu escolhi o que é dentro da escola e o que precisamos do
uma frase aqui para dizer um pouco disso, que que vem de fora da escola. É importante, sim, no-
é: “objetividade e subjetividade na perspectiva tar que, nesse período, vamos sempre pensando
histórico cultural não são fenômenos que se ex- o seguinte: podem ter muitas alternativas fora
cluem”. Acho que quando trabalhamos dentro da escola, mas dentro da escola sempre tem.
de uma Secretaria da Educação, tem algo que A criança pode ter 200 atendimentos, a criança
permite olhar um pouco mais para as estruturas pode estar no CRAS, no CREAS, mas cotidiana-
que comportam aquele serviço, isso faz muita mente ela está na escola, então isso traz de-
diferença e isso incide sobre a subjetividade de safios homéricos que a escola acaba tendo que
uma maneira importante. Quer dizer, se eu te- lidar. Eu trouxe algumas ideias do Vygotsky, que
traz um pouco essa ideia de olhar para a reali- balhava porque era ainda PACS, e ainda não sei
69
dade como síntese de múltiplas determinações, se tem. Venho de uma experiência de apoio ins-
que nos ajuda bastante nessa relação com os titucional, de discutir um pouco sobre o papel
educadores. Existem situações extremamente da coordenação local, porque a coordenação de
complicadas para os educadores. Quando fiquei nível gestão central municipal ainda é muito
em sala eu até pensei: “meu Deus, como essa dura. Uma coordenadora tem diretrizes que pre-
crianças e eadolescentes
professora aguenta o dia inteiro?”, eu sai exaus- cisam ser muito estabelecidas, agora a gestão
desastres
ta de ficar uma hora, porque tem situações mui- local é uma decisão do como fazer. Quando eu
to difíceis mesmo. E a criança pode ir para to- entrei na rede tinha um Núcleo Especializado de
dos os atendimentos, mas está lá e temos que Aprendizagem, que era como se fosse um labo-
emergências
pensar esse estar na escola. Não podemos ficar ratório. As crianças saíam do contexto escolar,
esperando a criança se desenvolver, temos que saiam do contexto territorial, e iam para um lu-
fazer para que ela se desenvolva. As relações, gar praticamente hermético para poder traba-
em de
o pensamento, linguagem e brincadeira também lhar sobre a queixa escolar. A queixa escolar
diagnóstico
nos ajudam com muitos elementos no cotidiano vem ou do Conselho Tutelar, ou pela própria es-
Psicologia
pra ajudar a pensar situações em como lidar com cola, ou pelos próprios pais, ou pela própria
as crianças. As melhores e que atingem melhor a equipe. Essa linha tênue entre a queixa escolar
escola é quando a gente tem estratégias com- e uma queixa que se possa transformar em uma
caminhos do
binadas, então as coletivas, as individuais, por- iatrogenia, um transtorno mental, ainda sim na
que você tem diferentes aspectos. No coletivo saúde é muito presente e acho que cabe ao psi-
é aquele espaço mais relaxado, onde podemos cólogo que está na atuação dentro da unidade
Temáticos CRPosSP
pensar, trocar com pares. O cotidiano é reple- de, literalmente, fazer uma militância em rela-
e intersetorialidade:
to de angústias emergentes, aquilo que é para ção a isso. Acho que é uma construção cotidia-
ontem, então acho que esse espaço também na. Essa questão de poder singularizar a crian-
poder ter um acolhimento para esse momento, ça, mas, ao mesmo tempo, trazer o contexto
ele também é bastante importante. Contudo, eu escolar também é um desafio. Eu fiz um curso
escolhi alguns trechos que achei que ajudam a de orientação a queixa escolar na USP também
Cadernos
pensar sobre a questão, achei que eles foram pelo instituto de psicologia e trazia-se muito
crianças e eadolescentes
que, dentro do contexto de uma gestão local ar- temos gestores locais também que não estão
desastres
ticulado com um núcleo de operações da famí- dando muita bola para isso, temos uma parcela
lia, em um núcleo multiprofissional, é possível também de trabalhadores que ainda não estão
fazer micropolíticas e acho que esse é o funda- muito alinhados com isso que está na legislação.
emergências
mento maior dessa discussão. Há duas dimensões que se pouco discute na
área, que estão ali presentes no texto da política
Jean: Bom dia a todos, quero agradecer ao e que estão batendo na porta dos serviços. Uma
em de
núcleo de educação por esse convite e dizer de dimensão é material e uma dimensão é relacio-
diagnóstico
antemão que eu me sinto muito privilegiado por nal. Eu estou falando em dimensão exatamente
Psicologia
ser o último das três falas, porque me permite porque não são fenômenos que podem ser dico-
dialogar com a Maria Inês e dialogar com a Dé- tomizados, eles estão acontecendo ali juntos,
bora, com muitas das coisas que elas disseram, ao mesmo tempo. Por exemplo, quando a pessoa
caminhos do
que eu concordo, já na minha exposição. Eu tra- vivência o desemprego, ao mesmo tempo que
balho há sete anos em uma assistência social do ele vivencia um fato concreto de desemprego,
município de Mauá. Nos últimos três anos, eu te- com todas as suas consequências, tem ali uma
Temáticos CRPosSP
nho atuado como coordenador de um CREAS, lá dimensão subjetiva que está ali inteira presente
e intersetorialidade:
no município. Eu construí um raciocínio que vai no fenômeno, por exemplo, do desemprego, que
pautar em três eixos, e vai muito na linha de pro- é um fenômeno que por vezes fragiliza dos vín-
vocar algumas reflexões no campo da assistên- culos familiares, muitas vezes. A situação da
cia social, para poder pensar as demandas esco- violência também. Temos também uma dimen-
lares nesse local. O primeiro é discutir a são que é subjetiva, sem falar que a própria polí-
Cadernos
assistência social como proteção social, e que é tica, ela vai falar de um Estado que é responsá-
crianças e eadolescentes
de queixas escolares. Citando algumas deman- zes não tem conseguido fazer esse principal tra-
desastres
das, por exemplo, que chegam no CRAS, o des- balho dos CRAS, que seria o trabalho de territó-
cumprimento de condicionalidades no programa rio. Seria um campo importante para ser, de fato,
Bolsa Família, do programa Renda Cidadã, do em rede. Um exemplo se trata dos adolescentes
emergências
programa Ação Jovem. Temos que acompanhar em medidas educativas. A execução das medi-
essas situações de descumprimento. Inclusive, das é responsabilidade dos CREAS e dos casos
uma das situações de descumprimento é a de criança e adolescente atendidos no Paef,
em de
questão da frequência escolar, as crianças do também responsabilidade do CREAS, as situa-
diagnóstico
Bolsa Família, principalmente. Então, essa é uma ções de violação de direito. No caso de medida
Psicologia
demanda, por exemplo, crianças com deficiência socioeducativa, particularmente, temos um
que recebam BPC, sobretudo agora, pela ques- grande desafio hoje que é a questão da matrícu-
tão da atualização cadastral que tem que ser la escolar, o desafio de conseguir efetivar a ma-
caminhos do
até o final de 2018, cada vez mais os CRAS está trícula de um adolescente que está cumprindo
tendo que absorver esse atendimento. Então, uma medida. Embora a lei exija, quando vai a
você tem criança na escola que tem que estar na proposta de lei, é porque o Conselho Tutelar
Temáticos CRPosSP
escola, tem o BPC, vai bater também essa de- mandou, é porque o juiz mandou, é porque é al-
e intersetorialidade:
manda no CRAS. Outra demanda são as situa- guma pressão legal. E a outra questão, que para
ções identificadas no programa de atenção inte- mim é mais séria ainda do que a matrícula, por-
gral à família, nos acompanhamentos do PAIF e que a matrícula mal ou bem a gente tem conse-
nos serviços de convivência, que vão aparecer guido, mas matrícula não resolve tudo. Você tem
situações vivenciadas por essas crianças nas matrícula e não resolve tudo, que é a questão
Cadernos
escolas. Por exemplo, situações de violência, si- dos vínculos daquela escola com aquele adoles-
Lilian: Tem um posicionamento teórico que Cléber: Bom dia, meu nome é Cléber, eu
nós, psicólogos, temos que ter e eu tenho uma sou psicólogo em Diadema. Acho que uma coisa
preocupação quando as pessoas começam a legal aqui é que todos falaram a partir da pers-
dizer assim, “não, não, eu trabalho com um pou- pectiva de servidores públicos, nenhum profis-
quinho de tudo, não, eu não tenho referencial, sional liberal veio falar do atendimento clínico,
mas é mais ou menos assim, ou é mais ou me- todos são servidores públicos e colocaram a
nos daquele jeito”. É muito difícil que consiga- questão no trabalho, da atenção entre o que é
mos uma leitura dentro da psicologia ou dentro individual e o que é coletivo. Vocês colocaram
do referencial histórico cultural, que se consiga também essa relação no serviço público entre
esse posicionamento. micro e macro política, que, na minha formação,
eu acho que eu não tive nenhuma dessas ques-
André: Bom dia a todos, meu nome é An-
tões aqui, acho que era mais de um profissio-
dré, eu sou psicólogo no CRAS, na cidade de São
nal liberal que vai atender em um consultório,
Caetano do Sul. O meu questionamento é: qual
que não precisa perguntar sobre como que é o
é a função social da escola? E isso eu acho que
contexto de vida da pessoa, que o fundamen-
é o eixo norteador, pelo menos na minha con-
tal é entender como é a interpretação que ela
cepção, de toda essa discussão. Qual que é o
faz da realidade que tem. Então não importa se
papel da escola na sociedade? Para quem a es-
ela tem mãe, se ela tem o que comer, se a casa
cola foi construída? Qual é o modelo de escola
dela tem esgoto ou não, coisas que no cotidiano
que nós temos? E pensando nessas demandas
se tornam bastante cruciais. Eu não sei como
escolares, que chega tanto com a saúde, quanto
que está sendo pensado isso em relação à for-
pela assistência social, de evasões escolares,
mação dos novos psicólogos, se é ainda essa
de queixas de comportamento, de questões ou-
ênfase de ideal de profissional liberal que vai
tras, existe uma relação com esse espaço em
fazer uma clínica e as outras questões que já
que esse espaço não contempla a diversidade
tem uma consolidação, por exemplo, na psicolo-
e existem possibilidades outras que não aque-
gia educacional, o quanto ela alcança ou não, os
la que é institucionalizada há anos pra atender
profissionais como ideal de atuação também e
àquelas pessoas em formação. Pensando em
como que fica a questão também da discussão
qual a função social da escola, eu acredito que
do psicólogo como servidor público, que eu acho
nós, como psicólogos, tecnicamente estamos
que é uma coisa mais recente e para qual, pelo
alinhados, independente da corrente psicológica
menos a faculdade até onde eu percebo, não
ou o campo da saúde ou atendendo na assis-
tem preparado as pessoas.
tência ou na educação. Minimamente, nós temos
um denominador comum referente a esse tema Viviane: Bom dia, meu nome é Viviane, eu
que nos provoca. Se nós temos minimamente estou na coordenação de um CRAS desde 2010,
um norteador técnico do como olhar e como em Diadema. E eu fiquei pensando uma coisa
pensar no problema, vê-se como principal fator, que sempre me indaga muito no dia a dia, essa
creio eu, para nós como psicólogos, a questão coisa do CRAS na articulação do território, e aí
eu gostaria de saber um pouco mais sobre o Ana Paula: Eu sou Ana Paula, eu sou psicólo-
75
que você pensa Jean sobre isso. Porque quan- ga, eu trabalho em Santo André, no CAE, e trabalho
do falamos não só para queixas escolares, para com a Isabel, com a Marisa e eu acho que muitas
vários outros temas e várias outras demandas, coisas que talvez alguns de vocês não vivam, nós
sempre aparece isso, o CRAS como articulador podemos viver aqui em Santo André, porque nós
do território. Eu vejo que, para os profissionais podemos usar um pouco dessa parte clínica que
crianças e eadolescentes
da psicologia, isso também é uma questão gran- nós temos na faculdade, podemos usar um pou-
desastres
de, porque acho que os profissionais do servi- co dessa nossa relação com a escola. Temos uma
ço social, não sei se pela própria formação, têm equipe bem grande, bem homogênea, trabalha-
uma clareza maior sobre isso. mos com várias outras pessoas também. Vemos
emergências
as técnicas, elas pegam esse tipo de criança, elas
Isabel: Meu nome é Isabel, eu sou psica-
trabalham com isso, elas condicionam aquela es-
nalista e eu trabalho na equipe técnica do CAD
cola. As técnicas fazem isso, elas trabalham o que
aqui de Santo André, que é o departamento de
em de
é melhor para um TEA, para um deficiente, para
educação inclusiva, já há seis anos. Essa articu-
diagnóstico
outras coisas que venham dentro dessa escola e
lação, realmente, está na prática do nosso tra-
Psicologia
nós trabalhamos com essa criança. E como vemos
balho, estamos no cotidiano dentro das escolas,
que é enriquecedor você também poder trabalhar
trabalhando com os impasses das crianças com
dentro de uma instituição, onde se trabalha com
caminhos do
os diagnósticos de deficiência e, realmente,
as crianças que têm as mesmas queixas, como
essa questão da articulação já tive do CAPS, já
isso aparece quando elas conseguem discutir
tive dentro de reuniões junto com a assistência
com elas mesmas, então isso é uma coisa que é
social, e vemos que o trabalho realmente preci-
Temáticos CRPosSP
muito essencial. Ninguém entra para tratar algu-
sa ser composto. É impossível fazer um traba-
e intersetorialidade:
ma criança sabendo se é especialista naquilo, é o
lho em que as redes não estejam colocadas. O
que você está disposto a se colocar, o que você
desafio com as deficiências dentro das escolas
está disposto a fazer e, na verdade, o que você
faz isso uma radicalidade, de qual é a função da
está disposto a mudar. Então, eu acho que, talvez,
escola para um sujeito que tem multideficiên-
como psicólogo, como psicóloga, nós que traba-
Cadernos
cias, para autistas graves e perguntamos qual
lhamos com indivíduos, deveríamos repensar isso,
é a função da escola. Eu parto na minha prática
crianças e eadolescentes
é feito um traçado junto das necessidades da no cargo ou na função [da educação]. Meu lugar
desastres
escola, da professora, da turminha, da família. de fala hoje é como psicólogo da saúde, mas eu
já estive na assistência. Parece que fica mais
Participante não identificado: Posso só
fácil integrar aqui de verdade, estamos fazen-
fazer uma questãozinha? Eu acho que nesse
emergências
do atividades muito parecidas e que precisam
livro da psicologia da “Produção do Fracasso
ser juntas, então eu não consigo pensar que só
Escolar”, da Maria Helena Souza Pato, ela traz
tenha psicólogo ou psicóloga na assistência ou
o papel do psicólogo que é o papel muito tra-
em de
só psicólogo ou psicóloga na educação ou na
dicional, daquele psicólogo que olhava só para
diagnóstico
saúde, acho que todos precisam trabalhar jun-
as questões da família, culpabilização da famí-
Psicologia
tos. Um dos avanços que nós tivemos em São
lia, que fazia só encaminhamento, esse psicólo-
Caetano eu percebo que foi muito mais voltado
go que vinha reforçar uma visão tradicional da
para as discussões de rede. Levar caso parece
caminhos do
psicologia que é essa de olhar pra um singular
que não é o mais interessante, ainda vivemos
descolado desse coletivo. Eu acho que em São
essa necessidade de discutir casos de pacien-
Bernardo, ainda que a gente tenha diferentes
tes, de usuários de serviços e isso tem gerado
Temáticos CRPosSP
posicionamentos teóricos ou históricos - por
alguns avanços. Os planejamentos estratégicos
exemplo, tem o histórico da educação especial,
e intersetorialidade:
coletivos são avanços ainda importantes e aí a
que é diferente da educação básica -, enfim, tí-
articulação junto com o Conselho, com o CREAS,
nhamos essa preocupação com todas as dificul-
com o CRAS, com a educação, com a saúde, com
dades de fazer um trabalho que era um pouco
o NASF, com todos os serviços trabalhando jun-
diferenciado dessa crítica, porque essa mesma
tos. Com isso, temos tido alguns avanços. Acho
Cadernos
crítica da “Produção do Fracasso Escolar”, feita
que não dá para deixar de dizer que também
pela Maria Helena Pato, foi responsável até por
crianças e eadolescentes
eu me sinto um bichinho, tentando um diálogo quando tinha, ainda não era de uma estratégia
desastres
com a rede com essas escolas. Eu tenho procu- de construir junto. Hoje, no Farina, já teve gran-
rado colocar uma forma de me fazer conhecer, des avanços em saúde da família.
pelo menos no meu território, mas é muita coisa
emergências
e os problemas são muito grandes. Eu vejo que Jean: A questão da iniciativa acho que não
os professores estão extremamente isolados, é nem o maior problema, essa iniciativa da es-
parecem engessados. Por outro lado, as crian- cola, iniciativa da saúde. Eu acho que é estra-
em de
ças e adolescentes também não têm como sair tégico o CRAS tomar essa iniciativa, porque o
diagnóstico
dessas circunstâncias em que elas estão. A as- CRAS abrange o território que geralmente tem
Psicologia
sistência é nova, e a política é importante, mas muito mais unidades de saúde, muito mais es-
o fato dela ser nova mostra que ela não está en- colas, do que a região que a escola atende ou a
raizada na população e nós não temos uma rede região que a UBS atende. Tem uma questão de
caminhos do
que possa conversar. Eu penso que, sem essa olhar para o território que pode ser estratégico,
rede de conversa, a gente não vai conseguir ter até pensando do ponto de vista da política da
esse progresso e eu não vou conseguir ter o tra- assistência social. Como isso se dá é um pro-
Temáticos CRPosSP
balho de parceria com a escola, com os profes- cesso, que não é um processo fácil. Por exem-
e intersetorialidade:
sores, não vou conseguir ajudar essa criança e plo, como um exemplo concreto, com os quatro
esses adolescentes. CRAS do meu território em Mauá, começamos,
há um ano, um ano e meio, a fazer reuniões peri-
Iago: Bom dia, meu nome é Iago, eu sou
ódicas com esses CRAS, observando o que con-
recém-formado, então estou começando esse
seguimos fazer com um CRAS ou outro, pelas
Cadernos
ano a minha carreira como psicólogo. Atualmen-
nossas condições de tempo, de organização e a
te, eu participo do projeto de residência em São
crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres
desastres
Ione Aparecida Xavier
28/09/2018. Subsede Sorocaba do CRP SP (Porto Feliz).
diagnóstico
Psicologia emergências
em de
Essa é uma atividade do CRP, do Núcleo de Edu- ferentes. Partiu da Secretaria da Saúde, recebe-
caminhos do
cação e Medicalização. Estamos desenvolvendo- mos o convite pelo CRP.
a com profissionais das áreas da educação, da
assistência social e da saúde, para discutirmos - E por que esse tema interessa?
Temáticos CRPosSP
a queixa escolar na interface com essas áreas. - Bom, acho que é um tema importante
e intersetorialidade:
Esse é o nosso terceiro encontro e percebemos de discutir. Eu trabalhei na rede, nas UBS’s, e a
que a cada encontro mais colegas vão se apro- maior parte da demanda para a psicologia, para
ximando para contribuir. É uma ação importante a saúde mental que chega na Unidade Básica
e estamos aqui com a convidada Beatriz Paula é de queixas escolares, questão da infância. É
Cadernos
de Souza. Agradeço a disponibilidade da Beatriz, sempre algo bem complexo: quanto a saúde dá
porque ela tem muita experiência na área. E te- conta, mas o quanto é da educação, como con-
crianças e eadolescentes
ele ficava com o medicamento.... E foi legal que
desastres
em casa e que é o jeito do meu irmão, é a par-
percebemos que a escola também teve um pa-
ticularidade dele. Então, isso foi um processo
pel importante ao notar o comportamento dele.
parnós também. Quem está fora, que não con-
Como faz diferença o olhar dos professores, da
vive, geralmente diz: “ah, mas você tem que en-
emergências
diretoria, para o que estava acontecendo. Ele
tender a criança, tem que entender o universo”,
tomou uns 10 dias, no mínimo, e hoje ele não
mas para quem está dentro é difícil. Difícil. Tem
toma mais nada. Depois que começou a tomar
que ter paciência...
em de
o remédio, ele mudou totalmente. Ele tomou 10
diagnóstico
dias porque em casa nós percebemos, e a esco- Sueli: Eu sou Sueli. Trabalho atualmente
Psicologia
la também, que ele ficava separado de outras na prefeitura, na área da Social, no CRAS La-
crianças. Ele sempre foi muito agitado, por isso ranjeiras que é de atenção básica. Já trabalhei
olevamos no psicólogoe no psiquiatra. A profes- com a proteção especial por muito tempo tam-
caminhos do
sora começou a notar esse distanciamento com bém. E tenho uma vivência nessa área um pou-
as outras crianças. Ele ficava muito no cantinho co diferenciada, porque também trabalho em
dele, não brincava mais... E a dose era muito pe- educação, também sou professora, embora eu
Temáticos CRPosSP
quena. E eu fico até questionando. Esse assun- lecione para crianças, e sim para adolescentes.
e intersetorialidade:
to me interessa também porque sempre recebo Sou professora de psicologia, mas dou aula de
crianças que já vêm diagnosticadas e medica- biologia. Estou aqui para ter contato com os
das, e penso: “até que ponto isso é saudável?”. demais para saber como estão algumas coisas,
Não está se tornando algo simplista? “Ah, essa ficar por dentro. Por estar nessa Secretaria, não
criança não para quieta, então TDH”, ao invés tenho tido nenhuma participação em coisas de
Cadernos
de pesquisar a fundo. Confiança no médico, no psicólogos, numa reunião mais voltada para
Cristina: Meu nome é Cristina. Sou psi- - É, perde, não tem mais a declaração. É um
cóloga. Atualmente trabalho num CRAS. É um problema social complexo.
Centro de Referência em Assistência Social.
- Eu converso muito com o Luiz Saraiva,
Mas logo que eu entrei na prefeitura, em 1995,
que fez uns levantamentos, e uma das coisas
um dos serviços gratuitos que havia na cidade
que ele afirmava que precisava entender é o
era o nosso, que chamava CAF, Centro de Apoio
que estava acontecendo nas escolas, porque
Familiar. Lá eu atendi por 15 anos (imunotera-
uma das exigências é que a criança esteja fre-
pia). E 90% dos pacientes que chegavam para
quentando a escola, mas a criança pode estar
nós estavam em idade escolar. E por quê? Apa-
passando por coisas terríveis na escola e ainda
rece alguma coisa quando ela tem que provar
é penalizada cortando o Bolsa Família.
seu desempenho e era essa queixa que che-
gava para nós. Depois o nosso serviço foi se - O olhar da psicologia no CRAS tem que
ampliando e surgiram outros serviços. A minha ser diferente. Nós temos que trazer a complexi-
presença hoje aqui se deve ao meu interesse, dade da família, mas os critérios que o governo
embora, para quem trabalha com a psicologia coloca, de alguma forma é o jeito de garantir o
social tudo tem que ser de interesse, tudo tem direito da criança de estar na escola, mas a for-
que ser estudado e conversado, porque no Cen- ma como é feito não é técnica, não tem esse
tro de Referência em Assistência atendemos olhar para a família, para o contexto. Então, o
um universo e precisamos estar por dentro de nosso papel é brigar pelos direitos, brigar por
tudo o que acontece. Claro que vai ter as ques- aquilo que acreditamos.
tões pessoais de cada um, por interesse que
- Essa questão eu queria comentar, a ques-
nos debruçamos mais. Mas tudo que tem uma
tão da evasão escolar. Desde 2014 comecei ter
abertura para conversar e reunir, é interessante
mais contato com essa alta demanda que che-
que nós participemos. Foi um convite que che-
gava da escola. E isso, ao longo dos anos, pa-
gou lá no equipamento e se pergunta para toda
rece que foi aumentando muito, e me preocupa
a equipe quem pode ir. Fui eu que pude vir hoje
muito a questão da evasão dos adolescentes.
aqui.
Tem muitos adolescentes que passam um ano
Vanessa: Eu sou Vanessa. Também psicó- inteiro sem frequentar a escola. Isso acontecia
loga de CRAS. Atualmente, estou no Brigadeiro muito nas UBS’s, no consultório também ago-
Tobias. Me interessei em vir pelo documento ra tem chegado, e percebo o quanto nós, como
que vai ser gerado, porque eu acho que nós que psicólogos, estamos limitados. Por mais que se
estamos na prática temos a função de contri- faça uma articulação com a escola, as escolas
buir. E também pela questão escolar, pois re- não têm o suporte para trabalhar a questão e
cebemos muitas queixas de automutilação dos fica bem burocrático. Nós entendemos que a
jovens. Então falamos do suicídio e é uma ques- criança, o adolescente, está em sofrimento, ou
tão gritante. Toda semana a Renata, que traba- por conta de bullying ou até por conta da difi-
lha no Brigadeiro, recebe algum caso. Claro que culdade de aprendizagem, que traz aquele sen-
no CRAS não vou tratar essa questão, mas vou timento de desistir da escola. E aí acabam se
olhar para família, vou acolher, identificar o que misturando várias questões. Tem a falta de limi-
está acontecendo ali. Orientar, claro. E aí com- te das famílias também, que não incentivaram
partilhamos com a UBS. Tem essa questão que esse retorno, esse enfrentamento. Mas a esco-
preocupa muito, e também a evasão escolar. la também não dá suporte, e vai virando aquela
No CRAS um dos papeis que temos é o de pre- bola de neve de sofrimento. Vários casos em
venir a evasão ou garantir e facilitar o retorno que tentei essa articulação com a escola, per-
desse jovem ao ambiente escolar. Alguns casos cebi que têm muito pouco suporte e acaba se
tornando algo bem burocrático, aquela coisa da porque cada um, a partir do seu lugar, pense no
85
escola não se aproximar muito, por falta de um que pode fazer epensarmos juntos em ações in-
apoio de uma equipe de saúde mental ampliada. tersecretariais.
Eu vejo que fica muito na responsabilidade da
- Antes da Ionecomeçar, Beatriz, desculpa,
direção e da coordenação pedagógica da esco-
mas só queria deixar registrado que o pessoal
la, da orientadora pedagógica, que acaba buro-
da educação vai fazer falta. Queria trazer um
crianças e eadolescentes
cratizando isso por falta de estrutura. Eu tenho
desastres
pouco do que foi o encontro passado, porque
acompanhado um caso que está se estendendo
a colega estava. E lembrá-las também que nós
desde o início do ano e agora falta um mês e
estamos terminando o ano nessa gestão do
meio para terminar o ano, e não teve presença
Conselho Regional de Psicologia já nos preocu-
emergências
na escola, nenhuma. E mesmo os trabalhos à
pando com a próxima gestão de 2019 a 2022.
distância, eles também não têm o acompanha-
Nós vamos passar pelo 10º COREP, que é o
mento de perto. Nesse caso que tenho acompa-
Congresso Regional de Psicologia, e é impor-
em de
nhado ele entrega alguns, outros não entrega,
tante que, em encontros como esse, comece-
diagnóstico
e na articulação que tentei fazer junto à escola,
mos a pensar em propostas para que esta nova
Psicologia
me sento muito limitada como psicóloga. Como
gestão se preocupe e se debruce em termos de
trabalhar para a reinserção da criança ou do
ações. Eu me lembro que no segundo encontro
adolescente na escola, principalmente do ado-
caminhos do
uma das questões que apareceu é que, com
lescente? E são muitos casos assim, uma eva-
a dificuldade da queixa escolar que aparecia,
são que tem crescido e que é bem assustadora.
também não havia como estender esse traba-
Antes víamos evasão: “olha, há um mês não foi
lho para outros setores, encaminhar as crian-
Temáticos CRPosSP
para escola porque teve um caso de bullying,
ças, estender a preocupação da queixa que
e intersetorialidade:
um sofrimento, mas está voltando”. Parece que
chegava, por conta da dificuldade também de
cada vez mais temos visto que: “olha, desde
interligação na equipe multi. O trabalho parecia
o começo do ano não vai para escola. Esta há
que ficava meio isolado. E no último encontro
um semestre sem ir.”. E isso tem sido bastante
começamos a nos conhecer um pouco, e conhe-
complicado.
Cadernos
ci a realidade desses diferentes setores. Então,
- Eu acho que é muito bom ver assim, o que essa conversa com a Beatriz hoje come-
crianças e eadolescentes
escola não encontramos em nenhuma outra cul-
desastres
colegas levantarem quem já participou alguma vez
tura, mesmo na cultura ocidental branca, não foi
de alguma coisa criativa, interessante, vemos que
sempre assim. Vamos nos lembrar das nossas.
todo mundo teve suas experiências interessantes.
- É conteudista. Ensina o conteúdo, não Não podemos nos amarrar nisso. Mesmo porque,
emergências
ensina a cidadania, a formação humana. Acho senão morremos, adoecemos, secamos, murcha-
que falta isso também. mos. É cavar os espaços para fazer diferente. Por-
que desse jeito que se faz, já sabemos no que dá.
em de
- É marcada pelo produtivismo, para formar
E se esse modelo de escola já era um problema há
diagnóstico
trabalhador.
tempos atrás, hoje em dia fico pensando “como é
Psicologia
- E trabalhador dócil, trabalhador obediente. que eu aguentei escutar tanta palestra o tempo
todo?”. Porque escola é isso. Palestra, palestra,
- Que aguenta trabalho repetitivo. E tem
caminhos do
palestra. É muito chato. Você que é professora de
outros modos.
biologia. Meu filho estudou numa escola diferente.
- Ontem eu vi duas questões na TV. Uma Sabe quem dava aula de biologia? A professora de
mostrando uma aula de robótica em uma escola, dança. Ela punha as crianças para dançar e dese-
Temáticos CRPosSP
pelo que entendi é no Sul, em que os alunos cons- nhava os ossos, o corpo das crianças. Ela punha
e intersetorialidade:
troem o robô. Acho que talvez seja ligada ao SESI. as crianças para dançar, e antes da dança, ela
Era uma classe com poucos alunos pequenos que falava, “sente o coração, sente seu pulso. Agora
estavam construindo robô. E depois outro, com você dançou, sente o coração, sente o seu pulso.”.
alunos um pouco maiores de uns 14, 15 anos, que Coração é uma coisa quetodos temos e estuda-
Cadernos
estavam no campo e tinham construído um robô, mos como se fosse algo fictício, aquele desenho
um carrinho que tinha um sensor e não batia nas esquisito cheio das caverninhas nos livros, aquele
de outras escolas que existem, algumas escolas ainda está lá no site, chama-se: Mapa de Inovação
particulares, como aqui em Sorocaba que tem um e Criatividade na Educação Básica. Vou lhes dar
grupo que fez um projeto para NASA. Eles estão um depoimento pessoal. Eu dou aula e chegou um
fazendo um projeto da colonização de Marte, fi- momento que pensei, “gente, estou sendo incoe-
zeram um planejamento das moradias, estuda- rente, porque estou falando que esse modelo é um
ram a questão do oxigênio, da retirada de água, e gerador de queixas escolares, e estou dando aula
uma série de outras coisas. sobre educação.”. No mesmo modelo de um jeito
comum. Estou incoerente. Então comecei a pen-
- Olha o que eles estudaram, gente. Não vão
sar em modos de criar outras formas de ensinar. E
se esquecer nunca.
uma coisa que tem me ajudado muito é que eu te-
- Sueli, eu conheço trabalhos muito diferen- nho procurado estar nesses movimentos de edu-
tes que são feitos em escolas municipais, escolas cação diferente. Então, por exemplo, no Facebook
públicas enormes. vocês encontram a Rede de Educação Democráti-
ca, Rede Nacional de Educação Democrática; tem - Isso. E aí o professor fica mais feliz, se diver-
88
a CONANE - que é a Conferência Nacional de Alter- te. É importante nos divertir quando trabalhamos.
nativas para uma Nova Educação, que faz confe-
rencias maravilhosas. Há duas semanas teve uma Beatriz: Mas tem uma culpa. Eu passei por
edição da CONANE em São Paulo e ano que vem, isso. Comecei a inventar um monte de coisa. Por
em setembro, vai ter a edição nacional. As pesso- exemplo, se o tempo está bonito eu falo que te-
as saem de lá cheia de gás, porque é um monte de nho a minha sala verde e os meus móveis são es-
gente esperançosa, criativa e que vai mostrando teira de palha e vai todo mundo para fora, tomar
que dá para fazer diferente. Criatividade é uma solzinho. Para que ficar fechado dentro de quatro
professora de inglês que faz com os alunos uma paredes? Tem um motivo. A nossa escola é racio-
peça de teatro. Um grupo de crianças vai fazer o nalista e a sala de aula é feita para isolar os sen-
Shrek, com os personagens do desenho. Eles veem tidos, isolar o corpo e deixar só a luz da razão. É o
o filme, os personagens e estudam. Assim vão cogito cartesiano. Os sentidos são fonte de enga-
aprendendo inglês, para fazer a apresentação. É no. Vocês lembram quando estudamos Descartes?
um estilo de trabalhar. Outro professor, de história, Os sentidos, a emoção, a espiritualidade, tudo isso
pode trabalhar com adolescentes a Idade Média atrapalha a luz da razão. Então fazer um laborató-
e fazer uma feira, uma exposição, só com coisas rio de supressão de corpo, de tudo, para ficar só a
da época. Então dá para fazer uma dramatização, luz da razão, olhando para o professor, as relações
apresentação, tipo uma feira de ciências, mas com também atrapalham. E já temos distância histórica
os aspectos daquilo que estavam estudando. Um para perceber que, apesar de a ciência ter propor-
professor de matemática que tem vários jogos di- cionado uma série de avanços em tudo que temos
ferentes, que ele mesmo criou, umas coisas mara- no corpo, já estamos vendo os limites da ciência
vilhosas. As escolas estão cheias de jogos. Aí ele que acaba tomando uma autonomia e afogando
utiliza isso lá na sala de aula, são coisas assim. uma série de outras necessidades, características
E os professores precisam partir para essas coi- humanas. E uma das coisas que está trazendo um
sas, porque senão todo mundo fica doente. Tem sofrimento dramático e uma desistência da vida
escolas que têm mais espaço, tem escolas que para os adolescentes é essa impossibilidade de
não têm, mas não podemos perder isso. Eu estou se realizar como ser humano integral, de realizar
trazendo essas questões porque acho que é im- outras possibilidades humanas. E tem a tecnolo-
portante ter em mente que uma das atuações que gia afastando as pessoas. É assustador como hoje
podemos ter é oferecer espaço para os profes- em dia não fazemos um telefonema para bater um
sores se expressarem, para colher angústia, mas papo. Tudo agora é mensagem de texto e isso tem
também para fomentar a criatividade, para resga- um custo, que é o afastamento. Essas imagens
tar saberes, experiências diferenciadas de ensino, assustadoras de pessoas passeando no parque
porque eles têm... Experiências essas que foram e todo mundo olhando no celular. As crianças que
eficientes inclusive do ponto de vista do conteú- viajam não olham a paisagem. E a escola é uma
do, porque, muitas vezes, se faz uma cisão: “Agora instituição que é potente para reverter essas coi-
é hora de cuidar das relações.” E temos que tomar sas, tanto que, por exemplo, o meu filho é ligadíssi-
cuidado, nós psicólogos também, para não operar mo em tecnologia, mas adora ir para um acampa-
dentro dessa cisão. Porque parece que estudar é mento de férias em que é proibido entrar qualquer
uma coisa séria, sisuda, parada e que não pode aparelho eletrônico. Ele passa duas semanas lá
conversar, e essa é a hora do conteúdo. Depois e eles têm um monte de atividade, de interação,
tem a hora de penduricalho “vamos cuidar das re- de área verde, de jogos, brincadeiras e tudo. Gen-
lações, vamos discutir agressividade. Vamos fazer te dessa geração. Ele sai de lá alimentado e não
arte. Vamos fazer horta”. Não, gente! Como é que sente a menor falta de celular. A emergência des-
fazemos para isso tudo estar integrado? Como se se sofrimento imenso e da desistência da vida é o
criam modos de trabalhar em que as relações se- que tenho pela frente num mundo inóspito. E uma
jam cuidadas e que a aprendizagem de conteúdo fragilidade imensa. E a escola tem uma potência
esteja lá? Uma coisa muito básica, por exemplo, é para reverter isso, pois é é um lugar que junta muit.
trabalhar com pequenos grupos ou fazer teatro de De famílias cada vez menores, não tem mais aque-
temas históricos. Uma excursão para o museu e la situação em que você fica em casa e tem mais
a excursão em si, o estar junto, traz mais vivência cinco irmãozinhos para brincar, para brigar, para
e aprendizagem do que se estiver na sala de aula ter uma vivência democrática, porque tem que es-
falando algumas coisas. tabelecer regras, tem que fazer uma república de
crianças. Não tem mais isso. Vive-se uma solidão muita queixa, por exemplo, de problema de memó-
89
atroz. Nós estamos vivendo cada mais solitários, ria e suspeita de déficit de memória. Vocês não re-
o que impacta a prática do psicólogo também. Por- cebem queixa de problema de memória? E aí não
que esse modo que aprendemos a ser psicólogos, é aplicar WISC e ver o subteste de memória. Uma
que é aquela coisa distante, nesse sofrimento con- coisa que não fazemos é usar instrumento padro-
temporâneo que temos de desumanização e de nizado. Porque as pessoas não são padronizadas.
crianças e eadolescentes
solidão, não serve, é aprofundamento desse tipo Às vezes a forma de expressão da capacidade de
desastres
de sofrimento. A nossa prática tem que ir se adap- memória daquela criança não é mesma do WISC.
tando às necessidades contemporâneas. Algo complicado que talvez vocês se lembrem é o
subitem de raciocínio matemático do WISC. É igual
- A sensação que eu tenho é que a tecno-
emergências
a provinha de matemática da escola. “Joãozinho ti-
logia está evoluindo e temos que evoluir junto. Eu
nha três laranjas e ganhou mais duas. Com quantas
fico na dúvida sobre a proximidade que as crian-
laranjas o Joãozinho ficou?”. Agora imaginem como
ças, os adolescentes e todos nós vivemos agora
em de
é para uma criança que está mal na escola, que fica
em relação à tecnologia. Se entrarmos num vídeo
diagnóstico
em parafuso quando está em situação de prova e
do Youtube, por exemplo, e olharmos os comentá-
Psicologia
o psicólogo está aplicando aquilo que ela reconhe-
rios, os adolescentes desabafam tudo lá. Eles se
ce como uma prova de matemática. Vocês acham
dão força, se relacionam e parece que o vínculo de-
que ela vai estar em boas condições de expressar
caminhos do
les está totalmente atrelado a esse mundo digital.
suas estruturas de pensamento em matemática?
Beatriz: Sim. E aí tem uma coisa muito im- A criança pode receber um diagnóstico errado. É
portante. Quer dizer, os adolescentes têm voz. Eles perigoso, inclusive, de ser diagnosticada com De-
Temáticos CRPosSP
têm voz. Só que, na escola convencional, eles não ficiência Intelectual. O que faremos, então? Vamos
e intersetorialidade:
têm espaço para essa voz. Eu já vi essas coisas pesquisar o universo daquela criança e trabalhar
acontecerem lá no nosso atendimento, de menino dentro do registro da potência. Se quisermos fazer
que não se adaptava de jeito nenhum, que deto- um diagnóstico das habilidades, das capacidades,
nava a escola. Então, ele oi para o grêmio, virou das estruturas, inclusive do ponto de vista psíquico
um líder maravilhoso e passou a canalizar aquele de lidar com as emoções, de lidar com situações re-
Cadernos
embate que tinha com a escola para construção de lacionais que aquele sujeito tem, temos que dar as
crianças e eadolescentes
achando os espaços pra trabalhar com essa rede. tica fomenta isso e temos que ter isso claro. É um
desastres
Um dos dispositivos mais potentes que consegui- mecanismo de medicalização para nos fazer pen-
mos armar foi de fazer grupo de criança e trabalhar sar que sofrimento é uma coisa ruim. Para que so-
com grupo é muito legal, quem trabalha com grupo frer? Toma um remedinho. Mas o sofrimento faz
emergências
já deve ter sentido isso. Porque quando trabalha- parte do processo de desenvolvimento, de fortale-
mos com queixa escolar, estamos trabalhando cimento. Eu tenho para mim que isso também é
com fenômenos que são eminentemente coleti- uma das fontes dos suicídios e das fragilidades
em de
vos, e que são apresentados para criança e para dessa nova geração, porque eles são uma geração
diagnóstico
família como sendo de ordem individual. Quando que aprendeu que sofrer é alguma coisa muito er-
Psicologia
chamam os pais para conversar na escola, dizem: rada. Então acha um jeito de escapar do sofrimen-
“o seu filho”. E, geralmente, não é só seu filho. O to, tomar Rivotril, Ritalina, e temos que ter muito
seu filho não está acompanhando, mas é ele e cuidado com isso porque as pessoas tomam Rivo-
caminhos do
mais quantos? Se for mais da metade da classe, é tril, Ritalina e outros remédios a torto e a direito. E
diferente. Os grupos costumam ser muito poten- o sofrimento é uma coisa importante. Vou dar mais
tes para resgatar o que é de caráter coletivo, por- exemplos pessoais. Meu filho perdeu o pai. Foi uma
Temáticos CRPosSP
que o que um está passando, o outro também. Um barra pesadíssima. Pode parecer contraditório,
e intersetorialidade:
dos dispositivos mais potentes que conseguiu ar- mas as pessoas chegavam para mim e falavam:
mar foi de ter os grupos de crianças e os grupos de “vai fazer uma terapia”. Eu falei: “por que eu vou
pais. Porque claro, se é uma rede, quanto mais en- fazer uma terapia? Estou sofrendo, estou deses-
tradas temos, se trabalhamos bem mais, aumen- perada, estou passando por coisas dificílimas e é
tamos as possibilidades dessa rede se potenciali- isso mesmo que eu tenho que sentir, não estou
Cadernos
zar. Não temos muito como trabalhar com os sentindo essas coisas de um jeito desproporcio-
crianças e eadolescentes
perder de vista. Então ele as compara. O que falei
desastres
para vocês sobre o contrato da terapia breve que Beatriz: Não é só a saúde. Estamos sobre a
convoca as forças de superação, foi com o Mauro égide dessa fragmentação que é o pensamento
que ficou claro para mim. Em três meses 70% das positivista. Não há conversa com a escola, o fono-
emergências
crianças que atendemos conseguem essa virada, audiólogo não procura o psicólogo, o médico não
essa inflexão que depois podem continuar auto- procura ninguém e ainda se faz de difícil. Quando
nomamente. Da para sairmos dessa rede, pois o se acha um bom profissional tem que grudar no
em de
objetivo é esse, e não deixar tudo redondinho. É cara, pedir indicações, tudo para ele. Mas então,
diagnóstico
importante ser muito bem feito para conseguirmos não é da saúde, é quem quer que seja, esteja onde
Psicologia
um bom trabalho num curto espaço de tempo. As tiver, seja o profissional que for, que tenha a críti-
famílias se desdobram, se organizam para garan- ca dessa fragmentação, tem que buscar rompê-la
tir a presença da criança. Tem muita coisa na psi- porque está naturalizado que é cada um no seu
caminhos do
cologia que não aprendemos a respeito porque a quadrado. E aí tem um empobrecimento geral, por-
nossa formação tem uma lógica de mercado. Es- que fica cada um com um pedaço. O professor só
tou tentando criar a partir das coisas que vocês tem a visão do que o menino é daquele jeito na
Temáticos CRPosSP
disseram. Eu não vou conseguir passar para vocês sala de aula, o psicólogo vê uma situação total-
e intersetorialidade:
tudo. Um curso de orientação à queixa escolar é mente diferente. Precisamos buscar interlocução
para mais de ano, uma vez por semana com quatro na escola, porque lá se aprende que não dá para
horas, mas espero poder ir às coisas que mais pos- conversar com psicólogo e que o máximo que fare-
sam lhes ajudar. Bate com vocês a demanda? Isso mos é manda um relatório. Vou dar outra referên-
é um levantamento de duas pesquisas que foram cia pra vocês. Vocês já leram um livro formidável da
Cadernos
feitas em UBS e olha que interessante: na pesqui- Maria Helena Souza Patto? Se chama “A Produção
- Temos que dar visibilidade para as experi- Acho que é isso que precisamos que isso se
ências. torne efetivo, de fato. Que produzamos realmente
saúde, bem-estar.
- É uma experiência muito legal, porque po-
demos conversar sobre a criança de forma mais - As escolas municipais têm apoio de uma
integrada, nos diferentes espaços em que ela equipe multiprofissional com fonoaudiólogo e
assistente social, as estaduais têm o Cape. Mas não é tão recente e diz explicitamente que é direi-
95
acho precisamos integrar mais, porque apesar de to da criança ter acesso a recursos que a escola
sabermos dessa proposta geral, também não sei tem e que a escola vê que vai ser bom para ela,
exatamente como que ela está hoje, o quanto que sem necessidade de laudo, então a falta de laudo
eles têm conseguido trabalhar. não pode ser impeditiva. Essa virada de ponto de
vista que o Estatuto da Criança e do Adolescen-
- Não sei se todas as equipes de todas as
crianças e eadolescentes
te produziu, a falta de laudo não pode ser impe-
desastres
regiões têm conseguido trabalhar. Temos pouco
ditivo para a escola oferecer um recurso que ela
contato e teve algumas mudanças na Secretaria
tem e que a própria escola está avaliando que vai
da Educação no último ano e estou desatuali-
ser bom para o aluno. O laudo pode vir como um
zada de como eles têm trabalhado hoje. Eu sei
emergências
recurso complementar. Geralmente, se existe a
que a lógica mais central é essa, do apoio multi-
suspeita, o laudo é pedido, como algo auxiliar, não
profissional por região, mas eu não sei como que
como uma coisa essencial Se o aluno é listado no
isso tem se dado.
em de
cadastro de inclusão, a escola ganha dinheiro, os
diagnóstico
- Na prática, ainda estamos distante. pais podem ganhar dinheiro também, então não é
Psicologia
à toa que tem assistente social que faz, o recur-
- Porque as escolas ainda nos buscam, bus-
so vem eaias vezes a família não quer que tire o
cam os CRAS, buscam a UBS.
nome da criança da lista.
caminhos do
- Exatamente, sempre vemos isso.
Beatriz: Ganha o BPC - Benefício de Pres-
- Na época que eu estava na Leste, tenta- tação Continuada - Imagina colocar uma tarja de
mos vários formatos de matriciamento, com ar- deficiente intelectual em uma criança para ganhar
Temáticos CRPosSP
ticulação do CRE com as escolas, e isso nunca dinheiro. É muito delicado. A família, sim, tem his-
e intersetorialidade:
conseguiu se solidificar. Era um movimento de vai tórias perversas e a escola ganha dinheiro junto.
e vem, em alguns momentos funcionava, em ou- A escola ganha dobrado quando é criança de in-
tros tinha retrocesso. - Mas eu acho que todas as clusão, aí é uma dificuldade enorme para tirar, a
regiões têm sido assim, às vezes funciona melhor, escola não quer.
Cadernos
às vezes não. E na época, uma das maiores dificul-
Participante: Trazendo um pouco da rea-
dades que tínhamos era conseguir que as escolas
crianças e eadolescentes
funcionando na rede.
desastres
é compartilhado, então pode ser terapêutico e
- É, com relação às questões das dificul- não psicoterapêutico.
dades de escolarização, que acho que é o que
estamos falando. Acho que precisa aparecer, - Exatamente.
emergências
porque nos documentos que estudei, tive que - Existem muitas delicadezas nesses ce-
estudar depois que eu entrei. Eu me encantei nários e que precisam ficar claras, para tentar
com isso, com a contribuição das assistentes minimamente conseguir acertar, o que eu posso
em de
sociais, enfim, a visão de mundo mudou, mas eu oferecer, o que o outro oferece, como podemos
diagnóstico
acho que não aparece isso, essa articulação do construir essa base de forma coletiva.
Psicologia
psicólogo do CRAS com a escola, por exemplo,
essa interface, não tem essas normativas, pelo - E quando fazemos as reuniões da equi-
caminhos do
menos eu não li. pe, é muito interessante, eu acho muito bacana,
porque percebemos em nós mesmos e essas
- Vamos começar a construir agora, a par- outras pessoas percebem que é uma visão que
tir dessas nossas rodas, o psicólogo tem, é um olhar, é um lugar de onde
Temáticos CRPosSP
- Mas estou entendendo que ela está di- olhar, e aí a assistente social traz aquela outra
e intersetorialidade:
zendo que já existe uma construção feita, que visão também, e como a Vanessa falou, ela se
já há algumas clarezas que precisam ser regu- apaixonou, logo que eu fui pro CRAS, eu pensei
lamentadas. que eu atuava clinicamente, por 15 anos aten-
di psicodiagnóstico, ludoterapia, foi muito bom
- Aparecer em algum lugar, podia ser isso,
Cadernos
e eu gostava, mas quando eu fui para área de
referências técnicas para atuação do psicólogo CRAS eu pensei, “nossa, eu vou deixar de ser
Rosangela: Bom dia! Feliz em estar aqui com vocês ou para as situações de privação de direitos ao “me-
para a nossa Roda de Conversa entre os profissio- nor”. Para drogas, já há um consenso de mandar para
nais da Rede de Educação, da Saúde, da Assistên- o CAPSi, mesmo que a gente saiba que usar drogas
cia e outros, do município de Valinhos/SP. Falo em não é sinônimo de um diagnóstico obrigatoriamente.
nome do CRP SP e do Despatologiza – Movimento “É autista tem de ir para o CAPS”: burrice! São casos
pela Despatologização da Vida. Os objetivos desse e casos diferentes. O duro é que a saúde mental não
nosso encontro são estabelecer um diálogo entre permite um fluxo rígido, mas, em contrapartida, as
os profissionais psicólogos e os demais profissio- pessoas têm ao menos de saber quais os serviços
nais dos serviços públicos de educação e saúde – que existem e qual o grau de complexidade. Se não
estabelecer interlocução entre parceiros; apresen- souberem, para onde é que vai? Quando a criança
tar as contribuições da Psicologia aos profissionais é agressiva, começa a dar trabalho, qual é o básico
que atuam com a queixa escolar – entendida como para as pessoas saberem? O pessoal da escola tem
questões de aprendizagem e de comportamento - e de se virar nos trinta... muitas ligam diretamente nos
a seus parceiros. E conhecer os caminhos do diag- serviços para tentar encaixar e ai o ambulatório, em
nóstico de crianças e jovens quanto às queixas e geral, está lotado. O fluxo não funciona bem. Mas as
fracassos escolares, porque, infelizmente, já tem pessoas têm de saber, no mínimo, para quem ligam
um fluxo historicamente construído neste sentido: nestas situações de saúde mental, senão os profes-
a criança é identificada como tendo algo diferente, sores ficam perdidos, e eles não obrigados a saber, a
encaminhada para um diagnóstico e, a seguir, para obrigação é nossa.
um tratamento. A gente precisa entender se esse é
Rosangela: Obrigada, Bruno. O Bruno traz
o melhor caminho.
questões bastante importantes e, infelizmente,
Bruno: Bom dia a todos. Meu nome é Bruno. não é só Valinhos que passa por isso. Essa questão
Sou médico psiquiatra da infância e da adolescência de comunicação entre os diferentes equipamen-
e sou também pediatra. Na Rede, trabalho como psi- tos e de comunicação com a própria população, na
quiatra infantil. Valinhos tem dois ambulatórios e um maior parte dos municípios, é extremamente falha.
CAPS infantil. Um ambulatório é de Educação e Saú- A gente pega aqui do lado, Campinas, que é onde
de Mental, o CEMAP, que atende até 10 anos. A Casa atuei até 4 anos atrás – hoje eu sou aposentada.
do Adolescente funciona no mesmo prédio e aten- As nossas brigas imensas eram para fazer com que
de dos 11 aos 17 anos e 11 meses. O CAPS infantil, os equipamentos se conhecessem e que talvez pu-
inaugurado em 2016, os casos graves vão para lá. Os dessem ter fluxos – nunca rígidos. É importante a
serviços não têm ainda um protocolo definido. Tem gente citar as referências e notas técnicas do Sis-
pediatras na Rede Básica de Saúde que não sabem tema Conselhos para a atuação do psicólogo na
que o CAPSi existe. Funciona assim: a escola faz rela- educação. A primeira é o documento Referências
tório, pode ser pela escola ou um médico da rede bá- Técnicas para a atuação de psicólogas (os) na
sica de saúde, ou o Conselho Tutelar. Mas há um viés, Educação Básica: Subsídios para uma prática crí-
estão muito restritos a questão de álcool e drogas tica, do CFP, em 2013. As Referências são fruto de
discussão da categoria no VI Congresso Nacional Em Campinas, temos as duas redes, cerca de
99
de Psicologia – CNP 2007, sistematizada no Semi- 40 municipais, sem as infantis - que são só munici-
nário Nacional do Ano da Educação (2009), na Pes- pais ou terceirizadas/conveniadas. Fomos invadidos
quisa Nacional realizada pelo Centro de Referência pelos convênios! Mas a gente tem em Campinas uma
em Políticas Públicas – CREPOP e, no documento rede estadual muito maior, cerca de umas 150/160
Contribuições da Psicologia para a Conferência unidades. Quando temos dois sistemas, temos cla-
crianças e eadolescentes
Nacional de Educação – CONAE 2010. O CRP SP ramente dois projetos político-pedagógicos, que
desastres
em 2010 soltou a Nota Técnica: Orientação sobre olham para suas crianças de modos diferentes. Eu
as atribuições do (a) psicólogo (a) no contexto es- trabalhei muitos anos em um equipamento que li-
colar e educacional. O Sistema Conselhos fala da dava com a queixa escolar em Campinas, quando
emergências
Defesa de uma Psicologia Escolar/Educacional crí- eu recebia uma criança para avaliação e acompa-
tica e contextualizada, que resgata a complexidade nhamento, a primeira coisa que eu tinha de ver era
do processo de escolarização protagonizado por de onde ela vinha, de qual sistema. Tinham olhares
em de
crianças e adolescentes, considerando que a escola diferentes: a questão da progressão continuada,
diagnóstico
não está isolada da história, da político, nem do so- como são formadas as salas de aula, como é a ques-
Psicologia
cial e do cultural de uma sociedade, embora a escola tão da formação continuada dos professores, tudo
se configura, atualmente, como “mercado” de servi- isso muda. O que eu oferto para a criança, o que eu
ços, produtos e projetos, tendo por referência a na- oferto para o professor. Se muda a gestão, o projeto
caminhos do
turalização das práticas na rotina institucional e o tende a mudar. No estado de São Paulo, a gente não
encaminhamento à avaliação diagnóstica e acom- teve isso, com uma política igual por muitos e muitos
panhamento terapêutico. A proposta do CRP SP anos. Jovens que chegam no final do ensino funda-
Temáticos CRPosSP
para a atuação profissional do psicólogo é Compor mental que não leem nem escrevem, e, se leem, é
e intersetorialidade:
com a equipe escolar a elaboração, implementação uma leitura disfuncional, sem compreensão de texto,
e avaliação do Projeto Político Pedagógico da Es- não têm crítica do que estão lendo. A gente vai dizer
cola; Problematizar o cotidiano escolar, colaboran- que os professores são ruins, não sabem mais en-
do na construção coletiva do projeto de formação sinar, é isto? Simplório demais. A gente vai precisar
em serviço, no qual professores possam planejar e olhar o que está por traz deste projeto, qual o inte-
Cadernos
compor ações continuadas; Construir com a equi- resse político – porque sempre tem –, interesse de
crianças e eadolescentes
assim...” E eu respondo: “algo precisa ser feito, sim, dados do estado, já que sua distribuição é estadual.
desastres
mas não é a medicação” e peço que ela procure a A política dita de transparência não ajuda em nada
pediatra do Centro de Saúde para conversar sobre nestas situações. Foram inúmeras tentativas e inú-
outras intervenções que possam ajudar seu filho. meros desvios de rota.
emergências
Então, esse olhar é importante. Quando a gente fez
Participante não identificado: Eu queria que
o protocolo, muitos médicos ficaram receosos de
você falasse mais sobre o protocolo. Como ele
prescrever o remédio porque atrás do protocolo tem
aconteceu?
em de
um lugar para o médico escrever CIENTE - de todos
diagnóstico
os cuidados que ele tem de ter com esse sujeito, Rosangela: Começou bem antes da ideia de
Psicologia
frequência de exames, o que observar, tudo tirado termos um protocolo. Como eu disse, o equipamen-
da bula -, colocar seu CRM e assinar. Aí desapare- to em que eu trabalhei na Prefeitura recebia crian-
ceram as receitas de metilfenidato, caiu quase 90%, ças e adolescentes com queixas de aprendizagem
caminhos do
porque você responsabiliza alguém que não estava e, ao acolher, vincular e avaliar, o que tínhamos, efe-
fazendo do jeito certo. tivamente, eram sujeitos vítimas de conflito familiar,
de violência, de diferentes questões. Não era uma
Participante não identificado:: O protocolo
Temáticos CRPosSP
questão neurológica, era uma questão emocional,
vale para todo lugar?
e intersetorialidade:
e nós tínhamos que entrar no processo de trabalho
Rosangela: Não. É um protocolo municipal. para ajudar esse sujeito a sair da queixa que cria-
Vale, então, para Campinas. O município de São ram para ele e, muitas vezes, do diagnóstico e da
Paulo também tem, mas é uma PORTARIA. Outros medicação e aqui já entrando na patologização. Si-
municípios já nos procuraram para construir seus tuações como essa, eu levava para os espaços de
Cadernos
protocolos, já que fomos pioneiros nesta ação. E formação continuada na educação e na saúde, para