Você está na página 1de 106

36

cadernos temáticos CRP SP


Psicologia, demandas escolares e
Intersetorialidade: os caminhos do
diagnóstico de crianças e adolescentes
Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região - CRP 06

36
cadernos temáticos CRP SP
Psicologia, demandas escolares e
intersetorialidade: os caminhos do
diagnóstico de crianças e adolescentes

CRP 06 · São Paulo · 2019 · 1ª Edição


Caderno Temático n° 36 – Psicologia, demandas escolares e intersetorialidade: os caminhos do diagnósti-
co de crianças e adolescentes

XV Plenário (2016-2019)

Diretoria
Presidenta | Luciana Stoppa dos Santos
Vice-presidenta | Larissa Gomes Ornelas Pedott
Secretária | Suely Castaldi Ortiz da Silva
Tesoureiro | Guilherme Rodrigues Raggi Pereira

Conselheiras/os
Aristeu Bertelli da Silva (Afastado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Beatriz Borges Brambilla
Beatriz Marques de Mattos
Bruna Lavinas Jardim Falleiros (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Clarice Pimentel Paulon (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Ed Otsuka
Edgar Rodrigues
Evelyn Sayeg (Licenciada desde 20/10/2018 - PL 2051ª de 20/10/18)
Ivana do Carmo Souza
Ivani Francisco de Oliveira
Magna Barboza Damasceno
Maria das Graças Mazarin de Araújo
Maria Mercedes Whitaker Kehl Vieira Bicudo Guarnieri
Maria Rozineti Gonçalves
Maurício Marinho Iwai (Licenciado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Mary Ueta
Monalisa Muniz Nascimento
Regiane Aparecida Piva
Reginaldo Branco da Silva
Rodrigo Fernando Presotto
Rodrigo Toledo
Vinicius Cesca de Lima (Licenciado desde 07/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)

Organização do caderno
Lucia Masini, Maria da Penha Tamburu, Alacir Cruces, Lilian Suzuki e Maria Rozineti Gonçalves

Revisão ortográfica
Lucia Masini e Mariana Yumi Ramos da Silva

Projeto gráfico e editoração


Paulo Mota | Relações Externas CRP SP

___________________________________________________________________________
C755p Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Psicologia, demandas escolares e Intersetorialidade: os caminhos do
diagnóstico de crianças e adolescentes. Conselho Regional de Psicologia de São
Paulo. - São Paulo: CRP SP, 2019.
104 p.; 21x28cm. (Cadernos Temáticos CRP SP /nº 36)

ISBN: 978-85-60405-63-3

1. Psicologia – Medicalização e Educação. 2. Patologização da Educação.


3. Queixa Escolar. 4. Diagnóstico de Crianças e Adolescentes. 5. Demandas
Escolares e Intersetorialidade I. Título
CDD 150.7
__________________________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Marcos Antonio de Toledo CRB8/8396
Cadernos Temáticos do CRP SP
Desde 2007, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo inclui, entre as
ações permanentes da gestão, a publicação da série Cadernos Temáticos do
CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados no Conselho em
diversos campos de atuação da Psicologia.

Essa iniciativa atende a vários objetivos. O primeiro deles é concretizar


um dos princípios que orientam as ações do CRP SP, o de produzir referências
para o exercício profissional de psicólogas/os; o segundo é o de identificar
áreas que mereçam atenção prioritária, em função de seu reconhecimento
social ou da necessidade de sua consolidação; o terceiro é o de, efetivamente,
ser um espaço para que a categoria apresente suas posições e questiona-
mentos acerca da atuação profissional, garantindo, assim, a construção co-
letiva de um projeto para a Psicologia que expresse a sua importância como
ciência e como profissão.

Esses três objetivos articulam-se nos Cadernos Temáticos de maneira


a apresentar resultados de diferentes iniciativas realizadas pelo CRP SP, que
contaram com a experiência de pesquisadoras/es e especialistas da Psicolo-
gia para debater sobre assuntos ou temáticas variados na área. Reafirmamos
o debate permanente como princípio fundamental do processo de democrati-
zação, seja para consolidar diretrizes, seja para delinear ainda mais os cami-
nhos a serem trilhados no enfrentamento dos inúmeros desafios presentes
em nossa realidade, sempre compreendendo a constituição da singularidade
humana como um fenômeno complexo, multideterminado e historicamente
produzido. A publicação dos Cadernos Temáticos é, nesse sentido, um convite
à continuidade dos debates. Sua distribuição é dirigida a psicólogas/os, bem
como aos diretamente envolvidos com cada temática, criando uma oportuni-
dade para a profícua discussão, em diferentes lugares e de diversas maneiras,
sobre a prática profissional da Psicologia.

Este é o 36º Caderno da série. Seu tema é: Psicologia, demandas escola-


res e Intersetorialidade: os caminhos do diagnóstico de crianças e adolescentes.

Outras temáticas e debates ainda se unirão a este conjunto, trazendo


para o espaço coletivo informações, críticas e proposições sobre temas rele-
vantes para a Psicologia e para a sociedade.

A divulgação deste material nas versões impressa e digital possibilita


ampla discussão, mantendo permanentemente a reflexão sobre o compro-
misso social de nossa profissão, reflexão para a qual convidamos a todas/os.

XV Plenário do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


Os Cadernos já publicados podem ser consultados em www.crpsp.org.br:

1 – Psicologia e preconceito racial


2 – Profissionais frente a situações de tortura
3 – A Psicologia promovendo o ECA
4 – A inserção da Psicologia na saúde suplementar
5 – Cidadania ativa na prática
5 – Ciudadanía activa en la práctica
6 – Psicologia e Educação: contribuições para a atuação profissional
7 – Nasf – Núcleo de Apoio à Saúde da Família
8 – Dislexia: Subsídios para Políticas Públicas
9 – Ensino da Psicologia no Nível Médio: impasses e alternativas
10 – Psicólogo Judiciário nas Questões de Família
11 – Psicologia e Diversidade Sexual
12 – Políticas de Saúde Mental e juventude nas fronteiras psi-jurídicas
13 – Psicologia e o Direito à Memória e à Verdade
14 – Contra o genocídio da população negra: subsídios técnicos e teóricos para Psicologia
15 – Centros de Convivência e Cooperativa
16 – Psicologia e Segurança Pública
17 – Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social
18 – Psicologia do Esporte: contribuições para a atuação profissional
19 – Psicologia e Educação: desafios da inclusão
20 – Psicologia Organizacional e do Trabalho
21 – Psicologia em emergências e desastres
22 – A quem interessa a “Reforma” da Previdência?: articulações entre a psicologia e os direitos das trabalhadoras e trabalhadores
23 – Psicologia e o resgate da memória: diálogos em construção
24 – A potência da psicologia obstétrica na prática interdisciplinar: uma análise crítica da realidade brasileira
25 – Psicologia, laicidade do estado e o enfrentamento à intolerância religiosa
26 – Psicologia, exercício da maternidade e proteção social
27 – Nossa luta cria: enfrentar as desigualdades e defender a democracia é um dever ético para a Psicologia
28 – Psicologia e precarização do trabalho: subjetividade e resistência
29 – Psicologia, direitos humanos e pessoas com deficiência
30 – Álcool e outras drogas: subsídios para sustentação da política antimanicomial e de redução de danos
31 – Psicologia e justiça: interfaces
32 – Conversando sobre as perspectivas da educação inclusiva para pessoas com Transtorno do Espectro Autista
33 – Patologização e medicalização das vidas: reconhecimento e enfrentamento - parte 1
34 – Patologização e medicalização das vidas: reconhecimento e enfrentamento - parte 2
35 – Patologização e medicalização das vidas: reconhecimento e enfrentamento - parte 3
Sumário

07 Introdução
Núcleo de Educação e Medicalização do CRP SP

09 Os caminhos do diagnóstico de crianças e jovens,


partir do olhar dos psicólogos: da queixa escolar e
aos serviços de atendimento
Lilian Suzuki, 05/11/2015, São Paulo

30 Caminhos do diagnóstico de crianças e jovens


a partir do olhar dos psicólogos, das queixas
escolares ao serviço de atendimento
Brisa Campos, 03/06/2016, São Paulo

47 Roda de Conversa sobre Demandas Escolares: os


caminhos do diagnóstico de crianças e adolescentes
Alexandra Lelis, 07/06/2017, Guarujá

66 A Psicologia e as Demandas Escolares na rede de


Assistência Social e de Saúde no Grande ABC
Daniela Carcavilla, Maria da Penha T. I. Lopes, 28/06/2017, Santo André

81 Demandas Escolares: Educação, Saúde e Assistência


Social
Ione Aparecida Xavier, 28/09/2018, Porto Feliz

98 Roda de Conversa Queixa Escolar e Processos de


Patologização
Rosangela Villar, 29/11/2018, Valinhos
Introdução 7

Núcleo de Educação e Medicalização do CRP SP

crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres

diagnóstico
Psicologia
caminhos do emergências
em de desastres
Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
e intersetorialidade:
O Conselho Regional de Psicologia de São Pau- • Problematizar os encaminhamentos e
lo, em consonância com o Sistema Conselhos de caminhos do diagnóstico de crianças e
Psicologia defende uma Psicologia Escolar/Edu- jovens quanto às queixas e fracassos
cacional crítica e contextualizada, que resgata escolares;

Cadernos
a complexidade do processo de escolarização
• Contribuir nas políticas públicas de forma

Psicologia, demandas escolares


protagonizado por crianças e adolescentes, e
a combater qualquer forma de discrimi-
que considera que a escola não está isolada do
nação e preconceito, promovendo a di-
momento histórico, político, social e cultural de
versidade e enfrentando práticas patolo-
uma sociedade. Portanto, a produção da quei-
gizantes e medicalizantes;
xa escolar deve ser analisada a partir dessas
premissas, buscando-se a desnaturalização e • Orientar e divulgar referências técnicas e
problematização de práticas institucionais nas políticas para a atuação do psicólogo no
políticas públicas de Educação Saúde e Assis- campo escolar/educacional.
tência Social que privilegiam encaminhamentos
de crianças e jovens à avaliação diagnóstica. Com base no processo de territorialização
do CRP SP realizamos rodas de conversa em di-
Na perspectiva de atuar ética, política e
versas subsedes do Estado de São Paulo desti-
tecnicamente nesse contexto é que o Núcleo de Cadernos Temáticos CRP SP
nadas aos profissionais de psicologia, gestores
Educação e Medicalização do Conselho Regio-
públicos e educadores, cuja diretriz foi pautada
nal de Psicologia de São Paulo passou a propor
nas “Referências Técnicas para a Atuação de
Rodas de Conversa com psicólogos e psicólo-
Psicólogas(os) na Educação Básica”, publicação
gas, gestores públicos e profissionais da Edu-
do Conselho Federal de Psicologia, ano de 2013.
cação, Saúde e Assistência Social.
Este caderno, portanto, é fruto da transcrição de
Nos pautamos nos seguintes objetivos: seis rodas de conversa, realizadas nas cidades
de São Paulo (zona norte da Capital), Santo André
• Promover espaços de discussões coleti-
(região do ABC), Valinhos, Sorocaba e Guarujá.
vas entre psicólogos/as e demais profis-
sionais, que atuam na Educação, Saúde As rodas puderam produzir discussões
e Assistência Social fortalecendo a rede quanto às especificidades a partir das deman-
intersetorial de proteção à criança no das da educação em âmbito territoriais bem
que se refere ao cuidado e atenção às como pensar questões mais abrangentes que
demandas e queixas escolares. compõem o macrossistema das políticas públi-
cas de educação, saúde e assistências social. Acreditamos que as rodas de conversas
8
Constatamos em nossas rodas de conversas produziram espaços de ampliação critico-re-
o avanço das explicações organicistas para a flexiva aos psicólogos e demais participantes,
compreensão do não aprender de crianças e jo- convidando-os a se apropriarem dos problemas
vens que na atualidade retoma os velhos verbe- em sua dimensão sistêmica e multidetermina-
tes tão questionados por setores da Psicologia, da, inerentes ao campo educacional, compreen-
Educação e Medicina. Com isso, discutimos que, derem os dilemas, enfrentarem os desafios, e
mais do que nunca, é importante se considerar buscarem ações envolvendo uma rede ampliada
a dimensão de produção da subjetividade e da de atores educacionais.
aprendizagem, sem reduzi-la a uma perspectiva
Por fim, essa prática do CRP SP, iniciada
individualizante.
no final da gestão anterior (2016) e continua-
O Conselho, tem cumprido o seu papel de da na gestão atual (2016/2019) se respalda na
propiciar discussões e diálogos, produzir referên- psicologia como compromisso social, que tem
cias e orientar a categoria e a sociedade ofere- como luta intransigente a defesa dos direitos
cendo o arcabouço teórico da psicologia crítica, humanos, das práticas democráticas e partici-
visando romper com a patologização, medicali- pativas e do respeito à diversidade, enquanto
zação e judicialização das práticas educacionais fundamento de uma educação para todos e to-
nas situações em que as demandas por diagnós- das e que se comprometa com as funções so-
ticos fortalecem a produção do distúrbio/trans- ciais de acesso aos bens culturais e a promo-
torno, da criminalização e da exclusão. ção de autonomia dos indivíduos.
Os caminhos do diagnóstico de 9

crianças e jovens, partir do olhar


dos psicólogos: da queixa escolar

crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres

desastres
e aos serviços de atendimento

emergências
Lilian Suzuki

em de
diagnóstico
05/11/2015. Sede do CRP SP (São Paulo).

Psicologia
Rozi: Esta é a primeira roda. As pessoas convida- dado para compor esse Núcleo de Educação den-

caminhos do
das foram, de certa forma, escolhidas pela aproxi- tro do CRP, para discutir a temática da educação.
mação com a regional, pela aproximação do entor- Então, esta roda é uma ação do núcleo. Acho que
no. CAPs e UBS’s1, a gente buscou esses serviços como apresentação ficaria por aqui.

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
além da educação. Ao NAAPA2, também da rede
Lilian Suzuki: Eu sou Lilian Suzuki, eu fiz o

e intersetorialidade:
municipal, fizemos o convite, enfim, esse é esse
curso de Orientação à Queixa Escolar (OQE) da
primeiro momento. Eu sou a Rozi, estou como psi-
USP. Sou recém-formada (risos), recém-formada
cóloga dentro da psicologia escolar, atendo dentro
na OQE. Já durante o curso de OQE, eu comecei a
da escola da rede particular. Há treze anos, tam-
participar do GIQE. Atualmente, sou representante

Cadernos
bém estou na área da saúde. Então, eu tenho o
do grupo, junto com a Rozi, do Núcleo de Educação.
pé na educação e na saúde, estou atualmente no

Psicologia, demandas escolares


Eu sou psicóloga formada faz tempo, há vinte e
ambulatório de deficientes aqui da Zona Norte, da
oito anos. A Carmem, tenho muito orgulho de dizer
casa Santa Luiza. Esse é meu campo de trabalho,
isso, foi minha professora na graduação. Estou na
saúde e educação. Dentro do CRP mais recente-
escola, na educação, há trinta e sete anos. Fui psi-
mente, eu estou há um ano participando do Nú-
cóloga escolar por onze anos em escola particular
cleo de Educação. O CRP SP (gestão 2013-2016) é
de educação básica e, atualmente, sou psicóloga
formado por núcleos e nós estamos no Núcleo de
do serviço de apoio ao estudante em uma facul-
Educação, Lilian e eu representamos o Grupo Inte-
dade. Também sou psicóloga clínica, a maior de-
rinstitucional Queixa Escolar (GIQE), um grupo que
manda que recebo é para OQE. Sou professora em
se formou a partir de demandas e discussões de
cursos de graduação e pós-graduação, e fui coor-
um curso de orientação à queixa escolar na USP.
denadora de curso de psicologia. Acho que é isso.
O GIQE faz encontros mensais. O grupo foi convi-
Carmem: Bom, eu sou uma veterana mes- Cadernos Temáticos CRP SP
mo (risos). Eu comecei a trabalhar provavelmen-
1 Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)e as Unidades
Básicas de Saúde (UBS) são portas de entrada para o atendi-
te quando alguns de vocês não tinham nascido
mento na área de Saúde Mental dentro da Secretaria Munici- ainda, e já dentro da área da educação, e mesmo
pal da Saúde de São Paulo. a minha conversa com a clínica é uma conversa
2 O Núcleo de Apoio e Acompanhamento para Aprendizagem de clínica da rede escolar. Então, eu sempre fui
(NAAPA) é um serviço criado pela Prefeitura Municipal de
São Paulo, a partir do Decreto nº 55.309, de 17/07/2014, e
ligada à questão escolar. Eu fui psicóloga em
regulamentado pela Secretaria Municipal de Educação de São um serviço da prefeitura de São Paulo de 1975
Paulo, pela Portaria nº 6.566, de 24/11/2014. A estrutura da a 1989/1990 e trabalhei dentro de escola pública
Secretaria Municipal de Educação (SME) é composta por treze
Diretorias Regionais de Educação (DREs) que atuam em par- de 1978 a 1988. Não, mais. Até 1992. Nunca saí
ceria com as Unidades Educacionais e trabalham para implan- da área, eu sou uma estudiosa, sempre estudei
tação e implementação das políticas públicas educacionais
vigentes. Em cada DRE foi implantado um Núcleo de Apoio e essa área. Colaboro no CRP já há muitos anos.
Acompanhamento para Aprendizagem, perfazendo treze Nú- O Conselho Regional de Psicologia, sempre teve
cleos na cidade, com a composição de sete profissionais em
cada um deles, sendo 1 Coordenador(a), 1 Assistente Social,
uma comissão de educação. A psicologia, mesmo
1 Fonoaudiólogo(a), 2 Psicólogos(as) e 2 Psicopedagogos(as). quando houve uma retração na contratação de
psicólogos escolares, que ainda há, né? O Conse- Lígia: Eu sou a Lígia, sou psicóloga. Eu sou
10
lho Regional nunca deixou de estudar, de se inte- da UBS Vila Guilherme, só que na verdade, eu es-
ressar e de estar conversando sobre as políticas tou há um ano e pouquinho na UBS do Vila Ede
educacionais e se manifestando em relação ao porque a UBS está em reformas e recentemente
que ocorre na educação O exemplo mais recente eu pedi transferência para o Vila Ede. Então na
é a medicalização, que vocês devem estar acom- verdade, eu estou com um pé aqui e um pé ali.
panhando. Eu continuo dando aula na área e me Estou na SPDM há cinco anos.
comunico com as escolas por conta de estágio
Maurício: Meu nome é Maurício, eu sou psi-
de aluno e com a clínica que atende pessoas
cólogo, mas também sou pedagogo e psicopeda-
encaminhadas. Então, parece que as questões
gogo. Na minha trajetória eu comecei primeiro na
desde sempre, parece que elas permanecem. Daí
educação como psicólogo escolar e depois eu fui
eu disse, no grupo do CRP, que há um sonho, um
migrando para pedagogia e trabalhando um pou-
sonho que um dia poderemos nos sentar e con-
co com isso, mas sempre trabalhando com a clíni-
versar, escolares e clínicos, vou chamar assim, ou
ca. E há dois anos e meio eu estou na UBS Caran-
pessoal da educação e da saúde. Essa é a nossa
diru, que passou por uma série de renovações por
tentativa de começar uma conversa para avan-
conta de novos serviços e hoje a gente tem um
çar e estabelecer um diálogo. Começamos bem:
CER, que é o Centro Especializado em Reabilita-
logo que nos sentamos nesta roda, começamos
ção, que trabalha com reabilitação para deficiên-
a conversar, faltou espaço e a gente fez altera-
cia intelectual, física e auditiva. Como ainda não
ções, trocamos, né? Eu pessoalmente tenho um
chegaram os novos profissionais porque serão
carinho pela região Norte da cidade, fiquei super-
contratados neuropsicólogos para essas vagas,
contente quando decidimos que iríamos começar
eu estou na dupla função. Então, eu estou aten-
por aqui, porque eu fiquei em uma escola na Vila
dendo UBS e estou atendendo o CER III – Penha,
Maria por mais de dez anos, e sou amiga das pes-
também. Nós temos uma UBS que tem três ser-
soas até hoje. Acho que é uma região legal tam-
viços: UBS, CER e URSI (Unidade de Referência à
bém de começar a conversar.
Saúde do Idoso). Estamos com déficit de 46 pro-
Rozi: Eu acho que podemos seguir com a fissionais. Com a contratação serão quase 200
apresentação, um primeiro momento de fala de profissionais. É um lugar muito grande, mesmo
vocês também, quem vocês representam, como é assim, não dá para todo mundo. A gente trabalha
o percurso de cada um, depois a gente expõe os muito com grupos. Chega uma hora que você já
objetivos e segue com o que pretendemos, né? não tem mais espaço, mais estrutura. Tem outros
serviços, a URSI ocupa um espaço grande, e tem
Nelma: Meu nome é Nelma, sou psicóloga,
todas as especialidades, tem odontologia por
sou contratada pela SPDM - Associação Paulista
exemplo. A gente conversa com muitos serviços.
para o Desenvolvimento da Medicina da Escola
Essa turminha (refere-se aos estudantes) vem
Paulista de Medicina, uma OS (Organização So-
muito desse universo, principalmente do CER que
cial) que presta serviço para a prefeitura. Eu tra-
é a reabilitação intelectual, a gente tem um nú-
balho com Cepai, com o NAAPA.... O Cepai, é um
mero bem grande que vem aumentando porque
centro de acompanhamento e informação para
a ABADS - Associação Brasileira de Assistência
educação inclusiva. Então, o meu trabalho é fazer
e Desenvolvimento Social, que é a antiga Pesta-
avaliação de crianças da rede municipal que apre-
lozzi3 fechou o serviço. Fechou a parte clínica, en-
sente alguma dificuldade na aprendizagem e que
tão a gente está acolhendo Síndrome de Down,
às vezes os professores e a escola não sabem
autista, que está vindo para esse universo (UBS
muito bem se podem ter alguma deficiência ou o
e CER). A AACD - Associação de Assistência à
que que está acontecendo com aquela criança.
Criança Deficiente também está fechando o ser-
Fazemos a avaliação e orientamos a escolar no
viço. Aí, muita gente está precisando do serviço e
que pode ser feito. Então, às vezes, a gente tem
a nossa região, em tese, seria para UBS Vila Gui-
que encaminhar para rede. O colega ali, (aponta
lherme, mas já tem Freguesia, Taipas e Itaquera.
para outro participante - WALMIR) a gente está
E só um psicólogo, no centro.
sempre conversando, fazendo essa interlocução
também com a rede para verificar se a criança já
está sendo acompanhada em outro equipamen- 3 A Associação Brasileira de Assistência e Desenvolvimento
to. E tem o NAAPA também com o objetivo de dar Social (ABADS), conhecida anteriormente como Sociedade
Pestalozzi de São Paulo, é uma entidade filantrópica brasilei-
o apoio à escola, à instituição. ra que presta auxílio as pessoas com deficiência intelectual.
Joice: Eu sou Joice, psicóloga, também sou Walmir: Meu nome é Walmir, sou psicólogo
11
pedagoga, estou trabalhando na NAAPA, que é o lá do CAPS Infantil Santana. Esse é o único CAPS
Núcleo de Apoio e Acompanhamento para Apren- Infantil III de São Paulo não interditado. A gente re-
dizagem. O NAAPA realiza essa assessoria nas ferência todos os CAPS Infantis do município. Lá
unidades escolares do município de São Paulo, são nós somos o número de três psicólogos, a gente
13, um em cada diretoria e eu estou no NAAPA da se divide por equipes. Na nossa região a nossa

crianças e eadolescentes
Diretoria Regional Jaçanã/Tremembé. Junto com o população é de mais ou menos 200-250 mil habi-

Psicologia em emergências e desastres

desastres
NAAPA, nós temos outros profissionais também tantes. É um grupo bem grande. Os encontros com
que fazem essa assessoria para as unidades es- CEFAI (Centro de Formação e Acompanhamento à
colares desses territórios. Sou da rede municipal Inclusão) das escolas municipais tem surtido mui-

emergências
da prefeitura, sou professora da rede, pedagoga. to efeito, um efeito positivo que a gente conse-
Para o NAAPA, estou designada como psicóloga. guiu entender como é o fluxo do acolhimento da
saúde mental, como é que funciona internamente
Liliane: Eu sou Liliane, eu sou psicóloga, con-

em de
o serviço e como é que são essas avaliações, e
tratada da SPDM. Trabalho no CAPS Infantil II Vila

diagnóstico
dá encaminhamento na melhor compreensão do

Psicologia
Maria Vila Guilherme que atende toda a subprefei- quadro da criança. E aí, posteriormente, veio o
tura, entram os bairros: Jardim Brasil, Parque Novo NAAPA, que facilitou nossa vida e que veio a par-
Mundo, Vila Ede, algumas escolas da Vila Gusta- ticipar de uma forma mais intensa. Então, as dis-

caminhos do
vo. A gente trabalha em conjunto com o NAAPA e cussões são mais ricas porque tem profissionais
CAPS Santana. Trabalha com as escolas da região mais específicos da área. E a gente consegue ter
e algumas do Jaçanã, porque este CAPS fica na uma discussão mais rica e até o encaminhamento,

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
divisa, alguns moradores de algumas regiões do acolhimento fica mais fácil para gente compreen-
Jaçanã preferem ir para Vila Maria, porque Santana

e intersetorialidade:
der esse fluxo. Eu estou há três anos no CAPS. O
fica contramão e eles vêm para cá. Guarulhos tam- CAPs também é SPDM, só que é outra SPDM, são
bém, alguns bairros de Guarulhos eles preferem. primos, né? É como eu falei, a gente está em cons-
Então a gente tem pacientes de Guarulhos, pa- trução mesmo de uma discussão maior com as
cientes do Jaçanã e algumas regiões de Santana. escolas. Quando surge essa ideia desse encontro,

Cadernos
Por exemplo, Vila Gustavo que é aqui perto é nos- eu até falo, há um ano a gente teve um encontro

Psicologia, demandas escolares


sa, porém, as escolas estão na região de Santana, muito legal com as escolas estaduais. E eu acho
mas para eles, fica mais fácil vir para o CAPS Vila que foi muito rico aquele encontro, que fomos eu
Maria e Vila Guilherme que fica bem no centro da e uma colega minha apresentar um pouco o nos-
Vila Maria Alta. so serviço. A gente participou de uma mesa. Foi
interessante que todas as escolas estaduais da
Rozi: - Quando você diz “para eles virem”, para
região estavam ali. O que ficou falho foi que vários
a população vir ou para os encaminhamentos che-
acordos não foram feitos, inclusive o encontro pa-
garem?
recido com o que a gente faz com o CEFAI, a gente
Liliane: É demanda espontânea. A gente dei- levantou essa hipótese, porém não saiu do papel,
xa claro para os pais que vai ter áreas que é melhor né? E quando usa esse encontro “ah, então acho
ir em um equipamento lá da região, porque eles co- que eu vou tentar retomar”, eu não vou negar que
nhecem mais a região, conhecem mais os equipa- eu tenho uma imensa dificuldade de compactar e Cadernos Temáticos CRP SP
mentos, podem indicar com mais propriedade. Nós compartilhar algumas coisas com as escolas es-
não conhecemos, não circulamos por lá, então fica taduais, né? Por “n” motivos, pela distância (com
muito difícil algumas escolas. Os nossos contratos os professores). Diferente do CAPS, a gente não
de carro, de prestadores não vão em outra sub- adentra as escolas, pelo menos por enquanto, até
região. Dependendo, a gente conversando com por conta dessa demanda, são muitas escolas,
alguns motoristas, eles até fazem uma camarada- são muitas UBS’s que a gente faz matriciamento.
gem, outros já não vão. Então algumas, por exem- Então é uma das dificuldades também. E são mui-
plo, na divisa, bem na divisa na Vila Gustavo, a gen- tos SAICAs (Serviço de Acolhimento Institucional
te consegue ir, as que ficam mais para cá, Tucuruvi para Crianças e Adolescentes). Acho que a região
e Jaçanã e a gente já não consegue ir. Guarulhos de Santana é uma região que ela é beneficiada
a gente não vai porque a empresa contratada de por vários SAICAs (os abrigos). E aí também é uma
transporte não leva a gente. Então a gente coloca outra demanda que a gente só lida com a Rede
essa dificuldade para os pais e deixa eles escolhe- SUAS (Sistema Nacional de Informação do Sis-
rem aonde eles acham melhor. tema Único de Assistência Social) que também é
uma demanda de funcionários, de encontros tam- to difícil, porque você tem Prova Brasil5, você tem
12
bém. Mas já falando da minha expectativa, é que a Saresp6, você tem tudo, e fica tudo, pode ver que
gente retome um pouco essa discussão. Retome as provas estão ali, lá está a prova do Saresp, é
um pouco desse interesse de ficar mais próximo tudo assim, ninguém pode entrar. Então é um mo-
das escolas estaduais, que eu acho que necessita mento difícil para você colocar no lugar. Mas gra-
assim, na conjuntura que nós estamos. ças a Deus deu certo. Eu estava com medo das
mudanças por conta disso “ai meu Deus, se cair na
Márcia: Eu sou Márcia, PCNP de educação
época do Saresp vai ser difícil”. Mas sempre que
especial. Eu sou professora, bióloga, e passei por
vocês quiserem a gente pode ceder o espaço, mui-
pedagogia, psicopedagogia, professora de defi-
to bem-vindo. A gente também tem a supervisão
ciências intelectual, visual, na área de sala de re-
que tem bastante interesse nessa área. E a gente,
curso, e até por isso que estou designada para o
mais do que vocês, precisa mesmo de vocês não
PCNP de educação especial. Esse evento que você
só dentro da escola, mas pronto para conversar,
falou (encontro com as escolas estaduais), fui eu
para dialogar, nós somos PCNP’s e a gente está o
que organizei. Nós já tivemos o terceiro esse ano,
tempo inteiro tentando ajudar a escola e a escola
a gente fez um pouco mais cedo, fizemos esse ano
sofrendo o tempo inteiro. Tanto o gestor quanto
aqui na Unip, e demos um tom um pouco diferen-
os alunos, famílias. Eu atendo muitos alunos de
te, nós nos unimos aos anos iniciais para fazer um
abrigo, e tenho participado de muitas audiências
evento maior, até para entender como seria, mas
que as crianças vão para adoção e as crianças
eu acho que, na minha área, eu perdi um pouco de
vem para minha escola e são de outra região. En-
qualidade nesse compartilhar com os anos iniciais
tão assim, a gente precisa mesmo porque dá de-
porque acabou não focando muito nas questões
sespero da necessidade dessa turma.
das deficiências, dos transtornos, que sempre foi
o perfil do meu trabalho, mas ao mesmo tempo Jane: Eu sou a Jane PCNP, professora coor-
que a gente teve ganho na questão da compe- denadora na área de ciências. Sou formada em
tência leitor/ escritor que é um quesito bastante química, pedagoga. Recentemente terminei uma
discutível para as crianças com deficiência intelec- especialização pela Unesp (Universidade Estadu-
tual e deficiência mental. Aí o ano que vem vocês al Paulista) que foi oferecido para nós de educa-
estão todos convidados. Eu acho importante essa ção inclusive voltada para gestão. Fiz uma pós
questão dessa relação, estreitamento de relação aonde no meu trabalho de conclusão foi sobre
da educação com a saúde. Tenho um bom trabalho autista, inclusão de um autista na sala de aula.
com o CAPS da Vila Maria, a gente participou do Novamente fiz de novo essa especialização, fiz
TEAR (Tecendo a Educação Ambiental em Rede)4 um curso no CAISM Pinel - Centro de Atenção
algum tempo e discutimos casos, eu acho válido, Integrada à Saúde Mental “Philippe Pinel”, quan-
que vocês não tinham ainda esse trabalho. E eu do era o Centro de Atendimento7. Só que o que
acho que quando finalizou o seminário, você fe-
chou com a Raquel Turbian, que está na proteção
5 A Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc) tam-
escolar como mediadora e ficou mais para ela fa- bém conhecida como Prova Brasil, é uma avaliação criada em
zer esse combinado porque ela está mais ligada 2005 pelo Ministério da Educação. É complementar ao Siste-
a essa lição protetiva. Mas a gente retoma, eu ma Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e um
dos componentes para o cálculo do Índice de Desenvolvimen-
acho que é fundamental mesmo, eu quero vocês to da Educação Básica (Ideb). Ela é realizada a cada dois anos
mais dentro da escola. Mas é isso quando a minha e participam todos os estudantes de escolas públicas urba-
nas do 5° e do 9º e 3º ano do ensino médio de turmas com
diligente passou que existe a possibilidade que mais de 20 alunos. A avaliação é dividida em duas provas:
vocês estavam procurando um lugar para sediar, Língua Portuguesa, onde é medida a capacidade de leitura,
interpretação de textos e de fixação da mensagem. E a Prova
eu fiquei muito feliz dela ter aceito esse convite
de Matemática onde é avaliado o raciocínio em contexto com
e pediu “não, vê um lugar aí”, e é em um momen- a realidade do aluno.

6 Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do estado de


São Paulo, uma prova externa, aplicada anualmente, desde
4 Rede social pública Tear – Tecendo a Educação Ambiental em 1996.
Rede. O sistema Tear é uma ferramenta gratuita que pode ser
acessada pelo computador e por dispositivos móveis para 7 Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) “Phi-
promover a interligação de pessoas interessadas na questão lippe Pinel”, ligado à Secretaria de Estado da Saúde de São
da educação ambiental. Trata-se de uma rede social em que Paulo. O Centro de Referência do Espectro Autista do CAISM
os participantes podem postar mensagens, curtir, comentar, “Philippe Pinel”, além de oferecer curso de capacitação, foi um
seguir pessoas de acordo com o perfil e solicitar amizade. A serviço composto por uma equipe multidisciplinar, que teve
ferramenta foi desenvolvida com o objetivo de conectar to- por finalidade dar assistência tanto na modalidade ambulato-
das as pessoas da cidade envolvidas com a questão da edu- rial quanto em internação de curta permanência para crianças
cação ambiental. e adolescentes portadores do transtorno.
me intriga no curso que eu fiz, quando a gente cipei muitas vezes ali como escola, Escola Esta-
13
fala de inclusão, incluir, eu enxergo incluir o aluno dual Gustavo Barroso, que tive oportunidade de
com deficiência, mas e aquele aluno com proble- representar a diretoria Norte 2 em uma reunião
mas de drogas, LA - Liberdade Assistida -, vem em 2009 contra os polos8, para falar justamen-
de uma região, a minha sede é uma região, até o te dessa questão de violência nas escolas, essa
ano passado eu estava à noite, era uma região questão de registro lá no ROE9. Tem que ir co-

crianças e eadolescentes
complicada, Jardim Brasil. Quando eu ouço assim, locando uma sementinha para ver se consegue

Psicologia em emergências e desastres

desastres
psicólogos, eu penso “gente, eu nunca vi psicó- frutificar alguma coisa. E nessa reunião em 2009
logo na minha escola”, (risos) isso fica na minha com os antropólogos surgiu alguma coisa “será
cabeça. Eles saem da Fundação Casa, eles têm que a gente vai conseguir?”, “ainda não”. Então

emergências
que estar dentro da escola e o aluno está lá e eu espero também que um dia a gente tenha
ninguém te dá um amparo em relação a isso. Isso esse trabalho. E concordo com Andréia, não só
me incomoda muito. alunos, mas os professores também.

em de
Neide: Oi. Boa tarde a todos. Meu nome é Renata: Bom, meu nome é Renata, eu sou

diagnóstico
Neide e eu sou também daqui, sou PCNP da área psicóloga e pedagoga, professora no município

Psicologia
de sociologia e filosofia. E vim para ouvir e estou de São Paulo. Trabalho na secretaria do Núcleo
vendo o material aqui, o meu trabalho está mui- de Apoio e Acompanhamento para Aprendiza-

caminhos do
to voltado para essa questão de fortalecimento gem, o NAAPA. Estudo psicanálise e educação
dos colegiados na escola, de grêmios, de traba- há bastante tempo. Na verdade, nós, da secre-
lhar muito com o jovem na inclusão em todos os taria, recebemos o convite e falamos “vamos
sentidos. Agora pouco estava lá em uma video- ver que história é essa”, né? Estamos aqui para

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
conferência sobre a questão de alunos transe- entender melhor qual é a proposta para depois,

e intersetorialidade:
xuais e travestis nas escolas, tudo isso às ve- numa pós-conversa a gente pensar o que fazer.
zes também é um problema para esses alunos, Bom, o NAAPA é um núcleo praticamente novo
o uso do nome social. Então eu acho muito inte- no município, ele foi criado em novembro, a por-
ressante esse encontro, como a Márcia colocou, taria saiu em novembro de 2014. E a princípio,

Cadernos
a educação está carente de todos que queiram por que o NAAPA foi criado? Por conta das ava-
ajudá-la. Então fortalecimento, união de forças liações de educação especial, esse é um dos

Psicologia, demandas escolares


para melhorar e para dar um rumo porque às ve- motivos da criação do núcleo. Vocês sabem que
zes acho que estamos um pouco perdidos. São como a Nelma falou, existe o CEFAI no município
muitas demandas, os alunos na escola pública, de São Paulo, que é um centro de formação e
são muitas questões que devem ser observa- apoio à inclusão, e dentro do CEFAI a gente tem
dos para uma orientação e para uma inclusão uma equipe multidisciplinar que é: um psicólogo,
de fato. Não só quando a gente fala da inclusão um fonoaudiólogo e um assistente social, que
das deficiências, mas na inserção social de to- davam um apoio as PAAI’s (Professoras de Apoio
das as melhorias, enfim, suas escolas. e Acompanhamento para Inclusão) no município.
Uma das principais atuações dessa equipe era
Andréia: Boa tarde, meu nome é Andréia,
também sou PCNP dos anos iniciais e de educação
física. Bom, fiz magistério, fiz pedagogia, depois fiz 8 Mantido pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do
Estado de São Paulo, o Projeto Guri é considerado o maior
Cadernos Temáticos CRP SP
educação física, fiz uma especialização em educa- programa sociocultural brasileiro e oferece, nos períodos de
ção inclusiva e estou sempre em cursos. Meu so- contraturno escolar, cursos de iniciação musical, luteria, can-
to coral, tecnologia em música, instrumentos de cordas de-
nho de consumo seria que todas as escolas tives- dilhadas, cordas friccionadas, sopros, teclados e percussão,
sem o psicólogo. Esse é o meu sonho. Não só para para crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos. Alunos são
atendidos em polos de ensino, distribuídos por todo o Estado
atender os nossos alunos, mas também os nossos
de São Paulo. Os polos são administrados por organizações
professores que estão muito necessitados sociais. A gestão compartilhada do Projeto Guri atende a uma
resolução da Secretaria que regulamenta parcerias entre o
José Luiz: Eu sou o professor José Luiz, governo e pessoas jurídicas de direito privado para ações na
área cultural. Desde seu início, em 1995, o Projeto atende jo-
estou como PCNP de tecnologia, ajudo todas as
vens na capital paulista, Grande São Paulo, interior e litoral,
áreas aqui, faladas e ditas aí. Acho muito inte- incluindo os polos da Fundação CASA.
ressante esse trabalho de rede, o Centro de Inte- 9 ROE - Registro de Ocorrência Escolar é uma ferramenta on-li-
gração da Cidadania, CIC Norte faz um trabalho ne na qual os Diretores de Escola realizam o registro de ocor-
rências de cunho disciplinar e natureza delituosa no âmbito
lá com a comunidade na Java Rural ali. A Rosân-
da comunidade escolar. O acesso ao ROE é efetuado a partir
gela há muitos anos trabalha com isso, eu parti- do portal da SEE - Secretaria da Educação do Estado de São
Paulo.
avaliação multidisciplinar das crianças que eram versa junto ao CAPs, junto a todas às frentes de
14
encaminhadas e faziam avaliação de hipóte- instituições de saúde, de direitos, lazer, esporte,
se diagnóstica de deficiência. A partir dessas cultura e colocar a escola. Aproximar a escola
avaliações, elas foram percebendo que mais de dessa rede, a escola como pertencente a essa
50% das crianças que eram encaminhadas para rede. A gente tem feito muito esse trabalho de
esse núcleo tinham dificuldades de aprendiza- nos aproximar desses equipamentos para que a
gem que não eram relacionadas à deficiência, gente tenha um diálogo entre educação e todos
mas que ao mesmo tempo, elas precisavam de os outros serviços que podem estar potentes e
algum apoio, talvez uma atuação mais especí- podem fortalecer a escola em relação a essas
fica com a escola para ajudar nesse processo necessidades desses alunos também. Então
de escolarização. Então o NAAPA surge também essa é a nossa grande aposta também, é o que
dessa demanda que não estava sendo atendida a gente tem feito.
até então; e pela aprovação da lei do psicólogo
na educação e da psicopedagogia na educação. Aglaé: Primeiro eu quero pedir desculpas
Essa equipe multi faz parte hoje do NAAPA e do atraso, eu não suporto atraso, mas eu saí de
agora temos os psicólogos e professores, que é uma escola da periferia para vir para cá. Eu esta-
o caso da Joice, nós somos funcionárias com a va muito interessada neste diálogo fazia tempo.
formação em psicologia e psicopedagogas. En- Eu sou supervisora de ensino, sou parceira do nú-
tão hoje nossa equipe conta com essa equipe cleo pedagógico há muito tempo. Fui um tempo, a
multidisciplinar, digamos que é de SPDM no mo- supervisora responsável pela educação especial,
mento, SPDM que são esses três profissionais e e ao final da minha carreira porque acho que em
um psicólogo, dois psicopedagogos e um coor- breve vou me aposentar, eu tenho uma missão
denador da rede municipal de ensino. Então hoje muito clara hoje, que não sei se é uma utopia, mas
a gente trabalha, as escolas continuam com mesmo que seja, nessa altura eu me permito ter
um encaminhamento. Um relatório das escolas pequenas utopias porque acho que elas são váli-
é encaminhado para essa equipe, essa equipe das e eu penso que nós deveríamos estar em uma
olha para este relatório que, normalmente, ele visão, em uma posição de que a escola perceba
chega via queixa e encaminhamento do alu- que a inclusão não é do aluno de inclusão, que a
no, dizendo quais são as questões, o que está inclusão realmente é de todos. Então enquanto a
acontecendo com esse estudante na escola. A escola estiver falando do aluno de inclusão, nós
equipe lê esse relatório e procura transformar estaremos equivocados, enquanto estivermos
isso em um atendimento institucional. Então já fazendo essa distinção daquele indivíduo que é
é possível verificar algumas possibilidades de de inclusão, penso que estaremos totalmente na
intervenção junto à equipe escolar, não é dire- contramão, o que estamos. Penso também que
tamente ao estudante, mas via equipe esco- eu até imagino que quando a escola aprender a
lar, via unidade escolar. Então a equipe vai até lidar, - vou botar bem entre aspas porque não é
a escola e vê, verifica o que está acontecendo isso que eu penso -, “entre os normais”, provavel-
e planeja uma sequência de ações, estabelece mente ela aprenderá trabalhar com todos. E pen-
um plano de trabalho junto com a escola. Mas o so também que a nossa escola arrumou um ótimo
nosso objetivo é que a equipe escolar se forta- álibi porque ela também é nossa rede, - eu estou
leça para poder trabalhar com este estudante. falando rede estadual -, a nossa rede também
Por isso às vezes eu também não tenho o sonho esqueceu o seu fazer político. Então enquanto
do psicólogo dentro da unidade escolar, eu acho nós não resgatarmos esse fazer político da rede,
que a gente precisa de uma discussão sim. Com não político-partidário, mas o fazer político da
os profissionais da saúde, pensar uma roda de ação da educação, nós vamos ter justificativas,
conversa, mas me preocupo um pouco com uma inclusive, a meu ver, o laudo é um grande equívo-
atuação diretamente na escola porque a gente co, porque o laudo, ele justifica, legitima o não fa-
pode desautorizar os nossos professores. Os zer pedagógico. Então nesse momento da minha
nossos professores que somos nós, né? Porque vida, eu gostaria muito que a gente entendesse o
a princípio eu penso que a gente ainda vai en- que é realmente uma educação inclusiva. O que
caminhar para o psicólogo que está dentro da penso que estamos longe, nós ainda estamos in-
escola e a ideia inicial não é essa. Então um dos clusive com uma legislação equivocada. A nossa
objetivos também do NAAPA é articular a rede legislação também brinca de inclusão, porque a
de proteção social e são essas rodas de con- legislação abre muitas brechas para que a escola
faça atrocidades e legitima as atrocidades que a a reflexão, o debate, a discussão de como está
15
gente vê na escola. Penso realmente que a escola a demanda escolar, as queixas escolares, como
ficou em uma situação muito cômoda, inclusive que elas circulam dentro da educação, circulam
com a questão do apoio, com a questão do cui- pela saúde, retornam para educação. É um pou-
dador, porque a escola esqueceu de pensar o que co entender esse percurso, entender como essa
era da nossa competência, ou seja, ensinar a to- criança é identificada. Essa é a nossa intenção,

crianças e eadolescentes
dos e garantir aprendizagem de todos e de cada favorecer a interlocução, fomentar o debate e

Psicologia em emergências e desastres

desastres
um, se vocês me permitem reforçar isso. Então eu fazer algumas referências que a psicologia tem
venho hoje aqui porque eu tenho algumas coisas pensado, a gente já tem. Como a Carmem colo-
e acho que gostaria de partilhar com vocês as cou no começo, um material já produzido, pensa-

emergências
ideias de vocês. É isso. do a partir do seminário de educação, uma coisa
que vem sendo feito também, mas às vezes fica
Rozi: - Quando você fala de legislação tem al-
muito restrita aos psicólogos, né, Carmem?
guma específica que você pontua?

em de
Carmem: Só queria comentar e dizendo as-

diagnóstico
Aglaé: Nossa, várias. A resolução do Con-
sim, nós não somos pouco escolares no Brasil, mas

Psicologia
selho Nacional de 2001 que anda absolutamente
somos muito poucos, principalmente nos serviços
defasada. Eu acho que a pior é a Resolução: ela
públicos. A gente tem alguns psicólogos já contra-
dá competência para escola decidir que vai ter

caminhos do
tados por secretarias de educação em cidades da
uma classe especial ou uma escola especial, e
nossa vizinhança aqui da Grande São Paulo, mas
mais ainda, essa escola especial vem com o di-
a cidade mesmo, ela no público não, nem na OS,
nheiro do Fundeb (Fundo de Manutenção e De-
nem direto, não tem. Então a nossa interlocução

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
senvolvimento da Educação Básica e de Valori-
na cidade, ela é muito pequena, mesmo no con-

e intersetorialidade:
zação dos Profissionais da Educação), questão
gresso, a gente faz congressos bianuais pela As-
delicadíssima, porque na verdade, as pessoas
sociação Brasileira de Psicologia Educacional e
passam a ser mercadorias porque cada cabeça
Escolar, vem 1.200, 1.500 pessoas, mas do Brasil
vale um tanto. A questão da adaptação curricu-
inteiro, é pouco, é muito pouco. Mas a gente con-
lar que você frisa na diferença, não das diferen-

Cadernos
tinua pensando, escrevendo, buscando junto aos
ças, mas no “o diferente”. Então a terminalidade
legisladores pensar em projetos de lei, e trabalhar

Psicologia, demandas escolares


é outra atrocidade, a flexibilização de tempo.
com projetos de lei para que vingue uma possibili-
Toda essa legislação da 2 (resolução), dá uma
dade de o psicólogo estar na educação, seja den-
brecha para escola, de uma maneira muito inte-
tro, fora, perto. Mas o nosso discurso, ele pode ser
ressante a escola não usa a legislação, mas esta
inovador, mas ele é inovador há mais de 30 anos.
legislação, ela usa e abusa porque tem viés que
Então a gente tem que abrir mais essa conversa
permite e nós supervisores ficamos realmente
e a ideia é então “vamos chamar todo mundo que
impotentes. Então alguns de nós, diretores, va-
tá interessado nisso”. Então os psicólogos que a
mos para um outro lugar, mas outros diretores
Liliane estava falando, eu já pensava, “mas como
simplesmente não, porque “tá na legislação, es-
é que chega encaminhamento, como é que vem
tamos cumprindo a legislação”. E ponto. Como
encaminhamento?”. Por que será que a gente tem
se nós educadores fossemos mero executores e
concepções parecidas, que concepção é essa?
não propositores de algumas coisas. É isso.
Como é que será que a gente seria um pouco essa
Cadernos Temáticos CRP SP

Rozi: Nossa, já passou bastante tempo, nossa apresentação, contar um pouco como que
tivemos uma enxurrada de coisas. Falando com essa turma, que é uma turma, não dá para gente
quem não estava aqui no começo, a Carmem também generalizar, que todo o grupo da psicolo-
comentou que um sonho dela era ver esta roda gia escolar pensa dessa forma, porque não, e nem
acontecendo, esse momento, e que o CRP pôde todo grupo de queixa escolar pensar dessa forma,
estar próximo desta rede e da interlocução en- porque não, mas é uma forma que nós já temos
tre a saúde e a educação, dos fazeres que acon- teoria, já temos literatura, muitos trabalhos produ-
tecem na área da psicologia e dessa interface zidos. Então vamos apresentar e vamos começar a
das áreas correlacionadas e da educação, é discutir e sair desse nosso campo só do escolar. A
uma coisa que vem sendo discutida muito no ideia é de abrir mesmo esse jeito que a gente pen-
Núcleo de Educação, mas a prática a gente não sa, que se aproxima do NAAPA e pôr em discus-
tinha conseguido fazer esse salto. E aí a ideia da são, quem sabe algumas concepções facilitem se
roda de conversa vem nesse sentido de propor a gente pensar mais parecido e não tão imediato.
Brisa: É, isso. Essa é uma primeira roda, es- você que chamou atenção aqui da minha região.
16
colhemos a Zona Norte, - quem não estava aqui Quando vocês falam escolas, que vocês vão à es-
no começo. E então é meio usar esse mecanis- cola, vocês fazem algum trabalho com a escola,
mo de roda de conversa para replicar na capital, vocês são escolas municipais ou estaduais?
né? Pensar isso que a Carmem falou de colher, de
Participante: Todas.
discutir, de debater, quem sabe em um segundo
momento. E é o meu sonho de consumo, ((risos)) Renatra: No caso, o NAAPA, são municipais,
é fazer algo na linha maior, não só município, não nós somos da rede municipal.
só a rede estadual, rede municipal, mas que essa
interlocução se amplie para ir pensando tudo que Participante: E você atende estadual e mu-
foi trazido por vocês e outras pessoas aqui, nesse nicipal?
sentido dessa avalanche que a gente tem tido de
Maurício: - Tudo. E particular.
demanda de queixas escolar que chega aos equi-
pamentos de saúde feito uma enxurrada, né? Um Participante: - Mas, na verdade só pegando
tsunami cada vez maior por conta da identificação o gancho do que você falou primeiro, eu acho que
de pessoas diferentes. Esse é o objetivo. A gente o foco, como a gente está na área da saúde e é
pensou no percurso para apresentar um pouqui- uma área que é um CAPs que é psicossocial, en-
nho umas ideias que o CRP vem pensando e esse tão não é só a área da saúde, eu acho que o foco
material escrito produzido também. principal hoje nosso, emergente a escola e a gen-
te é o segundo tópico, conhecer os caminhos do
Rozi: Eu não sei como que o grupo pode se
diagnóstico de crianças e jovens contra as queixas
organizar para propor alguma coisa ou para es-
e fracassos escolares. Acho que isso abre um ca-
tar compondo um outro grupo ou prescrever um
minho enorme para gente discutir. E eu fico muito
documento, enfim. Só considerar que o Conselho
feliz, apesar que eu acho que ainda é no início, não
Regional de Psicologia, ele tem bastante autori-
para vocês, mas para mim sim, o CRP ter se pro-
dade para propor trabalhos, para mostrar traba-
nunciado, sabe? Chamado a gente. Muitas vezes
lhos, para propor eventos, porque afinal, é o nos-
eu me sinto (em um mar) e eu tenho uma casa e é
so órgão de representação de categoria. E essa
a casa dos médicos. E existe sim leis que alguns
gestão não chama comissão, chama núcleo, mas
profissionais gostam, eu fico incomodada porque
é este Núcleo de Educação, ele também pode pro-
parece que está tendo um retrocesso “aonde a
por coisas, pensar ações.
psicologia tá entrando?”. E a gente está entrando
Participante: - Quando vocês falam em quei- em um colapso. Eu supervalido os testes psicoló-
xa escolar no curso, foi na USP, o que vem a ser a gicos, os nossos instrumentos, sou orgulhosa do
queixa escolar? que a classe já conquistou até hoje pela história
no Brasil e no mundo, porém, está tendo um retro-
Rozi: Porque a gente chama escolar porque
cesso e estão passando a demanda para área da
não é de aprendizagem, porque é outra concep-
saúde, a saúde mental que também tem sua his-
ção, e é um pouco isso que talvez a gente possa
tória aqui. No Brasil, vou falar do Brasil porque é o
conversar, porque não é o aluno, entendeu? Não
único lugar que eu estou, que eu conheço mais. E o
é ele que tem problema de aprender, é a institui-
que acontece? Todos os cursos que eu acabo fa-
ção que está com problema para ensinar. A gente
zendo cai nessa discussão, eu vejo outros colegas
mesmo. É uma outra concepção que leva em con-
falando a mesma coisa, e colegas não só psicólo-
ta alguns aspectos. O institucional é o primeiro
gos, “o que tá acontecendo com a saúde mental?”
aspecto; a relação com o professor é um outro
A gente está recebendo uma demanda, uma en-
aspecto importante nas relações que se estabe-
xurrada das demandas e a gente está aceitando,
lece com o professor. A família também, mas não
mas estamos meio desesperados. A Secretaria de
que a família tem de doente, é como a família pen-
Saúde determinou, - é só um gancho, não que eu
sa a vida escolar dessa criança, quão próxima da
queira entrar nessa discussão -, determinou que
vida escolar da criança ela está, é outra família
os CAPs, somente os CAPs reavaliem as crian-
que a gente quer, chama. E o próprio aluno, quer
ças diagnosticadas com TDH e vem para gente.
dizer, será que ele tem oportunidade para contar
A maioria dessas crianças não ficariam em CAPs,
a versão dele do que se passa...
porque CAPs a gente atende demanda de alta e
Participante: É, eu escutei os psicólogos fa- média complexidade, baixa e leve seria a UBS. A
lando em escolas, é assim, eu gostaria de saber, gente tem pernas? Não, nem UBS tem pernas, mas
a gente teria que abraçar essas demandas. Es- fiquei sabendo que o aluno tal é do CAPs?”, “é”,
17
tão todos lá no CAPs. Claro que a gente também “tá, mas ele veio transferido para nossa escola”,
não insere “ah, o seu projeto terapêutico singu- “hã?”, “mas eles são de vocês”. E assim. E uma ou-
lar vai ser tudo aqui”. Não. A gente trabalha com tra coisa também, - eu acho que estou colocando
CJ10, CCA’s11, mas eu fico pensando, a gente tem vários tópicos -, quando veio o NAAPA eu fiquei
que reavaliar essas crianças porque a secretaria, muito feliz de ouvir vocês falando que vocês são

crianças e eadolescentes
segundo o que eles visitaram alguns equipamen- professores. Super, porque assim, eu tenho uma

Psicologia em emergências e desastres

desastres
tos, vamos dizer, um foi o nosso para falar que eles ideia, - e me desculpe os professores, apesar de
acham que esse diagnóstico, ele tá bem banaliza- admirar muito, para mim é a classe que tinha que
do, todas as crianças estão com superdiagnósti- ser melhor paga seria a dos professores -, mas eu

emergências
co tomando Ritalina, que é o Metilfenidato e que acredito que a autoestima da classe está rebaixa-
eles estão dispensando muito. E eles acham que da há muito tempo. E a nossa está indo, a gente
tem que ser reavaliados. Eu também, até concordo, está indo para esse caminho.

em de
mas foi uma coisa bem tirada, porque outros mé-
Carmem: Deixa-me dar uma informação qua-

diagnóstico
dicos que já davam, não podem mais dar e a gen-
se administrativa do Conselho. O Conselho somos

Psicologia
te abraça essa demanda, claro, é uma lei, não tem
nós mesmo, então qualquer grupo que precise
como lutar sozinha. E o que acontece? Existe uma
conversar sobre o seu trabalho e pedir a ajuda do
coisa que eu ouvi na sua fala, na de vocês também,

caminhos do
órgão da categoria, o Conselho está aberto. Então,
eu acho que a história da educação entrou em co-
por exemplo, se juntar psicólogos do CAPs ir lá e
lapso. E nós estamos entrando também apesar de
falar “a gente queria fazer uma reunião com o pes-
estar com tão pouca atuação a saúde mental, a
soal do Núcleo de Saúde, pode ser?”, “pode ser”

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
gente teve a luta antimanicomial, vamos entrar se
e leva a demanda. Eu te asseguro que vocês vão

e intersetorialidade:
a gente não entrar cuidado, porque a gente está
conseguir se encontrar e vão conseguir pensar em
abraçando tudo, área jurídica, área social, cai tudo,
um encaminhamento para demanda, porque pare-
o CAPs tem que dar conta gente.
ce que desse jeito as coisas vão. Conforme você
Participante: Do estudante também vem. E falava eu me lembrava do pessoal da justiça, psi-

Cadernos
eu não acho gente, que uma questão de uso de cólogos dos presídios que os juízes queriam que
drogas tem que ser a saúde mental que tem que a única tarefa que eles fizessem fosse avaliação

Psicologia, demandas escolares


dar conta somente, vem a determinação do juiz, psicológica para mudança de regime. E eles dizen-
e alguns profissionais gostam porque abarca o do “não, a gente precisa acompanhar o preso a...”.
nosso ego, a nossa onipotência “a gente dá con- Bom, eles se juntaram, foram lá, saiu carta, saiu
ta, vamos dar conta”. Dá conta nada, a gente não resolução, o próprio Conselho Federal, foi para o
dá conta nenhuma. A gente não tem braços para federal, foi conversar no Ministério da Justiça. Faz
isso se a gente não trabalhar, e foge totalmente uma pauta política da reivindicação e pode sair,
da visão de CAPs que é psicossocial, mas vem por exemplo, uma nota técnica, uma carta técnica,
uma determinação jurídica e vem todos os órgãos que foi o que a gente conseguiu com a educação.
que também não tem braços, cobrar da gente. Então mesmo que ele chegue em uma escola, al-
Então a gente ouve muito assim “a escola...”, mas guém encaminha e diz “você pode fazer diagnósti-
são casos bizarros não é um só não, vários “eu co?”, ele falar “não posso”. “Ó, o meu Conselho...” e
isso a gente pode fazer, entendeu? Então “o meu
Cadernos Temáticos CRP SP

Conselho não autorizou, eu posso fazer isso, isso


10 O Centro para Juventude (CJ) é um espaço de referência para
o desenvolvimento de ações socioeducativas que buscam e isso”. Então é uma carta técnica de atribuição de
assegurar o fortalecimento dos vínculos familiares e o conví- psicólogo no contexto X. Eu acho que está na hora
vio grupal, comunitário e social. Atende adolescentes de 15 a
18 em situação de risco e vulnerabilidade social. da turma se juntar e fazer alguma coisa. Bom, dos
CAPs, por exemplo, e de cada grupo porque não
11 Centro para Crianças e Adolescentes (CCA): Desenvolvimento
de atividades com crianças e adolescentes de 6 a 14 anos e implica se é da prefeitura, se é do Estado, porque é
onze meses, tendo por foco a constituição de espaço de con- órgão de classe, é categoria.
vivência a partir dos interesses, demandas e potencialidades
dessa faixa etária. As intervenções devem ser pautadas em
Aglaé: Eu acho que a gente tem percebido,
experiências lúdicas, culturais e esportivas como formas de
expressão, interação, aprendizagem, sociabilidade e proteção por exemplo, no NAAPA que as ações da rede de
social. Deve atender crianças e adolescentes com deficiência, proteção, ela é muito maior, muito mais atuan-
retiradas do trabalho infantil e/ou submetidas a outras viola-
ções de direitos, com atividades que contribuam para ressig- te, por exemplo, com o CAPs do que com o Nasf
nificar vivências de isolamento, bem como propiciar experiên- (Núcleo de Apoio à Saúde da Família). A gente tem
cias favorecedoras do desenvolvimento de sociabilidades e
prevenção de situações de risco social. percebido isso, e está nos chamando atenção, se a
gente for pensar que o CAPs é um serviço, vamos Rozi: Mas se esse grupo produz e reivindica
18
dizer assim, mais especializado, e a gente tem pen- e trabalha, se ele ver o grupo de trabalho e não
sando um pouco nisso porque não dá para desco- só uma roda de conversa, o CRP toca, o CRP não
lar da sociedade que a gente vive hoje que cada faz por conta. A gente veio aqui não foi porque o
dia que você vai em um médico, ele fala para você CRP mandou, nós falamos “ó CRP, nós temos que
“você vai no especialista do especialista daquela... fazer isso”. Este grupo e nós três estamos aqui
da sua unha no dedão do pé” eu não quero, eu só hoje, tem mais gente, umas 20 pessoas no nosso
quero ver meu pé, “não, você vai no especialista”. grupo e nós viemos aqui hoje, mas é a gente que
Eu acho que tem a ver com isso também, eu acho fala senão cai como cai qualquer encontro. Aí fala
que a gente está se especializando cada vez mais, “ah, foi legal, pensei um monte de coisa, que pena
- talvez posso me arrepender do que eu vou falar que acabou”.
-, nos problemas mais do que nos sujeitos. Diga-
Participante: Tem um programa que a UBS
mos no sujeito como um todo. Então acho que isso
toca que eu acho que é bem embrião e tímido, mas
é uma das coisas que a gente vem percebendo e
que eu entendo que talvez seja um bom caminho
vem nos questionando, como é que a gente faz
até por conta da tua angústia e da tua, eu acho
para nos articular mais com o Nasf, por exemplo, e
que atende, que é o PSE, - é o Programa Saúde na
deixar o CAPs com aquelas questões mais graves?
Escola -, que ele vem justamente para abarcar fa-
Mais pontuais mesmo, eu acho que isso é uma das
mília, professor e aluno.
coisas. Mas eu fico muito feliz com o que a Carmem
falou, porque eu vou compartilhar com vocês, outro Participante: Precisa só ver de que jeito nós
dia eu fui em um evento que era até Maria Tereza vamos fazer isso.
Estevam, ontem eu falei isso para ela, eu retomei
Participante: A gente conseguiu fazer uma
de novo isso para ela, falei assim “sabe, Maria Te-
ação aqui na Escola Estadual Toledo Barbosa que
reza...” eu tinha escutado ela falar e no corredor
foi a colega da manhã que trabalha comigo na UBS
eu fui conversar com ela, eu falei assim “sabe, eu
que é da USP na verdade, que foi fazer a ação,
fico pensando como é que a gente faz para dimi-
chegou lá a demanda era: a coordenadora parou
nuir esses diagnósticos, esses encaminhamentos,
e disse “nós temos muitos alunos com dificuldade
porque assim, os professores não tão conseguin-
de aprendizagem ‘blábláblá’, os professores ‘na-
do trabalhar”, e ela disse assim para mim “claro, a
nana’ você tem...” aí ela deu uma lista, tinha 120 e
saúde não deixa”. Aquilo mudou a minha vida. Não,
tantos alunos que precisavam de avaliação. E eu
mudou completamente a minha percepção. Porque
disse “nossa, 120, né?” Não sei quantos alunos o
eu falei assim “é óbvio, você tem razão, quem não
Toledo tem. Ela pensou, pensou, a gente conversou
tá deixando a gente trabalhar é a saúde”.
um pouco ela disse “ok” como é que a gente come-
Carmem: Agora a Aglaé estava falando, a mi- çou a ação lá? A primeira coisa que foi feita foi o
nha origem é educação, mas eu sou pesquisadora trabalho com os professores.
em história da psicologia, a psicologia e a medicina Maurício: Então, por ter trabalhado dentro
sempre foram cúmplices, e se a gente quer rever- da instituição, e de verdade, desculpa para quem
ter vai ter que tencionar bravo. acha que não tem que ter profissional inserido, eu
Participante: E é um olhar onipotente. E re- trabalhei inserido, trabalhei em escola particular,
dundância, né? Híbrido porque acaba massagean- mas eu acho fantástico estar inserido, acho, de
do o ego mesmo de alguns profissionais e a gente verdade, que faz uma diferença gigante você res-
não faz nada, a gente fica naquela coisa, vou até pirar o mesmo ar, você estar dentro e estar fora
usar um termo da medicina, é paliativa, né? porque você não está em sala de aula, mas você
está assistindo o tempo todo essa questão es-
Participante: E a gente fica se especializan- colar que é da comunidade escolar, da sociedade,
do, especializando. Eu falo um pouco de mim. Eu do impacto que isso tem, e é diferente você ter 10
fico também correndo atrás disso, mas isso tam- escolas e ter uma. Faz diferença. Então da minha
bém não me impede de ver o quanto que a gen- experiência eu entendo isso. E o que eu estou as-
te precisa também de assistente sociais, a gente sistindo na ação, foi que você dá o poder ao pro-
precisa de outros profissionais, a gente precisa fessor de ele entender que ele é excelente para
abrir essas rodas de conversa, a gente precisa dar fazer uma avaliação no aluno porque ele diz para
apoio pros professores, mas os professores têm você assim “então, esse aluno, ele não enten-
que sair desse lugar de sempre só demandar. de” aí você diz assim, “mas ele não aprende por
quê?”, “olha, o que eu observo é que ele fica lá no Participante: Os três anos da Escola Esta-
19
meio da sala e qualquer coisa interfere na aten- dual Albino César eu fui do grêmio, só não fui pre-
ção dele”, “legal”. “E eu fiz uma experiência outro sidente porque eu achava muito complicado esse
dia, eu coloquei ele na primeira carteira, não é que negócio de ser presidente, mas eu, estava envol-
ele prestou atenção?”, (risos) “ah, legal, bacana. vido, (dentro de) cargo lá, e tinha isso, eu vivi uma
Me diz uma coisa: você já reparou se quando ele época do Albino que era vestibulinho para entrar,

crianças e eadolescentes
está olhando lá para lousa, ele faz assim” “é, eu que tinha uma busca incessante e extremamen-

Psicologia em emergências e desastres

desastres
olhei, ele faz” “Já pensou que talvez ele não en- te politizado, que acontece isso que a Carmem
xergue?”, “será?”. Só que ele é um bom avaliador, está falando e ir lá no CRP e dizer assim “bom,
por quê? Vamos imaginar, e assim eu falei muito vamos lá, vamos pensar aí o que nós vamos fa-

emergências
com a Educação Infantil e Ensino Fundamental I. zer” A gente chegava lá, sentava na época com
Então a visão era: você passa muito tempo com o a diretora e dizia “ó, não tá bom para gente isso
aluno, muito. Então você entra na sala tem vinte, e a gente quer saber o que que a escola pode

em de
trinta, você olha todo dia, e aí tá lá o Luizinho, ele fazer para favorecer”. E na semana seguinte ti-

diagnóstico
está sentado todo dia no mesmo lugar e ele está nha uma ação, e a gente foi conquistando coisas.

Psicologia
todo dia olhando, em uma semana o Luizinho está É tão triste hoje saber o que está acontecendo
olhando e ele está olhando esquisito, olharzinho com o Albino, como ele está e quando eu soube
dele está longe, no dia seguinte, ele está longe de que a piscina e hoje ela está concretada, aula de

caminhos do
novo, você fala “aí tem”. Pô, esse cara é um exce- natação, não era brincadeira não.
lente avaliador de pessoas, né? Tem esta função,
Participante: Tinha aula de natação, lindo
não que o professor do Ensino Fundamental II e
isso. Então assim, é possível. E ia ser legal ser pe-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
do Ensino Médio não tenha, mas essa função da
dagogo e psicólogo nessa hora porque dá essa

e intersetorialidade:
gente ir percebendo esse aluno, e a gente foi em-
alegria, de brigar internamente, né?
poderando nesse trabalho, o professor e a gente,
nós diminuímos essa lista para vinte. Maurício: Deixa-me acrescentar um elemen-
to nessa questão, que vai ficando a ideia assim,
Participante: Porque, por exemplo, você
dentro ou fora, ou como é essa articulação entre

Cadernos
olhar para o seu aluno e verificar que ele não está
educação e saúde e psicologia, é o como se faz,
conseguindo enxergar, ele... a minha pergunta é

Psicologia, demandas escolares


por que se faz e para que se faz, né? Pensando
“por que que ele precisa do Maurício?”.
que isso tudo faz toda a diferença, desses lugares
Maurício: Mas algumas coisas ele pode in- que a gente tem. E pensando essa questão que
clusive olhar e ver que o João não enxerga e sair de você trouxe também essa fala da saúde, não está
lá e conversar com a equipe de saúde. Nesse sen- deixando? Eu acho que existe, além disso, um inte-
tido eu acho perfeito. Agora, a o meu questiona- resse (mercantilista) absurdo.
mento é por que que precisa do Maurício lá dentro
Participante: É muito bonito ver o Maurício
da escola para dar este tipo de toque, entendeu?
colocar o pedagogo dele para falar. Quem está fa-
Participante: Então, mas eu não acho que o lando aí é o seu lado pedagogo Maurício?
Maurício precisa estar dentro da escola para dar
Participante: Então Maurício, eu acho in-
esse tipo de toque.
teressante essa questão, mas eu acho que ela Cadernos Temáticos CRP SP
Maurício: ...enquanto alguém que prestava não perpassa, - pelo menos é o que eu penso -,
serviço para escolas em que eu não estava inse- por um psicólogo dentro da escola. Eu acho que
rido no contexto em que eu era uma visita e que o psicólogo, ele é importantíssimo para escola,
lógico, dá para você fazer. É o que me agrada muito mas quando eu tenho um psicólogo dentro da
é poder flertar o tempo todo com o que está acon- escola, o professor joga para o psicólogo a ação
tecendo, a comunidade escolar, ela é impactada que ele deveria fazer.
todo dia por uma nova informação. Então vamos
Moderadora: Se o psicólogo não pegar, está
imaginar o seguinte: a gente tem uma chacina, né?
bom, o problema é se ele pegar.
Pode ser uma chacina, em Parelheiros, isso tem
um impacto imediato. E é delicioso estar presente, Participante: ...é preciso que um psicólogo
porque está tudo vivo, está tudo pulsando, você ajude essa criança, na verdade no diagnóstico ini-
vai lá e mexe com aquilo, chega e fala “então gen- cial. Mas eu não tenho psicólogo para atender a
te, o que que nós vamos fazer com isso?”. Isso vira minha demanda. E é o que você está dizendo, o psi-
ação social, isso vira um movimento. cólogo não quer fazer isso, mesmo que ele tivesse.
Moderadora: Então, mas a história no não conseguimos com isso, e aí tem essa atro-
20
estado de São Paulo é essa, em 1982 o Esta- cidade de dar cento e vinte, se você bobeasse, -
do tinha vinte e cinco psicólogos para o estado foi muito generosa essa escola, porque eu pode-
inteiro, e era para quê? Para fazer diagnóstico, ria até ter escola que daria até trezentos, porque
para encaminhamento para classe especial, mas todos os alunos que tem qualquer coisa que não
eram vinte e cinco para o estado de São Paulo, aprenda, inclusive o aluno que acha a professora
acho que na cidade eram treze. Em 1982 já era inclusive medíocre, então ele não aprende por-
muita gente, claro que não como hoje, mas o que que ele falou, “até logo, ela tá falando aí, eu não
nos faz psicólogos de carimbo. O Estado perde, quero nem saber o que ela tá falando”, não por-
hoje a gente faz o relatório, taca o carimbo no que ele não entende, porque ele escolheu, não
laudo. É isso que dá a garantia de que a gente é uma disfunção, é uma função. Então, ele não
é psicólogo. É importante? É importante. O que quer escutar aquilo e eu tenho muita certeza
nós estamos dizendo é que: a grande maioria, porque eu converso com o aluno, então ele fala
mas a grande maioria, por vários depoimentos, “eu não vou escutar”. Então a escola não con-
não precisa disso. segue enxergar dessa maneira, porque nós da
educação, por “n” razões sofremos um processo
Participante: Isso. E como a Renata falou, o de desvalorização, e nesse colapso que nas es-
NAAPA surge porque a maioria não entra nas po- colas está, obsoleta. Então nós pegamos todos
líticas públicas. Então acho que acontece muito é os nossos problemas que fomos incapazes e jo-
isso, o profissional que está por trás disso. Quem gamos para outros segmentos, inclusive vocês.
é esse profissional que está trabalhando para Então eu concordo neste ponto, porque a nossa
atestar ou não esse diagnóstico? Porque em mui- incompetência em trabalhar com o que devería-
tas das vezes o diagnóstico é importante. Então mos fazer, nós estamos sobrecarregando outras
a gente tem que saber fazer a leitura da medica- categorias que também não vão conseguir, e não
ção, saber fazer a leitura do diagnóstico, mas eu vão conseguir não por causa disso e daquilo,
acho que peca muito, e aí assim, acho que talvez mas que tem outra coisa que acho que ninguém
pegue a nossa área o psicólogo é que dá a voz acha aquilo que eu penso, que algumas dessas
daquela criança entrar ou não, é quem está por doenças não são individuais, elas são sociais.
trás, quem é esse profissional que está fazendo
isso, porque nem sempre aquela criança é elegí- Participante: ...você vitimiza duplamente a
vel da própria política pública, e aí a escola vem, pessoa, por quê? Ela vem de uma situação vul-
te pressiona, te pressiona, você fala “não, ela não nerável social e aí a escola, que quer ser ajudada
é” e às vezes muitos dos profissionais cede “tá porque ela quer colocar essa criatura para fora,
bom, vou atestar que essa criança tem deficiên- porque ela não tem condição, ela não se vê res-
cia para ajudar a escola”. E tem aquele profissio- ponsável, - aí que eu falo em política, que ela não
nal que fala “Não, não vou bater que essa criança se vê responsável. Então, ela vitimiza duas ve-
não é”. Então eu acho que a gente tem que saber zes. E aí como ela faz isso, ela não é qualificante
fazer essa leitura porque senão... e essa escola passa a se enxergar como vítima,
ela que vitimizou, ela reforça isso e como ela não
Participante: É que, na verdade, acho que é qualificante, ou seja, como ela não faz o que ela
três pontos: ajudar a escola. Essa frase sua é que deveria fazer, ela se vê enquanto vítima. Então é
me incomoda sobremaneira, por quê? E não por um processo. E fica na sociedade assim “olha lá,
você, é porque na verdade, ajudar a escola hoje olha lá, falou que a gente não presta. Ó lá, de
passou a ser você ser cúmplice do mau entendi- novo, ala, falou que a gente... ah, está vendo? Eu
mento que a escola tem sobre ela mesmo. falei para vocês que a gente não prestava, está
todo mundo falando”.
Aglaé: Então, eu acho que isso é uma das
questões que, desculpa dizer, foge de vocês, Aglaé: Então, e o professor, ele tem esse
está para nós, e eu estou colocando no meu colo discurso. Eu não sei como, assim, desculpa, eu
isso aqui, porque na verdade, como ela falou, nós vou parar de falar porque isso me inflama, porque
estamos sofrendo um processo de educação de eu estou com formação de professores há qua-
vitimização de nós mesmos. Então, a gente se se trinta anos, o professor não consegue largar
acha que a escola tem um público que não de- de se enxergar como vítima, ele não se enxerga
veria ter. Então nós temos um público idealizado, mais empoderado para fazer o que ele tem que
que não existe, e quando vem esse aluno real nós fazer. Então, esse empoderamento de professor,
ele perdeu. Então ele coloca coisas absurdas que Participante: Então o que que acontece? Es-
21
o impede de fazer o que ele tem que fazer. In- sas crianças são terrivelmente mal acolhidas na
clusive, a formação deficiente tanto inicial que as escola, e quando na verdade, elas não precisariam,
faculdades têm um peso imenso disso, quanto a porque no olhar de toda escola, elas seriam enca-
formação continuada que ele não busca e que ele minhadas ao psicólogo, a todo, para toda escola.
rejeita. Então ele fica em um ciclo vicioso que ele
Participante: Aí entra o que a Carmem trou-

crianças e eadolescentes
não sai, e aí que me incomoda um pouco.

Psicologia em emergências e desastres

desastres
xe, né? A questão da queixa de aprendizagem e a
Participante: Ele não sai talvez para não queixa escolar, a diferença de paradigma.
sair de uma zona de conforto porque se ele
Participante: ...mas eu queria continuar na
olhasse um pouquinho do que a gente está ven-

emergências
verdade, aquela minha fala que eu meio que parei,
do, ele provavelmente não manteria essa postu-
mas a Aglaé de uma certa forma também contem-
ra, inclusive de querer ser ajudado para colocar
plou algumas coisas, mas eu acho que é isso que
o aluno para fora, porque o que a escola espera,

em de
o NAAPA tenta fazer, porque o meu sonho é que
inclusive como supervisora, eles esperam que

diagnóstico
o professor faça essa atenção para que isso não
eu ajude a colocar o aluno para fora, desde de

Psicologia
entre, no sentido do professor se fortalecer mes-
transferência compulsória até terminalidade, to-
mo para sua atuação pedagógica e poder sentar
dos os processos legais permitidos. E isso não
com os serviços de saúde e fazer o contraponto.

caminhos do
gera felicidade para ninguém. Isso, pelo contrá-
Por exemplo, a Aglaé vai trazendo o que o pro-
rio, gera uma infelicidade enorme para todos e
fessor não consegue trabalhar dentro da escola,
para sociedade, enfim. E aí, como ela disse, eu
eu também acho que ele é vítima de um sistema,
não gostaria que isso fosse só uma conversa

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
de uma política pública, de toda uma sociedade.
legal e eu gostaria de saber o que vamos fazer

e intersetorialidade:
Toda essa dificuldade dentro da escola, ela já
mesmo enquanto grupo porque nós não temos
está posta, a gente tem pesquisas, pesquisas e
competências sozinhas.
mais pesquisas sobre isso, a coisa não está fun-
Participante: Acho que aí entra a questão cionando. Então, o professor está sofrendo, o alu-
disciplinar. no está sofrendo, o estudante está sofrendo. A

Cadernos
minha questão atualmente é “como que eu faço
Aglaé: É. E ver como é que a gente vai fa-

Psicologia, demandas escolares


para fortalecer essa escola para trabalhar?”
zer uma ação, como eu falei, daqui a pouco eu
espero me aposentar, mas enquanto não, eu Participante: E a gente tem recebido muito
gostaria de fazer alguma coisa que ajudasse, pedido do CAPs, de psiquiatra do CAPs de acom-
que as pessoas não fossem tão infelizes na panhamento terapêutico. Então daquela criança
verdade, nem o professor com aquela vitimiza- que é acompanhada no CAPs e é estudante da
ção absurda e muito menos a criança, que tem rede municipal e um psiquiatra está pedindo, co-
TDAH12, por exemplo, aquelas que os professo- loca lá que ele precisa de um acompanhamento
res falam, eu atendi, - vou parar de falar -, uma terapêutico dentro da escola. A princípio, para
Síndrome de Down que a escola falava que ela alguns professores isso é perfeito, quando você
era culpada de todo o fracasso da escola, por- pensa “nossa, que bom, vai ter um acompanhan-
que nós temos uma atrocidade maior que os te terapêutico”. Estou usando isso de exemplo
nossos alunos significam dinheiro por causa de porque qual que é a minha proposta: olhe isso
Cadernos Temáticos CRP SP

uma política nossa equivocadíssimo, que nós com estranheza. A princípio eu não estou con-
temos o Saresp, e a partir do desenvolvimento vencida de que as escolas, os estudantes preci-
desse Saresp, do desempenho, nós temos uma sam de um acompanhamento terapêutico lá na
questão de bonificação. Então a criança, ela escola, mas a gente pode conversar sobre isso,
não é um aprendiz, ela é potencialmente cash a gente não precisa pensar igual, mas a gente
na minha conta. E aí essa criança com Síndrome precisa falar sobre isso com os psiquiatras, por
de Down era tida como a causadora do fracas- exemplo. Então qual é meu sonho de consumo aí
so da escola. É isso que é terrível. no caso? É que o professor faça esse tipo de es-
tranhamento quando vem o pedido.
12 Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Classi- Participante: A gente não discute, é a escola
ficação no Código Internacional de doenças (CID 10) F90-F98:
transtornos do comportamento e transtornos emocionais o lugar deles. Eu só estou pensando em como que
que aparecem habitualmente durante a infância ou a ado- a gente pode fortalecer esse professor para que
lescência. Doença também descrita no DSM-5, o Manual de
Estatística e Diagnóstico de Transtornos Mentais. ele não venha solicitar um laudo do CAPs.
Participante: Terceiro ponto dessa história “olha, você não vai fazer, não”, e você dizia as-
22
é a família. Vou contar uma história que justifi- sim “sim, senhor”. Não é porque é uma questão
ca isso. Uma coordenadora de uma escola aqui hierárquica. Não é isso. É porque tem alguém que
da rede, uma escola estadual tem um aluno que, naquele momento detém o controle de uma situ-
em tese, ele não tem dificuldade de aprendiza- ação, que a gente sabe que toda vez que a gente
gem, mas ele tem um desvio de conduta e ele vai perde o controle. Se tem uma situação que tem
transtornando as coisas. E aí, essa coordenado- alguém que dê rumo, não ponha no trilho, a chan-
ra orienta a professora e disse para ela ter uma ce é muito grande de enrolar. Então, a estrutura
atenção especial com algumas coisas, ótimo. E eu acho que precisa ser de realmente, - e aí por
convoca os pais para uma orientação e até para isso que eu falo do papel do psicólogo na escola
entender um pouco o que é que está se passan- e entendo o quanto isso fortalece -, que aí você
do nessa família e todo esse contexto. Ouve a vai empoderar ele o dia inteiro, chegar para ele
família, há uma questão de divórcio que estaria todo dia e dizer assim “cara, é isso aí, vamos lá.
para acontecer e todo um conflito e de que eles Tá vendo? Olha aqui o resultado da nossa ação,
tiraram completamente a atenção desse menino, vamos lá fazer”. Quantas vezes dentro de esco-
que era um menino que tinha que oito ou nove la eu fui fazer atendimento junto com a coorde-
anos. Esta coordenadora usa uma expressão nação e com o professor “então vamos sentar
que foi o melhor e o pior, porque ela disse assim junto e conversar com os pais?”, “vamos, vamos
“olha pai, talvez estejamos falando de uma falta lá” e você senta e aí você vai entender a história.
de limites, e sem limites, ele não identifica até No próximo atendimento você não precisa estar,
onde ele pode ir”. Muito bem. Esse homem não porque aí professor chega lá apropriado, né? Ele
gostou, dali para frente ele fechou a cara, não sabe do que ele está falando, ele chega e diz
falou mais com a coordenadora. No dia seguinte, para o pai assim “olha, infelizmente, a gente aqui
ele foi à escola e falou com a diretora que ele está fazendo esforço sobre-humano para o teu
não admitia a coordenadora fazer uma coloca- filho aprender, mas a gente não tem contraparti-
ção como essa, de como é que ela podia dizer da em casa, a gente sabe que o teu filho passa
que eles não sabiam dar limite para o filho deles. dias inteiros sozinho, que ele fica no computador
Não contente com isso, ele veio aqui. Procurou a o dia inteiro, que ele não senta para fazer uma
dirigente da época, - isso faz muitos anos -, le- atividade, tablet, internet, celular”. Então, não
vou a história e, no dia seguinte esta coordena- tem mágica. A gente precisa de alguém que dê
dora foi destituída do cargo. Enfraquece ou for- suporte e você vê o professor empoderado. Uma
talece? E o que acontece? Essa mãe e esse pai delícia porque o resultado final é sempre o me-
vão para o meio social e vão dizer assim “olha, lhor. Então talvez o nosso grande trabalho até
apertando bem, eles fazem. Apertando bem eles acho que as (intervenções) agora nesse sentido,
fazem”. A gente pega esse professor que está é de a gente fazer um exercício que seja esse de
enfraquecido, que tem toda essa questão, ‘biriri, favorecer, já que a saúde pode ajudar em vez de
bororo’ do universo, e quando chega um pai e diz atrapalhar, seja isso “vamos empoderar o povo”.
para ele assim “olha, eu acho que o meu filho tem
que tomar Ritalina e precisa de X, Y, Z”, mas e Brisa: Mas a saúde tem perna para isso?
agora? A gente vai para saúde, chega na saúde, Porque ela acabou de dizer, - usando a fala dela
chega lá “ó, Liliane, essa mãe é barraqueira, vai -, que ela tem escolas lá no Guarulhos que ela
fazer ouvidoria”. O que que a Liliane faz? “Bom, não consegue nem dialogar. É uma das questões
vamos dar psiquiatra”. Bom, aí “ó doutor, seguin- que a gente tem discutido muito no CRP, né?
te, barraqueira, ouvidoria, já causou na escola, Nesse lugar do psicólogo. Como ele pode lidar
o pessoal lá não sei aonde já falou que a mu- com a demanda, com a queixa escolar se ele não
lher é um terror, ‘nanana’. Dá a Ritalina para ele, conhece a escola, até o psicólogo clínico.
‘bota alguém’ para cuidar desse menino e está
tudo bem.” Infelizmente, a gente foi entrando Participante: Qualquer um inclusive, inclu-
nesse barco. Eu entendo quando a Carmem fala sive o do laudo, o que essa conversa que a gente
que precisa pegar o negócio e criar um manual está tendo, ela pode servir para qualquer ativi-
que se sustente para gente fazer isso também dade que qualquer psicólogo tenha e qualquer
na educação. Agora de novo eu falo como pro- educador com as questões escolares. E não po-
fessor, eu quero de novo ver o professor como demos mais dar o luxo de fazer isso, todo mundo
eu via. O meu professor falava para mim assim vai ter que fazer tudo.
Participante: A gente vai escutando e fica de ATPC13 das escolas, e esse dia os professores
23
parecendo ações assim “eu psicóloga faço, eu precisavam estar na escola. Então houve um pro-
escola faço, eu...”. e é interessante que quando blema, porque muitas escolas passaram a fazer o
a gente fala dos laudos e dos (médicos) a gente ATPC lá no Vila Maria, isso foi perfeito.
diz assim, “porque a medicina ou a neuropsiquia-
Participante: Exatamente. E o que aconte-
tria, a psiquiatria”. Então ou a gente tem ações
ce? Quando foi repensado o TEAR e agora é na

crianças e eadolescentes
em que todos nós de saúde e educação ou então

Psicologia em emergências e desastres

desastres
supervisão, né? As meninas vão e eles debatem
a gente vai volta em um discurso “Eu fiz, eu faço,
sobre temas, não fica em um foco só, - de vez em
olha o meu jeito, olha...”.
quando deve acontecer -, mas de uma escola só,
Participante: Talvez isso responda ao que de um indivíduo só, mas abrangendo mais. Só que

emergências
você trouxe, em quais as ações. eu fui contra porque eu falei “não, mas tem que
ser para os professores, não pode ser só para su-
Participante: Isso. Quais ações, mas quais pervisão”, mas outros profissionais acabaram que

em de
ações, que a gente pensa em notas técnicas, em falando “não, a gente também tem que mexer um

diagnóstico
referenciais, e todos nós independente do psicó- pouco com a supervisão” e eu concordo. Mas eu

Psicologia
logo que você vai encaminhar, porque senão você fico pensando: o que que a gente faz? É atuar, - que
vai começar a dizer assim “ó eu encaminho para é uma coisa difícil para gente -, também junto à ca-

caminhos do
Rozi, mas não encaminho para Lilian”. E não é essa tegoria médica, porque é o grande dono da casa,
função. A gente fala em nome de uma classe, de gente, infelizmente falando isso. Um profissional
uma categoria, a gente fala de professor, - porque de saúde, o psicólogo já é um profissional chato, a
eu também sou professora e me incluo -, assim, gente sempre questiona, problematiza todo lugar

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
eu falo de professor, eu quero que o meu filho es- que eu vou, hospitalar, seja onde for todo mundo

e intersetorialidade:
tude, quero que (eu tenha) um aluno e que possa fala “aí, é psicólogo”. Porque a gente não aceita
ser recebido por todos os professores e por todas do jeito que vem, a gente sempre vai problemati-
as escolas. E daí talvez volte um pouquinho nessa zar e estudar e ver para depois dar a nossa opi-
discussão que a gente estava falando assim, não nião, mesmo que depois a gente volte atrás. E o

Cadernos
estou preocupada com aluno da inclusão, estou profissional de saúde mental pior ainda, porque o
preocupada com uma escola onde todos caibam. profissional de saúde mental é aquele profissio-

Psicologia, demandas escolares


nal barraqueiro, né? ((risos)) E o que acontece? A
Participante: E tem uma coisa que a Aglaé gente sempre questiona. Então assim “o que que
falou, e você estava falando e eu fiquei pensan- eu faço?”. Eu posso responder isso agora. Mas eu
do, esse folder aqui, ele fala responda o psicólogo, nunca falo só enquanto indivíduo porque eu acho
né? “Psicologia todo dia, onde e como você faz” e que tem muitos colegas também que fazem... se
pensando nessa ação, eu fico pensando, o CAPs lá saúde mental que fazem isso, o que a gente faz
onde eu trabalho, ele só tem cinco anos. O CAPs de todo dia, o nosso fazer, onde e como você faz? É
Santana infantil é o primeiro eu acho da capital. En- com profissional médico porque nem todos têm a
tão só tinha ele, e surgiram outros CAPs e o nosso formação deles, é muito diferente da nossa, é uma
só tem cinco anos, ele é novo, mas quando a gente formação muito de hierarquia, vertical onde eles
surgiu, aqui, a região não tinha, não tinha nenhum têm que cumprir algumas coisas e eles precisam
serviço, só as UBS’s, e a gente começou a receber ser onipotentes, eles precisam dar uma reposta
Cadernos Temáticos CRP SP
as demandas e o Santana começou a mandar. Mas e uma resposta eficaz, porque eles também são
só que eu acho que a gente construiu uma história chatos na questão de serem superdetalhista e
junto com as escolas e dependendo do andamen- ter que responder a tudo, 100%. Então quando a
to que está aqui, das demandas, que vão chegan- gente chega para o profissional e fala, “mas por
do, a gente também tem responsabilidade nisso e que que você vai afastar? Por que que você vai
o Tear foi um dos trabalhos bem legais que a gente afastar esse aluno? Mas que doença que ele tem?
gosta de falar, porque assim, antes era aberto aos
professores para ir, mas no começo a gente teve
bastante professores que iam, só que depois eles 13 Dentro da jornada de trabalho do professor, dois terços de
começaram a parar de ir porque a secretaria, não sua carga horária devem ser cumpridos na sala de aula e ou-
tro terço desse tempo remunerado é destinado a atividades
sei se não deixava ou não abria para eles. pedagógicas extraclasse, para que o docente planeje suas
aulas e aperfeiçoar a prática pedagógica. Esta conquista,
Participante: Não, na verdade, não foi isso. garantida na legislação brasileira, recebe o nome de horário
de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) ou aula de trabalho
É que vocês mudaram o dia para o dia principal pedagógico coletivo (ATPC).
Que diagnóstico você vai dar?”. Porque no laudo Participante: Pedimos afastamento. Porque
24
tem que ter. Ele para e volta e fala “é”. Então, a assim, a pressão é muito grande. Eu fiquei acaba-
gente chama a consciência dele. E é um exercício da quando eu ouvi falar que eu fazia parte de uma
diário que a gente faz todo dia, e a gente não dá, equipe que era a pior, eu sei que nós não somos,
a gente não cede. A gente ouviu de uma diretora pior para quem?
assim, “o CAPs Vila Maria é o pior CAPs”. Por quê?
Participante: Pior de que ponto de vista?
Por causa do número de ouvidoria, porque a gente
tem mães sim, muitas mães chiliquentas, - des- Participante: Então, e a gente se ampa-
culpa (a palavra) -, ((risos)) e que a gente não faz rou nisso. Porque a gente ouve de outros lugares
o que elas querem, porque a escola manda elas coisas muito diferentes do que essa pessoa fa-
virem pedir laudo, a gente não dá e a gente bar- lou, mas só que a gente também é subordinada e
ra o médico porque a gente chama a consciência a gente tem o nosso emprego, a gente depende
da saúde mental. E o médico, ele se envergonha, dele, até certo ponto a gente consegue fazer pres-
porque a gente chamando a consciência dele para são. Mas eu acho que falta isso mesmo da nossa
saúde mental, ele acaba tendo que aderir à equi- parte, a gente pedir ajuda para o CRP.
pe maior, porque eles não vão poder dar o laudo,
porque ele sabe que é interdisciplinar. Só que a Participante: É, mas você sabe de uma coisa
gente só pode ter gerente médico lá, e as (OS’s) que não pode ficar perdida? Vocês estão em uma
estão pondo a cara delas. E é “socorro, CRP” a OS, é privado, não é serviço público. Então, é muito
gente já pediu socorro outras vezes sim, mas não mais difícil, mas é muito, muito, muito mais difícil, e
vamos entrar na questão. Mas, por quê? Porque eu tenho a impressão que a gente ainda não sabe
é isso que a gente faz. Então o que a gente pode como lidar. Com o serviço público acho que os anos
fazer? É não dar o laudo. Quando precisa, vamos de militância política, mesmo (adoecidos) e está,
dar sim, vamos ser os primeiros a falar “não, dou- ensinaram como fazer no público. Agora, essa coi-
tor, eu concordo, vamos discutir com o médico e sa que eu chamo de terceirizada, - e daí você já
tal”. Só que assim, não são todos psiquiatras que vê (de lugar) que eu falo -, é muito mais difícil, por-
estão abertos, porque a formação deles é muito que você tem um patrão, você não é funcionária,
diferente da nossa, não é uma formação interdis- você não é servidora, o servidor, ele tem um outro
ciplinar, agora que eles estão indo, a gente tem re- lugar. Por mais magoado ou por mais (ferido), ele
sidências de pediatria também. Mas, a gente tem tem uma autonomia que lhe é dada pelo concurso
responsabilidade em relação à demanda que está público, pelo lugar que ele ocupa. É muito diferente.
vindo. O CAPs Vila Maria Vila Guilherme tem essa Ele está fraquinho, mas ele pode, ele tem a auto-
responsabilidade em relação à Zona Norte, porque nomia, um grupo de professores tem autonomia de
nós somos o primeiro CAPs e a gente construiu tirar um diretor, não precisa da ouvidoria da (mãe),
juntos essa história. Mas a gente tem bastante eles tiram. Tem uma autonomia de trabalho, ele en-
profissionais querendo mudar isso. Agora, eu acho sina o que ele quer, mesmo que ele diga que tem
que é por aí, o que que a gente contribui, a micro. que seguir a cartilha X, ele ensina o que ele acha
Vamos pensar de uma forma muito micro, mas a que tem que ensinar, e a gente que não sabe direi-
gente de certa forma está fazendo uma diferen- to conversar com eles porque eles pensam assim,
ça na formação de alguns pediatras e psiquiatras quanto mais você fala “tem que fazer, tem que fa-
que eles estão indo lá fazer residência. E a única zer, tem que fazer” menos é (assim), porque não é
coisa boa que está vindo da SPDM é porque são assim que se faz.
profissionais da Unifesp (Universidade Federal de
Participante: Então, eu acho que isso é inte-
São Paulo), a gente está também conseguindo e
ressante. O que precarizou foi o trabalho do psicó-
está sendo uma referência, e o (Santana) também.
logo, e eu acho que isso a gente tem que pensar
A outra coisa que eu fico pensando é na formação
também. Nós não vamos falar em salário, mas eu
dos pedagogos.
tenho impressão que são salários baixos.
Participante: E quem falou que nós somos
Participante: Eu acabo conversando com
os piores foi uma psiquiatra, ela saiu de lá, graças
algumas OS’s e com algumas OS’s não, com al-
a Deus, pela minha saúde mental, porque nós tam-
guns psicólogos da rede que existe uma reunião
bém adoecemos, gente.
de psicólogos do Santana, Tucuruvi e Tremembé,
Participante: Nós também tomamos remé- que a gente conversa entre si, e eu vejo a preca-
dios porque a gente vai pedir ajuda. rização do outro lado, do lado do Estado, do lado
do município, onde não existe um direcionamento mento que ele está ajudando, ele está bem satu-
25
do trabalho, não existe um controle do psicólogo rado, que são CJ’s e CCA’s, que é do serviço social,
que está na UBS dele abraçar três, quatro servi- porque as crianças ficam no contraturno.
ços diferente. Então eu acho que são realidades
Participante: Esgotados, gemendo ajuda
distintas. Na minha região, eu acho que é positivo
nossa.
o que a OS vem fazendo porque há uma educação

crianças e eadolescentes
continuada, há um favorecimento da gente partici- Participante: E a gente fica mesmo penaliza-

Psicologia em emergências e desastres

desastres
par dos estudos da Unifesp, coisa que também foi dos porque eles também precisam e são professo-
ofertado para o psicólogo do município, só que tem res também, oficineiros, professores, educadores.
muitos poucos, a maioria lá é OS. Aliás, os públicos
Participante: Exatamente e é a classe pior

emergências
vieram de outro estado.
paga. A classe social, que eles falam que é a assis-
Participante: Eu estou fazendo uma crítica tência. Mas assim, o que eu quero, - só fechando
maior, que era de o público desprezar os servi- a minha fala nesse sentido -, é que a prefeitura,

em de
ços de saúde e começar agora desprezar os de o Estado não tire o time de campo, tudo que as

diagnóstico
educação, como já desprezaram os SAICA’s, e na OS’s fazem é junto com o poder público. Eles des-

Psicologia
saúde isso é assistente social que está privati- caracterizam que é o que não poderia ser desca-
zada há muito mais tempo e muito mais jogada. racterizado. Só para dar um exemplo, o nosso ma-

caminhos do
Quando a gente vai para esses lugares, a gente triciamento, que é um serviço de CAPs que a gente
vai diferente. E você vai me dizer que há algumas deveria estar nas escolas, nos CJ’s, nos SAICAs e
vantagens. De fato, há vantagens porque o es- tal, no CAPs Infantil II Vila Maria Vila Guilherme a
gente tem que fazer lá dentro só com as UBS’s,

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
tado declinou. Ele não quis mais e ele vende. Ele
vende a população, - a população é a mercadoria dentro do CAPs.

e intersetorialidade:
-, ele vende a população para OS.
Lilian: Mas você tem agenda interna então?
Participante: Então eu posso até falar um Participante: Em vez da minha agenda ser
pouco para vocês do nosso quadro atual. A grande externa, porque pela porcentagem eu teria que

Cadernos
desvantagem, que é essa questão de você preci- estar mais na rua do que dentro, porque a gen-
sar lutar pelo seu emprego, precisa mostrar o que te não é ambulatório, não é para eu fazer clínica

Psicologia, demandas escolares


você sabe no serviço. Então na nossa região, está toda hora, eu posso fazer uma ou outra nos ca-
uma região totalmente largada, as OS mudaram o sos mais graves. Só que o que acontece? A gente
tipo de contrato, é até uma coisa que a gente já não pode sair porque não tem carro, e pela lei a
mandou até uma carta para o CRP. gente deveria ter um carro para o CAPs, ele é ser-
Participante: É, então. Algumas regiões tão vido aos hospitais, as UBS’s. Só que vamos fazer
sendo mais bem amarradas, e a SPDM deles quer concorrência com UBS? UBS tem vacina, tem o
a nossa região, e uma outra OS entra para barrar dia da vacina, a vacina vence, tem os remédios,
que essa SPDM entre. Então há um jogo político. é prioridade porque a população precisa também
disso. Então eles vão sempre passar na frente.
Participante: ...na medida em que você tem O nosso trabalho que seria mais para fora, tra-
uma política pública com continuidade, você tem balhar com os adolescentes, porque eu não vou
uma gestão que vem de fora, se faz como quer. com os adolescentes lá dentro, um adolescente
Cadernos Temáticos CRP SP

Existe jogo político de poder. que ele está na rua, que ele sabe quais as dro-
gas, ele vai ficar lá dentro daquele CAPs? É uma
Participante: Por que a prefeitura não tira
concorrência desleal com a gente. E chegam para
o time de campo, é o Estado, né? Por quê? Porque
gente e fala “vocês não são atrativos”, a nossa
eles que continuam determinando, as nossas
direção chega para gente e fala “vocês têm que
agendas vão ser refeitas e vem porcentagem do
ser atrativos”, “mas gente, eu não sou oficineiro,
que eu posso fazer.
eu não sei mesmo, eu vou ter que ir atrás”.
Participante: E o repasse é proporcional
Participante: O trabalho que vocês fize-
(àquilo que libera).
ram é fundamental. E a gente não encaminha
Participante: É. Eu posso fazer X% de aten- para lá para ter um laudo, mas a gente percebe
dimento no individual, 100% para o centro de aten- que os professores que sabem que o aluno pas-
dimento e grupo, e o matriciamento que a gente sa pelo CAPs, ele fica mais confortável, porque
deveria estar nas escolas. Tem um outro equipa- ele sabe que ele tem parceiros que estão olhan-
do o outro lado, ele não passa a responsabilida- Participante: Quando a gente conversa
26
de para o CAPs, mas ele entende o CAPs como de órgão para órgão, a chance de a gente ter
um parceiro, então assim “eu vou tentar fazer evolução parece muito maior. Então, o que que
a minha parte porque a mãe está fazendo e le- eu entendo? Enquanto Norte 2 vocês consegui-
vando no CAPs”. rem ir à subprefeitura, que tem especificamente
a área de saúde, e dizer assim “olha, existe um
Participante: Os alunos tiveram a questão
programa muito bacana que é o PSE Programa
do dentista, eles iam e levavam as crianças. Deu
Saúde nas Escolas que a gente enxergou bons
supercerto, foi superbom, todo mundo gostou
resultados só que a gente não consegue viabi-
muito e cada um na sua área fazendo o bem-es-
lizar. O que que a gente tem que fazer? Como é
tar da criança, os professores se sentiram com
que a gente favorece isso?”. A gente sabe que
respaldo técnico que não é da área deles, mas
lá no (Carandiru) eles fizeram um trabalho bom,
eles tinham esse respaldo. Então foi muito legal.
no (Guilherme) eles fizeram, no (Japão) eles fize-
Só que era assim, era uma sala de manhã e uma
ram. E como é que a gente faz para viabilizar uma
sala à tarde. Esse ano é uma sala de manhã e o
abrangência maior disso? E eu acho que esse é
ano que vem uma sala à tarde. Então é o irmão
um caminho fundamental. A gente enquanto OS, -
no primeiro ano que precisa, que está morrendo
e eu acho que talvez alguém não concorde comi-
de dor de dente, mas vocês estão com proje-
go, não concorde em nenhum sentido -, é a hora
to no segundo B, entendeu? Então acaba não
que a gente se amarra é essa, que se você for lá,
atendendo a demanda. É esse compartilhar de
levantar a mão para gritar, “mas isso tem que mu-
ações, é fundamental. Eu acho que isso precisa
dar” “psiu, rapazinho, senta e ficar quietinho, (não
ser fortalecido.
é para fazer alarde), você não entende disso, seu
Participante: Aí sim, quando a gente pega papel é ser psicólogo, não vai ficar se metendo
o que que limita a gente. Então para justificar em política que política é outro universo”.
duas coisas. Primeiro: eu falei na primeira fala
Rozi: Não sei, eu entendi que pelo que você
que a gente tem um déficit de quarenta e pou-
falou, para fortalecer uma ação que é vista como
cos funcionários. E tem por quê? Porque no novo
boa e parte da escola e parte dessa educação e
contrato da SPDM com a prefeitura diz que: para
da saúde, que está se perdendo um pouco, era
fazer contratação tem que ser via processo se-
a educação cutucar a instância superior e dizer
letivo, como se fosse concurso. Isso vai levar 6
“aquilo foi bom para gente, como a gente faz
meses para acontecer, por isso que vai demorar,
acontecer”. Eu diria: e a saúde, o que deve fazer
obviamente. Eu sou da UBS Carandiru. Aí a se-
ou o que poderia fazer a partir das nossas discus-
gunda questão: para eu poder me deslocar para
sões que deveria também fazer esse movimento
unidade escolar, o que que preciso fazer? Preci-
para chegar na educação.
so justificar. E a gente usa um sistema, sistema
enrijecido que chama Siga que ele não reconhe- Participante: É. Não, não, acho que nesse
ce nada, ele reconhece atendimento individual, ponto sim. Acho que pensando nessa questão da
atendimento em grupo e triagem, e não se con- OS, eu acho que qualquer ação política não vejo
versa. Então eu tenho que ir lá colocar um códi- como impossível, mas eu entendo que se a Márcia
go dizendo que eu estava fazendo alguma coisa vai lá e age desse jeito, eu me disponibilizar a fa-
para gerar produção, para gerar a receita. Ok? zer é a minha parte. Então assim, eu imaginar um
Ok. Como é que eu justifico que eu estava uma projeto, uma proposta, idealizar, criar alguma coisa
tarde inteira fora da UBS? A gente não consegue que realmente empodere o professor, que traga
no CER, - que é reabilitação -, justificar atendi- esse pai para discussão e que ele entenda que pa-
mento compartilhado, que é prerrogativa do CER, pel cada um tem, eu acho que se eu me disponho
é prerrogativa. Então, tem que ter lá o atendi- a criar, a produzir, a definir, a estabelecer, eu acho
mento fonoaudiológico, com fisioterapeuta, com que eu estou fazendo a minha parte sem ferir as
Terapeuta Ocupacional, psicólogo, todos traba- relações trabalhistas e “blábláblá”.
lhando com aquele paciente. Não pode, porque
Participante: E isso justificaria lá esse núme-
não tem código de atendimento compartilhado. E
ro que você tem colocado e dizendo que você pode
a SPDM está lutando, lutando, - que essa é a ex-
ficar fora da sua unidade.
pressão -, com a prefeitura, para conseguir defi-
nir um código de atendimento compartilhado. E é Participante: Porque eu tenho muito alu-
esse absurdo que não faz sentido. no que não aprende porque ele tem dor, eu tenho
muito aluno que não aprende porque ele tem uma essas ações que a saúde faz, ele já está aprova-
27
vida social muito difícil. Então para professora fica do na nossa diretoria. Então, eu não vou inventar
mais fácil “vai pro psicólogo pegar um laudo” do a roda. Eu vou pegar essa proposta aqui e levar
que olhar para o real problema dele. Então qual é para minha dirigente, eu jamais iria na secretaria
o problema dele? É a dor de dente. Então aí sim a do município e falar “olha, eu sou a Márcia e vim
saúde é extremamente importante. aqui” eu não sou ninguém.

crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres

desastres
Maurício: O trabalho que a odonto tem com Participante: É assim, de algo que, a agen-
a escola é muitas vezes a porta de entrada para o da ou a comunicação, seja feita antes de fazer a
paciente que vai vir para a gente. Então, eles che- programação dos lugares.
gam lá e voltam “ó Maurício, eu estou te encami-

emergências
Participante: Eu primeiro quero até agra-
nhando esse, esse e esse e ó, a demanda é muito
decer ao CRP porque uma das coisas que eu ve-
parecido, será que você não consegue formar um
nho pegando no pé de mim mesmo quanto psi-
grupo?”. “Ah, legal, eu vou avaliar e se eu enten-

em de
cóloga e com os psicólogos, é dessa conversa
der...”, é a hora que a gente forma o grupo. Grupo

diagnóstico
com a educação. Porque eu acho que a gente
de dificuldade de aprendizagem.

Psicologia
ficou muito especialista em educação, mas não
Márcia: É a moda, mas a gente precisa tra- junto com a educação. Então isso é uma das
balhar. Eu acho que vocês têm formação para tra- coisas que, para mim, me vem, eu tenho falado

caminhos do
zer essa formação para o meu professor, para o em vários lugares que a gente já se encontrou
coordenador, para ele estabilizar essa situação em outros, e eu sempre falo isso, falo “puxa
emocional desses adolescentes que não está no vida”. E quando a Carmem falou, “a gente quer

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
nosso colo, mas a gente precisa participar. conversar com os professores, a gente ainda

e intersetorialidade:
não sabe como, a gente não sabe conversar
Participante: Vou defender a Márcia, nessa
com eles”. Então acho que eu parabenizo a ini-
questão de que caminho que ela estava tentan-
ciativa de “bom, agora a gente tem que pensar
do fazer o caminho contrário, e eu estou pensan-
em como conversar com esses professores”.
do na situação aqui nossa do nosso cotidiano. A
Não tem nada melhor dentro de uma diretoria

Cadernos
Márcia é uma pessoa cujo trabalho é espetacular
de ensino. É diferente. Eu acho que é um bom
aqui dentro da diretoria, mas, a autonomia dela

Psicologia, demandas escolares


lugar para isso. Uma coisa que eu acho que eu
para fazer certas coisas é restrita. Por quê? A
esqueci de falar do NAAPA, é que a equipe do
função que ela exerce é uma função designada.
NAAPA é uma equipe itinerante, que eu lembrei
E vou defender os outros colegas supervisores
de falar isso a hora que vocês estavam falando
rapidamente, porque para você ter ideia, o nos-
do CAPs. A equipe do NAAPA, ela não fica na
so módulo aqui são vinte e dois supervisores, só
Diretoria Regional de Educação, ela fica nas es-
tem cinco efetivos, o que significa que todos os
colas, só que a Joice não fica em uma escola, a
outros são designados.
Joice e a Nelma, elas caminham, transitam pelas
Rozi: Conseguimos dar à luz para muitas das escolas a partir das demandas das escolas, e
questões, né? Pessoais e de pequenos grupos e não necessariamente só psicóloga, de repen-
das duas áreas, desvelamos então. te é a Joice junto com as outras profissionais.
Então, elas vão transitando nas escolas. Mas
Carmem: Acho que assim, um dos objetivos
Cadernos Temáticos CRP SP
eu só não queria perder o foco da educação da
da roda era justamente isso. Era fomentar essa
função, que é processo ensino/aprendizagem, é
discussão, trazer as questões que nós estávamos
escolarização. Então dentro da escola, a gen-
um pouco apartados, algumas a gente sabe, ou-
te tem uma função que é com aprendizagem e
tras nem tanto, né? Da prática. Então isso aconte-
conhecimento desses estudantes. Então estou
ceu, essa parte que era de mobilizar as demandas.
chamando atenção para isso porque provavel-
A gente pensando “que encaminhamentos a gente
mente aqui nessa região quem vai acompanhar
traria disso?”. Veio uma sugestão aqui, por uma
mesmo é a Joice e a Nelma, que são as psicó-
questão pontual ali, talvez a gente possa pensar
logas desta região, mas para gente não perder
se a gente direcionaria para algum outro encami-
isso de vista, porque que o lugar da escola é o
nhamento, para mais encaminhamentos que esse
lugar da aprendizagem e do conhecimento. En-
grupo faria, porque deu luz, né? Foi foco.
tão acho que todas as ações e todas os tra-
Participante: É, porque esse programa, ele balhos que forem pensados junto à escola, é
já acontece na educação, só que já existe então, visando isso.
Rozi: Até para completar: uma das ações do Participante: Eu acho que pode ser um eixo
28
CRP tem sido fiscalizar passo a passo todos os para gente sempre retomar, sabe? Quando a gente
projetos de lei que se tem saído para professor pensar em sair “não, mas e a educação?”.
diagnosticar dislexia, TDAH, porque eles começam
Participante: É. A gente sai, é, eu falo por
atribuir outras funções que não é socioeducativa,
mim também. E a outra coisa que eu quis dizer
de aprendizagem pedagógicas.
da pedagogia, não é defasada nesse sentido, da
Participante: Então, mas acho que quando questão social, não porque quem sou eu para
ela está falando, e pelo que eu vejo a maioria falar das outras áreas mas é só dessa questão
das pessoas que têm essa visão, é assim: é po- que eu acho, por exemplo, ainda se ensina uma
tencializar o professor, não para dar o diagnós- coisa que está obsoleta da psicologia e ensina
tico, a gente precisa saber que ação pedagógica para os professores que estão em formação. E
tem que fazer com essa criança independente o que acontece hoje, aqui, agora, em todos os
do que ela tem. Hoje eu concordo quando ela lugares, a gente não vai discutir? Não vai traba-
fala que a pedagogia está defasada, o curso, lhar com esses professores... esses alunos que
pela sociedade atual que a gente tem, mas ao vão sair professores? Que é o que está aconte-
mesmo tempo, esses professores estão bus- cendo nas escolas. Eles vão saber quando dar
cando capacitação. E eu falo porque eu tenho um estímulo ou quando reforçar, quando com-
experiência com professor estadual e municipal portamento ou não reforçar, tal. Eles vão saber
que eles não ganharam pontuação nenhuma, os isso? Um pouco, porque se você não for estudar
benefícios que têm que eu não sei falar porque mais, você não vai saber, nem a gente que é psi-
eu não sou da educação. Eles foram participar, cólogo se a gente não é dessa área, a gente não
nós demos capacitação para professor da rede sabe muito. E o que está acontecendo na socie-
municipal, dez sábados, eles foram dez sábados, dade? Porque cada vez mais tem esse trabalho
a gente tinha 70 professores de livre e espon- interdisciplinar, e eu acho que tem que também
tânea vontade procurando. E é para dar o diag- ir à educação lá dos professores, assim, como
nóstico? Não. É para saber “como é que eu faço nossa de psicólogos também que em algumas
com essa criança que tem problema que eu não áreas está bem obsoleta.
posso mandá-lo sair da sala, não é isso que eu
Participante: Mas eu acho, Carmem, que
quero, mas eu não sei fazer isso, eu não sei o
quando a gente senta para conversar e quando a
que fazer com ele”. E dá chance para o professor
gente aproxima esse contato e a gente partilha
falar “eu não sei” por que muitas vezes o profis-
das nossas angústias e das nossas práticas, eu
sional vai acusando o professor, “mas você não
acho que isso já é um caminho muito importante
sabe como fazer?”. Não. Porque ele não tem que
é o que a gente tem tentado fazer assim, nos
saber o que fazer, eles estão procurando, ele
aproximar, e a gente vai nos fortalecendo diante
não fez esse treinamento ainda.
disso. Acho que a gente passa a entender as difi-
Participante: É isso. Tanto que eu penso que culdades dos colegas e de outros que vivenciam
o diagnóstico tomou conta da educação por conta isso no dia a dia e eu acho que nesse momento
disso, um dos motivos foi esse. a gente começa a pensar em soluções. Não vai
vir pronto, acho que depende de cada um de nós
Participante: É um retrocesso se a gente pa- construir algo, mas já vem “ah, de repente a gen-
rar para pensar. te mexe aqui e encontra o caminho ali. Estreita
algo aqui”, e a gente vai construindo algo, né?
Participante: A história da psicologia com a
Estando mais próximo.
educação?
Participante: Fiquei pensando no que você
Participante: Concordo. Então, ele vem dis-
falou lá no início da roda, que assim, a gente tem
farçado dizendo “bom, se eu der o laudo disso...”,
que saber o que significa cada uma das siglas.
não, disfarçado, ele vem disfarçado por vários mo-
Para até poder ter um diálogo e outros diálogos
tivos, inclusive econômicos, mas um dos é que, eu
que não seja só esse.
sabendo o que tem essa criança eu consigo traba-
lhar melhor o conhecimento e aprendizagem. En- Lilian Suzuki: Estamos no CRP em processo
tão eu reforço isso, porque algumas vezes, - isso de validação de uma cartilha popular para pensar
já aconteceu comigo também, não estou isenta como é que a população pode estar usando mais
disso -, que essas coisas vêm disfarçadas. o serviço do psicólogo que trabalha na educação.
Participante: E os nossos diálogos, né? Ou o outro, ouvir o mais jovem, ouvir o pessoal falar
29
que o sistema, ou que um código impede o psicó- assim “não, eu não posso ficar só nessa queixa,
logo de estar dentro da sala de aula. o que eu vou fazer com ela?”. E ver que é possível
porque vocês estão aí, né?
Participante: Dessa roda eu achei legal
porque meu marido é funcionário público tam- Participante: Eu quero dizer que na verda-
bém, ele trabalha na subprefeitura e ele também de, eu agradeço, mas é que isso para mim é um

crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres

desastres
já deu o tempo de se aposentar, mas ainda não negócio que eu me sinto absolutamente compro-
se aposentou, não vai se aposentar por causa missada, porque eu não poderia pensar de outra
dos nossos projetos. Mas eu acho que uma das maneira, porque acho que partilhar o que eu vejo
coisas que eu pego dele, e me anima muito, as com o outro, que não necessariamente é o corre-

emergências
contribuições das pessoas que não entregaram, to, mas partilhar o que eu estou vendo, inclusive
não jogaram a toalha, que ainda estão animados, quando você falou, para escutar alguém para fa-
mesmo já tendo trabalhado muito. E vocês con- zer o contraponto, para ampliar ainda mais ainda.

em de
tribuem, e fazem toda diferença quando eu vejo Então acho que é isso, acho que essa partilha que

diagnóstico
vocês falando, eu acho que faz toda diferença as pessoas esqueceram porque essas partilhas

Psicologia
para a gente continuar. Eu não sou tão nova de seriam fundamentais, então a Carmem falou assim
idade, sou nova na área, eu tenho 10 anos de “não sei que... encaminhamento”, mas acho que

caminhos do
psico, pela minha idade eu ainda sou novíssima, não importa muito o encaminhamento.
tinha que ter mais, mas eu vejo ele falando as-
Participante: É o próprio processo.
sim. Mas, se não fosse vocês que estão há mais
tempo, não sei, esse excesso me fortalece mui- Rozi: Processo, né? Respondendo à sua per-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
to, porque às vezes eu fico muito cansada, é o gunta inicial, eu vim aqui para saber que história,

e intersetorialidade:
defeito de quem é muito crítico porque fica can- essa história. Essas três horas que tivemos junto,
sado das próprias críticas e não consegue fazer eu acho que enquanto CRP todas as nossas ex-
nada, mas vocês me animam bastante de “não, pectativas foram atendidas com essa roda com
eu vou continuar sim”. E assim, parar para ouvir vocês, e convidar para um cafezinho final.

Cadernos
Psicologia, demandas escolares
Cadernos Temáticos CRP SP
30
Os caminhos do diagnóstico de
crianças e jovens, partir do olhar
dos psicólogos: da queixa escolar
e aos serviços de atendimento
Brisa Campos
03/06/2016. Sede do CRP SP (São Paulo).

Brisa: Boa tarde, meu nome é Brisa, eu trabalho no do Núcleo de Educação que vão se apresentar e
CRP, vim representando o CRP (Conselho Regional também do Núcleo de Saúde do Conselho Regio-
de Psicologia). Eu pensei bastante nessa mesa, fui nal de Psicologia, por isso que vocês estão ven-
uma das idealizadoras dessa roda de conversa, do mais gente hoje. Para iniciar, eu sou a Rozi,
muito por conta da aproximação, sobretudo, na in- atuo como psicóloga, tanto na área da educação
terface da saúde com a educação. Eu sei que hoje como psicóloga escolar, quanto na área da saú-
é uma continuidade de uma roda de conversa que de, no atendimento de pessoas com deficiência
aconteceu em novembro, eu estava de licença- lá no ambulatório.
maternidade, mas eu tive um feedback muito ba-
Dinorá: Meu nome é Dinorá, eu sou professo-
cana, foi uma conversa legal que vocês tiveram. E
ra-coordenadora do Núcleo Pedagógico (PCNPs).
eu recebi uma avaliação muito bacana que houve,
de fato, uma troca interessante entre os profissio- Aglaé: Meu nome é Aglaé, eu sou supervi-
nais, acho que era esse um dos objetivos que que- sora de ensino e eu não vou falar no início, mas
ríamos que acontecesse. E a pedido desse grupo, eu gostaria de estabelecer uma parceria, que
o CRP organizou uma segunda roda de conversa, nós estamos agora com uma plataforma virtual,
para dar seguimento e fechamento na conversa e que eu gostaria muito que vocês fossem par-
que aconteceu nesse primeiro momento. Então, a ceiros nessa parceria. Todos os professores têm
gente escutou essa solicitação do grupo, e volta- acesso a todos os gestores, as setenta e uma
mos. Eu gostaria de abrir uma coisa que eu pensei escolas tem acesso a essa plataforma. Acho que
para vocês, ver se está todo mundo de acordo. Eu se vocês aceitarem essa parceria, depois a Már-
pensei de cada um se apresentar rapidinho, nome cia pode dizer. Nós oferecemos uma sala para
e o que faz, e a Carmem dá início a um debate que vocês dentro dessa escola virtual, e acho que,
ela propôs, falando um pouco da posição da psi- me arrepia até, porque depois a Márcia pode ex-
cologia frente ao diagnóstico das crianças e esse plicar melhor.
caminho que o diagnóstico faz na área de práti-
Márcia: Eu sou Márcia, PCNP de educação
cas inclusivas, esse caminho que ele faz da escola
especial.
para a área da saúde. Acho que essa é uma pre-
ocupação nossa na hora que a gente pensou na Brisa: Eu sou a Brisa, sou psicóloga. Queria
mesa aqui: qual o percurso que esse diagnóstico especialmente agradecer ao espaço. Obrigada.
vai tomando em relação às pessoas, com as crian-
Ana Paula: Eu sou Ana Paula, eu sou psicó-
ças? Então, pensei de cada um falar o seu nome, a
loga do Caps (Centros de Atenção Psicossocial)
Carmem fala um pouco, a gente faz um intervalo de
Infantil Vila Maria e Vila Guilherme.
15 minutos e voltamos para uma conversa.
Carmem: Carmem, sou psicóloga, estou na
Rozi: Acho que só para situar para vocês, área da educação há muitos anos, estudando es-
fizemos a Roda mais ampliada, então tem mais sas questões da psicologia e principalmente dessa
gente no grupo de educação. Tem mais pessoas integração escola e saúde.
Lilian: Eu sou Lilian, sou psicóloga, também de atendimento”. Retomando rapidamente nos-
31
trabalho nessa interface da educação com a psi- sos objetivos da rede de conversa dos nossos
cologia, faço parte de um grupo chamado GIQE - encontros. São: estabelecer um diálogo entre os
Grupo Interinstitucional de Queixa Escolar. Estou profissionais psicólogos dos serviços públicos de
no Núcleo da Educação representando o GIQE. educação e saúde, apresentar as contribuições da
psicologia aos profissionais que atuam nas insti-
Clarisse: Meu nome é Clarisse, eu sou psicó-

crianças e eadolescentes
tuições escolares educacionais, e conhecer o ca-

Psicologia em emergências e desastres

desastres
loga, estou no CRP no Núcleo de Saúde e também
minho do diagnóstico de crianças e em relação às
compondo a subsede metropolitana de São Paulo
queixas e fracasso escolar. Está baseado nesse
fundada agora há um ano e meio. Faço doutorada
documento que são as referências, e elas são fru-
no IP (Instituto de Psicologia) e sou psicóloga clíni-

emergências
tos de uma discussão que foi feita desde 2007. O
ca e professora universitária.
documento foi sistematizado em 2009, onde fize-
Bruna: Eu sou a Bruna, sou psicóloga, traba- mos uma pesquisa no nível nacional com todos os

em de
lho mais diretamente com educação, então faço psicólogos que responderam online o questionário

diagnóstico
alguns acompanhamentos. Atualmente trabalho sobre as suas atividades para o Brasil inteiro, psi-

Psicologia
com inclusão cultural e sou professora. cólogos que trabalham vinculados à área de edu-
cação. Dessa pesquisa, nós fizemos uma leitura e
Carmem: Então, a proposta na primeira reu-
construímos então esse documento de referên-

caminhos do
nião era que a gente pudesse estar contando para
cias. Esse documento é nacional e as referências
todos, tanto para o pessoal da educação, como
foram publicadas pelo Conselho Federal de Psico-
para os psicólogos que trabalham em UBS’s (Uni-
logia. E no CRP especificamente, em 2010, nós sol-
dades Básicas de Saúde) e em Caps, o que a gente

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
tamos essa Nota Técnica, que orienta quanto às
da educação pensa e compartilhar o nosso pensa-

e intersetorialidade:
atribuições do psicólogo. É claro que, várias con-
mento com os profissionais. E daí talvez estreitar
cepções da psicologia existem atualmente. Nós
uma conversa, considerando todas as dificuldades
estamos apresentando uma proposta, proposta
que temos com a psicologia escolar e educacional,
que a gente acredita, que é uma psicologia críti-
e com a saúde. Na primeira reunião ficou claro uma
ca e contextualizada, que resgata a complexidade

Cadernos
necessidade que as pessoas tinham de se conhe-
do processo de escolarização, protagonizada por
cer, não foi? E de saber o que um ou outro faziam,

Psicologia, demandas escolares


crianças e adolescentes. Então, nós não usamos
e também de contar um pouco das dificuldades. E
mais dificuldade de aprendizagem, a gente fala
conversando antes de começar com a Ana Paula,
em problemas, mas nós vamos falar em proble-
ela estava me dizendo como é difícil as organi-
mas de escolarização, porque envolve todos os
zações sociais liberarem seus profissionais para
atores que dele participam, inclusive, a criança
participarem de reuniões por conta das metas a
ou o adolescente. A gente considera que a esco-
serem cumpridas no atendimento. Então, queria
la não está isolada, ela está inserida no momento
deixar isso registrado porque está gravando, que
histórico político social, cultural da sociedade, em-
eu acho que é um aspecto talvez que a gente te-
bora se configure atualmente como um mercado
nha que pensar e buscar estratégias. Mas, por
de serviços, produtos e projetos, e que tem tido,
hora, vou compartilhar. O que eu vou apresentar
por referência, naturalização das práticas da roti-
faz parte de um caderno que a gente entregou na
na institucional e o encaminhamento à avaliação
primeira reunião, que chama Referências Técnicas
Cadernos Temáticos CRP SP
diagnóstica, que é uma coisa que nós fazemos no
aos psicólogos para educação básica. Eu partici-
Brasil desde o final dos anos 30, a prática é essa:
pei desse grupo que escreveu o documento, ele
culpabiliza a criança, a vítima. Culpabiliza a crian-
está disponível no site do CRP. E uma Nota Técnica
ça, encaminha para uma avaliação psicológica, em
que fizemos para psicólogos da educação, dizendo
geral, repleta de testes, desvinculado de contexto,
também o que a gente está pensando.
de momento, o mais longe que se vai é na família,
Andreia: Eu sou a Andreia, eu sou de bio- não vai além dela e, raramente, se volta à questão
logia, e sou veterinária também, vou aproveitar, para o meio educacional para que, se dentro da
aquela parte interessante, e eu sou PCNP atual- escola, busca algum tipo de solução para o proble-
mente de ciências. ma que a gente considera escolar.

Carmem: Bom, gente, esse é o nome ofi- Participante: Inclusive a questão da própria
cial da nossa roda de conversa, “Os Caminhos instituição. Porque se a gente for falar de escola-
do Diagnóstico, das queixas escolares ao serviço rização, a própria instituição colabora para o fra-
casso. Então, eu acho que essa não é a temática psicólogo vem em um Caps, por exemplo, que aí
32
da coisa, mas o que me incomoda muito é que o não é tão simples. Psicólogo que está na escola
problema está na própria instituição, na organiza- tem uma atuação que é diferente, mas quando
ção dessa instituição que a gente tende a colocar ele vem de fora, é interessante essa ideia ma-
na criança o problema psicológico que não existe, cropolítica, “putz, o Projeto Político Pedagógi-
quando, na verdade, o problema é muito maior. co”. Agora, também tem atividades do campo da
micropolítica que o psicólogo pode fazer e que
Carmem: É. De qualquer maneira, a criança
a gente também acredita que ele faça. Então,
sofre. Porque ela pode sucumbir por conta disso
por exemplo: a discussão de um currículo adap-
tudo. Não é que a gente fala, “a criança não vai
tado para as crianças. Problematizar um fator
ser olhada”, a criança vai ser olhada também, só
que acontece bastante dentro do fenômeno da
que a compreensão é maior. Não coloca o foco só
criança em questões dentro da sala de aula, que
nela. Quando você fala “a instituição colabora”, eu
é o isolamento que essa criança acaba vivendo.
vou tomar liberdade de dizer que a psicologia tam-
Normalmente, qual a saída que a escola tem para
bém, porque, ao ser encaminhado para um diag-
o problema da criança? Individualizar a criança
nóstico tradicional na psicologia, a criança tam-
com uma pessoa mais velha. Nas escolas parti-
bém recebe um tipo de diagnóstico. Bom, temos
culares, a gente tem a figura do acompanhante
uma proposta, tendo essas considerações, qual a
terapêutico, porque a família paga, e nas públicas
nossa proposta? É compor sempre com a equipe
a gente tem o cuidador. O cuidador também fica
escolar, a elaboração e a interligação e avaliação
na sala de aula, muitas vezes também isolando
do Projeto Político Pedagógico da escola. Então,
a criança dentro de um sistema de aprendizado,
é uma proposta de que o psicólogo, esteja aon-
que a gente acredita que ela é capaz de se in-
de estiver, possa compor a equipe escolar para
serir. O psicólogo que vem de fora, ele também
isso, problematizar o cotidiano da escola, colabo-
pode fazer essa situação de isolamento, que não
rar com a construção coletiva do projeto de for-
está só no macro, não está só no Projeto Político
mação e serviço, no qual os professores possam
Pedagógico da escola, mas ele também está na
planejar e compor, e compor as ações continua-
micropolítica da sala de aula, nessas questões
das, e construir junto com a equipe estratégias
que, no fim, é justamente o que a gente quer, que
de ensino/aprendizagem considerando então os
a criança aprenda, o que é a função da escola,
desafios que temos e as necessidades dessa co-
né? Carmem, obrigada. Desculpa interromper.
munidade onde a escola está inserida. Pensando
na psicologia, a gente pretende ter uma inserção Carmem: Esse item, eu acho que vai ao en-
mais ampla, considerando a questão do contexto. contro do que você está fazendo que é assim:
Então, o psicólogo não é aquele que está só lá quase uma obrigação nossa, da psicologia, é com-
quietinho, isolado no seu gabinete fazendo diag- partilhar os nossos conhecimentos, né? Então, vai
nósticos, mas ele é capaz de sair da sua sala e ter uma postura de que só eu sei o que ele tem,
compor reuniões com o pessoal da educação. ou só eu sei o que é melhor para ele, mas de po-
der compartilhar, inclusive, os conhecimentos da
Rozi: Eu acho que isso faz uma diferença
própria área, da própria psicologia. Introduzir en-
muito significativa na psicologia, para que se
tão, e aí gente, isso é para psicólogo e para não
execute, se pense as diretrizes desse lugar do
psicólogo, porque isso que a gente tem defendido,
psicólogo muito ligado à uma clínica ainda redu-
para alguns psicólogos é uma grande vantagem,
zida, e consegue ir lá na questão que é o Projeto
não é consenso dos psicólogos sair desse lugar
Político Pedagógico da escola. Porque ali, se a
tradicional e desenvolver práticas coletivas in-
gente pensar nessa questão, define-se grandes
tersetoriais; na saúde, na educação, no trabalho,
questões coletivas desse processo que a esco-
nos movimentos sociais, na assistência social, no
la se propõe. Se você está junto nisso, quantos
poder judiciário, que possam então acolher todas
projetos talvez a gente não pensa que possam
essas feições e os sofrimentos de quem? Alunos e
ser pensados, ajustados.
professores, dos educadores, e buscar novas saí-
Participante: Carmem, deixa eu só posicio- das na comunidade escolar, sem mágica, e dentro
nar uma observação. Eu acho muito bacana isso daquilo que pode ser experimentado, que pode ser
que a Rozi está dizendo da ideia macropolítica testado. Não fazemos mágica. Procurar romper
que o psicólogo pode se inserir dentro dessa in- com essa prática hoje de patologizar, de medicali-
terface com a educação. Sobretudo, quando o zar e de judicializar das práticas educacionais nas
situações em que as reuniões desses diagnós- é uma fé qualquer, é escrito, que eu acabei de ler,
33
ticos, fortalecem essa produção de distúrbio, de em um mestre único, Cristo, que tem que ser le-
transtorno, e da própria exclusão. Não dá, gente, vado para as escolas. Isso é fresco, está aconte-
para eu ler isso e não lembrar do menino hoje, de cendo agora. Então, da igreja em peso, os bispos,
manhã, todos sabem, né? todos na assembleia dizendo que essa violência,
que esse caos na escola é por falta de uma religio-
Participantes: Não, nós não sabemos.

crianças e eadolescentes
sidade. Então se a igreja católica entrar dentro das

Psicologia em emergências e desastres

desastres
Carmem: Um menino de dez anos que foi escolas públicas. A Márcia brincou, essas palavras
morto na Avenida 23 de Maio. Dois garotos rouba- “a ordem e o progresso voltarão para as escolas”.
ram um carro e tinham uma arma 38: um de nove e Por final, nosso colega que estava lá que chegou

emergências
um de dez anos. Eles foram perseguidos pela po- passando mal, disse do deputado e disse que essa
lícia, e revidaram. Aí o garoto fugiu, bateu o carro, proposta foi rechaçada inúmeras vezes, mas que
mas desceu atirando. A polícia matou o menino de agora, ela provavelmente será aprovada. Então, a

em de
dez e o de nove também foi detido, não souberam nossa Secretaria de Educação estava junto.

diagnóstico
o que fazer, devolveram ele para a mãe e a mãe diz
Participante: Como é que é o nome do depu-

Psicologia
que não sabe mais o que fazer com ele. Mas não
tado? Que a gente pode soltar uma nota técnica.
dá para eu ler isso e não lembrar dos garotos. En-
tão, a polícia paulista mata o menino de dez anos, Participante: Rogério Marinho do PSDB.

caminhos do
porque revidou o tiro. É esquisito. Tem meninos de
Participante: Então, o que que acontece
dez anos comandando “boca”, né, gente?
todo esse caos, a gente usa uma lei da física,
Participante: Eu queria também falar uma que o espaço vazio, alguém há de ocupar. Como

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
coisa que está me incomodando muito. Primeiro, o seu caso do menino, então o que que aconte-

e intersetorialidade:
o que me toca muito é essa questão da medica- ce? A sociedade clama para uma resposta. E uma
lização, que agora virou uma coisa absurda. Nas resposta fácil que o senso comum vai acreditar e
nossas escolas chegamos ao ponto de falar as- vai apoiar, e que é fácil em um país como o nosso,
sim, “olha, se não medicalizar, não dá”, e muitas é que façam mesmo uma religião nas escolas. O

Cadernos
vezes, a Marcelina aqui pode testemunhar e eu que nós ganhamos em 100 anos, nós vamos per-
também como supervisora, às vezes a intenção der em uma cartada só.

Psicologia, demandas escolares


não é o remédio, a questão está muito além de
Participante: Não, não vamos.
remédio como você está colocando. E ficou muito
mais simples essa questão de medicalizar. O nos- Participante: Não, podemos.
so professor, ele adora, porque a criança fica meio
Participante: Bom, então, o que que eu que-
dopadinha e aí não dá trabalho, ninguém está pre-
ria dizer para você? Que da parte educação, aquilo
ocupado com aprendizagem, contando que não
que você fala com a padronização, para nós isso
tenha dado problema disciplinar. Que aí nós en-
seria o tema principal da nossa conversa com
tramos em uma outra seara que é: a criança, não
vocês, porque isso está encharcado dentro das
é importante que ela esteja aprendendo ou não,
escolas. Qualquer coisa é transtorno, a criança é
contanto que ela esteja disciplinada. Disciplinada
levada, ela tem distúrbio de atenção; a aula é um
mesmo como Foucault, né?
horror, ela tem déficit de atenção. Tudo virou um Cadernos Temáticos CRP SP
Carmem: Agora, os professores também es- transtorno, e a nossa prática pedagógica não é
tão medicalizados, não estão? direcionada, e a gente inclusive, estou falando da
minha categoria, nós diagnosticamos. Esse tem
Participante: Muito. O servidor, você sabe
síndrome de atenção, o outro é hiperativo. E, na
disso, a área da psiquiatria é um absurdo, só pro-
verdade, a Márcia pode falar no meu lugar, que
fessores. E aí, nós acabamos de ver um colega
essa criança só precisa de uma prática legal, só
nosso que veio passando mal da assembleia, que
isso. Ela não tem esses transtornos. Acho que a
acabou de chegar passando mal de uma proposta
nossa conversa com vocês seria um pedido de so-
que está rolando agora na assembleia de um de-
corro que eu tenho, como eu já falei, uma proposta
putado, de transformar a nossa escola pública de
para a gente ajudar.
laica, para uma escola religiosa, católica, exclusi-
vamente católica. E qual é a defesa? A defesa são Carmem: Isso a gente também tá fazendo
duas questões: é esse caos da sociedade que dão com a gente mesmo, né? A gente também está pe-
o terço inteiro, clamam que é uma falta de fé, e não dindo socorro. Talvez a Ana Paula depois pode con-
tar um pouco da experiência dela no caso, porque Participante: Eu estou ansiosa mesmo para
34
ela recebe essas crianças lá. Bom, então a gente mostrar o que eu gostaria de mostrar. Por quê?
busca considerar a dimensão da produção da sub- Primeiro porque eu estou muito feliz, estou real-
jetividade e da aprendizagem sem reduzir a pers- mente muito feliz com o que nós estamos fazen-
pectiva individualizante. Buscar compreender esse do. E, na verdade, eu ando procurando parceiros,
campo de não ações, sociopolíticas pedagógicas na porque saem dos mesmos pressupostos que a
análise e na produção da queixa escolar, e consi- Carmem falou. Eu saio da premissa que a escola
derar isso na avaliação, no encaminhamento e nos deveria pensar, então uma escola em que não se
acompanhamentos, visando a melhoria do proces- pensa, ela própria não resolve os seus dilemas, e
so educacional. Muitas vezes, a escola, ao encami- ninguém vai resolver por ela. Eu gostei muito disso
nhar, ela se tranquiliza e se acomoda. Mas também, que a Carmem falou. Não sei se a Carmem viu que
a gente não volta lá para fazer um acompanhamen- eu chamo de “terceira onda”, a literatura fala que
to. É dos dois lados, né? A gente está buscando a terceira onda é a medicalização, uma questão
valorizar e potencializar a construção de novos sa- da cultura mercadológica das indústrias farma-
beres, nesses espaços educacionais considerando cêuticas, aí tem um grande grupo dessa questão
então diversidade cultural, dimensões psicosso- de que tudo se medicaliza. Se a Andreia pudesse
ciais das instituições e o entorno para subsidiar a mostrar para vocês o que eu gostaria, eu estou
prática profissional. Aquilo que é feito em um lugar realmente ansiosa para mostrar o que nós esta-
não dá para copiar literalmente para um outro lugar mos fazendo e que eu estou buzinando aqui no
se não se conhecer cada espaço. Com respeito a ouvido da Márcia, que desde que minha cabeça viu
essa visão medicalizante e patologizante no âmbito essa hipótese, como eu fiquei feliz. Então, o que
das políticas públicas, o que a gente tem observado que eu queria mostrar para vocês? Faz mais ou
é o avanço das implicações organicistas para crian- menos 20 anos que eu trabalhei quase dez anos
ças e jovens que retomam às velhas vertentes, não no órgão central da Secretaria, e sempre acreditei
questionados, da psicologia, da educação e medi- que faltava alguma coisa de formação continua-
cina. Dislexia, disortografia, disgrafia, dislalia, hipe- da, mas que tivesse sentido para os professores,
ratividade e transtorno de déficit de atenção, hi- e não “vai lá fazer um curso” ou que dê uma recei-
peratividade ou sem hiperatividade. Temáticas tão ta, porque isso não funciona, a mudança virá com
populares em décadas passadas voltam com uma o pensamento, né? E eu propus há muito tempo
roupagem nova. Não se fala mais de encefalogra- na Secretaria que a gente tivesse uma platafor-
ma para diagnosticar distúrbios ou problemas neu- ma virtual que tivesse constante diálogo com os
rológicos, mas de magnéticas, mapeamentos cere- professores, no qual eles pudessem colocar todas
brais dentre outros procedimentos para se avaliar as angústias, pudessem colocar o que quisessem.
crianças e jovens. Portanto, a atuação do psicólogo Eu não consegui no órgão central, mas na minha
na educação vai dar outras ideias para os outros volta do ano passado para cá, a diligência me per-
profissionais. O que que a gente quer? A gente luta mitiu, então me deixa explicar para vocês o que é.
por uma escola que possa se apropriar dos seus Essa plataforma é minha, não tem nada a ver com
conflitos, compreender seus dilemas e desenvolver a Secretaria e muito menos com a diretoria. Por
ações envolvendo todos os seus atores. Quando a quê? Porque se eu fosse esperar ou da Secreta-
gente fala “todos”, são todos, da entrada, à cozinha, ria ou da diretoria, isso não iria acontecer. Então,
todos. A todos que se comprometam com as fun- hoje eu vou falar para vocês, olhando para vocês,
ções sociais de acesso, aos meios culturais e a for- com toda fraqueza: desde que essa plataforma
mação da autonomia dos indivíduos, e os direitos está no ar, que é muito orgulho para nós, porque
de cidadania, crianças, jovens e aos profissionais é um trabalho coletivo, eu já escutei algumas coi-
de educação. Então, uma luta respaldada no com- sas bastante desagradáveis, mas que eu já vou
promisso social, nos direitos humanos, na prática desfalar, porque assim desnuda e não precisaria
democrática e no respeito à diversidade enquanto todo mundo ficar repetindo. Teve gente que falou
fundamento de uma educação para todos e todas. que eu vou usar essa plataforma no meu pós-
Na prática do dia a dia, é não perder o fundamento, doc, eu quero dizer para vocês que não vou fazer
que é fácil perder. Que a demanda é tão grande, é pós-doc, e se fizesse, não seria no Brasil. Aí outra
tudo tão urgente, que a gente pode perder o funda- galera disse que eu estou fazendo isso para ven-
mento. Talvez seja hoje um momento assim, de ter der para instituição privada, porque do jeito que
fundamento, de não perder o fundamento. Eu acho está, de qualidade, eu vou ganhar dinheiro. Tam-
que é isso. Obrigada. bém não vou vender, mesmo porque, a plataforma
tem pipeline de todas elas que escrevem, todas gente estreitar isso aqui, para gente realmente
35
elas têm autoria, então eu não posso vender uma viabilizar”, eu imaginei que vocês vão olhar, se vo-
coisa que não seja minha. E a terceira coisa, tem cês aceitariam ter uma sala como essa, da qual
gente que disse que eu estou fazendo isso para vocês colocariam as suas opiniões, embasamento
aparecer. Também quero dizer para vocês, eu vou teórico principalmente sobre o que a Carmem fa-
me aposentar o ano que vem, não quero aparecer, lou, o que se espera dessa psicóloga também, em

crianças e eadolescentes
eu quero simplesmente tentar ajudar o que eu te- muitos outros espaços, que sejam a construção.

Psicologia em emergências e desastres

desastres
nho percebido ao final de uma carreira que eu per- Então, a gente orientaria o professor a colocar a
cebi o que a educação precisa, e que, de alguma dúvida dele nesse fórum, e alguém, que obviamen-
maneira, eu posso contribuir. Isso colocado, então te isso é um trabalho voluntário que nenhum de

emergências
vocês vão ver que tem um Moodle, que vocês co- nós também ganhamos nada disso, todos nós es-
nhecem, né? Que eu abri o Moodle, é meu, eu que tamos fazendo isso porque acreditamos, e talvez
pago a hospedagem, e o núcleo pedagógico dessa eu acho que daí a gente daria um salto no sen-

em de
diretoria é uma referência, porque isso não quer tido de, primeiro estarmos mais juntos, segundo

diagnóstico
dizer que seja uma certificação, mas podem ser que estaríamos fazendo aquilo que vocês querem,

Psicologia
algumas evidências. Nós temos quatro doutores, formando professor para essas questões. Acho
cinco mestres aqui dentro do nosso núcleo. Então que estaríamos diminuindo o trabalho do Caps
independente dessa divulgação, são pessoas que com as “besteiradas”, que vou falar besteiradas

caminhos do
estão muito harmonicamente juntas e todas elas mesmo, que vão para lá e que não precisariam ir,
querendo aprender. Por exemplo, quando a colega porque talvez aqui seria solucionada as questões,
fala de currículo adaptado, é uma coisa que para a dúvida do professor. E acho que a gente esta-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
mim já complica, por causa da questão conceitu- ria fazendo realmente aquilo que é o sonho, uma

e intersetorialidade:
al que depois um dia eu vou falar sobre isso. Mas parceria entre a psicologia naquele âmbito do que
enfim. Nessa plataforma, nós temos hoje 25 salas, a Carmem disse, de sair dessa questão de sim-
e nós temos algumas parcerias. Nós temos par- plesmente de clínica, e seja realmente o psicólogo
ceria com o Sesc, que tem uma sala que leva as como ator social em todas as esferas. Então, se a
nossas crianças com tudo pago, com ônibus, para Andreia abrir, eu vou mostrar para vocês.

Cadernos
os espetáculos do Sesc. Nós conseguimos essa
Carmem: Nós que temos que levar a pro-

Psicologia, demandas escolares


parceria. Nós temos uma parceria com a Fábrica
posta. Como a gente faz parte de uma institui-
da Cultura, e também os nossos alunos já podem
ção, esse tipo de parceria é uma coisa que preci-
ver toda a programação da Fábrica da Cultura e
sa ser discutida.
para os nossos alunos que ficam na rua, ao invés
de ficar na rua, eles vão para Fábrica de Cultura Participante: O Caps não funciona. Ele está
para ter aula de violão, capoeira, etc. Nós temos contaminado com essas ideias, justamente con-
também uma parceria com o Hopi Hari, que desen- trárias do que a Carmem falou, ele entra na fase da
volveu oficinas para as crianças aprenderem física integração, não de uma inclusão, ele ainda está na
do movimento, por exemplo. Então, eu não tinha questão da medicalização, está na questão de que
esse plano quando eu cheguei aqui. Mas quando o autista vai ser preparado para um grupo só de
ela começou a falar, e a consonância, a conver- autista. E, por incrível que pareça, ainda nós temos
gência entre o que ela está dizendo e o que eu algumas ideias, dentro do Caps, que seja melhor Cadernos Temáticos CRP SP
penso, eu queria oferecer para vocês uma sala essas crianças estarem em uma sala isoladas, e
nesta plataforma. E o que que vocês teriam nesta não dentro com as outras pessoas integradas. A
sala? O que eu imaginei. Por exemplo, a apresen- Márcia não pode falar, mas eu posso dizer, o nosso
tação da Carmem, para que todos os professores, Caps não funciona. As ideias estão tão encucadas
porque nós temos os professores de 71 escolas, e tão engessadas que é impossível ventilar essas
esses mesmos que mandam para ela dizendo que ideias. Então, o que que acontece? Durante mui-
é hiperativo. Então, para vocês terem uma ideia, tos anos, para concurso público, eu dei o módulo
nós temos uma ordem nessa sala. Nós temos um de educação especial. E o texto sobre medicaliza-
texto conceitual, nós temos vídeos e nós temos ção cai no concurso. É uma coisa que eu aprendi a
um fórum que nós falamos com os professores e aprender, porque eu era obrigada a estudar para
tem uma galeria que eles fazem o upload das prá- dar curso. Eu não tenho a formação, mas eu me sin-
ticas que eles têm de sucesso em relação àque- to à vontade de conversar porque li bastante so-
le assunto. Com a fala da Carmem, quando eu vi bre essa questão. E a educação especial do Esta-
tudo isso aqui, eu falei, “Márcia, a parceria, para do, para vocês terem ideia, não tem nenhum pudor,
porque é algo público, na equipe de educação es- Participante: As nossas salas, são uma rede
36
pecial do estado de São Paulo, que é formada acho social de formação. Eu não chamo nem de espaço
que por seis ou sete pessoas, a equipe central que de formação, é uma rede social, porque entra quem
pensa a educação especial do Estado, três são ad- quiser, quando quiser, do jeito que quiser, ninguém
vogados. Por quê? Porque a educação especial do vai ganhar evolução funcional, ninguém vai ganhar
Estado ficou restrita em responder processos do nada. O que está ali é conhecimento. Então, nós te-
Ministério Público, porque como toda população mos todas aquelas salas, e se vocês olharem, nós
descobriu que tem os direitos, e como Estado e temos em todas as disciplinas, né? A gente tem
a Defensoria Pública não colocam acessibilidade, a parceria, como eu falei para vocês, com o Sesc,
não colocam cuidador, não colocam tudo que é de com a Fábrica da Cultura.
direito, então, a educação especial do Estado foi
judicializada. Quando você vai falar para o peda- Participante: E tem o texto que ela quer dis-
gógico para educação especial, não há espaço. Por cutir, né? Que ela coloca na “proposta pedagógica”.
quê? Para você ter ideia, nós temos quase uma sala Participante: Então, essa é a sala dos ges-
dessa daqui de processos no Ministério Público tores. Cada sala uma das meninas escreve, porque
das nossas escolas e a nossa é modelo de coisas tem direitos autorais, então isso não é meu. Nós
boas. E por que que temos tudo isso? Porque, além temos uma apresentação na sala, nós temos um
do Estado não prover as questões as quais deve- fórum que você coloca filme, livro, o que você qui-
riam, as práticas que acontecem são excludentes. ser. Aí o módulo 1 é aquele que vocês estão fa-
Além da questão arquitetônica de acessibilidade, lando, a proposta pedagógica. Vamos começar da
além da questão de um currículo que tem essa origem do gestor, de onde que a gente começa da
ideia equivocada, não dá espaço para você falar o proposta pedagógica. Nós temos um texto, que
que fazer com essa criança, porque ficou tão insti- é um texto de embasamento, e nós temos uma
tucionalizado, tão formalizado, tão engessado, que videoteca, filmes que vão ajuda-los a construir a
eu me sentia ali tranquila. Na verdade, quando eu proposta pedagógica. Nós temos um fórum, eu
falei que na minha equipe eu não queria mais um coloco uma problemática, obviamente, né? E aí os
advogado e alguns especialistas, isso foi malvis- gestores vão respondendo, e a gente vai median-
to, porque, na verdade, a secretaria entende que do. Tudo isso é um trabalho que nós fazemos sem
eu tenho que colocar outro advogado para ajudar ganhar absolutamente nada. Cada um de nós aqui
todo aquele processo. E, na verdade, não adianta. temos um fórum. E nós temos a galeria que é o
Você pode colocar 100 advogados ali, que a histó- contrário, que o professor coloca a prática que ele
ria vai continuar a mesma. Então, este é o nosso vai fazendo em relação a isso. O que pensei eu: de
caso. Por exemplo, quando eu fui falar que eu gos- vocês terem do lado de cá uma sala de vocês. Nes-
taria de fazer uma formação para autista, isso não sa sala de vocês, que vocês poderiam postar o que
foi possível. Por quê? A questão do autista são os vocês quisessem, eu imagino que poderia ter essa
convênios que as outras escolas vão fazer com o mesma estrutura, um texto que poderia ser de vo-
autista. Não é o problema de tratar o aluno autista. cês com embasamento teórico, e vai ter um link e
O problema é: qual convênio que a Secretaria vai o fórum com vocês, para que o professor falasse o
fazer com qual instituição. E eu vou lhes dizer: 40 que está acontecendo. Por exemplo: ah, o meu alu-
mil autistas. A preocupação é onde vou depositar no não toma remédio e vem para a escola. Então,
esses autistas diagnosticados, esperando vaga. o que vocês poderiam nos ajudar. Se o remédio é o
Mas também desconfio desses diagnósticos. principal ou se a prática dele talvez fosse o princi-
Carmem: Agora, isso é tradição, né? E tem pal. Enfim, aí a gente precisaria estudar.
muito estudo. A professora faz o diagnóstico, en-
Carmem: Porque eu estou pensando assim: é
caminha, o encaminhamento é igual, quer dizer, o
possível viabilizar uma parceria? Acho até que sim,
diagnóstico feito é inteirado.
a gente tem muita produção, a gente tem muito
Participante: Então, mas aí entrariam vocês. texto, a gente tem muito vídeo, a gente tem muita
Olha aqui, essa é a nossa plataforma. Então, se coisa, de vários temas. Desses temas de medica-
vocês olharem tudo que está aqui. O nosso semi- lização, do psicólogo, mas a nossa proposta é re-
nário, se vocês quiserem, vai ser de 03 a 17, acho fletir, problematizar. Na questão específica, a gen-
que a gente vai ter a participação da USP, da PUC, te quer ter psicólogo na escola, a gente quer ter
do Mackenzie, vai ser bárbaro, se vocês quiserem psicólogo na Secretaria de Educação, entendeu? É
participar, estão convidados. uma luta, uma antiga luta.
Participante: Eu falei realmente uma consul- Participante: Eu sou nova na saúde públi-
37
ta seria também uma possibilidade. A outra possi- ca, então eu vou contar da minha experiência
bilidade seria isso exatamente que você quer, uma específica, eu estou aprendendo muito nessa
possibilidade seria um fórum para diluir tudo. roda de conversa, ouvindo, tendo várias ideias,
mas eu vou poder contar um pouquinho de
Carmem: Isso. Isso eu acho que é muito possível.
como que é o meu trabalho lá e acho que, a par-

crianças e eadolescentes
Participante: Tá. O que talvez fosse bacana, tir daí a gente pode conversar e discutir. Hoje a

Psicologia em emergências e desastres

desastres
foi exatamente isso que você está falando, porque gente recebe os encaminhamentos através da
eu não tenho meios e nem certa competência para escola e as famílias trazem para o Caps Infantil,
falar sobre a questão do psicólogo lá dentro da e lá a gente tem um processo de acolhimento

emergências
escola. Mas aqui, de alguma maneira, eu estou te onde oferecemos uma escuta para as famílias
colocando dentro da escola. e fazemos uma anamnese. A gente consegue
acessar aí a história daquela criança e a histó-
Carmem: Mas as vezes é um estudo muito

em de
ria da família. A partir disso, a gente identifica
maior que tem que ser feito.

diagnóstico
se é um caso que o paciente está em crise e

Psicologia
Participante: Ou entrar e conversar através precisa de um atendimento médico ou se ele já
dos textos que a gente coloca também. Que nem vem com um diagnóstico. Ou se é uma questão
eu falo da avaliação pedagógica, a importância de o que já está fechada, ele já vai para uma consul-

caminhos do
professor descrever verdadeiramente as questões ta médica ou é inserido em um grupo ou é en-
pedagógicas e não de comportamento. Então aqui caminhado para a UBS. Se não, a gente tem os
seria uma ideia de a gente escutar mesmo, dialogar nossos grupos de avaliação. E hoje, o que tem

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
com o professor mesmo a importância de ele olhar acontecido bastante é de vim queixas escolares

e intersetorialidade:
a parte pedagógica e não de comportamento. e de déficit de atenção e hiperatividade, que é o
que tá sendo a nossa maior demanda. O nosso
Carmem: É isso mesmo.
grupo de avaliação, é praticamente um grupo de
Participante: Eu queria fazer atividade em avaliação de TDH. E nesse grupo a gente tem
rede. Mas, em primeiro lugar, eu acho que a gente alguns instrumentos padronizados, né? O SNAP,

Cadernos
tem que agradecer, eu acho que a iniciativa é ma- que é um questionário que vê sintomas de de-

Psicologia, demandas escolares


ravilhosa, e percebo também, com a sua resposta satenção e hiperatividade que a gente manda
em relação à minha pergunta do Caps, ela é uma para escola e manda um para família. Assim te-
iniciativa muito parecida com o nosso trabalho lá mos um pouco da perspectiva da escola, desse
no CRP, né, Carmem? Ela é uma iniciativa de luta. outro ambiente que a criança frequenta, e tam-
Luta e busca de um trabalho, de uma educação de bém pedimos um relatório escolar. É por isso a
qualidade voltada para parte da educação inclusi- importância de o relatório escolar ser bastante
va nesse momento. Acho que a parte de divulgação completo, preciso, para a gente também poder
a gente pode fazer, claro, é nosso papel. Acho que acessar um pouco mais do histórico das crian-
vir aqui também é nossa tentativa de desmembrar, ças na escola. Aí a gente faz sessões em grupo,
de trazer para o território as coisas que a gente também aplica testes específicos de atenção, a
produz, o carinho que a gente tem, como é que a gente usa lá o D2, e tem, ao mesmo tempo, gru-
gente pensa. E a proposta de ter uma sala, a gen- pos de pais para conversar e ver como que é a Cadernos Temáticos CRP SP
te vai ter que submeter a uma questão maior, aí a perspectiva da família daquela criança. A gente
gente volta lá a nossa reunião. E uma coisa que eu tenta pegar a criança em diferentes contextos
fico aqui pensando, como eu acho que é o objetivo para conseguir chegar a uma conclusão. Mas é
da nossa discussão da roda de conversa é: como é isso. Depois a gente encaminha para a UBS se
que ele sai, como é que o problema sai da escola e houver necessidade de saúde e, ou se a gente
chega lá na saúde? Acho que esse é o que a gen- vê que é uma questão escolar, a gente marca
te vinha pensando lá no CRP. O que que aconte- uma conversa com a escola.
ce no meio do caminho que ele vai patologizando,
Participante: Como você vê isso, por exem-
que ele vai judicializando, que muitas vezes, ele vai
plo? Que é uma questão escolar?
criminalizando, que percurso que acontece desse
fenômeno, que vai chegar lá na saúde e bate em Participante: Quando a criança tem defasa-
uma profissional como a Ana Paula, e ela precisa gens importantes e a gente vê que não tem uma
também dar seguimento, tratar, precisa ter um tra- questão médica, não tem um diagnóstico de TDH
balho específico ali, né? E queria escutar um pouco. ou é mais específico de aprendizagem.
Participante: E aí vocês chamam a escola? dessem. E a gente percebe que o coordenador
38
Quem da escola? na escola está abrindo o portão, está servindo
lanche. Fazendo outra coisa. Aí o que eu penso é
Participante: Aí a gente fala com a coor-
que: o psicólogo dentro da escola, ele vai ter uma
denadora da criança e a gente tenta fazer essa
química, uma fila imensa -, é assim que eu vejo
conversa. Com o coordenador da escola. Mas eu
psicólogo -, uma fila imensa depois de um mês, e
achei interessante o que a Carmem trouxe porque
“o psicólogo não faz nada, por quê que ele está
é isso: hoje, eu acho que o nosso papel nessa de-
aqui na escola?”. A criança continua bagunçando.
volutiva, seria muito mais interessante a gente es-
Porque a raiz do problema está no professor, está
tar mais na escola do que absorver essas crianças
na sala de aula.
e falar, “não, ela tem um problema de saúde, então
vamos colocar no grupo aqui, uma vez por semana Participante: Eu concordo com você.
no Caps ou na UBS para que a atenção dela fique
Participante: Não adianta tirar aluno, não
melhor com um remédio e depois, ela vai melhorar
adianta. Eu pergunto, o professor fala “eu faço
na escola”. Nem sempre é isso. A gente vê que es-
formação direto e eu estou na educação especial”
sas crianças, elas têm uma singularidade, elas têm
e a gente está batendo de frente. E eles falam as-
uma história de vida, elas têm um contexto fami-
sim para mim “40 alunos na sala não tem condi-
liar, um contexto social que talvez exija mudanças
ção”. Eu digo, “mas se eu deixar só 10, você vai
no processo de aprendizagem.
conseguir dar uma boa aula? Eles vão aprender?
Participante: Como você devolve para o co- Só com 10”, só se ele escolher os 10, né? Só se eu
ordenador? Por escrito? der ainda a opção de ele escolher os 10.

Participante: Não. Às vezes a gente marca Participante: Agora, este psicólogo que a
uma reunião, não mandamos nada por escrito, Carmem apresentou aqui, este psicólogo, como
porque às vezes faltam pernas para gente ((risos)) você imagina ele na escola? Este que dialoga
conseguir atender toda a demanda. como equipe multidisciplinar, que vai para as
questões coletivas. Tudo que ela relatou. O que
Participante: Por exemplo: uma criança é
você pensa desse psicólogo?
encaminhada e tem déficit de atenção. Você vai
lá e fala que não. Qual é a reação desse professor Participante: Posso só uma coisa? Isso que
coordenador? vocês acabaram de falar é o que a Márcia acabou
de dizer. Esse personagem que você descreveu é
Participante: Muitas vezes é negativa, por-
o que está na nossa legislação, que é o professor
que a gente encontra professores muito adoeci-
coordenador.
dos, em sofrimento por não conseguir lidar com
essas demandas específicas dessa criança e não Participante: Porque quando o coordenador
conseguir oferecer o manejo que é adequado por falhou, porque foi o coordenador que falhou, o co-
conta do tamanho das salas, do número de alu- ordenador é que não deu conta. Não é o sistema
nos por sala. E eles continuam achando que, na que não deu conta, não é o gestor que não deu
verdade, precisa de um remédio, que vai existir um conta, não é o grupo, a escola que deveria cada
remédio que vai fazer com que essa criança co- um fazer sua parte. O coordenador falhou porque
mece a aprender. E quando a gente diz que não, hoje o coordenador, ele não presta e veio a ma-
então, eles perguntam “e você, Caps? O que que ravilha que é a figura do mediador. Mediador veio
você pode fazer por essa criança?” E a gente tem como solução.
um grupo de estimulação, mas nem sempre esses
Participante: O próximo, até acredito que vai
grupos vão suprir toda a necessidade da criança.
ser ou psicólogo ou psicopedagogo.
Participante: Que tipo de psicólogo deve es-
Participante: Ou psicopedagogo ou psi-
tar na escola?
cólogo, um dos dois vai “pintar”. Porque a gente
Participante: Porque hoje nós temos um co- sempre vai culpabilizar os atores da escola pela
ordenador que ele é um gestor muito importante. falha da própria escola. Ou seja, a criança, ela vai
Ele é o cara que deveria dar condições pedagó- continuar sendo vítima e o corpo que vitimiza,
gicas para o professor desenvolver o trabalho e ele vai aumentando e ninguém busca, de fato, a
essa condição deveria já trazer o repertório, de solução, que é olhar cada um para o seu papel e
buscas, de opções para que vários alunos apren- fazer o seu papel.
Participante: O meu papel é esse, o meu pa- Carmem: Vou te contar por que que a gente
39
pel de professor é ensinar. Eu também sou profes- saiu. A gente já esteve.
sora, eu estou na sala de aula. Então me sinto à
Participante: Então só uma coisa: porque
vontade para falar isso. Na sala de aula enfrento
eles esperam ainda o psicólogo, e não é o educa-
problemas, falei hoje para as meninas, essa sema-
dor falando. Seria esse profissional que ainda eles
na vim desesperada da sala de aula, e refiz, pus
têm uma esperança que vai ajuda-los, falando não

crianças e eadolescentes
minha cabeça para funcionar, “a coisa tem que dar

Psicologia em emergências e desastres

desastres
de que vai ter que padronizar, mas falando para ele,
certo”. Hoje eu vim maravilhada com os mesmos
“professor, você está doente”, “você precisa ver in-
alunos, porque eu é que tenho que mudar, os meus
clusive a sua limitação, inclusive que você não está
alunos continuam sendo os mesmos. Eles são jo-
bem”. Mas não falar que ele está louco. Não é isso.

emergências
vens, eu dou aula para ensino médio. Adoro, adoro
os pequenos também, mas o professor precisa se Carmem: Agora, mais do que o CRP, os
olhar. Então, a minha busca, a minha palavra, a mi- psicólogos da região, dentro da sua plataforma

em de
nha fala não é uma fala simpática nas escolas, por- não cabe?

diagnóstico
que eu venho para bater no professor e fazer ele
Participante: Não, porque eu não abri para

Psicologia
se olhar, e para você se olhar, até para mim, para
ninguém, vocês estão sendo os primeiros, eu
eu me olhar eu já mudei bastante, mas tem muita
não tinha pensado.
coisa para melhorar, e vou morrer com desafios.

caminhos do
Brisa: Estou pensando junto aqui. Será que
Participante: E só para falar para linkar. Como não é possível? Por exemplo, ela como profissional
eu concordo plenamente com a Márcia porque eu da área que recebe as crianças dessa região, des-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
estou dentro desse sistema, e concordo plena- se território, poder ter acesso à essa plataforma,

e intersetorialidade:
mente que a gente pode criar vários outros atores de repente, ela pode ter alguma palavra, né, algu-
e sempre vai ser uma fala e vai criando outras, é ma dúvida, ela pode responder.
que isso que eu achei quando eu propus, a beleza
Participante: Brisa, eu acho lindo. O que eu
desse repositório de materiais. Como eu pedi ajuda
achei legal é que alguém, não sei quem, não era
de vocês, é aí que o psicólogo está falando o que

Cadernos
para fazer consulta, mas era aquele professor
nós estamos falando. O que nós estamos falando
que está naquela função encontrar um texto tal-

Psicologia, demandas escolares


é essa inflexão, a Márcia trouxe a inflexão do pro-
vez se ele tiver paciência de ler, que vai refletir so-
fissional que está na sala de aula para ele se olhar,
bre. Eu fico pensando que essa roda que a gente
ninguém avalia o outro se não se avaliar primeiro
está tendo aqui, poderia acontecer dentro de um
a si. Então, o professor, ele não consegue se en-
fórum, por exemplo. E não é uma consulta, eu não
xergar dentro do processo, ele culpabiliza sempre.
posso trazer os professores aqui, mas eu posso
Aqui nessa sala nós pegamos 71 gestores. E nós
“garantir” – entre aspas -, que alguns professores
fizemos uma coisa que é fora da realidade atual e
entrem. Então, esse professor que entrar, quem
falar qual é a origem do problema. Para vocês te-
que vai ser o interlocutor? Nós inclusive, de novo,
rem ideia: de 71 diretores, quando nós fomos para
porque nós não podemos chama-lo, mas a gente
o problema na educação, sabe qual o problema da
vai poder discutir isso com ele.
educação? A família. Então, isso significa o quão
longe nós estamos. Se você colocar mais um, não Participante: Eu fiquei pensando a importân- Cadernos Temáticos CRP SP
adianta porque vai ser o professor coordenador, cia de ter os profissionais da área da saúde para
depois o mediador, depois é a família porque, na fazer essa discussão.
verdade, nós não olhamos para nós mesmos, para
Carmem: Uma coisa que a gente está aqui
a educação. A gente sempre vai criando outros pro-
conversando, acho que tem essa proposta até
blemas para tentar solucionar. Eu concordo plena-
mais coerente de todos os profissionais do territó-
mente com a Márcia, não é questão do psicólogo,
rio, mas, mais do que tudo, a gente também pensar
é a questão de que nós que estamos vendo isso,
que o profissional da saúde, ele recebe da escola
é ajudar o professor a fazer o que a Márcia faz so-
estadual e ele recebe da municipal, ele recebe de
zinha. E aí eu achei a beleza de quando eu propus
todo o entorno que não necessariamente é só a
a parceria, por que o que eu estou vendo? Não é o
escola estadual.
professor falando, não é o educador falando para
outro educador. São aqueles que, por enquanto, Participante: E acho que aí pensar a pró-
não estão na escola, mas o dia que vocês estive- pria Ana Paula, eu fiquei curiosa para saber, você
rem, vocês serão culpabilizados também. contou um pouquinho, e como que uma criança, o
descobrimento sobre ela, até para triar os testes. psicólogo. Então, acho que hoje o psicólogo, ele é
40
Você acha que isso te permite entender o contexto extremamente importante, para o professor, para a
dessa criança? gestão, para a sociedade, a comunidade, a escola
poder enxergar a sua comunidade através da visão
Participante: Todo o processo, inclusive.
de um psicólogo seria fantástico, porque ela não
Mesmo o próprio relatório que tenha na escola.
vê, ela vê aquele pai malcriado, aquele pai que não
Que há relatório. Se há relatório.
trabalha, que tá na biqueira, que “cata lixo”, ela tem
Participante: É, geralmente não é um relató- que ver o outro lado de uma outra forma. Ela tem
rio. 90% das vezes você não tem condição de sa- que parar de falar de uma forma, eu falo para eles,
ber dessa criança pelo relatório. “parece mais uma fofoca do que um relatório peda-
gógico, porque está falando que o pai não vai, isso
Participante: Você às vezes não vê o aluno,
aqui é fofoca, você não garante nada do que está
mas vê pelo professor.
escrito aqui”. Então, nessa construção do Projeto
Participante: Eu fiz uma reunião há pou- Político Pedagógico, a parceria do psicólogo seria
quíssimo tempo, na semana passada, exatamente fundamental. Agora pode falar.
falando desse relatório e, assim, o rico é que nós
Participante: Eu acho que toda avaliação é
avaliamos as crianças primeiro, no âmbito da edu-
um recorte. A gente não consegue recortar todas
cação especial, e eu não tinha o relatório que era
as nossas questões, em alguns encontros a gen-
uma peça-chave até para eu desconstruir aquele
te tenta fazer o possível dentro do nosso tempo e
relatório. Aí a coordenadora não fez a parte dela,
dentro dos profissionais que a gente tem no Caps.
então não tínhamos os relatórios. Mas os profes-
A gente tenta observar principalmente a demanda.
sores vieram, depois de quatro horas que nós fi-
O que aquela criança traz de demanda, ao invés
camos com as crianças, os professores vieram
de fechar um parecer sobre quem é aquela criança.
para fazer uma hora e meia de ATPC1 já no meio
Então, qual é o sofrimento dela, qual a intensida-
dessa reunião. Depois esses professores saíram.
de desse sofrimento, ela está apresentando isso
Então, as crianças vieram, ficaram umas três ho-
que está sendo relatado na escola ou na família,
ras, avaliamos, saímos, vieram os professores e aí
nesse momento que eu estou com ela, nesse mo-
nós conhecemos a criança, e perguntamos para o
mento que ela está em grupo ou que ela está so-
professor da sala quem era aquela criança. Você
zinha, nesse momento que ela está fazendo uma
não tem noção do quão rico foi e os próprios co-
atividade junto com os pais, - a gente tenta juntar
ordenadores, ficaram abismados com as falas dos
os pais também na nossa avaliação para ver como
professores. Então, eu nem precisei falar muito,
que é a interação, como que é a relação -, e o que
eles mesmos desconstruíram toda uma formação
ela precisa. Então, é isso que a gente tenta ver. Ela
pedagógica, eles mesmo se expuseram como pes-
precisa de mais investimento na área pedagógica
soas que não fazem ideia do que é uma educação.
ou ela precisa de mais investimento de estimu-
E eu lógico que tive que falar isso, não dessa forma,
lação na parte motora ou na parte cognitiva, ela
mas eu tive, “prô, é que agora nós estamos falando
está em uma situação de vulnerabilidade social. A
de comunicação”, “não, porque...”, “prô, vamos ficar
gente tenta ver as necessidades dela, para daí, se
em comunicação. Essa criança na questão de co-
a gente vê que ela tem um sofrimento importante,
municação, habilidade de comunicar-se, é coeso,
ela tem um comportamento que está prejudicando
não sei o quê”, “não, mas eu...”. “Prô, só comunica-
a adaptação dela nos outros ambientes da vida
ção, tira o comportamento, vamos tirar essa nuvem
dela, então, a partir daí, a gente pode ver “ah, va-
do comportamento e olhar para a comunicação”.
mos encaminhar para o médico”, aí o médico vai
Foi riquíssimo. O professor foi ficando vermelho, e
fazer o diagnóstico, também vai fazer uma con-
você via que aquilo foi criando um mal-estar, só que
sulta, muitas vezes ele não fecha o diagnóstico na
no final, ela parou, ela até chegou a ameaçar duas
primeira consulta e a gente pode decidir se esse
vezes sair da sala, porque realmente eu pus na pa-
sofrimento é importante, a gente precisa observar
rede. Aí ela, “não, agora que você está falando, você
mais essa criança, então ela vai participar do Caps.
tem razão, não tinha olhado por esse lado”. Então
E tem as reuniões de matriciamento, então a gen-
assim, essa desconstrução é muito difícil, e é isso
te também tem pouco de entendimento da região,
que o professor precisa fazer, antes dele receber o
daquela microrregião, daquele contexto da criança.

Participante: E como funciona essa reunião


1 Horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) ou aula de
trabalho pedagógico coletivo (ATPC). de matriciamento onde você está?
Participante: A gente se reúne com as UBS’s, a mãe às vezes, ou às vezes é uma tia, às vezes
41
e tem assistentes sociais, outros profissionais da é a vó, às vezes é um irmão. É muito difícil a gen-
saúde que também estão contando para a gente te ter acesso à família, a família nuclear que a
um pouco do que está acontecendo naqueles bair- gente supõe ser a família.
ros do distrito. Então, a gente sabe quais regiões
Participante: Mas assim, pelo menos do que
são mais vulneráveis, quais regiões têm mais situa-
eu já trabalhei em Caps, do que eu já acompanhei,

crianças e eadolescentes
ções de violência, enfim, várias características que

Psicologia em emergências e desastres

desastres
a gente também, como serviço, - e eu acho que a
também são comuns à região e não só a criança.
Ana Paula também mencionou muito isso -, tem
Participante: De quanto em quanto tempo que preservar esse lugar de que a gente está lá, a
a criança é atendida? Para você fazer todo esse gente liga, a gente propõe, a gente escuta deman-

emergências
diagnóstico que você está falando. De quanto em da, mas a gente não vai entrar na casa da pessoa e
quanto tempo a criança é atendida? falar, “você tem que vir de qualquer forma”.

em de
Participante: Semanalmente. Carmem: E se ela vai no Caps, alguém cuida

diagnóstico
dela. E isso já é uma coisa, isso já é um ganho.
Participante: Se ela faltar em uma delas,

Psicologia
como é que você vai saber que teve uma alteração Participante: Ou alguém obriga a ir, porque
ou não, ou por quê, se ela não foi. Você vai atrás obrigo levar.

caminhos do
para saber por que que ela não foi ou simplesmen- Carmem: Mas é o de menos, alguém leva. O
te não foi, tudo bem? fato de alguém levar já mostra que essa criança
Participante: Não, a gente vai e espera 15 dias. tem algum cuidado. Pode não ser o cuidado que a

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
gente gostaria, mas tem. Mesmo que ela falte, al-
Participante: Mas aí vocês não descobrem o

e intersetorialidade:
guns que faltam, eles ligam para dizer que faltou.
porquê que ela não foi. Então, não tem o padrão, não é assim, toda família
Participante: Geralmente, a gente entra em é relapsa, toda não, algumas. E quando você liga,
contato com a família e tenta ver por que ela não eles se desculpam. Do que eu sei é um serviço mui-
to bem controlado pela turma da comunidade. E lá

Cadernos
foi no atendimento.
tem o conselho gestor, que controla bem o serviço.

Psicologia, demandas escolares


Participante: Tem família que se nega? Então, ele é controlado pela comunidade. E, em ge-
ral, muito bem aceito pelas famílias, né?
Participante: Sim. Tem todos os tipos de fa-
mília, a gente vê cada situação. Participante: Pelas escolas também.
Participante: E toda família acompanha? Carmem: Tanto que as famílias, elas parti-
cipam. Eu não sei, eu sou fã do serviço. Eu acho
Participante: Não. Tem muitas famílias que não
que é um serviço que dá certo. E o que eu queria
acompanham, que não compreendem o diagnóstico.
dizer é que tem uma outra compreensão, não sei
Participante: Eu acho muito interessante o se dá tempo, se é pertinente falar. Não é uma ou-
que a Ana Paula está trazendo porque, primeiro tra compreensão, mas é uma compreensão sobre
estou muito feliz com a sua fala, porque pensar saúde e doença que talvez a gente ainda quer to-
em um diagnóstico, em uma triagem baseada mar remédio para passar a dor. Não entenda, mas Cadernos Temáticos CRP SP
no sofrimento, é muito diferente de pensar em que é outra luta, que não é a luta da educação,
um diagnóstico baseado em uma patologia, do mas que é a luta da saúde mental, é uma outra
tipo, “vamos acompanhar porque tem diagnós- compreensão no sofrimento, e não na patologia,
tico de TDH”, “vamos acompanhar porque tem porque é assim que essa pessoa é, e de respeitar
diagnóstico de autismo”. Não. “Vamos acompa- essa pessoa do jeito que ela é.
nhar porque existe sofrimento.” E isso traz uma
Participante: Aí você fala na questão da de-
humanização para o tipo de atendimento que é
ficiência ou da doença mental?
fundamental, essencial para todo tipo de Caps.
E eu vejo que, na saúde, pelo que eu acompanho Carmem: De qualquer coisa. A Ana Paula está
das políticas públicas ou mesmo de reuniões de dizendo uma coisa maravilhosa, que é assim “olha
matriciamento que eu participava há algum tem- como a gente mudou do ponto de vista de pensar
po atrás, ficamos em um impasse muito grande a saúde mental hoje em dia”, porque a gente está
de como investigar, como entrar dentro da famí- pensando a partir do fenômeno do sofrimento, e a
lia, traz a família, e aí a família normalmente é só gente não está pensando ela a partir do fenômeno
da patologia ou do diagnóstico. Quando a gente pro- Participante: A nossa produtividade é: por
42
pôs a mesa diagnóstico e tinha a palavra diagnósti- atendimento, por horas de grupo, mas também por
co dentro desse título, é porque a gente sabe que, procedimento.
o fenômeno da saúde mental dentro da escola, ele
Participante: Mas você já viveu essa angústia?
ainda é visto como um diagnóstico. E diferente seria,
que eu acho que a supervisora estava aqui dizendo Participante: Sim, eu gostaria de estar mais
de uma forma bastante enfática e isso para ela virou fora, eu gostaria de estar mais na escola, mais no
um projeto pessoal, na hora que ela faz uma plata- território também, mas a gente ainda tem uma vi-
forma, isso virou uma militância, um projeto pesso- são da psicologia oferecendo atendimento clínico
al de transformação dentro da rede estadual, mas dentro do Caps.
isso diferente seria se a instituição escolar pudesse
Participante: Se a gente tivesse dentro da
olhar para saúde mental a partir do olhar do sofri-
equipe da saúde da família, o psicólogo, isso pode-
mento e não do diagnóstico. Então, acho assim, fi-
ria facilitar que o psicólogo pudesse circular muito
quei muito contente mesmo, acho que a Clarisse fala
mais pelo território, porque o Caps como um ser-
uma coisa muito bacana que eu fico muito contente
viço terciário/secundário, acaba que precisamos
de escutar aqui. A gente está ali nesse embate com
ficar mais dentro do serviço, tem uma demanda
todas essas questões, com esses nomes dentro da
gigantesca já dentro do próprio serviço.
escola, mas ele está chegando aqui nesse território
da Zona Norte para uma psicóloga que pode olhar Participante: Então, mas a gente não teria
para isso com outro olhar, que é a Ana Paula, que ela como abrir uma janela para que a escola tivesse
tem essa cara. ((risos)) Mas a gente propõe a roda um pouco mais de acesso. Lógico que ele vai bus-
para literalmente conhecer a cara dessas pessoas e car informação do aluno dele. Mas a gente percebe
como é que elas enxergam esse percurso. que, quando eu recebo as queixas escolares, as
minhas professoras fazem avaliação, que é ava-
Participante: É. Ele nunca é único, ele não é
liação diagnóstica inicial para poder atender. Eu
dentro, ele produz uma relação. Então, com o so-
também me incomodo com a questão da palavra
frimento foi produzido a partir daquela questão
“diagnóstico”, já chamo de anexo 1 que é para não
escolar, lá na escola naquilo que esse aluno não
conversar mais a respeito do nome dele. ((risos))
é visto como aprendente, esse aluno é visto como
Porque a própria secretaria coloca um nome que
alguém não potente, ou não está sendo atendido
contradiz o que você precisa fazer, né? Você não
das suas necessidades específicas. E aí ele vem
pode fazer um diagnóstico, aí ela me solta uma
para você com um sofrimento, vem no Caps, e já
resolução que diz que precisa ter um diagnóstico
vira talvez até um transtorno, que pode dar uma
para ser atendido. Então, aí meu professor fala,
complicação psíquica da própria criança. Como vai
“precisa ter o diagnóstico? Eu não tenho”, diag-
sendo possível, fico pensando para vocês, pensan-
nóstico, laudo é para o médico, ele que vai ver lá.
do o que a gente estava conversando aqui no co-
Ele não fala o que eu tenho que fazer na escola,
meço, que a OS (Organização Social) mal permitir
aqui somos nós, “não, você quer um diagnóstico
que vocês saiam desse espaço. Assim, tem angús-
para encostar a criança. Então tá. Se falar que ele
tia profissional também que está ali, porque tudo
é deficiente intelectual, vai virar o que para você? O
está lá, a questão e como que eu lido com isso. Até
que, de fato, vai mudar na sua prática?”.
porque, vocês foram superclaras, existem proble-
mas concretos e graves na escola. Então, a gente Participante: Essa é a grande questão.
detecta o indivíduo, mas isso se relaciona.
Márcia: “Se não vai mudar na sua prática,
Participante: É, aí gera uma angústia mes- você não precisa saber.” Aí entra a questão do não
mo porque a gente tenta fazer esse esforço de diagnóstico. Mas quando eu tenho esse olhar para
estar mais na escola e de ir até lá, e de poder a avaliação, o meu olhar é para a avaliação do so-
observar e poder ter uma troca maior com o pro- frimento, mas eu tenho que ir na escola, fazer um
fessor, que também é superimportante não só o ATPC, e de vinte professores, eu pego três, quatro
coordenador, mas a pessoa que está lá na sala de que conseguem entender o que eu falo e que co-
aula com aquela criança, e a gente quer ter uma meçam a se desnudar. É lógico que já mudou mui-
atenção maior, só que nós não conseguimos. E eu to, muitos professores já mudaram, mas o caminho
não sei na verdade, eu não sei se é uma questão precisa ser um pouco mais acelerado. Mas, de fato,
só dá OS ou de outros serviços. Outros serviços está mudando, está melhorando. Mas o professor
de saúde, de saúde pública. precisava ouvir a fala de vocês, entendeu? Até para
que ele pudesse se perceber. Eu acho que quan- do sigilo profissional, a questão de como fazer es-
43
do você dá um feedback para escola, vocês ficam ses encaminhamentos e, muitas vezes, a gente
um pouco presos às regras técnicas, para passar tem uma leitura para Código de Ética que é uma
isso para o professor, e o professor, “mano, é o leitura muito ortodoxa, muito tradicional no senti-
seguinte: a criança não tem problema, ela...”, você do de: a gente só vai comunicar o mínimo e para
entendeu? É bem isso, ela não tem dificuldade de os responsáveis. Como ficaria na questão do abri-

crianças e eadolescentes
aprendizagem, ela está com problema de dificul- go, por exemplo, quem são os responsáveis, sabe?

Psicologia em emergências e desastres

desastres
dade de ‘ensinagem’. Eu falo isso, com o profes- Eu acho que talvez na psicologia nesse sentido,
sor eu falo de uma forma muito mais suave, lógico, a gente teria que começar a pensar, - isso é uma
mas a gente precisa ter esse feedback. Porque o coisa que veio na minha cabeça agora -, mas teria

emergências
professor diz assim, “a gente manda para o Caps, que começar a pensar que em uma certa coletivi-
ninguém faz nada, ele fica lá”, a família não leva, a dade de responsabilidades, que é uma coisa que já
gente não sabe se foi, não sabe se não foi. Ou a existe na escola há anos e anos e anos, mas que

em de
mãe vem aqui, fala que o Caps falou que não é pro- a saúde e a psicologia, quando se coloca nesse

diagnóstico
blema deles não. Precisamos ter um canal não para lugar da saúde, não se ocupa ou não pensa a res-

Psicologia
responsabilizar, mas, de fato, de dar um feedback peito dessa responsabilidade que é coletivizada,
para a escola “esse psicólogo, esse terapeuta, compartilhada, de que os professores, eles estão
esse neuro, ele olhou essa criança e ele diagnosti- responsáveis por essa criança, que eles precisam

caminhos do
cou que essa criança está em sofrimento escolar”. de mínimos dados ou mínimos questionamentos.
Quer dizer, levar de fato isso para a escola, para a
Brisa: Eu acho que tem duas coisas tam-
comunidade escolar olhar para essa criança. Aí eu
bém, Márcia, que a primeira é: a criança que está

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
vou puxar um adendo para a questão das crianças
sofrendo, a maior parte do tempo dela, a criança

e intersetorialidade:
dos abrigos. A minha relação está muito estreita
na grade horária dela, mesmo a pública, ela está
com as crianças do abrigo, por quê? Eu vou nas es-
dentro da escola. Ela vai para o Caps uma, duas
colas, faço as avaliações e percebo que a criança
horas por semana, né? Então, o alcance de tra-
de abrigo, não precisa nem me dizer que é de abri-
tamento eu acho que precisa ser pensado. Uma
go, ela não consegue aprender, ela não memoriza,

Cadernos
outra coisa que eu acho que a Márcia falando da
ela não, “não, não, não, não,” mas eu faço a avalia-
escola é muito assertiva, o que ela vai dizendo?

Psicologia, demandas escolares


ção e não é deficiente intelectual, ela não tem uma
Mais do que tudo, a gente precisa que vocês es-
deficiência. Aí eu começo a perguntar da família.
cutem os nossos professores. Em uma posição
É batata. Aí é o sofrimento. É o sofrimento social,
de um profissional que também está sucateado
sofrimento que está dentro da família. Quando eu
por um aparato público maior, uma instituição
levo essas informações para o professor, ele fica
que responde a demandas que não são deman-
solidário à essa questão da criança, começa a se
das de tratamento de saúde mental, são trata-
movimentar para aquela criança ter mais atenção.
mentos de ensino aprendizagem, são objetivos
Porque o professor é um ser humano, é uma mãe, é
diferentes para essa criança. E a outra coisa, que
um pai que tá ali, quando você pega por esse lado,
é muito importante que a Márcia diz, é o seguinte:
a questão assim de “tá, ninguém faz. Nós também
o relatório do Caps para a escola não está nos
não vamos fazer?”. É assim que eu chego a conver-
servindo de nada. Como dialogar e que instru-
sa, “o médico não fez, o pai não fez, a mãe não fez,
mentos a gente pode ter, eu gosto muito da fala
Cadernos Temáticos CRP SP
a sociedade não fez, o governo não fez. Nós tam-
da Clarisse nesse sentido, porque na hora que a
bém não vamos fazer?”. Vamos simplesmente fa-
gente tem uma proposta de plataforma virtual, a
lar, “não, aqui também você não tem vez?”. Então,
gente vai ter que romper a nossa lógica do Có-
os professores têm abraçado. O grande problema
digo de Ética da profissão, romper e pensar que,
meu hoje na escola, é a doença mental, não tem
sim, a pessoa vai lá e vai escrever, aquilo vai ficar
nada relacionado à deficiência intelectual.
escrito virtualmente. Por que a gente não escreve
Participante: Mas Márcia, eu queria fazer também um monte de coisa? Porque profissional
uma métrica de nós psicólogos que é: eu vejo uma da psicologia também tem medo de se expor, de
dificuldade de comunicação que a gente tem com sofrer uma sanção, um processo. Todo mundo
a escola, principalmente com escola, com a socie- tem suas responsabilidades nesse sentido. E di-
dade, comunidade de uma maneira geral, justa- ferente, aí do ponto de vista do trabalho, hoje em
mente por conta do nosso Código de Ética. Em que dia, a gente tem a área de saúde, ela é organiza-
sentido? A gente tem dentro do código a questão ção social, ela não é concursada que nem você,
para sofrer uma sanção, para chegar uma coi- Participante: Claro que a gente não está di-
44
sa mais grave do ponto de vista da profissão, o zendo aqui, “saúde não vai olhar para isso”, justa-
profissional que está em uma posição dentro do mente o que eu estou dizendo, eu não posso dizer,
Caps, ele tem uma posição diferente em relação “ah, então esse é o problema, então não vamos
ao trabalho. Então, mais do que tudo, acho que é mais avaliar”. Não, vamos, temos casos e casos,
isso que a Clarisse vai dizendo, a gente tem que tem diagnostico que é importante, tem um sofri-
fazer o exercício do pensamento do sofrimen- mento, isso é muito importante como qualquer
to, a gente tem que fazer o exercício de pensar diagnóstico e merece ser visto em qualquer situa-
como é que se dá o trabalho dessas pessoas, né, ção, na minha opinião. Mas aí como é que a gente
Carmem? Como é que se dá o trabalho desses faz esse retorno de dizer, “olha, mas tem alguma
professores, como é que se dá o trabalho desses coisa do pedagógico que você pode olhar e você
profissionais que é um pouco isso que o CRP faz. pode dizer e isso é muita coisa”. É tão importan-
Acho que a gente está aqui todo mundo, mas é te quanto o diagnóstico. Então acho que é como é
uma coisa que o CRP faz. que a gente faz, eu fico com essa impressão. Essa
equivalência no diálogo para que as demais pos-
Participante: E ver qual é a possibilidade de
sam se perceber.
dialogar com a psicologia que hoje se pensa dife-
rente, né? Então acho que complementando. Participante: O que a Carmem está trazen-
do é que, no outro encontro, também posso es-
Brisa: Mas fica claro a necessidade de apro-
tar enganada a gente falou, mas pareciam que
ximação e de canais de conversa. Veio de outra
eram serviços muito solitários. Que o Caps fazia,
conversa e entre os vários segmentos. Acho que
mas aí não tinha o que fazer, tinha o protocolo da
na outra conversa apareceu isso também. Da difi-
outra para escola e tinha um diálogo menor. Que
culdade de ir até a escola, de conversar com a es-
a escola fazia, encaminhava, parece que hoje
cola, mas não sei se eu estou percebendo diferen-
teve uma aproximação que dá para a gente ver
te, hoje parece que ficou um pouco mais claro, uma
que tem mais movimentos, inclusive. Mas quan-
coisa assim, talvez inventar alguma coisa que fale.
do a Ana Paula fala, “olha, eu faço” e tem ma-
Ou que escreva, por exemplo, claro que se evoluir
triciamento, tem ampliação do que a gente está
o caso, você tem um relatório. E se não, é possível
fazendo. Talvez não seja suficiente nem chegue
pinçar desse relatório o necessário para escola, o
no tempo que a escola gostaria que chegasse,
que é necessário dentro do que a gente pode fa-
mas a gente enxerga que tem um movimento. E
zer, respeitando o nosso Código de Ética.
a escola também. Quando vocês dizem, “olha, a
Participante: O professor, ele se abaixa mes- gente tem algumas coisas”, mas talvez não es-
mo para o psicólogo, para o terapeuta no sentido de teja chegando com o refino que poderia chegar
que ele tem uma voz de respeito dentro da escola. para o Caps.
Participante: Acho essa sua fala bem perti- Carmem: Até porque, o tratamento vai ser
nente. Como é que a gente faz essa intervenção melhor nessa rede.
de potencializar o professor para entender que ele
tem um papel muito importante e que ele tem um Participante: Assim, o que está diferente para
conhecimento muito grande. mim neste encontro é que parece que a gente está
vendo que tem mais movimentos e tem mais ondas.
Participante: Então, a plataforma podia dar
conta disso sem vocês entrarem na questão ética. Carmem: Você sabe Márcia, uma coisa? Às
vezes mais do que chamá-los da PUC, da USP, por
Participante: Por que o que acontece, muitas
que não chama os profissionais que estão aqui?
vezes? A fala do professor, e é de desespero mes-
mo, você tem muitos alunos, você tem uma histó- Márcia: Então, mas eu chamo. Em outubro,
ria de muitas dificuldades de aprendizagem, tem a por exemplo, eu tenho seminários, é uma sema-
profissão, tudo que aconteceu até agora. Tem todo na, seminário da educação especial, dos anos
esse contexto, e aí tem um desespero de dizer, “eu iniciais. O Caps já participou, foi até no último
vou encaminhar para a saúde” e tem o desespe- dia, foi uma mesa redonda com todos os Caps
ro com essa resposta que vai vir da saúde. Então, nessa mesa e professores de todas as nossas
tem uma expectativa que a minha impressão é que escolas, inclusive das escolas particulares. E aí,
vai estar sempre frustrada de que a saúde vai me falou um pouco o TO, falou um pouco o neuro, e
dar um feedback que vai resolver. aí os diretores começaram a fazer pergunta, foi
uma coisa que acabou o seminário e não acabou Participante: A gente já podia até alinhar al-
45
a conversa, porque eles continuaram lá, ficou gumas coisas que vocês acham importante para
escuro. Mas a escola gosta muito de vocês. Até gente, são 71 escolas e 120 particulares. Então, o
para ouvir que não é problema de vocês. Enten- público é bem grande. É lógico que você não pode
deu? Às vezes é preciso falar isso para a esco- tirar todo mundo da escola senão todo mundo
la. A gente fala, o professor não entra tanto em quer ir, mas a gente tem uma limitação. A gente

crianças e eadolescentes
embate quando eu digo para ele, “mas eu estou poderia até já alinhar algumas formas que vocês

Psicologia em emergências e desastres

desastres
na sala de aula, eu sei o que eu estou falando, acham, julgam importante, e a gente também com
não estou só no discurso”. E eu acho que esse a nossa demanda pedir para vocês, Caps é sempre
discurso da psicologia não vai ficar só no discur- muito importante. Eu acho que o Conselho Regio-

emergências
so, você entendeu? Porque vocês têm esse po- nal também é importante para falar nesse sentido.
der de acolher, esse professor vocês sabem que A saúde, a saúde mental é muito importante. Além
ele está em sofrimento e que ele precisa des- disso, nós também podemos fazer alguma coisa,

em de
sa questão de você chegar mais próximo. E até como um simpósio de um dia para discutir essas

diagnóstico
para dizer para ele, “prô, você precisa de ajuda, questões, trazer o professor para discutir. Quer fa-

Psicologia
você não consegue ver que esse...”. É isso que zer uma mesa redonda de um dia inteiro com os
eu estou fazendo na escola, “prô, você não con- professores? Pegar aqui o Sesc que ali cabe 300.
segue ver as habilidades dessa criança porque

caminhos do
Participante: É um 500 e pouco.
você está em sofrimento, você está triste, você
está nervosa, você está cansada, a sala de aula Participante: Ali na Unip eu já tenho uma
não tá sendo fácil”. Aí o professor vai e olha para semana para usar em outubro, eu não sei se eu

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
a criança. Entendeu? Então assim, eu acho que conseguiria, o problema também é que a gente

e intersetorialidade:
vocês da área da saúde, vocês têm muito essa estenderia para municipal, para uma demanda que
questão de poder ver. eu tenha para discutir a criança marginalizada, de
Participante: Mas, como a gente está ven- qualquer forma, excluída.
do aqui, infelizmente, as comunicações não estão Participante: Vocês estão pegando agora a

Cadernos
permitindo muito isso, né? Acho que é nisso que a demanda dos presídios também, né?
gente tem que investir.

Psicologia, demandas escolares


Participante: Sim, bastante.
Participante: As nossas comunicações não
chegam para escola. A gente fala para o coordena- Participante: Dia 6 eu vou ter audiência no
dor, “olha, passa para o professor que vai ter isso”. Ministério Público com toda essa demanda do
adolescente em medida de Liberdade Assistida.
Participante: Não chega.
Participante: Pode ser até antes de outubro
Participante: Não, não chega. Eu estava
focado nisso ou focado na área da psicologia na
na sala de aula até o ano passado. A gente tinha
escola. Aí vocês façam uma proposta, de um dia
aluno que era atendido pelo Caps, por isso que
que fica legal, dá para gente encher, a dirigente, ela
eu estava perguntando. Não chega. E eu, eu era
consegue convocar, abrir a condição para convocar
uma professora chata, daquelas que, “mas e aí,
os professores.
foi? Então, mas e aí? O que que eles falaram?”. Cadernos Temáticos CRP SP
Porque eu queria saber o que era falado, porque Carmem: Gente, é assim, eu acho legal par-
para mim, era do meu interesse na sala de aula. ticiparem e acho que o Conselho Regional pode,
Não chega. sempre participa e sempre aceita, mas vocês
precisam formalizar um convite para a gente. Por
Participante: O professor espera até que você
exemplo, se você convidar o Conselho para fa-
fale, “olha, ele não tem problema clínico”, “Ele não
lar vamos pensar em um tema maior, de políticas
tem problema clínico. Então, sabe, vamos pesqui-
públicas, a gente como de Comissão de Saúde lá,
sar melhor, a escola precisa olhar melhor para essa
Núcleo de Saúde, Núcleo de Educação e Núcleo de
criança, mergulhar um pouco mais nessa criança.”
Direitos Humanos. CRP pode montar uma mesa
Carmem: É a distância da sala de aula e com três falas e trazer uma mesa, um interessado.
quantos profissionais estão envolvidos na chega- Ou então você encomenda e vê que área que po-
da. Por exemplo: a coordenadora está atarefada, aí deria atender a sua necessidade. Entendeu? Por-
esqueceu de te chamar para te contar que o Caps que educação especial, que aí vocês vão chamar a
foi lá, e conversou, já acabou, já cortou o telefone. rede, vocês montam isso e mandam via ofício.
Participante: Porque é isso que a Carmem truir mesmo o sistemático. Não sei o quanto o
46
está chamando de convites. CRP pode se responsabilizar nisso, não sei nem
se é uma tarefa exclusivamente nossa, mas eu
Participante: É, eu estou pensando sepa-
acho que a gente pode estar mediando sim, es-
rado do meu seminário. Uma coisa focada nessa
sas formas. E acho que talvez buscando também
questão.
outros atores que estão aí nessa roda, que não
Participante: É. Eu acho que esse seria um são só os profissionais, mas no caso da educa-
ponto mais interessante, porque você não po- ção não só os professores, no caso da saúde
deria necessariamente só colocar na criança, não só os psicólogos, mas todos os serviços.
você pode colocar o do professor também, como Aqui a tendência é olhar para os gestores agora.
um profissional. E aí você engloba com todos os
Participante: Eu acho importante essa
pontos que seriam, que foi a fala dela. Eu acho
sua fala, a gente não pode perder esse foco. Na
que teria que ser uma coisa mais abrangente.
hora que você falou do Projeto Político Pedagó-
Por quê? Uma coisa que vocês falaram e que é
gico, eu acho que a gente precisa pensar em al-
verdade, que o professor, ele está na rede, en-
gumas ações de fato, vocês sejam protagonis-
tão não é só a criança. Às vezes a criança é o
tas dessa ação na escola, porque a escola, ela
reflexo do que o professor está fazendo dentro
não consegue se olhar. Se ela conseguisse se
da sala, e isso também é importante. Por quê?
olhar, até usar os olhos do psicólogo, para olhar
Porque a criança, muitas vezes, ela está naque-
a comunidade, ela faria uma escola diferente. E
la forma, a criança não vai querer ir na escola
toda a problemática, ela começa aí, você plane-
porque o professor às vezes está de uma forma
ja algo que não é para aquele público e depois
tão horrível dentro da sala de aula que ele não
quer que o público se sinta feliz dentro daquele
quer. E vocês comentaram a respeito da medica-
espaço. E isso eu acho que nunca tinha ouvi-
lização que, realmente, é um ponto importante.
do falar na questão do psicólogo olhando para
Tem muito professor hoje que acha que o aluno
o projeto, mas assim, eu achei muito feliz essa
está, é bom, às vezes o remédio não é aquele,
colocação. Muito, muito mesmo.
e quando ele faz o efeito contrário, ele também
se sente incomodado. E isso é uma coisa que Participante: Eu acho que é a nossa inten-
muitas vezes é complicada. Então acho que teria ção e era bom poder mostrar para os educado-
que ser um sofrimento não só do aluno, como res o que a gente pensa da psicologia hoje na
do professor também. Eu acho que teria que ser educação. Hoje não, né? Já é uma construção de
um tema mais abrangente, é um ponto que seria alguns anos, ela está na intenção mais teórica,
importante. Mas eu acho que uma mesa redonda por algumas ações, enfim, que dentro da edu-
específica, um encontro. cação ela possa ter este lugar. Tem a história
do desenvolvimento do processo. Mas a gente
Participante: Eu acho importante o evento,
pensa, a gente tem alguns instrumentos hoje
porque você tem outra realidade, muito na ques-
para usar aí e pensar que a gente sabe qual é o
tão da escolarização. E vocês têm outra formação.
nosso lugar e qual o nosso espaço, para somar.
Então eu acho que isso gera bastante atenção,
até de pensar quais são os temas, a forma como Carmem: Gente, eu acho que é isso.
vai ser falado. Eu gosto muito do formato em roda,
quando você dá voz.

Carmem: Eu acho vamos finalizar. Alguém


quer falar alguma coisa? Ana Paula?

Participante: Eu acho que ficou muito boa


a mesa por conta disso. E eu acho que é um
ponto super importante, de estabelecer um ca-
nal de comunicação, do ponto de vista da edu-
cação. A gente fazer esse movimento para isso,
é super importante.

Carmem: Foi bom, eu acho que a gente


esclareceu um pouco melhor essa necessidade.
Claro, que como uma necessidade, ele é de cons-
Roda de Conversa sobre 47

Demandas Escolares: os
caminhos do diagnóstico

crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres

desastres
de crianças e adolescentes

emergências
Alexandra Lelis

em de
diagnóstico
07/06/2017. Subsede Baixada Santista e Vale do Ribeira do CRP SP (Guarujá).

Psicologia
Rozi: Começo trazendo a história de como surgiu lugar da assistência social. Todos nós participare-

caminhos do
a possibilidade dessa Roda de Conversa para, de- mos também dessa conversa.
pois, passar a palavra às pessoas convidadas e,
Alexandre: Eu sou psicólogo, atualmente
juntos, construirmos um diálogo. A intenção foi

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
trabalhando em CAPS, e minha formação foi em
de, a partir de ações de planejamento estratégico,
universidade particular, uma formação com viés

e intersetorialidade:
pensar em como se dão os encaminhamentos es-
bastante clínico e para o cuidado individual das
colares das crianças que circulam pela educação
pessoas. Muito cedo comecei a trabalhar no SUS,
e acabam, de alguma forma, tendo suas deman-
num programa de aprimoramento profissional na
das levadas para a saúde ou para a assistência
saúde mental, principalmente de adultos; depois

Cadernos
social; como as psicólogas têm lidado com essa
disso integrei também a equipe de internação para
questão, quais são os desafios e as problematiza-

Psicologia, demandas escolares


medida socioeducativa e trabalhei em diversos
ções dentro desses campos que têm acontecido
CAPS - CAPS saúde e drogas, CAPS infantil e em
na educação. O objetivo disso é pensar como uma
CAPS adulto também. CAPS do centro de Santos,
entidade da psicologia, articuladora de uma rede
antigo Centro de Valorização da Criança. Ele está
pode apoiar, pois demonstra ter, às vezes, uma in-
em processo para virar um CAPS infantil. Ele já tra-
terlocução mais eficiente, às vezes menos eficien-
balha com a lógica de CAPS, mas ele era um am-
te, pois cada território tem o seu caminhar.
bulatório especializado em saúde mental só para
No ano passado, em São Paulo, realizamos crianças e agora tá se transformando num CAPS
uma primeira roda com esse propósito de articular formalmente, informalmente já é há muito tempo.
as secretarias e de aproximar o Conselho dessas Ele está cadastrado no Ministério da Saúde ainda
ações, dessas práticas, desses campos de traba- como um serviço ambulatorial, mas ele está em
lho. Nós percebemos que havia uma série de ques- processo para receber a certificação de CAPS, que Cadernos Temáticos CRP SP
tões colocadas que interferem diretamente na é uma coisa que é o Ministério da Saúde que faz,
atuação da escola, e acreditamos ser importante tem toda uma exigência, tem requisitos para que o
pensar nesses processos conjuntamente para que serviço possa ser considerado CAPS.
se avance na busca por uma educação que seja
Marcos: Boa tarde a todos, meu nome é
realmente efetiva para todas as crianças e adoles-
Marcos. Bom, eu sou Guarda Civil aqui em San-
centes. A Alexandra, com colaboradores da Baixa-
tos, a minha formação acadêmica é em educação
da Santista, organizou e articulou esse encontro
física, sou pós-graduado em medicina chinesa.
de hoje, por isso, tenho que agradecer a vocês que
Eu venho trabalhando há muito tempo na área
efetivaram essa ideia.
da saúde, desde distúrbios mentais, doenças de-
Pensamos em convidar pessoas que pudes- generativas e tudo mais. Na Guarda, eu recebi a
sem falar de diferentes lugares: o Alexandre vai missão de comandar 20 guardas para fazer um
falar do lugar dos serviços de saúde; a Jaqueline trabalho com adolescentes, de 12 a 14 anos de
do campo da educação, trazendo para o debate idade, dos sextos anos, um trabalho do tipo do
as questões de medicalização e a Tayná falará do PROERJ, só que o nosso se chama PEC, que é o
Programa de Educação Cidadã. Então, a gente CREAS e também sou da comissão gestora do CRP
48
tem dez encontros nessas escolas, são as mais aqui da subsede da Baixada Santista e estou no
problemáticas de Santos, segundo a Seduc, ela Núcleo Assistência Social do CRP.
passa uma lista de dez escolas que precisam de
Lorena: Bom, meu nome é Lorena e também
um pouco mais de atenção, aí eu vou com a minha
sou estudante e talvez futuramente psicóloga.
equipe lá para falar sobre a prevenção do uso de
drogas lícitas e ilícitas, a gente fala sobre víncu- Alexandra: Eu sou Alexandra, sou mãe da Lo-
los familiares, bullying, como escolher boas ami- rena, sou psicóloga, estou atuando na clínica nes-
zades, enfim, a gente fala sobre várias coisas que se momento, aqui no Guarujá mesmo, e também
possam ajudá-los a se tornar cidadãos melhores. sou da comissão gestora do CRP, como subcoor-
O principal é dizer não às drogas na hora que for denadora da Baixada Santista, e sou da Comissão
preciso. Na guarda, recebi um cargo de chefia da de Orientação e Fiscalização e Ética, também sou
Seção de Apoio aos Conselhos – Seacon – de membro do Núcleo de Educação e Medicalização
basicamente todos os Conselhos de Santos... eu do CRP São Paulo, e do Núcleo da Criança e Ado-
represento a segurança pública e onde precisar lescente. No município de Santos, faço represen-
apoiar, a gente apoia. Eu participo das reuniões lá, tação na Comissão de Enfrentamento à Violência
na Comissão de Enfrentamento à Violência Sexu- Sexual Infantil e também no Conselho Municipal da
al e Infantil, onde a gente precisar agir. Criança e do Adolescente.

Gabriela: Boa tarde, sou Gabriela, sou es- Jaqueline: Bom, sou Jaqueline, psicóloga, mi-
tudante do quinto ano de psicologia da Unifesp nha formação maior é na psicologia escolar, mes-
e faço estágio na saúde mental no CAPSi de São trado, doutorado, estou há um mês e meio em San-
Vicente. tos, na Unifesp, sou professora nova da Unifesp,
na educação. Também faço parte do Fórum sobre
Cristiane: Cristiane, estou na enfermagem Medicalização da Educação da Sociedade, do nú-
administrativa do CAPS Infantil São Vicente. cleo São Paulo e tentamos restabelecer o Núcleo
Rafael: Eu sou Rafael, sou psicólogo, tra- da Baixada Santista do Fórum, que existe, mas
balho atualmente na educação aqui no Guarujá, está um pouco parado, estamos tentando reorga-
equipe de apoio pedagógica, mas estou indo para nizar o núcleo e as ações.
saúde, trabalhar na atenção básica, trabalho na Rozi: Eu sou a Rozi, também me formei em
penitenciária aqui no Guarujá, e sou representante universidade particular. Você estuda em escolas
também do Conselho Municipal da Juventude. públicas toda a vida, mas não tem condição de
Daniel: Sou Daniel, eu sou psicólogo, sou fis- entrar na universidade pública. Isso para trazer
cal do Conselho de Psicologia, atuo lá na sede, e que hoje essa questão da clínica deu uma amplia-
um dos temas que eu acompanho pela Comissão da. Acho que mais oferta, pelo menos. Na época a
de Educação e Medicalização. Tenho acompanha- gente tinha que se colocar numa caixinha, e eram
do as atividades do núcleo de educação e medica- poucas caixinhas há 25 anos, quando me formei.
lização do ponto de vista das estratégias éticas e Mas o meu percurso sempre foi mais social, de-
de conduta no trabalho. senvolvendo formação em psicologia social, fami-
liar. Por atuar com as pessoas com deficiência, eu
Marina: Eu sou Marina, sou psicóloga, atuo trabalhei em ambulatório durante dezessete anos,
aqui no Creas do Guarujá, a minha formação tam- pessoas com deficiência intelectual e física, e, sem
bém foi em universidade particular, extremamente dúvida, a militância. Por atuar como psicóloga es-
clínica, mas no meio da graduação, eu comecei a colar em uma escola de educação básica os fatos
repensar um pouco isso e parti para a assistência, sociais foram me puxando tanto para o tema so-
fui buscar estágio na assistência e descobri um bre medicalização, como sobre a queixa escolar.
mundo que é bem diferente, e não sei hoje como tá Atualmente estou como Coordenadora do Núcleo
a graduação, mas na minha época eu era a única Educação e Medicalização do CRP SP.
que se interessava por essa área.
Lívia: Sou Lívia, trabalho no Cras Santa Rosa,
Evelise: Sou Evelise, psicóloga e estou na as- como psicóloga.
sistência social no CRAS no bairro do Morrinhos.
Jaqueline: Agradeço ao Conselho pela opor-
Tayná: Eu sou a Tayná, sou psicóloga tam- tunidade de trazer essa dimensão do diálogo en-
bém aqui da prefeitura do Guarujá, trabalho no tre saúde, educação e assistência. Hoje tentamos
romper a perspectiva das formações clínicas e, No entanto, isso também diz respeito à possibili-
49
com isso, pensar em uma formação mais interdis- dade do significado que a escola tem para crian-
ciplinar. No entanto, essa é uma construção e, na ças e adolescentes, que está além da questão dos
verdade, um grande desafio. A realidade é muito conteúdos escolares propriamente ditos e diz res-
mais complexa do que as nossas caixinhas, então peito, na verdade, a todo o significado de sociabili-
agradeço por essa iniciativa, pois, é possível que dade, de vida, de presença do Estado.

crianças e eadolescentes
essa discussão mude a vida completa do sujeito.

Psicologia em emergências e desastres

desastres
E como é que essas três áreas muitas vezes
Quero pensar nesses lugares, educação, se comunicam? Então pensamos: “bom, é presen-
saúde e assistência, porque pensando em re- ça do Estado”. Mas a comunicação costuma acon-
lação ao que chamamos de queixa escolar, ou tecer na base dos encaminhamentos: educação

emergências
seja, o lugar do estudante ou a produção do não encaminha para saúde, a saúde encaminha para
aprender, e o que significa isso nessas três áreas a assistência e vice-versa, e, na verdade, há uma
do conhecimento. E mais do que isso, se pensar- tentativa de uma construção de redes. O raciocí-

em de
mos na população mais vulnerável, onde se dá a nio aqui é aquele em que se a criança está dando

diagnóstico
presença do Estado? problema na escola, deve ter problema de saúde,

Psicologia
porque não aprende, porque é agitado, porque tem
problema cognitivo. Vemos essas falas constan-

caminhos do
“Diz respeito à possibilidade do tes: “se não aprende, algum problema ele deve ter.
Vamos mandar para saúde”. Quando não é esse o
significado que a escola tem argumento, vem a questão da família, mas mantém
para crianças e adolescentes, o encaminhamento, só que agora para a assistên-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
que está além da questão cia social. Nesse processo de encaminhamento, é

e intersetorialidade:
comum vermos o sujeito transitado de serviço em
dos conteúdos escolares serviço e assim por diante, ou não vai mais a ne-
propriamente ditos e diz nhum porque ele já está encaminhado para outro,
respeito, na verdade, a todo o e ainda aparece a fala: “ih, mas esse aí não adere,

Cadernos
não adere ao tratamento”.
significado de sociabilidade, de

Psicologia, demandas escolares


vida, de presença do Estado”
“Temos o desafio que é
É interessante notar que, em relação às co- efetivamente construir uma
munidades mais vulneráveis, em geral, o Estado se rede para além das áreas
faz presente através da polícia, de uma maneira,
por vezes, bastante conflitiva. Sobretudo, se faz
específicas, para além da
presente através da escola, para quem está em assistência, para além da saúde,
idade escolar, por meio da saúde, e, mais recente- para além da educação e para
mente, entra também assistência social. Mas, em
linhas gerais, são as unidades básicas de saúde
além dos serviços. Olhar para as
e a escola. Podemos afirmar que essa é, muitas próprias redes que as pessoas Cadernos Temáticos CRP SP

vezes, a entrada do Estado na vida, nos locais em constroem”


que não se tem outras portas de entrada.

Dessa forma, na unidade básica sempre tem


a questão da escola e isso evidencia uma série de Temos o desafio que é efetivamente construir
conflitos e de contradições. Se formos pensar na uma rede para além das áreas específicas, para
unidade básica de saúde, muitas vezes, circulam além da assistência, para além da saúde, para além
falas como: “ah, fulano vive aqui, todo dia tá aqui”, da educação e para além dos serviços. Olhar para
“porque estava, não precisaria de atendimento”. E as próprias redes que as pessoas constroem. Essa
é interessante pensarmos que o sentido vai muito ideia de redes vivas é de difícil olhar, porque até
além de “vou tratar da minha saúde”, muitas vezes conseguimos olhar para dentro dos muros do ser-
essa é justamente a presença do Estado. A escola viço em que estamos e pensarmos no outro desse
também é esse lugar em que se fala: “não, mas os lugar, mas enxergar na rede do sujeito, de onde ele
alunos não estão interessados, vão lá só pra comer”. vai procurar se constituir, isso é um grande desafio.
Me parece importante falar da especificidade O que é medicalização? Sempre vale a pena
50
da questão escolar e do encaminhamento. Primeiro, retomar a definição porque ela ainda causa al-
que escola é essa? A experiência da complexidade gumas confusões. Podemos definir como tomar
do que acontece na escola e dos processos que fa- questões que são de ordem complexa, multide-
zem com que os estudantes sejam encaminhados terminada, ordem social, histórica, política, afeti-
não é tão explícita assim, apesar de todos nós ter- va, e transformar em questões de ordem indivi-
mos experiência de escola. Mas o que temos visto é dual, normalmente biológicas. É um processo em
que, dentro dessa lógica, vem acontecendo um nú- que você atribui determinadas doenças a sujei-
mero grande de encaminhamentos através de pro- tos, dentro de uma realidade complexa. Então as
blemas na escola, sobretudo para área da saúde. diferenças que caracterizam o ser humano, que
enriquecem a humanidade, são tomadas como
Na UNIFESP temos um trabalho, chamado transtornos. E é nesse processo que vemos que
Trabalho em Saúde, em que os alunos vão nos as desigualdades acabam sendo escamoteadas,
territórios de Santos juntos com os professores. escondidas e transformadas em doenças. Ques-
Recentemente tenho acompanhado uma mulher tões de ordem coletiva, de ordem social, de or-
que mora na região das palafitas em Santos, que dem política também são transformadas em in-
é uma região extremamente precária em relação dividuais. Portanto, esse também é um processo
às condições de moradia e de falta de sanea- de biologização do que é social, em outros ter-
mento básico, entre outras complicações. Essa mos, de patologização da vida.
mulher tem quatro filhos e não sei quantos ratos
que passam por cima e, nesse processo, qual é a Esse é o esclarecimento que eu queria fa-
questão dela? Ela falou: “não, comigo tá tudo bem. zer para não confundirmos o conceito, porque, às
O problema são meus filhos”. vezes, se pensa que medicalização é sobre tomar
medicamentos ou tomar medicamentos em ex-
Seus filhos, dentro dessa condição de vida, cesso. No entanto, há uma diferença entre medi-
têm, com alguma frequência, algum tipo de doen- car, medicamentalizar e medicalizar: medicar diz
ça, alergia, algumas internações e muitas faltas na respeito a tratar com remédios, tomar remédios;
escola. Entre os quatro filhos, os três mais velhos medicamentalizar seria o uso abusivo de medica-
foram diagnosticados como tendo dislexia que, em mentos; medicalizar, por sua vez, vai no sentido
princípio, implica em troca de letras na escrita, difi- de transformar questões de ordem social e políti-
culdades persistentes na alfabetização. O terceiro ca em questões individuais.
filho, já com diagnóstico, tem apenas cinco anos
de idade. Aqui é importante vermos como que o Nesse sentido, é possível pensarmos no
primeiro diagnóstico vai passando automatica- processo de medicalização que não envolva
mente para os irmãos, a partir da ideia traduzida uso de remédios. Podemos ter como exemplos
em falas como: “bom, eles moram nas palafitas, en- o início da adolescência, a própria questão da
tão começam a ter dificuldade escolar, esse irmão já homossexualidade como doença. Não envolvem
tem um diagnóstico logo os outros também devem uso de medicamentos, mas é medicalizante. Nem
ter”. O que vemos aqui é a questão do diagnóstico, toda pessoa medicalizada é medicada e nem
do encaminhamento de uma maneira muito forte, toda pessoa medicada é medicalizada, esse é
de forma reiterada. E isso nos atenta para a ques- um ponto importante. Agora, uma das questões
tão que tratamos: a medicalização. importantes do processo de medicalização vem
sendo efetivamente a ultra medicamentalização,
é uma das formas de expressão.
“As diferenças que caracterizam Como são os processos? Que doenças são
o ser humano, que enriquecem a essas? Em geral, são as doenças do não aprender
humanidade, são tomadas como e do não se comportar. Porque o que vai definir a
criança é sua vida escolar. Quais são essas “do-
transtornos. E é nesse processo enças” dos não aprendentes e não comportados?
que vemos que as desigualdades O que a gente encontra na escola? A tal da disle-
acabam sendo escamoteadas, xia, que teria a prevalência entre 10 a 12% da po-
pulação; o Transtorno do Déficit de Atenção com
escondidas e transformadas em ou sem hiperatividade, o TDAH, cujas estatísticas
doenças” variam de 3 a 6, ou de 3 a 26% da população in-
fantil, uma variabilidade gigantesca; o Transtorno momento da revolução industrial, com a jornada
51
Opositor Desafiante, TOD, varia de 2 a 16% da de até 16 horas por dia, com crianças e mulheres
população, sobretudo adolescentes. Tem outros, que perdiam seus braços. É interessante, do pon-
Transtorno de Conduta, Transtorno de Ansieda- to de vista das classes dominantes, a ideia de que
de, Transtorno Bipolar. Vem crescendo, inclusive o povo deveria ser educado no sentido do disci-
aqui no Guarujá a gente está reportando, o TEA, o plinamento.

crianças e eadolescentes
Transtorno do Espectro Autista. Por que essa inci-

Psicologia em emergências e desastres

desastres
dência? Porque estamos falando de 3 a quase 30%
da população que supostamente teria alguma do-
ença neurológica que lhes causaria, como sintoma,
“Mas essa escola não existe mais
da maneira como que ela era”

emergências
ou não conseguir escrever ou não se comportar.

Só para compararmos, se pegarmos a dia-


betes, qual é a incidência de diabetes na popu- Mas essa escola não existe mais da ma-

em de
lação brasileira? Atualmente tem crescido muito neira como que ela era e, talvez, o caráter disci-

diagnóstico
o diabetes, falamos entre 30,5 para cada 100 mil plinador da escola hoje não consiga dar conta de

Psicologia
habitantes. Hipertensão, 28 para cada 100 mil. Ou- como ele dava antes. E, nesse sentido, podemos
tra doença neurológica, a esclerose múltipla, 30 pensar: será que estamos precisando de um dis-

caminhos do
para cada 100 mil. E, de repente, estamos falando ciplinamento químico? Me parece que, quando
de uma doença que tem 10%, 10 a cada 100, 20 a vemos esse grande número de diagnósticos e de
cada 100. Isso mostra que há alguma coisa muito utilização de medicamentos, sobretudo para o
estranha aí, uma doença que tem uma prevalên- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade,

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
cia muito maior do que as outras, quase como se no perguntamos: “por quê?”, “mas isso é baseado

e intersetorialidade:
fosse um castigo divino. Se falamos para cada 100 em quê?” Porque a criança que não se comporta na
mil, para cada mil, de repente estamos falando em escola tem um problema. Só que ela não é a única
porcentagem de doença. Se estamos desconfian- que teria problema, existe uma visão reducionista
do desse diagnóstico, acho que temos de olhar dos problemas escolares, que é assim: “então, essa

Cadernos
para o lugar em que ele talvez surja: a escola. Que criança tem um problema, ou problema de ordem
escola é essa que esses alunos frequentam? Qual cognitiva, ou de ordem neurológica, ou de ordem

Psicologia, demandas escolares


é o sentido dessa escola, mas sobretudo quais as afetiva, emocional, ou de ordem...”, enfim, das mais
transformações que essa escola está sofrendo e diversas esferas. Ou problema para família que é
que, talvez, venha revelando um número grande de inadequada, que é despreparada, que é desestru-
diagnósticos? É para pensarmos; quem sabe olhar turada. Ou o problema é o professor, que é mal-
para dentro da escola. formado, que não veste a camisa da escola, que é
despreparado também para lidar com a realidade
atual. Bom, se pensarmos que o problema que tem
“Entre as coisas que se aprende na escola é um problema dessa ordem ou o proble-
ma é o aluno, o que fazemos com ele? Qual é a re-
na escola, de uma maneira muito solução? Mandamos para assistência. Chamamos
forte historicamente, está o o Conselho Tutelar.
caráter do disciplinamento”
Cadernos Temáticos CRP SP

“E, nesse sentido, podemos


Uma dimensão muito importante a se pensar pensar: será que estamos
na escola, é a questão do disciplinamento. Tudo precisando de um
enfileiradinho, quietinho, bonitinho, às vezes, com
divisão para meninos. A primeira coisa que apren- disciplinamento químico?”
demos, quando vamos para escola efetivamente é
sentar, se comportar, pedir: “Posso ir ao banheiro?”.
“Olha pessoal, vamos falar um por vez porque se- Aliás, fazendo um parêntese. Essa moça que
não a gente não se entende”. Entre as coisas que eu contei que tem quatro filhos, a partir das doen-
se aprende na escola, de uma maneira muito forte ças dos filhos, ela teve de internar o de dois anos
historicamente, está o caráter do disciplinamento. de idade, na Santa Casa de Santos. Sua casa é
Historicamente, a escola se torna obrigatória no extremamente longe, na Zona Noroeste. No dia da
internação, ela estava com o filho do meio, tinha de deveria ser utilizada a psico cirurgia. Quer dizer,
52
levá-lo para casa, pegar a roupa e voltar. Esse pro- lobotomia. É interessante a gente ver que é um
cesso demorou horas e ela estava desesperada, processo de medicalização. Você transforma exa-
porque o Conselho Tutelar já havia sido chamado tamente a violência nos guetos, neste momento.
no hospital porque a mãe era negligente, e essa
questão da negligência diz respeito à ideia que se Então, fico me perguntando: “bom, se a
faz das pessoas, não às pessoas em si. gente tem essa primeira onda medicalizante nes-
sa época, e agora a gente tem a segunda onda,
aí na virada do século 21, o que será que tem de
continuidade e o que será que tem de novidade
“Essa forma de compreender nesse momento que a gente tá vivendo?” Eu acho
os problemas de maneira que essa é uma pergunta interessante para fa-
individual tem formas também zermos, porque diz respeito a essa questão da
medicalização, talvez do controle das contesta-
individuais de resolução, e um ções, mas tem umas novidades aí, por exemplo,
desses processos que vemos o poder econômico da indústria farmacêutica.
aumentando muito é o processo Tem formas de diagnóstico. Uma das indústrias
que gira mais dinheiro no mundo é a indústria
de medicalização” farmacêutica. E, muitas vezes, vemos primeiro o
medicamento e depois a doença a qual o medi-
Por fim, falando em questão da escola, se o camento vem tratar. São os estudantes, os ado-
problema é o professor, o que fazemos? Ou man- lescentes que estão dando trabalho na escola e
damos para curso de reciclagem, que é até inte- que já não cumprem esse papel, e talvez nunca
ressante esse nome, reciclamos, atualização, ou tenham cumprido, mas a hora que vemos que a
pensamos que os professores não servem mesmo, doença está efetivamente universalizada, pode-
que tem professor que está sobrecarregado, res- mos ver o poder da indústria farmacêutica, mas
ponsabilizado pelo trabalho, também vem adoe- também essa dimensão do disciplinamento.
cendo. É uma das categorias profissionais que tem
O que acontece quando você é diagnostica-
maior sofrimento psíquico.
do com TDAH e muitas vezes é encaminhado para
tomar Metilfenidato? Só para termos uma ideia do
Bom, essa forma de compreender os pro-
aumento do consumo, o Brasil é o segundo maior
blemas de maneira individual tem formas também
consumidor desses medicamentos. Tínhamos, em
individuais de resolução, e um desses processos
2000, a venda de 71 mil caixas de Metilfenidato,
que vemos aumentando muito é o processo de
que é a Ritalina. Em 2008, tínhamos um milhão cen-
medicalização.
to e quarenta e sete mil caixas. Só de venda em
farmácia, não estou falando em dispensação em
Um primeiro momento, um primeiro bum do
serviço público. Então, um aumento de 1600% em
processo de medicalização, na década de 1960,
menos de 10 anos. Há um gráfico de dispensação
70, é também o do surgimento do Gardenal, mas
de Metilfenidato no decorrer do ano que parece
não só. Vamos tentar pensar junto, o que estava
gráfico de eletroencefalograma. Os espaços va-
acontecendo na década de 60, 70 no mundo? Con-
gos são os das férias escolares. Inclusive está co-
tracultura. E se expressava de que forma? Movi-
locado na bula do Ritalina que é recomendável que,
mento Hippie, nos Estados Unidos. O que estava
durante as férias escolares, o medicamento possa
acontecendo em 60? Maio de 68 na França. O que
ser supenso para diminuir os efeitos colaterais. E
mais? Ditadura em toda América. E o que mais?
quais são esses efeitos colaterais? Bom, primeiro
Guerra Fria, Guerra do Vietnã. Movimento Negro,
temos de saber o que é a Ritalina. O que ela faz? É
Movimento Feminista. Ao mesmo tempo em que
uma anfetamina. É uma anfetamina que tem uma
tinha Guerra Fria e Guerra do Vietnã, tinha todo um
semelhança, por exemplo, com a cocaína. Estamos
movimento de contestação à guerra. Então é inte-
falando das drogas lícitas e ilícitas, não é?
ressante ver que neste momento em que tinha, de
um lado, formas das guerras e ditaduras e a con- Participante: A gente tem um psiquiatra que
testação disso, tínhamos uma primeira onda me- não prescreve de jeito nenhum, e quando ele vai
dicalizante, a ponto de ser preconizado que, para explicar para mãe essa situação, ele sai xingado
combater a violência nos guetos estadunidenses, do consultório.
Jaqueline: Sim. E é até interessante, sabe Mas são alguns momentos que temos. No
53
por quê? Estão dizendo para essa mãe e para demais, é difícil de romper essa lógica da doença.
essa criança que “ela tem problema” e prometem Nós temos um colega nosso do Fórum, psicólogo,
que esse problema vai acabar com um remedi- que conta que foi diagnosticado com TDAH, défi-
nho. E efetivamente essa criança vai prestar mais cit de atenção, e fez uso durante muitos anos do
atenção. Naquele momento. Mas a custa do quê? Metilfenidato e de alguns antidepressivos. E ele

crianças e eadolescentes
Vários estudos já que vêm mostrando que ado- conta que ele gostava de ler, gostava de história,

Psicologia em emergências e desastres

desastres
lescentes que, na infância, tomaram Metilfenidato filosofia, gostava de saber como o mundo funcio-
têm uma probabilidade muito maior de se torna- nava, mas se ele não entendia determinada coisa
rem dependentes. Dependentes de outras drogas na escola, não fazia sentido, ele não queria saber,

emergências
ilícitas. Fora isso, ela começa a ser utilizada como e falavam, “ah, você tem saber isso para passar no
droga de escolha de muitos adolescentes, na ba- vestibular, depois esquece”, e ele não se conforma-
lada, toma uma Ritalina com Uísque, porque é fácil va com isso e ele foi tomando pau. Ele falou, “eu

em de
de se conseguir. E se um médico recomenda, não era o rei da recuperação, e aí desde o sexto ano até

diagnóstico
deve ser muito perigoso. Nós, no Fórum, tivemos o terceiro do ensino médio eu ia passando aos tran-

Psicologia
notícias de criança de três anos de idade, toman- cos e barrancos. E eu não entendia o que acontecia,
do remédio para déficit de atenção. me sentia incapaz.” “Aos 15 anos, veio o diagnóstico
de que eu tinha TDAH, eu senti uma sensação de

caminhos do
As pessoas vão se sentindo doentes e vão
conforto, porque finalmente eu sabia o que tinha de
achando que podem ter a cura através do servi-
errado comigo”. Só que esse conforto era apenas
ço de saúde. E isso não vai parar, a partir da lógi-
aparente, aí eu vou ler um pouco uma carta em
ca do não aprender, não se comportar na escola,

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
que ele falou, “o problema é que o diagnóstico cola
sem a gente conhecer e saber como que é essa

e intersetorialidade:
na gente feito cola, TDAH, TODs, disléxicos e etc.,
escola. Há algumas experiências muito interes-
e silenciamos nossas angústias e questionamentos.
santes. Por exemplo, em São Paulo, tivemos uma
Durante um tempo não me era permitido ficar triste,
experiência interessantíssima, uma horta comu-
porque eu tomava antidepressivos devido a minha
nitária de um CAPS Ad. Aquele bando de gente
oscilação de humor. Depois fui perceber que muita

Cadernos
viciada que queriam expulsar do bairro, resolve
dessa oscilação era causada pelo efeito do Cloridra-
fazer o projeto de uma horta, que era pequenini-

Psicologia, demandas escolares


to de Metilfenidato e isso me causava um incômodo
nha, e o CAPS fazia muda na escola estadual que
tremendo. Cada vez era maior a associação entre
tinha um terreno baldio. Então, fizeram o proje-
diagnóstico de TDAH e uso de antidepressivo”.
to, a escola topou, os usuários do CAPS Álcool e
Drogas foram lá. O projeto cresceu e se transfor- E, então, quais foram os efeitos do processo?
mou num projeto de geração de renda; a meren- O colega acabou internalizando a doença. A ideia
da daquela escola passou a ser feita toda com de que havia algo de errado com ele, tornou-se
o que era produzido naquela horta e também as dependente do Metilfenidato, ele fala que tomava
comidas que os usuários preparavam. Além dis- mais do que era recomendado, fazia uso abusivo.
so, os alunos da escola começaram a se envolver Como se deu o processo de desconstrução? Bom,
na horta, e junto com aqueles do CAPS Ad. Essa primeiro, ele começa a ver uma forma de se pensar
é uma experiência muito interessante que rompe diferente a respeito disso. “Mas mesmo assim”, ele
a ideia do serviço que só telefona para o outro, fala, “mesmo eu vendo crítica, a ideia de que as do-
Cadernos Temáticos CRP SP

sem efetivar o encontro. enças às vezes não são de origem individual, tinha
algo que dizia, ‘mas algo eu tenho, eu tenho algum
problema’”. É interessante pensarmos como é forte
esse discurso que atribui problemas ao indivíduo
“As pessoas vão se sentindo
dentro de um contexto maior. É forte para família
doentes e vão achando que dele, era forte para ele, e ele, alguma hora, fala,
podem ter a cura através do “mas eu tenho algum problema”.
serviço de saúde. E isso não vai Como ele rompeu isso? No caso, rompeu na
parar, a partir da lógica do não hora em que ele encontrou um coletivo que pen-
sasse nas suas situações e que o ajudasse a rom-
aprender, não se comportar na per essa dor, que era dor individual, o fórum sobre
escola, sem a gente conhecer e medicalização da educação e da sociedade. E ele
saber como que é essa escola” falou, “nesse momento, eu pude romper esse estig-
Alexandre: Uma coisa que eu acho bem in-
54
“Se medicalização é a teressante, que foi bem enfatizado, foi pensarmos
nos problemas que são coletivos se tornarem indi-
individualização de processos viduais, e a partir disso aceitarmos, apesar de fre-
coletivos, o antídoto é coletivizar quentemente termos consciência disso, por exem-
os processos” plo, a legitimidade desse tipo de queixa que chega
a partir dos trabalhos que nós temos, seja em que
ma, não só dos outros em relação a mim, mas eu âmbito que for.
a mim mesmo”, e ele conclui, “se medicalização é a Eu vou tentar falar um pouco da prática para,
individualização de processos coletivos, o antídoto é a partir disso, darmos voz para as outras pessoas
coletivizar os processos”, e então ele rompe isso e e esquentarmos um pouco o nosso bate papo aqui.
vai fazer mestrado sobre isso, sobre essa questão,
e foi com o CAPS IJ. Eu lembro uma vez, por exemplo, em que,
no serviço de saúde, lá no CAPS onde eu traba-
lho, começamos a receber muitos encaminha-
“Saúde é quando ter esperança mentos de crianças de uma determinada idade,
é permitido” e começamos a suspeitar que uma determinada
escola estava fazendo isso. Então, fiquei curioso
por saber quais eram essas escolas. Fizemos um
levantamento, era mês de maio mais ou menos,
Eu quis lembrar isso, porque esse é um pro-
e foram feitos encaminhamentos de 17 alunos de
cesso importante para rompermos, porque esta-
uma mesma classe de um primeiro ano. Seria um
mos no serviço muito sozinhos, o professor está
absurdo, naquele momento, avaliarmos as crian-
muito solitário nas escolas, os psicólogos estão
ças individualmente, porque era um contrassenso
solitários, o médico, trabalhadores da saúde es-
total aquele tipo de encaminhamento que se rea-
tão muito solitários, trabalhadores da assistência
lizou. Combinamos de conversar com a orientado-
estão muito solitários. E queria retomar uma ideia
ra da escola e tentar entender. A partir disso, um
do Christophe Dejours, que é um psicanalista e
grande processo foi disparado de reaproximação
psiquiatra francês que trabalha, sobretudo, com
ou de aproximação. Tem uma coisa que estamos
as dimensões do sofrimento psíquico no trabalho.
conversando aqui e é muito importante de perce-
Dejours tem um breve texto que chama “Por um
ber. Ao longo do tempo, tem acontecido um monte
Novo Conceito de Saúde”, em que ele faz a crítica
de debates a respeito do fenômeno da Baleia azul,
à essa definição da OMS, que diz que a saúde é
entre outros, com adolescentes. E aí eu fico pen-
um bem-estar físico, psíquico e emocional, maior
sando, por exemplo, como é que estamos lidando,
do que ausência de doença. Mas Dejours vai fa-
nesse momento, com a tolerância ao sofrimento.
lar primeiro que esse bem-estar físico e psíquico
A impressão que dá é que estamos num momento
não existe. Isso é uma abstração. Não existe essa
da existência em que a tolerância ao sofrimento
ideia de bem-estar físico, bem-estar psíquico. E
está muito diminuída. Quantas mães não dei-
ele vai falar que, na verdade, saúde é quando ter
xaram de amamentar para dar o leite Ninho, por
esperança é permitido. É um ponto de vista muito
exemplo, e isso já é um sinal de um processo que
interessante, ele vai falar não em um bem-estar
é muito parecido com o da medicalização.
abstrato, mas a possibilidade de ter esperança é
permitido. Nesse momento em que estamos vi- Estive no Guarujá, no mês passado, em que
vendo no Brasil, talvez valha a pena a gente se teve um evento sobre violência, com profissionais
atentar para isso. Eu ainda queria completar De- da Saúde Mental. No ano passado, a professo-
jours, para falar que saúde é quando construímos ra Marilene Proença veio aqui também. O que eu
coletivamente essa esperança. quero dizer com isso é que começa a se criar uma
cultura, tem alguma coisa muita esquisita nesse
jeito de lidarmos com o nosso sofrimento. E se o
“Eu ainda queria completar sofrimento é de criança e adolescente, piorou. Por-
que o recurso para lidar com a própria condição é
Dejours, para falar que completamente diferente. Mas essa questão da
saúde é quando construímos medicalização envolve um processo todo que, mui-
coletivamente essa esperança” tas vezes, faz com que passemos a adotar a psi-
cologização, que é atribuição de aspectos emocio-
55
nais para problemas que não são exatamente da “A questão da real inclusão
esfera psicológica. Muito facilmente caímos nessa
armadilha quando temos uma formação clínica,
das crianças na escola é tão
muito voltada para o indivíduo. O nosso fazer é um importante quanto a inclusão de
fazer ainda muito precário em termos de diagnós- quem não tinha um sofrimento

crianças e eadolescentes
ticos. Mais importante do que a gente contestar o
psíquico no passado, espero

Psicologia em emergências e desastres

desastres
diagnóstico de TDAH e de dislexia, é entendermos
qual é a lógica disso para não fazermos com que que seja passado mesmo, e era
a artimanha da exclusão possa migrar por outros institucionalizado”

emergências
caminhos. Essa questão da psicologização é muito
importante de ser considerada porque é bastan- como: “essa criança devia estar numa escola espe-
te frequente também, ao avaliarmos uma criança, cial”. Acho que pensar em estratégias para lidar

em de
não olharmos para o contexto dela e cairmos na com essas questões é muito importante. Essa si-

diagnóstico
tentação de tratar algo que não vai ser resolvido tuação que a Jaqueline falou, por exemplo, no CAPS

Psicologia
com uma abordagem que é muito limitada. AD, de pensar em fazer uma horta e a partir disso
aproximar as pessoas da comunidade é uma ideia.

caminhos do
Pensando aqui: quem produz diagnóstico? Os 12%
“O nosso fazer é um fazer ainda dos disléxicos na população, os 3% de TDAH, entre
muito precário em termos de outros? Isso é produzido por um viés muito par-
diagnósticos. Mais importante cial: a visão biológica do fenômeno do sofrimento.

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
E que também encontra sustentação e interesse
do que a gente contestar o

e intersetorialidade:
comercial, financeiro. Fazer frente a isso envolve
diagnóstico de TDAH e de aproximarmos as pessoas, todos os envolvidos no
dislexia, é entendermos qual é a processo, no que está sendo realmente verificado.

lógica disso para não fazermos É muito diferente o ambulatório de saúde

Cadernos
mental, em que cada um está numa porta, com
com que a artimanha da

Psicologia, demandas escolares


uma agenda a cada 45 minutos para atendimento
exclusão possa migrar por outros de alguém, de uma equipe que faz reuniões com
caminhos” outra equipe de uma escola, ou que inclui na ava-
liação de um grupo de crianças todos os saberes
profissionais e a partir disso tenta ampliar a sua
visão. Assim, acho que a experiência, a partir das
A questão da tolerância para o sofrimento é políticas públicas, nos fortalece muito no sentido
uma coisa que pode incluir estratégias de aborda- de pensar numa clínica que seja mais ética. É isso.
gem, que não estão resumidas num atendimento.
Têm muitas demandas na saúde que poderíamos Tayná: Então, eu tinha pensado em contar
cuidar em espaços menos especializados e que um pouco do olhar da assistência, primeiro do
promoveriam também algo que tem a ver com que fazemos, quais são os nossos serviços, mas
o fenômeno. Se pensarmos nisso de uma forma eu acho que talvez não seja necessário. Acho Cadernos Temáticos CRP SP

mais abrangente, como inclusão, falando especifi- que quem não está na assistência tem uma in-
camente da questão da saúde mental, o processo terface bem próxima, podemos entrar nesse
de reforma psiquiátrica tem sido considerado um ponto do que encontramos nos nossos serviços
avanço muito importante no sentido de preservar também, e tem colegas da assistência que eu
os direitos das pessoas com o sofrimento psíquico. gostaria que fossem completando.

A questão da real inclusão das crianças Começo falando de como ela surgiu, acho
na escola é tão importante quanto a inclusão de importante contextualizar um pouco. Lá na
quem não tinha um sofrimento psíquico no passa- Constituição de 88, começamos a ver a assis-
do, espero que seja passado mesmo, e era insti- tência social como um direito, assistência e
tucionalizado. Hoje, ainda, muito frequentemente, previdência. Ao longo dos anos, foram surgindo
percebemos na discussão com pessoas de diver- algumas redes normativas, para ir organizando
sos lugares, seja da educação em que isso é muito essa política que era mais no sentido do favor,
frequente, ou mesmo da assistência social, coisas da filantropia; trabalhávamos com a demanda.
Tínhamos ações que eram necessárias para as Para falar um pouco da prática, agora que
56
pessoas pobres. Trabalhávamos a natureza a estou no CREAS, como é que essas questões
partir do que era demandado na assistência. Ao chegam para nós, no serviço, especificamente,
longo desses anos, vimos tentando organizar com situações de violência, violações de direi-
com muita pesquisa, com estudos e normati- tos. Os encaminhamentos que recebemos do
vas, com uma proposta numa outra perspecti- CAPS Infantil, por exemplo, crianças com uso
va mais política mesmo. E muito tem a ver com problemático de drogas. Aí alguns colegas me
isso, porque todas as normativas da assistência perguntam: “mas qual a relação entre isso e
falam em coletivizar os processos. Tudo que pe- isso?”, “ah, porque a família é negligente e deixa
gamos de documento - caderno de orientações, a criança ter acesso. Não cuida da criança”. En-
material do Ministério do Desenvolvimento So- tão, temos sempre um culpado, mas chega na
cial, a Política Nacional de Assistência, a forma assistência a gente pára para olhar: “mas, espe-
como os serviços foram pensados e organiza- ra aí, que situação é essa? Que uso problemático
dos - vem nessa perspectiva de coletivizar, de é esse? O que de verdade está acontecendo?”.
fortalecer vínculos familiares e comunitários. E, então, quando começamos um contato mais
Isso falamos todos os dias, esse tem de ser um próximo com a família, com a escola, com a fa-
trabalho daqui da assistência. mília extensa, vamos percebendo uma situação
de violência muito intensa. Quando começamos
a ampliar o olhar sobre uma determinada situa-
“Nós que trabalhamos nos CRAS ção, vamos encontrando a ausência do Estado,
uma família superculpada, se sentindo muito
temos de ter essa perspectiva responsável por todos aqueles diagnósticos.
do vínculo da pessoa com o Então, o filho tem uso problemático de drogas,
lugar onde ela vive, com os o outro tem transtorno opositor e já está na
Fundação Casa com diagnóstico e muito medi-
equipamentos que ela frequenta” cado. Os encaminhamentos chegam, e quando
ampliamos, dificilmente tem uma relação com
a queixa inicial: transtorno opositor que chega
É claro que os documentos falam de uma muito, tentativa de suicídio na adolescência,
estrutura ideal, de uma situação ideal e, na prá- tem chegado bastante também.
tica, acabamos, às vezes, não atendendo aqui-
lo que a política preconiza e até reproduzindo
algumas práticas que são sim medicalizantes,
excludentes. Mas o que prevê a política é bem
“Quando começamos a ampliar
no sentido contrário. Nós que trabalhamos nos o olhar sobre uma determinada
CRAS temos de ter essa perspectiva do vínculo situação, vamos encontrando a
da pessoa com o lugar onde ela vive, com os
equipamentos que ela frequenta. Os coletivos
ausência do Estado, uma família
dos quais ela participa, seja no posto de saú- superculpada, se sentindo muito
de ou no CRAS, na escola. Como trabalhador da responsável por todos aqueles
assistência temos os nossos princípios éticos,
no trabalho da assistência, somos obrigados
diagnósticos”
a prestar atenção nessas relações ali no terri-
tório e, a partir do lugar dessas pessoas e de
como elas vivem, no que elas fazem ali, pensar Numa visão bem simplista, a adolescen-
a respeito de todo o sofrimento, as potenciali- te, às vezes, passa pelo Conselho Tutelar an-
dades e ir monitorando e ajudando a pessoa a tes ou por um atendimento de saúde e recebe
se desenvolver ali naquele meio. É bem diferen- uma bronca: “mas por que você fez isso? Você
te daquilo de levar para o consultório, de tratar tem tudo”. Visões bem particulares e vamos
aquela perspectiva individual. Precisamos estar tentando ampliar, desconstruir algumas coi-
no território, precisamos estar com a pessoa na sas, e vamos identificando uma série de violên-
família, na comunidade para entender aquela cias mesmo, de ausências, na maioria das ve-
situação e para ajudá-la a entender o que está zes de ausência mesmo do Estado. A questão
acontecendo com ela. de bullying na escola, recebemos bastante. E
na perspectiva da relação de direitos também Rafael: Eu penso um pouco assim: esco-
57
atendemos, por exemplo, criança fora da es- lhemos entrar especificamente na queixa es-
cola. Quando a família vai em busca de vaga e colar, só focamos na queixa escolar; saúde, só
não consegue porque a criança já tem um diag- focamos na saúde; na assistência, só focamos
nóstico, por exemplo, de TOD. Então, ela não na assistência; e acabamos não conhecendo
encontra vaga em escola nenhuma porque nin- as demais políticas. Acabamos privilegiando e

crianças e eadolescentes
guém quer ficar com problema. Ela é transferida priorizando uma política pública específica, e

Psicologia em emergências e desastres

desastres
a pedido. Já vai escrito e não vai para psicóloga acabamos correndo risco. Faltam pessoas para
nenhuma, e aí chega como violação porque é um perceber que uma pessoa que está sendo aten-
dever do Estado garantir a vaga para a criança dida na educação é a mesma pessoa que está

emergências
seja quem for. na assistência, é a mesma pessoa que está na
saúde e que os serviços acabam não se conver-
sando para dar seus encaminhamentos.
“Ultimamente, os casos de

em de
Participante: Eu sou fisioterapeuta; acho

diagnóstico
suicídios são os que mais que essa questão do parcelamento é a lógica

Psicologia
aparecem. E, em geral, uma do mundo em que vivemos. É a lógica do tra-
balho, na verdade, fazer algo diferente disso é
relação de direito que não foi

caminhos do
ir contra a lógica dos mundos. Então nosso de-
revelado, que não foi cuidado safio, agora, tem a necessidade de ir contra a
e que acaba levando a um lógica do mundo.

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
sofrimento tão intenso que Participante: E até do ponto de vista da

e intersetorialidade:
chega nessas tentativas” educação, ele enxerga o aluno só, ou não se im-
porta com a família, a não ser quando o aluno
apresenta algum problema. Se é um aluno que
Fiquei pensando no egresso da Fundação a escola considera um aluno modelo, ideal, ele

Cadernos
Casa que não consegue entrar em escola nenhu- pode passar nove anos naquela escola sem se-
ma, porque é um problema ele ter passado na Fun- quer a escola conhecer a família e para ela pou-

Psicologia, demandas escolares


dação Casa. Ele vai contaminar o resto da turma. O co importou, o importante é que ele conseguiu
nosso contato com as escolas, nesses casos em as notas ou ele conseguiu ter um processo de
que a violação é a falta, é bastante lento. Vimos aprendizado satisfatório e foi embora.
com muito cuidado desconstruindo mesmo essa
Participante: E no meu trabalho pouco
questão da individualização do problema para
importa se vai ter o pai ou não na entrada e na
aquela criança, para aquela família. Ultimamente,
saída da escola. E nas outras áreas, o ponto de
os casos de suicídios são os que mais aparecem.
vista é um pouco diferente. Assistência vai muito
E, em geral, uma relação de direito que não foi re-
no âmbito da família, quer conhecer a família, é
velado, que não foi cuidado e que acaba levando
tudo num processo maior. E quando têm as con-
a um sofrimento tão intenso que chega nessas
versas na escola, querer saber sobre um deter-
tentativas. Na assistência, costumo dizer que to-
minado aluno, eu chegava no técnico, não sabia
dos os lugares em que o Estado faltou de alguma
Cadernos Temáticos CRP SP
quais técnicos: “quero falar sobre o José, o aluno
forma, acaba estourando na assistência. São vio-
José”. Eu penso que, quando o ponto de vista já
lações atrás de violações, quando chega no CRAS
começa diferente de cada lugar, a assistência e a
é por uma questão de vulnerabilidade e quando
saúde ainda se complementam até para questão
chega no CREAS é porque já tem uma situação de
de um SUS e SUAS, mas a educação ficou para
violação bem mais grave.
trás nesse ponto. Imaginar que tem uma forma
É com isso que a gente lida todos os dias. própria de compreensão do indivíduo, a escola
Você falou sobre essa questão das redes, eu super acaba sofrendo um pouco por conta disso, às ve-
me identifiquei, porque é isso mesmo, conhecemos zes tem uma formação, une conhecimento com
a colega pelo telefone e ainda assim conseguimos outras áreas e a não conseguimos avançar nes-
estabelecer uma relação mesmo para ampliar os se ponto, porque a escola vai focar sempre no
olhares e fazer entrevistas mais assertivas. Aca- indivíduo, sempre naquela criança. Então eu fico
bamos ficando cada um no seu quadrado apon- muito nessa dúvida quando vou atuando dentro
tando o que o outro não fez. da área das escolas por conta disso.
Participante: Mas tem uma coisa que você cometria, mas também temos o contrário, edu-
58
está falando que eu achei muito interessante, cadores críticos que entendem esse processo,
que faz ligação com outra, muitas vezes, o mo- dizendo, “opa, aqui não! Isso aí não... não funciona,
tivo de minha reflexão quando atendo alguma não dá certo mais”. Mas estes, muitas vezes, nos
criança a partir de uma solicitação da escola. A afastam, porque eles ainda acham que estamos
construção da profissão no Brasil foi muito mar- naquele lugar de psicológico psicometrista. Na
cada pelo campo da escola. A inserção do psicó- roda de conversa que eu fiz na Zona Norte de
logo na escola foi algo muito importante e que São Paulo, vimos isso claramente. Então, tal-
serviu, durante muito tempo, como um desser- vez, não estejamos dialogando. A assistência e
viço. Isso é um grande problema, é uma heran- a saúde estão com um diálogo mais próximo, a
ça muito negativa da nossa profissão, porque educação está meio apartada desse diálogo. A
o tal do Q.I., por exemplo, fez com que muitas educação também ainda não tem compreensão
crianças passassem a ser, ao longo da história, total das contribuições que a psicologia poderia
completamente estigmatizadas e excluídas num ou não trazer para esse processo.
processo que poderia ser muito melhor para vida
Participante: Eu acho que a educação tem
adulta. Eu só tentei lembrar dessa história, por-
esse isolamento, historicamente. A escola é até
que muitas vezes tem professor que ainda está
construída como se fosse uma ilha. Com os mu-
nessa lógica. Eu tento que me colocar um pouco
ros cada vez mais altos. Então, eu acho que esse
no lugar de alguém que recebeu essa herança e
isolamento é muito característico, porque dificul-
que precisa junto com as pessoas que estão li-
ta muito o trabalho.
dando com a questão, consertar um pouco isso.
Porque se tem uma coisa que é muito frequente Participante: Chegar na escola e tentar
no meu trabalho, é um educador se aproximar de falar com o orientador é algo muito, muito difícil.
mim ou da equipe e dizer assim “olha, eu preci- Eu já tive essas experiências de visitar: “vamos lá
so do código F, porque o código F vai possibilitar na escola falar com fulano sobre fulano”. Tem até
que eu tenha uma coisa X, Y, Z”. Mas faz parte a grade na frente, você não consegue nem con-
das resoluções do MEC, a pessoa não precisar versar direito com a pessoa que está lá dentro. É
necessariamente ter o F, X, Y, Z, que é o diag- bem isso mesmo.
nóstico psiquiátrico da criança. Essas questões
Participante: Tem bibliotecas cidadãs, que
são questões muito sérias e que exercem uma
a gente chama, dentro das escolas que a comuni-
pressão sobre o sistema de saúde muito forte,
dade não consegue entrar, porque é uma bibliote-
e para ir desconstruindo essa lógica de exclusão
ca pública, municipal, mas ela fica dentro da esco-
que fizemos, como profissão, há décadas, dá um
la, então só pode entrar com autorização.
trabalho enorme.
Participante: Eu acho bem interessan-
Participante: É, pressiona todas as áreas.
te, porque é uma dificuldade; por outro lado, os
Acaba pressionando a educação também porque
educadores estão mal, esgotados. Então, acho
não dá um código F para poder colocar em sala de
que necessitam do código F muitas vezes. Às
recurso.
vezes, temos uma compreensão, mas as políti-
Participante: O Atendimento Educacional cas trazem o avanço. Trazem o avanço, mas traz
Especializado. Ou pressiona a assistência do cam- um monte de contradição também, porque para
po da seguridade social. esse professor, que está esgotado, com uma
classe superlotada, fazendo jornada dupla, um
Participante: Precisa dos laudos.
código F a mais, representa mais uma pessoa
Rozi: As legislações são contraditórias. na sala de aula, não é? O mediador é uma es-
Enquanto a legislação nacional diz que não, a tratégia de sobrevivência que é prejudicial. Pode
legislação estadual diz que sim. Então a legisla- ser prejudicial para aquele aluno, mas é também
ção nos confunde. Em serviço, há muitas outras uma estratégia de sobrevivência desse profes-
interpretações. Queria colocar um ponto sobre a sor, porque o trabalho dele está pesado demais.
psicometria, de como fomos construindo lá atrás A própria política contempla um monte de con-
a história da psicologia no campo da educação, tradição. De alguma maneira, estamos vendo
há o desserviço, sim. De alguma forma hoje, ain- contradições da política de saúde mental que,
da temos alguns educadores que aceitam esse de um lado preconiza a reforma psiquiátrica e,
trabalho, precisam, desejam e convocam a psi- ao mesmo tempo, promove as comunidades te-
rapêuticas, na questão dos dependentes. Quer Participante: Medicação.
59
dizer, é a mesma política que promove e preconi-
Participante: Mas acho que tem outra coi-
za duas coisas completamente contraditórias. E
sa também, tem essa ideia de que CAPS é porta
nós nisso? Não sei.
aberta.
Participante: Bom, lá em São Vicente, no
Participante: Hoje mesmo eu estava discu-
CAPS Infantil, ao contrário, disponibilizamos um

crianças e eadolescentes
tindo com a colega do Guarujá. Muitos casos que

Psicologia em emergências e desastres

desastres
horário para a escola que quer falar sobre o alu-
chegam ao CAPSi, não passam pela equipe que
no. Se estivermos com uma dificuldade com o
faz parte ainda da educação, que é uma equipe
aluno e queremos conhece-lo melhor na escola,
multiprofissional. Muitas vezes, conversamos
ligamos para lá e nunca foi negado um pedido

emergências
com a escola, discutimos o caso com a equipe
de visita. Não sei como é que funciona, lá sem-
escolar e chegamos ao entendimento de que
pre tivemos portas abertas. A maioria dos nos-
aquela criança está num processo de aprendiza-
sos pacientes é da escola municipal. Disponibi-

em de
do que a escola tem de dar conta. Mas, por in-
lizamos um dia, toda quinta-feira, das 11 às 13h,

diagnóstico
satisfação da escola, muitas vezes a professora
para os educadores virem conhecer o CAPS,

Psicologia
faz um relatório escondido, entrega para mãe e
saber do aluno. A escola vem e quer saber do
a incentiva a procurar o CAPSi.
aluno, como está o tratamento, quem atende,

caminhos do
quem é o técnico que atende e ela quer as infor- Participante: Temos uma comunidade ex-
mações. Há também muita visita ao CREAS. O tremamente empobrecida, no Guarujá. Muitas
que chega muito é criança muito agitada. Mas o vezes, a família acaba se desinteressando do
que temos de nos preocupar, na saúde mental, atendimento porque não tem condições finan-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
é com o quietinho que não dá trabalho, o quie- ceiras de seguir adiante; não vai ter dinheiro

e intersetorialidade:
tinho que não socializa. É esse o problema da para três, quatro pessoas, ida e volta. Psiquiatra
saúde mental, não é o bagunceiro, aquele que que não dá diagnóstico para as crianças sofre
conversa com todo mundo, que não dá sossego, também pressão da instituição, da escola, do
esse vai para saúde mental, porque ele dá tra- CRAS. Então tem essa questão.

Cadernos
balho, mas não é ele quem tem de estar na saú-
Participante: Vou voltar ao que o Alexandre
de mental. É o que não socializa, aquele menino

Psicologia, demandas escolares


falou no começo, sobre os especialismos. No fim,
que fica quietinho, isolado. Crianças de creche,
eles são redutores, porque todo mundo aprende
com menos de dois anos para avaliação, apa-
que temos de buscar ajuda na saúde, na educa-
recem muito. Mas repito, isso é fora do que é
ção e na assistência e, na realidade, um fica pas-
problema de saúde mental. É criança que está
sando o problema para o outro. Acho que são ex-
brincando e gosta de brincar.
pressões de sofrimentos. Esses professores que
Participante: Fiquei pensando na escola, encaminham estão fazendo coisas que achamos
ela está também dizendo que está meio “incapa- absurdo, “que absurdo, olha isso, que absurdo mes-
citada” de lidar com aquilo e pede socorro, para mo, 17 de uma mesma sala sendo encaminhados”,
a porta abrir mais fácil. mas o fazem, numa forma de pressão social. Hoje
em dia, o professor sofre por identificar que o
Participante: Mais fácil, mas existe no
acham incompetente. É muito forte. Mas há tra-
caminho a psiquiatria, a criança primeiro tem
Cadernos Temáticos CRP SP
balhos possíveis interessantes. Tenho pensado
de fazer exames, criança que não ouve direito
mais na possibilidade, atualmente, de quebrar a
não vai prestar atenção na aula, criança que
lógica, inclusive a nossa, de que devemos fazer,
não está enxergando direito, não vai prestar
por exemplo, um coral cuja lógica é a da equipe
mais atenção na aula. Senta lá atrás, como vai
médica, “eu vou fazer um coral no CAPS, para me-
enxergar, como que ele vai prestar atenção na
lhorar a condição do usuário”. É diferente de fazer
lousa se não enxerga direito? Manda para o of-
um coral com usuários e não usuários cuja lógica
talmologista, manda fazer exame; manda para o
é “vamos cantar”, “Vamos cantar todos juntos pelo
neurologista, faz uma tomografia; o último lugar
prazer de cantar”. Existem experiências tão lindas
é a psiquiatria para uma criança, e eles mandam
por aí, são poucas, mas existem, que passam a
primeiro lá, para a psiquiatria. Muita criança não
dar voz àquele que não tem voz, cantando, inclu-
é do CAPS e mandam primeiro para lá.
sive, mas que não é porque ele tem um problema
Participante: Por que será que mandam e vai melhorar. É porque é uma atividade efetiva-
para o CAPS? mente artística expressiva.
Participante: Da sala de aula, nesta mes- vai estar conosco conversando sobre as deman-
60
ma lógica, avaliar 17 crianças vai demorar um das que ela tem, é muito diferente. Em termos
ano e meio. Assim, é importante que a equipe práticos, gera uma aproximação e uma sensibili-
busque os seus recursos internos para produzir zação de ambas as partes muito importante. No
de forma criativa soluções. Aprendizagem, pos- exemplo que citei das 17 crianças, num primeiro
sibilidade de oficinas de qualquer coisa que a ano, sendo encaminhadas com menos de 12 me-
escola promova, que fortaleça os processos de ses de aula, é algo que tinha uma angústia por
aprendizagem fora do processo tradicional, pro- trás. Se o encaminhamento é legítimo ou não, é
movendo o movimento daquilo que está cristali- outra história, mas a angústia é. Nesse proces-
zado e identificado. so de aproximação, vamos limpando equívocos,
promovendo um cuidado mais adequado, evitan-
Participante: Tem uma coisa que achei do coisas que compliquem mais a situação do
muito interessante, que diz respeito a como sujeito. Temos escolas que demandam muito e
as equipes de trabalho funcionam. Vou tentar escolas que demandam menos. As que deman-
dar uma volta para chegar no que você falou. É dam muito, temos reuniões que são, no mínimo,
muito diferente pensarmos numa equipe multi- trimestrais com a equipe técnica da escola. Essa
profissional de uma equipe interdisciplinar. Esse aproximação foi muito interessante. Às vezes
encontro de afetos e saberes de análise dá bas- com supervisores de ensino, às vezes, com al-
tante trabalho, faz com que a gente vá criando guém no setor de educação inclusiva.
tecnologias. Nossa tendência é não dialogar, é
Participante: Mário, você quer contar al-
realizar e devolver, não integrar. Por exemplo,
guma coisa do que a gente está conversando
pensar em criar tecnologias de cuidado, em que
comparando com o que você está vivendo nas
exista uma visão mais ampla do que a de um pro-
escolas?
fissional só, é superimportante. Por exemplo, na
minha experiência, tive aula com professores que Mario: O nosso trabalho foi uma ideia que o
diziam assim, “você deve encaminhar essa pessoa secretário teve de fazer um projeto com as esco-
para um terapeuta ocupacional se acontecer isso las que tinham um índice maior de comportamen-
ou para um neurologista se acontecer aquilo ou...”. tos mais rebeldes. Então são escolas que ficam no
Fazer parte, por exemplo, de uma equipe em que morro, perto de biqueiras.
essa relação dialógica aconteça de modo que
Participante: Esse diagnóstico se dá como?
um comece a se implicar e se identificar com o
Existe um mapeamento das escolas em regiões de
que o usuário tem como demanda, vai possibili-
maior vulnerabilidade, isso existe? Tem a ver com
tando essa ampliação de uma visão que é mais
isso ou é outra classificação?
ética, mais cuidadosa, mais resolutiva também.
Por que eu estou trazendo isso? Porque a nossa Mario: Tem a ver. Foi desenvolvido um pro-
discussão é uma discussão que envolve alguns tocolo para ser aplicado com os adolescentes
princípios, alguns conceitos e, nesse sentido, é das escolas. Passamos por um treinamento para
importante partirmos daí. Mas existem pessoas sabermos aplicá-los, nas salas de aula, com os
que vão precisar de cuidados especializados e adolescentes. Os dados do questionário são pas-
que vão eventualmente precisar de psicoterapia sados para o sistema, que nos informa que tipo
e de cuidado farmacológico também, entre ou- de trabalho vamos fazer em cada escola. Se é
tros. O problema é o contingente de pessoas que falar mais sobre drogas, sobre família, vínculo de
estão entrando nessa lógica e que não neces- amizade. O próprio sistema já passa o que preci-
sariamente precisariam. Então esse processo samos trabalhar em cada escola. E o trabalho é
de aproximação foi fazendo com que nos apro- bem complexo, porque é como o que está acon-
ximássemos de pessoas que conseguiam enten- tecendo aqui, cada um falando um pouquinho, e
der a lógica de verificar o problema dos grupos o conhecimento sendo construído coletivamente.
nas escolas, não das crianças na escola como um Até anotei algumas coisas que achei interessan-
problema, e a partir disso gerou diálogo, gerou te sobre doença não ser de origem individual. Na
encontros. Então é muito diferente, usando um linha da medicina chinesa, aprendemos que um
exemplo que a Beatriz citou, termos disponível, dos grandes problemas da vida é quando tenta-
na agenda do serviço, um horário para conver- mos dividir para entender. Na medicina chinesa,
sarmos com as escolas, ou com uma determina- por exemplo, uma pessoa me procura dizendo
da orientadora, que sabe que a cada três meses que tem, vamos dizer, uma depressão. Para mim,
a depressão é o menos importante, porque o que preventivo. Eu trabalho com serviço de convivên-
61
me interessa é a pessoa que está com o sintoma. cia de zero a seis anos. E por trabalhar no servi-
Então, vou coletar informações e a partir dessas ço com criança zero a seis, aparece muita situ-
informações eu vou passar para essa pessoa o ação dos pequenininhos, das mães que acabam
que ela precisa fazer para melhorar esse quadro nos procurando por questões com os pequenos.
depressivo. Observamos que tudo vem com uma Mas, para além dos pequenos, o que chega, seja

crianças e eadolescentes
coletividade, não é só família, é a sociedade. Por- da escola ou seja das próprias mães, são situa-

Psicologia em emergências e desastres

desastres
que existe uma série de coisas que interferem na ções de crianças com muita agressividade, e as
personalidade da pessoa. mães não sabem o que fazer e já começamos
daí a questão. Não sei se por conta de vermos a
Um dos problemas que eu enfrentei, no

emergências
criança como um sujeito de direitos em relação
início projeto, foi ter entrado na sala errada. Caí
ao modo de criação tradicional, que é completa-
de paraquedas nesse projeto, entrei na sala er-
mente autoritário, tanto os pais quanto a escola
rada e minha superiora falou, “já que você errou,

em de
começam a não saber muito o que fazer com a
fica aqui, nada é por acaso”, aí eu fiquei. Passei

diagnóstico
criança. Aparece muito a questão das crianças
por um treinamento, fui nas escolas e achei in-

Psicologia
sem interesse, do adolescente que se desinte-
teressante. Percebi que as crianças são muito
ressou da escola e já foi se envolver com droga.
largadas em muitas coisas. Nesse ano, tentei
E também crianças que não acompanham a tur-

caminhos do
passar para elas a seguinte informação: o vício é
ma, pedem ajuda no sentido de fortalecer víncu-
o oposto da virtude. Por eles estarem numa fai-
los. Mas o que vejo é que realmente tem crian-
xa etária em que são mais vulneráveis, eles não
ças pequenas que, observadas do ponto de vista
conseguem entender que determinadas atitudes

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
do processo de constituição psíquica, elas têm
vão gerar uma consequência e essa consequên-

e intersetorialidade:
sim algum atraso no desenvolvimento. Não que
cia pode não ser tão boa quanto eles acham que
necessariamente tivesse que passar no CAPS,
devia ser. Então o trabalho vai tentar reconstruir
muito menos medicalizadas, mas algo aconte-
essas virtudes que eles estão perdendo. Só que,
ceu na relação dessa família com a criança. Ou
para isso, precisamos da ajuda de várias áreas,
o adolescente que não dá conta de lidar com a

Cadernos
da psicologia, da parte da saúde, é todo um con-
frustração e acaba se envolvendo com droga e
junto. Um dos problemas que a gente tem, em

Psicologia, demandas escolares


o pai acha que dando uma bronca vai resolver.
Santos, é criança em situação de risco. Alguém
Então, fico pensando que alguma coisa aconte-
liga e fala: “ah, o cara tá aqui na minha calçada“;
ceu, e pais e escola pedem o diagnóstico, porque
minha equipe é treinada para fazer a aborda-
é a partir dele que vão saber o que fazer. Eles
gem do indivíduo, primeiro tentando ver se ele
chegam a ficar felizes ao receber o CID, “agora
quer uma ajuda social. Aí já começa o problema.
eu sei o que fazer. Agora é levar no psiquiatra, ele
Quando ele fala que quer essa ajuda, temos di-
vai medicar e pronto”. Às vezes a escola diz que
ficuldade de arrumar uma assistente social para
não sabe como lidar com a criança, e o fato de
ajudá-lo. Então, ele acaba entendendo que o
precisar de um CID é para ter o professor auxiliar.
nosso trabalho não vai resolver nada, nós fica-
mos frustrados, porque fomos chamados e não
Vemos o quanto algumas crianças estão
conseguimos resolver. O problema deixou de ser
em funcionamento. Realmente não conseguem
de segurança pública, para ser da área social
Cadernos Temáticos CRP SP
se concentrar, ou porque o assunto não interes-
e, às vezes, da área da saúde. Mas fica, como
sa, ou porque precisam de alguém ali junto para
a maioria está falando, cada um no seu pedaço.
dar contenção para tudo o que está acontecen-
Estou tentando ver se, a partir desse ano, eu
do dentro deles e, sim, funcionam muito melhor
consigo conscientizar vários órgãos para enten-
com uma pessoa ao lado. Isto não necessaria-
der que é um todo. É muito complexo, mas agora
mente aponta para um transtorno, TEA ou TOD,
precisamos mudar, de uma forma drástica, e de
que agora é o que mais aparece. Fico pensan-
maneira que passemos a usar as armas certas.
do que alguma coisa precisa ser feita para os
Participante: Eu queria comentar, a partir pais também retomarem aquele saber que eles
do que ele falou, que o que me chama atenção tinham sobre seus filhos. Porque eles não têm
é que as crianças estão muito largadas. O que mais, parece que é o outro que tem de resolver.
aparece lá no CRAS? Fazemos um trabalho pre- E isso é de todos, seja de famílias mais vulne-
ventivo, tem situações onde já tem o risco, ve- ráveis ou não. O número de crianças que estão
mos que tem risco, mas temos esse trabalho sendo diagnosticadas com autismo é enorme. O
que agrava é que, nas famílias vulneráveis, ve- em cada lugar precisa gerar um movimento, pro-
62
mos as situações em que, apesar de a mãe estar mover algum desenvolvimento humano, o melhor
sabendo sobre o seu filho e tentar fazer o melhor possível de cada um ali naquele processo. Você
que pode, são privações muito importantes que foi amarrando, trazendo essa possibilidade, ter
a criança passa, de não ter o que comer, de estar o diálogo. Acho que é um caminho. Quais outros
numa casa cujo estado é deplorável. E isso vai caminhos o psicólogo vai tendo também para,
aparecer na escola, porque é para onde a crian- por exemplo, as crianças que vêm com a questão
ça vai. Na família, ninguém está se incomodando que não acompanham a turma, como o psicólogo
se a criança é de um jeito ou de outro. Chega na pode lidar com isso?
escola, as diferenças do desenvolvimento vão
Alexandre: Lá no CAPS que eu trabalho te-
aparecer. Mas é um problema muito maior, de
mos feito o fortalecimento do vínculo, temos fei-
questão de política pública, a gente vê as pesso-
to trabalho com as famílias no sentido de conver-
as passando fome, sem condições de moradia.
sar com elas sobre aspectos importantes para o
Não tem como você criar um filho numa situa-
desenvolvimento da criança, principalmente nes-
ção de privação importante de afeto, de comida,
sa questão do afeto, dos estímulos, do educar
porque a mãe não está em condição ou porque
sem violência. Mas é sempre muito difícil porque
tem de trabalhar e acaba deixando as crianças
as famílias têm essa cultura muito arraigada da
ao seu próprio cuidado. Há também mães usu-
violência, de se resolver os conflitos na violência.
árias de droga, que não acordam de manhã, a
Então, é um trabalho de reflexão junto aos pais
criança acorda, fica em casa sozinha, tendo de
sobre esse papel deles na formação das crian-
se virar. As crianças estão passando por priva-
ças. Lá no CAPS, como é um trabalho preventivo,
ções importantes de cuidado desde pequenas e
a fazemos esse trabalho. Só que eu sinto uma
isso tem os seus efeitos. E, no caso das famílias
angústia de não ter aqui no Guarujá serviços na
que não são vulneráveis, a criança também está
saúde básica. Eu sei que é o coletivo que tem
ficando à mercê de televisão, porque os pais não
que ser trabalhado, mas às vezes a gente vê
sabem o que fazer.
que as mães estão muito precisando do espa-
Participante: Eu acho que isso tem muito a ço de escuta, de espaços que realmente ouçam
ver com o que você falou da escola, que é disci- as questões delas e que se possa trabalhar isso.
plinadora. Acho que a educação é um pouco mais Nós, no serviço de convivência, também temos
autoritária também. Então, quando vem essa espaço para isso, trabalhar o fortalecimento
coisa do fazer diferente, do não poder bater, a de vínculo, mas acho que talvez as faculdades
escola não consegue mais cumprir essa função, pudessem promover esses espaços mais foca-
fica todo mundo sem saber o que fazer. Eu sinto dos. No Guarujá, temos roda de conversa, mas é
muito isso no CREAS, porque quando chega para aberta para tudo, para falar da depressão ainda
nós é porque, de alguma forma, estava dando não diagnosticada; para falar do filho está fugin-
trabalho ali, ou comportamento, e como não con- do de casa para ficar na rua; tudo o que se possa
segue lidar com aquilo de outra maneira bate, imaginar é assunto da roda de conversa. Então,
ou então abre mão e larga. Essa construção do o que eu escuto das famílias é que, muitas vezes,
educar sem a violência, do ouvir, do construir não se sentem à vontade para falar nas rodas de
uma relação de diálogo, de respeito, isso é muito conversa. Penso que, talvez, se tivessem esses
difícil de fazer no dia a dia, principalmente com espaços na saúde mais focados nas situações,
essas famílias mais vulneráveis que atendemos, as pessoas se sentissem ouvidas, com espaço
porque elas tem que pensar de tem que correr para reflexão.
atrás de trabalho, porque estão desempregados,
Rafael: Nesses últimos meses, tem uma
ou porque tem uma situação de drogadição. Vejo
escola da região que está encaminhando jovens
pais muito perdidos na questão de estimular a
para o CRAS, porque é bem próximo. Começaram
criança para ela se desenvolver, ou mesmo ter
a encaminhar porque a orientadora de lá já me
diálogo com adolescente para aprender a lidar
conhecia de outros momentos. Comecei a fazer
com essas frustrações.
um esquema com os jovens. Passei a frequen-
Rozi: Você foi trazendo um cenário muito tar a escola um pouquinho depois do horário do
complexo, mas a minha pergunta é: bom, e como CRAS, para encontrar os jovens, não os que eram
está o nosso papel de psicólogo nisso? Angus- encaminhados, mas todos de modo geral. Isso
tiado, certamente, mas também tem um trabalho, começou porque um adolescente que eu acom-
panho, no centro de convivência, é estudante outros jovens que estão em situação semelhan-
63
dessa escola e me falou: “tô preocupado porque te, mas que não tem acesso a essa informação.
tem vários colegas meus que tentaram se matar Estou tentando fazer isso, tentando trazer es-
já, e eu tô assustado com isso. Você pode ajudar?” ses pais para conversar com a gente em roda de
Conversei com a orientadora e lá fui. Apareceram conversa. No CRAS, temos essas reuniões com
vários jovens, que disseram: “não tem um espaço os familiares uma vez por mês, mas chamamos

crianças e eadolescentes
de conversa pra falar o que nós queremos e o que individualmente para conversar também. É uma

Psicologia em emergências e desastres

desastres
e não queremos”. proposta que estamos desenvolvendo saúde,
assistência e a educação.
Participante: Não tem espaço dentro da
escola? Participante: Pensando nessa questão que

emergências
você comentou, o que o psicólogo faz no meio
Rafael: Em lugar nenhum. Nem em casa.
disso tudo, esse é um exemplo que o psicólogo
Dentro da vida deles mesmo. Então, estou co-
pode fazer na assistência, nesse trabalho em

em de
meçando a trabalhar com alguns jovens, que
rede, de tentar levar outro olhar, “a gente está fa-

diagnóstico
estavam em processo de automutilação, risco
lando de automutilação ou a gente está falando de

Psicologia
de suicídio. A gente acabou conversando com
afeto?”. Tentamos trazer esse debate, por exem-
o pessoal da saúde. Os técnicos do CRAS são
plo, às vezes se uma família chega no CREAS com
totalmente contra esse meu encaminhamento.

caminhos do
alguma situação, e começamos a investigar, “mas
Acham que tenho de encaminhar direto para a
em que serviços você vai? Que atividades você cos-
saúde. Mas eu quero conversar com os jovens,
tuma participar? Você conhece o CREAS lá perto do
eu quero tentar conhecê-los um pouco mais. In-
CRAS, perto da sua casa?”. Às vezes a família diz

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
sisti para poder conversar com eles, mas a jus-
que vai no serviço, mas não consegue identificar

e intersetorialidade:
tificativa é que se algum vir a se suicidar, a cul-
muito bem o que faz lá. Ela está ali com outras
pa ia recair sobre nós que não encaminhamos.
famílias, às vezes até sem o técnico, mas numa
Então fui voto vencido e encaminharam todos
atividade que faz todo o sentido para ela. Então,
para saúde.
ela encontra um atendimento que não é o que ela

Cadernos
Participante: E aí pensar junto com a saúde foi procurar, a família chega lá procurando um psi-
alguma ação... cólogo para um atendimento clínico e, na maioria

Psicologia, demandas escolares


das vezes, encontra um serviço de convivência e
Rafael: Sim.
fortalecimento de vínculos que ela não imagina,
Participante: Porque vocês estavam dispo- às vezes não compreende o objetivo, mas ela se
níveis, a assistência social tem esse trabalho. envolve, participa, se vincula, tem algumas poten-
cialidades desenvolvidas. Ela até, às vezes, não
Rafael: Foi o que eu fui buscar, o apoio da
consegue dar significado para aquilo, mas ela vê
saúde mental. É uma escola que pega três CRAS
algum resultado em casa. E aí é muito interes-
diferentes, ela está bem próxima do túnel, no
sante ver o trabalho nessa perspectiva, o quanto
Guarujá, na Enseada. Esses jovens estão indo lá,
muda às vezes o perfil da família, o quanto o ado-
dois são do território e quatro não são. Estamos
lescente consegue interferir nessa família e traz a
conversando, estou tentando trabalhar mais
devolutiva, “eu tenho conseguido conversar com a
essa ideia de que eles têm espaço para falar. E
minha mãe”, leva a mãe para o serviço e fala, “hoje
Cadernos Temáticos CRP SP
eles pedem uma conversa na mesma linguagem
ela vai comigo”, e você não via nenhum tipo de di-
dele, na que eles gostam que é a audiovisual.
álogo antes. Acho que a gente atua...
Começamos a produzir um audiovisual. Fizemos
uma oficina com eles, eles trazendo ideias e nós Participante: Eu coloquei isso, pelo ser-
amarrando, “pensem na escola de vocês, fiquem viço de saúde mental para vítimas de violência
uma semana anotando tudo que envolva o que vo- sexual. E houve um diálogo mais ou menos as-
cês consideram que é um desrespeito contra vo- sim, com uma delas;
cês e seus colegas que acontece dentro da escola,
Ela: “lá (com a profissional) é diferente, ela me
tudo que envolve desrespeito na vida de vocês e
fala coisas diferentes do que você fala aqui”
dos seus colegas”. Eles estão anotando. Mandam
WhatsApp para conferir se tal atitude foi desres- Eu: “lá a sua filha está sendo atendida, aqui é
peito ou não. Os jovens têm grupo no WhatsApp sua família toda por causa da sua filha. O que trouxe
e vão se falando e eu fico orientando sobre isso. vocês aqui foi o que aconteceu com ela, mas o aten-
E, ao mesmo tempo, a ideia é de expandir isso dimento é para todo mundo”
Ela: “mas você me fala umas coisas que não Todo mundo reclama da rede e acabamos
64
têm a ver com o que ela viveu” entrando nesse fluxo de reclamar, mas temos
de pensar no papel estratégico de formiguinha,
Eu: “é porque é para todo mundo”.
de estabelecer contato para ir construindo essa
Acho que esse é o nosso principal olhar, rede e não deixar esses furos. Durante a forma-
olhar para o todo e não intervir só com aque- ção, na UNIFESP, é tudo muito claro, mas quando
la criança, só com aquele adolescente ou com vamos para o serviço, vemos o quanto é difícil
aquele problema. Porque às vezes as crianças essa construção e o quanto depende da gente
chegam, principalmente vítimas de abuso, por enquanto profissional.
exemplo, eles não vão ficar ali falando o tempo
inteiro sobre aquela situação, e nem é para fa- Jaqueline: Anotei vários comentários que
lar sobre isso. Acho que essa é a nossa princi- queria amarrar, numa dimensão da historicidade.
pal contribuição, quando chega encaminhamento Veio de vários pontos e você de alguma maneira
do Conselho Tutelar. Mas encaminhamento para traz isso ao falar da rede como construção. A Tay-
atendimento com o psicólogo, com observação, ná colocou uma dimensão da diversidade quando
“aluno dá trabalho na escola”, às vezes, a família ela fala, “bom, como teve todo um processo para se
está procurando esse atendimento clínico, diag- entender, por exemplo, assistência como direito e
nóstico. E a resposta é “não vou te dar laudo aqui”. não como favor”. Acho que o Alexandre falou tam-
bém dessa dimensão da psicologia normativa, do
Participante: É, exatamente. Mas eu acho
diagnóstico, da psicometria, da psicologia dife-
que a gente vem meio para desconstruir. Por-
rencial. Vocês estão trazendo experiências muito
que, às vezes, aquela criança ou aquele adoles-
interessantes de construções criativas nos ser-
cente, na verdade, é um sintoma daquela famí-
viços e de uma demanda e de uma necessidade
lia. E, às vezes, o que vem como um problema,
dos próprios trabalhadores, às vezes, para além
vemos como potencialidade; o que vem como
dos próprios serviços. Estão aqui reportando situ-
sintoma de saúde, entendemos como uma ma-
ações muito difíceis e acho que tem construções
nifestação saudável frente àquela situação ab-
locais, construções no serviço, e construções que
surda de violência que a criança está passan-
vêm dessa historicidade, vão para fora do serviço.
do. Às vezes, ela vem com um comportamento
Eu me lembrei de uma experiência, um trabalho
depressivo ou psicótico, e devolvemos: “nossa,
que fiz de educação permanente dos trabalhado-
que bom que ela conseguiu se desvincular desse
res da saúde da Zona Leste em São Paulo. E um
momento com outra coisa”.
dos aspectos de que eu participei foi um fórum
Participante: Uma coisa que me pegou sobre acumuladores, que é uma situação limite.
bastante quando trouxe a questão do diálogo Os chamados acumuladores têm de tudo em suas
com os pais, é que formação em universidade casas e aos montes. São toneladas de ferro, de
particular é tudo mais individualizado. Como eu animais, de papéis, comida, roupas. Para trabalhar
sou estudante da Unifesp, pensar a rede é uma com acumuladores, às vezes, várias secretarias
coisa muito natural, porque desde quando esta- são envolvidas. Lá eles construíram esse fórum
va na faculdade eu já tive esse acesso, por ex- e tinha a zoonose, a assistência, saúde mental e
tensão, por pesquisa. Quando pensamos a rede, toda questão jurídica. E as histórias são comple-
é dentro desse olhar de fazer, esses pequenos xas: uma delas, uma senhora idosa acumuladora,
fazeres do cotidiano. E, quando às vezes estou ela tinha um filho que estava preso, o outro tinha
no serviço, vemos como essa construção é muito sido assassinado, estava para perder a guarda
difícil de fazer. E pensar esses lugares, educa- dos outros filhos, os vizinhos todos que a odia-
ção, saúde e assistência. É muito de pouquinho vam, porque era um cheiro horrível no entorno
em pouquinho, por falta da política, por falta do de sua casa. Uma vizinha construiu um muro gi-
que é básico, daquilo que deveria ter e não tem. gantesco e colocou ar-condicionado na sua casa,
Eu acho que, às vezes, ficamos esperando um porque o cheiro avança em qualquer espaço aber-
pouco essa rede pronta, que o serviço em si te- to. Estavam as subprefeituras envolvidas, a Guar-
nha essa rede pronta e não entendemos o nosso da Civil envolvida. O que era originalmente tomar
papel enquanto profissional nesse serviço. Acho conta de alguém, que era a dona fulana, se trans-
que precisamos, enquanto profissional, também formou em configurar um fórum, feito pelos pró-
tentar se inserir em outros espaços que não se- prios trabalhadores, inclusive, para darem conta
jam só esses espaços que frequentamos. da situação. É mesmo tudo muito complexo.
Participante: Essa história que a Gabi con- bens constituindo a promoção da autonomia dos
65
tou, acho muito importante no sentido de que nos- indivíduos. Elabore metodologias de trabalho
sa cultura não é uma cultura no sentido do fazer multidisciplinares, valorizando e potencializando
profissional de uma grande agregação. As insti- a produção do saber e dos diferentes espaços
tuições tendem a se cronificar no sentido de fazer educacionais, que atue na direção ampliação
com que o usuário se ajuste ao que oferecemos. da qualidade do processo educacional através

crianças e eadolescentes
Isso é uma coisa patológica, vamos tendo muitos de práticas coletivas, potencializem pessoas,

Psicologia em emergências e desastres

desastres
problemas com isso. Pensar, por exemplo, no que o grupos da comunidade escolar. Compartilhe a
Rafael colocou, de entender a linguagem do outro, prática e o conhecimento desenvolvido pela psi-
e a partir do protagonismo do sujeito, o profissio- cologia, socializando os saberes e ampliando as

emergências
nal se adequar para poder atingir o objetivo, isso é possibilidades de atuação”.
uma coisa muito importante.
Então, acho que quando falamos dessa sen-
Rozi: Estamos encaminhando para o final da

em de
sibilidade de como o psicólogo articula o saber
nossa roda de conversa. Eu queria informar que

diagnóstico
psicólogo, ele não está só no psicólogo, o saber
temos aqui esse orientador, ‘Orientações sobre

Psicologia
psicológico está nas pessoas. Claro que existe um
as atribuições do psicólogo no contexto escolar e
campo científico do conhecimento, mas a gente
educacional’. Pensei em finalizar, lendo uma parte
vai abrindo algumas brechas importantes de se-

caminhos do
dessa orientação, para orientar o psicólogo, aque-
rem abertas. Eu acho que se percebe que aqui,
le que lida com questão do processo de escolari-
no território, vocês estão articulando e tentando
zação, que fala o seguinte.
essas brechas. Foi muito bom, do ponto de vista

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
“Considere a realidade da escola brasileira produtivo, essa articulação de rede. E acho que

e intersetorialidade:
articulando com o setor de saúde, do trabalho, ela deveria ter um processo de continuidade; daria
os movimentos sociais, da assistência social e um bom fórum intersetorial. É uma proposta para
do poder judiciário, e compreenda os fatores que discutir questões perpassam esses campos e ou-
produzem e causam sofrimento em educandos tros campos de atuação e desafios do psicólogo.
e educadores, que analise o campo das rela- É uma forma de pensar em como se desdobraria a

Cadernos
ções sociopolíticas pedagógicas para melhoria interlocução que começamos hoje. Pensem nisso.

Psicologia, demandas escolares


do processo educacional. Comprometa-se com Se vocês vierem a construir algo, o CRP está dis-
as condições sociais da escola e o acesso aos ponível para apoiar.

Cadernos Temáticos CRP SP


66
A Psicologia e as Demandas
Escolares na rede de Assistência
Social e de Saúde no Grande ABC
Daniela Carcavilla
Maria da Penha Tamburú Ivanchuk Lopes
28/06/2017. Subsede Grande ABC do CRP SP (Santo André).

Daniela: Bom dia a todos, prazer, eu sou a Danie- Maria Inês Betine é psicóloga escolar, com
la, eu faço parte do representativo do núcleo de uma extensa experiência em equipe técnica
educação e medicalização, da subsede do ABC, multiprofissional atuando em escolas a partir
fico muito agradecida de ver a sala cheia de pro- de concurso público municipal. A especialização
fissionais e colegas. Essa roda de conversa tem dela é em psicologia e educação, pelo Institu-
o objetivo de fazer essa interface das demandas to de Pesquisa da USP, 2004, e gestão escolar
escolares entre educação, assistência social e a pela USP em 2012. Ela é integrante do grupo de
assistência de saúde. Foi construída também em estudos do laboratório institucional de estudos
conjunto com os colegas: Lucas, que é represen- e pesquisas de psicologia escolar e educacional
tante do ABC do núcleo de saúde, e André, do da USP. Temos também a Débora, psicóloga gra-
núcleo de assistência social. Então, inicialmente, duada pela USP, com aprimoramento em saúde
organizamos isso aqui como uma proposta de coletiva no Instituto de Saúde de São Paulo, es-
promover esse diálogo e ter um fortalecimento, na pecialização em saúde mental pela Faculdade de
promoção das nossas atuações com o processo Medicina do ABC e que atua como psicóloga da
crítico desse meio que a gente tem na nossa prá- rede de saúde em UBSs, com apoio institucional
tica no dia a dia. Vamos começar com o núcleo de do departamento de assistência básica e ges-
educação. Eu tenho aqui uma representante junto tão do cuidado, e atualmente na coordenação
comigo da sede, que é a Lilian Suzuki, ela vai falar técnica de uma UBS da rede de São Bernardo
um pouquinho depois também de algumas práti- do Campo. E o Jean Fernandes, ele é psicólogo,
cas que temos sobre essa proposta de roda de mestre em psicologia social pela PUC, atua no
conversa. A roda de conversa é exatamente para sistema único de assistência social e é colabo-
isso, é poder promover diálogo, aproximação e rador aqui do CRP, do núcleo estadual da criança
pensar junto sobre as práticas do dia a dia, o que e adolescente na subsede do Grande ABC. Mui-
que acontece e como que eles percebem algo que to obrigada por vocês terem aceitado o convite,
não é só específico. Precisamos nos aproximar, vou passar agora um pouquinho a palavra para
para poder entender quais são os serviços, enca- a Lilian Suzuki.
minhamentos, o que que está acontecendo, quais
são as atuações, precisamos promover esse diá- Lilian: Olá, eu estou muito satisfeita de
logo e essas ações. Aconteceram duas rodas de pensar que nós tivemos 54, mais ou menos, ins-
conversa já alguns anos atrás, e, a partir do êxito critos. Essa roda de conversa foi pensada assim:
destas rodas e os encaminhamentos, percebe- o núcleo de educação no CRP, no Conselho Fe-
mos o quanto precisávamos continuar promoven- deral, têm vários documentos e pensamos que
do esses espaços pra nos fortalecer. Foi com esse quando perguntávamos na escola para um pro-
intuito que nós daqui do ABC, com a nova gestão, fessor a respeito desses documentos e se ele
vamos construir cada vez mais propostas de pen- sabia o que faz um psicólogo escolar e educa-
sar nesse coletivo entre essas diversas redes. cional, na maioria das vezes eles diziam “não”.
Vou começar a falar sobre os três convidados: Todo mundo sabe o que faz um psicólogo clínico,
sabem que se tiverem um problema é só ir até lá. instituição, porque uma coisa é o que pensamos
67
Mas o psicólogo escolar era visto também como que deve se fazer na educação, outra coisa é
um psicólogo clínico por esses mesmos profes- o que a instituição te pede para fazer. Localizei
sores. Então, essa roda de conversa está ba- entre duas grandes solicitações, aquelas insti-
seada nas referências técnicas da atuação do tucionais e formativas e as demandas mais re-
psicólogo e tem uma nota técnica também que lacionadas à queixa escolar. Quando ingressei

crianças e eadolescentes
está disponível. Construindo Caminhos é o do- na prefeitura, entrei pela sessão de creches e

Psicologia em emergências e desastres

desastres
cumento que saiu agora no finalzinho da gestão. aí a solicitação da instituição era essa demanda
Lançamos em 2016, foi uma construção mui- mais global, quer dizer, uma demanda formativa,
to bonita, nós levamos esse material paras as onde devíamos olhar para o que estava aconte-

emergências
crianças, para eles avaliarem e entenderem. Ele cendo nas creches ali naquele momento e aju-
se parece com um gibi ou uma cartilha mesmo, e dasse a construir o projeto pedagógico, porque
explica o que faz um psicólogo na interface com estávamos num momento que era a passagem

em de
a educação. Com as crianças foi muito bonitinho, das creches da assistência para a educação. As

diagnóstico
porque eles começaram a ler, ler, ler, até que um tarefas daquele momento eram justamente de

Psicologia
pegou e falou, “tudo isso?”. E aí, depois, quando construir o projeto pedagógico, construir o am-
nós levamos uma versão melhorada, eles dis- biente educacional para as crianças. Se eu olhar
seram, “ah, nós entendemos muita coisa, mas a para esse momento, tínhamos basicamente as

caminhos do
gente não sabe o que é CRP”. contribuições, elas vinham nos espaços forma-
tivos, não só formativos, porque acabávamos
Maria Inês: Vou começar dizendo que
tendo também contribuições com relação à es-
quando as meninas me chamaram, na verdade,

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
trutura das creches. Um pouco desse olhar mais
veio por intermédio de uma apresentação que

e intersetorialidade:
abrangente para instituição era possível fazer
eu já tinha feito também em uma roda de con-
naquela época, porque essa era uma solicitação
versa que foi no CRP do Paraná. E lá se discutia
da instituição. Então, ao mesmo tempo em que
um pouco a prática do psicólogo escolar e eu
olhávamos o que estava acontecendo lá no coti-
montei esses slides com essa finalidade. Quan-
diano, tínhamos acesso, por exemplo, às chefias,

Cadernos
do me contaram um pouco qual era o meu ob-
e fazíamos tanto uma interlocução no cotidiano,
jetivo aqui, eu achei que poderia tangenciar um

Psicologia, demandas escolares


especialmente com as equipes gestoras e tam-
pouco as discussões e vou fazer a mesma apre-
bém com os educadores, mas também fazendo
sentação e vamos dialogando com os objetivos
pontes dessa questão com as políticas públicas.
daqui. Eu contei da minha experiência de psicó-
loga escolar sempre trabalhando em uma secre- Construíamos muito essa ideia do coleti-
taria de educação. Quando eu fui falar um pouco vo, de muitos espaços formativos e discussões
sobre isso, eu achei que era muito difícil de falar pra poder ter diretrizes de políticas educacio-
sobre a experiência dos psicólogos de uma Se- nais. Na época não existia professor na creche.
cretaria de Educação, porque elas são múltiplas, Eu escolhi aqui uma frase que acho que pode
foram múltiplas e são múltiplas até hoje. Eu tra- traduzir um pouquinho desse olhar para a épo-
balhei na secretaria até 2016. No caso de São ca, que é assim: “toda psicologia do coletivo no
Bernardo, tenho duas amigas que participaram desenvolvimento infantil está sob nova luz, ge-
deste trabalho: a Rosemeire e também a Nanci, ralmente perguntam como esta ou aquela crian-
Cadernos Temáticos CRP SP

que está aqui do meu lado e que também faz ça se comporta no coletivo, nós perguntamos
parte desse trajeto todo. Vou iniciar por uma como o coletivo cria nesta ou naquela criança
frase que também está em caderno temático, as funções superiores”. Peguei aqui uma frase
que traz que o principal critério pra se definir o do Vygotsky, através do texto da Nanci, que nos
que vamos fazer nos nossos planos de ação, e diz um pouco desse olhar, quando a gente vai
o quanto que nós podemos contribuir para que pensar um pouco psicologia escolar. Como é que
a escola cumpra a sua função. Essa é uma fra- a gente pensa essa estrutura de educação para
se norteadora para a gente pensar um pouco que ocorra desenvolvimento e aprendizagem
nessa questão psicólogo e a educação. Agora, pras crianças? Dentro das configurações da se-
traduzir essa frase no cotidiano normalmente cretaria, a gente mudou para outra equipe que
não é muito tranquilo, digamos assim, isso nos era, na época, o atendimento de quatro a seis
traz várias polêmicas. Olhando retrospectiva- anos. Essa solicitação da queixa escolar é que
mente, eu localizei dois tipos de demandas da veio de uma forma bastante forte, diferente da
solicitação que tínhamos anteriormente, então nho uma escola melhor preparada no sentido de
68
a ideia era de que devíamos olhar para as crian- visão de grupos, do espaço físico, eu vou criar
ças que tivessem necessidades específicas, e subjetividades diferentes e suportes para essa
isso gerou muitas polêmicas entre nós, pois vi- subjetividade muito diferentes para as crianças.
nhamos de outro percurso. Fomos trabalhando Sempre tivemos um contato muito próximo com
na assessoria aos profissionais das escolas so- as equipes gestoras e assim, particularmente,
bre as dificuldades e questões do trabalho com com o tempo fui me aproximando das educa-
as crianças. Uma característica dessa época foi doras também e percebendo que esse contato
a questão da entrada de muitas crianças com mais direto com as educadoras também facili-
deficiência na rede. Acho que esse também foi tava bastante. Então apareceu uma criança com
um fator importante de como as escolas, às ve- autismo que não parava na sala, as educadoras
zes, sentiam pouco preparadas e tinham muitas não sabiam o que fazer, perguntavam “como é
questões de como lidar com as crianças, e, nes- que vamos vai lidar com isso?”. Combinávamos
se sentindo, fomos fazendo esse olhar mais de pautas com a equipe gestora, então, nesse mo-
aproximação para o cotidiano, buscando tam- mento, quem é mais interessante entrar? A co-
bém esse atendimento mais singular, de ques- ordenadora, a diretora, no caso, é a psico ou é a
tões mais específicas, ou seja, de algo que vinha fono? Quer dizer, qual é o profissional que pode
de um movimento mais coletivo, mais formativo. ajudar a ampliar um pouquinho o olhar sobre
Passamos a ter um olhar mais para questões as questões que estão acontecendo? “O sujei-
do cotidiano. Conseguimos, através deste olhar to psicológico aqui é enfocado a partir de uma
para o cotidiano, buscar essa interlocução so- perspectiva que permita entendê-lo no contex-
bre as dificuldades que as escolas apresenta- to histórico escolar, em suas relações com os
vam, fomos também fazendo leituras coletivas condicionantes da estrutura escolar decorren-
disso. Um tema, por exemplo, que foi recorrente tes tanto da superestrutura social, quanto dos
dessas observações foi a relação escola e fa- fatores intraescolares responsáveis pelos pro-
mília, por que, ao se aproximar desse cotidiano, blemas em questão, bem como da estrutura dos
fomos percebendo uma relação da escola, uma próprios indivíduos”, da Elenita Tanamati. Como
ideia de uma família muito idealizada, muitos é que olhamos? Onde devemos olhar e intervir?
conflitos nessa relação, oposições. Discutimos Nesse processo conversamos com as equipes
um pouco história da família da criança, histó- gestoras, as educadoras e fomos utilizando
ria social da família e da criança, os processos bastante também da observação em contexto,
de acolhimento, formas de compreender o pro- então o que a observação em contexto normal-
cesso inicial das crianças quando entram na es- mente traz para a gente? Conhecer a criança,
cola, as formas de comunicação com a família, suas possibilidades, dificuldades, relação com
até desembocar na implantação do conselho de as crianças da sala, com a professora, com as
escola. Questões do tipo: interpretar que a difi- propostas apresentadas, característica do es-
culdade da criança ficar inicialmente na escola paço, tempo, atividades, enfim, a observação
estava ligada a dificuldade de separação dos foi se mostrando um mecanismo que ajuda a
pais, por exemplo, era muito recorrente, então dar uma concretude para entender um pouco o
começamos a fazer outras discussões também. que essa professora ou equipe gestora pensa.
As escolas foram criando muitas estratégias di- A partir disso, voltamos para uma conversa com
ferentes, inclusive, do ponto de vista estrutural, os envolvidos, com essa ideia de ampliar olha-
de como organizar seus grupos, de como orga- res, ver que mais alternativas existem naquela
nizar os horários das crianças para poder rece- situação, buscar as alternativas e pensar nelas,
ber menos crianças ao mesmo tempo. Eu escolhi o que é dentro da escola e o que precisamos do
uma frase aqui para dizer um pouco disso, que que vem de fora da escola. É importante, sim, no-
é: “objetividade e subjetividade na perspectiva tar que, nesse período, vamos sempre pensando
histórico cultural não são fenômenos que se ex- o seguinte: podem ter muitas alternativas fora
cluem”. Acho que quando trabalhamos dentro da escola, mas dentro da escola sempre tem.
de uma Secretaria da Educação, tem algo que A criança pode ter 200 atendimentos, a criança
permite olhar um pouco mais para as estruturas pode estar no CRAS, no CREAS, mas cotidiana-
que comportam aquele serviço, isso faz muita mente ela está na escola, então isso traz de-
diferença e isso incide sobre a subjetividade de safios homéricos que a escola acaba tendo que
uma maneira importante. Quer dizer, se eu te- lidar. Eu trouxe algumas ideias do Vygotsky, que
traz um pouco essa ideia de olhar para a reali- balhava porque era ainda PACS, e ainda não sei
69
dade como síntese de múltiplas determinações, se tem. Venho de uma experiência de apoio ins-
que nos ajuda bastante nessa relação com os titucional, de discutir um pouco sobre o papel
educadores. Existem situações extremamente da coordenação local, porque a coordenação de
complicadas para os educadores. Quando fiquei nível gestão central municipal ainda é muito
em sala eu até pensei: “meu Deus, como essa dura. Uma coordenadora tem diretrizes que pre-

crianças e eadolescentes
professora aguenta o dia inteiro?”, eu sai exaus- cisam ser muito estabelecidas, agora a gestão

Psicologia em emergências e desastres

desastres
ta de ficar uma hora, porque tem situações mui- local é uma decisão do como fazer. Quando eu
to difíceis mesmo. E a criança pode ir para to- entrei na rede tinha um Núcleo Especializado de
dos os atendimentos, mas está lá e temos que Aprendizagem, que era como se fosse um labo-

emergências
pensar esse estar na escola. Não podemos ficar ratório. As crianças saíam do contexto escolar,
esperando a criança se desenvolver, temos que saiam do contexto territorial, e iam para um lu-
fazer para que ela se desenvolva. As relações, gar praticamente hermético para poder traba-

em de
o pensamento, linguagem e brincadeira também lhar sobre a queixa escolar. A queixa escolar

diagnóstico
nos ajudam com muitos elementos no cotidiano vem ou do Conselho Tutelar, ou pela própria es-

Psicologia
pra ajudar a pensar situações em como lidar com cola, ou pelos próprios pais, ou pela própria
as crianças. As melhores e que atingem melhor a equipe. Essa linha tênue entre a queixa escolar
escola é quando a gente tem estratégias com- e uma queixa que se possa transformar em uma

caminhos do
binadas, então as coletivas, as individuais, por- iatrogenia, um transtorno mental, ainda sim na
que você tem diferentes aspectos. No coletivo saúde é muito presente e acho que cabe ao psi-
é aquele espaço mais relaxado, onde podemos cólogo que está na atuação dentro da unidade

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
pensar, trocar com pares. O cotidiano é reple- de, literalmente, fazer uma militância em rela-

e intersetorialidade:
to de angústias emergentes, aquilo que é para ção a isso. Acho que é uma construção cotidia-
ontem, então acho que esse espaço também na. Essa questão de poder singularizar a crian-
poder ter um acolhimento para esse momento, ça, mas, ao mesmo tempo, trazer o contexto
ele também é bastante importante. Contudo, eu escolar também é um desafio. Eu fiz um curso
escolhi alguns trechos que achei que ajudam a de orientação a queixa escolar na USP também

Cadernos
pensar sobre a questão, achei que eles foram pelo instituto de psicologia e trazia-se muito

Psicologia, demandas escolares


bons, só que são inúmeras, múltiplas, variadas, essa questão, tinha um peso muito importante.
muitas dificuldades no cotidiano e estruturais, Como é que se sabe do histórico escolar da
nem sempre conseguimos fazer, por exemplo, criança para além também da dinâmica familiar?
esses espaços mais coletivos, normalmente vai Se temos que saber da dinâmica familiar, quan-
lidando com aquilo que é possível no momento, tos anos a criança entrou na escola? Será que
que a conjuntura permite, etc. Vamos tendo es- ela frequentou creche? Enfim, pré-escola, como
tratégias com alguns professores, depois com é que foi a introdução dela? Então, essa história
as equipes gestoras fazendo já por si, ou vamos não só do desejo dos pais para com a criança,
aprendendo com as equipes gestoras, apren- mas também da escola com a criança, que ex-
dendo com as educadoras, então é um processo pectativas tem com a criança, é uma coisa mui-
bastante coletivo. to importante. A saúde da família vem nesse
contexto de trabalhar um pouco na reunião de Cadernos Temáticos CRP SP
Débora: Eu trabalhei quatro anos e meio equipes, na reunião em visita domiciliar, poder
como psicóloga, então uma das coisas que fi- trazer o estranhamento do psicólogo dentro da
quei pensando: como receber a queixa escolar saúde da família, como o meu estranhamento,
sem criar uma iatrogenia e atrogenia na saúde porque às vezes a equipe, o médico, o enfermei-
da família? Porque a minha fala vai ser a partir ro, o agente comunitário, estão acostumados
da atenção básica e das demandas que vem da com aquela realidade, com aquela dinâmica. En-
queixa escolar para a saúde e geralmente se tão trazer um estranhamento em relação a isso
transformam em demandas de medicalização. e uma implicação do cuidado que não necessa-
Eu fiz um trabalho junto com um psiquiatra e riamente seja uma questão de medicalização,
com um farmacêutico. Fizemos por quatro anos de um transtorno. Porque é muito fácil quando
um grupo de benzodiazepínicos, sobre uso ra- sabemos que ainda tem um modelo biomédico
cional e desmedicalização de benzodiazepíni- muito vigente, modelo biomédico de poder qual-
cos, clonazepam, diazepam. E, nessa época, não quer experimentação, qualquer diversidade de
tinha a saúde da família na unidade que eu tra- comportamento e pensamento seja transfor-
mado em alguma forma de conduta ser normati- ainda que choca a saúde da família, se precisa
70
zada, normalizada e medicada. Acho que o mo- trabalhar bastante nessa parte de contexto cul-
delo biomédico tem também essa questão de tural. A experiência com os indígenas também é
trazer a dependência dos sujeitos, das pessoas uma experiência. Como é que se transpõe para
em relação a isso, da medicação, do consumo outros temas como queixa escolar? Nós quere-
de consultas, do outro saber sobre si, então é mos resolver tudo, dependendo da gestão,
uma tentativa de inverter um pouco essa lógica, como é que é uma gestão estadual, municipal,
é quase o psicólogo arranjar outras parcerias ela tem uma onipotência ou não? Ou uma onipo-
também, é um aspecto superimportante em re- tência de tentar aumentar o campo da saúde ou
lação a isso. Por essa questão da autonomia. Se tentar fazer parcerias. Então, pela gestão local,
a gente não pensar e não poder trabalhar dia a ideia é fazer parcerias. Hoje estamos também
após dia com a questão dessas práticas sociais tentando construir o fórum de adolescentes in-
que sejam mais comunitárias, porque na saúde tersetorial, com outros equipamentos, com es-
é muito difícil a orientação à queixa escolar cola, com a Fundação Criança, que é uma funda-
também, porque o que se conhece do psicólogo ção que é uma autarquia de São Bernardo que
na saúde pública? Tem esse referencial da clíni- trabalha com oficinas socioeducativas. É o
ca particular e tem esse referencial de uma saú- mesmo público, é o mesmo jovem, a mesma
de pública coletiva, que às vezes o coletivo é criança, e como é que a gente vai poder juntar
desqualificado, porque pensa-se que o SUS tem esses olhares sem ser só da saúde, porque a
que fazer o coletivo para atender mais pessoas, tendência da saúde é se tornar o olhar do “va-
mais rápido. Depois disso ouvimos no discurso, mos resolver” e aí a equipe se frustra quando
inclusive, de gestores, também em relação a não resolve. A dificuldade do psicólogo na saú-
isso, o quanto que é importante trazer a dimen- de e na atenção básica é essa, às vezes eles
são do coletivo, de processos de construções querem ser muito, isto é, o médico e o enfermei-
subjetivas que implica numa subjetivação das ro querem ser muito resolutivos em queixas es-
pessoas. Nesse sentido, eu gosto muito de tra- colares, e demandas escolares têm um proces-
balhar essa questão da iatrogenia, pensar na so. Não começou ontem, não começou na
iatrogenia da clínica, o quanto que as pessoas queixa e não vai terminar no acompanhamento
vão dependendo cada vez mais de tecnologia, de saúde da família também. Trabalhar essa
de diagnósticos, de terapêuticos, a iatrogenia questão de onipotência que eu falo em relação
social, quanto que vamos fragmentando? Uma às resolutividade mesmo, acho que é uma ques-
pessoa não pode procurar o contexto bairro, o tão super importante. Tanto em reuniões inter-
contexto do curandeiro, o contexto social. Ela secretariais, intersaúde, que seja com outros
vai criando desarmonias entre o indivíduo, a fa- equipamentos, tentativas de construção com
mília e o contexto social e o cultural no ponto outros equipamentos, entre UBS e CAPS, entre
que tem essa capacidade. O quanto que a cultu- UBS e centro de reabilitação, mas uma tentati-
ra tem esse potencial de lidar com o sofrimento, va também de criar algum fórum local que con-
a enfermidade ou uma dificuldade? Hoje, na uni- sigamos articular e que não seja discutido só os
dade que eu trabalho, a única unidade rural de casos. Uma das lógicas quando vem uma queixa
São Bernardo do Campo, nós estamos em vias e, agora especificamente, a queixa escolar, é
de acompanhamento de duas aldeias indígenas como trabalhar com a equipe, poder articular
que tem em São Bernardo. Percebo o quanto é com a equipe, fazer um projeto terapêutico que
chocante para a equipe perceber as diferenças envolva mais atores do que até a própria equipe
culturais, respeitar mesmo. Tivemos capacita- ou a própria família, esse é o nosso desafio, não
ção em saúde indígena, mas essa iatrogenia tem nada construído ainda. Acho que estar na
cultural ainda é um choque, é uma tensão muito gestão é pelo menos olhar o cotidiano da ges-
grande, porque na questão indígena, uma enfer- tão de uma unidade básica, mas não tem que
midade não tem uma dissociação com o contex- ser muito dura, tem uma mediação de todos os
to cultural e holístico dos indígenas, então você âmbitos, mas ao mesmo tempo, o quanto tem
passa primeiro com o pajé, ele que faz orienta- as demandas emergenciais, demandas cotidia-
ção, seja ela qual for, mas uma orientação mais nas, mas e as construções que são possíveis
integralizada. Se aquela questão biológica, por fazer? Acho que não podemos perder o foco,
exemplo, ainda persistir, vai para os juruás, para porque senão ficamos só apagando incêndio,
os brancos ou não índios. Isso é um contexto seja em qualquer âmbito, psicólogo da atenção
básica, só atendendo, atendendo, ou na área da so Grande ABC, temos ao mesmo tempo todo
71
educação, encaminhando. Hoje estamos cons- um marco legal previsto de uma política de Esta-
truindo uma atuação possível, não que não fos- do, dizendo que o Estado é o responsável por
se possível em outras situações, mas também garantir esses direitos ao cidadão e por outro
contexto da gestão local influencia bastante, lado, temos secretários que falam, “não vou fa-
do municipal é muito mais ainda, mas eu acho zer e ponto final”. Nós temos isso, assim como

crianças e eadolescentes
que, dentro do contexto de uma gestão local ar- temos gestores locais também que não estão

Psicologia em emergências e desastres

desastres
ticulado com um núcleo de operações da famí- dando muita bola para isso, temos uma parcela
lia, em um núcleo multiprofissional, é possível também de trabalhadores que ainda não estão
fazer micropolíticas e acho que esse é o funda- muito alinhados com isso que está na legislação.

emergências
mento maior dessa discussão. Há duas dimensões que se pouco discute na
área, que estão ali presentes no texto da política
Jean: Bom dia a todos, quero agradecer ao e que estão batendo na porta dos serviços. Uma

em de
núcleo de educação por esse convite e dizer de dimensão é material e uma dimensão é relacio-

diagnóstico
antemão que eu me sinto muito privilegiado por nal. Eu estou falando em dimensão exatamente

Psicologia
ser o último das três falas, porque me permite porque não são fenômenos que podem ser dico-
dialogar com a Maria Inês e dialogar com a Dé- tomizados, eles estão acontecendo ali juntos,
bora, com muitas das coisas que elas disseram, ao mesmo tempo. Por exemplo, quando a pessoa

caminhos do
que eu concordo, já na minha exposição. Eu tra- vivência o desemprego, ao mesmo tempo que
balho há sete anos em uma assistência social do ele vivencia um fato concreto de desemprego,
município de Mauá. Nos últimos três anos, eu te- com todas as suas consequências, tem ali uma

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
nho atuado como coordenador de um CREAS, lá dimensão subjetiva que está ali inteira presente

e intersetorialidade:
no município. Eu construí um raciocínio que vai no fenômeno, por exemplo, do desemprego, que
pautar em três eixos, e vai muito na linha de pro- é um fenômeno que por vezes fragiliza dos vín-
vocar algumas reflexões no campo da assistên- culos familiares, muitas vezes. A situação da
cia social, para poder pensar as demandas esco- violência também. Temos também uma dimen-
lares nesse local. O primeiro é discutir a são que é subjetiva, sem falar que a própria polí-

Cadernos
assistência social como proteção social, e que é tica, ela vai falar de um Estado que é responsá-

Psicologia, demandas escolares


algo que eu ainda considero relativamente novo, vel por garantir provisões que são materiais
embora a Constituição Federal já tenha aí quase imediatas, o que são, por exemplo, programas de
30 anos. O segundo ponto é fazer algumas colo- transferência de renda, o BPC, os benefícios
cações em relação às demandas escolares e eventuais. Ao mesmo tempo vai se falar de um
particularmente às questões escolares. E no fim, trabalho social que deve ser realizado por uma
a ideia é fazer uma amarração pensando essas equipe interna, que eu digo que é o trabalho fino
demandas no campo da assistência social e da assistência social, porque é esse trabalho
pensando algumas possibilidades. É importante dos profissionais com as famílias e que talvez
sempre resgatar historicamente o avanço que é seja o que menos se tem discutido, o que menos
para esse campo da assistência social você ter se tem dedicado atenção, mas que é, talvez, se
essa concepção de proteção social como direito olharmos para o início da política, o principal do
do cidadão, é um avanço extremamente impor- nosso trabalho. Por que se convoca profissional Cadernos Temáticos CRP SP
tante e que vai sendo de uma forma mais inten- como sociólogo, como assistente social, como
sa consolidada. A partir de 2004, vamos ter uma psicólogo para estar nesse lugar? Se convoca
série de regulamentações, uma série de amplia- exatamente esses profissionais por entender
ções de financiamento para que a política acon- que vão entender de gente, vão entender de
teça e de criação de infraestruturas. Nós temos pessoas, vão entender de coletivos. Política de
muito problema no campo da assistência social assistência está em um movimento que é muito
hoje, mas, pelo menos, temos um avanço no interessante, está em um movimento de avanço,
campo da regulamentação dessa política, da mas nós temos ainda que reconhecer que ela
previsão de um financiamento, embora não te- não é uma política tão consolidada ainda. Nós
nhamos o mínimo, como a saúde tem, como a temos ainda muita luta para, de fato, conseguir
educação tem. E essa ideia de proteção, ela não consolidar essa política. Há avanço, mas há mui-
deixa de estar em disputa, assim como na saúde ta luta a se realizar. Acho que, por exemplo, há
há concepções que estão em disputa sobre a uma publicação que com certeza não é a única,
política de saúde. Vamos pegar a região do nos- mas eu entendo como sendo um marco no cam-
po da psicologia escolar e que traz referências como que se vai abordando e como os cursos de
72
importantes não somente no campo da psicolo- psicologia vão cuidando disso. No começo dos
gia escolar em si, mas também da assistência anos 2000, nós não aprendíamos nada sobre
social, no campo da educação, e também não queixa escolar. Por exemplo, quando chegava
somente só para os psicólogos, por isso eu vou uma queixa escolar, quantas crianças tinha na
citá-la: a “Produção do Fracasso Escolar: Histó- sala de aula? Ou se os professores tinham algum
rias de Submissão e Rebeldia”, da Maria Helena tipo de suporte de apoio, como que era a organi-
de Souza Pato, que é um livro do final da década zação e estrutura da escola, como eram as con-
de 80, mas que é possível refletirmos muitas dições de trabalho do professor, esse tipo de
questões do nosso cotidiano de trabalho na questão, a gente não aprendia a perguntar so-
data de hoje, em 2017, a partir da produção que bre isso. Por outro lado, se perguntava muito, por
foi feita naquele momento. Para quem não co- exemplo, sobre como foi a gravidez, não estou
nhece essa publicação, ela vai fazer uma análise dizendo que não é importante perguntar isso,
na primeira parte do livro, uma análise histórica não se trata disso, mas é só para ir apontando e
do Brasil, de uma certa forma, focada na produ- é isso que a Marilene Proença vai nos ajudar a
ção de uma certa visão de mundo e vai trazer refletir e tantos outros autores, de criar uma vi-
como as ciências vão tendo viés diretamente são de mundo que orienta os atendimentos tan-
também dessa visão de mundo. Obviamente, to clínicos, como também nos CRAS, como em
essa ciência não está nunca isolada da socieda- muitas unidades de saúde, como em muitos
de que vive, e aí ela vai apontar: “tá vendo? É CREAS. Tinha um foco muito grande no indivíduo.
isso, vejam só como historicamente foi se for- Quero destacar aqui dois aspectos para seguir
jando e construindo uma visão sobre as popula- no meu próximo eixo, destacar dois pontos que
ções, sobre as classes populares no Brasil”. É são importantes. Primeiro, a questão da gênese
uma leitura bem densa, mas extremamente inte- da queixa escolar, como que ela se produz e
ressante, em que ela vai trazendo todo esse his- quais são os fatores, os personagens que parti-
tórico de como se tem visto e olhado pra essas cipam da produção dessa queixa. Minimamente,
classes populares no Brasil. No segundo bloco poderíamos citar três, criança, a família e a es-
do livro, ela vai fazer uma análise a partir de qua- cola e esses três precisariam ser entendidos,
tro casos de crianças que vivenciavam a situa- compreendidos, de uma forma integral, para
ção da multirepetência na década de 80, ela vai pensar qual intervenção seria construída a partir
fazer uma análise pensando esse grande primei- disso. Isso apresenta um conceito na orientação
ro bloco, os funcionamentos específicos escola- à queixa escolar que é muito importante, que é a
res. E a vida de cada uma dessas populações de construção de rede, mesmo no consultório indi-
um bairro do município de São Paulo. Uma outra vidual, no atendimento, no sujeito, porque o su-
produção que eu quero levantar, mas é de 90, jeito está ali vivendo imerso na rede de relações.
também no campo da psicologia escolar, da pro- Quando recebemos demandas escolares, quan-
fessora Marilene Proença Rebello de Souza, que do se recebe qualquer demanda, na verdade, é
faz um estudo de analisar a formação do psicó- impossível se pensar que aquele que encami-
logo e fazer um estudo a partir das demandas, nhou não faz parte desse processo de produção
das queixas que chegavam nas clínicas escolas da queixa. Isso precisamos entender e precisaria
naquele período e chega a identificar que em de uma certa forma construir a nossa interven-
torno de 70% das demandas que chegavam nas ção a partir dessas referências. Na orientação
clínicas escolas dos cursos de psicologia eram da queixa escolar, tem uma coisa que é muito in-
queixas escolares. E aí, surpreendente mais ain- teressante, que se trata da interlocução, uma
da, quando ela vai analisar quais são os encami- parte do processo de intervenção, interlocução,
nhamentos a partir dessas queixas. Então ela inclusive, com a instituição escolar. Partindo
vai problematizar uma série de questões, de lá para o próximo eixo, esse mesmo conceito de
para cá já tem vários estudos nesse sentido, vá- rede é um conceito que para a assistência social
rios outros que foram sendo feitos, mas é impor- é muito caro, para a política de assistência so-
tante se destacar que o pessoal que trabalha cial deveríamos, inclusive, discutir muito mais
em unidade de saúde, por exemplo, vai poder di- rede. Eu sei que é caro para a educação, eu sei
zer se esse número ainda corresponde hoje, de que é caro para a saúde e a saúde tem uma ela-
um número tão grande de queixas escolares. Ela boração bem interessante nessa discussão de
vai questionar um pouco dessa questão de rede, uma conceituação bem interessante até
pelo tempo que a política tem, de acúmulo de são de casos isolados, mas pensando enquanto
73
discussão. Mas, para nós, na assistência social, uma discussão de rede de território. Isso, infeliz-
ela é essencial e a partir desse conceito de rede, mente, pelas condições em que se encontram os
que eu quero pensar e propor aqui com alguma processos de implantação da política, gestores
reflexão sobre as demandas que chegam na pro- locais de CRAS, embora com muita boa vontade
teção social básica, na proteção social especial, por vezes, e trabalhadores de CRAS, muitas ve-

crianças e eadolescentes
de queixas escolares. Citando algumas deman- zes não tem conseguido fazer esse principal tra-

Psicologia em emergências e desastres

desastres
das, por exemplo, que chegam no CRAS, o des- balho dos CRAS, que seria o trabalho de territó-
cumprimento de condicionalidades no programa rio. Seria um campo importante para ser, de fato,
Bolsa Família, do programa Renda Cidadã, do em rede. Um exemplo se trata dos adolescentes

emergências
programa Ação Jovem. Temos que acompanhar em medidas educativas. A execução das medi-
essas situações de descumprimento. Inclusive, das é responsabilidade dos CREAS e dos casos
uma das situações de descumprimento é a de criança e adolescente atendidos no Paef,

em de
questão da frequência escolar, as crianças do também responsabilidade do CREAS, as situa-

diagnóstico
Bolsa Família, principalmente. Então, essa é uma ções de violação de direito. No caso de medida

Psicologia
demanda, por exemplo, crianças com deficiência socioeducativa, particularmente, temos um
que recebam BPC, sobretudo agora, pela ques- grande desafio hoje que é a questão da matrícu-
tão da atualização cadastral que tem que ser la escolar, o desafio de conseguir efetivar a ma-

caminhos do
até o final de 2018, cada vez mais os CRAS está trícula de um adolescente que está cumprindo
tendo que absorver esse atendimento. Então, uma medida. Embora a lei exija, quando vai a
você tem criança na escola que tem que estar na proposta de lei, é porque o Conselho Tutelar

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
escola, tem o BPC, vai bater também essa de- mandou, é porque o juiz mandou, é porque é al-

e intersetorialidade:
manda no CRAS. Outra demanda são as situa- guma pressão legal. E a outra questão, que para
ções identificadas no programa de atenção inte- mim é mais séria ainda do que a matrícula, por-
gral à família, nos acompanhamentos do PAIF e que a matrícula mal ou bem a gente tem conse-
nos serviços de convivência, que vão aparecer guido, mas matrícula não resolve tudo. Você tem
situações vivenciadas por essas crianças nas matrícula e não resolve tudo, que é a questão

Cadernos
escolas. Por exemplo, situações de violência, si- dos vínculos daquela escola com aquele adoles-

Psicologia, demandas escolares


tuações das diferenças, as questões étnico-ra- cente, daquele adolescente com a aquela esco-
ciais e as questões de gênero, que, infelizmente, la. Nós pouco temos conseguido avançar nesse
não são discutidas nas escolas como se preco- sentido, e, por vezes, nós vamos precisar enfren-
nizou o Plano Nacional de Educação. Então, es- tar, enquanto CREAS, essa interlocução com as
sas questões vão aparecer. Mas o que o CRAS escolas no sentido de pensar a escola nessa
tem a ver com essas questões? A pergunta é rede como responsável por esse processo de
quase retórica nesse sentido. A assistência so- produção de vínculos novos com adolescentes.
cial tem, provavelmente, como seu público prin- Porque, muitas vezes, quando ele chega pra
cipal, o público de criança e adolescente no seu cumprir uma medida, por exemplo, de LA, ele
atendimento. Aí que eu chego quando eu falo da está de dois a três anos fora desse contexto es-
proteção social, especificamente, um ponto, que colar, ou está um ano fora desse contexto esco-
eu acho que tem sido um dos mais desafiadores. lar, mas não sabe ler com 17 anos. Assim e por Cadernos Temáticos CRP SP
Entendo que uma potência dos centros de refe- vezes, o próprio adolescente não quer retornar à
rência de assistência social, os CRAS, seria essa sua escola, por todos os conflitos que foram vi-
articulação em termos de território. Entendo que venciados nos anos anteriores naquele lugar.
o CRAS pode tratar algumas questões, mas os Isso fala dessa relação com a escola, mas fala
casos de queixas escolares que aparecem, arti- dessa relação com a comunidade de uma forma
culando o acompanhamento com o PAIF, na arti- geral também. Quando se trata da questão do
culação com a escola, como os CRAS já fazem, PAEF, a escola é um fator fundamental para o
mas para além disso. Precisamos dar o salto de desenvolvimento da criança e do adolescente e
pensar que o CRAS tem que ter como olhar o ter- para proteção de uma criança e de um adoles-
ritório e em um território temos muitas escolas. cente em relação às violação dos direitos Eu
Precisamos, de uma certa forma, trazer a discus- digo que a escola é muito mais efetiva do que
são das condições dos funcionamentos escola- qualquer serviço que atende pós o período em
res, das situações das escolas, nos territórios, que ela sofreu a sua situação de violência. Ela é
para dentro do CRAS. Não somente uma discus- muito mais efetiva, porque se essa escola traba-
lha com rede, se a rede está próxima dessa es- política. Como é difícil a gente como profissio-
74
cola, ela consegue trabalhar de tal forma que nal desconstruir no nosso cotidiano uma repre-
promove condições pra que essa criança e ado- sentação social da nossa profissão e do como
lescente possa se proteger de uma certa forma nós podemos contribuir pra essas questões a
e buscar recursos pra se proteger. Nesse senti- partir do nosso denominador comum que nós
do, nosso desafio é a produção de espaços de temos no olhar técnico. É importante no nosso
interlocução, nosso desafio é sair daquela coisa, cotidiano, na nossa prática profissional, essas
do lugar do que é meu, do que é seu, do que é da interlocuções micropolíticas, mas também nós
saúde, do que é da assistência, o que é da edu- nos colocarmos macro politicamente como clas-
cação, para partir para o lugar que é nosso. Pre- se, porque a gente fica no eixo da questão, por-
cisamos partir para este lugar de pensarmos que para a gente, nessa representação social, é
juntos aquilo que é nosso e aproximar esse mun- o psicólogo que vai tratar o cara que está com
do das políticas públicas. Sobretudo, do mundo problema lá na escola. Se nessa representação
da vida vivida por esses adolescentes e por es- social somos demandados, então, nós, como
sas famílias. Isso é um imenso desafio, mas eu classe, temos uma função de questionar isso e
entendo que há potência aí, há possibilidade aí. nos colocarmos politicamente.

Lilian: Tem um posicionamento teórico que Cléber: Bom dia, meu nome é Cléber, eu
nós, psicólogos, temos que ter e eu tenho uma sou psicólogo em Diadema. Acho que uma coisa
preocupação quando as pessoas começam a legal aqui é que todos falaram a partir da pers-
dizer assim, “não, não, eu trabalho com um pou- pectiva de servidores públicos, nenhum profis-
quinho de tudo, não, eu não tenho referencial, sional liberal veio falar do atendimento clínico,
mas é mais ou menos assim, ou é mais ou me- todos são servidores públicos e colocaram a
nos daquele jeito”. É muito difícil que consiga- questão no trabalho, da atenção entre o que é
mos uma leitura dentro da psicologia ou dentro individual e o que é coletivo. Vocês colocaram
do referencial histórico cultural, que se consiga também essa relação no serviço público entre
esse posicionamento. micro e macro política, que, na minha formação,
eu acho que eu não tive nenhuma dessas ques-
André: Bom dia a todos, meu nome é An-
tões aqui, acho que era mais de um profissio-
dré, eu sou psicólogo no CRAS, na cidade de São
nal liberal que vai atender em um consultório,
Caetano do Sul. O meu questionamento é: qual
que não precisa perguntar sobre como que é o
é a função social da escola? E isso eu acho que
contexto de vida da pessoa, que o fundamen-
é o eixo norteador, pelo menos na minha con-
tal é entender como é a interpretação que ela
cepção, de toda essa discussão. Qual que é o
faz da realidade que tem. Então não importa se
papel da escola na sociedade? Para quem a es-
ela tem mãe, se ela tem o que comer, se a casa
cola foi construída? Qual é o modelo de escola
dela tem esgoto ou não, coisas que no cotidiano
que nós temos? E pensando nessas demandas
se tornam bastante cruciais. Eu não sei como
escolares, que chega tanto com a saúde, quanto
que está sendo pensado isso em relação à for-
pela assistência social, de evasões escolares,
mação dos novos psicólogos, se é ainda essa
de queixas de comportamento, de questões ou-
ênfase de ideal de profissional liberal que vai
tras, existe uma relação com esse espaço em
fazer uma clínica e as outras questões que já
que esse espaço não contempla a diversidade
tem uma consolidação, por exemplo, na psicolo-
e existem possibilidades outras que não aque-
gia educacional, o quanto ela alcança ou não, os
la que é institucionalizada há anos pra atender
profissionais como ideal de atuação também e
àquelas pessoas em formação. Pensando em
como que fica a questão também da discussão
qual a função social da escola, eu acredito que
do psicólogo como servidor público, que eu acho
nós, como psicólogos, tecnicamente estamos
que é uma coisa mais recente e para qual, pelo
alinhados, independente da corrente psicológica
menos a faculdade até onde eu percebo, não
ou o campo da saúde ou atendendo na assis-
tem preparado as pessoas.
tência ou na educação. Minimamente, nós temos
um denominador comum referente a esse tema Viviane: Bom dia, meu nome é Viviane, eu
que nos provoca. Se nós temos minimamente estou na coordenação de um CRAS desde 2010,
um norteador técnico do como olhar e como em Diadema. E eu fiquei pensando uma coisa
pensar no problema, vê-se como principal fator, que sempre me indaga muito no dia a dia, essa
creio eu, para nós como psicólogos, a questão coisa do CRAS na articulação do território, e aí
eu gostaria de saber um pouco mais sobre o Ana Paula: Eu sou Ana Paula, eu sou psicólo-
75
que você pensa Jean sobre isso. Porque quan- ga, eu trabalho em Santo André, no CAE, e trabalho
do falamos não só para queixas escolares, para com a Isabel, com a Marisa e eu acho que muitas
vários outros temas e várias outras demandas, coisas que talvez alguns de vocês não vivam, nós
sempre aparece isso, o CRAS como articulador podemos viver aqui em Santo André, porque nós
do território. Eu vejo que, para os profissionais podemos usar um pouco dessa parte clínica que

crianças e eadolescentes
da psicologia, isso também é uma questão gran- nós temos na faculdade, podemos usar um pou-

Psicologia em emergências e desastres

desastres
de, porque acho que os profissionais do servi- co dessa nossa relação com a escola. Temos uma
ço social, não sei se pela própria formação, têm equipe bem grande, bem homogênea, trabalha-
uma clareza maior sobre isso. mos com várias outras pessoas também. Vemos

emergências
as técnicas, elas pegam esse tipo de criança, elas
Isabel: Meu nome é Isabel, eu sou psica-
trabalham com isso, elas condicionam aquela es-
nalista e eu trabalho na equipe técnica do CAD
cola. As técnicas fazem isso, elas trabalham o que
aqui de Santo André, que é o departamento de

em de
é melhor para um TEA, para um deficiente, para
educação inclusiva, já há seis anos. Essa articu-

diagnóstico
outras coisas que venham dentro dessa escola e
lação, realmente, está na prática do nosso tra-

Psicologia
nós trabalhamos com essa criança. E como vemos
balho, estamos no cotidiano dentro das escolas,
que é enriquecedor você também poder trabalhar
trabalhando com os impasses das crianças com
dentro de uma instituição, onde se trabalha com

caminhos do
os diagnósticos de deficiência e, realmente,
as crianças que têm as mesmas queixas, como
essa questão da articulação já tive do CAPS, já
isso aparece quando elas conseguem discutir
tive dentro de reuniões junto com a assistência
com elas mesmas, então isso é uma coisa que é
social, e vemos que o trabalho realmente preci-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
muito essencial. Ninguém entra para tratar algu-
sa ser composto. É impossível fazer um traba-

e intersetorialidade:
ma criança sabendo se é especialista naquilo, é o
lho em que as redes não estejam colocadas. O
que você está disposto a se colocar, o que você
desafio com as deficiências dentro das escolas
está disposto a fazer e, na verdade, o que você
faz isso uma radicalidade, de qual é a função da
está disposto a mudar. Então, eu acho que, talvez,
escola para um sujeito que tem multideficiên-
como psicólogo, como psicóloga, nós que traba-

Cadernos
cias, para autistas graves e perguntamos qual
lhamos com indivíduos, deveríamos repensar isso,
é a função da escola. Eu parto na minha prática

Psicologia, demandas escolares


esse outro, essa influência que eu tenho e o que eu
de trazer essa questão para a própria escola.
posso fazer para isso ser passado, porque eu vejo
Então acho que o meu papel dentro da escola é
muitas vezes que nós colocamos muito para as
perguntar como que ela vai construir para esses
mães. Você tem isso daqui, passa, passa para as
sujeitos e para todos os outros, qual é a fun-
outras pessoas também perceberem que elas têm
ção naquela escola, com aqueles professores,
esse direito, que elas também podem isso, que é
naquele momento, com aquela família. Santo
isso que é fazer política também, que ficamos mui-
André me forma todos os dias. Essa formação
to na dependência de alguém fazer por nós. E nós
está também em relação à educação inclusiva,
também podemos fazer cada um no seu espaço e
porque a queixa dos professores é: “a gente não
na colocação que se propõe a desenvolver o seu
foi formado para isso”, e aí eu digo: “eu tam-
trabalho. Agora, o aprendizado, eu acho que é bem
bém não”, então vamos lá. Então, eu acho que
importante de cada um, do que ele está querendo
é diante dessas aberturas que o trabalho vai se
Cadernos Temáticos CRP SP
desempenhar. Acho que essa disponibilidade do
dando. Agora, realmente, as gestões são assim,
indivíduo, que o profissional que trabalha com pes-
realmente é onde vai dar o norte, mas no chão
soas, ele é um material. É um curso todo dia que
da fábrica, pelo menos eu estou lá, então tem a
vai desenvolver, então acho que é a importância de
direção das gestões que vão alinhando, mas eu
pensarmos nesse micro, macro, não só delegando
acho que o trabalho está ali realmente. Eu vejo
para o outro. Participando disso de forma cons-
a potência da escola, é o lugar onde as crianças
ciente e ter a percepção que vai mudar, que a colo-
passam a maior parte do tempo, onde as mar-
cação de como cada um vai se pôr e o que vamos
cas subjetivas estão todas colocadas ali, então,
transformar, inclusive, essas crianças e a escola.
às vezes, até um pouco ingênua, é isso que me
sustenta na minha prática de que a escola tem Nanci: Meu nome é Nanci, eu trabalhei com a
deixado muitas marcas, para o bem e o para o Inês na Prefeitura de São Bernardo. Eu queria saber
mal, claro. É essa aposta de entrar na escola e se têm estagiários de psicologia? Tem assim um
dizer: “vocês têm essa potência”. pessoal que não tem nenhuma experiência ainda?
Participantes não identificados: subjetividade dessa criança. Então assim, como
76
vamos fazer? E aí que entra essa parte das ar-
- Sou estudante do quinto ano.
ticulações. Quantas vezes fazemos articulações
- Também sou estudante, do quarto ano. com o Conselho Tutelar, com saúde. Esse é um
movimento bastante interessante de se estar
Nanci: Eu fiquei curiosa porque uma coisa
dentro e estar fora da escola. Estar fora é nes-
é a fala de quem já tem uma trajetória longa e
se sentido, de poder articular com outras áreas,
outra coisa é falarmos de coisas que parecem
a saúde, a assistência. Um ponto a mais que eu
óbvias, mas às vezes nem são assim tão óbvias.
queria colocar é a importância de o psicólogo
Então, primeiro é o destaque que eu queria fazer
também estar na luta por direitos. O trabalho
à fala da Inês, que é essa questão dessa neces-
que fizemos desde esse que é mais institucio-
sidade de olhar para esse chão da escola, esse
nal, até esse que esta lá no chão da escola, ele
mundinho. E acolher essa angústia do professor,
nunca deixou de ter essa dimensão de brigar e
que a Inês também falou. Que isso eu não dis-
de lutar pelo estatuto, lutamos até o último, até
penso enquanto trabalho do psicólogo escolar
sangrar, eu acho que esse papel político do psi-
ou clínico, mas essa atuação, essa escuta des-
cólogo é fundamental, independentemente da
se profissional, professor, dessa equipe gesto-
concepção teórica, eu acho que precisa ter a
ra. É fundamental essa gestão da escola, esse
consciência dessa importância. Então, ainda que
psicólogo que trabalha desde olhar para criança,
não consigamos reverter tão logo isso, isso fi-
conversar com o professor, conversar com essa
cou e vai marcar a história de São Bernardo, essa
equipe gestora, mas o que se conversa? O que
luta por direito, não só o direito de pertencer do
se fala efetivamente, como é que se faz essa
psicólogo, mas assim, por uma história de São
liga dessa objetividade, com essa subjetivida-
Bernardo, que não tem só a ver com o papel do
de ou essa questão do singular, do particular, do
psicólogo, porque fazíamos parte de uma equipe
universal, essa questão bastante dialética mar-
que tinha fonoaudióloga, assistente social, tinha
xista, então assim, como é que fazemos isso ou
fisioterapeuta, terapeuta ocupacional.
independentemente da concepção? Eu acho que
hoje em dia não podemos negar que essa ques- Participante não identificado: Assim, uma
tão da objetividade é fundamental para você dúvida, essa extinção do cargo foi gerada quando?
entender a questão individual. Há situações do Nessa gestão, na anterior?
cotidiano da escola, por exemplo, a gente evi-
tou muito de fazer encaminhamento para saúde, Nanci: Foi na outra gestão, 2014.
evitou muito, a equipe técnica de São Bernardo
Iara: Bom dia, meu nome é Iara, sou diri-
teve uma atuação nesses anos todos, e só um
gente de creche e já trabalhei com essa equi-
particular, essa equipe está em extinção, por-
pe assim bem completa. Depois essas equipes
que o estatuto extinguiu, colocou a função do
diminuíram um pouco e o trabalho tinha que
psicólogo como um cargo em extinção. Mas as
ser mais coletivo e elas começaram a ir paras
situações mais comportamentais, que envolvem
escolas com as solicitações, respondendo uma
olhar para a escola enquanto instituição e todos
solicitação da escola. Então, tinha uma queixa e
os atores que estão ali, inclusive pensando nas
elas vinham para auxiliar na conduta do profes-
famílias, poder olhar para essa estrutura, para
sor, para conhecer melhor aquela criança com o
esse mundo, muitas vezes é muito interessan-
olhar de psicólogo, com o olhar de fonoaudiólo-
te. O professor falava dessa criança ou mesmo
ga. E, atualmente, essa equipe está muito res-
o diretor falava, quando íamos observar essa
trita, cada psicólogo tem 18 escolas, mais ou
criança no contexto, parecia uma outra criança,
menos isso. A professora se sente mais segura
é bem interessante, porque de fora se consegue
quando tem a observação do psicólogo, quando
observar coisas que muitas vezes o professor
tem esse retorno, o retorno do psicólogo não
não consegue ver, isso é interessante. Poder
acontece só para aquela criança que ele foi
capturar esse histórico da criança, esse históri-
observar, que ele foi chamado. A queixa princi-
co escolar, e ao mesmo tempo saber como você
pal, então, é o coletivo. A criança é da escola, a
intervém, é uma situação bastante complexa
criança não é do professor, não é daquele grupo,
para poder entender, porque às vezes as famílias
a criança é da escola. Então todos são envolvi-
passam por necessidades que são muito com-
dos e o professor se sente muito respaldado.
plexas mesmo e que estão interferindo, sim, na
Alguns casos, a orientação da família fica para
a equipe gestora e, em alguns casos, o psicólo- Jader: Bom dia, eu sou o Jader, sou psi-
77
go entra também nessa questão da orientação cólogo, sou da unidade de saúde da criança e
da família, quando é esse caminho. É bacana do adolescente lá de São Caetano. Dos muni-
porque ele é traçado em conjunto. Não é o psi- cípios que eu já atuei, tanto em São Caetano,
cólogo, não é a escola que decide assim: “esse como em Santo André e também em Diadema,
caso nós vamos atender, vocês atendem”. Não eu não conheço muitos psicólogos que estejam

crianças e eadolescentes
é feito um traçado junto das necessidades da no cargo ou na função [da educação]. Meu lugar

Psicologia em emergências e desastres

desastres
escola, da professora, da turminha, da família. de fala hoje é como psicólogo da saúde, mas eu
já estive na assistência. Parece que fica mais
Participante não identificado: Posso só
fácil integrar aqui de verdade, estamos fazen-
fazer uma questãozinha? Eu acho que nesse

emergências
do atividades muito parecidas e que precisam
livro da psicologia da “Produção do Fracasso
ser juntas, então eu não consigo pensar que só
Escolar”, da Maria Helena Souza Pato, ela traz
tenha psicólogo ou psicóloga na assistência ou
o papel do psicólogo que é o papel muito tra-

em de
só psicólogo ou psicóloga na educação ou na
dicional, daquele psicólogo que olhava só para

diagnóstico
saúde, acho que todos precisam trabalhar jun-
as questões da família, culpabilização da famí-

Psicologia
tos. Um dos avanços que nós tivemos em São
lia, que fazia só encaminhamento, esse psicólo-
Caetano eu percebo que foi muito mais voltado
go que vinha reforçar uma visão tradicional da
para as discussões de rede. Levar caso parece

caminhos do
psicologia que é essa de olhar pra um singular
que não é o mais interessante, ainda vivemos
descolado desse coletivo. Eu acho que em São
essa necessidade de discutir casos de pacien-
Bernardo, ainda que a gente tenha diferentes
tes, de usuários de serviços e isso tem gerado

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
posicionamentos teóricos ou históricos - por
alguns avanços. Os planejamentos estratégicos
exemplo, tem o histórico da educação especial,

e intersetorialidade:
coletivos são avanços ainda importantes e aí a
que é diferente da educação básica -, enfim, tí-
articulação junto com o Conselho, com o CREAS,
nhamos essa preocupação com todas as dificul-
com o CRAS, com a educação, com a saúde, com
dades de fazer um trabalho que era um pouco
o NASF, com todos os serviços trabalhando jun-
diferenciado dessa crítica, porque essa mesma
tos. Com isso, temos tido alguns avanços. Acho

Cadernos
crítica da “Produção do Fracasso Escolar”, feita
que não dá para deixar de dizer que também
pela Maria Helena Pato, foi responsável até por

Psicologia, demandas escolares


desmistificamos essa ideia que muitos profis-
Paulo Freire ter tirado os psicólogos da educa-
sionais da educação tinham de pacientes que
ção e ter colocado todo mundo na saúde. Então,
são usuários da saúde mental. Muitas vezes,
ele considerava que psicólogo na educação era
qualquer tipo de transtorno de personalidade
um atraso de vida.
era um limite e hoje não vemos isso muito na
Jean: Em 87, talvez fosse. prática em vários serviços que conversamos. Eu
trabalho de verdade no ambulatório de crianças
Participante não identificado: É. e adolescentes vítimas de violência, então, se
Jean: Mas depois disso... não tomarmos cuidado, parece que somos su-
cumbidos e parece que fala só de um lugar que
Participantes não identificados: é sozinho. Você só trabalha você mesmo, cada
especialidade separado e não pensa coletivo.
- Isso, depois teve uma mudança, mas já Cadernos Temáticos CRP SP
Então acho que esse espaço para conversar
tinha um movimento no próprio CRP contra esse
hoje, ter reuniões, levar esse pensamento em
tipo de postura, porque também essas discus-
qualquer lugar é fundamental. E eu só queria ter-
sões, a “Produção do Fracasso Escolar”, foi depois
minar com o pensamento que eu tive, que foi de
daquele outro livro que a...
um professor que é da França, Pierre Benghozi,
- Da psicologia ideologista. com certeza muito conhecido por vocês. Ele de
verdade trabalha com psicanálise e psicologia
- Da psicologia ideologista, da “Psicologia
social e em uns cursos que eu fiz no LAPSO, o
e Ideologia”, da própria Maria Helena Pato, isso é
Laboratório de Psicanálise e Psicologia Social,
conversa de velho que já leu Maria Helena Pato,
do Instituto de Psicologia da USP, ele falava que
que participou desse curso da orientação também
não conseguia pensar, que a mesma pessoa que
que a gente fez, muito antes de vocês, certamente.
estava ali sendo atendida, também podia ser
Nanci: Por isso a gente perguntou se tinha atendida na UBS ou por outras políticas. Ele fa-
estudante. lava que parecia que o nosso serviço era muito
desencontrado. É claro que ele traz um contexto assistência. Eu fui estagiária desses dois: na
78
da França, de um país que tem outros avanços, assistência, eu trabalhei com o pessoal aqui em
apesar de todos os processos, mas eu fiquei Santo André, então é muito bacana ter esse per-
pensando que muitas vezes estamos em luga- curso. Nós nos organizamos em núcleos temá-
res fazendo atividades técnicas e metodolo- ticos para discutir a interface da psicologia em
gias muito parecidas e ainda queremos levantar diversas áreas da sociedade. Tenho aqui hoje
bandeira de um único local, de uma única ges- representantes que fazem parte desses núcle-
tão, quando, na verdade, o nosso trabalho como os como representantes da subsede do Grande
psicólogas e psicólogos tem uma atuação que é ABC, o Lucas Lima, ele é nosso representante
muito mais íntegra, muito mais integrada do que no núcleo de saúde, faz toda uma discussão da
tão dividida. Parece que somos o mesmo sujeito saúde, da luta antimanicomial; o Jean é nosso
em todos os lugares, então eu venho pensando representante no núcleo da criança e do ado-
que a separação do conhecimento nos fez pen- lescente; a Andréa é nossa representante no
sar que estamos em lugares diferentes, quando, núcleo de assistência social. É legal termos
na verdade, estamos em lugares muito comuns. o pessoal de São Caetano, porque queremos
nos aproximar da assistência, da lógica de São
Valéria: Bom dia, meu nome é Valéria, vim
Caetano. E eu faço parte de um núcleo, que é
do município de São Roque, junto com a Daiane
psicologia e relações étnico-raciais. Nós temos
e com a Majela. O departamento de educação,
núcleo de justiça, laicidade na psicologia, núcleo
em razão de situações de violências nas esco-
de psicologia do esporte, psicologia e pessoa
las envolvendo adolescentes, começou a fazer
com deficiência e a deficiência, emergências e
reuniões há um mês para pensar esse assunto
desastres, temos sexualidade e gênero. Polí-
e chamar outras políticas setoriais para con-
ticas públicas nós temos uma comissão, uma
cretamente pedir ajuda mesmo. Pensando em
comissão de políticas públicas Crepop, que é o
Winnicott, quando fala do medo de um colapso.
nosso centro de referência que está voltando
Lá não tem psicólogo na educação e foi uma su-
agora, porque nós estamos alinhados regional e
gestão colocada pela proteção social, da impor-
federalmente. O Crepop, para quem não conhe-
tância desse ator.
ce, é criado no entendimento da categoria de
Daniela: Obrigada, já vou passar a palavra que a nossa formação não dava uma condição
para vocês dois. Peço desculpas, pois, no início, para a gente atuar na política pública. Nós nos
não apresentei a Ivani. Vou agradecer a comis- formamos, aparecem os concursos, íamos para
são gestora, Ivani está aqui como representan- os concursos, chegava lá no concurso, falava, “e
te, coordenadora da nossa comissão, ela quer agora, como é que faz?”. Sabemos como é que
dar uma palavrinha e eu também ia falar dos nú- faz e se aprimora, através do Crepop, com pes-
cleos. Vou fazer esse convite também de enga- quisas que são abertas, feitas por nós mesmos
jamento, porque a proposta é exatamente essa, e melhoradas por nós, para dizer como se traba-
ter esse espaço, ter a postura política mesmo lha com a mulher em situação de violência, como
tem sacrifício, fazer esse convite pensando so- que trabalha a população de rua. Eu acho que
bre a nossa proposta dos núcleos. são documentos que dialogam com as políticas
públicas de forma bem bacana e estão com uma
Ivani: Bom dia a todas e todos, eu sou Ivani
metodologia nova.
Oliveira, estou conselheira do Conselho Regional
de Psicologia de São Paulo, e faço a coordena- Jane: Bom dia, meu nome é Jane, eu es-
ção da subsede que nós temos aqui no Grande tou trabalhando no CREAS agora, mas estou
ABC. Pós o nosso processo eleitoral, quando as- na prefeitura há 18 anos. Trabalhei com violên-
sumimos, nós reunimos pessoas que participa- cia contra a mulher muitos anos e agora estou
ram desse processo e tinham todo o interesse no CREAS, aprendendo ainda. Eu estou com um
de colaborar e fizemos um planejamento estra- peso no território muito difícil, e quando fala da
tégico. Nosso processo estratégico tem muito escola, eu me identifiquei, fui lembrando de mui-
a ver com a inserção e reconhecimento social tas coisas que eu vivo e vejo do trabalho que eu
da psicologia como uma ciência, uma profis- faço que, em grande parte, é colocar as crianças
são transformadora da realidade, da realidade na escola, é ver se elas estão bem na escola,
econômica, social, cultural. Porque nós somos criar vaga para elas. No caso dos adolescentes
ousados, ousamos trabalhar na educação, na em medida socioeducativa ou os que estão no
tráfico, eu fico pensando que políticas a gente orientação e queixa escolar também. Na época,
79
podia criar para que eles voltem para a escola o Farina não tinha questão da saúde da família,
e para que a gente pudesse criar um diálogo. Eu hoje está bem mais fortalecido, mas, na época,
fiz bastante visitas em escola, achei muitas ve- ainda era PACS. Então era muito mais difícil para
zes pessoas que não sabem nem o que é o CRE- fazer o grupo de benzo ou fazer esse trabalho,
AS, nem sabem que podem procurar o CREAS e não tinha sistematizada reuniões de equipe, ou,

crianças e eadolescentes
eu me sinto um bichinho, tentando um diálogo quando tinha, ainda não era de uma estratégia

Psicologia em emergências e desastres

desastres
com a rede com essas escolas. Eu tenho procu- de construir junto. Hoje, no Farina, já teve gran-
rado colocar uma forma de me fazer conhecer, des avanços em saúde da família.
pelo menos no meu território, mas é muita coisa

emergências
e os problemas são muito grandes. Eu vejo que Jean: A questão da iniciativa acho que não
os professores estão extremamente isolados, é nem o maior problema, essa iniciativa da es-
parecem engessados. Por outro lado, as crian- cola, iniciativa da saúde. Eu acho que é estra-

em de
ças e adolescentes também não têm como sair tégico o CRAS tomar essa iniciativa, porque o

diagnóstico
dessas circunstâncias em que elas estão. A as- CRAS abrange o território que geralmente tem

Psicologia
sistência é nova, e a política é importante, mas muito mais unidades de saúde, muito mais es-
o fato dela ser nova mostra que ela não está en- colas, do que a região que a escola atende ou a
raizada na população e nós não temos uma rede região que a UBS atende. Tem uma questão de

caminhos do
que possa conversar. Eu penso que, sem essa olhar para o território que pode ser estratégico,
rede de conversa, a gente não vai conseguir ter até pensando do ponto de vista da política da
esse progresso e eu não vou conseguir ter o tra- assistência social. Como isso se dá é um pro-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
balho de parceria com a escola, com os profes- cesso, que não é um processo fácil. Por exem-

e intersetorialidade:
sores, não vou conseguir ajudar essa criança e plo, como um exemplo concreto, com os quatro
esses adolescentes. CRAS do meu território em Mauá, começamos,
há um ano, um ano e meio, a fazer reuniões peri-
Iago: Bom dia, meu nome é Iago, eu sou
ódicas com esses CRAS, observando o que con-
recém-formado, então estou começando esse
seguimos fazer com um CRAS ou outro, pelas

Cadernos
ano a minha carreira como psicólogo. Atualmen-
nossas condições de tempo, de organização e a
te, eu participo do projeto de residência em São

Psicologia, demandas escolares


do CRAS. Conseguíamos avançar um pouco mais
Bernardo, na saúde da família. Especialização,
e começamos a fazer uma reunião de rede mais
equipe multiprofissional, eu acho que são temas
ampliada, não só CRAS, CREAS, mas começou a
que atravessam realmente a saúde coletiva. Nes-
vir o pessoal do NASF, começou a vir o pessoal
sa minha pouca vivência, de três meses, já pude
da UBS, começou a vir o pessoal da UBS da re-
esbarrar com esse assunto e acho que a minha
gião, conseguimos trazer uma escola, inclusive,
questão é mais direcionada à Débora. E o meu
estadual. Às vezes é mais difícil uma interlocu-
questionamento é se você chegou a atender
ção com uma escola estadual do que com as
crianças e adolescentes com queixas escolares,
escolas do território que são municipais. Nesse
como você desenvolveu esse atendimento e se
processo, os serviços vão se conhecendo, vai se
você acha que acaba esbarrando um pouco com
falando sobre o que faz e vai chegando nas de-
a psicopedagogia essa atuação.
mandas, e passamos a ter um olhar coletivo de Cadernos Temáticos CRP SP
Débora: Sim, eu atendia crianças, mas território. Agora isso não é uma coisa que é, de
atendia em uma dinâmica grupal, então eu re- fato, fácil. Precisamos ter autonomia no nosso
cebia os pais, cuidava primeiro da demanda dos trabalho e também reivindicar como trabalhador
pais, enfim, até para entender um pouco a dinâ- a autonomia do nosso trabalho, só que auto-
mica familiar, um pouco do contexto de que es- nomia envolve responsabilidade, e responsabi-
cola ela estava inserida. Depois eu fazia alguns lidade envolve consequência. Então, quando o
atendimentos com as crianças em grupo. Em al- gestor local escolhe, primeiro ele tem que ter au-
gum momento, terceiro ou quarto encontro, eu ia tonomia para isso e reivindicar isso, que é uma
para a escola pedir um relatório. A escola sem- luta. Às vezes o coordenador de proteção, o se-
pre me trazia um relatório e, às vezes, era meio cretário, não quer nem dar nenhum espaço para
padrão. Então, o Jean me trouxe bastante dis- isso, ele tem que reivindicar. Quando ele reivin-
so, onde que senta, qual o histórico, o que já foi dica e conquista, ele vai ter uma responsabilida-
tentado, o que a gente pode tentar junto? Que de nesse processo, mas posicionamento políti-
é um pouquinho da metodologia desse curso de co é isso, posicionamento político nos envolve,
nós estamos ali a serviço de algo, então, se é fazendo essa comunicação inter na maioria das
80
a serviço daquilo, nós vamos ter que lidar com vezes. O quanto isso, dentro da região do ABC,
um certo desconforto. Esse processo que vocês está sendo muito interessante de poder viven-
vivenciaram agora na educação em São Bernar- ciar e que isso não se quebre, que essa rede vá
do deve ter sido altamente desconfortável, mas se ampliando cada vez mais, porque é muito co-
vocês deixaram um legado que foi altamente im- mum que briguemos entre nós e, com isso, não
portante, há derrotas em alguns momentos, há deixe esse enredamento acontecer.
vitórias em outros, e vamos seguindo. O fato é
Participante não identificado: E para
que essa iniciativa vai ser do gestor local, o ges-
complementar e fazer uma questão, já deixan-
tor da secretaria. Gestor local tem uma chance
do levantar, há dois anos, nós começamos um
maior, mas, às vezes, o gestor local também não
processo de diagnóstico de realmente entender
está implicado com esse projeto de política. Às
aonde estão os profissionais na educação, en-
vezes, vai ter que ser uma obrigação dos traba-
tão tínhamos essa dúvida aqui no ABC e che-
lhadores locais e que vai começar dessa forma,
gamos a fazer esse levantamento. A Maria da
porque se for esperar do outro as coisas podem
Penha está aqui junto, ela também faz parte
nunca acontecer. Há contextos que são muito
do nosso grupo de trabalho aqui na subsede
difíceis, há territórios em que é muito complica-
do ABC, e temos conhecimento que eram pou-
do você avançar nisso, mas eu acho que é disso,
quíssimos psicólogos em São Bernardo, alguns
é devagar, mas conseguindo construir, montan-
específicos como uma escola em São Caetano
do ali os tijolinhos para fortalecer aquela rede.
do Sul voltada para pessoas com deficiência,
E uma rede que não só quando aparece casos
mas nada muito significativo. Então a proposta
estourando, mas uma rede que se antecipe, uma
realmente é podermos, tendo esse levantamen-
rede que se planeje, que tenha foco, seja ativa.
to, pensarmos também, a partir dessa conversa,
Lilian: Nós tivemos alguns temas que po- próximas outras conversas e ações para estar-
dem ser pensados, por exemplo, a extinção de mos mais dentro. E pensar, se há uma extinção
cargo, como é que isso acontece; curso de for- do cargo, também enquanto CRP, como que nós
mação, o quanto o curso de formação partindo podemos estar dentro de câmaras, entre outros
das diretrizes curriculares de 2004. Era para não lugares, para exigir isso, para manter, que não se
ter uma divisão entre as áreas do conhecimen- perca grandes conquistas que nós já tivemos.
to, e isso só manteve a fragmentação e tem uma Fica, então, o convite a quem tiver o interesse
preocupação e aí é minha, especificamente, que de participar, de estar conosco nessa luta.
tem a ver com uma pesquisa que eu tenho fei-
to. É podermos pensar em uma base comum da
psicologia que foi a proposta da diretrizes de
2004, só que, a partir dessas diretrizes, houve
a extinção das outras áreas do conhecimento
e prevalece a clínica. Muito parecido com o que
estamos vivendo em uma base comum, mas que
daí o que vamos fazendo então com algumas
áreas que podem ser as menos procuradas ou
as mais procuradas, mas, ao menos, oferecidas,
eu acho que vem de encontro da pergunta da
formação. A questão das especialidades e aí
entra a pergunta do Iago sobre a psicopedago-
gia, como é que vamos dialogar com essas es-
pecialidades? Essa gestão traz não só o núcleo
educação, mas ela vai se chamar núcleo educa-
ção e medicalização, então a questão da medi-
calização que estamos tão preocupados e da
judicialização também está sendo um tema de
integração. Falamos tanto das relações e nós,
psicólogos, somos formados para pensar as re-
lações e o quanto nós mesmos acabamos não
Demandas Escolares: Educação, 81

Saúde e Assistência Social

crianças e eadolescentes
Psicologia em emergências e desastres

desastres
Ione Aparecida Xavier
28/09/2018. Subsede Sorocaba do CRP SP (Porto Feliz).

diagnóstico
Psicologia emergências
em de
Essa é uma atividade do CRP, do Núcleo de Edu- ferentes. Partiu da Secretaria da Saúde, recebe-

caminhos do
cação e Medicalização. Estamos desenvolvendo- mos o convite pelo CRP.
a com profissionais das áreas da educação, da
assistência social e da saúde, para discutirmos - E por que esse tema interessa?

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
a queixa escolar na interface com essas áreas. - Bom, acho que é um tema importante

e intersetorialidade:
Esse é o nosso terceiro encontro e percebemos de discutir. Eu trabalhei na rede, nas UBS’s, e a
que a cada encontro mais colegas vão se apro- maior parte da demanda para a psicologia, para
ximando para contribuir. É uma ação importante a saúde mental que chega na Unidade Básica
e estamos aqui com a convidada Beatriz Paula é de queixas escolares, questão da infância. É

Cadernos
de Souza. Agradeço a disponibilidade da Beatriz, sempre algo bem complexo: quanto a saúde dá
porque ela tem muita experiência na área. E te- conta, mas o quanto é da educação, como con-

Psicologia, demandas escolares


mos que aproveitar hoje essa experiência dela. seguuimos atender essas dificuldades. E vemos
- Acho que dá para todas se apresenta- a tendência à patologização da infância, mas
rem, para vocês se conhecerem e estreitarem também vemos muito sofrimento, muita dificul-
laços, e para eu me localizar e balizar as coi- dade dessas crianças, e a questão escolar, que
sas que vou trazer. Então, vou pedir para todo era algo pequeno, vai se adoecendo ao longo do
mundo se apresentar e falar da sua inserção, o tempo por falta de recursos.
que está esperando de hoje, o que veio buscar,
Renata: Eu sou Renata. Trabalho no NASF
o que trouxe vocês aqui.
Leste, que é o Núcleo de Atenção à Saúde da
Camila: Eu começo. Eu sou Camila. Sou Família. Ele compõe cinco unidades, que são
psicóloga da prefeitura. Atualmente estou na quatroEstratégia Saúde da Família e uma uni-
área de educação em saúde, que é uma área dade tradicional. Como a Camila já falou, eu Cadernos Temáticos CRP SP
dentro da Secretaria de Saúde, responsável acho que a grande demanda de crianças que re-
pela educação permanente dos profissionais da cebmos é relacionada à queixa escolar. A maio-
saúde, e também pelos programas de residên- ria sim, sem dúvida nenhuma. No segundo en-
cia. Eu ajudo na coordenação dos programas de contro conversamos muito sobre a dificuldade
residência multiprofissional, que são dois aqui de fazer uma avaliação que realmente contem-
na prefeitura: multiprofissional na saúde da fa- ple todos esses temas, todos esses aspectos,
mília e multiprofissional em saúde mental com tanto de saúde mental quanto a relacionada à
ênfase na atenção básica. aprendizagem. E também de serviços que pos-
sam dar apoio, oferecer acompanhamento. Com
- E por que você veio aqui hoje? O que te
um prazo maior de tempo para essas famílias,
mobilizou?
para essas crianças. O que temos feito são gru-
- Para mim é muito rico poder discutir o pos de crianças e de responsáveis que abordam
tema e a proposta do CRP de reunir os vários diversos temas. São grupos terapêuticos, com
psicólogos que estão atuando nos setores di- outro formato que não é relacionado exatamen-
te a esse tema, mas em que ele aparece muito lia. Então a escola é um ambiente que também
82
e acabamos tratando um pouco disso também. temos que intervir, proporcionar esse suporte,
Mas é um grande desafio para nós, dentro da que é o que viemos buscar aqui. Eu não tenho
atenção básica, dar conta dessas demandas. tanta experiência na área de educação, minha
formação sempre foi voltada mais para a saúde,
Tatiane: Sou Tatiane, psicóloga do CAPS
então também me interessa pessoalmente.
(J) Aquarela, que é a regional Norte. Tem crescido
muito a demanda de crianças e jovens também, - É interessante. Na verdade, todos nós
tem crescido a demanda de saúde mental. São temos muita experiência de escola, nós estuda-
queixas graves. São poucos os acolhimentos que mos muito.
conseguimos referenciar para a rede de saúde,
para UBS, se for um caso mais leve. Todos os ca- - Mas acho que muitas vezes falar da vida
sos que tem chegado tem sido caso de Caps. Isso da escola é trazer essas reminiscências de coi-
tem nos preocupado. Por conta disso, tentamos sas que já vimos, mas de outro lugar.
manter diálogo com a escola, porque assim como Débora: Meu nome é Débora. Faço resi-
se assusta com esse número de crianças adoe- dência em saúde mental com ênfase na aten-
cidas, a escola também. Tem crescido também o ção básica, fico na região Centro-Norte. Nor-
número de ligações para as escolas, grupos de malmente as queixas relacionadas à escola
reuniões entre nóse a escola. chegam, é a maior parte das queixas que nós
- Vocês chegaram a fazer um levantamento recebemos, inclusive, compreendemos porque
dos tipos de queixa? essa criança está sendo olhada pela escola, a
escola acaba percebendo que estava com uma
- Temos feito agora, com essa grande demanda. dificuldade e encaminha par. A maior parte que
- Quais são as queixas principais? vem lá é hiperatividade, dificuldade de concen-
tração, autismo eTDH, que aparece bastante. E
- Autismo, acho que é em primeiro lugar, tem é uma dificuldade para conseguir lidar, tem que
aparecido bastante. ter o apoio da rede, tem que entrar em contato
- Isso dá para entender porque aumentou. com o CRE (Centro de Referência em Educação).
Eles não estão mais fechados em casa. Não dá para fazer sozinho, nós não damos con-
ta. Vim aqui buscar informação, fazer essa troca
- Sim. E também faz uma reflexão: “Será que que eu acho muito interessante.
aumentou mesmo ou agora que temos, conheci-
mento disso?”. Helen: Meu nome é Helen. Eu sou tam-
bém residente em saúde da família e comuni-
- Também tem que resolver um monte de coi-
dade. Faço parte do NASF Norte que atende
sas sobre o que era autismo e o que não era, agora
cinco unidades, mas ficamos em quatro, que é
resolveram que é.
o Paineiras, Habiteto, Vitória Régia e o Ulisses.
- Também tem a ver com a inclusão escolar. Também partilho do mesmo sentimento aqui na
Todos que tinham problemas ficavam em escolas saúde, a demanda crescente vindo das escolas.
separadas, agora não ficam mais. Estão na escola As queixas também: hiperatividade, autismo,
comum, ou pública ou particular. dificuldade de aprendizagem, dificuldade de
alfabetização. E acho que temos enfrentado o
- E mesmo as reuniões de matriciamento
desafio de pensar essas queixas criticamente,
que fazemos nas UBS’s, percebemos agora a
entender como que isso se dá e como a escola
participação da escola e o quanto é angustian-
também pode contribuir. Existem muitas limita-
te. O bom é que temos tentado compartilhar, a
ções na rede, tanto na saúde quanto na educa-
angústia deles é também a nossa e podemos
ção, assistência social, e precisamos fortalecer
conversar e discutir aquele caso específico.
esse trabalho que também exige muita poten-
Discutimos na nossa reunião de equipe sobre
cialidade. Pessoalmente, é muito bacana estar
a necessidade de marcar uma reunião com o
aqui porque eu gosto muito desse tema, me in-
CRE para discutir alguns casos importantes.
teresso muito pela área da educação.
Acho que é muito importante para nós também.
A criança está inserida na escola, sabemos que Lívia: Meu nome é Lívia. Sou psicóloga clí-
grande parte da rotina dela é na escola, ela pas- nica. Recentemente comecei a participar do Nú-
sa mais tempo na escola do que com a famí- cleo da Educação e Medicalização. Em relação a
esse tema, tenho uma questão muito pessoal, quer médico que pode ir receitando, antes tem
83
que a minha família vivenciou com meu irmão, que esgotar várias outras possibilidades, a Ri-
ele foi diagnosticado muito cedo com TDH. Qua- talina é a última das últimas das últimas coisas.
tro anos. Inclusive, foi receitado Ritalina para ele
- Inclusive, ele tomou floral também duran-
nessa idade. Nós vimos de perto como foi, des-
te um tempo, depois da Ritalina, mas vimos que
de o diagnóstico muito precoce, o estado que
era algo realmente atrelado a nossa vivência

crianças e eadolescentes
ele ficava com o medicamento.... E foi legal que

Psicologia em emergências e desastres

desastres
em casa e que é o jeito do meu irmão, é a par-
percebemos que a escola também teve um pa-
ticularidade dele. Então, isso foi um processo
pel importante ao notar o comportamento dele.
parnós também. Quem está fora, que não con-
Como faz diferença o olhar dos professores, da
vive, geralmente diz: “ah, mas você tem que en-

emergências
diretoria, para o que estava acontecendo. Ele
tender a criança, tem que entender o universo”,
tomou uns 10 dias, no mínimo, e hoje ele não
mas para quem está dentro é difícil. Difícil. Tem
toma mais nada. Depois que começou a tomar
que ter paciência...

em de
o remédio, ele mudou totalmente. Ele tomou 10

diagnóstico
dias porque em casa nós percebemos, e a esco- Sueli: Eu sou Sueli. Trabalho atualmente

Psicologia
la também, que ele ficava separado de outras na prefeitura, na área da Social, no CRAS La-
crianças. Ele sempre foi muito agitado, por isso ranjeiras que é de atenção básica. Já trabalhei
olevamos no psicólogoe no psiquiatra. A profes- com a proteção especial por muito tempo tam-

caminhos do
sora começou a notar esse distanciamento com bém. E tenho uma vivência nessa área um pou-
as outras crianças. Ele ficava muito no cantinho co diferenciada, porque também trabalho em
dele, não brincava mais... E a dose era muito pe- educação, também sou professora, embora eu

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
quena. E eu fico até questionando. Esse assun- lecione para crianças, e sim para adolescentes.

e intersetorialidade:
to me interessa também porque sempre recebo Sou professora de psicologia, mas dou aula de
crianças que já vêm diagnosticadas e medica- biologia. Estou aqui para ter contato com os
das, e penso: “até que ponto isso é saudável?”. demais para saber como estão algumas coisas,
Não está se tornando algo simplista? “Ah, essa ficar por dentro. Por estar nessa Secretaria, não
criança não para quieta, então TDH”, ao invés tenho tido nenhuma participação em coisas de

Cadernos
de pesquisar a fundo. Confiança no médico, no psicólogos, numa reunião mais voltada para

Psicologia, demandas escolares


papel de psicóloga clínica, entender, lógico, o psicólogos e achei interessante, pois também
lado da família, mas também tentar entender a tinha a ver com a questão escolar. Também
escola, o papel dela nesse processo. E a crian- temos nossa demanda de atendimento diário.
ça, o que vai trazer no momento da brincadeira? Aparecem sempre algumas pessoas com quei-
Mas, em geral, acredito que esses encontros xas desses tipos, autismo, déficit de inteligên-
são importantes partrocarmos experiências. Eu cia. Então, a criança não aprende por algum mo-
acredito que tenho muito a aprender ainda, por- tivo, ela tem algum déficit, então o que fazer. Os
que colei grau agora em janeiro. pais, às vezes, estão sem orientação e nós os
encaminhamos, conforme o caso, para o CAPS,
- Você sabe que agora parece que estão se for uma situação mais grave ou uma avalia-
proibindo que receite Ritalina, Metilfenidato, ção, outros casos encaminhamos para a UBS
porque tem outros nomes comerciais: Venvan- mesmo. O médico vai indicar alguma coisa, vai Cadernos Temáticos CRP SP
se, Concerta, antes dos seis anos. Tem certas encaminhar. E na parte da minha vivência no en-
disposições genéticas para certas doenças que sino, o que eu estava falando é da questão da
podem ser disparadas pelo uso do Metilfenida- inclusão escolar. Que a inclusão acabou trazen-
to. E o pior é que os médicos sabiam disso e do várias situações que antigamente a escola
continuavam receitando. não tinha que se deparar, porque tinha uma es-
- Em Campinas, eles conseguiram inclusi- cola especial e aquela criança ia para a escola
ve um protocolo, que na dispensação o médico o especial. Fosse síndrome de Down, fosse autis-
seguisse. Acho que precisamos começar a pensar ta. Mas o que o pessoal tem se queixado muito
isso na cidade de Sorocaba. é da depressão na adolescência e do suicídio,
ou tentativa de suicídio, um índice muito alto.
- O pioneiro foi em Campinas e agoraem Uma escola que eu dei aula o ano passado teve
São Paulo tem outro mais avançado ainda. e A um número muito grande de alunos afastados
Associação de Psiquiatria ficou revoltada, mas por conta dessa situação. Nessa que eu estou
diz que antes de partir para Ritalina, não é qual- também vem casos em que se comenta que o
aluno está afastado porque está enfrentando parecem de fobia social, a criança se isola, evi-
84
uma depressão muito forte. ta o ambiente escolar. Também tem a questão
do bullying, alguma característica faz com que
- Estamos em Setembro Amarelo, quer
a criança não queira mais ir e a mãe fica de-
dizer, o suicídio está em pauta. Acho que você
sesperada porque a criança não quer voltar. Aí
sabe que a faixa etária na qual mais está cres-
demora, passa um período...
cendo o suicídio é entre 10 e 14 anos. Vida intei-
ra pela frente. Muito grave. - Aí perde o Bolsa Família.

Cristina: Meu nome é Cristina. Sou psi- - É, perde, não tem mais a declaração. É um
cóloga. Atualmente trabalho num CRAS. É um problema social complexo.
Centro de Referência em Assistência Social.
- Eu converso muito com o Luiz Saraiva,
Mas logo que eu entrei na prefeitura, em 1995,
que fez uns levantamentos, e uma das coisas
um dos serviços gratuitos que havia na cidade
que ele afirmava que precisava entender é o
era o nosso, que chamava CAF, Centro de Apoio
que estava acontecendo nas escolas, porque
Familiar. Lá eu atendi por 15 anos (imunotera-
uma das exigências é que a criança esteja fre-
pia). E 90% dos pacientes que chegavam para
quentando a escola, mas a criança pode estar
nós estavam em idade escolar. E por quê? Apa-
passando por coisas terríveis na escola e ainda
rece alguma coisa quando ela tem que provar
é penalizada cortando o Bolsa Família.
seu desempenho e era essa queixa que che-
gava para nós. Depois o nosso serviço foi se - O olhar da psicologia no CRAS tem que
ampliando e surgiram outros serviços. A minha ser diferente. Nós temos que trazer a complexi-
presença hoje aqui se deve ao meu interesse, dade da família, mas os critérios que o governo
embora, para quem trabalha com a psicologia coloca, de alguma forma é o jeito de garantir o
social tudo tem que ser de interesse, tudo tem direito da criança de estar na escola, mas a for-
que ser estudado e conversado, porque no Cen- ma como é feito não é técnica, não tem esse
tro de Referência em Assistência atendemos olhar para a família, para o contexto. Então, o
um universo e precisamos estar por dentro de nosso papel é brigar pelos direitos, brigar por
tudo o que acontece. Claro que vai ter as ques- aquilo que acreditamos.
tões pessoais de cada um, por interesse que
- Essa questão eu queria comentar, a ques-
nos debruçamos mais. Mas tudo que tem uma
tão da evasão escolar. Desde 2014 comecei ter
abertura para conversar e reunir, é interessante
mais contato com essa alta demanda que che-
que nós participemos. Foi um convite que che-
gava da escola. E isso, ao longo dos anos, pa-
gou lá no equipamento e se pergunta para toda
rece que foi aumentando muito, e me preocupa
a equipe quem pode ir. Fui eu que pude vir hoje
muito a questão da evasão dos adolescentes.
aqui.
Tem muitos adolescentes que passam um ano
Vanessa: Eu sou Vanessa. Também psicó- inteiro sem frequentar a escola. Isso acontecia
loga de CRAS. Atualmente, estou no Brigadeiro muito nas UBS’s, no consultório também ago-
Tobias. Me interessei em vir pelo documento ra tem chegado, e percebo o quanto nós, como
que vai ser gerado, porque eu acho que nós que psicólogos, estamos limitados. Por mais que se
estamos na prática temos a função de contri- faça uma articulação com a escola, as escolas
buir. E também pela questão escolar, pois re- não têm o suporte para trabalhar a questão e
cebemos muitas queixas de automutilação dos fica bem burocrático. Nós entendemos que a
jovens. Então falamos do suicídio e é uma ques- criança, o adolescente, está em sofrimento, ou
tão gritante. Toda semana a Renata, que traba- por conta de bullying ou até por conta da difi-
lha no Brigadeiro, recebe algum caso. Claro que culdade de aprendizagem, que traz aquele sen-
no CRAS não vou tratar essa questão, mas vou timento de desistir da escola. E aí acabam se
olhar para família, vou acolher, identificar o que misturando várias questões. Tem a falta de limi-
está acontecendo ali. Orientar, claro. E aí com- te das famílias também, que não incentivaram
partilhamos com a UBS. Tem essa questão que esse retorno, esse enfrentamento. Mas a esco-
preocupa muito, e também a evasão escolar. la também não dá suporte, e vai virando aquela
No CRAS um dos papeis que temos é o de pre- bola de neve de sofrimento. Vários casos em
venir a evasão ou garantir e facilitar o retorno que tentei essa articulação com a escola, per-
desse jovem ao ambiente escolar. Alguns casos cebi que têm muito pouco suporte e acaba se
tornando algo bem burocrático, aquela coisa da porque cada um, a partir do seu lugar, pense no
85
escola não se aproximar muito, por falta de um que pode fazer epensarmos juntos em ações in-
apoio de uma equipe de saúde mental ampliada. tersecretariais.
Eu vejo que fica muito na responsabilidade da
- Antes da Ionecomeçar, Beatriz, desculpa,
direção e da coordenação pedagógica da esco-
mas só queria deixar registrado que o pessoal
la, da orientadora pedagógica, que acaba buro-
da educação vai fazer falta. Queria trazer um

crianças e eadolescentes
cratizando isso por falta de estrutura. Eu tenho

Psicologia em emergências e desastres

desastres
pouco do que foi o encontro passado, porque
acompanhado um caso que está se estendendo
a colega estava. E lembrá-las também que nós
desde o início do ano e agora falta um mês e
estamos terminando o ano nessa gestão do
meio para terminar o ano, e não teve presença
Conselho Regional de Psicologia já nos preocu-

emergências
na escola, nenhuma. E mesmo os trabalhos à
pando com a próxima gestão de 2019 a 2022.
distância, eles também não têm o acompanha-
Nós vamos passar pelo 10º COREP, que é o
mento de perto. Nesse caso que tenho acompa-
Congresso Regional de Psicologia, e é impor-

em de
nhado ele entrega alguns, outros não entrega,
tante que, em encontros como esse, comece-

diagnóstico
e na articulação que tentei fazer junto à escola,
mos a pensar em propostas para que esta nova

Psicologia
me sento muito limitada como psicóloga. Como
gestão se preocupe e se debruce em termos de
trabalhar para a reinserção da criança ou do
ações. Eu me lembro que no segundo encontro
adolescente na escola, principalmente do ado-

caminhos do
uma das questões que apareceu é que, com
lescente? E são muitos casos assim, uma eva-
a dificuldade da queixa escolar que aparecia,
são que tem crescido e que é bem assustadora.
também não havia como estender esse traba-
Antes víamos evasão: “olha, há um mês não foi
lho para outros setores, encaminhar as crian-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
para escola porque teve um caso de bullying,
ças, estender a preocupação da queixa que

e intersetorialidade:
um sofrimento, mas está voltando”. Parece que
chegava, por conta da dificuldade também de
cada vez mais temos visto que: “olha, desde
interligação na equipe multi. O trabalho parecia
o começo do ano não vai para escola. Esta há
que ficava meio isolado. E no último encontro
um semestre sem ir.”. E isso tem sido bastante
começamos a nos conhecer um pouco, e conhe-
complicado.

Cadernos
ci a realidade desses diferentes setores. Então,
- Eu acho que é muito bom ver assim, o que essa conversa com a Beatriz hoje come-

Psicologia, demandas escolares


quanto não entramos nessa desistência que çasse com questões que seriam interessantes
muitos que lidam com a educação entram. Você para os próximos anos, por exemplo, a equipe
que está na escola sabe que muit desanima a multi, a evasão escolar com adolescentes, mas
ponto de dizer “desisti, vou lá, faço o burocráti- que pensássemos depois que tipos de propos-
co. Faço o que posso”. Nós estamos aqui, vocês tas gostaríamos que o nosso Conselho se de-
vieram cedo para buscarmos uma saída. bruçasse nos próximos anos para nos ajudar a
enfrentar esses desafios.
- Ela estava falando sobre o aluno que
está fora da escola, vamos supor que ele está Beatriz: Bom, todo mundo se apresentou,
com problema de saúde. Ele não está fora vou me apresentar também para quem não me
totalmente,pois apresentou um atestado, faz conhece. Eu venho trabalhando com área de edu-
trabalhos e às vezes passa. cação faz tempo. Fui uma das psicólogas da edu- Cadernos Temáticos CRP SP
cação do município de São Paulo no tempo que
- Eu acho que vocês estão falando de um tinha 100 psicólogos escolares, que não tem mais
fenômeno que é uma novidade. Essa preocu- há muito tempo. Recentemente foi reintroduzido
pação imensa que os adolescentes estão nos num modelo que pode ser uma fonte interessante
trazendo agora. Quando falávamos de queixa de inspiração. Eu vivi muito dentro de escola, fica-
escolar, falávamos mais dos menores. Agora, va a semana inteira dentro da escola, convivendo
os adolescentes não só estão aparecendo, mas ali no dia a dia, fazia parte das escolas. Uma vez
estão aparecendo com coisas muito angustian- por semana tinha reunião de psicólogos, na sex-
tes: automutilação, suicídio. Acho que existem ta-feira. Depois disso fui para equipe do serviço
fenômenos novos, eu tenho pensado algumas de psicologia escolar da USP, e lá acabamos ten-
coisas, mas acho que tem muita coisa em aber- do mais espaço de experimentação, e nos depa-
to parentendermos esse fenômeno e saber ramos com uma questão de como, para psicólo-
como intervir. Nesse ponto que acho que é mui- go que vai trabalhar em uma escola, a psicologia
to legal termos aqui gente de várias inserções, escolar é algo que vai muito além de uma área
aplicada da psicologia. Como é que, na verdade, desprezando esse tipo de intervenção, eu acho
86
a escolarização atravessa a constituição das que ela é supernecessária. Tem até um livro que
subjetividades contemporâneas, indelevelmente. publicamos que se chama “Saúde e Educação:
Sabemos que a escolarização está praticamen- muito prazer! Novos rumos em psicologia esco-
te universalizada. Todos nós somos muito esco- lar” sobre um trabalho intersecretarial que acon-
larizados. Sabemos muito bem o quanto quem teceu na Zona Sul de São Paulo, que é uma das
somos é impensável sem pensar nas nossas zonas mais pobres lá do Grajaú, em que o pes-
experiências escolares, nas escolas pelas quais soal das UBS’s partiu para fazer trabalhos com
passamos, como eram as escolas, como eram as as escolas, com o pessoal de educação, porque
turmas, quem éramos dentro da turma, se éramos tinha uma demanda impossível de atender e eles
bons alunos ou se não; o nosso círculo de amiza- viam que isso tinha a ver com os funcionamentos
des tem muito a ver com isso, o lugar que ocupa- escolares, com angústia dos professores, e con-
mos na família tem muito a ver com o modo que seguiram baixar a demanda. A demanda diminuiu
foi nosso processo escolar, quem foi bom aluno, porque, muitas vezes, tinha a ver com os profes-
quem deu trabalho... Enfim, é impensável pensar, sores se sentirem muito sem suporte, sem um es-
compreender os seres humanos contemporâneos paço para trocar, para serem cuidados. Eu não sei
sem pensar como foram as experiências escola- se vocês sabem disso, mas os professores são
res deles, e as nossas. Estamos falando de nós a segunda categoria que mais adoece dentre os
também. Isso fez com que ampliássemos muito funcionários públicos. Síndrome de Burnout, de-
o campo de atuação. Então, por exemplo, come- pressão, muitas doenças psicossomáticas. Eles
çamos a trabalhar com outras instituições edu- evadem muito também, tiram muita licença e há
cativas, com ONG’s de contraturno, com CJ, - o muito professor readaptado, porque não pode
Centro de Juventude -, que tem um peso no pro- mais entrar em sala de aula, está proibido de ter
cesso educativo, porque a criança chega nesses contato com o aluno, porque pirou e começou a
lugares e às vezes precisa fazer lição de casa, ou fazer barbaridades. Muito do que eu sei vem dos
às vezes justamente não quer fazer lição de casa. trabalhos de uma psicóloga do trabalho chamada
Também o Conselho Tutelar que toda hora é cha- Renata Paparelli. Em sua tese de doutorado, ela
mado para ver casos de evasão, se a criança fica se debruçou sobre essa categoria profissional. É
sem escola, ou, enfim, muitos casos de proble- interessante que ela viu que os professores que
mas escolares judicializados. Fomos percebendo mais adoecem são justamente os mais idealistas.
múltiplas possibilidades da psicologia escolar. Porque são esses os que sentem mais profunda-
Por isso que também estou me disponibilizando mente os efeitos da frustração. Então, quando
para conversar com pessoas de várias áreas, de vamos participar de uma interlocução com a es-
tudo quanto é lugar, ainda mais tendo criança e cola, é fundamental ter isso em mente.Temos que
adolescente. Eu acho, inclusive, que a psicologia ser psicólogos do professor também, temos que
escolar deveria ocupar um espaço maior na for- ter em mente que estamos com uma categoria
mação dos psicólogos. Bom, uma das áreas que que está em profundo processo de adoecimento.
começamos a desenvolver, e que atualmente eu E que às vezes eles fazem barbaridades por isso.
coordeno, vinculada ao LIEPPE - que é o Labora- Talvez, se eles tivessem outra condição de traba-
tório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas lho, não fizessem jamais, não falassem jamais as
em Psicologia Escolar, coordenado pela Marilene barbaridades.Cena de terror acontecem nas es-
Proença Rebello de Souza -, é o serviço de orien- colas, vocês sabem.
tação à queixa escolar. Uma das coisas que acon-
- Filmaram um aluno jogando papel amassa-
tecia é que vinha muit na nossa porta pedindo:
do em um professor, e ele continuou escrevendo
“atende meu filho porque ele está com problema
na lousa. O progessor falou que não queria que os
na escola”. Nós explicávamos que não fazíamos
alunos fossem punidos, mas que as escolas tra-
trabalhos institucionais, mas éramos muito pro-
balhassem com esses alunos. Apesar de tudo, ele
curados, por exemplo, por pessoas de saúde que
ainda teve essa visão.
estavam insatisfeitas com o jeito como traba-
lhava, que estavam vendo que não davam conta Beatriz: Às vezes alunos estão jogando
porque o jeito como nóscomumente aprendemos papel porque foram muito agredidos também.
na faculdade é para fazer atendimento. E na hora Bom, vou deixar claro para vocês: eu não acre-
de dar um suporte para atuações na escola, nós dito nesse modelo de escola que predomina. Eu
dávamos um bom suporte. Porque não estou acho que temos que ter em mente que a escola
não é assim, Flintstones e Jetsons, sabe? Sem- - Sim, projetos maravilhosos que podem ser
87
pre foi do mesmo jeito, só mudou o cenário fu- feitos.
turista para a idade da pedra, entendeu? Mas
Beatriz: Sim. Não é possívelsó em escolas
o resto é tudo igual, a família tuda igual. Essas
com poucos alunos. A questão é que estamos tão
questões têm marcas históricas, elas têm com-
amarrados nesse projeto de escola que é difícil
promissos históricos, políticos. Esse formato de
criar uma coisa diferente. Mas, se você e os seus

crianças e eadolescentes
escola não encontramos em nenhuma outra cul-

Psicologia em emergências e desastres

desastres
colegas levantarem quem já participou alguma vez
tura, mesmo na cultura ocidental branca, não foi
de alguma coisa criativa, interessante, vemos que
sempre assim. Vamos nos lembrar das nossas.
todo mundo teve suas experiências interessantes.
- É conteudista. Ensina o conteúdo, não Não podemos nos amarrar nisso. Mesmo porque,

emergências
ensina a cidadania, a formação humana. Acho senão morremos, adoecemos, secamos, murcha-
que falta isso também. mos. É cavar os espaços para fazer diferente. Por-
que desse jeito que se faz, já sabemos no que dá.

em de
- É marcada pelo produtivismo, para formar
E se esse modelo de escola já era um problema há

diagnóstico
trabalhador.
tempos atrás, hoje em dia fico pensando “como é

Psicologia
- E trabalhador dócil, trabalhador obediente. que eu aguentei escutar tanta palestra o tempo
todo?”. Porque escola é isso. Palestra, palestra,
- Que aguenta trabalho repetitivo. E tem

caminhos do
palestra. É muito chato. Você que é professora de
outros modos.
biologia. Meu filho estudou numa escola diferente.
- Ontem eu vi duas questões na TV. Uma Sabe quem dava aula de biologia? A professora de
mostrando uma aula de robótica em uma escola, dança. Ela punha as crianças para dançar e dese-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
pelo que entendi é no Sul, em que os alunos cons- nhava os ossos, o corpo das crianças. Ela punha

e intersetorialidade:
troem o robô. Acho que talvez seja ligada ao SESI. as crianças para dançar, e antes da dança, ela
Era uma classe com poucos alunos pequenos que falava, “sente o coração, sente seu pulso. Agora
estavam construindo robô. E depois outro, com você dançou, sente o coração, sente o seu pulso.”.
alunos um pouco maiores de uns 14, 15 anos, que Coração é uma coisa quetodos temos e estuda-

Cadernos
estavam no campo e tinham construído um robô, mos como se fosse algo fictício, aquele desenho
um carrinho que tinha um sensor e não batia nas esquisito cheio das caverninhas nos livros, aquele

Psicologia, demandas escolares


coisas. Aí eu olhei aquilo, estavam estudando físi- sistema hidráulico. Já tem muitas coisas diferentes
ca. E mostrava a relação da matemática e depois acontecendo, e é muito legal ir visitar para ver que
o processo, fazendo o robô. Mas eu estava vendo não é um sonho. Isso está se expandindo na rede
e pensando a diferença que é de uma escola que pública. É possível. Tem experiências já antigas
tem poucos alunos - onde se tem toda a estrutu- nesse ponto. Tem uma referência que eu sempre
ra para fazer um projeto desse tipo e a aprendi- trouxe: teve um curto período que esteve à frente
zagem passa a ter um significado -, para aquela do MEC uma figura chamada Renato Janine Ribeiro,
escola de operários, ou a escola maciça, em que um filósofo. Nesse curto período, ele fez um núcleo
se dá o direito de estudar, mas colocam 40 ou 45 de inovação e criatividade na escola, pôs a testa
alunos num espaço em que não cabem, dentro desse núcleo a Helena Singer, filha do Paul Singer.
daquelas carteiras, os adolescentes tem que ficar E eles fizeram uma ampla pesquisa no Brasil de
sentados. Você vê aqueles alunos e também os experiências diferenciadas de escola, e esse mapa
Cadernos Temáticos CRP SP

de outras escolas que existem, algumas escolas ainda está lá no site, chama-se: Mapa de Inovação
particulares, como aqui em Sorocaba que tem um e Criatividade na Educação Básica. Vou lhes dar
grupo que fez um projeto para NASA. Eles estão um depoimento pessoal. Eu dou aula e chegou um
fazendo um projeto da colonização de Marte, fi- momento que pensei, “gente, estou sendo incoe-
zeram um planejamento das moradias, estuda- rente, porque estou falando que esse modelo é um
ram a questão do oxigênio, da retirada de água, e gerador de queixas escolares, e estou dando aula
uma série de outras coisas. sobre educação.”. No mesmo modelo de um jeito
comum. Estou incoerente. Então comecei a pen-
- Olha o que eles estudaram, gente. Não vão
sar em modos de criar outras formas de ensinar. E
se esquecer nunca.
uma coisa que tem me ajudado muito é que eu te-
- Sueli, eu conheço trabalhos muito diferen- nho procurado estar nesses movimentos de edu-
tes que são feitos em escolas municipais, escolas cação diferente. Então, por exemplo, no Facebook
públicas enormes. vocês encontram a Rede de Educação Democráti-
ca, Rede Nacional de Educação Democrática; tem - Isso. E aí o professor fica mais feliz, se diver-
88
a CONANE - que é a Conferência Nacional de Alter- te. É importante nos divertir quando trabalhamos.
nativas para uma Nova Educação, que faz confe-
rencias maravilhosas. Há duas semanas teve uma Beatriz: Mas tem uma culpa. Eu passei por
edição da CONANE em São Paulo e ano que vem, isso. Comecei a inventar um monte de coisa. Por
em setembro, vai ter a edição nacional. As pesso- exemplo, se o tempo está bonito eu falo que te-
as saem de lá cheia de gás, porque é um monte de nho a minha sala verde e os meus móveis são es-
gente esperançosa, criativa e que vai mostrando teira de palha e vai todo mundo para fora, tomar
que dá para fazer diferente. Criatividade é uma solzinho. Para que ficar fechado dentro de quatro
professora de inglês que faz com os alunos uma paredes? Tem um motivo. A nossa escola é racio-
peça de teatro. Um grupo de crianças vai fazer o nalista e a sala de aula é feita para isolar os sen-
Shrek, com os personagens do desenho. Eles veem tidos, isolar o corpo e deixar só a luz da razão. É o
o filme, os personagens e estudam. Assim vão cogito cartesiano. Os sentidos são fonte de enga-
aprendendo inglês, para fazer a apresentação. É no. Vocês lembram quando estudamos Descartes?
um estilo de trabalhar. Outro professor, de história, Os sentidos, a emoção, a espiritualidade, tudo isso
pode trabalhar com adolescentes a Idade Média atrapalha a luz da razão. Então fazer um laborató-
e fazer uma feira, uma exposição, só com coisas rio de supressão de corpo, de tudo, para ficar só a
da época. Então dá para fazer uma dramatização, luz da razão, olhando para o professor, as relações
apresentação, tipo uma feira de ciências, mas com também atrapalham. E já temos distância histórica
os aspectos daquilo que estavam estudando. Um para perceber que, apesar de a ciência ter propor-
professor de matemática que tem vários jogos di- cionado uma série de avanços em tudo que temos
ferentes, que ele mesmo criou, umas coisas mara- no corpo, já estamos vendo os limites da ciência
vilhosas. As escolas estão cheias de jogos. Aí ele que acaba tomando uma autonomia e afogando
utiliza isso lá na sala de aula, são coisas assim. uma série de outras necessidades, características
E os professores precisam partir para essas coi- humanas. E uma das coisas que está trazendo um
sas, porque senão todo mundo fica doente. Tem sofrimento dramático e uma desistência da vida
escolas que têm mais espaço, tem escolas que para os adolescentes é essa impossibilidade de
não têm, mas não podemos perder isso. Eu estou se realizar como ser humano integral, de realizar
trazendo essas questões porque acho que é im- outras possibilidades humanas. E tem a tecnolo-
portante ter em mente que uma das atuações que gia afastando as pessoas. É assustador como hoje
podemos ter é oferecer espaço para os profes- em dia não fazemos um telefonema para bater um
sores se expressarem, para colher angústia, mas papo. Tudo agora é mensagem de texto e isso tem
também para fomentar a criatividade, para resga- um custo, que é o afastamento. Essas imagens
tar saberes, experiências diferenciadas de ensino, assustadoras de pessoas passeando no parque
porque eles têm... Experiências essas que foram e todo mundo olhando no celular. As crianças que
eficientes inclusive do ponto de vista do conteú- viajam não olham a paisagem. E a escola é uma
do, porque, muitas vezes, se faz uma cisão: “Agora instituição que é potente para reverter essas coi-
é hora de cuidar das relações.” E temos que tomar sas, tanto que, por exemplo, o meu filho é ligadíssi-
cuidado, nós psicólogos também, para não operar mo em tecnologia, mas adora ir para um acampa-
dentro dessa cisão. Porque parece que estudar é mento de férias em que é proibido entrar qualquer
uma coisa séria, sisuda, parada e que não pode aparelho eletrônico. Ele passa duas semanas lá
conversar, e essa é a hora do conteúdo. Depois e eles têm um monte de atividade, de interação,
tem a hora de penduricalho “vamos cuidar das re- de área verde, de jogos, brincadeiras e tudo. Gen-
lações, vamos discutir agressividade. Vamos fazer te dessa geração. Ele sai de lá alimentado e não
arte. Vamos fazer horta”. Não, gente! Como é que sente a menor falta de celular. A emergência des-
fazemos para isso tudo estar integrado? Como se se sofrimento imenso e da desistência da vida é o
criam modos de trabalhar em que as relações se- que tenho pela frente num mundo inóspito. E uma
jam cuidadas e que a aprendizagem de conteúdo fragilidade imensa. E a escola tem uma potência
esteja lá? Uma coisa muito básica, por exemplo, é para reverter isso, pois é é um lugar que junta muit.
trabalhar com pequenos grupos ou fazer teatro de De famílias cada vez menores, não tem mais aque-
temas históricos. Uma excursão para o museu e la situação em que você fica em casa e tem mais
a excursão em si, o estar junto, traz mais vivência cinco irmãozinhos para brincar, para brigar, para
e aprendizagem do que se estiver na sala de aula ter uma vivência democrática, porque tem que es-
falando algumas coisas. tabelecer regras, tem que fazer uma república de
crianças. Não tem mais isso. Vive-se uma solidão muita queixa, por exemplo, de problema de memó-
89
atroz. Nós estamos vivendo cada mais solitários, ria e suspeita de déficit de memória. Vocês não re-
o que impacta a prática do psicólogo também. Por- cebem queixa de problema de memória? E aí não
que esse modo que aprendemos a ser psicólogos, é aplicar WISC e ver o subteste de memória. Uma
que é aquela coisa distante, nesse sofrimento con- coisa que não fazemos é usar instrumento padro-
temporâneo que temos de desumanização e de nizado. Porque as pessoas não são padronizadas.

crianças e eadolescentes
solidão, não serve, é aprofundamento desse tipo Às vezes a forma de expressão da capacidade de

Psicologia em emergências e desastres

desastres
de sofrimento. A nossa prática tem que ir se adap- memória daquela criança não é mesma do WISC.
tando às necessidades contemporâneas. Algo complicado que talvez vocês se lembrem é o
subitem de raciocínio matemático do WISC. É igual
- A sensação que eu tenho é que a tecno-

emergências
a provinha de matemática da escola. “Joãozinho ti-
logia está evoluindo e temos que evoluir junto. Eu
nha três laranjas e ganhou mais duas. Com quantas
fico na dúvida sobre a proximidade que as crian-
laranjas o Joãozinho ficou?”. Agora imaginem como
ças, os adolescentes e todos nós vivemos agora

em de
é para uma criança que está mal na escola, que fica
em relação à tecnologia. Se entrarmos num vídeo

diagnóstico
em parafuso quando está em situação de prova e
do Youtube, por exemplo, e olharmos os comentá-

Psicologia
o psicólogo está aplicando aquilo que ela reconhe-
rios, os adolescentes desabafam tudo lá. Eles se
ce como uma prova de matemática. Vocês acham
dão força, se relacionam e parece que o vínculo de-
que ela vai estar em boas condições de expressar

caminhos do
les está totalmente atrelado a esse mundo digital.
suas estruturas de pensamento em matemática?
Beatriz: Sim. E aí tem uma coisa muito im- A criança pode receber um diagnóstico errado. É
portante. Quer dizer, os adolescentes têm voz. Eles perigoso, inclusive, de ser diagnosticada com De-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
têm voz. Só que, na escola convencional, eles não ficiência Intelectual. O que faremos, então? Vamos

e intersetorialidade:
têm espaço para essa voz. Eu já vi essas coisas pesquisar o universo daquela criança e trabalhar
acontecerem lá no nosso atendimento, de menino dentro do registro da potência. Se quisermos fazer
que não se adaptava de jeito nenhum, que deto- um diagnóstico das habilidades, das capacidades,
nava a escola. Então, ele oi para o grêmio, virou das estruturas, inclusive do ponto de vista psíquico
um líder maravilhoso e passou a canalizar aquele de lidar com as emoções, de lidar com situações re-

Cadernos
embate que tinha com a escola para construção de lacionais que aquele sujeito tem, temos que dar as

Psicologia, demandas escolares


uma escola melhor. Eu acho que temos aí o exem- melhores condições para isso se expressar. Então,
plo recente das ocupações estudantis de secun- quando receber uma criança, é melhor conversa an-
daristas. É uma geração que se automutila e que tes com quem tem uma demanda. Quando recebe-
desiste da vida, mas viram a vitalidade que foram mos, não só escutamos a demanda, nós trabalha-
esses movimentos? Precisamos contribuir para mos o tempo todo na perspectiva da integralidade.
construir uma escola onde os alunos tenham voz. Então, não separamos diagnóstico de atendimen-
Porque aí vem o movimento vital, aí a vida vale a to. Quando alguém vem fazer uma entrevista inicial,
pena e existe esperança. Inclusive, o pessoal que digamos, uma mãe, chega para o psicólogo e fala
vem dessas ocupações passou a adotar práticas que o filho está com problema na escola e que ele
diferentes.Eles mostraram o quanto têm de capa- não aprende ler e escrever direito, e nós pergunta-
cidade de transformação. Eu entendo que nós, psi- mos para essa mãe “como foi a sua gravidez?”. O
cólogos, temos um papel muito importante de me- que você, como mãe, acharia que o psicólogo está Cadernos Temáticos CRP SP
diação. Chegam par crianças e os adolescentes em pensando? O motivo do menino ter problema na
sofrimento e na orientação nós acolhemos, ouvi- escola?
mos, descobrimos, trabalhamos e potencializamos
essas crianças. Inclusive, dando espaço para elas Participante: Deve ser o pensamento de
falarem do dia a dia na sala de aula, para falarem que é culpa sua. “Como foi sua gravidez? Você
do caderno escolar, das dificuldades de conteúdo amamentou?”.
que têm. Porque muitas vezes nós pensamos: “ah,
Participante: Se foi parto natural ou cesárea.
isso aí não é ação de psicólogo, é uma ação de pe-
dagogo”. Se ele tem um sofrimento em relação com Beatriz: É. Isso tem efeitos, as pessoas rea-
um objeto cultural, isso é ação de psicólogo, é do gem. Temos que pensar na realidade integral por
âmbito das relações. E nós temos uma formação causa de tudo que fazemos. Então, não tem anam-
para perceber quais são as estruturas de inteligên- nese padronizada, nós vamos fazendo as pergun-
cia que estão ali postas, quais são as funções psi- tas que tem sentido. O que é a pergunta natural? É
coneurológicas. Existem muitas questões. Recebe a que vai no fluxo. Claro que não estamos neutros
nisso, pois temos a nossa formação, temos as tem criança de cinco anos entrando no primeiro
90
nossas concepções de como a queixa escolar ano. Vocês sabem disso? Eu tenho como hipótese
emerge e é produzida. Mas isso não é padronizado. que isso tendeu a produzir queixas escolares. Te-
Um menino é superinteligente na conversa perce- nho visto muita criança, por trás desses casos de
bemos que não há uma suspeita de que tenha TDH, que eu nunca comprovei nenhum. Fizemos
acontecido nada traumático quando ele era ne- um levantamento recente de quantos casos te-
ném. Tem sentido perguntar como foi a gravidez, mos ficha e prontuários lá que é de 2000 a 2016,
se ele engatinhou, com que idade que engatinhou? contabilizamos mais de mil e cem e nunca vi esse
Se o fluxo está mostrando que talvez seja muito tal de TDH. Se investigamos tendo por fundamen-
mais importante perguntar “como é que é a classe to essa ideia de que a queixa escolar é um emer-
do seu filho? É uma classe calma?”. Porque se a gente de uma rede de relações que tem como per-
resposta for que ele é muito agitado, cabe pergun- sonagens principais a criança, o adolescente, e
tar se ele é muito agitado, a classe é agitada tam- hoje em dia até adulto, porque temos recebido es-
bém ou ele está numa classe calma. Temos que ir tudantes universitários - porque faculdade é esco-
fazendo as perguntas que fazem sentido parcom- la também. É fundamental resgatar a história, prin-
preender quem é aquele menino e em que contex- cipalmente a história de escolarização. O nosso
to ele se apresenta daquela maneira. Nós somos atendimento implica necessariamente, com raras
seres sociais, somos sempre seres em relação, exceções, com pelo menos uma visita à escola
sempre temos que investigar o contexto. História para dialogar. Antes de ir pra escola, mandamos
escolar e notas não serve.Será que a professora um questionário, porque essa ida tem que ser mui-
dele era frequente? Quantos professores ele teve to bem aproveitada e não tem como ficar indo mui-
no ano? Ele está numa escola organizada? Nós to às escolas, por isso essa visita tem que ser mui-
psicólogos temos que ter em mente: em toda quei- to bem preparada. O questionário é curto, com
xa escolar temos que estar por dentro de como é o perguntas que convidam uma relação, em que dei-
mundo da escola, porque a queixa é escolar. Pare- xamos claro que consideramos que o professor
ce óbvio, mas nós não aprendemos a fazer pergun- não é só um observador que nos conta coisas, mas
tas para investigar o contexto escolar, não só o que é alguém que pensa, alguém que significa, al-
contexto atual como a história. Então, na história, guém que tentou coisas,. Então perguntamos o
por exemplo, pergunto quando a criança começou que ele está achando dessa situação, assim como
a ter desencontros com a escola. “Olha, foi quando pedimos que descreva como é o aluno em sala de
ele entrou no fundamental 1”. “Ah, estava antes”, aula. Tambpem é bom levar em conta o contexto e
“ah, ele adorava ir na Emei, ele estava feliz da vida indagar como é que é a sala. Tem a pergunta sete
na Emei, não tinha queixa nenhuma, ele brincava, que quer saber qual é a história de escola desse
ele já estava até aprendendo a ler e escrever. En- aluno. Por que escolas ele passou? Como eram as
trou no primeiro ano só reclamação, e agora ele classes? Os professores eram frequentes? Essa
vomita pra ir na escola, passa mal”. “Ah, estava pergunta não volta respondida. Tem um mito de
muito bem na Emei, não tinha queixa, fazia os tra- que as escolas sabem a história das crianças. Não
balhos, estava se desenvolvendo, se relacionava sabem. É muito raro. Um dos papeis que sentimos
bem, gostava, tinha um bom vínculo com a escola.” como um dos mais potentes do psicólogo é resga-
Que ótima notícia, já tem um monte de coisa que tar essa história. Já teve caso de professora que
eu posso descartar. Esse menino não deve ter dé- estava fazendo um excelente trabalho com o me-
ficit cognitivo nenhum se estava aprendendo tão nino, mas o menino não estava bem. Quando tra-
bem num lugar onde ele podia ser criança. E aí te- zemos a história, perguntamos se a professora
mos que estar por dentro que existe uma política sabe como o aluno estava no ano anterior e enfa-
pública. O psicólogo precisa entender de política tizamos a mudança, ressaltando o trabalho mara-
pública em educação, senão tem umas coisas não vilhoso que ela está fazendo. E a professora muda
vão entender. Como é que pode estar com 14 anos, a relação, porque ela se torna esperançosa. Um
estar no sétimo ano e não estar alfabetizado direi- sentimento que temos que observar para ver se
to? Tem que estar por dentro das políticas públicas está instaurado ou não é o da esperança. Se não
de educação e dos funcionamentos escolares que tem esperança, não tem movimento, não tem in-
produzem esses fenômenos, parcompreender e vestimento. Isso levando em conta que o sujeito
dialogar com a escola. Tem uma política pública da nossa intervenção é a rede, não só aquele que
que quer ampliar o ensino fundamental de oito chegou para nós. Então, temos que buscar poten-
para nove anos, o que implicou que, hoje em dia, cializar pelo menos os integrantes principais da
rede, a família e a escola. Potencializar as relações. lecimento, primeiramente, sem entrar numa coisa
91
Se a escola e a família não se conversam, vamos de negação de sofrimento, de não acolher o sofri-
ver como podemos fazer para essa relação se po- mento, sem entrar nessa loucura contemporânea
tencializar. Estamos muito mais com a criança do que temos que posar de feliz o tempo todo. Essa é
que com os outros, mas temos que ter o tempo uma das fontes da medicalização, as pessoas es-
todo em mente que estamos atendendo a rede, e tão desaprendendo a sofrer. A indústria farmacêu-

crianças e eadolescentes
achando os espaços pra trabalhar com essa rede. tica fomenta isso e temos que ter isso claro. É um

Psicologia em emergências e desastres

desastres
Um dos dispositivos mais potentes que consegui- mecanismo de medicalização para nos fazer pen-
mos armar foi de fazer grupo de criança e trabalhar sar que sofrimento é uma coisa ruim. Para que so-
com grupo é muito legal, quem trabalha com grupo frer? Toma um remedinho. Mas o sofrimento faz

emergências
já deve ter sentido isso. Porque quando trabalha- parte do processo de desenvolvimento, de fortale-
mos com queixa escolar, estamos trabalhando cimento. Eu tenho para mim que isso também é
com fenômenos que são eminentemente coleti- uma das fontes dos suicídios e das fragilidades

em de
vos, e que são apresentados para criança e para dessa nova geração, porque eles são uma geração

diagnóstico
família como sendo de ordem individual. Quando que aprendeu que sofrer é alguma coisa muito er-

Psicologia
chamam os pais para conversar na escola, dizem: rada. Então acha um jeito de escapar do sofrimen-
“o seu filho”. E, geralmente, não é só seu filho. O to, tomar Rivotril, Ritalina, e temos que ter muito
seu filho não está acompanhando, mas é ele e cuidado com isso porque as pessoas tomam Rivo-

caminhos do
mais quantos? Se for mais da metade da classe, é tril, Ritalina e outros remédios a torto e a direito. E
diferente. Os grupos costumam ser muito poten- o sofrimento é uma coisa importante. Vou dar mais
tes para resgatar o que é de caráter coletivo, por- exemplos pessoais. Meu filho perdeu o pai. Foi uma

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
que o que um está passando, o outro também. Um barra pesadíssima. Pode parecer contraditório,

e intersetorialidade:
dos dispositivos mais potentes que conseguiu ar- mas as pessoas chegavam para mim e falavam:
mar foi de ter os grupos de crianças e os grupos de “vai fazer uma terapia”. Eu falei: “por que eu vou
pais. Porque claro, se é uma rede, quanto mais en- fazer uma terapia? Estou sofrendo, estou deses-
tradas temos, se trabalhamos bem mais, aumen- perada, estou passando por coisas dificílimas e é
tamos as possibilidades dessa rede se potenciali- isso mesmo que eu tenho que sentir, não estou

Cadernos
zar. Não temos muito como trabalhar com os sentindo essas coisas de um jeito desproporcio-

Psicologia, demandas escolares


educadores também, mas talvez vocês tenham. E nal, não estou desestruturando, então não tenho
é isso, quanto mais entradas na rede, melhor. Tra- que fazer terapia”. Gente, nós somos psicólogas,
balhar as relações, potencializar as relações. Por temos que ir na contramão disso de ser medicali-
exemplo, muitas vezes os pais desistiram de ir à zante. Temos que trabalhar no sentido da autono-
escola porque muitas chegavam lá e eram escula- mia do outro. E sofrimento é fonte de desenvolvi-
chados, desqualificados, sentiam falta de amor, de mento, desde que seja num nível insuportável.
atenção. Existem os pais abandonadores e têm Perdi o fio. Por que eu falei disso?
uns pais que não são nada abandonadores, mas
Participante: Sobre a questão do suicídio
que não conseguem mais ir à escola só para ouvir
que você tava falando e do sofrimento que é na-
falar mal dos seus filhos. Porque as escolas têm
tural. Quer dizer, o enfrentar o sofrimento deveria
um funcionamento que despotencializa todo mun-
ser natural.
do, sempre vendo o que não está bom, o que falta. Cadernos Temáticos CRP SP
Vocês podem até ver, por exemplo, as escolas cos- Beatriz: Por isso que trabalhamos na orien-
tumam ter o livro das ocorrências, igual o de dele- tação à queixa escolar com terapia breve. Tem al-
gacia, onde ficam anotas todas as barras pesadas. guns dispositivos que não são muito valorizados
Podiam fazer também um livro das ocorrências ba- quando fazemos nossa formação, inclusive porque
canas, potentes. Mais exemplo da minha vida pes- não é interessante do ponto de vista mercadológi-
soal. Fui à reunião de pais na escola. Depois nas co. Para que você vai fazer um grupo se você pode
conversas particulares com cada professor, um de- atender cada um individual, você ganha mais. Só
les falou pra mim, “ah, você é a mãe do fulano? Ah, que quando pensamos em saúde pública acaba
eu não tenho nada para conversar com você, não, virando um problema. Uma coisa que descobri-
está tudo bem”. Podiam conta das coisas boas, mos: grupo é difícil de organizar. Porque tem que
das gracinhas, das coisas que aprendeu, das coi- ter alguns critérios, tem que cruzar os horários e
sas que evoluiu, da potência. Eu entendo que em tudo. Uma coisa que descobrimos é que é muito
todos os tipos de relação e em todo tipo de aten- legal trabalhar em dupla, atender em dupla. Porque
dimento tem que haver foco na potência, no forta- a dupla é facinho de organizar e a dupla já dispara
fenômenos de grupo, não é à toa que achamos di- às vezes conseguimose, se não uma transforma-
92
fícil atender grupo, é mesmo. O grupo é de uma in- ção da escola toda, conseguimos criar uma ilhazi-
tensidade...que, se não temos muita prática, é mais nha de desenvolvimento ali. Porque professor tem
legal começar trabalhando em dupla, porque um isso, ele não consegue transformar todo o traba-
deixa a peteca cair, o outro segura. Distribuímos lho dele, mas aquele menino lá, ele consegue uma
mais aquela intensidade toda que o grupo traz. É coisa. Todo professor tem uma história orgulhosa
um dispositivo diferente. Temos que pensar qual o para contar, “ai, daí aquele aluno, ele tava terrível,
tamanho de grupo que nos sentimos prontos para mas eu consegui, eu tentei por aqui, por ali e eu
manejar. Mas enfim, precisamos aprender mais consegui mudar”. Às vezes, ele não conseguiu mu-
sobre grupo, sobre terapia breve. Terapia breve é dar o trabalho em geral, mas com aquele aluno, ele
sensacional. Trabalhamos com esse contrato e pa- fez uma coisa diferente, porque os professores às
rece que encaixa muito na vida escolar, porque é vezes não arrumam, mas é como perceber que nas
um trabalho que cabe num semestre letivo. Então condições piores, ele consegue prestar atenção,
parece que segue o tempo escolar. O time escolar. tem 40 alunos na classe, mas ele conseguiu pres-
No contrato já falamos: “olha, nós vamos trabalhar tar atenção naquele menininho e fazer uma coisa
com alguma coisa entre dois e três meses”. Em ge- que entrou na necessidade do menininho, o meni-
ral, cerca de 10 encontros com a criança, fora isso ninho saiu do buraco e deslanchou. Dentro de uma
tem os encontros com os responsáveis, e fora isso estrutura que é toda homogeneizadora, toda pa-
tem uma ida na escola. Esse contrato já convoca, dronizadora, mesma lição para todo mundo, mes-
já tende a fortalecer as forças de vida. Em todos. ma aula para todo mundo, mesma prova para todo
No psicólogo também, porque sabemos que nós mundo, e os professores conseguem achar esses
temos aquele tempo para ver se dá conta. Tem espaços. Winnicott fala, por exemplo, do fenômeno
dois livros que eu acho que são muito legais. Um do terapeuta como objeto subjetivo. Vocês já ti-
é um clássico, é do Winnicott, chama “Consultas veram a experiência de estar doente, ir ao médico,
Terapêuticas em Pediatria”. É um livro que é muito olhar pra cara do médico e melhorar? Começar a
leve, porque ele conta casos que ele atendeu e que melhorar ali na sala de espera? E uma coisa muito
ele atendeu em um encontro. Ele introduz vários interessante que acho que abre nossa percepção,
elementos teóricos de por que é possível fazer um é de que é importante acolher essa idealização, ela
trabalho breve e ser extremamente potente e ser produz autocura, porque nós sabemos do que pre-
transformador de estruturas. Ele foi o único cara cisamos, sabemos as saídas pras situações adoe-
que, para mim, explicou uns fenômenos que quem cedoras que estamos. Primeiro encontro é um mo-
passou por terapia conhece. Acontece tanta coisa, mento sagrado, procuramos estar nos lugares que
sacamos tanta coisa, melhoramos muito. Depois, percebemos que o outro precisa que estejamos.
parece que entra num ramerrão. “Não, mas agora Se o menino está quieto, vemos que ele está pre-
ainda precisamos trabalhar não sei o quê.” “Não, cisando de ajuda para começar a falar, então não
mas tá bom”, “não, mas ainda precisamos traba- deixamos o silêncio pesar até ficar aquela coisa
lhar não sei o quê”. “É verdade, é verdade.” E não constrangedora. Existe uma idealização, nos dei-
ficamos 100% nunca. Se tivermos isso como ob- xamos ficar nesse lugar idealizado e vamos traba-
jetivo, vamos prender os coitados dos pacientes, lhando o fortalecimento do outro, para depois ele
porque aí é paciente porque tem que ter uma paci- se libertar de nós. É uma coisa muito sutil porque
ência, é para a vida inteira. Isso é medicalizante. Se tem toda aquela coisa do suposto saber que é um
o trabalho é para autonomia, o nosso objetivo tem lugar de poder que não temos que entrar, mas para
que ser de potencializar e mobilizar essa rede, para sair desse lugar não é uma coisa assim tão sim-
que ela possa fazer uma inflexão no seu movimen- ples, nesse primeiro movimento temos que acolher.
to ou de paralisia ou de adoecimento, de modo que A maior parte do livro é ele contando casos. Ele
ela passa a caminhar no sentido do desenvolvi- trabalha muito com aquela técnica do desenho...
mento de todos, não é uma coisa adaptativa. En- o rabisco, mas daí não temos que sair imitando o
tão, eu tenho uma escola e uma família que estão Winnicott, ele trabalhava bem com o rabisco, as
tudo danado, e eu entorto o menino para ele se crianças geralmente topam um desenho, gostam
encaixar melhor. Não. Temos que ter em mente o de desenhar. Mas pode ter outra criança que o ca-
desenvolvimento de todos. E se não conseguirmos minho melhor seja outra forma de expressão, ou
a transformação de todos, às vezes não consegui- que não goste de desenhar. Não temos que imitar
mos a transformação da escola, mas a família está nada, temos que criar nossas coisas. Bom, outro
mais pertinho e às vezes conseguimos mais. Mas livro que eu queria dar de referência para vocês é
um que se chama “Terapia Breve”. É um livro pe- chama muito atenção. Fica claro que é muito difícil
93
queninho, precioso, de um psicanalista chamado nos aproximar, então acaba recaindo muito sobre
Mauro Hegenberg. Eu gosto do livro até metade, a saúde ter que iniciar esse contato.
a primeira parte é muito esclarecedora. O Mauro é
Participante: Mas temos que iniciar. Mas
um psicanalista muito experiente e trabalha tan-
acho que é uma cultura de que a saúde tem que
to com a abordagem breve quanto a abordagem a
iniciar.

crianças e eadolescentes
perder de vista. Então ele as compara. O que falei

Psicologia em emergências e desastres

desastres
para vocês sobre o contrato da terapia breve que Beatriz: Não é só a saúde. Estamos sobre a
convoca as forças de superação, foi com o Mauro égide dessa fragmentação que é o pensamento
que ficou claro para mim. Em três meses 70% das positivista. Não há conversa com a escola, o fono-

emergências
crianças que atendemos conseguem essa virada, audiólogo não procura o psicólogo, o médico não
essa inflexão que depois podem continuar auto- procura ninguém e ainda se faz de difícil. Quando
nomamente. Da para sairmos dessa rede, pois o se acha um bom profissional tem que grudar no

em de
objetivo é esse, e não deixar tudo redondinho. É cara, pedir indicações, tudo para ele. Mas então,

diagnóstico
importante ser muito bem feito para conseguirmos não é da saúde, é quem quer que seja, esteja onde

Psicologia
um bom trabalho num curto espaço de tempo. As tiver, seja o profissional que for, que tenha a críti-
famílias se desdobram, se organizam para garan- ca dessa fragmentação, tem que buscar rompê-la
tir a presença da criança. Tem muita coisa na psi- porque está naturalizado que é cada um no seu

caminhos do
cologia que não aprendemos a respeito porque a quadrado. E aí tem um empobrecimento geral, por-
nossa formação tem uma lógica de mercado. Es- que fica cada um com um pedaço. O professor só
tou tentando criar a partir das coisas que vocês tem a visão do que o menino é daquele jeito na

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
disseram. Eu não vou conseguir passar para vocês sala de aula, o psicólogo vê uma situação total-

e intersetorialidade:
tudo. Um curso de orientação à queixa escolar é mente diferente. Precisamos buscar interlocução
para mais de ano, uma vez por semana com quatro na escola, porque lá se aprende que não dá para
horas, mas espero poder ir às coisas que mais pos- conversar com psicólogo e que o máximo que fare-
sam lhes ajudar. Bate com vocês a demanda? Isso mos é manda um relatório. Vou dar outra referên-
é um levantamento de duas pesquisas que foram cia pra vocês. Vocês já leram um livro formidável da

Cadernos
feitas em UBS e olha que interessante: na pesqui- Maria Helena Souza Patto? Se chama “A Produção

Psicologia, demandas escolares


sa de 1993, 65% de demanda era escolar; 7% de do Fracasso Escolar”. Na segunda parte dele tem
contato com a escola. Em 2005, 77% de deman- alguns casos de crianças que vão mau na escola,
da era escolar; 5% de contato com a escola. Este entre eles um incrível para discutir a questão do
contato não é ir à escola. Pode ser uma ligação psicodiagnóstico que é o caso Nailton. O Nailton
telefônica, pode ser trocar relatórios, correspon- passou por dois psicodiagnósticos: um do jeito
dências, alguma interlocução com a escola. Isso que aprendemos. Aquela bateria de teste, aplica-
parece tão óbvio, quando a queixa é escolar tem da por uma psicóloga bem formada, que resultou
que ter uma interlocução com a escola e eu acho no psicodiagnóstico dela. E, em paralelo, tem tam-
que temos que nos atentar muito a isso. Do quan- bém o diagnóstico feito por uma psicóloga que foi
to que às vezes deixamos passar e não buscamos na escola, foi na casa, conversou com o Nailton,
mais esse contato, mas muitas vezes não é nem não usou nada padronizado, pesquisou a cultu-
por desatenção, é por falta de possibilidade e de ra da escola e da família, além das condições da Cadernos Temáticos CRP SP
tempo mesmo. Mas eu acho que temos que mudar escola. Vale a pena ler esse caso Nailton. temos
muito e pensar em ações até do CRP, de envolver que desenvolver muito essa questão da interlocu-
a educação nisso. ção com a escola, porque se não fazemos direito,
a escola fecha as portas, nos maltrata e saímos
Participante: A educação nos chama muito
falando que professores são muito resistente. Às
para conversar.
vezes encontramos professor que nos surpreende
Participante: Recai muito sobre a saú- e esclarece muita coisa que não estávamos en-
de, pois chega até nós, seja no público, seja no tendendo. Levar na escola algum material que foi
consultório, e temos que começar a buscar nos produzido pelo próprio atendido é uma coisa muito
aproximar. Geralmente a escola só encaminha o potente na interlocução, porque não é mais o psi-
paciente e não tenta uma aproximação. Mas não cólogo falando sobre aluno, é o próprio aluno de
julguemos, porque acho que também existe esta certa forma se apresentando. Mas tudo isso pas-
impossibilidade. Hoje não tem aqui nenhum inte- sa pelo nosso atendido. Antes de ir para escola,
grante da educação municipal e estadual e isso antes de conversarmos com os pais, preparamos
isso com ele, falamos de fazer uma reunião na es- circula e que ela vive, dentro da família, dentro da
94
cola. Isso não é no começo, porque ir para escola comunidade, dentro da escola. E acho também
é alguma coisa que deixa a criança extremamente que, a partir da discussão dos casos, chamamos
ansiosa. Ela morre de medo, está tentando cons- como matriciamento, que é a principal ferramen-
truir um espaço potente conosco, e teme chegar ta da atenção básica, e conseguimos desmisti-
na escola e ouvir coisas sobre si mesma. A criança ficar algumas coisas. Vamos conseguindo res-
fica insegura. Só vamos para escola depois que já significar queixas, demandas que são trazidas, e
temos o que levar, então, geralmente, é da metade acho que é um trabalho longitudinal, porque tem
do atendimento para frente, porque daí já enten- todo um processo envolvido, e não é uma coisa
demos muita coisa, já tem elementos para instau- ou outra que vai se resolver, mas o olhar está
rar uma relação de troca, de contribuição e não só mudando.Das escolas vem o orientador pedagó-
ir lá e escutar. Lembrando que não podemos sepa- gico ou um coordenador.
rar o momento de ouvir do momento de falar. Isso
- Os pais estão participando também?
tudo tem que acontecer junto. Temos que pensar
com profundidade numa noção que, muitas vezes, Os pais não. Desse momento não. Só os
utilizamos de uma maneira rasa, que é a noção de funcionários. É que como temos um grupo de
sigilo. Muitas vezes se entende que sigilo é aquela crianças e o grupo de responsáveis na unidade,
coisa de manter cada um no seu quadrado, que é acabamos também trazendo algumas questões
a profunda fragmentação. O objetivo é que todos da família. Então, acaba sendo um espaço rico,
saiam enriquecidos. A criança tem que querer que longe de conseguir solucionar as questões, mas
o psocólogo vá à escolasim. E isso potencializa a que tem sido um trabalho bem importante de
criança, ela ser vista como alguém que pensa, que aproximação da escola.
deseja e que tem voz. Aí combinamos com ela o
que pode ser levado para o ambiente escolar e - Isso está acontecendo na Zona Norte?
conquistamos a possibilidade, a permissão para - Brigadeiro Tobias, na Zona Leste.
levar certas coisas. E também perguntar para o
atendido se tem mais alguma coisa que ele quer - É uma região bem importante.
que seja falado ou algo que não quer. Isso não quer - Coisas maravilhosas que acontecem no
dizer que estamos nos pondo à serviço da crian- serviço público, mas não têm registro. Relato de
ça, mas quer dizer que construímos com ela essa experiência. E que inspiram outras ações.
circulação de informações. A mesma coisa para
combinar a reunião com pais. Dá para fazer interlo- Ione: Obrigada, Beatriz. Acho que foi bem
cuções produtivas, potentes. produtivo. Ainda um tempo para falar de como
isso ecoa nas nossas práticas, já vimos que te-
Participante: O que temos feito na região da mos produzido coisas bacanas, mas precisamos
Brigadeiro Tobias é uma reunião mensal com todos pensar também daqui para frente, como o Siste-
os envolvidos, e acho que é uma experiência dife- ma Conselhos pode nos ajudar, pensando nesses
rente e muito potente. Recebemos o CAPS J, a UBS, desafios que vivemos. Vocês falaram e eu pensei
o CRAS, os projetos sociais, Pastoral, outro projeto em alguma proposta que estivesse mais voltada
social que as crianças ficam no contraturno das para a interlocução, aproximação da rede, edu-
escolas. As escolas têm participado, começaram cação, assistente social e saúde, trabalhando a
a aderir agora, na contramão da fragmentação. E integralidade dessas áreas e da rede. Não sei o
está muito rico, porque começamos a conversar que vocês acham, mas eu acho que a realidade
sobre uma criança e essa criança está no projeto de Sorocaba parece estar caminhando para isso.
no contraturno da escola, está na escola, a agente Intersetorialidade. Mas isso é uma coisa do mu-
comunitária conhece a família, e a UBS está aten- nicípio, e se pensarmos nisso como proposta,
dendo o pai, a mãe. tentar fazer com que isso se dê de uma forma
- É uma experiência muito rica. mais consistente na prática de vocês.

- Temos que dar visibilidade para as experi- Acho que é isso que precisamos que isso se
ências. torne efetivo, de fato. Que produzamos realmente
saúde, bem-estar.
- É uma experiência muito legal, porque po-
demos conversar sobre a criança de forma mais - As escolas municipais têm apoio de uma
integrada, nos diferentes espaços em que ela equipe multiprofissional com fonoaudiólogo e
assistente social, as estaduais têm o Cape. Mas não é tão recente e diz explicitamente que é direi-
95
acho precisamos integrar mais, porque apesar de to da criança ter acesso a recursos que a escola
sabermos dessa proposta geral, também não sei tem e que a escola vê que vai ser bom para ela,
exatamente como que ela está hoje, o quanto que sem necessidade de laudo, então a falta de laudo
eles têm conseguido trabalhar. não pode ser impeditiva. Essa virada de ponto de
vista que o Estatuto da Criança e do Adolescen-
- Não sei se todas as equipes de todas as

crianças e eadolescentes
te produziu, a falta de laudo não pode ser impe-

Psicologia em emergências e desastres

desastres
regiões têm conseguido trabalhar. Temos pouco
ditivo para a escola oferecer um recurso que ela
contato e teve algumas mudanças na Secretaria
tem e que a própria escola está avaliando que vai
da Educação no último ano e estou desatuali-
ser bom para o aluno. O laudo pode vir como um
zada de como eles têm trabalhado hoje. Eu sei

emergências
recurso complementar. Geralmente, se existe a
que a lógica mais central é essa, do apoio multi-
suspeita, o laudo é pedido, como algo auxiliar, não
profissional por região, mas eu não sei como que
como uma coisa essencial Se o aluno é listado no
isso tem se dado.

em de
cadastro de inclusão, a escola ganha dinheiro, os

diagnóstico
- Na prática, ainda estamos distante. pais podem ganhar dinheiro também, então não é

Psicologia
à toa que tem assistente social que faz, o recur-
- Porque as escolas ainda nos buscam, bus-
so vem eaias vezes a família não quer que tire o
cam os CRAS, buscam a UBS.
nome da criança da lista.

caminhos do
- Exatamente, sempre vemos isso.
Beatriz: Ganha o BPC - Benefício de Pres-
- Na época que eu estava na Leste, tenta- tação Continuada - Imagina colocar uma tarja de
mos vários formatos de matriciamento, com ar- deficiente intelectual em uma criança para ganhar

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
ticulação do CRE com as escolas, e isso nunca dinheiro. É muito delicado. A família, sim, tem his-

e intersetorialidade:
conseguiu se solidificar. Era um movimento de vai tórias perversas e a escola ganha dinheiro junto.
e vem, em alguns momentos funcionava, em ou- A escola ganha dobrado quando é criança de in-
tros tinha retrocesso. - Mas eu acho que todas as clusão, aí é uma dificuldade enorme para tirar, a
regiões têm sido assim, às vezes funciona melhor, escola não quer.

Cadernos
às vezes não. E na época, uma das maiores dificul-
Participante: Trazendo um pouco da rea-
dades que tínhamos era conseguir que as escolas

Psicologia, demandas escolares


lidade do CAPS, tem chegado para nós esse pe-
aderissem mesmo, porque muito poucas aderiam,
dido de laudo médico, porque o único lugar que
de fato, e davam continuidade. A maioria vinha um
tem psiquiatria é o CAPS, mas a porta de entra-
mês e depois não vinha nunca mais.
da para o CAPS é o sofrimento mental da criança
- Acontece em todo lugar, é uma instituição e do adolescente, mas elas chegam com um pe-
muito difícil, mas não podemos desistir. dido de laudo. Não nos recusamos a dar o laudo,
de forma alguma, não nos recusamos também à
- As escolas estão indo, quem não partici-
medicação,mas a porta de entrada não é o médico.
pa é o pessoal do CRE, que é essa a referência e
não está conseguindo se inserir. As escolas estão - As pessoas estão sendo convencidas de
buscando isso e os laços vão se estreitando, va- que é isso que tem que ser.
mos entendendo um pouco do contexto das es-
- E como podemos agir nesse caso? A esco-
colas, mas não tem representação do CRE, que
Cadernos Temáticos CRP SP
la está impedindo que a criança acesse essa sala
é o representante do município, das escolas do
de recursos por não existir laudo, como podemos
município, da educação infantil e básica e que tem
orientar a família?
muitas questões a serem tratadas. O que nos apa-
rece muito é o grande desafio de alunos com 12, - Uma das ações que eu acho importante é
13 anos que aindanão foram alfabetizados e não a publicização, a divulgação, por exemplo, dessa
concluíram essa etapa inicial. E a escola vem solici- portaria da Secadi, que as pessoas desconhecem.
tando um laudo para inserir acompanhante na sala
- Como que chama esse sistema que você
de aula e isso é muito delicado.
tava falando?
- É uma resolução até recente, que agora, de
Beatriz: Eu proporia que tivesse uma in-
fato, a escola não pode exigir um laudo.
vestigação, porque precisamos saber como
- Tem uma resolução da Secadi, um órgão funciona esse cadastro de inclusão, investigar
do MEC relacionado à educação inclusiva, que muito bem como tem funcionado, que efeitos
tem tido, os usos que se tem feito, os pontos, - Podemos refletir sobre propostas de políti-
96
os mitos criados em torno que não são reais, cas públicas consolidadas e fazer proposições de
mas que são divulgados de uma forma equi- PL’s junto à câmara, talvez precise incluir questões
vocada com certos propósitos Sabemos que temáticas que nós estamos percebendo aqui de
criança classificada com DI acaba virando mes- inclusão e de laudos.
mo, porque todo mundo passa a se relacionar
- Acho que psicólogo escolar, a ideia de ter
com a criança como sendo.
um psicólogo na escola.
Participante: Sim, e o prejuízo maior da
- Eu acho que psicólogos na educação mesmo.
criança é essa relação com os demais, porque ela-
começa a ser ignorada pelos colegas, porque já - Então podemos refletir propostas de políti-
existe aquele estigma e mesmo sem o laudo isso cas públicas consolidadas e fazer proposições de
acontece.Com o laudo isso só se consolida. PL’s junto à câmara, do papel do psicólogo escolar
nas escolas. É isso?
Ione: já comentamos em outros encontros, a
cultura que existe em Sorocaba de não só diag- - Acho que vale falar desse papel do psicólo-
nosticar, medicalizar, mas hospitalizar pessoas e go inserido numa equipe multiprofissional e quan-
por décadas, se pensarmos no hospital psiquiátri- to ela tem a responsabilidade de promover essas
co, desconstruir também essa lógica hospitaliza- articulações.
dora é um desafio.
Participante: Talvez fortalecer algo nessa li-
Estamos falando de transformação na so- nha de apontar a importância, mas buscar subsídio
ciedade. Fiquei pensando em como nos envolve- que comprove que o número de profissionais está
mos em políticas públicas. Teríamos alguma ação muito abaixo do necessário.
para propor a partir da nossa prática? Nada impe-
- Acho que isso tem que começar a ser coloca-
de, por exemplo, que ao pensarmos na prática, nas
do, talvez pensando à longo prazo, mais para frente,
dificuldades e nos desafios, façamos proposições
a depender também do momento do país, como vai
de projetos de lei, pois temos uma câmara que tem
ser daqui para frente, mas isso tem que começar por-
um setor de educação. Se a categoria, se a rede
que senão, são muitos projetos colocados em vários
percebe que só a gestão neste momento não dá
níveis, propostas, mas a questão é: os projetos são
conta de responder as demandas, como podemos
bons, mas não se sustentam no momento que temos.
fazer proposições através de projetos.
- Acho que por isso também a importância de
Participante: Essa questão política é impor-
termos esses espaços para nos apropriar da nos-
tante, quando falamos da questão da inclusão que
sa realidade, socioeconômica e política e que con-
temos agora, que está funcionando de determi-
sigamos também, enquanto psicólogas, enquanto
nadas formas, é porque no passado alguém lutou
categoria, nos estabelecer como resistência a es-
para que houvesse essa inclusão. Agora existe
ses projetos de desmonte, a esse movimento de
uma dificuldade em assimilar a inclusão. A ques-
enfraquecimento do serviço público. Precisamos
tão política é importante de se trabalhar para que
estar muito apropriados, muito colocados, estabe-
a mentalidade vá se abrindo, e o fato de estarmos
lecidos como resistência a isso.
aqui é porque foi permitido.
- Tem coisa que perdemos, e temos que re-
Participante: Foi um grande avanço a pre-
cuperar, é verdade.
sença de vocês, porque nós começamos o primeiro
encontro com três psicólogos. - Vamos levar esse tema para sociedade
para começar essa questão.
Participante: Quando foi falado da equipe
do trabalho em rede, eu não sabia que eles faziam Beatriz: Uma criança que não está bem alfa-
isso. Nos nossos setores temos um trabalho que betizada ao final do fundamental I é normal, aliás,
chama intersetorial, então nos reunimos com toda ela faz parte da maioria da população brasileira.
a rede de apoio, eu já conhecia o pessoal do CAPS, Eu só consegui dados de 2013 e essa avaliação
às vezes tem gente da equipe dos projetos sociais é feita de dois em dois anos, porque atualmente
e pessoas da UBS, mas da educação, nunca tem eles fazem de um jeito tão obscuro que é para não
ninguém, a não ser que você marque na escola ou entendermos. Esse é o último ano que eu conse-
se tiver alguma situação escolar envolvida, for um gui montar, então temos pouco a oferecer nessa
estudo de caso. questão pedagógica, de aprendizado mesmo.
- Tem que estar muito apropriado disso, - O que é terapêutico para cada um, o que as
97
porque senão vira uma sala de espera para um pessoas estão chamando de terapêutico na UBS.
serviço que precisa acontecer, que não vai acon-
- Porque na saúde vai ter o psicoterapêu-
tecer. Isso tem que estar muito bem articulado,
tico, mas na saúde é multidisciplinar de apoio
apropriado para fazer, porque senão servimos
de NASF, o psicoterapêutico é só uma parcela.
de atenuante para não aparecer o que não está
Tem muito atendimento que é multidisciplinar,

crianças e eadolescentes
funcionando na rede.

Psicologia em emergências e desastres

desastres
é compartilhado, então pode ser terapêutico e
- É, com relação às questões das dificul- não psicoterapêutico.
dades de escolarização, que acho que é o que
estamos falando. Acho que precisa aparecer, - Exatamente.

emergências
porque nos documentos que estudei, tive que - Existem muitas delicadezas nesses ce-
estudar depois que eu entrei. Eu me encantei nários e que precisam ficar claras, para tentar
com isso, com a contribuição das assistentes minimamente conseguir acertar, o que eu posso

em de
sociais, enfim, a visão de mundo mudou, mas eu oferecer, o que o outro oferece, como podemos

diagnóstico
acho que não aparece isso, essa articulação do construir essa base de forma coletiva.

Psicologia
psicólogo do CRAS com a escola, por exemplo,
essa interface, não tem essas normativas, pelo - E quando fazemos as reuniões da equi-

caminhos do
menos eu não li. pe, é muito interessante, eu acho muito bacana,
porque percebemos em nós mesmos e essas
- Vamos começar a construir agora, a par- outras pessoas percebem que é uma visão que
tir dessas nossas rodas, o psicólogo tem, é um olhar, é um lugar de onde

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
- Mas estou entendendo que ela está di- olhar, e aí a assistente social traz aquela outra

e intersetorialidade:
zendo que já existe uma construção feita, que visão também, e como a Vanessa falou, ela se
já há algumas clarezas que precisam ser regu- apaixonou, logo que eu fui pro CRAS, eu pensei
lamentadas. que eu atuava clinicamente, por 15 anos aten-
di psicodiagnóstico, ludoterapia, foi muito bom
- Aparecer em algum lugar, podia ser isso,

Cadernos
e eu gostava, mas quando eu fui para área de
referências técnicas para atuação do psicólogo CRAS eu pensei, “nossa, eu vou deixar de ser

Psicologia, demandas escolares


do CRAS. psicóloga, vou ser assistente social”.
- Ou seja, já tem trabalhos feitos que - O olhar clínico sempre existe, indepen-
mostram a possibilidade de avançar, de serem dente do lugar que você está atuando.
complementados, sacramentar certas práticas
que já se consolidaram e que já se mostraram - Assim como o olhar social na clínica. Po-
interessantes. demos fazer uma psicoterapia de longo prazo,
mas eu tenho um olhar social, estou entenden-
- Não entendo tanto da política do SUS e
do que aquilo não é do indivíduo, aquilo é do so-
do social, porque sempre vivi inserida na saúde,
cial, da cultura.
mas tem uma questão do psicólogo na assis-
tência social, que é a questão terapêutica, de - Mas o quanto desconstruímos a psicolo-
fazer grupos terapêuticos ou atendimentos psi- gia da forma como existe hoje a formação dos Cadernos Temáticos CRP SP
coterapêuticos, e existe uma grande polêmica psicólogos, porque o que aprendemos na nossa
com relação a isso. formação, não é o trabalho que consegue apli-
car nessa prática, desconstruímos tudo, porque
- Essa questão mais terapêutica fica na
o que aprendemos é uma clínica tradicional que
atenção básica, mas atenção básica tem que
é de consultório particular, e o quanto conse-
assumir tudo no sentido terapêutico e o quanto
guimos adaptar tudo isso dentro de um outro
que conseguimos dar conta, de receber todas
cenário que não comporta isso não é objetivo.
as demandas dos casos que têm menos riscos,
Não é que tivesse dez mil psicólogos, não é uma
até os casos que têm mais riscos, pois somos a
questão de quantidade, é questão de objetivo de
linha de frente de tudo.
trabalho, o objetivo é outro, o olhar para o ser hu-
- Eu acho que não seria uma proposta, mano é outro, então acho que é uma desconstru-
mas uma reflexão sobre esses papéis nos vá- ção mesmo, mas precisa de referências, não dá
rios cenários. pra ir fazer um trabalho sem embasamento.
98
Roda de Conversa Queixa Escolar
e Processos de Patologização
Rosangela Villar
29/11/2018. Subsede Campinas do CRP SP (Valinhos).

Rosangela: Bom dia! Feliz em estar aqui com vocês ou para as situações de privação de direitos ao “me-
para a nossa Roda de Conversa entre os profissio- nor”. Para drogas, já há um consenso de mandar para
nais da Rede de Educação, da Saúde, da Assistên- o CAPSi, mesmo que a gente saiba que usar drogas
cia e outros, do município de Valinhos/SP. Falo em não é sinônimo de um diagnóstico obrigatoriamente.
nome do CRP SP e do Despatologiza – Movimento “É autista tem de ir para o CAPS”: burrice! São casos
pela Despatologização da Vida. Os objetivos desse e casos diferentes. O duro é que a saúde mental não
nosso encontro são estabelecer um diálogo entre permite um fluxo rígido, mas, em contrapartida, as
os profissionais psicólogos e os demais profissio- pessoas têm ao menos de saber quais os serviços
nais dos serviços públicos de educação e saúde – que existem e qual o grau de complexidade. Se não
estabelecer interlocução entre parceiros; apresen- souberem, para onde é que vai? Quando a criança
tar as contribuições da Psicologia aos profissionais é agressiva, começa a dar trabalho, qual é o básico
que atuam com a queixa escolar – entendida como para as pessoas saberem? O pessoal da escola tem
questões de aprendizagem e de comportamento - e de se virar nos trinta... muitas ligam diretamente nos
a seus parceiros. E conhecer os caminhos do diag- serviços para tentar encaixar e ai o ambulatório, em
nóstico de crianças e jovens quanto às queixas e geral, está lotado. O fluxo não funciona bem. Mas as
fracassos escolares, porque, infelizmente, já tem pessoas têm de saber, no mínimo, para quem ligam
um fluxo historicamente construído neste sentido: nestas situações de saúde mental, senão os profes-
a criança é identificada como tendo algo diferente, sores ficam perdidos, e eles não obrigados a saber, a
encaminhada para um diagnóstico e, a seguir, para obrigação é nossa.
um tratamento. A gente precisa entender se esse é
Rosangela: Obrigada, Bruno. O Bruno traz
o melhor caminho.
questões bastante importantes e, infelizmente,
Bruno: Bom dia a todos. Meu nome é Bruno. não é só Valinhos que passa por isso. Essa questão
Sou médico psiquiatra da infância e da adolescência de comunicação entre os diferentes equipamen-
e sou também pediatra. Na Rede, trabalho como psi- tos e de comunicação com a própria população, na
quiatra infantil. Valinhos tem dois ambulatórios e um maior parte dos municípios, é extremamente falha.
CAPS infantil. Um ambulatório é de Educação e Saú- A gente pega aqui do lado, Campinas, que é onde
de Mental, o CEMAP, que atende até 10 anos. A Casa atuei até 4 anos atrás – hoje eu sou aposentada.
do Adolescente funciona no mesmo prédio e aten- As nossas brigas imensas eram para fazer com que
de dos 11 aos 17 anos e 11 meses. O CAPS infantil, os equipamentos se conhecessem e que talvez pu-
inaugurado em 2016, os casos graves vão para lá. Os dessem ter fluxos – nunca rígidos. É importante a
serviços não têm ainda um protocolo definido. Tem gente citar as referências e notas técnicas do Sis-
pediatras na Rede Básica de Saúde que não sabem tema Conselhos para a atuação do psicólogo na
que o CAPSi existe. Funciona assim: a escola faz rela- educação. A primeira é o documento Referências
tório, pode ser pela escola ou um médico da rede bá- Técnicas para a atuação de psicólogas (os) na
sica de saúde, ou o Conselho Tutelar. Mas há um viés, Educação Básica: Subsídios para uma prática crí-
estão muito restritos a questão de álcool e drogas tica, do CFP, em 2013. As Referências são fruto de
discussão da categoria no VI Congresso Nacional Em Campinas, temos as duas redes, cerca de
99
de Psicologia – CNP 2007, sistematizada no Semi- 40 municipais, sem as infantis - que são só munici-
nário Nacional do Ano da Educação (2009), na Pes- pais ou terceirizadas/conveniadas. Fomos invadidos
quisa Nacional realizada pelo Centro de Referência pelos convênios! Mas a gente tem em Campinas uma
em Políticas Públicas – CREPOP e, no documento rede estadual muito maior, cerca de umas 150/160
Contribuições da Psicologia para a Conferência unidades. Quando temos dois sistemas, temos cla-

crianças e eadolescentes
Nacional de Educação – CONAE 2010. O CRP SP ramente dois projetos político-pedagógicos, que

Psicologia em emergências e desastres

desastres
em 2010 soltou a Nota Técnica: Orientação sobre olham para suas crianças de modos diferentes. Eu
as atribuições do (a) psicólogo (a) no contexto es- trabalhei muitos anos em um equipamento que li-
colar e educacional. O Sistema Conselhos fala da dava com a queixa escolar em Campinas, quando

emergências
Defesa de uma Psicologia Escolar/Educacional crí- eu recebia uma criança para avaliação e acompa-
tica e contextualizada, que resgata a complexidade nhamento, a primeira coisa que eu tinha de ver era
do processo de escolarização protagonizado por de onde ela vinha, de qual sistema. Tinham olhares

em de
crianças e adolescentes, considerando que a escola diferentes: a questão da progressão continuada,

diagnóstico
não está isolada da história, da político, nem do so- como são formadas as salas de aula, como é a ques-

Psicologia
cial e do cultural de uma sociedade, embora a escola tão da formação continuada dos professores, tudo
se configura, atualmente, como “mercado” de servi- isso muda. O que eu oferto para a criança, o que eu
ços, produtos e projetos, tendo por referência a na- oferto para o professor. Se muda a gestão, o projeto

caminhos do
turalização das práticas na rotina institucional e o tende a mudar. No estado de São Paulo, a gente não
encaminhamento à avaliação diagnóstica e acom- teve isso, com uma política igual por muitos e muitos
panhamento terapêutico. A proposta do CRP SP anos. Jovens que chegam no final do ensino funda-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
para a atuação profissional do psicólogo é Compor mental que não leem nem escrevem, e, se leem, é

e intersetorialidade:
com a equipe escolar a elaboração, implementação uma leitura disfuncional, sem compreensão de texto,
e avaliação do Projeto Político Pedagógico da Es- não têm crítica do que estão lendo. A gente vai dizer
cola; Problematizar o cotidiano escolar, colaboran- que os professores são ruins, não sabem mais en-
do na construção coletiva do projeto de formação sinar, é isto? Simplório demais. A gente vai precisar
em serviço, no qual professores possam planejar e olhar o que está por traz deste projeto, qual o inte-

Cadernos
compor ações continuadas; Construir com a equi- resse político – porque sempre tem –, interesse de

Psicologia, demandas escolares


pe da escola estratégias de ensino-aprendizagem, despotencializar a classe dos professores. Eu traba-
considerando os desafios da contemporaneidade lhei mais de 25 anos com formação de professores
e as necessidades da comunidade onde a esco- - em especial com a rede estadual de Campinas - e
la está inserida; Compartilhar os conhecimentos eu sempre dizia aos professores: “gente, vocês es-
técnico-científicos da Psicologia e da Educação, em tão se deixando despotencializar. Vocês são tantos
sua dimensão ética para sustentar uma atuação e, se vocês se unissem de verdade, ninguém ia po-
potencializadora; Produzir deslocamento do lugar der com a força de vocês. Cada um de vocês tem 30,
tradicional do psicólogo no sentido de desenvol- 35, 40 alunos e, portanto, famílias em suas mãos a
ver práticas coletivas, articulando com setores da cada ano. Mas a gestão vem de tal forma que se-
saúde, da educação, do trabalho, dos movimentos para vocês, fragmenta vocês”. Estou falando isto da
sociais, da assistência social e do poder judiciário, educação, mas em Campinas estamos vivendo isso
que possam acolher as tensões e os sofrimentos na saúde também, a fragmentação. A gente está Cadernos Temáticos CRP SP
de educandos e educadores e buscar novas saídas deixando isso acontecer, mas tem um interesse por
para os desafios da comunidade escolar; Romper trás. A gente não pode deixar de ler/ver isso, porque,
com a patologização, medicalização e judicialização do contrário, acabamos sendo culpabilizados: nós é
das práticas educacionais nas situações em que as que não funcionamos; nós, profissionais de saúde, é
demandas por diagnósticos fortalecem a produ- que não somos competentes; nós, profissionais de
ção do distúrbio/transtorno, da criminalização e da saúde, é que não atendemos o que precisa ser aten-
exclusão; Considerar a dimensão de produção da dido; nós, profissionais da educação, é que não sabe-
subjetividade e da aprendizagem, sem reduzi-la a mos mais ensinar. Nós acabamos sendo investidos
uma perspectiva individualizante; Compreender o da culpa de uma coisa que não é nossa diretamente.
campo de relações sócio-político-pedagógicas na Indiretamente, sim! Nós é que colocamos as pesso-
análise e produção da queixa escolar, considerando as no poder, e aí é reponsabilidade nossa também, o
esses contextos tanto na avaliação, encaminha- que ela faz lá. E, finalmente, valorizar e potencializar
mentos e acompanhamentos, visando a melhoria a construção de saberes, nos diferentes espaços
do processo educacional. educacionais, considerando a diversidade cultural e
as dimensões psicossociais das instituições e seu usando. No terceiro ano, isto reduziu mais, pois foi
100
entorno para subsidiar a prática profissional – de exigido o acompanhamento durante o ano. Os alu-
novo falando da necessidade da intersetorialidade. A nos que entraram com o laudo dessas patologias,
visão medicalizante, patologizante, das políticas pú- durante o primeiro ano do curso da faculdade, foram
blicas, o avanço das explicações organicistas – são avaliados por profissionais e, na medida em que se
aquelas que estão dentro do nosso corpo – para a constatava que aquele laudo era falso, a vaga era
compreensão do não aprender de crianças e jovens, cortada. Se instalava um processo ético. Na medida
e aí retornam os velhos verbetes tão questionados em que isso foi acontecendo, os próprios médicos
pela psicologia, a educação e a própria medicina. A pararam de dar os laudos, pois quando carimbamos
gente tem visto a volta da dislexia, da disortografia, nosso CRM, nosso CRP, somos responsáveis. Vocês
da dislalia, do tdah com e sem atenção, com e sem da educação tem o número de registro profissional?
hiperatividade, e isto é bastante complicado. Temos
Participante não identificado: Não temos.
bastante produção técnica para dizer que isto, no
mínimo, tem de ser questionado. Então, diagnóstico Rosangela: É importante esse número, nos
de dislexia: você pega uma criança em começo de responsabiliza, nos faz pensar em nossas ações. E
processo de escolarização, em alfabetização, com aí os médicos pararam de dar, foi como o protocolo
8 anos, 8 anos e meio, segundo ou terceiro ano na de metilfenidato em Campinas. O que aconteceu: a
escola, com algumas trocas e você dá o diagnósti- gente tinha uma distribuição de metilfenidato - co-
co. Mas, com mais alguns meses de trabalho, só no mercialmente a Ritalina, Concerta - absurda, uma
pedagógico, as trocas somem – e se não sumirem curva altamente crescente de distribuição em 10
todas, ok. E algumas trocas, nós, adultos, também anos que a gente avaliou a distribuição do remédio.
temos e isto não nos impediu de crescer, trabalhar, Em 2012 instalamos um protocolo construído por
ter famílias. Mas aí a gente põe na criança o peso de um grupo de profissionais. Tinha psiquiatra, neurolo-
carregar o rótulo, o diagnóstico... na testa! Tem uma gista, pediatra, psicólogo, farmacêutico, assistente
coisa que chama judicialização, que é menos conhe- social, pessoas que trabalhavam com quem recebia
cido e discutido que a patologização. Se eu dou um o diagnóstico ou que davam o diagnóstico e a re-
diagnóstico de dislexia, eu dou junto um direito que ceita. Nesse protocolo, foram utilizados referências
talvez ele não tenha. Só que esse direito pode ser técnicas mundiais e a bula da própria medicação. Se
um grande atrapalhante para o resto da vida dele: o quiserem, pode procurar na internet a bula e ver os
disléxico tem o direito de ter um professor mais pró- cuidados necessários. Quais são os cuidados que
ximo dele, fazendo leituras para ele; se ele vai fazer precisam ser respeitados quando do uso desse tipo
uma prova, um vestibular, ele pode fazer separado de medicação e o que vimos foi a não observância,
dos outros, ter um leitor para ele. Mas será que isso no geral, desses cuidados. A gente pegou casos gra-
é bom para ele? Será que é bom para ele se sentir ves de questões cardiológicas – uma das contraindi-
tão diferente, quando ele podia estar num processo cações – e a criança sendo medicada há vários anos
igual ao de todo mundo. Não estou dizendo que não com o metilfenidato sem o médico olhar essa crian-
haja casos graves, importantes, da gente fazer os ça inteira. Tivemos complicações. Na literatura, há
recursos todos que já temos. O que não podemos relatos de morte. Ao fazermos o protocolo, indica-
fazer é distribuir esses rótulos de maneira epidê- mos todos os cuidados da bula: tem de fazer exame,
mica. É grave. A UNICAMP, há quatro anos, teve um sim. Tem de ter um olhar mais ampliado desse sujei-
problema seríssimo no vestibular: para os cursos de to, sim. Tem de fazer outros acompanhamentos te-
alta competitividade, como a medicina, a odonto, a rapêuticos, sim. Não é só remédio. Tem de falar com
engenharia, onde o índice de candidato/vaga é muito a escola, sim, para saber se está fazendo a diferen-
alto, eles perceberam um aumento muito grande de ça ou não. A gente teve um relato, há pouco tem-
diagnósticos de dislexia e tdah. Os alunos entravam po, aqui em Valinhos mesmo. Estava conversando
no vestibular já com um laudo dado por um médico. com os pais sobre a patologização, inclusive sobre
No primeiro ano, passou. Não tinha mais o que fazer. o uso de metilfenidato, e um garoto estava olhando
No segundo ano, eles passaram a exigir uma ava- para mim. Eu estava envolvida com as famílias e não
liação dentro da UNICAMP, um seguimento daquele pude fazer uma intervenção com ele, quando a mãe
diagnóstico. Isto já reduziu o uso desse recurso ju- o aponta e diz “ele toma o metilfenidato, ou melhor,
dicializante que estava dando direito para quem não ele tomava, faz três meses que não conseguimos
tinha. Provavelmente, quem precisava não estava pegar”. Aí eu paro e pergunto: “você tomou o metil-
tendo acesso a esse direito e quem não precisava, fenidato?” e ele me disse que por mais de um ano. Eu
mas tinha acesso de outra natureza, é que estava apontei que fazia 3 meses que ele não tomava e eu
gostaria de saber se ele tinha percebido diferença tros, que não estão nesse tipo de controle. Fizemos
101
usando. Ele me disse que não. Questionei se com os estudos em Campinas com a imipramina e não foi
3 meses de não uso tinha percebido alguma diferen- observada mudança no padrão de prescrição antes
ça. Ele novamente nega. Aí faço a intervenção com e depois da implantação do protocolo de metilfeni-
a mãe. “Você percebeu, mãe? Parece que o remédio dato. Outra possibilidade é a risperidona, só que aí
não era a resposta”. E a mãe dizia: “mas ele continua temos um grande problema: não conseguimos os

crianças e eadolescentes
assim...” E eu respondo: “algo precisa ser feito, sim, dados do estado, já que sua distribuição é estadual.

Psicologia em emergências e desastres

desastres
mas não é a medicação” e peço que ela procure a A política dita de transparência não ajuda em nada
pediatra do Centro de Saúde para conversar sobre nestas situações. Foram inúmeras tentativas e inú-
outras intervenções que possam ajudar seu filho. meros desvios de rota.

emergências
Então, esse olhar é importante. Quando a gente fez
Participante não identificado: Eu queria que
o protocolo, muitos médicos ficaram receosos de
você falasse mais sobre o protocolo. Como ele
prescrever o remédio porque atrás do protocolo tem
aconteceu?

em de
um lugar para o médico escrever CIENTE - de todos

diagnóstico
os cuidados que ele tem de ter com esse sujeito, Rosangela: Começou bem antes da ideia de

Psicologia
frequência de exames, o que observar, tudo tirado termos um protocolo. Como eu disse, o equipamen-
da bula -, colocar seu CRM e assinar. Aí desapare- to em que eu trabalhei na Prefeitura recebia crian-
ceram as receitas de metilfenidato, caiu quase 90%, ças e adolescentes com queixas de aprendizagem

caminhos do
porque você responsabiliza alguém que não estava e, ao acolher, vincular e avaliar, o que tínhamos, efe-
fazendo do jeito certo. tivamente, eram sujeitos vítimas de conflito familiar,
de violência, de diferentes questões. Não era uma
Participante não identificado:: O protocolo

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos CRPosSP
questão neurológica, era uma questão emocional,
vale para todo lugar?

e intersetorialidade:
e nós tínhamos que entrar no processo de trabalho
Rosangela: Não. É um protocolo municipal. para ajudar esse sujeito a sair da queixa que cria-
Vale, então, para Campinas. O município de São ram para ele e, muitas vezes, do diagnóstico e da
Paulo também tem, mas é uma PORTARIA. Outros medicação e aqui já entrando na patologização. Si-
municípios já nos procuraram para construir seus tuações como essa, eu levava para os espaços de

Cadernos
protocolos, já que fomos pioneiros nesta ação. E formação continuada na educação e na saúde, para

Psicologia, demandas escolares


nós temos a experiência de uma Lei no estado de nossos espaços de Rede Intersetorial. Eu briguei
Pernambuco, já publicada, mas o protocolo não está muito, eu denunciei os coquetéis dados as crianças
ativo lá. Tem um litígio entre o Conselho e associa- e adolescentes, as epidemias de diagnósticos. Mas
ções de Medicina e o Executivo e ainda não sabe- demorou para algo efetivo acontecer. Esses profis-
mos como isso se resolverá. Não sabemos qual sionais precisavam estar abertos a ouvir isso e mui-
é a força social que vai ganhar, como em todos os tos se sensibilizaram, mas, claro, não todos. Quando
processos políticos. De 2015 para cá, saíram vários a gente começou o protocolo – desencadeado por
documentos: do Ministério da Saúde preconizando um convite à secretaria para analisar o quanto de
o uso de protocolos pelos municípios para evitar o metilfenidato estava sendo entregue e, na conti-
abuso de medicação para crianças, do Ministério nuidade, o como e para quem - já tínhamos muitos
da Educação alertando suas secretarias e todas as profissionais conscientes dos riscos dessa forma
escolas para a existência dos protocolos preconi- de cuidado. Metade do grupo, formado por médicos Cadernos Temáticos CRP SP
zados pelo Ministério da Saúde e a necessidade de psiquiatras, neurologista, pediatras, farmacêuticos,
respeitá-los como uma forma benéfica de produzir assistentes sociais e psicóloga – eu - não queria
cuidado para as crianças e não como algo impediti- dar o metilfenidato para as crianças. Existe uma re-
vo. Entender que o protocolo está embasado por um jeição ao metilfenidato e metade das pessoas não
saber técnico-científico que indica a necessidade de queria usar. A gente falava: “a gente não vai fazer
repensar formas de lidar com as queixas escolares um protocolo para dar. A gente vai fazer um proto-
que excluam o abuso de uso de medicamento como colo de linha de cuidado”. Mas, legalmente, nós não
“solução”. Outros países, na América Latina e na Eu- podemos fazer isso; essa não é uma opção. Porque
ropa, também preconizam o uso deste tipo de pro- quando você nega, você abre espaço para judiciali-
tocolo. Uma preocupação que a gente está vivendo zação. Então, você abre espaço pra que as famílias
em Campinas, agora, é: ok, reduziu a prescrição do vão pro Ministério Público e peçam aquilo, e aquilo
metilfenidato. Será que ele não foi substituído por vai ser acontecer, goela abaixo. Qual foi a nossa
outra medicação? Porque aí eu paro de usar aquele escolha? “Então, vamos fazer. Sim, vamos dar, sim,
que está na mira da legalização e desvio para ou- mas com condições muito claras”. Esse foi o mote
do protocolo. Tem vários municípios no estado de o incentivo a um mercado de artigos para a “crian-
102
São Paulo estudando o protocolo. E é só entrar no ça com refluxo”, como o travesseiro anti refluxo na
site da Prefeitura, tem na área de farmácia. Um dos lista de chá de bebês. O uso de leites especiais e
protocolos é o metilfenidato. Por conta do desmonte outros alimentos enriquecidos, em detrimento do
dos equipamentos de saúde, a gente não tem isso aleitamento materno, também é um exemplo – as-
funcionando redondinho, mas não é um problema do sociado a questões estéticas de não deformação
protocolo e não é problema da população, é proble- do seio da mulher – e aqui temos o padrão da beleza
ma de gestão. Que é aquilo que eu falei: é problema se impondo às condições de saúde do bebê. Crian-
de projeto político e não do instrumento. A gente ças sobrecarregadas e “estressadas” com cursos e
fez uma atividade na praça, na Catedral, há uns três atividades extras, desde bem pequenas, sem espa-
anos, e novembro tem o dia do enfrentamento à ço/tempo para o brincar – em busca de sucesso no
medicalização. É um dia municipal e é um dia esta- futuro?! É de assustar esses argumentos. A adoles-
dual. São Paulo já tem o dia estadual, que é 11 de cência sendo vendida como período de problemas –
novembro, e a gente sempre comemora. Uma das a aborrescência - e não como tempo de construção
comemorações a gente fez na praça. A gente levou de identidade. Para nós, adultos, o uso de alimen-
o banner, a nossa faixa grande, “Dia Municipal de tos enriquecidos ou vitaminas e antioxidantes para
Enfrentamento à Patologização da Educação e da sermos mais saudáveis e viver mais, em detrimento
Sociedade”. As pessoas passavam e falavam, “dona, de uma alimentação mais natural. E, ainda, na linha
o que é isso?”, aí eu falava, “vem cá, vamos lá”. Junta- dos alimentos, temos as “pesquisas” divulgadas
vam três, quatro: “vamos conversar da vida”. Porque para a sociedade – o que faz bem ou mal? Quais
o nome é complicado, mas o processo é muito fácil os interesses em jogo? A questão da “cura gay” é
de ser identificado. Patologização e medicalização. outro exemplo de processos de patologização das
Nós usamos as duas palavras como sinônimo. Eu vidas – não se respeitando singularidades e modos
prefiro usar patologização, porque a medicalização, diferentes de ser e de se comportar/descomportar.
ela tende a ser confundida com negar a medicação, As mulheres aviltadas em sua subjetividade com o
e não é isso: a medicação, bem prescrita, salva vi- reducionismo de seus desconfortos e incômodos
das e aumentou a idade média de vida da popula- de diferentes naturezas sendo reduzidos a apenas
ção. Nosso problema é com o abuso e com seu uso problemas hormonais, a TPM. Ainda com as mulhe-
tendo o olhar de que todo sofrimento e desconforto res, na menopausa, a indicação quase obrigatória de
é orgânico. E todos sabemos que isso não é verda- reposição hormonal, sem levar em conta as singula-
de. Bom, a patologização é um processo artificial e ridades delas, como se todas fossem iguais e preci-
reducionista, que transforma questões sociais, cole- sassem ser “completadas com dadas substâncias”.
tivas, políticas em questões individuais e biológicas. E, para fechar esta lista, temos o DSM V (Manual
Nossos incômodos e desconfortos são transforma- Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais
dos em doenças e transtornos e, em consequência, – a “Bíblia norte-americana”, de 2013) que, junto com
tratados, impedindo nossas manifestações e ações a mídia, estimula as pessoas a confundirem tristeza
em direção a mudanças. Entendendo que a Pato- e depressão e ignorar que tristeza faz parte da vida
logização/Medicalização da vida está intrincada e precisamos aprender a lidar com ela. A exclusão
no tecido social e que, portanto, estamos imersos dos “diferentes” – sendo as diferenças/singulari-
neste processo, torna-se fundamental investir em dades lidas como anormalidades e doenças - tam-
um processo de conscientização e sensibilização bém é consequência desse olhar. E a “epidemia” de
da sociedade, para que formas de identificação e de autismo (TEA) e a Lei 13.438, do “risco psíquico”, é
enfrentamento sejam construídas e utilizadas. O fe- uma consequência esperada desse olhar e meca-
nômeno está tão naturalizado em nossas vidas que, nismos de controle/de poder. Pensando nos jovens,
muitas vezes, nem percebemos que estamos sen- a criminalização dos atos de uma parcela da popu-
do patologizados, nem que estamos patologizando. lação adolescente (geralmente negra e de periferia)
Exemplos: temos um excesso de partos cesárea ignorando que estão em um período peculiar de de-
no Brasil, com índices muito além dos preconizado senvolvimento e associado à desresponsabilização
na literatura mundial, o que exigiu uma intervenção de governos e autoridades e famílias com as vidas
do Ministério da Saúde, que divulgou critérios para destes jovens e, entrando aí, também, em processos
uso de cesáreas – uma espécie de protocolo, e, ao de judicialização. E, para encerrar, o fracasso escolar
não seguir, os equipamentos de saúde se sujeitam amarrado a doenças, transtornos, deficiências - in-
a não receber o pagamento do SUS. Outro exemplo, dependente de histórias de vida, de contextos e de
uma verdadeira “epidemia” de refluxo nos bebês e projetos pedagógicos.
Realização:

Você também pode gostar