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COMPILADO

LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA


Sumário
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 3
DESCONSIDERAÇÃO DA PJ ........................................................................................................... 8
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS ....................................................................... 23
FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS .......................................................................................... 35
EIRELI e SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL ....................................................................... 45
FUNDOS DE INVESTIMENTO ....................................................................................................... 52
CURSO SOBRE A LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA
PROFESSOR ANDRÉ SANTA CRUZ

LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA

INTRODUÇÃO
O presente curso terá como foco as alterações legislativas no corrente Código Civil,
em decorrência da aprovação da Medida Provisória de número 881, agora denominada Lei de
Liberdade Econômica.

O presente curso será dividido da seguinte maneira: A primeira aula terá como
objetivo trazer à lume as alterações acerca do conteúdo das hipóteses de desconsideração da
Personalidade Jurídica. A Segunda tratará da Interpretação dos negócios jurídicos. A terceira
abordará a Função Social dos Contratos. Sendo a quarta sobre ERELI e Sociedade Limitada
unipessoal. Ao passo que a quinta e ultima aula terá como objetivo a inserção dos Fundos de
Investimentos.

Em se tratando dos aspectos gerais da edição da referida medida provisória, objeto


desta aula bônus, trataremos dos seguintes tópicos. A começar pelo seguinte:

De forma introdutória e didática, faz-se necessário responder uma questão


amplamente elaborada: Por que uma agenda de liberdade econômica?

Da análise de dados que representam a posição do Brasil em alguns rankings


elaborados por importantes institutos, temos a resposta à questão acima apresentada.

Tendo em vista a importante consideração feita sobre um país por importantes


investidores a partir dos rankings globais com vistas a determinar em qual país seria mais
lucrativo em caso de investimentos, fez-se necessária uma forte alteração na agenda econômica
nacional para que se assegurasse a possibilidade de atrair mais investidores.

Levando em consideração o fato de ser o Brasil um país que ocupa uma das 10
maiores economias globais, nossa posição nos rankings supracitados não era tão vantajosa ao
ponto de encorajar investidores, o que afeta o desenvolvimento econômico e social de nossa
pátria.

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Isto posto, é imperioso destacar a posição do Brasil nos principais rankings globais
mais recentes, que seguem:

✓ Fraser Institute–144º/162

✓ HeritageFoundation –153º/180

✓ DoingBusiness –109º/190

Muito embora, dentre os três, seja o DoingBussuness, o mais levado em


consideração quando na escolha de países com maior potencial de investimento, e neste temos
a menor das colocações, ainda assim é um número não tão favorável.

Portanto, em decorrência destas avaliações, o Brasil tem enfrentado uma forte crise
econômica, com um número alarmante de desemprego, além dos grandiosos casos de
corrupção mundialmente conhecidos, tivemos, na corrida presidencial de 2018, um forte apelo
social no sentido de se combater à corrupção, bem como, por um maior liberalismo econômico,
neste ultimo sentido, fora editada a MP 881.

Em face da referida MP, foram proposta 3 Ações Diretas de Inconstitucionalidade,


quais sejam:

1. ADI 6556 – pelo PDT;

2. ADI 6184 – pelo SOLIDARIEDADE;

3. ADI 6217 – pelo CNTI (Confederação Nacional dos


Trabalhadores da Indústria).

Cabe-nos ainda destacar que todas estas Ações diretas de Inconstitucionalidades se


sustentam sob o argumento de inconstitucionalidade formal, ou seja, alegando que a dita
Medida Provisória padeceria dos requistos necessários à sua edição, quais sejam, relevância e
urgência.

Contudo, parece-nos, em princípio, que tais alegações não merecem guarida tendo
em vista que as consequências trazidas em curto e/ou médio prazo à sociedade gozam, sim, de
urgência e de inconteste relevância, uma vez que todos seriam beneficiários dos frutos de
melhorias econômicas e sociais.

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Outrossim, quanto à possibilidade edição de Medidas Provisórias por parte do
Presidente da República, não cabe a vinculação dos critérios de urgência e de relevância, sendo,
portanto, ato discricionário pertinente ao Presidente. Neste sentido se mantém firme o
entendimento da Suprema Corte consoante trecho que segue:

“Não se nega que é cabível o controle jurisdicional dos


requisitos constitucionais de relevância e urgência na edição de
Medidas Provisórias. Todavia, considerando o elevado grau de
indeterminação do sentido e do conteúdo de tais requisitos,
cumpre, em princípio, preservar a avaliação discricionária que,
a seu respeito, é feita pelo Presidente da República. Somente
em hipóteses excepcionais, quando demonstrada
manifestamente a ausência desses requisitos é que caberia
anular o ato normativo assim editado. É nesse sentido a
jurisprudência do STF”.

Ainda seguindo na esteira de Inconstitucionalidade, todas as 3 ADI’s explanadas,


traziam ainda o argumento de inconstitucionalidade material, sob as alegações de que a
Constituição Federal teria como base o Social, que estaria sendo contrariado em decorrência da
ingerência mínima do Estado na economia.

De toda sorte e de igual monta, tais argumentos são amplamente refutados por ter
a Constituição Federal como um dos fundamentos da república a livre iniciativa, que, alem disto,
é um dos fundamentos da Ordem Econômica, consoante dispositivos que destaco a seguir:

LEI Nº 13.874/19

Art. 1º Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade


Econômica, que estabelece normas de proteção à livre
iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e
disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo
e regulador, nos termos do caput do art. 1º, do parágrafo único
do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal.

Constituição da República Federativa do Brasil

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TÍTULO VII

DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA

CAPÍTULO I

DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do


trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:

[...]

IV - livre concorrência;

Logo, por ser a Livre Iniciativa tanto um Princípio da ordem econômica quanto um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil, tem sua legitimidade para ser um dos
valores a ser reforçado infraconstitucionalmente pela já descrita MP881.

Outro ponto que merece realce é quanto ao notório respeito à Competência


Constitucional da União para versar acerca de edição de normas gerais de direito econômico,
consoante artigo 24,§§ 1º ao 4º da CRFB, o que implica em refutar eventuais alegações acerca
de extrapolações materiais pela citada MP, afastando as alegações de Inconstitucionalidade
Materiais.

Prosseguindo na explanação, destaca-se os 4 princípios da Lei de Liberdade


econômica, quais sejam:

“Art. 2º São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:

I - a liberdade como uma garantia no exercício de atividades


econômicas;

II - a boa-fé do particular perante o poder público;

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III - a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o
exercício de atividades econômicas; e

IV - o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante


o Estado.

Parágrafo único. Regulamento disporá sobre os critérios de


aferição para afastamento do inciso IV do caput deste artigo,
limitados a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência.”

Da leitura do Artigo 3º da narrada Lei de Liberdade Econômica, temos o Capítulo II,


que traz a Declaração dos Direitos de Liberdade econômica, que, laconicamente, destaco:

I. Liberação (inexigibilidade) de alvarás para o exercício de


atividades de baixo risco, independentemente de
quaisquer circunstâncias.

II. Liberdade de horários em quaisquer dias da semana


e/ou nos finais de semana;

III. Liberdade de preços, vedando o tabelamento.

IV. Tratamento isonômico, gerando o denominado efeito


vinculante administrativo.

V. Presunção de boa-fé.

VI. Proteção contra normas defasadas.

VII. Permissão de testes de produtos sem atos de liberação.

VIII. Subsidiariedade das normas de direito empresarial,


reforçando a autonomia privada nos contratos
empresariais.

IX. Aprovação tácita em decorrência de eventuais omissões


como respostas dentro de prazo previamente
estabelecidos.

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X. Digitalização de documentos.

XI. Vedação a medidas compensatórias/mitigatórias


abusivas

XII. Inexigibilidade de certidões sem previsão legal

O artigo 4º prevê as garantias que assumem a figura de contenção ao abuso de


poder regulatório, mitigando a possibilidade de se ter o chamado de Capityalismo de Compadrio,
bem como, dirimindo a ocorrência da Captura Regulatória, e, especialmente, inibe a prática da
Corrupção.

No mesmo caminho, temos a previsão da AIR – Análise de Impacto Regulatório –


previsto no Artigo 5º, medida importantíssima cuja finalidade é de Controle da Inflação
Regulatória, sendo, portanto, imprescindível a execução de estudos para se averiguar o melhor
modo de se regular, bem como, o porquê de se regular, melhorando, consequentemente, a ação
regulatória em nosso país.

DESCONSIDERAÇÃO DA PJ
Em se falando de desconsideração da Personalidade jurídica, tendo-a como um fator,
cuja finalidade é reprimir o uso abusivo da personalidade jurídica, preliminarmente, devemos
entender o que é a pessoa jurídica e qual a sua importância, singularmente ao mercado e ao
direito empresarial.

Neste sentido, destacamos o seguinte texto quanto à Separação patrimonial e


limitação de responsabilidade. Vejamos, portanto:

“O princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas,


consagrado no art. 1.024 do Código Civil, constitui uma
importantíssima ferramenta jurídica de incentivo ao
empreendedorismo, na medida em que consagra a limitação de
responsabilidade – a depender do tipo societário adotado – e,
consequentemente, atua como importante redutor do risco
empresarial” (SANTA CRUZ, André. Direito Empresarial. São

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Paulo: Método, 2019).

Em suma, a sociedade, como pessoa jurídica, é dotada de personalidade jurídica e,


portanto, possui patrimônio próprio, bem como, responsabilidade patrimonial autônoma, o que
lhe permite responder por dividas e obrigações por ela própria adquirida.

Do texto supratrancrito, afirma o autor, ser a autonomia patrimonial das pessoas


jurídicas uma “ferramenta jurídica de incentivo ao empreendedorismo” por garantir,
minimamente, aos sócios a não afetação de seu patrimônio caso não obtenham sucesso na
empreitada. Na mesma esteira de pensamento, destaco os seguintes trechos:

“Observe-se que ao Estado interessa essa permissão de


formação de entes independentes inconfundíveis com a figura
humana, principalmente na sociedade capitalista, entendida
essa no sentido preconizado por Max Weber, ou seja, uma
sociedade que busca o lucro renovado ‘por meio da empresa
permanente, capitalista e racional’” (NAHAS, Thereza Christina.
Desconsideração da pessoa jurídica. São Paulo: Atlas, 2004. p.
143.

“essa limitação de responsabilidade no exercício de atividades


econômicas, sob a forma de sociedades regulares, é meio
idôneo a estimular o progresso, pois os sujeitos que desejam
concorrer para uma determinada empresa têm como conhecer
previamente seus riscos patrimoniais” (FÉRES, Marcelo Andrade.
Sociedade unipessoal no direito comunitário europeu – Novos
estudos de direito comercial em homenagem a Celso Barbi
Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 175).

“a organização da atividade econômica sob a forma de


sociedades é uma poderosa força para o crescimento. O
ambiente regulatório e legal sob o qual as pessoas jurídicas

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operam é, dessa forma, de importância central para os
resultados econômicos em geral” (OCDE).

Logo, não devemos ter a segregação patrimonial das pessoas jurídicas como
sinônimo de impunidade aos mal-intencionados que por ventura possam surgir por detrás das
diversas formas de personalidades jurídicas. Pois, em quaisquer países que defendam a
liberdade econômica, têm-se regras sérias acerca das proteções de investimentos com a
finalidade de permitir aos empresários a segregação patrimonial de forma segura, permitindo
uma melhor avaliação dos riscos de um empreendimento.

Porém, as regras de limitações de responsabilidades e de separação patrimonial das


pessoas jurídicas dos de seus sócios, nunca fora perfeitamente compreendidas, o que implica
numa insegurança jurídica aos empreendedores e aos investidores. Neste sentido, destaca-se o
texto que segue:

O FIM DA RESPONSABILIDADE LIMITADA NO BRASIL

Bruno Salama

“No Brasil, a responsabilidade limitada tal qual originalmente


concebida há aproximadamente um século não existe mais.
Salvo casos razoavelmente excepcionais como o das empresas
com ações listadas em bolsa – e mesmo nessas, há margem
para dúvida em certos casos, e há também exceções – com
grande frequência é possível estabelecer a responsabilidade de
sócios e outros terceiros por dívidas de empresas cuja forma
societária preveja responsabilidade limitada. A primeira parte
desta obra examina o processo histórico através do qual o
regime de responsabilidade limitada estabelecido
originalmente em 1919 foi sendo minado, a ponto de, um
século depois, encontrar-se praticamente desfeito.”

Isto posto, merece relevo a inclusão do Artigo 49-A no Código Civil, vejamos, pois:

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Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios,
associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas


jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de
riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular
empreendimentos, para a geração de empregos, tributos,
renda e inovação em benefício de todos.

É importante salientar ao fato de ter sido dado à desconsideração da Personalidade


Jurídica, pelo Caput deste dispositivo, uma abrangência que não mais se limita à sociedade, mas
também se aplica às associações, Instituições e aos administradores.

Quanto ao que dispõe o Parágrafo Único, tem-se uma regra clara e devidamente
legalista, segundo a qual, a autonomia patrimonial tem o objetivo de se encorajar o
empreendedorismo e de garantir a não afetação patrimonial, via de regra, dos sócios,
instituidores e/ou administradores.

Quanto à nova redação do art. 50, caput, do CC. Vejamos:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,


caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares
de administradores ou de sócios da pessoa jurídica
beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

A regra que agora se impõe é no sentido de vedar a afetação patrimonial


indistintamente de todos os sócios, restringindo-a à tão somente aos beneficiários pelos frutos
do abuso. Coadunando, portanto, o texto legal ao prévio entendimento dos tribunais que se
encontram a seguir:

“os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica


somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou

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que dela se beneficiaram, ainda que se trate de sócio
majoritário ou controlador” (REsp 1.325.663/SP).

“desconsideração da personalidade jurídica, quando cabível,


atinge os bens dos sócios ou administradores que praticaram
ou se beneficiaram da conduta ilícita” (AgInt no REsp
1.740.658/DF).

Diferentemente do que se tinha do anterior texto legal relativo à possibilidade de


hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, o novo texto do Código Civil prevê a
definição de desvio de finalidade, qual seja:

Art. 50, [...]

§1º. Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é


a utilização dolosa1 da pessoa jurídica com o propósito de lesar
credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

Vejamos algumas críticas pertinentes ao referido dispositivo, sendo esta primeira


uma crítica contrárias à alteração e, as três seguintes, favoráveis:

“Este parágrafo conceituou o desvio de finalidade. A sua


redação não nos agrada. É tarefa primordial da doutrina firmar
conceitos. Mas, ainda que se obtempere que a definição trazida
pelo legislador traria uma maior segurança jurídica, por outro, a
expressa menção à ‘utilização dolosa’ como requisito para
caracterizar o desvio é, em nosso sentir, um retrocesso. A
desnecessidade de se comprovar o dolo específico - a intenção,
o propósito, o desiderato - daquele que, por meio da pessoa
jurídica, perpetrou o ato abusivo, moldou a teoria objetiva,
mais afinada à nossa realidade socioeconômica e sensível à
condição a priori mais vulnerável daquele que, tendo o seu
direito violado, invoca o instituto da desconsideração”.

1
O texto legal não mais possui o termo “dolosa”, que fora alvo de diversas críticas por parte da doutrina, contudo o
termo fora retirado por ter sido considerado redundante tendo em vista a finalidade específica imposto pelo termo
“propósito” no mesmo dispositivo. Logo, ainda se faz a comprovação do elemento subjetivo da conduta ilícita.

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(STOLZE, Pablo. https://jus.com.br/artigos/73648/a-medida-
provisoria-da-liberdade-economica-e-a-desconsideracao-da-
personalidade-juridica-art-50-cc).

“Com a alteração, o desvio de finalidade passa a ser


necessariamente um ato doloso para lesar credor ou praticar
outros atos ilícitos (lavagem de dinheiro, ocultação de bens…).
Tal conceito já foi criticado pelo professor Pablo Stolze,
especialmente pela exigência da comprovação do dolo, que não
era exigida anteriormente. Todavia, é certo que o STJ, quanto à
desconsideração por desvio de finalidade da personalidade
jurídica, já exigia ‘ato intencional com intuito de fraudar
terceiros’ (REsp 1572655/RJ). Sendo assim, a alteração
legislativa está em consonância com a jurisprudência da Corte
Superior, que já afirmou serem considerados em desvio de
finalidade os atos dos sócios com intenção de lesar terceiros
com a ocultação de bens de pessoas físicas no patrimônio de
pessoas jurídicas (REsp 1721239/SP). Tratando-se de um ilícito,
é natural exigir também o elemento subjetivo, sob pena de
aniquilar-se a autonomia patrimonial da pessoa jurídica por
completo” (BODART, Bruno e TOMAZETE, Marlon.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/pensando-
direito/mp-881-e-a-desconsideracao-da-personalidade-juridica-
no-codigo-civil-23052019#sdfootnote23sym).

“Quanto à definição de desvio de finalidade trazida no §1º,


caracterizada pela ‘utilização dolosa da pessoa jurídica com o
propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de
qualquer natureza’ (grifos nossos), ela basicamente deu força
legal ao entendimento jurisprudencial consolidado nesse

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sentido, que já havia caracterizado o desvio de finalidade como
o ‘ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso
abusivo da personalidade jurídica’, de modo a confirmar o
modelo subjetivo e agravado adotado pelos tribunais brasileiros,
que exige comprovação de dolo no caso concreto”

(SPERCEL, Thiago e LAZARINI, Victor Goulart.


https://www.machadomeyer.com.br/pt/imprensa-ij/mp-da-
liberdade-economica-e-mudancas-ao-art-50-do-codigo-civil).

“Portanto, data maxima venia, não concordamos com a tese


defendida por muitos autores segundo a qual, na redação
originária do art. 50 do Código Civil, ‘a caracterização do desvio
de finalidade que, até então objetiva, passou a depender da
demonstração do dolo de lesar credores e de praticar atos
ilícitos’, por entendermos que sempre foi subjetiva, porém, o
dolo era inferido das circunstâncias objetivas, tendo em vista
que a desconsideração da personalidade jurídica é uma medida
excepcional” (SANTANA, Danilo Rodrigues.
https://danilorodrigues.jusbrasil.com.br/artigos/710172610/me
dida-provisoria-da-liberdade-economica-881-2019-e-as-
alteracoes-na-desconsideracao-da-personalidade-juridica-cc-
art-50).

Destarte, é crível que se mantenha o entendimento do STJ, no sentido de se exigir a


intenção para que se caracterize o abuso da personalidade jurídica com base no desvio de
finalidade.

Outro ponto que merece destaque é pertinente à definição de “confusão


patrimonial” com fim de se justificar a desconsideração da personalidade jurídica. Vejamos:

Art. 50 [...]

§2º. Entende-se por confusão patrimonial a ausência de

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separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do


sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas


contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente
insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Acerca do exposto, cabe-nos salientar o que entendeu o Professor Flavio Tartuce:

“Sobre a confusão patrimonial, são parâmetros propostos pela


MP para que fique caracterizada a ausência de separação de
fato entre os patrimônios da pessoa jurídica e de seus membros:
a) o cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do
sócio ou do administrador ou vice-versa;

b) a transferência de ativos ou de passivos sem efetivas


contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente
insignificante; e

c) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.


Sobre a primeira previsão, sugiro que seja retirada a palavra
‘repetitivo’, pois a confusão patrimonial pode estar configurada
por um único cumprimento obrigacional da pessoa jurídica em
relação aos seus membros, pois, por um ato isolado, é possível
realizar um total esvaziamento patrimonial com o intuito de
prejudicar credores. Com relação às demais propostas, têm a
minha concordância, apesar de que o termo ‘insignificante’
pode gerar dúvidas. Em complemento, penso que seria
interessante acrescentar alguma previsão ampla a respeito da
‘promiscuidade de fundos’ (‘comingling of funds’), para o
devido enquadramento no caso concreto de outras hipótese de
confusão patrimonial não prevista na MP” (TARTUCE, Flávio.

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https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI301612,41046-
A+MP+88119+liberdade+economica+e+as+alteracoes+do+Codi
go+Civil ).

Em sentido oposto ao que entende Flavio Tartuce no texto exposto quanto à


desnecessidade do termo “repetitivo”, vejamos o que se sucede:

“Embora seja razoável essa exigência de repetição, uma vez que


nos pequenos negócios esse tipo de pagamento cruzado é
comum, é necessário ter cautela para exigir apenas a reiteração
suficiente para demonstrar o abuso da personalidade jurídica. O
mais importante é que, pela interconexão entre as operações
da pessoa jurídica e do sócio ou administrador, não exista uma
separação fática entre eles, de modo que a personalidade
jurídica seja usada como ‘mero instrumento’ para os interesses
de seu controlador” (BODART, Bruno e TOMAZETE, Marlon.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/pensando-
direito/mp-881-e-a-desconsideracao-da-personalidade-juridica-
no-codigo-civil-23052019#sdfootnote23sym).

A possibilidade de aplicação da “desconsideração inversa” da personalidade jurídica,


nomenclatura dada pela doutrina e jurisprudência de nosso ordenamento jurídico, passa a ter
força normativa com a previsão do dispositivo seguinte:

Art. 50 [...]

§3º. O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também


se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de
administradores à pessoa jurídica.

Nesta esteira, destacamos o anterior entendimento de nossos tribunais quanto à


possibilidade de se aplicar tal instituto. Vejamos:

“A desconsideração inversa consiste em aplicar os fundamentos da disregard


doctrine para permitir que a pessoa jurídica responda por obrigações pessoais de um ou mais
sócios, conforme já decidiu o STJ:

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‘considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é
combater a utilização indevida do ente societário por seus
sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio
controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na
pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do
art. 50 do CC/2002, ser possível a desconsideração inversa da
personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em
razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto
preenchidos os requisitos previstos na norma (REsp
948.117/MS)’”.

É comum a aplicação da desconsideração inversa em questões relativas ao direito de


família, quando se constata que um dos cônjuges cria uma pessoa jurídica para ocultação de
patrimônio, a fim de afastá-los da partilha ou frustrar a cobrança de pensão alimentícia.
Portanto, destacamos um julgado em REsp e o Enunciado da Jornada de Direito Civil.

“É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica


sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de
pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa
física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro
direitos oriundos da sociedade afetiva” (REsp 1.236.916/RS).

Enunciado 283 das Jornadas de Direito Civil:

“é cabível a desconsideração da personalidade jurídica


denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu
da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com
prejuízo a terceiros”.

O tratamento que se deu aos grupos econômicos que pela alteração legislativa é de
suma importância devido ao fato de que, a simples existência de um Grupo Econômico, sem que
se comprove o desvio de finalidade e/ou a confusão patrimonial, não é hábil para justificar a
desconsideração da personalidade jurídica. Vejamos:

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Art. 50, §4º. A mera existência de grupo econômico sem a
presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não
autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Neste caminho, é importante destacarmos o entendimento do STJ e o que segue


exposto pelo Enunciado 406 da Jornada de Direito Civil:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


TRIBUTÁRIO. PESSOAS JURÍDICAS PERTENCENTES A UM MESMO
GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA QUE NÃO
SE PRESUME. NECESSIDADE DE PROVA DE ILÍCITO QUE
AUTORIZE A DESCONSIDERAÇÃO DAS PERSONALIDADES
AUTÔNOMAS. (...) 1. O mero fato de pessoas jurídicas
pertencerem a um mesmo grupo econômico não enseja, por si
só, a responsabilidade solidária dessas entidades. 2. Eventual
confusão entre as diferentes personalidades jurídicas, capaz de
conduzir à responsabilidade solidária, dependeria de exame do
acervo fático probatório dos autos (...)” (AgRg no AREsp
549.850/RS).

Enunciado 406 das Jornadas de Direito Civil:

"a desconsideração da personalidade jurídica alcança os grupos


de sociedade quando estiverem presentes os pressupostos do
art. 50 do Código Civil e houver prejuízo para os credores até o
limite transferido entre as sociedades".

Ainda assim, destaca-se o Enunciado 91 das Jornadas de Direito Comercial:

“A desconsideração da personalidade jurídica de sociedades


integrantes de mesmo grupo societário (de fato ou de direito)
exige a comprovação dos requisitos do art. 50 do Código Civil
por meio do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica ou na forma do art. 134, § 2º, do Código de Processo
Civil”.

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Os dois julgados que seguem demonstram o entendimento que consolidado de que
se faz necessária a devida comprovação da ocorrência do que dispõe o parágrafo 1º e 2º do
Artigo 50, ou seja, a Confusão Patrimonial e/ou o Desvio de Finalidade.

“É possível atingir, com a desconsideração da personalidade


jurídica, empresa pertencente ao mesmo grupo econômico da
sociedade empresária falida, quando a estrutura deste é
meramente formal, sendo desnecessário o ajuizamento de
ação autônoma para a verificação de fraude ou confusão
patrimonial. Precedentes” (RMS 29.697/RS)

“Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno


de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios
formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar
patrimônio de empresa em situação pré-falimentar, é
necessário que o Poder Judiciário também inove sua atuação,
no intuito de encontrar meios eficazes de reverter as manobras
lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos. (...) Na
hipótese de fraude para desvio de patrimônio de sociedade
falida, em prejuízo da massa de credores, perpetrada
mediante a utilização de complexas formas societárias, é
possível utilizar a técnica da desconsideração da
personalidade jurídica com nova roupagem, de modo a atingir
o patrimônio de todos os envolvidos” (REsp 1.259.018/SP).

Contudo, deve-se ter tato quando da aplicação da personalidade jurídica, seja


quando se tratar de uma única pessoa jurídica, seja de grupos societários, com vistas a se
assegurar a regra de aplicação dos efeitos da desconsideração, para que se aplique aos que se
beneficiarem da fraude/abuso, mesmo que indiretamente.

Idêntica alteração que fora alvo de críticas doutrinárias foi a que se evidencia:

Art. 50, [...]

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§ 5º. Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a
alteração da finalidade original da atividade econômica
específica da pessoa jurídica.

Neste mesmo curso, contudo de sobremaneira construtiva, merece ênfase a


seguinte crítica:

“Ao dispor que não constitui desvio de finalidade a ‘alteração da


finalidade original da atividade econômica específica da pessoa
jurídica’, o legislador dificultou sobremaneira o seu
reconhecimento: aquele que ‘expande’ a finalidade da atividade
exercida - como pretende a primeira parte da norma - pode não
desviar, mas aquele que ‘altera’ a própria finalidade original da
atividade econômica da pessoa jurídica, muito provavelmente,
desvia-se do seu propósito. Caberá, portanto, neste ponto, à
jurisprudência, estabelecer as balizas razoáveis de
interpretação para que o instituto da desconsideração não
perca a sua eficácia, tão importante para a salvaguarda do
crédito no Brasil” (STOLZE, Pablo.
https://jus.com.br/artigos/73648/a-medida-provisoria-da-
liberdade-economica-e-a-desconsideracao-da-personalidade-
juridica-art-50-cc).”

Há ainda o fluxo de responsabilização direta do agente que deu causa da ação


abusiva sem que seja necessária a efetiva desconsideração da personalidade jurídica, conforme
entendimento que se apresenta:

“A atividade do administrador para além do objeto e da


finalidade da pessoa jurídica pode caracterizar um ato ultra
vires, com a responsabilidade desse agente
independentemente de qualquer desconsideração da pessoa
jurídica” (LEONARDO, Rodrigo Xavier e RODRIGUES JR., Otávio
Luiz. https://www.conjur.com.br/2019-mai-06/direito-civil-atual-
mp-liberdade-economica-mudou-codigo-civil).

20
“O esforço legislativo para restringir a desconsideração da
personalidade jurídica às situações de abuso é positivo. Um
movimento doutrinário e legislativo, iniciado na década de
1990, fragilizou excessivamente a separação patrimonial.

No Direito brasileiro, ao que se sabe em sentido oposto ao que


ocorre na grande maioria dos demais países de tradição
romanística, há quase uma dezena de regras diferentes de
desconsideração da pessoa jurídica. Assim, não há uma teoria
ou um regime de desconsideração da pessoa jurídica. Há
diversas teorias da desconsideração da pessoa jurídica, com
pressupostos e requisitos igualmente diferentes, que podem ser
encontrados em um emaranhado normativo pouco uniforme.
Além do mais, há diversos instrumentos de dilatação da
responsabilidade de sócios, associados ou administradores que,
embora guardem semelhança com a teoria surgida no final do
século XIX na jurisprudência inglesa, não se confundem com a
desconsideração da personalidade jurídica. São exemplos dessa
variegada conformação da disregard doctrine no Brasil o artigo
50 do Código Civil e o artigo 28 da Lei 8.078/1990. Quanto às
formas de dilatação da responsabilidade pessoal, vejam-se o
artigo 4º da Lei 9.605/98, o artigo 18, parágrafo 3º da Lei
9.847/99, o artigo 23 do Decreto 2.953/99, o artigo 34 da Lei
12.529/11, o artigo 14 da Lei 12.846/13 e, muitas vezes, a
medida é alicerçada no artigo 2º da CLT e nos artigos 124 e 125
do CTN)”.

“Um país com esse enorme rol de hipóteses legislativas de


desconsideração da pessoa jurídica não parece dispor de um
princípio sólido sobre a separação patrimonial, o que se

21
acentua pelo contraste decorrente da não manutenção do
artigo 20 do Código Civil de 1916 (“As pessoas jurídicas têm
existência distinta da dos seus membros”) no texto do código
em vigor.

Tantas são as hipóteses de desconsideração da pessoa jurídica


ou de dilatação anômala da responsabilidade pessoal do sócio
que, em determinado momento, foi justificado questionar se no
Brasil efetivamente se considerava a separação patrimonial
como uma característica adequada, típica e geral das pessoas
jurídicas.

Os excessos no uso da desconsideração da pessoa jurídica


resultaram, por exemplo, no esforço legislativo verificado no
Código de Processo Civil, que ressaltou (como se de fato isso
fosse preciso) que a excepcional medida somente poderia ser
deferida desde que presente algum dos requisitos legais (artigo
133, parágrafo 1º e artigo 134, parágrafo 4º, CPC de 2015).

A MP 881/2019, ao alterar apenas o Código Civil, mantém as


demais regras de desconsideração da pessoa jurídica ou de
dilatação de responsabilidade nas quais o desvirtuamento da
excepcional medida é mais abrangente. Neste sentido, os
âmbitos de excesso da desconsideração da personalidade
jurídica encontram-se mantidos” (LEONARDO, Rodrigo Xavier e
RODRIGUES JR., Otávio Luiz. https://www.conjur.com.br/2019-
mai-06/direito-civil-atual-mp-liberdade-economica-mudou-
codigo-civil).

“Nesse contexto, ainda que se reconheça que as mudanças ao


artigo 50 trazidas pela MP da Liberdade Econômica serão
positivas nas relações entre empresários, entendemos que a

22
MP deixou de combater a principal raiz do problema quando
se fala em limitação da responsabilidade: a existência de
múltiplos parâmetros de aplicação da teoria menor da
desconsideração nos diversos microssistemas jurídicos e a
inconsistência de interpretação das cortes sobre os limites da
desconsideração” (SPERCEL, Thiago e LAZARINI, Victor Goulart.
https://www.machadomeyer.com.br/pt/imprensa-ij/mp-da-
liberdade-economica-e-mudancas-ao-art-50-do-codigo-civil).

INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS


Ao tratar o conteúdo de interpretação dos negócios jurídicos, se faz importante a
comparação do texto inicial previsto pela MP 881 com seu texto final, aprovado pelo congresso
nacional e sancionado pelo Presidente da República, agora vigente como a Lei de Liberdade
Econômica. Portanto, será desta forma a condução da presente aula.

Tínhamos, na redação original da MP 881, três regras sobre esse assunto, sendo a
primeira como regra geral prevista no art. 423, caput, no qual se estendeu a regra da
interpretação contra proferentem a todos os demais contratos, não somente limitados aos de
adesão. As outras duas são regras específicas, acrescentando no Código Civil os artigos 480-A e
480-B. Estas duas ultimas regras eram específica por tratarem de resolução contratual por
onerosidade excessiva e, principalmente, por estar relacionadas à relação empresarial,
puramente. Destaco, portanto, o texto original constante na MP nº 881.

Art. 480-A. Nas relações interempresariais, é lícito às partes


contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a
interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto
contratual.

Sendo o Artigo acima uma reprodução do texto legal constante no Enunciado 23 das
Jornadas de Direito Comercial.

Art. 480-B. Nas relações interempresariais, deve-se presumir a


simetria dos contratantes e observar a alocação de riscos por

23
eles definida.

Sendo, nos mesmos moldes, o texto acima uma reprodução do Enunciado 25 das
Jornadas de Direito Comercial.

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas que


gerem dúvida quanto à sua interpretação, será adotada a mais
favorável ao aderente.

Parágrafo único. Nos contratos não atingidos pelo disposto no


caput, exceto se houver disposição específica em lei, a dúvida
na interpretação beneficia a parte que não redigiu a cláusula
controvertida.

Da leitura do dispositivo supratranscrito, devemos atentar ao fato de que:

1. Houve uma alteração do texto legal do Caput original constante no


Código Civil, que prescrevia a regra de interpretação contra proferentem
em caso de ambiguidade, passando a determiná-la em caso de dúvida na
sua interpretação.

2. Incluindo o Parágrafo Único, deu-se interpretação ampla a todos os


contratos para a regra do Caput, ou seja, será aplicado aos demais
contratos a interpretação contra proferentem, salvo se houver previsão
específica em contrário em texto legal.

Com a passagem do texto da MP 881 pelo congresso nacional, não mais subsistem as
referidas alterações legais, porém, mantiveram-se as ideias globais destas, de forma concentrada
no Artigo 113 do Código Civil, que versa sobre a interpretação dos negócios jurídicos, que segue
abaixo:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados


conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o


sentido que:

24
I – for confirmado pelo comportamento das partes posterior à
celebração do negócio;

II – corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado


relativas ao tipo de negócio;

III – corresponder à boa-fé;

IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se


identificável; e

V – corresponder a qual seria a razoável negociação das partes


sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do
negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas
as informações disponíveis no momento de sua celebração.

§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de


interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração
dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.

Da análise do dispositivo acima, podemos verificar a manutenção do que se pretendeu


estabelecer quando da elaboração do texto original da MP, ainda assim, trouxe o texto final
algumas alterações com aprimoramentos destes ideais, como o que consta no inciso V, que
objetiva a racionalidade econômica das partes, como também a ideia de que seja, na
interpretação do negócio jurídico, seja levado em consideração o sentido que as partes derem
ao negócio jurídico por seu atuar, em momento posterior à celebração do mesmo, conforme
inciso I do Parágrafo 1º, acima.

Na mesma esteira, vejamos o dispositivo que segue, incluído no Código Civil, trazendo no
inciso I que contem, não mais de forma restrita, o que estava contido no 480-A da MP, e, no
inciso II, o que era previsto no 480-B, também no texto original da MP 881.

Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se


paritários e simétricos até a presença de elementos concretos
que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os
regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também

25
que:

I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros


objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus
pressupostos de revisão ou de resolução;

II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser


respeitada e observada; e

III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira


excepcional e limitada.

Quanto às regras introduzidas em nosso ordenamento jurídico pela Lei de Liberdade


Econômica, relativas à Interpretação dos Negócios Jurídicos, é mister salientar que:

i. O primeiro pensamento que se fazia acerca da INTERPRETAÇÃO em


nosso ordenamento jurídico, era, logicamente, relativo à
interpretação das normas Legais, afastando-se da regra a
Interpretação das normas negociais. Porém, como foram explanadas
acima, as alterações legislativas tendem a mudar este cenário,
forçando a ampliação do pensamento da hermenêutica aos negócios
jurídicos.

ii. A Lei de Liberdade Econômica fora, indiscutivelmente, influenciada


pelo pensamento das Análises Econômicas do Direito.

Acerca do exposto no item 1 anterior, destacamos o entendimento do Mestre Fabio


Ulhoa Coelho:

“Até a entrada em vigor da Lei 13.874/19, o Código Civil era por


demais econômico na disciplina do assunto (interpretação dos
negócios jurídicos), limitando-se à clássica formulação da
prevalência da intenção consubstanciada na declaração sobre a
literalidade da cláusula. A alteração introduzida no art. 113
pela Lei da Liberdade Econômica pretendeu ampliar o rol de
critérios legais de interpretação dos negócios jurídicos; tendo

26
sido redundante, no caso dos incisos II e III, ao contemplar
critérios que já se encontravam e permaneceram no caput do
dispositivo. De qualquer modo, antes disso, somente no Código
Comercial de 1850, o legislador havia se detido sobre o tema
(arts. 130 e 131)”. (COELHO, Fábio Ulhoa. A interpretação dos
negócios jurídicos após a Lei das Liberdades Econômicas)

Com fins de esclarecer o que disse o texto acima, relativo à previsão no Código Comercial
de 1850, trago o texto que segue:

“Art. 130 - As palavras dos contratos e convenções mercantis


devem inteiramente entender-se segundo o costume e uso
recebido no comércio, e pelo mesmo modo e sentido por que
os negociantes se costumam explicar, posto que entendidas de
outra sorte possam significar coisa diversa.

Art. 131 - Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato,


a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre
as seguintes bases:

1 - a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à


boa fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá
sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras;

2 - as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não


forem, e que as partes tiverem admitido; e as antecedentes e
subseqüentes, que estiverem em harmonia, explicarão as
ambíguas;

3 - o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver


relação com o objeto principal, será a melhor explicação da
vontade que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo
contrato;

4 - o uso e prática geralmente observada no comércio nos casos


da mesma natureza, e especialmente o costume do lugar onde

27
o contrato deva ter execução, prevalecerá a qualquer
inteligência em contrário que se pretenda dar às palavras;

5 - nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo


as bases estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor.”2

Relativamente ao que se expôs no item II acima, pertinente à Análise Econômica do


Direito, vejamos os textos pertinentes:

“O Direito é, de uma perspectiva objetiva, a arte de regular o


comportamento humano. A Economia, por sua vez, é a ciência
que estuda como o ser humano toma decisões e se comporta
em um mundo de recursos escassos e suas consequências. A
Análise Econômica do Direito, portanto, é o campo do
conhecimento humano que tem por objetivo empregar os
variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das
ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do
direito, aperfeiçoando o desenvolvimento, a aplicação e a
avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às
suas consequências” (GICO, Ivo. Introdução ao Direito e
Economia).

“A AED (Análise Econômica do Direito) procura responder a


algumas perguntas essenciais. Primeiramente, quais são os
efeitos das regras jurídicas sobre as decisões dos agentes?
Segundo, esses efeitos são socialmente desejáveis? Ainda, uma
das questões centrais é como desenhar políticas, leis,
instituições que gerem os incentivos “corretos” aos agentes
econômicos.” (TABAK, Benjamin Miranda. A análise econômica
do Direito).

Vale, ainda, destacar que a AED não se aplica apenas ao direito empresarial, mas a todos
os ramos do Direito. Porém é indubitável que, uma das áreas em que a análise econômica é mais

2
Trecho do Código Comercial de 1850.

28
importante, é o direito contratual.

Isto posto, ao se fazer uma análise econômica dos contratos, percebe-se que se trata de
um instituto imprescindível ao desenvolvimento da civilização, tendo em vista ser o contrato a
base das trocas entre os homens, indo desde o escambo ao comércio eletrônico, naquele caso,
quando o homem produz em excesso com fins de instrumentalizar as trocas. Servindo ainda o
contrato como principal instrumento de mobilidade social e econômica, consoante afirma a “Lei
de Maine”, que afirma que o movimento das sociedades progressistas passou do Status ao
Contrato, sendo este o que possibilita a ascensão do indivíduo sem que seja levado em conta o
critério consanguíneo para tais fins, como se deu em determinados momentos na evolução
histórica da sociedade.

Item, foi o contrato que possibilitou a “Divisão e especialização do trabalho”, desde os


ideais de Adam Smith, segundo o qual, é a causa do desenvolvimento econômico de uma
sociedade, implicando, por conseguinte em geração de riqueza, por se dar, pela celebração dos
contratos a melhor alocação dos bens, em que se transfere de um indivíduo a outro.

Portanto, vejamos:

Para que os contratos cumpram de forma eficiente sua função


econômica, é importante que as partes sejam livres para
contratar, uma vez que “a ideia de que acordos voluntários
levam ao ponto de ótimo social é, a princípio, verdadeira”. Isso
nos leva à defesa de nenhuma ou de pouca intervenção
estatal nos contratos. Para os defensores dessa pouca
intervenção, ela se restringiria às situações de “falhas de
mercado”, como externalidades, assimetrias de informação,
custos de transação, bens públicos etc. (TIMM, Luciano. Análise
econômica dos contratos.).

Em suma, a par das alterações textuais entre o que se tinha como original na elaboração
da MP e o que se resultou quando em trâmite pelo congresso nacional, e na consequente
sanção presidencial e promulgação da Lei de Liberdade Econômica, e, tendo sido explanado o

29
cuidado do texto final ao tratar da interpretação dos negócios jurídicos, bem como, tendo se
esclarecido sua influência na Análise Econômica do Direito, é imprescindível uma melhor análise
dos incisos do Artigo 113. Vejamos, portanto:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados


conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o


sentido que:

I – for confirmado pelo comportamento das partes posterior à


celebração do negócio;

O inciso em destaque acima sustenta que, em caso de eventual dúvida quanto a


determinado ponto do negócio jurídico, poderá se dar como regra para fins de solução de
eventual litígio e/ou dissonância, o que, pelo atuar mútuo das partes celebrantes, se deu como
padrão. Ou seja, como por exemplo, não se restou claro no contrato qual seria o dia de
pagamento da dívida e, tendo o devedor, durante razoável período, efetuado o pagamento no
dia 20, sem que houvesse óbice por parte do credor, restaria, portanto, pelo atuar das partes,
determinado que seria o pagamento efetuado todo dia 20, via de regra. Neste curso, vejamos o
texto pertinente:

“O critério de hermenêutica especial aqui examinado guarda


proximidade com a ‘supressio’. Se uma parte se conduz de
modo a despertar na outra a legítima expectativa de ter se
conformado com o inadimplemento de uma obrigação ou o
descumprimento de um dever, ela perde o direito de
posteriormente demandar a sua observância. Consequência
do dever de boa-fé, a supressio está ligada à noção de
‘comportamento comum’. Se uma parte aceitou ou tolerou que
a outra se comportasse como se o contrato devesse ser
interpretado conforme a esse comportamento, não poderá
depois alegar que interpretava diferentemente o ajuste”.
(COELHO, Fábio Ulhoa. A interpretação dos negócios jurídicos

30
após a Lei das Liberdades Econômicas)

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados


conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o


sentido que:

II – corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado


relativas ao tipo de negócio;

O inciso em destaque firma a regra de observância do que se tem como regra no tipo de
negócio, ainda que não expressamente prevista em lei. Nesta esteira, destaca-se com
importância a regra que segue acerca da competência para se estabelecer o que se tem como
norma do tipo de negócio, que é da Junta Comercial local. Vejamos a regulamentação dada
pelos artigos 87 e 88 do Decreto 1.800/1996 à LEI Nº 8.934/94:

Art. 8º Às Juntas Comerciais incumbe:

(...)

VI - o assentamento dos usos e práticas mercantis.

Prosseguindo:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados


conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o


sentido que:

III – corresponder à boa-fé;

Ao contrário do que se tinha outrora, a regra de observância do princípio da boa-fé tem o


condão de mitigar a instabilidade das relações contratuais. Nesta seara, cabe a leitura do que
segue:

“De modo bastante concreto, se, antes da Lei n. 13.784/19, a

31
previsão da ‘boa-fé’ como critério de interpretação de negócio
jurídico (previsto no caput do art. 113 do CC) tinha se mostrado
um elemento de instabilização da vontade contratada, a partir
de socorro a paradigmas muito abstratos e extremamente
subjetivos do que esse padrão significaria, agora, deve-se
corrigir o prumo, de modo a se aplicar esse mesmo critério
exegético (inserido no inciso III do § 1º) para o fortalecimento
da autonomia privada, do contrato e da vinculação das partes
às declarações exaradas”. (COELHO, Fábio Ulhoa. A
interpretação dos negócios jurídicos após a Lei das Liberdades
Econômicas)

É importante ter como plano de fundo, quando da leitura e interpretação da Lei de


Liberdade Econômica, o espírito que se buscou quando da elaboração da referida lei, que deve
se mostrar com o fulcro de corroborar o que já vinha sendo explanado pelos nossos tribunais,
bem como ao fato de defender a mitigação da intervenção do Estado na Economia, como prevê
a Constituição da República federativa do Brasil, como, de igual monta, ampliar a autonomia
privada, concedendo maior liberdade de atuação na Economia, protegendo o investimento
privado, e, ainda reforçando a vinculação do contratando ao contratado, como rege o princípio
da pacta sun servanda, dentre outros elementos norteadores.

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados


conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o


sentido que:

IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se


identificável; e

O inciso acima já fora analisado anteriormente, onde se comprovou a regra de aplicação


da interpretação contra proferentem. Porém, é importante salientar que, somente será aplicada
quando for possível se proceder à identificação do redator do referido contrato. Neste sentido,
ressalta-se:

32
“If contract terms supplied by one party are unclear, an
interpretation against that party is preferred” (Artigo 4.6 dos
princípios do Unidroit).

É importante atentar ao fato de que tal regra já existia há tempos no Brasil, contudo
somente aplicável aos contratos de adesão. Porém, com o advento da Lei de Liberdade
Econômica, estendeu-se sua aplicação a todos os contratos, mas apenas quando for possível
identificar quem redigiu a cláusula controvertida. Cuja finalidade é a de criar incentivos à
melhoria dos contratos, evitando, com isto, grandiosa mitigação dos litígios.

Ainda assim, merece destaque a crítica que segue:

“Uma vez mais, o legislador foi infeliz na disciplina do contrato


empresarial. Ao dar importância, para fins de interpretação do
contrato, saber qual parte havia redigido a cláusula em primeiro
lugar, a lei força os empresários a manterem arquivadas todas
as versões de minutas trocadas entre elas no curso das
negociações. Isso aumenta os custos das empresas, no sentido
oposto ao pretendido pela Lei das Liberdades Econômicas. É
provável até mesmo que relutem os advogados dos
empresários em tomarem a iniciativa de elaboração da minuta
do contrato, numa estranha inversão das tradicionais táticas de
negociação, no Brasil”. (COELHO, Fábio Ulhoa. A interpretação
dos negócios jurídicos após a Lei das Liberdades Econômicas)

Embora seja pertinente a supratranscrita crítica, acreditamos ser cedo para se afirmar
que tal fato ocorrerá, embora não se descarte a possibilidade. O que merece destaque, contudo,
é a criação de incentivo na elaboração das cláusulas contratuais.

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados


conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o


sentido que:

V – corresponder a qual seria a razoável negociação das partes

33
sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do
negócio e da racionalidade econômica das partes,
consideradas as informações disponíveis no momento de sua
celebração.

Esta regra é a que tem sido denominada como regra da vontade presumível, segundo a
qual, deverá se ter, por força das demais cláusulas contratuais, uma presunção da vontade das
partes à época dos fatos, ou seja, quando da celebração contratual, com fins de se solucionar
uma eventual omissão de celebração de determinada clausula não celebrada ou objeto de
discussão. Neste sentido, vejamos o que segue:

“Regra da vontade presumível (inciso V): na dúvida, deve-se


adotar a interpretação compatível com a vontade presumível
das partes, levando em conta a racionalidade econômica, a
coerência lógica com as demais cláusulas do negócio e o
contexto da época (“informações disponíveis no momento” da
celebração do contrato). Essa regra está conectada com o inciso
II do art. 421-A do CC, que prevê o respeito à alocação de riscos
definida pelas partes de um contrato” (OLIVEIRA, Carlos
Eduardo Elias de. Lei da Liberdade Econômica: diretrizes
interpretativas da nova Lei e Análise detalhada das mudanças
no Direito Civil e no Registros Públicos).

Isto posto, passamos à análise do parágrafo 2º do Caput

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados


conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de


interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração
dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.

Reinterando a “vontade” do legislador no sentido de se dar mais liberdade e/ou


autonomia às partes, após criar o regramento anteriormente visto, permitiu-se às partes
estabelecer próprio regramento ainda que não previsto em lei, mesmo que disponham de

34
normas/regras expressamente prevista, como o da contra preferentem, por exemplo.

Neste diapasão, destaco:

“A liberdade de contratação acerca dos critérios de


interpretação e colmatação de lacunas será amplamente
utilizada pelos empresários. A começar pela cláusula que
afasta, por exemplo, a interpretação contra proferentem.
Também deve ter largo emprego uma disposição de vontade
reiterando o afastamento das regras legais de exegese quando
a intelecção da cláusula for clara, isenta de dubiedades ou
contradições”. (COELHO, Fábio Ulhoa. A interpretação dos
negócios jurídicos após a Lei das Liberdades Econômicas)

Outrossim, fechamos com o que segue:

“De um lado, o legislador assegurou o direito de as partes


pactuarem livremente as regras de interpretação nos negócios
e nos contratos e, nos casos de omissões, as regras de
integração, ainda que contrariamente às previstas em lei (arts.
113, § 2º, e 421-A, § 1º, CC). Por exemplo, poderiam as partes
pactuar que, no caso de dúvida interpretativa, prevalecerá
aquela mais lucrativa economicamente para uma das partes.
Poderiam, até mesmo, num exemplo cerebrino, pactuar que,
havendo dúvidas interpretativas, as partes decidirão com base
na sorte (como por meio do jogo da ‘cara ou coroa’) a
interpretação a prevalecer” (OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de.
Lei da Liberdade Econômica: diretrizes interpretativas da nova
Lei e Análise detalhada das mudanças no Direito Civil e no
Registros Públicos).

FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS


Acerca da Função Social dos Contratos, cabe-nos destacar o texto que se tinha
originariamente no Código Civil, que segue abaixo, salientado as criticas a este dispositivo quanto a

35
determinados pontos de sua redação, tendo em vista que a previsão do termo “liberdade de
contratar”, que se distingue da “Liberdade Contratual”, derivando da liberdade da vontade e/ou
privada, ao ponto que havia quem defendia que devesse constar “autonomia privada” ou
“autonomia da vontade”, onde se contava “Liberdade de contratar”. Ainda assim, há quem
entendesse que, por fim, estaria mais adequado constar “liberdade contratual”.

Desta forma, cabe-nos distinguir o que seria liberdade de contratar e liberdade


contratual, sendo ambos os conceitos oriundos da Autonomia privada, sendo o primeiro tido
como a liberdade de optar sobre contratar ou não contratar algo, ao passo que o segundo diz
respeito à liberdade de definir o conteúdo do que será contratado, bem como a modalidade de
contratar, caso seja esta a opção.

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos


limites da função social do contrato.

Outra crítica que se fazia ao dispositivo acima exposto era quanto à previsão do
termo “em razão”, o que poderia ser suprimido por ter sido seu enunciado satisfeito pela presença
do termo “nos moldes da...”, que afirma que a função social dos contratos funcionariam de norte à
liberdade contratual.

Com a redação proposta pela MP881 ficaria o texto da seguinte forma:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos


limites da função social do contrato, observado o disposto na
Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas,


prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado, por
qualquer dos seus poderes, e a revisão contratual determinada
de forma externa às partes será excepcional.

Redação dada pela Lei nº 13.874/19 teve como texto final o que segue:

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da


função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas,

36
prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a
excepcionalidade da revisão contratual.

Item, com o texto final, restou evidente que a ideia central pretendida pelo
legislador quando da aprovação da Lei em análise, foi combater a exacerbação que se tinha do
Estado na esfera contratual, ampliando a liberdade das partes e, ratificando a primazia do princípio
da Pacta Sunt Servanda. Neste sentido, destacamos os seguintes enunciados das Jornadas de
Direito Civil, que comprovam a existência do denominado Dirigismo Contratual, que se caracteriza,
em especial pela ingerência Estatal na esfera contratual.

Enunciados das Jornadas de Direito Civil:

21. – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421


do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão
do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação
a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.

22. – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421


do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o
princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis
e justas.

23. – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421


do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia
contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio
quando presentes interesses metaindividuais ou interesse
individual relativo à dignidade da pessoa humana.

166. – Arts. 421 e 422 ou 113: A frustração do fim do contrato,


como hipótese que não se confunde com a impossibilidade da
prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no
Direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil.

167. – Arts. 421 a 424: Com o advento do Código Civil de 2002,


houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o
Código de Defesa do Consumidor no que respeita à

37
REGULAÇÃO CONTRATUAL, uma vez que ambos são
incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos.

360. — Art. 421: O princípio da função social dos contratos


também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes.

Neste sentido, destacamos o texto do professor Flávio Tartuce, que segue:

“A MP também parece voltar ao espírito individualista, que


inspirou o Código Civil de 1916, tido por muitos civilistas como
superado e que foi substituído por um modelo mais
intervencionista, do Código Civil de 2002. E, na realidade
contratual brasileira, não se pode negar a sua vital importância,
ao lado da boa-fé objetiva para mitigar – e não eliminar – a
autonomia privada e a força obrigatória, mormente em casos
de desequilíbrios e abusividades praticados por um dos
contratantes perante o outro” (TARTUCE, Flávio.
https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI301612,41046-
A+MP+88119+liberdade+economica+e+as+alteracoes+do+Codi
go+Civil).

Na sua redação original, a MP se preocupou em reforçar a autonomia privada e a


força obrigatória dos contratos, principalmente no âmbito dos contratos empresariais, seguindo,
nesse ponto, o que a doutrina empresarialista já defendia e o que a jurisprudência do STJ já
reconhecia. Ademais, a MP, na sua redação original, não eliminava os microssistemas protetivos
específicos, como CDC, Lei de Locações etc.

“Ocorre que os empresarialistas sustentam que no direito


empresarial não se pode pressupor uma assimetria contratual,
porque na relação entre empresários não há, em princípio,
uma parte presumidamente vulnerável ou hipossuficiente, de
modo que o dirigismo contratual deveria ser evitado ou, pelo
menos, aplicado com mais cautela. Nesse sentido, confira-se o
enunciado 21 das Jornadas de Direito Comercial do CJF: “nos

38
contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser
mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações
interempresariais’”.

No mesmo sentido, o STJ já decidiu que “contratos empresariais não devem ser
tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-
se o dirigismo contratual. Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da
força obrigatória das avenças. Direito Civil e Direito Empresarial, ainda que ramos do Direito
Privado, submetem-se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002 ter
submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes
contratos sejam essencialmente iguais” (REsp 936.741/GO).

Em outra oportunidade, o STJ também decidiu que “o controle judicial sobre


eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores
do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial,
observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia.
Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com maior força do
que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da
livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa”. (REsp 1409849/PR)

Relembrando a redação dada pela LLE ao artigo 421, espera-se que, com essa nova
regra legal, diminua-se o dirigismo contratual nos contratos privados, especialmente nos contratos
empresariais (mas também nos contratos cíveis), sem prejuízo de um maior dirigismo em relações
contratuais específicas que possuem regramento protetivo próprio.

Ainda assim, a Lei de Liberdade Econômica, ao acrescentar o Artigo 421-A ao Código


Civil, objetivou a instituição da Presunção de paridade e simetria dos contratos privados. Vejamos:

Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se


paritários e simétricos até a presença de elementos concretos
que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados
os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido
também que:

I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros

39
objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus
pressupostos de revisão ou de resolução;

II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser


respeitada e observada; e

III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira


excepcional e limitada.

Vale ainda destacar que o dispositivo acima guarda verossimilhança com o que
prevê o artigo 113 do Código Civil, com nova redação dada pela lei em análise, com o intuito de
corroborar o que fora dito na aula II anteriormente.

Interpretação dos negócios jurídicos:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados


conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o


sentido que:

I – for confirmado pelo comportamento das partes posterior à


celebração do negócio;

II – corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado


relativas ao tipo de negócio;

III – corresponder à boa-fé;

IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se


identificável; e

V – corresponder a qual seria a razoável negociação das partes


sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do
negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas
as informações disponíveis no momento de sua celebração.

§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de


interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração

40
dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.

Isto posto, é mister recordar o que for visto nas aulas passadas acerca da implicação
da Análise Econômica do Direito. Vejamos:

“O Direito é, de uma perspectiva objetiva, a arte de regular o


comportamento humano. A Economia, por sua vez, é a ciência
que estuda como o ser humano toma decisões e se comporta
em um mundo de recursos escassos e suas consequências. A
Análise Econômica do Direito, portanto, é o campo do
conhecimento humano que tem por objetivo empregar os
variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das
ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do
direito, aperfeiçoando o desenvolvimento, a aplicação e a
avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às
suas consequências” (GICO, Ivo. Introdução ao Direito e
Economia).

“A AED procura responder a algumas perguntas essenciais.


Primeiramente, quais são os efeitos das regras jurídicas sobre as
decisões dos agentes? Segundo, esses efeitos são socialmente
desejáveis? Ainda, uma das questões centrais é como desenhar
políticas, leis, instituições que gerem os incentivos “corretos”
aos agentes econômicos.” (TABAK, Benjamin Miranda. A análise
econômica do Direito).

A AED não se aplica apenas ao direito empresarial. A AED se


aplica a todos os ramos do Direito (penal, ambiental,
administrativo, constitucional, processual, tributário etc.).

Outrossim, vale, também, relembrar o que segue:

“Isto posto, ao se fazer uma análise econômica dos contratos,


percebe-se que se trata de um instituto imprescindível ao
desenvolvimento da civilização, tendo em vista ser o contrato a

41
base das trocas entre os homens, indo desde o escambo ao
comércio eletrônico, naquele caso, quando o homem produz
em excesso com fins de instrumentalizar as trocas. Servindo
ainda o contrato como principal instrumento de mobilidade
social e econômica, consoante afirma a “Lei de Maine”, que
afirma que o movimento das sociedades progressistas passou
do Status ao Contrato, sendo este o que possibilita a ascensão
do indivíduo sem que seja levado em conta o critério
consanguíneo para tais fins, como se deu em determinados
momentos na evolução histórica da sociedade.

Item, foi o contrato que possibilitou a “Divisão e especialização


do trabalho”, desde os ideais de Adam Smith, segundo o qual, é
a causa do desenvolvimento econômico de uma sociedade,
implicando, por conseguinte em geração de riqueza, por se dar,
pela celebração dos contratos a melhor alocação dos bens, em
que se transfere de um indivíduo a outro.”

Para que os contratos cumpram de forma eficiente sua função econômica, é


importante que as partes sejam livres para contratar, uma vez que “a ideia de que acordos
voluntários levam ao ponto de ótimo social é, a princípio, verdadeira”. Isso nos leva à defesa de
nenhuma ou de pouca intervenção estatal nos contratos. Para os defensores dessa pouca
intervenção, ela se restringiria às situações de “falhas de mercado”, como externalidades,
assimetrias de informação, custos de transação, bens públicos etc. (TIMM, Luciano. Análise
econômica dos contratos.).

Voltando especificamente ao art. 421-A, ele se coaduna com outro dispositivo da Lei,
qual seja, o Artigo 3º, Inciso VIII, o qual prevê a Prevalência do pactuado sobre o legislado.
Vejamos:

Art. 3º, VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos


empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das

42
partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito
empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto
normas de ordem pública.

Passamos, agora, à analise individualizada dos inciso do Artigo 421-A:

Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se


paritários e simétricos até a presença de elementos concretos
que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os
regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também
que:

I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros


objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus
pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº
13.874, de 2019)

Regra que se coaduna com o art. 113, § 2º, segundo o qual “as partes poderão
livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos
negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei”.

Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se


paritários e simétricos até a presença de elementos concretos
que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os
regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também
que:

II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser


respeitada e observada; e

Regra que se coaduna com o art. 113, § 1º, inciso V, segundo o qual “a interpretação
do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que corresponder a qual seria a razoável negociação
das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da
racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua
celebração”.

43
Com fins didáticos, destacamos o texto que segue:

“Imagine que João compre de José pagando um carro bem


antigo a um preço bem baixo, próprio do mercado de veículos
velhos. Nos primeiros dias de uso, uma peça do veículo
arrebenta por desgaste. Indaga-se: poderia o adquirente
pleitear exitosamente o desfazimento do contrato por vício
redibitório, na forma do art. 441 do CC? Entendemos que não,
pois, no momento em que João quis desembolsar pouco
dinheiro para adquirir um carro velho, a lógica econômica que o
guiou foi a de que o seu prejuízo será pequeno diante da
superveniência de uma eventual avaria de uma peça. Afinal de
contas, quem compra carro velho não tem a legítima
expectativa de que as ‘peças’ sejam ‘zeradas’ e insuscetíveis de
estragarem. Pelo contrário, na alocação de riscos próprios
desse contrato de venda de carros velhos, o comprador está a
assumir o risco de ter de gastar dinheiro com a reparação de
uma peça que, no dia da venda, estava nos seus últimos ‘dias
de vida’.” (OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Lei da Liberdade
Econômica: diretrizes interpretativas da nova Lei e Análise
detalhada das mudanças no Direito Civil e no Registros Públicos)

Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se


paritários e simétricos até a presença de elementos concretos
que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os
regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também
que:

III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira


excepcional e limitada.

Regra que se coaduna com o art. 421, parágrafo único, segundo o qual “nas relações
contratuais privadas, prevalecerão os princípios da intervenção mínima e o da excepcionalidade da
revisão contratual”.

44
EIRELI e SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL
No presente módulo, trataremos da EIRELI, de acordo com o Código Civil, passando
à análise da alteração que tivemos em virtude da entrada em vigor da Lei de Liberdade Econômica.

Neste sentido, cabe-nos ver os três conceitos de empresários em nosso


ordenamento jurídico, quais sejam, Empresário Individual, Sociedade Empresária e EIRELI.
Seguimos, portanto:

EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

É a pessoa natural que exerce empresa profissionalmente, cuja responsabilidade é


direta e ilimitada pelas obrigações empresariais.

SOCIEDADE EMPRESÁRIA

Exercido pela pessoa jurídica, constituída sob a forma de sociedade, cujo objeto
social é o exercício de empresa, que assegura aos seus sócios responsabilidade subsidiária e,
dependendo do tipo societário, limitada.

EIRELI

Sendo, esta, uma nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado, criada
pela Lei 12.441/2011, que tem um único titular, o qual possui responsabilidade subsidiária e
limitada.

Contudo, antes da Criação da EIRELI, somente havia duas modalidades de


empresário, qual seja, a figura do empresário individual, que prescindia de sócios, porém tendo
responsabilidade direta e ilimitada, ou, quando se constituía uma sociedade empresária, cuja
responsabilidade era subsidiária e limitada, dependendo, neste ultimo caso, do tipo societário,
porém, tendo como desvantagem o fato de ser imprescindível, para constituição da pessoa jurídica,
uma terceira pessoa com dados fins, por se tratar de uma sociedade, obviamente.

Logo, criou-se a EIRELI para solucionar este problema quanto aos tipos societários,
bem como quanto à responsabilização de seu titular, que responde subsidiaria e limitadamente.

Além do Acréscimo do Inciso VI ao Artigo 44 do Código Civil, fora também inserido o

45
Artigo 980-A do Código Civil, cujo teor é o que segue:

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada


será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do
capital social, devidamente integralizado, que não será inferior
a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

Neste contexto, o que pretendeu com a criação da EIRELI foi o de, simplesmente,
sanar a crise que se tinha quando a pessoa natural queria empreender, porém não pretendia fazê-
lo em sociedade e, principalmente, não gostaria de responder diretamente com seu patrimônio
pelo exercício da atividade empresarial.

Quando da criação desta nossa modalidade empresária, destacamos, como forma


de se dirimir os diversos questionamentos que se sucederam na doutrina pátria, os enunciados,
respectivamente, de número 469, da Jornada de Direito Civil, e o de número 3, das Jornadas de
Direito Comercial:

“A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não


é sociedade, mas novo ente jurídico personificado”.

“A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI


não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da
pessoa do empresário e da sociedade Empresária”.

Ainda quanto aos questionamentos acerca da constituição desta nova pessoa


jurídica que ocorreram, foi acerca da possibilidade de ser titular desta, uma outra pessoa jurídica,
ou, se somente seria necessário que o fosse uma pessoa natural.

O DREI – Departamento de Registro Empresarial e Integração, órgão que normatiza


o registro empresarial no Brasil – inicialmente, entendia que o titular da EIRELI tinha que ser uma
pessoa natural. Contudo, mudou-se este entendimento, permitindo-se que seja uma outra pessoa
jurídica seja também titular de uma EIRELI, inclusive, ainda que seja uma sociedade estrangeira
(item 1.2, parte inicial, e item 1.2.5.c do Manual de registro de EIRELI).

Quanto ao nome empresarial da EIRELI, não há controvérsias. Vejamos:

Art. 980-A [...]

46
§1º. O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da
expressão “EIRELI” após a firma ou a denominação social da
empresa individual de responsabilidade limitada.

A EIRELI pode adotar tanto FIRMA, que terá como o núcleo do nome empresarial, o
nome civil do titular da EIRELI, quanto DENOMINAÇÃO, sendo o núcleo do nome empresarial, uma
expressão linguística qualquer. Devendo, em ambos os casos, o nome empresarial deve incluir a
expressão EIRELI no final.

Art. 980-A [...]

§ 2º. A pessoa natural que constituir empresa individual de


responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma
única empresa dessa modalidade.

Diante do exposto acima, resta impossibilitada a constituição de mais uma EIRELI


pelo mesmo titular, tão somente quando se tratar de pessoa natural, o que não se aplica quando o
ocorre o contrário, ou seja, quando se tratar de uma pessoa jurídica como titular de uma EIRELI

Art. 980-A [...]

§ 3º. A empresa individual de responsabilidade limitada


também poderá resultar da concentração das quotas de outra
modalidade societária num único sócio, independentemente
das razões que motivaram tal concentração.

É importante salientar que a constituição de uma EIRELI pode se dar de forma


originária, ou seja, sem que seja necessário que o seu titular tenha tido outro tipo societário, como,
por exemplo, uma LTDA e/ou S.A., bem como poderá se suceder de forma derivada, quando há a
concentração de cotas de pessoas distintas na pessoa de um só deles, como bem descreve o Artigo
supratranscrito. Isto posto, não há mais necessidade de constituição de sociedades limitadas “99%
+ 1%”, e as existentes podem se transformar em EIRELI.

Art. 980-A [...]

§ 5º. Poderá ser atribuída à empresa individual de


responsabilidade limitada constituída para a prestação de

47
serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da
cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome,
marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica,
vinculados à atividade profissional.

A regra supratranscrita veio para facilitar a chamada “pejotização”, algo que já era
muito comum no mercado, mas normalmente feito com sociedades limitadas “99% + 1%”.

Outro pondo crítico acerca da EIRELI é quanto à necessidade de capital mínimo,


tendo em consideração de que, muita das vezes, esta é constituída para microempreendimentos.
Neste sentido, vale a leitura dos seguintes enunciados:

Enunciado 472 das Jornadas de Direito Civil

“É inadequada a utilização da expressão ‘social’ para as


empresas individuais de responsabilidade limitada”.

Enunciado 4 das Jornadas de Direito Comercial:

“Uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da


empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá
nenhuma influência decorrente de ulteriores alterações no
salário mínimo”.

A exigência de capital mínimo foi questionada por meio da ADI nº 4.637 de relatoria
do Exmo. Min. Gilmar Mendes. Vele nota que tal exigência se deu pelo fato de que, em
contrapartida a tal exigência, tentou-se estabelecer a previsão de vedação à desconsideração da
Personalidade jurídica, cujo texto segue abaixo, porém, tendo sido vetado por força da expressão
“em qualquer situação”.

Art. 980-A [...]

§ 4º. Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas


dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não
se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da

48
pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua
declaração anual de bens entregue ao órgão competente.

Logo, com o texto vetado, restaram descaracterizadas quaisquer formas


compensatórias pela exigência de Capital mínimo.

Portanto, com o veto já analisado, fixou-se o entendimento de possibilidade de


afetação patrimonial do particular em decorrência da função empresarial como, por exemplo, de
desconsideração da personalidade jurídica, por força do que se sucede:

Art. 980-A [...]

§ 6º. Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade


limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades
limitadas.

Enunciado 470 das Jornadas de Direito Civil

“O patrimônio da empresa individual de responsabilidade


limitada responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se
confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a
constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da
desconsideração da personalidade jurídica”.

RESUMINDO:

A exigência de capital mínimo tinha como contrapartida a maior proteção


patrimonial conferida pelo § 4º do art. 980-A do CC,que, ao ser vetado, deu-se, à exigência
de capital mínimo, um sentido quase que inconsistente.

Portanto, a MP 881, na sua redação original, inseriu o § 7º no art. 980-A do


CC, com a seguinte redação: “somente o patrimônio social da empresa responderá pelas
dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se
confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados
os casos de fraude”.

Contudo, quando da votação do PLV da MP 881, optou-se por extinguir a EIRELI,

49
transformando-as em Sociedades Limitadas. Vejamos, portanto o texto aprovado na Comissão
Mista:

Disposições transitórias da EIRELI

Art. 46. As Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada


constituídas na data da entrada em vigor desta Lei são
transformadas em sociedades limitadas, independentemente
de qualquer registro ou formalidade.

§ 1º No primeiro arquivamento de alteração do ato de


constituição no Registro Público de Empresas Mercantis e
Atividades Afins subsequente à entrada em vigor desta Lei,
proceder-se-á aos ajustes cabíveis em decorrência da
transformação prevista no caput.

§ 2º Poderá ser atribuída à sociedade empresária constituída


para a prestação de serviços, inclusive à sociedade limitada
resultante da transformação prevista no caput, a remuneração
decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de
imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular ou
sócio da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.

Contudo, quando da aprovação final do texto, constante da Lei de Liberdade


Econômica, mantiveram-se o texto que se dera pela MP 881. Vejamos:

Art. 980-A [...]

§ 7º. Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas


dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada,
hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com
o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de
fraude.

A regra imposta pelo dispositivo acima, embora possa trazer uma maior segurança
aos titulares quanto à não afetação de seus patrimônios pessoais, corre o risco de ter sua exceção

50
– “ressalvados os casos de fraude” - entendida pelos nossos tribunais como sinônimo de
desconsideração da personalidade jurídica, o que descaracterizaria a proteção que se pretendia
dar aos titulares das EIRELI’s, regressando ao status quo, quando do veto ao parágrafo 4º
anteriormente exposto.

Em se tendo analisado e esgotado o conteúdo concernente à EIRELI, passamos à


análise da SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL.

Para este fim, cabe-nos recordamos os três tipos de empresários existentes em


nosso ordenamento jurídico, quais sejam, o empresário individual, a sociedade empresária, e a
EIRELI.

Quanto a esta ultima espécie de empresário, devemos salientar que a sua criação se
deu com fins de sanar o problema que se tinha quando da vontade de um particular de
empreender, contudo, havia uma resistência em se constituir uma sociedade, tendo em vista a
necessária pluralidade de sócios exigida para tal, e, em especial, o risco que se tinha em
decorrência de responsabilidade patrimonial de seu titular, que, em regra, responderia
ilimitadamente, ou seja, podendo sofrer afetação de seu patrimônio pessoal.

Portanto, em 2011 criou-se a EIRELI, pessoa jurídica de direito público, cuja


titularidade era de uma única pessoa, tendo sua responsabilidade subsidiária e ilimitada pelas
obrigações das atividades exercidas. Contudo, com a existência da EIRELI, sanaram-se alguns
problemas, como os supraexpostos, surgindo alguns outros como (i) a existência de Capital mínimo,
que já fora alvo de ADI ainda não julgado, (ii) discussão quanto a possibilidade de ser a titularidade
da EIRELI ser de pessoa jurídica, também, ou tão somente de pessoa física, que por fim
mantiveram-se os entendimento de possibilidade de ser titular tanto pessoa física quanto pessoa
jurídica; e, (iii) quanto a impossibilidade de uma pessoa física titular de um EIRELI de constituir
uma segunda.

Com vistas à resolução destes problemas, a Lei de Liberdade Econômica acrescentou


os dois parágrafos que seguem ao caput do Artigo 1.052 do Código Civil. Vejamos:

Art. 1.052. (...) § 1º. A sociedade limitada pode ser constituída


por 1 (uma) ou mais pessoas.

§ 2º. Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de

51
constituição do sócio único, no que couber, as disposições
sobre o contrato social.

Com as devidas inclusões, destaca-se não ter sido criada uma nova espécie
societária, mas, tão somente, ter-se permitida a constituição de uma “sociedade” por uma única
pessoa, com todas as implicações de uma sociedade, como, por exemplo, quanto à
responsabilidade societária.

Logo, por ser uma sociedade, mantiveram-se a regra quanto ao nome empresarial,
que pode ser firma ou denominação, bem como ter sua constituição por PJ, impedido ou incapaz,
nestes últimos casos, sendo vedado que a administração seja pelo sócio impedido ou incapaz, que
deverá nomear um terceiro não sócio para tal finalidade.

A título de curiosidade, destacamos o texto que se pretendeu fixar no texto final,


que, porém, não fora aprovado quando da passagem pela comissão especial.

“Art. 1.055. (...) § 3º O contrato social pode ser composto por


quotas de classes distintas, nas proporções e condições
definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares
direitos econômicos e políticos diversos, podendo suprimir ou
limitar o direito de voto pelo sócio titular de quotas
preferenciais.

§ 4º A sociedade limitada pode emitir debêntures em oferta


privada, que conferirão aos titulares direito de crédito, nas
condições estabelecidas na escritura de emissão e, se houver,
do certificado.

FUNDOS DE INVESTIMENTO
No presente módulo, trataremos de uma das principais regras trazidas pela vigência
da Lei de Liberdade Econômica, qual seja, os fundos de investimento, status este devido ao fato de
serem, os fundos de investimento responsáveis pela gestão de aproximadamente R$ 5 trilhões, o
que corresponde a mais de 70% do PIB nacional. Embora dada a importância da matéria à
economia nacional, antes da entrada em vigor da Lei de Liberdade Econômica, encontrava-se
respaldo nas Leis de nº 6.385/1976 e nº 4.728/1965, em seu Artigos 49 e 50, porém de forma vaga,

52
se que se conceituasse devidamente o que seriam os fundos de investimento, o que deixava a
cargo da jurisprudência e da própria CVM, Comissão de Valores Mobiliários.

Portanto, com a entrada em vigor da referida lei, que assegurou aos investidores
maior segurança jurídica, bem como tratou de definir o que, de fato seriam os fundos de
investimento. Ao passo que, quando da promulgação da lei, tratou a CVM de emitir o comunicado
que segue:

“Lei 13.874 amplia segurança jurídica aos investidores e


prestadores de serviço de fundos de investimento

Foi publicada na sexta-feira, 20/9/2019, a Lei 13.874 (Lei da


Liberdade Econômica), que, entre outras matérias, veio dispor
acerca do regime legal geral aplicável aos fundos de
investimento.

A edição dessa lei oferece um marco legal para o instrumento,


ampliando a segurança jurídica para os prestadores de serviço
dos fundos de investimento e os investidores. Além disso, dá
tratamento a pleitos antigos desse mesmo mercado, inclusive
no que tange à redução de custos, e que dependiam de
previsão legal. (...) ”

(http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2019/20190923-
3.html)

Ainda neste sentido, a Lei de Liberdade Econômica definiu o fundo de investimento


como um condomínio de natureza especial, bem como, previu o registro do regulamento do
fundo na CVM, dispensando o registro em cartório, possibilitou a limitação da responsabilidade de
cada investidor ao valor de suas respectivas cotas, alterando, ainda, o regime de responsabilidades
dos prestadores de serviços, como administrador, gestor etc., do fundo; e, por fim, permitiu a
criação de classes de cotas, com direitos e obrigações distintos e patrimônios separados.

Quanto a NATUREZA JURÍDICA dos fundos de investimento, destacamos que este se


trata de investimento coletivos, logo, sendo necessária a pluralidade de investidores, que,
consoante previsão da CVM, que segue abaixo, o fundo de investimento tem natureza jurídica de

53
CONDOMÍNIO, vejamos:

ICVM 555/2014

Art. 3º. O fundo de investimento é uma comunhão de recursos,


constituído sob a forma de CONDOMÍNIO, destinado à
aplicação em ativos financeiros.

Contudo, este é o que se tinha antes das alterações decorrentes da edição da Lei de
Liberdade Econômica, que deu o seguinte tratamento aos Fundos de Investimentos. Logo:

Código Civil

1.368-C. O fundo de investimento é uma comunhão de


recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza
especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e
direitos de qualquer natureza.

Isto posto, concretiza-se a regra de ser o fundo de investimento um “condomínio de


natureza especial”, bem como se expandiu a destinação deste condomínio, não só a ativos
financeiros, mas também a “bens e direitos de qualquer natureza”.

Quanto à natureza especial dos fundos de investimentos, já tínhamos tal tratamento


dado pela doutrina e pela legislação, consoante o que se sucede:

• Doutrina

A despeito de alguma controvérsia em torno do tema, para o


sistema jurídico brasileiro, desde a Lei 4.728 de 1965 os fundos
de investimentos tem natureza jurídica de condomínio, o que
é confirmado tanto por boa parte da doutrina como pelas
próprias normas e decisões da CVM. (...) Os fundos de
investimento encontram-se nessa seara das exceções. A Lei os
define como condomínios, mas certamente em muitos pontos
se afastam drasticamente do condomínio previsto nos artigos
1.314 a 1.326 do Código Civil.

54
(SATIRO, Francisco. Constrição judicial sobre ativos de fundos de
investimento em participações).

• Legislação

Art. 126 da Lei 6.404/1976 (Leis das S/A’s)

As pessoas presentes à assembleia deverão provar a sua


qualidade de acionista, observadas as seguintes normas: (...) §
1º. O acionista pode ser representado na assembleia-geral por
procurador constituído há menos de 1 (um) ano, que seja
acionista, administrador da companhia ou advogado; na
companhia aberta, o procurador pode, ainda, ser instituição
financeira, cabendo ao administrador de fundos de
investimento representar os condôminos.

Portanto, além de o caput do art. 1.368-C do Código Civil afirmar expressamente


que o fundo de investimento é um condomínio de natureza especial, o § 1º determina que não se
aplicam, ao fundo de investimento, as disposições constantes do art. 1.314 ao 1.358-A, que versam
sobre condomínio geral. Ainda assim, o § 2º, por sua vez, complementa prevendo que competirá à
Comissão de Valores Mobiliários disciplinar o disposto no caput deste artigo, o que também
reforça a natureza especial do condomínio formado pelo fundo de investimento.

Quanto ao registro do regulamento, que deverá ser pautado pelas instruções da


CVM, cabe destacar:

Art. 1.368-C [...] § 3º. O registro dos regulamentos dos fundos


de investimentos na Comissão de Valores Mobiliários é
condição suficiente para garantir a sua publicidade e a
oponibilidade de efeitos em relação a terceiros.

Nesta esteira, faz-se necessário destacar que o Registro do regulamento acima


previsto fica dispensado de reconhecimento cartorário para sua validade, o que implicava e gastos
altíssimos. Contudo, a própria CVM exigia, em seus normativos, registro em cartório de alguns
fundos, porém, divulgou comunicado informando que vai revogar e que o registro na CVM será
realizado sem imposição de custos para os regulados.

55
Quanto à previsão de limitação de responsabilidade dos cotistas,destacamos que,
de acordo com o art. 1.368-D, inciso I, do Código Civil, “o regulamento do fundo de investimento
(...) poderá estabelecer a limitação de responsabilidade de cada investidor (cotistas) ao valor de
suas cotas”, que implica em inovação importante, tendo em vista que, em linha com a legislação
civil (artigos 1.315 a 1.317 do CC), a ICVM 555/2014 prevê que “os cotistas respondem por
eventual patrimônio líquido negativo do fundo, sem prejuízo da responsabilidade do administrador
e do gestor em caso de inobservância da política de investimento ou dos limites de concentração
previstos no regulamento e nesta Instrução”.

Vale advertir, todavia, que “a adoção da responsabilidade limitada por fundo de


investimento constituído sem limitação de responsabilidade somente abrangerá fatos ocorridos
após a respectiva mudança em seu regulamento” consoante artigo. 1.368-D, § 1º do Código Civil.

Neste diapasão, vejamos o que progride:

“Tendo em vista que a MP confere ao regulamento do fundo


esta possibilidade [e que esse regulamento deverá observar a
regulação da CVM]3, é provável que venhamos a ter 2 (dois)
tipos de fundos, neste aspecto: (i) aqueles em que há limitação
de responsabilidade e (ii) aqueles em que não há limitação de
responsabilidade. Naturalmente, a precificação de cada
estrutura deverá ser diferente, de acordo com a opção adotada
em cada caso. Vale notar, ainda, que o § 1º do art. 1.368-D da
MP dispõe que a adoção da responsabilidade limitada por
fundo de investimento constituído sem limitação de
responsabilidade somente abrangerá fatos ocorridos após a
respectiva mudança em seu regulamento”
(https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/fundos-de-
investimento-e-a-mp-da-liberdade-economica-o-que-muda-na-
pratica-31082019).

Prosseguindo, cabe-nos verificar a possibilidade de responsabilização aos


prestadores de serviços, que são os gestores dos fundos, relevante inovação abarcada pela lei em

3
Trecho incluído pelo professor.

56
análise. Vejamos que há, portanto, a possibilidade de “limitação da responsabilidade, bem como
parâmetros de sua aferição, dos prestadores de serviços do fundo de investimento, perante o
condomínio e entre si, ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade”,
conforme prevê o artigo 1.368-D, II do Código Civil.

Neste sentido, destacamos a forma como a Instrução normativa da CVM, de nº


555/2014, em seu art. 78, § 2º, previa a matéria, ao afirmar que os fundos deveriam conter
cláusula que estipulassem a responsabilidade solidária entre o administrador do fundo e os
terceiros contratados pelo fundo por eventuais prejuízos causados aos cotistas em virtude de
condutas contrárias à lei, ao regulamento ou aos atos normativos expedidos pela CVM. Neste
ponto, pois, a novidade trazida pela Lei de Liberdade Econômica foi quanto a possibilidade de não
haver solidariedade entre os prestadores de serviço em geral.

Ainda assim, é urgente perceber que a previsão de que “a avaliação de


responsabilidade dos prestadores de serviço deverá levar sempre em consideração os riscos
inerentes às aplicações nos mercados de atuação do fundo de investimento e a natureza de
OBRIGAÇÃO DE MEIO de seus serviços” cuja redação está prevista no artigo. 1.368-D, § 2º do
Código Civil.

Logo, outra novidade foi a menção expressa de que a obrigação desses prestadores
de serviço é uma obrigação de meio, e não de resultado. Essa regra é importante porque, caso
contrário, com certeza os custos de eventual responsabilização dos prestadores de serviços do
fundo seriam repassados para os investidores.

Com a determinação de que “os fundos de investimento respondem diretamente


pelas obrigações legais e contratuais por eles assumidas, e os prestadores de serviços não
respondem por essas obrigações, mas respondem pelos prejuízos que causarem quando
procederem com dolo ou má-fé”, conforme artigo 1.368-E, Caput, aplicando-se as regras de
insolvência civil caso o fundo com limitação de responsabilidade não tenha patrimônio suficiente
para responder por suas dívidas, art. 1.368-E, § 1º. Neste contexto, vejamos:

“No caso insuficiência patrimonial do fundo, requerida na


forma do Código Civil, será importante analisar as decisões
judiciais e da CVM para implementar a transição da situação

57
vigente até a lei, em que havia responsabilidade do investidor
pelo patrimônio líquido negativo, para o novo regime, em que
credor do fundo poderá não acessar os bens do investidor, nem
do prestador de serviço que não tiver agido com dolo e má-fé”
(https://www.demarest.com.br/lei-da-liberdade-economica-e-
o-mercado-de-capitais/).

Nesse ponto, tem sido feitas duas críticas ao texto retro: (i) previsão de que a
responsabilidade dos prestadores de serviços se dará apenas em caso de dolo ou má-fé, mas não
em casos de culpa; e (ii) submissão dos fundos com limitação de responsabilidade ao regime da
insolvência civil, e não ao regime da liquidação extrajudicial da Lei 9.514/1997.

Acerca da possibilidade de criação de “classes de cotas com direitos e obrigações


distintos, com possibilidade de constituir patrimônio segregado para cada classe” conforme
artigo 1.368-D, III, do Código Civil. Sendo que, esse patrimônio segregado “só responderá por
obrigações vinculadas à classe respectiva, nos termos do regulamento” (art. 1.368-D, § 3º).

Ou seja, além da possibilidade de se limitar a responsabilidade dos cotistas, pode se


criar classes distintas de cotas no fundo de investimento, permitindo, ainda, que se criem
“subfundos” dentro de um mesmo fundo. Logo, sendo permitida a criação de fundos de
investimento complexos, com vários acervos de bens distintos e separados, sendo que cada um
desses acervos será de titularidade de um grupo de condôminos específico, agrupados em função
da classe de suas respectivas cotas, formando “subfundos”.

Por fim, é questionável se caberá aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos


fundos de investimentos. Nesta seara, destacamos que, ainda no PLV da MP 881, havia um § 3º do
art. 1.368-C que afastava a aplicação do CDC à relação entre os cotistas e o fundo de investimento.
Contudo, esta regra não consta na redação final da Lei.

“A aplicação do CDC para investidores em fundos de


investimento é descabida por diversos motivos: (i) os
conceitos de consumo e investimento são ontologicamente
antinômicos e excludentes; (ii) não se pode dizer que o
investidor seria um ‘vulnerável’ enquanto cotista de um fundo;

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(iii) aplicar um regime jurídico superprotetor aos investidores
para impor aos administradores e gestores as perdas geradas
pela atividade de risco assumida pelo investidor não parece
razoável, dentre outros motivos que não vêm ao caso”.
(https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opin
iao-e-analise/artigos/fundos-de-investimento-e-a-mp-da-
liberdade-economica-o-que-muda-na-pratica-31082019)

Porém, no caso Marka, o STJ decidiu que “por estar caracterizada relação de
consumo, incidem as regras do CDC aos contratos relativos a aplicações em fundos de
investimento celebrados entre instituições financeiras e seus clientes. Enunciado n. 297 da
Súmula do STJ”.

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