Você está na página 1de 33
ML © DESENHO Devemos a Balconi e Del Carlo Giannini (1987) um rico e articulado volume sobre o desenho infantil, ao qual remeto tanto Para as noticias historicas quanto para o aprofundamento das modalidades em que se entrelacam e se desenvol- vem, nos casos clinicos descritos, a atencao ao desenho ea evolucao das relacoes terapéuticas. Gostaria no entanto de acenar a alguns marcos no que concerne o desenho na analise infantil, o primeiro dos quais é 0 que o pequeno Hans (Freud, 1908) acrescenta a girafa desenhada pelo pai, o “faz xixi” da propria girafa; depois os desenhos da andlise de Richard, conduzida por Klein (1961); e por altimo o extraordinario livro de Winnicott (1971a) sobre os rabiscos, que sanciona ante litteram tanto o estatuto de um campo bipessoal, quanto a criacéo de micro-his- torias compartilhadas com os pequenos pacientes. Neste capitulo prescindirei de todos aqueles trabalhos que consideram o desenho como teste, ou com modalidades de abordagem altamente formalizadas, Para os quais remeto as numerosas obras ricas e completas sobre o argumento (Dolto, 1948; Widlocher, Engelhart, 1975; Widlocher, 1965; etc.). Também fora de niveis de leitura muito formalizados, sao diversas as modalidades pelas quais pode ser visto 0 desenho, Uma primeira modalidade poderia ser a de considerar o desenho como uma representacao do tipo de es presentes no mundo emocional da cians Numa certa medida aproximando-se_também da realidade en tal_ como acontece em algumas modalidades de leitura do desenho aan aa, A figura T € 0 desenho de uma gémea, Franca, que acabout de se sep - “i iima para ira escola em classes diferentes; no ingar da gemea ba wa mancha, uma espécie de buraco. Se considerado dent a de uma sessdo dea a ™esmo desenho poderia sinalizar um buraco de Cega, algo a espera de “pensabilidade” (Tag! ais f 43 x f.— S Andie Figura 1 No desenho quase igual, (fig. 2) que faz a outra gémea, Lisa, amesma mancha parece pesar sobre o plano de apoio, quase catapultando Lisa do contato como mesmo. Numa sess4o, 0 mesmo desenho poderia ser pensado como as palavras excessivamente (gravosas) ¢ pesadas do analista, que fazem perder 0 contato e isolam a crianca do plano do contato relacional. Toda aproximacao interpretativa do desenho depende, pois, do vértice de leitura e do contexto: considero que dentro da relacdo analitica, e € exclust vamente deste vértice que olharei o desenho, é assemelhavel a uma “fotografia onirica da vigilia” que, enquanto tal, fotografa por um vértice desconhecide uma verdade relacional e afetiva do par e do campo, a espera, porém, de um desenvolvimento narrativo}isto é, algo que ndo estd ali para ser decodificado possiveis de — ae conjunto de ingredientes para histor™ espera de reverice narracoes ea promotor de historias, um “pre-tente” a a . Diria quase a pausa de imagem de wma gravacae de video, a es; , A espera de que recomece a d i lesenrolar-se o movimento, ¢ a retomar corpo uma historia. . Mas voltemos um pouco atré ae omo dizia, ¢ possivel considerar o desenho 0 mundo interno da crianga, capaz de fazer visualizar 0 qUe esteja aconte 7 ee conforme os movimentos de transferéncia do hic et nun 1 Klein quem indicou de modo completo esta maneira de vet 4 + P 8 3 q 6 A técnic ie ‘cnica na psicandlise infantil Figura 2 o desenho (como de resto 0 jogo) na anlise infantil; em tal optica, € necessario observar a técnica utilizada por Klein ao interpreta ‘os desenhos de Richard. Esta modalidade de considerar 0 desenho se estabilizou ao longo de dois eixos. Um deles continua prevalentemente a colocar em evidéncia a fantasia 7 ua teferéncia corporea, subtensa no desenho ‘(mesma al verbal, onde pode sempre ser materi: ente profunda do paciente), como algo inconsciente, com a sl “odalidade usada nas interpretagoes do buscada e explicitada a fantasia inconsci que se atém a crian¢a enquanto tal, € a0 seu mundo fantasmatico que encontra, wa folha de papel, uma possibilidade de eteriorizagdo e, na transferencia, uma. possibilidade de projecao. Tal modalidade enriquecewst..20 considerar..os_ ‘Fsimbolos” contidos no dese na do funcionamente. mental) laa crianca. (O outro eixo, por sua das fantasias de transferencia da crian sera interpretado € 0 UP naquele momento, ‘entendido porem come uma crianca sobre 0 terapeuts, qve Perma ‘canga sobre raf ano campo aie Com ety rap confonme as dolesas que por ao e, sobretu .¢ do gradiente de permeabilizagao (Rosen- Pee re do paciente feld, 1987) as idenuicaces as proven go #0 qual se pode solicitar a im O desenho sera usado com U esenvolveu-se mals centrado na mentalizagao de da referencia corporea, ca, prescin ‘o de funcionamento mental existente _proje: dos fantasmas da Tmente neutro, € Cujo PESO vez, di portanto o que do, atravé: A. Ferro as como do paciente sobre o desenho, para $ ssociagdes, que serdo pensad ; a! iG q amente possivel, aquilo que ja e colocar em palavras, 0 mais completa ae i ¢! ra de um interprete. imagem do desenho a espe Modalidades, poderiamos dizer com Todorov (1971), que implicam a rep, réncia a um cédigo que consinta uma tradugdo, com a constituicdo de um cantg um ao outro. aralelos e de contracanto que correm Pp: ct todos sobre os ombro: Lembrando sempre que nos encontramos d do pegus no Hans e de Richard, valorizaria outras possibilidades de abordagem em Telacag ao desenho: refiro-me em particular aquelas que, deixando ao fundo uma svferencia Kleiniana, inspiram-se quer no_conceito.de “campo”, definida p Baranger com Mom (1961-1962, 1983) € por Corrao (1986) (e que implica, pela ‘situacdo analitica, como ja foi dito nos capitulos anteriores, em ser concebida como uma Gestalt da qual o analista faz parte e que concerts) para determinar com a propria historia, 0 proprio mundo interno, © proprio funcionamento mental, 0 proprio arranjo defensivo; campo dinamico que se estrutura por meio do jogo cruzado das identificagoes projetivas, no respeito do acordo e do contrato analitico), quer em Bion quando reconhece ao paciente a capacidade de assinalar ao analista o seu funcionamento mental (do analista!): assim concebi- do, o desenho faz referencia as modalidades atuais ¢ efetivas do funcionamento mental do par, da situacao bipessoal em jogo, da forgas emocionais do campo pertencentes a ambos os membros do par; nao mais como fantasias de transfe- réncia, mas como verdadeiro fotograma onirico do funcionamento mental de par naquelé momento, mesmo se de um vértice particular e freqiientemente desco- “nhecido para nds, que devemos compartilhar e assumir para alcangar o paciente onde ele esta (Ferro, 1992). Essa modalidade permite nao so reconhecer no desenho a presentifi- cacao dos movimentos emocionais do par, mas, derrubada a ilusdo de poder encontrar imediatamente o ponto de emergéncia da angustia, con sente poder construir todos os desenvolvimentos narrativos possiveis junto com o pacie Exatamente como na anillise d: Poder Sta na . na adultos, as interpretagdes “fracas” (Bezoam, ‘erro, 1989) permitem, gracas justamente a sua insaturacao, a formacao pro gressiva de um sentido, compartilhado : _O desenho, de estatico e necessitado de tim codigo e de uma traducao, anima-se como uma espécie de teatro afetivo e pode tornar-se um teatro “gerador de significado-sentido” (Meltzer, 1984), no desenvolvimento construtivo que 5 duas mentes saberao fazer com ele. cord ne Stich 05 personagens, as coisas, os lugares do desenho set0 eo hte de eee mento mental do par, sémelhantes 111550 4° ceito de “agregado funcional”, como delininios (Bézoari, Ferro, 1991) ® OO eee 46 ‘x et ° \ Figura 3 rracdo do funcionamento mental do par anal brotar visivel por meio di durante a sessdo. Considero, pois, o desenho como algo que remete ao funcionamento mental do par naquele momento, a um problema presente, e que se coloca como “bastido” (Baranger) que ‘m_0 ponto de partida para solugdes transfor- mativas ¢ criativas para o par. — DESENHO DO PACIENTE O desenho e a construcao de uma histéria: Francesca i “frageis", apresenta Uma menina, filha de pais que desde logo me parecem “ft ss apreseta um estranho sintoma, causa de muitas consultas ¢ investigacdes diag Francesca, que tem dez anos, durante varias (0; somente horas ao dia grita desesperadamente, sem interrup¢ao; ea Ine sconce so a quando esta em casa, mantendo um comportamente a equato € cnormal” nas outras circunstancias de vida, Nem ela nem os pais sl em g ie Seceay No seu primeiro encontro comigo, Francesca "92 que porém nao levaram a nada, 47 A, Ferro Al Vj | WN \ Figura 4 Fico incerto diante de tantos possiveis significados do bosque onde rion pessoas (como o define a menina), Populado Por arvores, ieee ean peixes e assim por diante... Penso em possiveis interpretagdes, mas ae que uso Francesca poderia fazer delas, e nenhuma me parece satis! fat ; a oo Enquanto isso, sinto crescer dentro de mim um Progressivo mal-e: i i impasse nao saber encontrar palavras adequadas, € sinto o impulso de sair do imp dizendo alguma coisa, qualquer coisa, . fig. 4). Francesca parece vir ao meu socorro fazendo um segundo desenho (fig. que mostra uma menina de perfil, sem es i ches, spessura, vestida de rendas e crocl muito formal e comportada. Mas também — ou, talvez, por isso mesmo — decidir-me a intervir. Vem a minha mente pensam dade do desenho, sobre a sua falta de Profundidad coisa, utilizando também as minhas vivencias de Paralisias que certamente — Penso — diante desse desenho, nao sei entos sobre a bidimensionalt le. Fico tentado a dizer algum4 angustia, desencorajamento tem a ver justamente com Francesca, com a9 A técnica na psicanélise inontil igura 5 a sua historia, o seu sintoma,_o seu funcionamento mental. Mas 0 que dizer-lhe ¢ como dizé-lo, de modo que possa Ihe ser ut Prolongando-se o meu ‘atormentado siléncio (a percepcao do tempo que me parecia dilatar-se bem além dos poucos instantes realmente transcorridos), Francesca, num momento, justapde o segundo desenho ao primeiro: a “menina bidimensional” ao “bosque sem pessoas’, Neste pono, tenho uma especie de iluminacdo e pergunto a Francesca, animando-me: “Me diga, o que faz uma bosque sem pessoas?”, “GRITA'", € a clara resposta de a desenhar uma outra menina (fig. 5), desta sional e com um olhar intenso. menina sozinha num Francesca, que logo depois comeca vez vista de frente, com efeito tridimen: O desenho fica incompleto porque termina a sessdo, mas também porque sera necessario ainda um longo trabalho antes que aS angustias de Francesca possam encontrar a sua completa expressao, € antes que possam ser traduzidas em palavras (note a auséncia da boca, que permanece nao desenhada, mas que encontrara no tempo € nos desenhos seguintes wn lugar proprio). Esta breve sequéncia clinica, tirada de Bezoari e Ferro (199 1c), parece-me ilustrar, de forma simples, alguns aspectos do entrelacamento dinamico entre experi¢ncias afetivas e cognitivas que caracteriza 0 campo analitico (Corrao, 1988), € sobre os quais gostaria de concentrar a aten¢ao- Em presenca de Francesca € do seu primeiro oferece a possibilidade de reconduzir a mensagem tos grificos e verbais aparecem bem estruturados — a um univers desenho, desde logo se me da paciente — cujos elemen- 10 de significa- 49 ee aa ee - A. Ferro dos que me ¢ familiar, restituindo, pois, a Francesca uma interpretacao-traducay Mas isto nao me parece adequado nem ao meu desejo de aproximar-me do pontg de vista da menina, nem a minha responsabilidade para com cla (0 que farig Francesca com um manual de botanica e zoologia que Ihe explicasse os conteg. 2 oo ona as lagos com os meus referencias ebrcos, cOmeCO a ent, poy minha vez, o risco de perder-me. Modelos (¢ pais) “fracos” nos expoer, Pois, ao medo de pensar e de nos encontrarmos “sozinhos” no bosque, onde modelos “fortes” fariam com que nos sentissemos seguros, mas que nos deixariam ver do bosque somente o que ja estivesse prefigurado por eles. rewvthae O segundo desenho aguga em mim o contraste entre o fervi Fi le emocdes cada vez mais inquietantes ¢ um pensamento formal incapaz fe conta 5 exprimi-las. O drama da “dupla vida” de Francesca esta se atualizando dento de mim, no espago-tempo da sessdo. , , Mas é justamente essa avizinhagao, em sintonia com o gesto da menina que avizinha os dois desenhos, que da partida a uma nova organizacao do campo da experiéncia. No “bosque sem pessoas” da turbuléncia emocional aconteceu um_ _encontro, ¢ nia_estamos.mais sos. As emogoes dispersas € sem nome, que \podiam somente ser gritadas para fora, estdo agora incluidas num espaco compartilhado e transformadas numa experiéncia que se pode comegar a contar: uma micro-hist6ria toma corpo no hic et nunc e permitird, através da integracao | das micro-historias das sesses seguintes, construir uma “historia” compartilha- da. Esta narrara e tornard pensaveis e comunicaveis emogoes e afetos antes mudos ou incontidamente “gritados” para fora de forma desorganizada, e privados de sentido compartilhavel. A.construcdo de um sentido afetivo: Marco Marco € um garoto de oito anos; no nosso primeiro encontro faz um desenho (fig. 6) em branco e preto, sem nenhuma cor, assim como Marco me aparece como que “apagado” no seu terninho cinza. Experimento a sensacdo de estat Perdido. Sou tentado pela “oralidade devoradora” do tubaro e por outros Possiveis significados “simbélicos”, mas me contém a idéia de que tais interven- des somente aumentariam a sensacdo de estar perdido. Guiado 4 Ree nos culate pelo penoso sentimento do “estar perdido”, penso que encontrarmo- . lecerm ia ; : a os “m contato, seria ja alguma coisa, e lhe digo que o desenho Tiado 4 nossa situacgdo, que na realid: + lad lo outro, como pouca é a q le pouco sabemos um d eee Parte do desenho sobre a agua, muita, ao contrario, € 4 Pi mersa, Como as coisas a serem descobertas, 50 A. Ferro Em resposta ao meu comentario, acrescenta ao desenho 0 escafandrig,, Ravio. Digo-lhe que esta se animando numa aventura em que sera pose? descobrir coisas, ¢ acrescento, olhando 0 navio, que “aqui talvez hai, *! tesouro”, pensando, em nivel consciente, em alguma coisa escondida no mes E Marco que me sinaliza ter apreendido a implicacao afetiva da minha jer” anima-se improvisadamente, colore vivamente todos os animais, constroi we semaforo que, alternando os sinais vermelhos e verdes, me indicara 0 acento das hipoteses que proporei em seguida. A Estou estupefato, mais do que pela transforma¢ao em technicolor do Ross filme de aventura, pela reviravolta de vértice que me sugere em relacag 4, tubarao: ha algo que procura sair, libertar-se, embora ainda retido Pelo tubarao Gostaria de sublinhar que nao ha nenhuma decodificagao de significado desenho, mas uma historia emocional-afetiva que comeca, NO par, a partir dy ativagdo de emocdes € afetos através das identificagdes projetivas que tecem “aqucle tesouro” que adquire vida durante a sesso. . (© que conta nao é a explicitagao de necessidades mas, com Bion, a “realizagag de “pré-concepcées” & espera de serem experimentadas numa atualidade relacional (Tudo isso pode acomtecer se se realiza uma experiéncia emocional significativa, nica e irrepetivel, que adquira através do trabalho mental (réverie) no interior do par, fora de todo esquematismo ou codigo que assinalariam somente, disponibit. \ dade de “instrumentos”, mas nao de espagos mentais e emocoes. ~ es, ————— O desenho como despontar narrativo: Mariella Mariella é uma menina de oito anos, profundamente marcada por um trauma: a mde teve um acidente vascular cerebral que a paralisou e em seguida a tornou violenta, impulsiva, sem con‘role, de tal modo que foi necessario separd-la do marido e da filha. No nosso primeiro encontro Mariella parece esténica, forte, segura de si substituiu, assim o parece, a mae pela nova companheira do pai e pela irmi maior... na escola obtém resultados brilhantes. Faz um desenho (fig. 7) que me impressiona pela falta de graca, lembra-me a vaca Clarabela, percebo que me conta o modo como nos comportamos, Nos Primeiros didlogos do encontro, num falso registro, pseudo-adulto, nao sei ainda aed a eee me dou conta de que falta o nariz a figura do cee 'n¢do para isso, Mariella responde que é “para ndo sentir igradaveis”. es de colher € de colocar em palavras o seu medo de uma sentir” algo de desagradavel; imediatamente me conta vIn 52 A técnic Ca Na psicandlise infantit Figura 7 historia dilacerante “...que a cachorrinha daquela menina tinha sido envenena- da, e um trauma em seguida tinha-lhe fraturado a coluna vertebral... foi curada... mas nao podera ter filhos, sendo morre...”. Uma esttipida obtusidade era a defesa que tinhamos acionado para tomar distancia de algo “excessivo” em relagao a capacidade das mentes de tolerar o sofrimento. A obwusa Clarabela, a obtusidade dos adultos, a propria obtusidade do “campo” nos primeiros momentos do nosso encontro, nada mais eram do que as defesas, ou melhor o “bastido” que nos protegia do sentimento de que ela tivesse sido envenenada na propria parte mais viva e natural, “a cachorrinha”, e que ela também fosse uma “menina fraturada”, com o terror de nao poder dar a luz pensamentos ou emocées sendo morreria (de dor): foi a realizagao de tudo isso, junto com Mariella, que nos permitiu programar a necessidade de uma andlise. O working-through como lugar de assimetria: Franco o desenha um aviado; descreve-o a mego da sessa Franco, de nove anos, no comes! Sao medida que desenha os particulares, comeca @ co 53 A, Ferro Figura 8 me fala aquele avido, como posso pensé-lo e interpreta lo, mas, além de interpretacoes baseadas num codigo de leitura de contetdos, "gem em mente; sou entdo tomado por um sentimento de mal-estar a0 colori-lo de modo mimético, e penso: da fuselagem, das asas, eu nunca subiria num Pergunto-me de que nada mi ver as linhas feitas no avido, para “Mas aquelas sao rachaduras aviao com tais rachaduras...” E somente nesse momento que me imterpretativa da sessao anterior, quando na\ dentro” algo que necessitava ainda de tempo par: traumaticos sobre ele. Ligo os dois fatos e penso que Franco esta me falando de como, estando bem no inicio do nosso trabalho, ele sente rachar a sua confianga no nosso “veiculo”, e de como procura ao mesmo tempo mimetizar, esconder de si mesmo, essa crise de confianca. Decido que tudo isso nao pode ser comunicado diretamente a Franco, porque seria “demais” para as atuais capacidades digestivas da sua mente ¢ que, continuarr do a acompanhi-lo no seu texto narrativo onde comparece agora um conflito entte duas posicées diferentes, tenho que conseguir reconquistar aquela ordem mental € portanto interpretativa que seja capaz de “soldar” as rachaduras da contianga. Percebo ao mesmo tempo a existéncia de um problema de “impulsividade” como a que tinha sido por mim atuada, ao assumir as identificagdes projetivas lembro de uma minha incontinéncia 0 tinha sido capaz de “manter a ser dito sem que tivesse efeitos 54 ed oe We x técnica na psicaniilise infantil ¢ Franco, ou melhor, de suas partes incomtinente d ra partes incontinentes que, em conluio com as minhas, tinham levado a atuagao interpretativa Essas partes estavam agora c a = patency agora cin Pati com as fungdes do pensamento... extol anco, falamos de 7 : No de conflito entre um exército violento e impulsive que parte ao ataque impensadamente ¢ wm exército regular, bem organizado capaz de “pensar” antes de realizar os planos, ° ' As seducdes da interpretacdo “simbolica”: Marina Marina, menina de seis anos, no primeiro encontro comigo faz um desenho (fig. 9) que parece sugerir uma infinidade de leituras de contetdos: ali se poderiam descobrir com facilidade “seios”, “pénis”, “mamilos”, combinados de modo a fazer pensar em confusdes geograficas (Meltzer, 1967) “seio-nadegas”, “penis-mamilo”, “frente-atras”. Mas qual seguir, entre as varias diregses de interpretaco? Enquanto penso (perguntando-me desorientado que emaranha- ros pode conter Marina), € a propria Marina que indica o caminho, dos inte! is um associando espontaneamente ao desenho que “nao sabe se lhe lembra mai: pirulito com o seu palitinho, ou as orelhas e a tromba de um elefante”. Isso poderia orientar a escuta sobre fantasias corporeas, na bipolaridade seio/penis. Mas, ouvindo ressoar nas palavras da menina as minhas proprias incertezas, sou induzido a colher sobretudo as qualidades mentais da comunicacao no hic et nung, isto é, a pergunta que Marina se faz sobre 0 desconhecido a sua frente ¢ sobre o tipo de relacao possivel com ele, Sera um analista acolhedor ¢ afetuoso, com o qual possa ter um bom contato, ou um analista violento ¢ inttusivo, que partira ao ataque com as suas interpretacoes? Esta segunda eventualidade sera mais claramente representada num quadrinho que Marina trara numa sesso seguinte, recortando-o da revista Mickey (fig. 10). Quadrinho que me confirmara a utilidade de ater-me ao texto de Marina ao ajudala a colocar-se perguntas ¢ formular respostas, dependendo de como interagirei com ela, se de modo leve e terno, ou pesaclo € obtuso. O desenho € 0 funcionamento mental do par: Marcello o importante da analise, creio que me faz entender tos mentais com que me achego a ele, | uma metade representa eu sentado ho fazendo bip-bip com o brinquedo re no bolso; parece dizer Marcello, num moment muito bem os dois diferentes funcionamen por meio de um desenho (fig. 11) no qua diante dele, segurando um livro, e ele sozin! eletronico que, para qualquer eventualidade, traz semp! 55 A. Ferro Figura 9 que se eu estou com o livro das teorias e mecanico, eletrénico. Na outra metade estendida como uma ponte em sua direca dos simbolos, ele volta a ser 0 mening da figura eu estou com 10, € ele fala comigo, Um outro particular: no Pprimeiro caso, as mi onde esta escrito; PROBLEMAS RESOLVIDOS = O, “Assim nao fazemos nenhum progresso”. no se PROBLEMAS RESO, 0 resto (LVIDOS) nao esta r marca de muitos escritos. uma mio inhas costas esta uma tabela gundo caso esta assinalado: na pagina, e — embaixo - a langa que se sente ouvi “arroz”, cereal-alime da anorexia, que for: ido © compreendido. Nao s6, 1 nto muito importante na longa estrada que conduz a saida a.um dos motivos que levaram Marcello a anilise. Hume Optica de campo, o desenho remete a dois funcions mentos atuais do Par, em oscilagao entre ele “redondo” e afetuoso, ou seja, a No campo; mas comtém tamber analista e 0 seu working-througl Naturalmente, © anguloso e robotizado, € duas modalidades com que as mentes interage™ m todas as informagdes preciosas para ajudar 0 sh, a deslocar a oscilagdo para a direita da figura: —__ 1 NT: RESO!VIDOS = RISOLTI em italiano; 2. Riso, em italiano, arroz, 56 A técnica na psicandlise infantil Isto NAO Cm Anat BM TRPRETA NIDA MATS. ae Figura 10 Figura 11 para um auténtico processo de simbolizagao emocional compartilhada, pelo qual se permita a Marcello assumir as emocoes que permaneceram muito tempo, para ele, inacessiveis como os alimentos. Desenho e réverie: Massimo Toda aproximagao ao desenho baseada num codigo qualquer de leitura 57 A. Ferro corresponde a uma defesa em relagao ao pleno permeabilizar-se a ele, tinicg prérequisito para que possa ser de novo sonbado Nest Optica NAO podemog formular nenhuma lei sobre como ressoara dentro de nos, sobre qual detalhe ativara a nossa capacidade de réveri¢ ‘Um dia Massimo faz tin desenho no qual represent acnt Moro: o Meu apartamento come O imagina, eu procure significados, com 4 tentagdo de recorrer as teorias € Atentativa de dese odificar os simbolos, depois consigo renunciar a entender € recordar; M Gesenho, ate que ao escrever a legenda do que desenhou se interrompe para as como se chamam aqueles ali no canto CAN... CAN javra, diferentemente de todas as outras ida da.casa onde assimo continua diligente 0 perfeit perguntar-me: CANtciras”, ¢ escteve em azul essa pal palavras da legenda, escritas em preto ; ‘Assim que entendo o pedido de ajuda que o menino Massimo faz chegar até mim através do desertho do Massimo arquiteto, ele pode comecar a falar-me do seu gato, ¢ de como este sofre quando € deixado em casa. Ea tiltima sessao da semana, € também a primeira vez que Massimo faz referencia a dor pela separacao. Massimo, menino sem necessidades, ou cujas necessidades ele sempre acreditou poder satisfazer sozinho, sente a falta de alguém. Mas isto € posstvel somente depois que me sentiv sintonizado € receptivo a0 seu pedido de ajuda, que nenhuma teoria me teria feito perceber. O desenho ¢ as transformacdes no tempo: Stefano ‘Até aqui privilegiei o desenho como fotograma ontrico do instante relacional, algo que ressalta ag microtransformagées durante a sesso, como se pode observar na seqiéncia das figuras e no didlogo, onde se véem claramente as transformacées instaveis e reversiveis do instante relacional, que mudam coma mutacao da ordem emocional do par; ha no entanto uma outra vertente no menos importante, a das transformagoes estaveis ¢ irreversiveis consider ada periodos longos. " “ —— A sequéncia dos trés d i lesenhos sucessivos de Stefano : eriod acontece no periodo de dois anos de terapia. omecenst em Nesses desenh / heraneeya vincinne quase de engenheiro, comegam a abrir caminho tacos securing age multe mecanizados € rigidos (fig. 12), que aos poucos VP ecto do rosto de um menino (fig. 13), que parece mostrar-se 1 NT AIU... ALU. em italiano é 0 ink di Onc laa ia eal ta gure cama tai 58 EIEIO SSS A técnica na psicanilise infantil camuflada € inespetadamente entie as estrutitas metilicas de un navio ou de fim tanque de guetta. A cada vez, seta a frente do veiculo de desembarque, ou 6 painel de comanda, @ que se configura quuase secretamente come rosta de conhecidoe, em meio aos menino que PochTa emergir, estutuTAse, ser pepectos autisticomeeanizados de Stefano. nda desarticulado, ainda de mostrar 0 sofrimento Stefano, desenhando-o no ‘Are surgit 0 desenho de um Pinocchio (Lig, muito necessitado de Geppetto, © que parece vés do “grosso espinho no cor 0" de que atra alto a direita na figura. Transformagdes irreversiveis ¢ estaveis se vistas sob a Optica do trabalho de anos, que podem ser considerados nao somente em relagao as mudangas do mundo interno ¢ do modo de funcionar de Stefano, mas também como a expressio das modificagdes no modo de interagir das mentes de paciente € analista na sessao: desde as modalidades de encontro mais mecanizadas € controladas, passando pelo emergir de uma espontaneidade maior, até realizar epoder compartilhar um pleno contato com a pena e o sofrimento que comporta a integragao ¢ a mudanca. O DESENHO COMO EMERGENCIA Gostaria de descrever agora outras situagées, além daquela mais normal da crianga que faz 0 desenho na sala de anélise, ou que 0 traz; situagdes nas quais 6 desenho passou igualmente a fazer parte, mesmo que de modos diferentes, da andlise do paciente. Desenho do analista feito em sessdo: Renato Quando vejo pela primeira vez Renato, ele me lembra um filhote de bisdo, € se mostra logo como tal, na contengao quase muscular (Bick, 1968) através da hiperatividade que atua para se proteger de catastroficos dissolvimentos no nada. Nada que eu possa Ihe dizer tem efeito sobre a sua corrida, qualquer que seja o nivel da minha fala, Ao contrario, as minhas intervencoes parecem incité-lo como se as minhas palavras fossem projéteis, € em resposta a € pega cubos de madeira e os aliza contra miim, arriscando auingirme ¢ machucar-me. Tento dizer-Ihe que me sinto un cow-boy com os indios que giram ao sew redor quanto atiram uns contra os outros. Mas nada consegue fazé-lo parar. O 59 = CAMINHOES PARA TRANSPORTES ]@% SALA DE INFOR- MAGOES m= PORTAS BLINDADAS © SALA DE MANUTEN: * = = PORTOES DE ENTRADA =" = PORTAS NORMAIS @ = CAMERAS DE TV @ = SAA Do micro “@ = ESCRITORIOS @ = OIRECAO @. = ENFERMARIA (GAO DOS LINGOTES — X= CAIXAS Figura 12 A técnica na psicandlise infantil Figura 13 perimetro da sua corrida compreende também a sala de espera: de cabeca baixa, continua a trotar. Comeco a dizer-me que seria preciso uma palicada para conté-lo, me sinto tentado a fazé-lo fisicamente, pelo menos dentro dos limites da sala. Encontro-me porém sempre sentado no meu lugar desenhando, numa das folhas preparadas para ele, uma paligada, Para, mais curioso que interessado. Toma por sua vez um lapis e diz, fazendo grossos sinais sobre o perimetro da paligada: “E eu a arrebento, arrebento”, € desenha uma espiral vermelha; eu The digo que parece um vento, uma tromba de ar, ou talvez Nuvem Vermelha, que arrebenta todas as paligadas. 61 a A. Ferro Figura 14 62 A técnic C4 24 Psicanilise infanyy Responde, permanecend para: “Degg colocandosme 0 problema se esta ¢ tung sgret M8 procuro desesperadamente pensar, uernn? Minh redemoinho colorido, Digo que parece ane os Pala ree ME NAD aja a Continuo a fazer paligad alicadas! Eu executo. mas no meio tempo a8 como costumeiro Hie que possa fazeto 4S, € MM pertmete ‘0 desenho Fle, com uma hidrografica vermelha na mito, va oan . val em diteg sobre um azulejo “uma cabana de indio" Tre digo: Vermelha’, Ena minha folha de papel um m i ; lenino indio € um redemoinho de vento; enquanto isso penso em como ao correr el derrubado no chao nao s6 0 conten ‘enn algo como uma mesa AO a parede e desenha ‘Um lugar Para Nuvem desenho uma cabana, me contou que nas freqitentes crises Pantoclasticas de Renato a anica coisa que o faz parar s80 os desenhos animados Aproxima-se e » wtilizando como folha de papel nao mais os azulejos mas a machucar... continua o desenho... Mas enquanto os dois amigos trabalham Juntos atiram contra eles... chega um outro ciclone. A sessao vai em frente. ++ mas dispomos agora daqueles “personagens” que criamos juntos no nosso desenho animado, pelo qual podemos dar nome e colocar em historia o que acontece na sala e entre as Nossas duas mentes, como Pressuposto necessdrio para o reconhecimento, a narracdo e a transformagio das emocoes e dos afetos; neste sentido recentemente Lussana (1991) falou da evolucdo entre uma modalidade interpretativa kleiniana e uma de tipo bioniano. Poder-se-ia discutir se o meu desenhar foi uma atuacdo, problema ja tratado recentemente por Schlesinger (1989), ao qual acrescentaria que talvez o impe- dirse uma liberdade nas emergéncias seria sacrificar ao rigor formalistico 0 que Pode ser, ao contrario, comunicado e transformado ainda que por Indios excepcionais e aparentemente improprios, porque no fundo os meus eee es testemunham antes de mais nada a necessidade de descarga (como na corrida muscular de Renato), 0 ndo poder pensar suficientemente, ¢ a exigencia de uma Contengao, de um limite, uma vez posto o qual, poderiam em aioe oe as transformagoes e os compartilhados processos de Pensa tO ae Inatil dizer que considerei todos os personagens da ee eeeeseomns holografias do par e das trocas emocionais do mesmo Seine aes Ge bartida para a narragao de emocdes ie a verbalizad; no fundo tes, viravam para a pensabilidade e a comunica’ bai que j defini como “agre OS protopersonagens ao nascer testemunham aq' 63 A Ferra ye cia falar no final do capitulo, e ny , Capi, tu l gados funcionais”, dos quais vol sobre o dialogo. Sonhar o desenho: a mancha negra de Carlo esti Carlo ¢ um menino de sete anos que esl procurando conter, dar Rar, distingwit os proprios sentimcntos que antes cram violentamente evagyag Tent na sesso una furtosa crise de cite, em parte ligada aos ging”, ssagem no horatio anterior de um outro menino pela sala de analige ‘Antes da explosio de cittme ele tinha feito um desenho, do qual me te, a nova capacidade de conter nas margens do mesmo as (os Sentimentos?) cor. e no qual me inquictata uma mancha negra sobre a qual nao soubera git F pensar... partes escuras? destrutivas? Carlo tem a crise de cittme. Eu “interpreto”, ineficazmente, a sua faria, a sta raiva, o ciume pela passagem na sala de algum outro, de modo predominany mente ativo, porque nao sei como fazé-lo parar enquanto grita e joga tudo no chao. Depois, passada a crise, Carlo me diz textualmente: Ndo é assim Que voce me deve falar, quando estou mal; fico com mais raiva ainda; voce deve me dar algo seu, que me faca entender que ndo estou sé, que vocé ndo esta brave comigo, assim eu sorrio € me acalmo. Fico muito impressionado com o que me afirma, interrogo-me sobre o que me pede, sobre por que me diz que sao ineficazes, e mesmo nocivas, interpret ges tdo diretas, e penso no que fazer com ele... A noite tenho um sonho: na sala de analise das criangas vejo algo de ney que caminha, escorrega quase, sobre a parede, nao entendo 0 que é... aproxine me: € uma, “mancha negra” que parece caminhar... nao, € uma barata cada vez maior... ndo sei como comportar-me, parece-me nao ter os instrumentos, caule: losamente pego uma varinha e come¢o a enfrenta-la... golpeio-a como poss. cada vez mais forte, cada vez mais inutilmente... a barata se enfurece cada ve! mais e geme... Assim que acordo me digo que o sonho me ajudou a recuperar quanto et ameacadora para mim a mancha negra, um buraco de compreensao, uma zom talvez de nao “pensabilidade” da mente de Carlo, mas também uma zona escu £ nao pensada da nossa relacao, e o quanto eu me defendia dela atacando-2co™ Pseudo-interpretagoes de carater evacuador e defensive Talvez nao seja entao questao de interpretar tao ativamente o citime ea Ta" nas € preciso relletir sobre as palavras de Carlo, e sobre o caminho que & mesmo indica dizendo-me Dé-me algo de seu... faca-me entender que nao esta co" 64 — ELA 5 ee eee a: A tecnica na psicanilise infamil raiva de mim... talvez Seja preciso olerecer a exercieia de Madoras da mente do analista na sesso, fora dees ees catencltlacles transfor- mmecconstitidos, gales de cevteza psn Cesena iterpeatons igs pacientes; devo CTD ESET qe toME corp alu aoe para os guna coisa produzida pela Piesas dtias MENLCS FUMES, COMO Conlitmard un sone pose pal mama sala, aparece “algo de hornvel em que ea te Carbo no que porem, se tiver algueem que se ocupe dele de perto cresce eee pélos, ease segttitd UM ONTO Soho em que “UM nesrinho cane uma forma conhecer os animais que at vive” , [As interpretacdes podem entao ser, as vezes, uma defesa ¢ da mente, para evilat recothecer as nossas proprias partes mais animate ¢ ana floresta para ‘AS propria a 0 ceria area any Ea al nn que podem se reativar justamente no encontro e na troca de identificacoes projetivas com o paciente, como pressuposto pela criagao de um campo emo- cional e pela capacidade de verbalizar os afetos. A distancia de meses, Carlo me faz um desenho (com as mesmas cores) no qual ha um menino grande de sete anos que contém, como uma matrioska, um menino pequeno de um ano € meio, mas que esta para fazer aniversario cresce... no lugar da mancha negra: agora é uma parte crianga, que nao fora possivel pensar antes (e cujas necessidades nao fora possivel reconhecer), que se estrutura e toma “corpo” no lugar da mancha negra. Nao se tratava de cittme ou de destrutividade, mas de um “torrao” de necessidades infantis que precisava ser “formado” e em seguida reconhecido. a chave de Salvino Desenhar o sonhi Salvino, de doze anos, esté numa fase adiantada da aniilise, e nado consegui- mos ainda estabelecer uma data de final do nosso trabalho (isto ligado tambem 1 vida do paciente); quando fica preocupado com ade de terminar a analise, tem um sonho em faves que mudaram “na cabeca, a particulares fatos historicos d que eu nao perceba a sua necessid que uma porta agora pode ser aberta, gragas a ch embora mantenham o mesmo corpo”. Preocupado em nao conseguir exprimil folhas de papel onde se atormentara desen! da”, mas com o mesmo corpo, em que chamava de “cabeca” a parte dentada € “corpo” a parte fixa da chave; era entdo uma composicao interna diferente, uma demteacao diferente que Ihe permitia abrir a porta do luto e do fim da ro sentido do seu sonho, traz-me hando “chaves com cabeca muda- anilise. O desenho respondia a necessidade de fazer-me ver concretamente as 65 aan as el ae A. Ferro, Mudangas de composigio c estrunutagao interna, que ele temia que eu y ainda capaz ¢ segue de ver AO Ferscg Desenho de contratransferéncia fora da sessde Uma psicoterapeuta ha tempos em supervisdo para a psc ‘oterapia de um, crianga muito pequena, durante wn periodo de aaa i > mesmo; trazme , sessto de tuma menina de oito anos. A psicoterapeuta, que conhec Como mui atenta aos problemas do setting, conta-me, sem dar importanciay que j4 ha do anos comeca esta terapia dando a menina quatro balinhas ¢ ficando com outa, tantas para si; das suas, ela da duas an -nina ecome cla mesma as outras duas, a menina, por sta vez. core %,» 0 balinhas € guarda duas para depois a, sesso ja ¢ comeco, nao digo d: Enquanto isso eu, que jé estou espantado com ess » nao digo nad somente penso comigo mesmo no domador de um circo que, antes de entrar no picadeiro, sinta tanto medo das feras que lhes dé sedativos, reservando também para si mesmo uma dose, que dividira depois, considerando mais urgente sedar as feras. ‘A sesso se desenrola com os desenhos, feitos pela menina, de um home ede uma mulher, que ela furara depois repetidamente com a ponta aguda dos lapis... a terapeuta interpreta alguma coisa referente a diferenca dos sexos...ea angustias de castraco por causa dos lapis que se quebram (enquanto isso eu penso nas punhaladas de Brutus, ou melhor, de um bruto)... a terapeuta evidentemente ndo pensa, esta paralisada pelo terror... poderia dizer que ela nio € capaz de fazer o proprio trabalho, mas nao € assim, porque eu a vi agir com competéncia em situagées diferentes e dificeis. se olho para o material da menina, é claro que existe uma firia homicida para com a terapeuta (mae e pai?) ... mas se olho a dupla posso entender mais: ha justamente uma paralisia do pensamento, o terror que faz com que se déem balinhas calmantes, terror que faz dizer coisas absolutamente insensatas diante da faria da menina, furia que cresce tanto mais quanto mais a terapeuta se defende... Quase por acaso, a terapeuta me mostra a este ponto um desenho que ela mesma fez (fig. 15) depois daquela sessao: uma menina selvagem, negra, com a langa e a cabeca cheia de penas vermelhas (uma cabega em chamas?) esta diante de uma cabana de folluas que € desenhada com duas janelas dos lados, no alto, €com uma porta no centro; diz a terapeuta: “Parece a casa de um dos porquinhos na historia dos trés porquinhos e o lobo... a casinha de palha”. Eis a chave de leitura que a propria terapeuta fornece: ha uma pequena selvagem canibal, violenta, primitiva, € a terapeuta, cujo rosto assombrado 66 A téenica na psicanalise infani} Figura 15 parece ecoar na cabana com janelas-olhos esbugalhados ¢ porta-boca escan- tarada, aterrorizada, que teme nao conseguir acolher € conter a pequena selvagem; preocupada em ser sobrepujada por cla, teme ser desorganizada como continente. Um comentario caberia ainda: nao sao tao significativos nem a atuacdo da terapeuta (as balinhas), nem as atuagdes interpretativas (as interpretagoes defensivas), mas sim o nao ter podido pensar que deveria metabolizar esses fatos. nbrar o conto de um meu paciente a historia familiar ou se de um filme, imo cujos adversarios costumavam assem, de modo que depois, no me reconheci no meu cativante a a situagao sob controle, os nte me ajudou a A propésito, nao posso deixar de ler psicotico, nao me recordo se tirado da sua que narrava sobre um pugilista violen mandar-lhe jovens mocas para que o extenta Tingue ficasse mais facil para eles: imutil dizer que amansélo e no desferrar, somente quando sent meus golpes intepretativos; mas essa advertencia do pacie elaborar quao grande era o terror que sentia em relacao a ele Deveria dice claramente como as defesas do analista, por stta vez, €Strthe tam e modificam 0 campo; em conseqiiencia, 0 esforgo contratransferencial € 67 vy A. Ferro -) toa 4. Figura 16 avto-analit tico torna necessirias afinagdes de um instrumento submetido contr nuamente a solicitagdes: 0s personagens da ses: 540, desenhos, sonhos, fornecem constantemente ocasides € meios para esse tipo de trabalho. O “desenho” na andlise dos adultos Encontramos um precedente classico na belissima analise de Susan, cond: zida por Milner (1969). to cae Fachine i (1983) propds, recentemente, wm material grafico tazi Por um paciente durante a andlise. Como isso nao ocorre freqientementé, a ae Fee outro testemunho através do desenho (he. 16) de a descobriv oie onde se nota uma propensao intempestiva de minha parte eye a es mesmo que emogdes € afetos tenham encontrado expressiio do rosto, da ale; ce ae do desenho @ evidente a mudanca é& maretcitemeye gria pulsante a desilusao triste, enquanto que de minha Sposta indicadora de ruminacao intelectual mais que “ 68 A técnica na psicaniilise infant disponibilidade a compartilhar com a pacie todos os cometas que, parafraseando um; (1990), podem aparecer na sala de analise. le a “assombrada admiragto” por 4 Sugestiva metifora de Di Chiara AS PALAVRAS COMO “DESENHO" NA RELACAO NA ANALISE DOS ADULTOS Gostaria de evidenciar, por intermédio de um breve exemplo clinico, como as “palavras” dentro da sala de anilise sao semelhantes a desenhos dentro da relagao, com a intengao de sublinhar assim a capacidade de transformacao das linguagens e de diminuir as diferengas entre analise de criancas e de adultos. Foi Tiziana quem me fez pensar claramente no texto verbal de uma sesso como um quadro desenhado por meio de palavras, num periodo em que eu dava a maxima aten¢ao a comunica¢ao, entendida naquele momento como comuni- cacao a ser considerada primordialmente na transferéncia, e como tal necessita- da de uma constante explicitacao. Tiziana € desde menina “noiva” de um jovem e promissor aluno da Academia de Belas Artes, com o qual vive uma relacdo muito intensa. Na andlise, 0 noivo “pintor” apresentar-se- em dois modos: as vezes sera o proprio analista nos seus afrescos interpretativos, na urdidura e na composi¢ao dos proprios enunciados, outras vezes sera uma parte da paciente que oscila entre duas modalidades de organizacao, uma narcisista-destrutiva, a outra criativa. Anarcisista sera “o noivo que destréi os quadros que faz” (nesse periodo a paciente nao trara nenhum sonho); a criativa, “o noivo que pinta e que conserva 0s quadros” (a paciente trara os proprios sonhos a anilise). Mas, por sua vez, isso refletiré duas modalidades de interpretacao do analista (num jogo infinito de remetimento de espelhos): a narcisista (Brenman, 1977), que destroi os “quadros”, simplesmente porque estimula a inveja e a competitividade da paciente, e a criativa, resultado de uma ligacao (O"Q) com a paciente. Como tempo, Tiziana colher4 das quadros do noivo, das minhas interpretacoes, do seumundo interior, a qualidade e a tonalidade emocional; “o noivo pinta segundo combinagées de cores”: € assim que a tonalidade aletiva das interpretagdes seri colhida no seu todo, dar-se-A atengao ao delinear-se, ao organizar-sc, 10 diversificar- se das proprias sensagées, das quais tera quase uma percep¢ao cromatica, ¢ somente hum segundo tempo “o noivo passara a uma técnica figurativa”. a Entao, das minhas interpretacoes, sera posstvel colher também 0 conteddo descritivo, e das proprias emogées, também o elemento figurative, ves Percebo assim as qualidades da minha pintura verbal, oajuste te tons, ce caracteristicas das minhas cores, e vou a “escola de pintura’ da paciente, que me 69 Onn A hl cm Xv

Você também pode gostar