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Cultura e imaginário na metrópole: o cosplay em Goiânia.

Yhanka Louza
Acadêmica do Curso de Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
yylouza.geo@gmail.com

RESUMO

Este artigo pretende investigar e contextualizar a cena cosplay na cidade de Goiânia, buscando compreender
como tal cena se espacializa na metrópole goiana5, percebendo que a mesma não está distante dos processos
culturais de outras. Bem como as possibilidades e facilidades que uma cidade considerada metrópole pode trazer
para que esse grupo cultural habite seus espaços. Trata-se de uma pesquisa que envolve trabalho de campo em
eventos de cultura pop, e entrevista, que selecionou 5 cosplayers de Goiânia, no intuito de conhecer mais de
perto tal realidade, a identidade destes sujeitos, e da cena cosplay na capital. Buscando também interpretar como
a circulação dos cosplayers pela cidade pode transformar a paisagem da mesma, e a importância da indumentária
na execução do cosplay. Por fim procura-se analisar a sensibilidade que se faz presente por trás desta cena, o
sentimento existente através das narrativas que inspiram o desejo de fazer cosplay, assim como verificando a
forma que estas mesmas narrativas trabalham com o imaginário e a cultura visual no universo dos cosplayers.

Palavras-chave: Cosplay; Cultura; Goiânia; Identidade; Indumentária; Paisagem; Imaginário.

ABSTRACT

This article intends to investigate and contextualize the cosplay scene in the city of Goiânia, seeking to
understand how such a scene is presented in the metropolis goiana, realizing that the same is not far from the
cultural processes of other cities in national and international level. As well as the possibilities and facilities that
a city considered metropolis can bring to this cultural group to keep their spaces. It is a research that involves
field work in pop culture events, and interview, who selected 5 cosplayers from Goiânia, in order to meet more
closely such reality, the identity of these guys, and the cosplay scene in the capital. Seeking also to interpret, as
the movement of cosplayers around town can transform the landscape of the same, and the importance of
clothing in the execution of cosplay. Finally we will try to analyze the existing sensitivity behind this scene, the
feeling that exists through the narratives that inspire the desire to do cosplay, as well as checking the form that
these same narratives work with the imagination and visual culture present in the universe of cosplayers.

Key-words: Cosplay; Culture; Goiânia; Identity; Clothing; Landscape; Imagination.

1
Orientadora: Profª. Drª. Valéria Cristina Pereira da Silva, Universidade Federal de Goiás,
vpcsilva@hotmail.com
1

INTRODUÇÃO

No intuito de se trabalhar com grupos onde a vestimenta interfere diretamente no


modo de viver e na construção da identidade dos indivíduos, surgiu o interesse pelo grupo
cultural do Cosplay.
Cosplay, cos = costume, palavra originária do inglês e que remete à trajes, play =
brincar, também uma palavra inglesa que traz a ideia de um entretenimento a partir da prática
de se vestir e interpretar personagens, podendo estes serem de desenhos animados, games,
animê, mangás, filmes, livros e HQ.
Assim como outros grupos culturais existentes na cidade de Goiânia, a cena Cosplay e
seus membros contribuem na construção e diversificação da cultura. Considerando-se que o
mesmo proporciona à população formas de entretenimento, bem como contribuições sociais
por meio de visitas filantrópicas em hospitais, creches, asilos.
Essencialmente por se tratar de um movimento que em sua maioria envolve um
público jovem/adulto inserido nos grandes centros urbanos, busca-se identificar como a
espacialização desse movimento cultural influencia na estruturação e paisagem de uma
metrópole como Goiânia, onde por muitas vezes ainda é considerada uma cidade sertaneja.
Com a ausência de estudos em relação a esse grupo em nossa cidade, surgiu o interesse
por meio desta pesquisa em compreender como se dá o Cosplay em tal localidade, que vive
entre o urbano e o rural, e sendo este rural por muitas vezes considerado um impedimento
para que a inovação de fato aconteça e se espacialize.
Esse imaginário vem em razão de como alguns próprios moradores da cidade a veem
como uma cidade sertaneja, do mesmo modo que a mídia influencia, difundindo a música
sertaneja, shows, e outros espetáculos considerados sertanejos ou country, trazendo a ideia de
uma homogeneização cultural. Seria então o movimento cultural do Cosplay um exemplo de
“quebra” com a ideia do sertão em Goiânia?
Para melhor conhecer a realidade dos indivíduos inseridos na cena cosplay foi optado
por realizar entrevistas com os mesmos, buscando compreender detalhadamente como é ser
cosplayer em Goiânia, qual foi o estímulo para descobrirem que queriam ser cosplayers e de
que forma a participação em eventos de um modo geral influencia na prática do cosplay.
Os instrumentos escolhidos para a realização das entrevistas e diálogo foram a rede
social Facebook e e-mail, fugindo um pouco do padrão, por não ter sido utilizado um
gravador, e também pela entrevistadora e os entrevistados não terem ficado face a face.
Contando com cinco cosplayers, sendo estes, três homens e duas mulheres. Foi elaborado e
2

enviado aos mesmos um questionário contendo doze perguntas relacionadas à prática cosplay
visando que esta seria a forma mais acessível de recolher tais informações. Por
incompatibilidade de horários para que fossem marcadas entrevistas presenciais.
A partir destas entrevistas e trabalhos de campo em eventos de animês foi possível
captar como os cosplayers pertencem à cena goiana, como constroem uma identidade, uma
rede de sociabilidade e como realiza-se tal cena cultural na cidade.
Para conduzir tal pesquisa recorreu-se como referência principal a obra “Cena
Cosplay. Comunicação, consumo, memória nas culturas juvenis.”, organizado pela autora
Mônica Rebecca Ferrari Nunes2 que em conjunto com mais sete autores, aborda a cena
cosplay nos estados da região sudeste do país.
Por se tratar de uma obra com vários autores, as metodologias utilizadas são variadas,
como por exemplo da flânerie3, que em relato por parte da autora, foi uma metodologia
utilizada nos trabalhos de campo, desenvolvida por alguns autores. A pesquisa bibliográfica e
documental foram também outros dois métodos utilizados na obra.
Por fim será verificado neste artigo como os cosplayers e a prática cosplay habitam a
cidade de Goiânia, investigando como tal cena chegou e se difundiu, como seus adeptos
consomem as memórias das narrativas que despertaram o interesse pelo cosplay, como é ser
cosplayer nesta capital e o impacto que uma cena cultural como esta trás para a cidade. Esta
pesquisa visa compreender como estes sujeitos e a prática e cena cosplay se difunde na
cidade, e por esta ser uma cena heterogênea, sabe-se que há ainda muito para apreender.

1. O Cosplay na metrópole

O movimento Cosplay como um fenômeno da cultura contemporânea vem se


ampliando desde os anos 90, e inserindo-se cada vez mais no cenário jovem que aprecia a
cultura pop oriental, bem como, compondo a paisagem de grandes metrópoles, com seus
eventos e encontros, onde cosplayers apresentam performances respectivas aos personagens
de livros, animês, mangás, desenhos animados, história em quadrinhos, filmes e games que
estes mesmos escolhem performar, sendo a indumentária um ponto forte, afinal o quão mais
próximo do real o personagem é retratado, melhor.

2
 Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com formação complementar na
École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS, Paris, França, e também na Université Paris VIII, Saint-Denis, França.
3
Derivação da palavra flâneur, aquele que flana, caminha, passeia. Consiste em uma metodologia baseada na
observação visual e auditiva, uma forma de olhar pessoas, tipos e contextos sociais na caminhada não somente
física, mas também pela que existe dentro de nós, a partir das relações imaginárias constituídas.
3

Mas o que seria então a indumentária? Qual a relação dela com a moda? Buscando por
uma definição etimológica, a indumentária é interpretada como a história e arte que o
vestuário trás consigo. Sendo determinada pelo uso do vestuário a partir de uma época ou
povos. Dentro da moda temos termos como a indumentária, vestuário e traje. Em contra
partida da definição da palavra indumentária, a definição de vestuário vem com a ideia de que
é um conjunto de peças que compõe as roupas que se veste. Já o traje é determinado como um
vestuário habitual, roupa própria de uma profissão (FERREIRA, 2004). Para (ROCHE, 2004,
p.221), o vestuário pode também ser visto como uma cultural material, um testemunho, e
através dele ser introduzido o consumo, uma hierarquia social das aparências. Sendo então o
cosplay um grupo que traz uma história e arte através dos personagens performados, o termo
indumentária se faz o mais apropriado dentre os termos utilizados pela moda e pela cultura no
seu sentido mais antropológico.
Tratando-se de um grupo cultural que provém em sua essência de grandes metrópoles,
o quê Goiânia possui enquanto metrópole para que tal movimento tenha se espacializado e
adaptado à cidade?
Buscando conceber uma ideia do que pode ser uma metrópole Willi Bolle4 a partir dos
estudos de Walter Benjamin5, traz sua concepção de metrópole a partir da cidade de Paris,
definida por ele como a “capital do século XIX”.

Paris como lugar das primeiras exposições universais, “capital do luxo e da moda”,
centro de planejamento da industrialização da Terra, palco da Exposição Universal
de 1867, com “o desabrochar mais radioso” da cultura capitalista – eis alguns dos
atributos que, além de fazer resplandecer sua imagem sobre o século XIX, sugerem
também a dominação do globo. (BOLLE, 1994, p. 29).

Ao lado de Paris, é trazida a figura de Londres, considerada por Bolle (1994, p.31,
apud BENJAMIN, 1932), a verdadeira metrópole da economia mundial. Sendo evidente que a
visão de Benjamin era submetida ao eurocentrismo. Como as imagens destas metrópoles
descritas por Benjamim poderiam conciliar com as megalópoles consideradas de terceiro
mundo que vieram surgir posteriormente? Diante das diferenças históricas e geográficas do
mundo europeu e da América do Sul, como seria possível reproduzir da ideia benjaminiana de
cidades algo que conciliasse com uma metrópole sul-americana?

4
Stefan Wilhelm Bolle é professor titular de Literatura na Universidade de São Paulo (Área de Alemão/
Departamento de Letras Modernas/ Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).
5
Foi um filósofo, ensaísta, crítico literário e tradutor alemão. Deixou vasta obra literária, além de ter contribuído
para a teoria estética, para o pensamento político, para a filosofia e para a história.
4

É que determinadas estruturas de nossas grandes cidades foram antecipadas, de


modo visionário, pelas “radiografias” da Modernidade, de autoria de Benjamin. O
primeiro de seus quadros urbanos, o ensaio “Nápoles”, escrito em 1924 juntamente
com Asja Lacis, aponta significativamente em direção ao Sul. (BOLLE, 1994, p.33)

Tratando-se do Brasil, temos São Paulo como exemplo de primeira metrópole de


Terceiro Mundo em nosso país. “Devido suas vantagens geográficas, à sua infraestrutura e à
imigração, a cidade se tornou o centro industrial e comercial do país, e mais: seu principal
foco de inovação cultural e artística.” (BOLLE, 1994, p. 33). É significativo que seja
contextualizada a denominação “terceiro mundo”, considerando-se que a mesma foi revista
dentro da Geografia e está em desuso desde o fim da Guerra Fria, ou seja, esse tipo de
classificação atualmente é considerada ultrapassada.
Podemos constatar como as cidades apontadas e consideradas metrópoles fazem parte
de uma rede de indústrias, comércios, arte, cultura, consumo, características estas que
encontramos em Goiânia, capital considerada como metrópole em nosso país. A partir disso, é
possível conceber como a cultura cosplay e seus sujeitos encontraram espaço na capital
goiana.
A cena cosplay está interligada ao consumo, através das narrativas de consumo que
trabalham com o imaginário dos cosplayers, e influenciam na escolha de personagens para ser
incorporado pelo cosplay. Sendo isso através dos consumos com a indumentária, acessórios,
participação em eventos, filmes, animês, mangás, HQ’s. Modos de consumir que se estendem
entre o consumo material e midiático. Estes são elementos que fazem da cena cosplay uma
cultura que muitas vezes consegue se desenvolver com maior facilidade em grandes cidades
que oferecem estes itens de consumo.

As conexões consumo-memória ajudam a responder sobre como os cosplayers


habitam e consomem as memórias das narrativas que impulsionaram o desejo por
determinado cosplay, e também tornam possível o entendimento sobre as
vinculações entre o cosplayer e entre os membros deste coletivo. (NUNES, 2015,
p.29)
5

Figura 1. À esquerda comércio de personagens em miniatura de narrativas de consumo no


evento Geek Sesc e à esquerda comércio de acessórios no evento Animash Christmas.
GO, 2017. Foto de Yhanka Louza

Uma cidade considerada metrópole acaba por disponibilizar maiores opções para a
cena cosplay, cosplayers e admiradores. Como por exemplo parques e espaços onde podem
ser realizados encontros do grupo cultural em questão. Thaiza Montine ao ser entrevistada
para a pesquisa foi questionada sobre os locais onde são realizados os eventos e se existem
eventos em locais públicos. “Normalmente os organizadores alugam escolas ou faculdades,
esses são os mais comuns. Quando o evento envolve filantropia, costuma ser em locais
públicos: parques (Vaca Brava, Flamboyant), praças, hospitais, asilos, orfanatos” 6, explica a
cosplayer.

Figura 2. À esquerda Thaiza em evento em uma faculdade, à direita em evento no Parque Vaca
Brava. GO, 2017 e 2016. Disponível em < https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=1501014906639921&set=pb.100001942796528.-
2207520000.1528936424.&type=3&size=960%2C640>. Acesso em 13 de jun. 2018.

6
Entrevista realizada por e-mail com a Cosplayer Thaiza Montine, em 6 de abril de 2018.
6

Figura 3. Grupo de cosplayers em uma atividade de filantropia no HUGOL (Hospital de


Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira). GO, 2017. Disponível em
<https://www.instagram.com/p/Bj0Pnt1gtjg/?taken-by=thaizamontinecosplayer>. Acesso
em 16 jun. 2018.

2. Cultura em Goiânia: a identidade Cosplay

Não se pode dizer um momento exato em que tal atividade teve seu início. “A
historiografia do cosplay ainda não está completamente traçada e a cronologia de certos fatos
decisivos para a expansão desta prática não é unanime entre os pesquisadores de cultura pop
japonesa.” (NUNES, 2015, p.30).
Possivelmente os filmes de ficção científica foram uma das principais inspirações para
essa atividade de se vestir e interpretar personagens. Páginas na web vinculam a origem do
cosplay às convenções de filmes de ficção científica estadunidenses, em razão ao 1º World
Science Fiction Convetion, na cidade de Nova York, ano de 1939, onde um casal de jovens,
Forrest J. Ackerman e Myrtle R., surgiram fantasiados. 7 Deste modo, esse exercício se
expandiu, fazendo com que surgisse os masquarades, concurso que consistia na interpretação
de personagens encenados.
A fantasia Cosplay possui sua essência, e se difere de manifestações culturais como o
Carnaval e Baile de Máscaras que são tão tradicionais e memoráveis ao longo da história, e
que também se utilizam da fantasia. Apesar do ato de se fantasiar em ambas ocasiões tenha
uma grande ligação com o disfarce e a possibilidade de ser outra pessoa durante algumas
horas, há sim uma grande diferença quando se trata de se fantasiar na cena cosplay. Ser
cosplayer é muito além de se fantasiar de personagens de animês, mangás, filmes e outras
produções midiáticas, é também “performar”, buscando atuar como eles, desenvolvendo-se o
interesse por interpretar fielmente os trejeitos, que seriam no caso a forma como o
personagem age, se locomove e gesticula. Além do afeto envolvido na cena, dos cosplayers
para com os personagens escolhidos para realizar o cosplay, e que ao contrário do Carnaval e
do Baile de Máscaras, é visto muito além de uma brincadeira.

Cosplay e fantasia carnavalesca são a mesma coisa? Pelas vozes dos próprios
cosplayers, a resposta é não. “Fantasia é aquela coisa que você compra a roupa;
cosplay não é só isso, é fazer tudo que o personagem faz. Eu estou aqui e interpreto,
faço gestos, faço tudo, só não estou matando, claro!” – afirma Leandro, 30 anos, de
cosplay do personagem Espantalho, do HQ Batman, já mencionado. A prática
cosplay pressupõe interpretação. Em cena, a performance não apenas no sentido
atribuído por José Machado Pais (2012), como expressividades, mas também define
7
Disponível em https://www.cosplaybr.com.br/page/index.php/o-que-e-cosplay. Último acesso em Março de
2018.
7

o medievalista e estudioso das culturas orais Paul Zumthor (1997), uma espécie de
teatralidade especialmente voltada à presença da voz e aos movimentos do corpo
como manifestação da poética oral. (NUNES, 2015, p. 64)

Figura 4. O futuristcostume de Forrest J. Ackerman baseado no filme de ficção científica de 1936


"Things to Come". 1939. Disponível em <
https://www.stuffmomnevertoldyou.com/blogs/the-first-lady-of-cosplay.htm>. Acesso em 20
mar. 2018.

O hobby de se vestir e interpretar personagens também pode ser considerado uma


combinação cultural entre Estados Unidos da América e Japão. Nobuyuki Takahashi,
jornalista do Japão, visitou em 1984 a WorldCon em Los Angeles e vendo os masquarades,
publicou diversas matérias sobre o concurso em revistas de ficção cientifica no seu país.
Designando esse tipo de prática como kosu-pure, que na tradução significa cosplay. (NUNES,
2015, p. 32).
Apesar desta combinação cultural entre EUA e Japão, a cena cosplay em si não agarra-
se à personagens apenas destes países, mas também de outras nações, como por exemplo,
Harry Potter, personagem da série de sete romances de alta fantasia, intitulada Harry Potter,
da autora britânica J. K. Rowling. 8 Outro personagem fora do eixo EUA e Japão mapeado nos
trabalhos de campo realizados na cidade de Goiânia é por exemplo, Miranda Lawson,
personagem fictícia de uma série de game canadense, intitulada Mass Effect.9

8
Escritora, roteirista e produtora cinematográfica britânica, notória por escrever a série de livros Harry Potter.
9
Disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Miranda_Lawson. Último acesso em Maio de 2018.
8

Figura 5. À esquerda Vitor em seu cosplay de Harry Potter, personagem da série de alta fantasia
Harry Potter. Animash Christmas, GO, 2017. Foto de Yhanka Louza.

Figura 6. À esquerda Helena em seu cosplay de Miranda Lawson, personagem do game Mass
Effect. Sesc Geek, GO, 2017. Foto de Yhanka Louza.

É a partir do crescimento editorial de mangás e da elaboração audiovisual dos animes,


principalmente nos meados de 1990, que a prática cosplay cria raízes no Brasil. A convenção
Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações (MangaCon), que se realizou em São Paulo,
é considerada o primeiro evento no país em que jovens apareceram como cosplayers, e que
ocorreram exibições de animês e comercialização de mangás.10 (FLYNN, 1989, p. 53)
E em Goiânia? Como esta metrópole proveniente do Brasil Central recebeu a cultura
Cosplay? Uma cidade fundida e mesclada entre o “novo” e o “velho”, o rural e o urbano.
Igualmente à outras metrópoles, Goiânia é possuidora de culturas e grupos, não
necessariamente goianos, mas que foram conduzidos até aqui por meio da imigração, mídia,

10
Disponível em https://www.cosplaybr.com.br/page/index.php/o-que-e-cosplay. Último acesso em Março de
2018.
9

internet e outros condutores de informação. Da mesma maneira que estas outras culturas
surgiram na capital goiana, assim foi com o cosplay, porém com um maior tardar em relação à
uma megalópole como São Paulo.
Também não há uma época precisa para a chegada da cena cosplay na cidade de
Goiânia, mas com base no começo da prática na cidade de São Paulo em 1990 e levando em
conta o relato da entrevistada, Thaiza Montine, imagina-se que foi logo após a cena se
difundir em São Paulo. “O movimento cosplay chegou em Goiânia por volta dos anos 90,
sendo um momento que ainda se existia grande preconceito com tal atividade.”11
Na cidade de Goiânia realiza-se durante o ano vários eventos relacionados à cultura
pop japonesa, promovidos por grupos de amigos incentivados a compartilhar sua admiração e
predileção por esse universo de animês e mangás. Entre eles, um dos eventos mais conhecidos
e tradicionais na cidade é o Anime-Hai, que surgiu no ano de 2007, sendo sua primeira edição
realizada no Colégio Lyceu de Goiânia, com um público superior a três mil pessoas. Com
mais três edições respectivamente nos anos de 2009, 2010 e 2012, no último ano de 2017 o
evento retornou suas atividades com uma edição comemorativa de dez anos, que ocorreu onde
tudo começou.12
Outros eventos também acontecem pela cidade, como o Anime Gyn Festival, Sesc
Geek, entre outros. O que se pode notar é que não há um evento único e específico para a
comunidade Cosplay, mas sim eventos que reúnem as diversas faces do mundo geek, otaku e
cosplay.
O mundo geek, ou também conhecido como nerd/geek é formado por grupos juvenis
que vem sendo atribuídos à esse termo. Segundo Bicca (2013, p. 88 apud Bauman, 2001)
“partimos da compreensão de que vivemos em uma época em que emerge todo um conjunto
de desenvolvimentos tecnológicos relacionados aos meios de comunicação eletrônicos e às
tecnologias digitais e virtuais que estariam mudando a forma como vivemos”. E é nesse
contexto que surge grupos culturais juvenis em que seus membros são referidos ao termo
nerd/geek. Membros estes interessados por artefatos tecnológicos, saberes, filmes de ficção
científica, games e outros produtos culturais.
Já os otakus de acordo com Silva (2010, p.3 apud Barral, 2000) são “um grupo
aficionado pelo consumo de elementos do pop japonês. Assim, os otakus possuem todo um
aparato semiótico de ressignificação cultural do próprio mundo em que vivem. Imersos nas

11
Entrevista realizada por e-mail com a Cosplayer Thaiza Montine, em 6 de abril de 2018.
12
Disponível em http://animehai.com.br/historico/. Último acesso em abril de 2018.
10

mais diversas tecnologias, tais jovens entram em contato com novas possibilidades e modelos
de expressão de identidades, sobretudo as de gênero”.

Figura 4. Cosplayers no evento de comemoração dos 10 anos de Anime-Hai, GO. 2017. Foto de


Valéria Cristina Pereira da Silva.

Com aproximadamente 20 anos de existência, a cena cosplay na metrópole goiana


vem ganhando força com o passar dos anos. Ao longo das entrevistas realizadas para a
pesquisa, e através dos relatos por parte de alguns dos entrevistados e entrevistadas, é possível
notar como o cosplay em Goiânia é sim uma cultura visual que vem se expandindo, mas que
ainda pode ganhar mais espaços e visibilidade, como em outras grandes metrópoles como São
Paulo, Rio de Janeiro.
Claramente eventos como o AnimeCon e a ComicCon que acontecem na cidade de
São Paulo são eventos que possuem proporções muito maiores com relação aos eventos de
Goiânia. Mas de acordo com entrevistados que também já participaram de eventos em São
Paulo, estes acreditam que não há tanta diferença.
Há ainda outras confrarias relacionadas à indumentária, como os SteamPunk,
Rockabilly, Revivalistas e Medievais que possuem um estilo ligado à um período, e que ainda
pouco se vê em Goiânia. O termo confrarias até então é algo que está sendo pensado,
construído e criado por Silva (2017) e a partir de discussões no grupo de estudos GEIPaT 13.
Tal termo busca dar um novo sentido à estes grupos culturais, que muitas vezes são
considerados tribos urbanas, conceito já existente, consolidado e de amplo uso nos meios de
comunicação e trabalhos acadêmicos, que trás o significado de grupos formados em cidades,
13
Grupo de Estudos de Imaginário, Paisagem e Transculturalidade
11

que compartilham hábitos, valores culturais, estilos musicais e ideologias políticas


semelhantes.14

Figura 5. Matheus, steampunk. Geek Sesc, GO, 2017. Foto de Yhanka Louza.

A cena cosplay possui uma identidade, ou seja, é constituída por pessoas que se
identificam pelo mesmo interesse em consumir narrativas e a partir delas interpretar algum
personagem. Jovens e adultos que possuem uma identidade cultural em comum ao
pertencerem à cultura pop japonesa, a cultura do cosplay, participando de eventos, se
inserindo em grupos de cosplayers.
A respeito destas narrativas, observa-se como existe um estreito vínculo entre elas e a
identidade, pois muito além de produzir conteúdo cultural e entretenimento, estas narrativas
acabam por possuir o papel de formação de uma imagem e identidade.
O conceito de identidade de acordo com Stuart Hall já sofreu algumas mudanças ao
longo do tempo e vem sendo fragmentado no mundo moderno, acreditando que esta
fragmentação acaba por fazer surgir novas identidades e causando também a fragmentação do
indivíduo moderno.
É possível perceber que o indivíduo que participa da cena cosplay e é cosplayer
construiu esta identidade ao habitar este mundo da cultura pop japonesa, seus símbolos e
sentidos. Hall15 em seu livro “A identidade cultural na pós-modernidade” trás três concepções
do conceito de identidade, a do sujeito do iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-
moderno, sendo a concepção do sujeito sociológico muito próxima à construção da identidade
cosplay.
14
Disponível em https://www.todamateria.com.br/tribos-urbanas/
15
Sociólogo jamaicano e importante teórico cultural, que viveu e atuou no Reino Unido a partir de 1951.
12

De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da


questão, a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito
ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e
modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as
identidades que esses mundos oferecem. (HALL, 1992, p. 11).

Essa “interação” colocada por Hall entre o eu e a sociedade, o diálogo com os mundos
culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem é de fato percebida no
cosplay.

O cosplay é um texto cultural imprevisível, em um certo grau, com função de


memória, capaz de criar em seu entorno uma cena e, por sua vez, provocar os mais
diversos modos de sociabilidade e suas implicações subjetivas, identitárias, estéticas
e políticas. (NUNES, 2015, p.24).

Desta forma ao estabelecer um diálogo com o mundo cultural do cosplay e se


sociabilizando o indivíduo cosplayer cria então sua identidade e motivações para pertencer à
cena. Se projetando nessa identidade cultural, assim como absorvendo dela seus significados e
valores.

3. Indumentária e paisagem

Ao transitar pela cidade os cosplayers com suas indumentárias e performances de seus


respectivos personagens acabam por transformar a paisagem dos locais por onde se deslocam,
dando à estes um novo significado. De acordo com Nunes (2015, p. 44), “Os fluxos de
cosplayers e cosplays imputam à cidade certa teatralidade pública, marcada pela performance
e pela ocupação de formas estéticas em locais impensados.”
A cena cosplay possui então a sua própria paisagem, uma paisagem cultural, logo,
podendo ser pensada pela perspectiva da geografia cultural.
Quanto ao estudo da paisagem acerca desta perspectiva, a paisagem vai além da visão
e da percepção, é também compreender as relações dos indivíduos nela inseridos, como estes
a produzem e tudo aquilo que a sociedade condiciona a esse indivíduo.

[...] ela existe em primeiro lugar, em sua relação com um sujeito coletivo: a
sociedade que a produziu, que a reproduz e a transforma em função de certa lógica.
A paisagem é uma marca, pois expressa uma civilização, mas é também uma matriz,
porque participa dos esquemas de percepção, de concepção e de ação – ou seja, da
cultura – que canalizam, em certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço
e com a natureza e, portanto, a paisagem de seu ecúmeno. (BERQUE, 1984, p. 239)

Espaços públicos, parques como Vaca Brava, Parque Flamboyant, praças, hospitais,
shoppings, cinemas, locais já citados anteriormente, que reúnem cosplayers, são lugares que
13

se tornam palco de espetáculo, de materialização das narrativas e personagens, dando um


novo cenário com relação ao cenário midiático, na rua, nos ônibus.
Em entrevista Nannahara16 é questionada com relação a como ela acredita que as
pessoas a veem quando ela está de cosplay e circula pelas ruas da cidade. “As pessoas olham
com surpresa, mas eu adoro. Me divirto quando entro em algum lugar e as pessoas veem algo
que elas não esperavam ali, naquele momento.” Com base no depoimento de Nannahara
temos um exemplo concreto de como a presença do indivíduo cosplayer em um espaço
diferente do habitual, que seria no caso os eventos, causa uma mudança na paisagem, e traz a
cultura da cena cosplay através da ação de estar como cosplayer e performar seu respectivo
personagem.

Figura 6. Grupo de cosplayers no shopping Bougainville, GO, 2018. Disponível em


<https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=10211170405796083&set=picfp.1235791117.10209372979341545&type=3&theater
>. Acesso em 13 jun. 2018.

Figura 7. Cosplayers Thaiza Montine e Izis Neto brincam com criança internada no Hugol, GO,
2018. Disponível em <https://g1.globo.com/go/goias/noticia/cosplayers-de-super-herois-e-
star-wars-doam-sangue-e-visitam-ala-de-pediatria-do-hugol-em-goiania.ghtml>. Acesso em
13 jun. 2018.

16
Entrevista realizada pela rede social Facebook com a cosplayer Nannahara Bessa, em 15 de fevereiro de 2018.
14

Nestas duas figuras temos o exemplo visível de como a presença da cena cosplay pode
trazer a transformação da paisagem de um local. Como na figura 5, em que os cosplayers
encontram-se em um shopping da capital goiana, espaço habitualmente de compras e
entretenimento, onde a presença de cosplayers não se faz comum no dia a dia , causando
mudanças e atraindo olhares curiosos. Já na figura 6 é possível identificar como a presença
dos cosplayers e de suas performances pode modificar a paisagem costumeira de um ambiente
hospitalar, muitas vezes desgastante, trazendo alegria aos pacientes e crianças internadas.
Parte fundamental da cena cosplay e que permite que ela ocorra é a indumentária, é
através dela que os cosplayers podem materializar o personagem escolhido para o cosplay,
através da criação e confecção da roupa e de seus acessórios. Segundo Nunes (2015, p.44),

A cena cosplay não se limita aos eventos, estende-se com a circulação de formas
estéticas, como a roupa, a peruca colorida, as lentes, máscaras, maquiagens e
acessórios, tais quais armas, espadas, escudos, sobre o corpo do cosplayer em sua
dimensão corpo-mídia ocupando a cidade igualmente transformada em uma cidade
midiatizada graças a estes fluxos que alimentam o que Straw e Boutros (2010)
chamam de cultura da circulação, definidora da condição urbana. A prática cosplay
como uma cena confere mobilidade aos objetos materiais consumidos para a
confecção do cosplay, garantindo, além da circulação destas materialidades, a
performatividade acionada pelos jovens e suas sensibilidades para o fazer.

A indumentária está ligada tanto à moda, como ao costume e tradição, fazendo parte
do modo de se vestir, sendo estes dois termos usados para constituir identidades e classes.

Quer dizer que a moda e a indumentária podem ser as formas mais significativas
pelas quais são construídas, experimentadas e compreendidas as relações sociais
entre as pessoas. As coisas que as pessoas vestem dão forma e cor às distinções e
desigualdades. (BERNARD, 1996, p.24)

Sendo assim, a indumentária vem na cena cosplay para dar forma ao cosplay através
das vestes, assim como assume um papel dentro do consumo, como um produto fetichizado
entre os fabricados e consumidos em uma sociedade capitalista. Os cosplayers consomem esta
indumentária, consomem tecidos e acessórios para a produção da mesma. Em termos de
etimologia da palavra indumentária temos uma definição segundo Bernard (1996, p.26),
“clothing (indumentária, roupa) são, da mesma maneira encontradas na forma de substantivo
e de verbo: são definidas em termos de vestimenta e abrigo, como uma roupa, e em termos de
tecido ou produtos têxteis.”
Ao se inserir na cena cosplay o cosplayer se depara com a necessidade de produzir sua
indumentária, seja na junção de roupas já existentes e que por fim formem um conjunto
semelhante à roupa utilizada pelo personagem, ou na confecção da roupa, o que acontece em
15

muitos casos, tendo em vista que a roupa utilizada pelo personagem muitas vezes é complexa
e complicada de se achar já pronta.
A indumentária e seus acessórios é por vezes confeccionada por costureiras escolhidas
pelos cosplayers. Alguns até relatam possuir costureiras na família e que isso facilita, pois
podem “ficar em cima”, acompanhando a confecção, para garantir a semelhança com o
personagem. Porém durante análise da cena cosplay e entrevistas com cosplayers é notado um
fato que ocorre com regularidade, onde os próprios cosplayers aprendem a confeccionar seus
indumentos, e alguns acabam se tornando cosmakers, pessoas que confeccionam
exclusivamente roupas de cosplay, não somente para ele ou ela, mas também para outros
cosplayers. Izis Neto17 afirma que gosta de ele mesmo confeccionar seus cosplays, “eu
produzi a maioria dos meus cosplays, somente alguns acessórios que compramos pela
internet, mas a melhor parte é a terapia de fazer um cosplay desde o início até o ponto de
utilizá-lo”.
Com relação à necessidade vista pelos cosplayers de estarem o mais parecido possível
com o personagem e o fato de algumas costureiras não conseguirem reproduzir a roupa de
maneira equivalente Yue Dutra18 relata, “com o tempo eu me tornei autossuficiente sempre fui
muito chato com fidelidade e as costureiras às vezes deixavam a desejar. Fui lá e aprendi a
fazer de tudo.”

Figura 8. Yue Dutra em seu cosplay de Mesphito Pheles, personagem da série de mangá Ao no
Exorcist. GO, 2017. Disponível em < https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=1447776171988046&set=picfp.100002670305982.1447776138654716&type=3&theat
er>. Acesso em 15 jun. 2018.

17
Entrevista realizada pela rede social Facebook com o cosplayer Izis Neto, em 23 de fevereiro de 2018.
18
Entrevista realizada pela rede social Facebook com o cosplayer Yue Dutra, em 17 de fevereiro de 2018.
16

Alguns cosplayers por falta de recursos acabam também optando por criarem seu
cosplay com materiais mais em conta como por exemplo TNT, tipo de material conhecido
como não tecido, e outros materiais que possuem em casa.

Muitas são as formas de confeccionar o traje, comprando tecidos caros, criando


acessórios, armas com materiais nobres ou reutilizando peças de roupas guardas,
usando EVAs, pelúcias, reciclando materiais improvisados. (NUNES, 2015, p. 66)

Em pesquisa de campo durante o evento Animash Christmas, em Goiânia, o cosplayer


Yerik estava com seu cosplay de Seiya, personagem da série japonesa de mangá Cavaleiros
do Zodíaco, e ao observá-lo pude notar os materiais que ele utilizou para a composição de sua
indumentária. A roupa era feita de TNT, as armaduras de EVA, e as luvas de papel laminado.
Outro cosplayer que me chamou a atenção neste mesmo evento foi Emanuel, seu cosplay era
o personagem Miller, do game japonês Metal Gear. Durante uma conversa Emanuel relatou
que o sobretudo que estava usando para compor sua indumentária era de seu avô, exemplo
explícito da reutilização de peças de roupas.

Figura 9. Yerik em seu cosplay de Seiya, personagem da série japonesa de mangá Cavaleiros do
Zodíaco. Animash Christmas, GO, 2017. Foto de Yhanka Louza.
17

Figura 10. Emanuel em seu cosplay de Miller, personagem do game japonês Metal Gear.
Animash Christmas, GO, 2017. Foto de Yhanka Louza.

Em relação à alguns materiais para a produção da indumentária e acessórios,


entrevistados relataram dificuldade para achá-los na cidade de Goiânia. Mikael Alves diz:
“aqui temos uma dificuldade em conseguir material bom e barato para confecção. Ou até
mesmo conseguir alguém que produz.” Esse tipo de obstáculo para Yue Dutra é o que
diferencia de certa forma a questão entre ser cosplayer em Goiânia ou em outras metrópoles
como Rio de Janeiro e São Paulo. “A diferença pode ser desde a falta de material ou
inacessibilidade dele. Um exemplo recente é que precisei comprar látex e não encontrei em
Goiânia pedi para um amigo me enviar do Rio de Janeiro”, declara Yue.
Fica inteligível à partir dos relatos por parte dos entrevistados como a indumentária é
parte essencial para que exista o cosplay, os desafios que os mesmos encontram na
metrópole goiana para que suas roupas e acessórios sejam confeccionados, bem como as
habilidades adquiridas quando se trata da fabricação da indumentária por eles mesmos.

4. Nem real nem ficcional: mapeando a sensibilidade cosplay

Durante toda esta pesquisa, nos momentos de campo em eventos, ao longo das
entrevistas, algo que se mostra como muito intensidade é a sensibilidade existente entre os
cosplayers e a cena, os laços criados entre eles, o sentimento de satisfação em se fazer o que
18

gosta, o entusiasmo em poder se vestir como um personagem e pelo menos naquele momento
poder sentir como se fizesse parte das variadas narrativas.
Como já dito anteriormente, são as pesquisas de campo que permite um momento mais
próximo aos cosplayers, momento de ouvir histórias, perceber particularidades em relação ao
modo de lembrar, os motivos de escolha dos personagens à serem materializados, e também a
relação com o consumo midiático, consumo este que NUNES (2015, p.29) identifica como,
“consumo simbólico-afetivo, isto é, revestido de significados imateriais e emocionais.”
Durante entrevista com os cosplayers, foi possível captar tais características, o motivo
de escolha por algum personagem, o sentimento desenvolvido pelas narrativas, o porquê de
ser cosplayer e os vínculos criados com a cena. Thaiza Montine 19 ao ser questionada sobre o
motivo de ser cosplayer, conta, “acho que a paixão pelos personagens mesmo. É algo tão
profundo que você quer externalizar de alguma forma. E uma das formas encontradas é essa.”
Já Iziz Neto20 com relação à escolha do personagem, relata,

O que mais me instiga em fazer um cosplay é o estilo do personagem, a forma que


ele lida com as situações e sempre tem um pouco de mim na caracterização, gosto
também de homenagear as pessoas com o cosplay principalmente as mulheres onde
a personalidade forte me dá a oportunidade de mostrar a verdadeira força das
mulheres, como no evento de Brasília pelo qual fui aclamado de pé pois eles nunca
tinham visto "uma mulher" fazer acrobacias e mortais de salto alto, peito e peruca.
(NETO, 2018)

A atividade lúdica também é algo estreitamente ligado à prática cosplay, as


lembranças e os desejos da infância surgem e ganham formas através da brincadeira e
performance. Um questionamento para reflexão seria de pensar, até que ponto os cosplayers
levam tal brincadeira como real? Será que sempre conseguem diferenciar a realidade do
ficcional? Ou alguns ao estarem imersos na cena, acabam por entrar em conflito?
Até onde pude perceber, em conversas e entrevista, os cosplayers conseguem
estabelecer esta diferenciação, citam que o momento de performar e estar de cosplay ajuda
sim a fugir um pouco da realidade, mas não parece que isso chega a tomar proporções de o
cosplayer querer viver apenas no mundo ficcional.
Sem dúvidas a cena cosplay, os cosplayers, e os eventos são carregados de
sensibilidades e pluralidades, tendo em vista que durante campo pude observar a enorme
diferença de idades, cosplayers jovens, crianças, adultos, portadores de necessidades
especiais, homens, mulheres, todos se divertindo, tirando fotos dos cosplayers e
compartilhando interesses em comum. A oportunidade ao acompanhar esta cena através dos

19
Entrevista realizada por e-mail com a Cosplayer Thaiza Montine, em 6 de abril de 2018.
20
Entrevista realizada pela rede social Facebook com o cosplayer Izis Neto, em 23 de fevereiro de 2018.
19

campos e entrevistas realizadas, foi de perceber como os cosplayers são pessoas que se
sentem extremamente valorizadas ao serem reconhecidos, como se mostram solícitos ao
cederem um momento para fotos ou rápidas conversas sobre o seu cosplay. Poder estar junto
deles e “entrar na brincadeira” me permitiu ainda que não de uma forma total, compreender
como se desenvolve esta cena na cidade de Goiânia e também de concluir que mesmo ali
junto, de fato eu não era um deles.

Figura 11. Leonardo, em seu cosplay de Naruto, personagem da série de mangá Naruto. Animash
Christmas, GO, 2017. Foto de Yhanka Louza.

Figura 12. Bex em seu cosplay de Kitana, personagem do game Mortal Kombat. Animash
Christmas, GO, 2017. Foto de Yhanka Louza.
20

5. Imaginário e cultura visual em Goiânia

O cosplay enquanto cena como já visto anteriormente surge através do desejo de


materializar personagens presentes em narrativas de consumo. Narrativas estas produzidas
tanto em histórias em quadrinhos, como em mangás, HQ’s, animês, desenhos animados,
filmes. Todas apresentando signos, universos imaginários e de ficção, que já ocupam mentes
humanas há um bom tempo.
Mas como poderíamos entender o que é de fato o imaginário e a influência deste para
a cena cosplay e seus adeptos? Termo que a partir do século XX ganhou mais força e sucesso,
podendo esse sucesso ser atribuído à questão do desagrado quanto à palavra “imaginação”,
não é um termo de fácil definição, e por vez entra em concorrência com outros. De acordo
com Wunenburger (2003, p.7),

Nos usos correntes do vocabulário das letras e das ciências humanas, o termo
“imaginário”, como substantivo, remete a um conjunto bastante flexível de
componentes. Fantasia, lembrança, devaneio, sonho, crença não-verificável, mito,
romance, ficção são várias expressões do imaginário de um homem ou de uma
cultura. É possível falar do imaginário de um indivíduo, mas também do de um
povo, expresso no conjunto de suas obras e crenças. Fazem parte do imaginário as
concepções pré-científicas, a ficção científica, as crenças religiosas, as produções
artísticas que inventam outras realidades (pintura não realista, romance etc.), as
ficções políticas, os estereótipos e preconceitos sociais etc.

Um exemplo de fantasia científica muito presente entre a cena cosplay e em eventos


da cultural pop japonesa, são os cosplays da franquia de filmes Star Wars, ópera espacial
inspirada nos seriados cinematográficos de Flash Gordon e Buck Rogers. 21 Até mesmo os
leigos em Star Wars sabem minimamente que se trata de um filme fantasioso, que se passa no
espaço, envolvendo guerras, robôs, situações que não se fazem reais para nós, mas que
despertam nosso imaginário.

21
http://pt.starwars.wikia.com/wiki/Star_Wars
21

Figura 13. Cosplay de Darth Vader, personagem da série de filmes Star Wars. Sesc Geek, GO,
2017. Foto de Yhanka Louza.

Fugir da realidade seria entrar nesse mundo imaginário, onde no caso o cosplayer ao
se caracterizar de acordo com algum personagem, está de alguma forma, mesmo que por um
momento, tentando viver a realidade daquele personagem, mesmo que não seja em um todo,
mas dentro do possível. Como por exemplo um cosplay de Harry Potter, o cosplayer não pode
realizar as magias que existem no mundo imaginário da série de alta fantasia, mas ao se vestir
como o personagem, ao ter a varinha como acessório de sua indumentária, o cosplayer se
sente inserido neste mundo de fantasia. Em entrevista questionei Nannahara sobre o que era
para ela estar vestida de algum cosplay, e ela conta, “é um momento onde consigo me desligar
da realidade, encarnar um personagem que gosto muito”.
No campo das artes visuais a cena cosplay se insere como uma cultura visual, estas
estão por toda parte e conectadas à outras formas artísticas.

O propósito da cultura visual é desenvolver um conhecimento mais profundo, rico e


complexo colocando em perspectiva a “relevância que as representações visuais e as
práticas culturais têm dado ao ‘olhar’ em termos das construções de sentido e das
subjetividades no mundo contemporâneo” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 27)

É interessante ressaltarmos que o cosplay é uma prática comunicativa e de consumo,


capaz de gerar sentidos e múltiplos textos culturais. Bem como também cria cenas, com
função de memória, provocando diversos modos de sociabilidade e suas implicações
subjetivas, de identidade, estéticas e políticas. (NUNES, 2015, p.24). Sendo assim a cena
cosplay possui sua relevância como representação visual e prática cultural.
22

O conceito de Cultura Visual é difícil de ser delimitado, considerando os conflitos


gerados por diferentes pontos de vista teóricos. A cultura visual por vezes pretende incentivar
uma visão crítica das imagens.

Sem uma visão crítica e sem sentido de responsabilidade, as pessoas podem ser
manipuladas pela crescente diversidade de imagens – de arte, publicidade, ficção e
informação – que, de modo aparentemente inofensivo, invadem e acossam nosso
cotidiano. A ideia de que as imagens têm vida cultural e exercem poder psicológico
e social sobre os indivíduos é o bordão que ampara a cultura visual. (MARTINS,
2006, p.73)

Basearmos então nossa visão crítica da cena cosplay com base na cultura visual nos
permite enxergar como a mesma é também uma construção social dentro da cultura visual,
onde os cosplayers ao consumirem narrativas midiáticas carregadas de arte, ficção,
propagandas e identidades, acabam por serem influenciados. A partir disso podemos conceber
a importância da visão crítica fundamenta nas bases da cultura visual, para a compreensão do
poder destas narrativas sobre a comunidade cosplay.

6. Considerações finais

Com o desenvolvimento da presente pesquisa foi possível realizar uma análise da cena
cosplay e de como esta e seus sujeitos se desenvolvem e se espacializam pela cidade de
Goiânia. Possibilitando conhecer mais de perto através das pesquisas em campo e entrevistas
a realidade dos cosplayers, suas características, particularidades, como desenvolvem tal cena,
consomem diversas narrativas. Compreender como surgiu, o que significa e como o cosplay
se dá em uma metrópole também foi fundamental para a parte inicial desta pesquisa, pois a
partir disso foi possível conceber a importância das identidades formadas ao se inserirem
nesse meio e a forma como habitam a cidade pode transformar a paisagem da mesma, dando
certa teatralidade através de suas performances ao estarem vestidos com indumentárias
referentes à personagens de narrativas de consumo. Observar a sensibilidade que passa existir
na cena, causada por sentimentos de afeição pelas narrativas, personagens e até mesmo pelos
colegas cosplayers, permite apreender como de fato isto faz e se torna parte essencial na vida
destes sujeitos. A compreensão do imaginário e da cena como cultura visual também foi
importante para nos atentarmos à influência da narrativa na escolha do personagem e também
como “válvula de escape” para alguns.
Foi possível conceber como a cena cosplay corresponde à uma prática comunicativa,
cultural e voltada para o consumo, onde os seus sujeitos não apenas se vestem como
23

personagens de narrativas midiáticas, como filmes, animês, desenhos animados, HQ’s,


mangás, games. Mas sobretudo estes atuam como os personagens, desenvolvendo
performances, imitações perfeitas, além de desenvolverem muitas vezes suas próprias
indumentárias, onde é primordial necessidade de estarem o mais parecidas possíveis com a
roupa do personagem escolhido para a execução do cosplay, conforme exposto por Nunes
(2015).
Por tanto este trabalho buscou mostrar a importância deste grupo cultural que é o
Cosplay, e como suas atividades de certa forma conseguem impactar a cultura na cidade de
Goiânia, tornado significativa sua existência e formas de habitar e transformar o espaço em
paisagem cultural. Esperamos que a leitura deste artigo fomente e contribua com os estudos
sobre grupos culturais na metrópole goiana, e no conhecimento da cena cosplay tanto em
Goiânia como em um todo. A cena cosplay não se extingue apenas no que foi apresentado
nesta pesquisa, tendo em vista que se trata de um meio heterogêneo. Na internet e em
bibliografia apontada nas referências podem ser encontradas diversas informações sobre o
tema, que podem auxiliar no maior entendimento deste fenômeno cultural.

7. Referências

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BERQUE, Augustin. Paisagem-Marca, Paisagem-Matriz: Elementos da Problemática
para uma Geografia Cultural. In: CORRÊA, L. R. & ROSENDAHL, Z.(Org.). Paisagem,
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BICCA, Ângela Dillmann Nunes. Indentidades Nerd/Geek na web: um estudo sobre
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BOLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole moderna: representação da história em Walter
Benjamin. 1ª ed. São Paulo: Ed Usp, 1994.
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Lamparina, 2014.
24

HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da Cultura Visual – proposta para uma nova narrativa
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MARTINS, Raimundo. Porque e como falamos da cultura visual? Revista do programa de
mestrado em cultura visual – FAV/UFG. Goiânia, 2006.
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WUNENBURGER, Jean-Jacques. L’imaginaire. Presses Universitaires de France. Paris,
2003.

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