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Casos Resolvidos Comercial II

Direito comercial da empresa (Universidade Lusíada de Lisboa)

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DIREITO COMERCIAL II

RESOLUÇÃO DE QUESTÕES

Avaliação contínua 1

A, B, C e D celebraram em 1/2/2014 um contrato de sociedade para a constituição da «Darromba –


Organização de eventos, Lda.», tendo cada um dos sócios ficado titular de uma quota com valor nominal
idêntico às dos restantes. O contrato de sociedade foi registado em 1/3/2014 e publicado em 5/3/2014. A e
B foram designados gerentes no contrato de sociedade.

1. Em 22/4/2014, Z vem exigir a A que este lhe pague o preço em dívida de uma máquina de espuma
artificial que A comprou a Z em nome da «Darromba» em 5/2/2014. A recusa pagar pessoalmente aquele
preço, pois afirma que, na qualidade de gerente daquela sociedade, já tinha assumido em 6/3/2014 o
referido negócio, o que foi comunicado a Z no próprio dia, e, por isso, deve ser a «Darromba» a pagar
dívida. Porém, os restantes sócios da «Darromba» entendem que esta não deve pagar aquele preço, visto
que a aquisição da máquina não tinha sido autorizada no contrato de sociedade. Quid iuris? (8 v.)

Está em causa um dos efeitos do registo, o da assunção de dívidas. O negócio de compra e venda da
máquina foi realizado após a celebração do contrato de sociedade, mas antes do registo. Porém, no caso,
já houve o registo do acto, e A pretende responsabilizar a sociedade, alegando que esta assumira a dívida.

Um dos efeitos muito importantes do registo é a assunção automática pela sociedade de direitos e
obrigações decorrentes de actos realizados em nome dela antes do registo, e a possibilidade de assunção
de outros, prevista no art. 19.º. O n.º 1 prevê um conjunto de direitos e obrigações assumidos pela
sociedade ex lege, de forma automática; já o n.º 2 prevê hipóteses em que a sociedade pode assumir,
mediante decisão da administração, a responsabilidade por certos negócios praticados, não podendo estar
em causa negócios do n.º 4. A assunção pela sociedade das dívidas libera os sócios (n.º 3). Este negócio
não está incluído no n.º 1, pelo que apenas poderia ser um caso de assunção do n.º 2. Interessa-nos aqui o
n.º 4: a sociedade não pode assumir obrigações derivadas de negócios jurídicos que versem sobre
aquisições de bens não mencionadas no contrato social. Assim, uma vez que a aquisição da máquina não
estava prevista no contrato de sociedade, a administração não podia deliberar assumir a dívida e A não
podia exigir que a sociedade pagasse.

Note-se que, mesmo que se a aquisição da máquina estivesse prevista no contrato, surgia aqui um claro
problema de conflito de interesses: o membro da administração que delibera assumir ou não a

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responsabilidade não pode ter sido aquele que praticou ou autorizou o acto. Aplicamos aqui por analogia
o art. 410.º/6.

No entanto, temos ainda de atender ao regime das relações externas depois da celebração do acto e antes
do registo, que está previsto nos arts. 38.º a 40.º. Tratando-se de uma sociedade por quotas (tem “Lda.” na
firma, art. 200.º), rege o art. 40.º. Neste artigo, distinguem-se três grupos de sócios: os sócios que agem
em representação da sociedade, que respondem ilimitada e solidariamente; os sócios que autorizam o
negócio, que respondem de igual forma; e os sócios que não autorizaram nem actuaram em nome da
sociedade, que respondem apenas até à importância das entradas a que se obrigaram e pelas importâncias
que receberam a título de lucros e reservas. A responsabilidade deste últimos sócios não é solidária com a
dos outros.

Assim, apenas teríamos a responsabilidade nos termos do art. 40.º – uma vez que A actuou em nome da
sociedade, este pode ser responsabilizado perante os credores ilimitadamente. Não havia liberação da
responsabilidade de A nos termos do art. 19.º/3 pois a sociedade não responde. Os restantes sócios (B, C e
D) respondem limitadamente até às importâncias das entradas a que se obrigaram e pelas importâncias
que receberam a título de lucros e reservas.

2. Em 23/4/2014, A e B, na qualidade de gerentes da «Darromba», foram ao Banco X para tentarem


conseguir que o mencionado Banco abrisse um crédito a favor da «Altamente – Aluguer de material para
festas, Lda.», de que C e D eram os únicos sócios. A e B alegaram que, na qualidade de gerentes da
«Darromba», estavam disponíveis para, em nome desta, prestarem uma fiança que garantisse o
pagamento ao Banco X por parte da «Altamente» de quaisquer dívidas resultantes da abertura de crédito
pretendida. O Banco X quer saber se o negócio proposto por A e B tem riscos para o Banco. O que
responderia? (8 v.)

Está em causa a capacidade jurídica das sociedades e a sua delimitação pelo fim social.

A capacidade jurídica das sociedades está prevista no art. 6.º/1, e compreende os direitos e as obrigações
necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuando aqueles que lhe sejam vedados por lei
ou inseparáveis da personalidade singular. Este preceito vem confirmar o disposto no art. 160.º CCiv.,
que consagra o princípio da especialidade do fim. Assim, a capacidade jurídica das sociedades é limitada
pelo fim social, que é o escopo lucrativo, i.e., o intuito de obter lucros para atribuir aos sócios. Os actos
que excedam a capacidade societária são nulos, uma vez que o art. 6.º/1 é uma regra imperativa (art. 294.º
CCiv.), que não pode ser derrogada por vontade dos sócios (art. 9.º/3).

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Em princípio, a concessão de liberalidades ou prestação gratuita de garantias contraria o fim social (art.
6.º/2 e 3); porém, não basta a mera gratuitidade dos actos para que estes estejam fora da capacidade e
sejam nulos – as sociedades podem praticar actos gratuitos ou prestar garantias gratuitas quando tal se
revele necessário, ou, pelo menos, conveniente à consecução de lucros.

Neste caso, A e B querem prestar, em nome da sociedade, uma garantia gratuita (fiança, garantia pessoal)
a favor da sociedade Altamente. A primeira parte do art. 6.º/3 diz que se considera contrária ao fim da
sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades – este preceito refere-se
às garantias gratuitas, pois se for prestada uma garantia mediante remuneração, já existe fim lucrativo.
Porém, a segunda parte do preceito prevê duas excepções: a prestação de garantias gratuitas é considerada
válida de existir “justificado interesse próprio” da sociedade garante ou se houver uma relação de
domínio simples ou de grupo. Temos, por isso, de averiguar se se verifica uma destas excepções.

Existe interesse próprio quando a prestação se mostre objectivamente apta a obter lucro, o que, pelos
dados que nos são fornecidos, não parece ser o caso. O ónus de alegar e provar a inexistência do
justificado interesse próprio cabe ao credor cuja dívida foi garantida, sendo que a doutrina diverge: certos
autores entendem que basta para esta prova o facto de a sociedade garante haver declarado expressamente
ter interesse em garantir a dívida; outros, como Coutinho de Abreu, entendem que é necessário
demonstrar qual o interesse em concreto.

Por outro lado, também não existe uma relação de domínio simples ou de grupo entre as duas sociedades.
Existem dois tipos de grupo: grupo de facto (art. 486.º) e grupo de direito (art. 488.º e segs.). Note-se que
Coutinho de Abreu faz aqui uma restrição teleológica, defendendo que a prestação de garantia só é válida
quando for a sociedade garante a prestar garantia à sociedade dominada – a sociedade dominante,
enquanto sócia da dependente, tem interesse no seu bom andamento; já os interesses da sociedade
dominada não se compaginam com os da dominante.

Assim, nenhuma das excepções está verificada e o acto é nulo, porque contrário ao fim social (art. 6.º/1 e
3 e 294.º CCiv.).

Avaliação contínua 2

Em assembleia geral regularmente convocada da «Tuticor – Fabrico de tintas e vernizes, Lda.»,


assembleia essa que teve lugar em 2 de Maio de 2013, foram tomadas, entre outras, as seguintes
deliberações:

a) «Adquirir a A o prédio urbano de que este é proprietário, situado na Rua das Conchas, 503,

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Alcarraques»; (8 v.)
b) «Distribuir aos sócios 10% dos lucros do exercício distribuíveis». (8 v.)

A «Tuticor» tem como sócios A, B, C e D. As deliberações foram tomadas com os votos a favor de A e B.
C votou contra e D não compareceu. É precisamente D que pretende saber se as deliberações referidas
são ou não válidas e se as pode impugnar. O que lhe diria, sabendo que todos os sócios da «Tuticor» são
titulares de quotas com o mesmo valor nominal?

a) Está em causa um impedimento de voto.

O direito a votar nas deliberações insere-se no direito a participar nas deliberações, um dos direitos em
que de desdobram as participações sociais (art. 21.º/1/b)). Esta participação pode ser plena ou limitada;
quando plena, compreende o direito de estar presente nas deliberações, o direito de discutir os assuntos
sujeitos a deliberação, o direito de ser consultado nas deliberações por voto escrito e o direito de votar as
propostas. O direito de voto é o mais relevante, e traduz-se no poder que o sócio tem de participar nas
deliberações.

Porém, existem circunstâncias nas quais o direito de voto, embora existindo, não pode ser exercido –
impedimentos de voto. Isto ocorre nas situações de conflitos de interesses entre sócio e sociedade (arts.
251.º e 384.º/6); quando um accionista esteja em mora na realização da entrada em dinheiro (art. 384.º/4);
e ainda nas situações previstas nos arts. 485.º/3, 487.º/2, e 192.º CVM.

No caso, temos um conflito de interesses, pois A vota numa deliberação que visa adquirir um prédio de
que é proprietário. Estando em causa uma sociedade por quotas (firma, art. 200.º), rege aqui o art. 251.º.
O n.º 1 contém uma cláusula geral, e diz que o sócio não pode votar quando, relativamente à matéria da
deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade. As alíneas deste preceito
exemplificam situações de conflitos e interesses; neste caso, interessa-nos a al. g) – existe conflito de
interesses quando se tratar de deliberação que recaia sobre qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer,
entre a sociedade e o sócio estranha ao contrato de sociedade. É estranha à sociedade a relação em que o
sócio participa mas não enquanto tal. A aquisição pela sociedade de um prédio ao sócio implica o
estabelecimento de uma relação estranha a ele, logo A está impedido de votar.

Qual o procedimento a seguir quando existe um impedimento de voto? O sócio não deve votar; se revelar
o propósito de o fazer, o presidente da assembleia deve avisar o sócio; se ainda assim este quiser votar, o
presidente não deve contar o seu voto; se computar o voto (como sucedeu no nosso caso), este é um voto
nulo, pois estas são normas imperativas (art 294.º do CCiv.). Como tal, os votos não foram devidamente
contados e temos um vício de procedimento, sendo a deliberação anulável nos termos do art. 58.º/1/a).

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Com efeito, o art. 58.º/1/a), 1ª parte, diz-nos que são anuláveis as deliberações que violem disposições
legais, quando ao caso não caiba a nulidade. No que toca aos vícios de procedimento, com excepção dos
previstos no art. 56.º/1/a) e b), provocam a anulabilidade das deliberações. Porém, nem todos os vícios de
procedimento provocam a anulabilidade das respectivas deliberações, sendo necessário atender à
teleologia das normas ofendidas e às consequências das ofensas. Para Coutinho de Abreu, são vícios de
procedimento relevantes quer os que determinam um apuramento irregular ou inexacto da votação e,
consequentemente, uma deliberação não correspondente à maioria dos votos exigidos; quer os ocorridos
antes ou no decurso da assembleia que ofendem de modo essencial o direito de participação livre e
informada de sócios nas deliberações.

Neste caso, a deliberação é anulável se os votos considerados nulos forem necessários para a maioria.
Tendo todos quotas com o mesmo valor nominal, os seus votos têm o mesmo peso (art. 250.º/1). A e B
votou a favor, C votou contra e D não apareceu. Nos termos do art. 250.º/3, as deliberações consideram-
se tomadas se obtiverem a maioria dos votos emitidos (os votos emitidos são os de A, B e C). Seria
necessário 2 votos para adoptar a deliberação; logo, sendo o voto de A considerado nulo, não existe
maioria. A deliberação é, como tal, anulável.

Quanto à acção de anulação, rege o art. 59.º. O n.º 1 diz-nos que tem legitimidade para arguir a
anulabilidade o órgão de fiscalização ou qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez
vencimento nem tenha posteriormente aprovado a deliberação. Os sócios que não votam no sentido do
vencimento são os que não emitem votos e os que emitem votos a favor da proposta recusada ou contra a
proposta aprovada. Neste caso, têm legitimidade os sócios C (emitiu voto contra) e D (não participa na
deliberação). Por outro lado, a acção anulatória tem de ser proposta dentro de certo prazo (n.º 2): no nosso
caso, 30 dias contados da data em que foi encerrada a assembleia, al. a). Assim, tendo a assembleia
decorrido no dia 2 de Maio, tem até dia 1 de Junho.

Nota: embora não seja necessário, valoriza-se se mencionarmos como é que a assembleia foi validamente
constituída. Tratando-se de uma sociedade por quotas, o art. 248.º/1 diz que se aplica o disposto sobre as
assembleias gerais das sociedades anónimas. O n.º 3 diz que a convocação das assembleias gerais
compete a qualquer dos gerentes; e a presidência pertence ao sócio nela presente que possuir ou
representar maior fracção, preferindo-se em igualdade de circunstâncias o mais velho (n.º 4).

b) Está em causa a distribuição dos lucros de exercício.

Todos os sócios têm direito a quinhoar nos lucros (art. 21.º/1/a)), que se traduz na faculdade de exigir
parte dos lucros (em regra, na proporção do valor da respectiva participação no capital social, art. 22.º/1)),

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quando os mesmos sejam ou tenham de ser distribuídos. É nula a cláusula que exclua este direito, art.
22.º/3 (proibição do pacto leonino).

O lucro societário é o ganho traduzível em incremente do património da sociedade, sendo que temos
várias noções de lucro. O lucro de balanço é a diferença entre o valor do património social líquido e o
valor conjunto do capital social e reservas indisponíveis (marca o limite dos bens que podem ser
distribuídos aos sócios, art. 32.º); o lucro de exercício é o excedente do valor patrimonial líquido antes do
exercício de cada período; e o lucro final é apurado na fase termina da sociedade e corresponde ao
excedente do património social líquido sobre o capital social. Interessa-nos aqui o lucro de exercício.

Tratando-se de uma sociedade por quotas, rege o art. 217.º: verificando-se que existe num dado período
lucro de exercício distribuível, se o estatuto social não dispuser diferentemente (quanto à medida de
distribuição ou quanto à maioria de votos exigível) e se os sócios não deliberarem por maioria qualificada
distribuir menos de metade, a sociedade fica obrigada a distribuir aos sócios metade do lucro de exercício.
Note-se que este lucro tem de ser distribuível (art. 33.º/1), sendo que não são distribuíveis os lucros de
exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos de períodos anteriores ou reconstituir reservas
impostas por lei (art. 218.º) ou pelo estatuto social. Por outro lado, não releva para o lucro de exercício
eventuais resultados positivos transitados de anos anteriores.

Neste caso, os sócios deliberaram distribuir 10% dos lucros distribuíveis. À partida, o estatuto social nada
diz acerca da distribuição dos lucros, logo os sócios têm direito à distribuição de metade dos lucros
distribuíveis, salvo se houver uma deliberação aprovada por três quartos dos votos emissíveis (i.e., os
votos correspondentes ao capital social e não os votos emitidos em assembleia). Porém, neste caso a
deliberação foi aprovada apenas por metade dos votos emissíveis, uma vez que só A e B votaram a favor.
Assim sendo, a deliberação não foi aprovada com a maioria exigida e é anulável por vício de
procedimento, art. 58.º/1/a) (este é um vício relevante uma vez que resulta numa deliberação não
correspondente à maioria necessária).

Quanto à legitimidade e prazo, ver questão em cima. Anulada a deliberação, uma vez que a sentença
produz efeitos contra e a favor de todos os sócios e órgãos da sociedade (art. 61.º/1), devem ser
distribuídos aos sócios metade dos lucros de exercício. Note-se que os sócios proponentes da acção
anulatória têm o direito de pedir, na mesma acção, a condenação da sociedade a entregar os respectivos
quinhões na metade do licro.

Exame 1

I. Os cônjuges A e B e os seus filhos C e D constituíram em Julho de 2010 a sociedade por quotas

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“Família da Água, L.da”. A sociedade dedica-se à “construção e reparação de piscinas”; o capital


social é de €20.000. Todos os sócios são gerentes. Em Janeiro de 2012, a sociedade celebrou contrato de
empreitada com E, obrigando-se a construir até Março uma piscina por €15.000; E obrigou-se a pagar
mensalmente €5.000 até à conclusão da obra. Em Abril, E apercebeu-se que a piscina sofria de graves
problemas de infiltração e exigiu à sociedade a eliminação dos defeitos respectivos. A sociedade recusou.

Em face dos problemas de liquidez e da impossibilidade de pagar as dívidas da “Família da Água”, A, B,


C e D decidiram vender, por € 5.000, os dois camiões, as três betoneiras e todo o material cerâmico da
sociedade a uma outra sociedade, entretanto por eles constituída em Maio, com o mesmo objecto e os
mesmos trabalhadores da “Família da Água”. Essa outra sociedade já celebrou várias empreitadas para
este Verão, que está a executar com os equipamentos e materiais adquiridos à «Família da Água».

Em Junho, E recorreu a tribunal, tendo por fim (a) atacar o valor jurídico da transmissão dos bens da
«Família da Água” e (b) responsabilizar a sociedade, bem como A, B, C e D, pelo pagamento de uma
indemnização de €10.000 (valor estimado para a reparação dos defeitos). Terá êxito? (7 v.)

a) Está em causa a capacidade jurídica da sociedade e a prática de um acto gratuito.

Com efeito, a sociedade velha vendeu à nova dois camiões, três betoneiras e todo o material cerâmico por
5.000€. Apesar de este ser um negócio oneroso, é animado de um espírito de liberalidade, uma vez que o
preço é inferior ao preço corrente (doação mista) – como tal, deve ser equiparada a um acto gratuito.

Os actos gratuitos, pelos quais uma sociedade dá a outrem uma prestação ou vantagem sem contrapartida,
estão em princípio fora da capacidade societária, uma vez que se mostram contrários ao fim social, o
intuito lucrativo (art. 6.º/1). Como tal, são nulos, uma vez que o art. 6.º/1 é uma regra imperativa (art.
294.º do CCiv.). Porém, podem ser válidos desde que se mostrem necessários, ou pelo menos
convenientes, à prossecução do lucro.

Tratando-se de um acto gratuito, temos ainda de atentar no art. 6.º/2, que estabelece que as liberalidades
são válidas, desde que sejam usuais e reiteradas, i.e., sejam consideradas normais tendo em conta os
tempos que correm (desde que a situação patrimonial da sociedade as permita). Este artigo cobra o seu
sentido útil em relação às liberalidades altruísticas, uma vez que as liberalidades interessadas ou
interesseiras, que têm indirectamente um escopo lucrativo, já estão inseridas no art. 6.º/1.

No caso, a transmissão não se mostra necessária, nem conveniente, à prossecução de lucro – pelo
contrário, esvaziam o património da sociedade. Como tal, é nula (art. 294.º CCiv.) e os materiais devem
ser restituídos à sociedade.

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b) Coloca-se aqui o problema da desconsideração da personalidade colectiva.

As sociedades gozam de personalidade jurídica a partir da data do registo definitivo do acto constituinte,
art. 5.º. A personalidade colectiva é um expediente através do qual a ordem jurídica atribui às sociedades
a qualidade de sujeitos de direito (compreensão técnico-jurídica da pessoa colectiva). Porém, apesar de as
sociedades-pessoas jurídicas serem sujeitos autónomos de direito, esta separação não é absoluta – a
sociedade é um instrumento dos sócios, e o património da sociedade está ao serviço dos interesses dos
sócios. A personalidade colectiva não deve ser absolutizada, e nesta linha surge-os a figura da
desconsideração da personalidade colectiva, que consiste na derrogação ou não observância da autonomia
jurídico-subjectiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos sócios. Adoptamos uma perspectiva
substancialista, tomando em conta o substrato patrimonial e/ou pessoal da sociedade, através do recurso a
dois operadores jurídicos: a interpretação teleológica e o abuso do direito.

A doutrina identifica dois grupos de casos de desconsideração – desconsideração para efeitos de


imputação, na qual determinados conhecimentos, comportamentos ou qualidades dos sócios são
imputados à sociedade e vice-versa; e desconsideração para efeitos de responsabilidade, na qual a regra
da responsabilidade limitada que beneficia certos sócios é quebrada. No primeiro grupo, releva mais a
interpretação teleológica; no segundo, o abuso do direito – os sócios perdem o benefício da
responsabilidade limitada quando utilizem a sociedade para desrespeitar os interesses dos credores.

No caso, temos uma desconsideração para efeitos de responsabilidade, mais concretamente, um caso de
descapitalização provocada ou intencional. Na descapitalização provocada, ocorre um esvaziamento do
património da sociedade por actuação voluntária dos sócios – encontrando-se a sociedade com problemas
de liquidez, como é o caso, os sócios deliberam a transferência de bens para uma outra sociedade. A
primeira sociedade cessa a actividade e fica impossibilitada de cumprir obrigações para com terceiros.
Nestas situações, a doutrina defende que deve ser afirmada a desconsideração da personalidade da
primeira sociedade, fazendo responder os sócios subsidiariamente perante os credores sociais. Apesar de
os sócios não terem o dever de recapitalizar a sociedade, é censurado o facto de os sócios agravarem a sua
situação patrimonial, acrescido de um comportamento fraudulento de investir noutra sociedade com o
património da outra.

Para Coutinho de Abreu, o fundamento para a responsabilização dos sócios é o abuso da personalidade
colectiva ou abuso institucional (art. 334.º do CCiv.). O autor afasta assim as hipóteses do abuso do
direito por violação dos bons costumes, e ainda a violação do dever de lealdade – apesar de ser violado
este dever, os sócios causam danos mais relevantes aos credores, e estes devem ter a possibilidade de
responsabilizar directamente dos sócios. Para além disto, seria inverosímil que a sociedade ou qualquer
sócio intentasse a acção de responsabilidade contra os sócios desleais.

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Como tal, verificando-se ainda culpa dos sócios, dano e nexo de causalidade, estão verificados os
pressupostos para responsabilizar os sócios perante os credores sociais. No caso, parece haver dolo; existe
dano para o credor E; e existe nexo de causalidade entre o comportamento ilícito e culposo dos sócios e o
dano. Assim, E pode responsabilizar a sociedade e os sócios A, B, C e D pelo pagamento da
indemnização.

II

F, G, H, I e J são os accionistas da «Madeiramais – Indústria de carpintaria, S.A.», na qual são titulares,


cada um, do mesmo número de acções. L é o administrador único. Em assembleia geral regularmente
convocada e realizada em 12 de Junho de 2012, foi deliberado pelos sócios:
a) “ratificar” a compra realizada por L de uma moradia de um dos clientes da sociedade, com o intuito de
a revender a um outro cliente, por ser um “bom negócio”;
b) desafectar €3.000 da reserva legal para gratificar dois motoristas da sociedade;
c) Nomear F como mandatário da sociedade para as “relações com os bancos e fornecedores de madeira
importada”.

As deliberações reuniram os votos favoráveis de F, G e H. I absteve-se e J votou contra todas elas. Este
sócio, que no decurso da assembleia consultara os estatutos e ainda verificara o teor do art. 391º, 7, do
CSC, pretende saber se as deliberações tomadas são ou não válidas e se as pode impugnar. O que lhe
diria? (10 v.)

a) Uma vez que a sociedade se dedica à indústria de carpintaria (objecto social, art. 980.º CCiv. e 11.º
CSC), a compra de imóveis para revenda é um acto fora do objecto social – não se encontra com ele numa
relação de potencial instrumentalidade. O objecto social não limita a capacidade, mas constitui os órgãos no
dever de não praticar actos que o excedam. Uma vez que se trata de uma sociedade anónima (firma, art.
275.º), rege aqui o art. 409.º: os actos praticados pelos administradores vinculam a sociedade perante
terceiros (n.º 1); porém, a sociedade pode opor a terceiros a ineficácia dos actos se provar que o terceiro
sabia que o acto excedia o objecto ou não o podia ignorar, e se a sociedade não tiver assumido o acto por
deliberação dos accionistas.

No entanto, a deliberação que autorize a prática de actos que excedam o objecto social é uma deliberação
anulável, uma vez que viola o disposto no estatuto social (art. 9.º/1/d)). Com efeito, o art. 58.º/1/a), 2ª parte,
diz-nos que são anuláveis as deliberações que violem o contrato de sociedade, seja através do conteúdo, seja
através do procedimento – neste caso, é através do conteúdo.

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A acção anulatória está prevista no art. 59.º, sendo que tem legitimidade para arguir a anulabilidade o órgão
de fiscalização ou qualquer sócio que não tenha votado no sentido do vencimento. J votou contra a
deliberação aprovada, logo tem legitimidade para intentar a acção anulatória. O prazo é de 30 dias a contar
da realização da assembleia (art. 59.º/2/a)).

Finalmente, o art. 61.º diz-nos que a sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é eficaz contra e
a favor de todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não tenham
intervindo na acção (n.º 1); porém, ressalvam-se os efeitos produzidos na esfera jurídica de terceiros de boa
fé, com fundamento em actos praticados em execução da deliberação (n.º 2).

Tratando-se de uma sociedade anónima, as assembleias devem ser convocadas nos termos do art. 375.º/2 e
tem legitimidade para convocar o presidente de mesa (art. 377.º/1). A convocatória deve ser feita nos termos
do art. 375.º/4 e 377.º/2.

b) A reserva é uma cifra representativa de valores patrimoniais da sociedade, derivados normalmente de


lucros que os sócios não podem ou não querem distribuir, que serve principalmente para cobrir eventuais
perdas sociais e para auto-financiamento. Existem várias espécies de reservas, interessando-nos aqui as
reservas legais.

As sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções devem constituir reserva legal (art. 218.º,
295.º/1 e 478.º). Neste caso, trata-se de uma sociedade anónima, logo rege o art. 295.º, sendo que a reserva
legal só pode ter as aplicações do art. 296.º. Parte da reserva legal foi utilizada para gratificar os motoristas
da sociedade; ora, esta aplicação não consta do art. 296.º, logo esta norma foi violada.

Estas são normas imperativas, e por isso esta deliberação é nula nos termos do art. 56.º/1/d); sendo que isto
é reafirmado pelo art. 69.º/3.

Em relação à acção de nulidade, o art. 57.º/1 diz que o órgão de fiscalização deve dar a conhecer os sócios a
nulidade, e o n.º 2 prevê que este tem também o dever de impugnar a deliberação. A nulidade é invocável a
todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente, valendo aqui o regime geral do
art. 286.º do CCiv. e 25.º do CPC. Assim, para além do órgão de fiscalização, têm legitimidade os
administradores da sociedade (nos casos em que o órgão de fiscalização não cumpra os deveres do art. 57.º),
qualquer sócio e certos terceiros (por ex., os credores e trabalhadores da sociedade). Como tal, J tem
legitimidade para pedir a declaração de nulidade desta deliberação.

c) Neste caso, os sócios deliberaram nomear F como mandatário; ora, pelo art. 391.º/7, vemos que apenas os
administradores têm competência para o fazer. Ocorreu a violação de uma norma de competência. Temos

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aqui uma divergência doutrinal que importa analisar.

A doutrina diverge no sentido a dar à al. c) do art. 56.º/1, que prescreve que são nulas as deliberações cujo
conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios. Para Lobo Xavier, esta alínea abrange
duas hipóteses: por um lado, deliberações sobre matérias atribuídas, não aos sócios, mas a outro órgão; por
outro, deliberações que interfiram unilateralmente na esfera de terceiros. A adoptar esta tese, esta
deliberação incluir-se-ia na al. c).

Porém, para Coutinho de Abreu, esta alínea não cobra sentido útil, subsumindo-se na al. c). Em relação às
deliberações sobre matérias atribuídas a outro órgão, apenas se compreenderia que se integrasse na al. c) se
fosse um vício de procedimento; porém, uma regra legal que atribua competência exclusiva a um órgão (ex:
conselho de administração) em certas matérias significa ao mesmo tempo a proibição do de adoptar
deliberações nessa matéria, logo temos um vício de conteúdo. Tratando-se de normas imperativas, aplica-se
a al. d). Em relação ao segundo grupo de deliberações, as sociedades não podem interferir unilateralmente
na esfera jurídica de terceiros, pois tal requer acordo entre os terceiros e a sociedade, nos termos de normas
legais imperativas (art. 406.º/1 e 863.º/1 do CCiv.), logo aplica-se igualmente a al. d).

Assim, para Coutinho de Abreu, aplica-se aqui o art. 56.º/1/d), que determina a nulidade da deliberação.
Qualquer que seja a tese adoptada, temos a nulidade da deliberação e J tem legitimidade para pedir a
declaração de nulidade.

Exame 2

A, B, C e D são os quatro únicos sócios da «SWIMY – Fabrico e comercialização de piscinas, Lda».

a) Em Abril de 2012, A, que também era gerente único da «SWIMY» e atuando nessa qualidade, celebrou
com Y um contrato para a construção pela referida sociedade de uma moradia unifamiliar para residência
particular de Y. Os restantes sócios pretendem saber se tal ato vincula a sociedade. O que lhes diria? (4 v.)

Está em causa a questão de saber se o objecto social limita a capacidade. O objecto social é a actividade
económica que os sócios se propõem exercer através da sociedade (art. 11.º CSC e 980.º CCiv.).

O art. 6.º/4 diz que o objecto social não limita a capacidade jurídica; porém, constitui os órgãos da
sociedade no dever de não excederem esse objecto ou não praticarem esses actos. Um acto é alheio ao
objecto quando, atendendo ao momento da sua prática, se revele inútil para a realização das actividades que

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a sociedade pode exercer (art. 11.º/2), i.e., quando não exista entre ele e o objecto uma relação de potencial
instrumentalidade (meio-fim). Assim, existe um dever de os órgãos sociais não excederem o objecto, cuja
violação acarreta sanções diferentes da nulidade.

Tratando-se de uma sociedade por quotas (firma, art. 200.º), em regra o acto é eficaz, uma vez que os
gerentes e administradores têm poderes de representação suficientes para vincularem as sociedades por
actos alheios ao objecto (art. 260.º/1). Porém, a sociedade pode opor a terceiros as limitações decorrentes do
objecto, ou seja, pode invocar a ineficácia do acto, desde que se verifiquem dois requisitos cumulativos (n.º
2): prova de que o terceiro sabia, ou devia saber, que o acto excedia o objecto social; e não assunção do acto
pelos sócios através de deliberação. Para além disto, existem outras sanções, comuns a todos os tipos
societários: responsabilidade civil de membros da administração para com a sociedade (art. 64.º e 72.º) e
destituição com justa causa dos membros da administração (art. 64.º, 191.º/4 a 7, 257.º, 430.º e 471.º).

Ora, no caso, A, na qualidade de gerente da sociedade, celebrou com Y um contrato para construção de uma
moradia. A questão que se coloca é a de saber se o contrato de construção da moradia excede o objecto
social, se está ou não numa relação de potencial instrumentalidade. A sociedade visa a construção de
piscinas, logo será este o objecto social. Se a construção da moradia incluir a construção de uma piscina,
podemos argumentar que o acto está numa relação de instrumentalidade em relação ao objecto, pelo que o
acto será eficaz; se não incluir, então o acto será à mesma eficaz, salvo se se verificarem os pressupostos do
n.º 2.

b) Em Maio de 2012, Z dirigiu-se à sede da «SWIMY» e exigiu o pagamento de 120.000 Euros, quantia
essa correspondente ao preço em dívida de um luxuoso automóvel adquirido por A em nome da «SWIMY»
em Fevereiro de 2012. B, que entretanto substituiu A na gerência, recusa pagar a dívida, alegando que a
sociedade não é responsável pelo pagamento daquele montante. Fundamenta a recusa no facto de o
contrato de sociedade da «SWIMY» ter sido celebrado em Janeiro de 2012 e registado definitivamente em
Março de 2012, nada constando do ato constitutivo, direta ou indiretamente, acerca daquele negócio. Z,
que não ficou convencido pois viu A a deslocar-se todos os dias no referido carro para contactar clientes
da «SWIMY», pede-lhe uma opinião sobre o caso exposto. O que diria a Z? (6 v.)

O negócio de compra e venda do automóvel foi realizado entre o acto constitutivo (Janeiro de 2012) e o
registo (Março de 2012).

Um dos efeitos mais importantes do registo, para além da aquisição da personalidade jurídica (art. 5.º), é a
assunção automática (ipso jure) pela sociedade de direitos e obrigações decorrentes de actos realizados
antes do registo, e a possibilidade de assunção de outros (art. 19.º/1 e 2). A assunção automática está
prevista no n.º 1 e não depende de qualquer acto da sociedade ou dos sócios, abrangendo aquelas hipóteses

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que de alguma forma já foram objecto de referência no contrato de sociedade (já houve publicidade). Já o
n.º 2 prevê a possibilidade de a sociedade assumir, mediante decisão da administração, a responsabilidade
por certos negócios praticados, não podendo estar em causa actos do art. 19.º/4. A assunção da
responsabilidade libera as pessoas indicadas no art. 40.º pela responsabilidade aí prevista (n.º 3).

No caso, trata-se de uma aquisição de um bem, um automóvel. Este negócio não se insere em nenhuma das
alíneas do art. 19.º/1, logo não há aquisição automática (em especial, não se inclui na al. d) uma vez que o
acto constituinte não menciona o negócio). Será que pode ser um caso do art. 19.º/2? A possibilidade de
assunção está excluída nos casos do n.º 4, que diz que a sociedade não pode assumir obrigações derivadas
de aquisições de bens não mencionadas no contrato social. Assim sendo, uma vez que não havia menção no
contrato, a dívida não pode ser assumida pela sociedade.

No entanto, não ficamos por aqui. O art. 40.º regula o regime das relações externas das sociedades por
quotas no momento depois do acto constituinte e o registo. Em relação aos sócios que agem em nome da
sociedade ou autorizam o negócio, o art. 40.º/1 dispõe que estes respondem ilimitada e solidariamente; os
restantes sócios respondem limitadamente até às importâncias das entradas a que se obrigaram e pelas
importâncias que receberam a título de lucros e reservas. Assim, Z pode responsabilizar A pelo pagamento
da dívida. Se B tivesse autorizado o negócio, responderia solidariamente com A de forma ilimitada; caso
não tivesse autorizado, responderia limitadamente.

II

E, F, G, H e I são os únicos sócios da «Gransom – Montagem e comercialização de instalações sonoras, S.


A.», cada um deles titular de 100.000 ações e tendo cada ação o valor nominal de 1 Euro.

Em Março de 2012 teve lugar uma assembleia-geral de sócios da «Gransom», convocada regularmente
para apreciação anual da situação da sociedade. Pelos documentos de prestação de contas verificou-se
que o património social líquido no final do exercício era de 100.000 Euros, representando assim o dobro
do que era no início do exercício. Por sua vez, a reserva legal atingia o valor de 20.000 Euros. Não havia
prejuízos transitados.

Perante a situação da sociedade, foi deliberado naquela assembleia «distribuir aos sócios 50.000 Euros
dos lucros do exercício». A deliberação reuniu os votos a favor de E, F e G. H votou contra e I não
compareceu. Este último tomou hoje conhecimento do teor da deliberação e pergunta-lhe se a pode
impugnar e com que fundamento. O que lhe diria? (8 v.)

Está em causa a distribuição de lucros de exercício.

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O lucro societário é o ganho traduzível em incremente do património da sociedade, sendo que temos várias
noções de lucro. O lucro de balanço é a diferença entre o valor do património social líquido e o valor
conjunto do capital social e das reservas indisponíveis; o lucro de exercício é o excedente do património
social líquido antes do exercício de cada período, i.e., o resultado líquido do período; e o lucro final é a
diferença entre o património social líquido e o capital na fase terminal da sociedade. Todos os sócios têm
direito a quinhoar nos lucros (art. 21.º/1/a)), o que se traduz na faculdade de exigir parte dos lucros (em
regra, na proporção do valor da participação social, art. 22.º), quando os mesmos tenham de ser distribuídos.
É proibida a cláusula que exclua este direito (proibição do pacto leonino, art. 22.º/3).

Tratando-se de uma sociedade anónima (firma, art. 275.º), dispõe o art. 294.º que salvo diferente cláusula
contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social,
tem de ser distribuída metade dos lucros de exercício que sejam distribuíveis. Nos termos do art. 33.º/1, não
são distribuíveis os lucros que sejam necessários para cobrir prejuízos de anos anteriores ou reconstituir
reservas impostas por lei ou contrato de sociedade.

No caso, temos de ver quanto é que é o lucro de exercício e se este é distribuível. O património social
líquido no final do exercício era de 100.000€, sendo que se diz que este é o dobro do que era no início –
logo, no início o património social líquido é de 50.000€. Este é o valor do lucro de exercício. Porém, temos
de ver se este lucro é distribuível, o que implica determinar as reservas legais indisponíveis. A reserva é a
cifra representativa de valores patrimoniais da sociedade, derivados normalmente de lucros que os sócios
não querem ou não podem distribuir, que serve principalmente pra cobrir eventuais perdas sociais e para
autofinanciamento. A reserva legal das sociedades anónimas está prevista no art. 295.º: pelo menos 5% dos
lucros de exercício devem ser afectados em cada período à constituição da reserva legal, até que esta
corresponda a 20% do capital social. Assim, temos de saber quanto é que é o capital social.

O capital social é uma cifra estatutária (consta do estatuto social, art. 9.º/1/f)), sendo uma cifra
representativa da soma dos valores nominais das participações sociais fundadas em dinheiro e/ou espécie.
Assim, uma vez que temos 5 sócios, cada um deles titular de 100.000 acções com valor nominal de 1€, o
capital social é de 100.000 x 5, 500.000€. A reserva legal é de 20% deste valor, i.e., 100.000 – como tal,
ainda não está constituída (é dito que no momento a reserva legal é de apenas 20.000).

Assim, é necessário afectar 5% do lucro de exercício à constituição da reserva legal, ou seja, 2.500€. O
lucro de exercício distribuível é de 50.000 – 2.500 = 47.500€. Como tal, uma vez que se deliberou
distribuir 50.000€, distribui-se lucros não distribuíveis, e temos a violação de uma norma imperativa (o
art. 33.º/1). As deliberações que violem normas imperativas são nulas nos termos do art. 56.º/1/d); e/ou
nos termos art. 69.º/3 (violação das normas que dizem respeito à reserva legal). (O art. 65.º/1 diz que os

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membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos competentes da sociedade o relatório
de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, sendo que compete aos
sócios deliberar sobre o relatório de gestão e contas de exercício (art. 189.º/3 e 474.º, 246.º/1/e), 376.º/1/a)
e 478.º). Estas deliberações estão sujeitas, segundo o art. 69.º, a um regime especial de invalidade. O art.
69.º/3 diz que as deliberações violem preceitos legais relativos à constituição, reforço ou utilização de
reserva legal são nulas, bem como as deliberações que violem preceitos cuja finalidade seja a protecção
dos credores ou o interesse público).

No entanto, temos ainda de fazer uma terceira operação. O art. 32.º diz que não podem ser distribuídos aos
sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, seja
inferior à soma do capital social e das reservas indisponíveis (lucro de balanço negativo). Neste caso, o
património social líquido é de 100.000, e o capital social mais as reservas 600.000. Assim, não é possível a
distribuição de lucros e a deliberação é nula também com este fundamento (violação de normas imperativas,
art. 56.º/1/d)).

Em relação ao regime de nulidade, o art 57.º/1 prescreve o dever do órgão de fiscalização da sociedade de
dar a conhecer aos sócios a nulidade; o n.º 2 prevê o dever de impugnar a deliberação. A nulidade é
invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente, valendo aqui o
regime geral do art. 286.º CCiv. e 25.º do CPC. Nos interessados contam-se os administradores (nos casos
em que o órgão de fiscalização não cumpra o seu dever); qualquer sócio; e alguns terceiros.

Assim, I pode pedir a declaração de nulidade.

Exame 3

1. A, B, C, D e E pretendem constituir a «AltoMar – Fabrico e comercialização de material náutico, S.A.» e


querem saber se podem incluir no contrato de sociedade da «AltoMar» uma cláusula com o seguinte teor:
«A sociedade terá por objeto qualquer atividade comercial cujo exercício seja deliberado pelos
acionistas».
O que lhes diria? (5 v.)

Está em causa os requisitos do acto constituinte das sociedades e do objecto social.

O objecto social é a actividade económica que o sócio ou sócios se propõem exercer mediante a sociedade
(art. 980.º CCiv. e 11.º CSC), e tem de constar do acto constituinte (elemento obrigatório, art. 9.º/1/d)). É
um dos elementos da noção de sociedade.

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Segundo o art. 980.º CCiv., o objecto tem de obedecer a certos requisitos: tem de ser uma actividade
económica; não pode ser uma actividade de mera fruição; tem de ser uma actividade certa; e tem de ser
exercida em comum. Interessa-nos aqui o terceiro requisito – o objecto tem de ser uma actividade certa ou
determinada (art. 11.º/2 CSC). Isto justifica-se em nome da tutela dos interesses de vários sujeitos (sócios,
administradores e terceiros): interesses dos sócios em conhecer a actividade em que arriscam capitais e
trabalho; certas obrigações de não concorrência dos sócios e administradores são delimitadas pelo objecto
(arts. 180.º, 254.º, 398.º/3 e 4); os órgãos sociais têm o dever de não praticarem actos que extravasem o
objecto (art. 6.º/4); várias causas de dissolução da sociedade prendem-se com o objecto (arts. 141.º/1/c), d) e
142.º/1/b), c) e d)). Para além disto, a natureza comercial ou civil das sociedades é determinada pelo objecto
(art. 1.º).

Quais as consequências da falta de especificação do objecto? Esta não é uma nota essencial para o conceito
de sociedade, logo da não especificação do objecto social no acto constituinte não resulta a não qualificação
como sociedade; porém, a falta de determinação do objecto provoca a nulidade do acto constituinte ainda
não registado (art. 41.º CSC e 280.º CCiv.).

2. Após a celebração do contrato de sociedade da «AltoMar» pela forma legalmente exigida mas antes do
registo do mesmo, C, nomeado no contrato de sociedade administrador único da mesma, adquiriu a
Zeferino, em nome da sociedade, material náutico para revenda no valor de um milhão de Euros. O preço
não foi pago na data combinada, tendo A dito a Zeferino que a sociedade não tinha de pagar o valor em
causa. A alegou que no contrato de sociedade nada constava quanto à referida aquisição e era absurda
uma despesa tão elevada quando a «AltoMar» não tinha nem tem ainda um estabelecimento. Zeferino
pretende saber se o património da sociedade responde pela dívida em causa, uma vez que o contrato de
sociedade da «AltoMar» está ainda por registar. O que lhe diria? (10 v.)

Está em causa o regime das relações externas da sociedade num momento posterior ao acto constituinte
mas anterior ao registo, previsto nos arts. 38.º a 40.º. O regime tradicional de constituição de sociedades
pressupõe um acto constitutivo, o seu registo, e ainda uma fase de publicação obrigatória; porém, podem
surgir actuações em nome da sociedade antes de se encontrar formalizado o acto constituinte, entre este e
o registo e após o registo. É preciso regular estas actuações.

Uma vez que se trata de uma sociedade anónima (S.A. na firma, art. 275.º), aplica-se o art. 40.º, que
dispõe que pelos negócios realizados em nome da sociedade respondem ilimitada e solidariamente os
sócios que agiram em nome dela e os que autorizaram o negócio. Os restantes sócios respondem
limitadamente até às importâncias das entradas a que se obrigaram e pelas importâncias que receberam a
título de lucros e reservas. Neste caso, C responderia ilimitadamente e os restantes sócios limitadamente.

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Porém, para além dos sócios, como defende COUTINHO DE ABREU, também responde a sociedade com o
seu património pelos negócios realizados em seu nome. A favor desta tese, o autor apresenta os seguintes
argumentos: ainda que não tenha personalidade jurídica, já participa no tráfico jurídico (arts. 38.º a 40.º);
o silêncio da lei não significa exclusão da responsabilidade social; o nosso direito não consagra a
proibição de pré-endividamento ou oneração do património social, ou seja, a sociedade não precisa de
nascer no registo com um património correspondente ao capital nominal.

No entanto, esta responsabilidade da sociedade encontra dois limites: as sociedades não respondem por
obrigações que não podem assumir depois do registo (art. 19.º/4) – se não podem ser responsabilizadas
por certas obrigações depois do registo, não podem fazê-lo antes. Para além disto, o dinheiro das entradas
depositado em instituições de crédito não pode ser mobilizado, excepto se for por via judicial, para pagar
as credores (arts. 277.º/5/b) e 478.º). Interessa-nos aqui a primeira excepção. Fora dos casos do art. 19.º/1,
o art. 19.º/4 diz-nos que a sociedade não pode assumir depois do registo obrigações decorrentes de
negócios não mencionados no contrato social; assim, também não o pode fazer antes. Não está em causa
nenhum caso do art. 19.º/1 (não é uma aquisição relacionada com a exploração do estabelecimento, uma
vez que não existia ainda estabelecimento, art. 19.º/1/b)), e o negócio não está mencionado no contrato de
sociedade.

Concluindo, não estando a aquisição do material náutico mencionada no contrato de sociedade, para além
de responderem os sócios (ilimitadamente C e limitadamente os restantes), o património da sociedade
responde solidariamente pela dívida. Note-se que os sócios respondem solidariamente com a sociedade,
por aplicação analógica do art. 36.º/2 que remete para o regime das sociedades civis (arts. 997.º/1 e 2 do
CCiv.).

Exame 4

Os sócios da “Fábrica da Pedrulha – Cerâmica para Construção, Lda.” reuniram em assembleia no


passado dia 15 de Junho. Um dos dois gerentes (o sócio A) convocou a assembleia através de carta não
registada, mas confirmou no próprio dia que todos os restantes sócios (B e C) a tinham recebido antes de
1 de Junho. Todos os sócios são titulares de quotas com igual valor nominal. Foram tomadas as
seguintes deliberações:
a) “A representação da sociedade passa a fazer-se por actuação conjunta dos dois gerentes” (o estatuto
indica que a sociedade fica vinculada com a assinatura de qualquer gerente; aprovada por
unanimidade);
b) “Aplicar € 15.000, enquanto parcela do montante correspondente à reserva legal, na amortização
antecipada do mútuo existente com a Caixa Central de Crédito” (aprovada com os votos favoráveis de A
e B; C absteve-se);

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c) “As alterações do contrato de sociedade passam a fazer-se por maioria simples dos votos” (o estatuto
nada indica sobre a matéria; aprovada com votos favoráveis de A e B; C votou contra).
C e D (o outro gerente da sociedade) pretendem saber se as deliberações são válidas e se as poderão
impugnar. Qual seria a sua resposta? (14 val.)

Desde logo, antes de passar à identificação dos vícios específicos de cada deliberação, é possível
identificar um vício de procedimento. Com efeito, tratando-se de uma sociedade por quotas (firma, art.
200.º), o art. 248.º/3 diz-nos que a convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e
deve ser feita por meio de carta registada, expedida com antecedência mínima de 15 dias. Ora, no caso, a
assembleia foi convocada por meio de carta não registada, logo temos um vício de procedimento, gerador
de anulabilidade nos termos do art. 58.º/1/a), 1ª parte. Porém, nem todos os vícios de procedimento
conduzem à anulabilidade das deliberações, pois é preciso atender à teleologia das normas ofendidas e à
consequência das ofensas. Para Coutinho de Abreu, são vícios de procedimento relevantes os que:
determinam um apuramento inexacto ou irregular dos votos, que faz com que a deliberação não
corresponda à maioria exigida; e aqueles vícios que ofendam o direito de participação livre e informada
dos sócios nas deliberações. Neste caso, apesar de a carta ter sido não registada, todos os sócios tiveram
conhecimento da convocatória (não ofendem o direito de participação), logo é um vício irrelevante e a
deliberação não é anulável.

a) Está em causa uma deliberação anti-estatutária.

Os sócios deliberaram que a representação a sociedade se passaria a fazer por actuação conjunta dos dois
gerentes, enquanto o estatuto estabelece que a sociedade fica vinculada com a assinatura de qualquer
gerente. Esta deliberação refere-se à vinculação da sociedade – as sociedades intervêm eficazmente em
actos jurídicos, i.e., vinculam-se, por meio de órgãos e de representantes voluntários. No que toca aos
requisitos subjectivos da vinculação (que dizem respeito ao modo de exercício do poder de
representação), podemos ter dois tipos de representação: representação disjunta, em que cada um dos
administradores tem o poder de vincular a sociedade; ou representação conjunta, em que é necessária a
intervenção de todos os administradores, da maioria ou da minoria deles. A escolha do método compete
ao estatuto e/ou lei. Tratando-se de uma sociedade por quotas, rege o art. 261.º, que estabelece a regra da
conjunção maioritária. Porém, esta é uma regra dispositiva, pelo que o estatuto pode estabelecer que a
sociedade fique vinculada por um número menor – no caso, o contrato estabeleceu a regra da
representação disjunta.

Assim, a deliberação em causa vai contra o disposto nos estatutos, pelo que é anulável nos termos do art.
58.º/1/a), 2ª parte. A única hipótese de estabelecer que a representação da sociedade se passaria a fazer
por actuação conjunta de dois gerentes seria através de uma modificação dos estatutos (art. 265.º/1, por

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maioria qualificada dos sócios).

Nos termos do art. 59.º/1, a anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer
sócio que não tenha votado no sentido do vencimento nem tenha posteriormente aprovado a deliberação.
Uma vez que C votou a favor da deliberação aprovada, não tem legitimidade para arguir a anulabilidade.
E D, na qualidade de gerente?

Com efeito, coloca-se na doutrina a questão de saber se, nas sociedades que não tenham órgão de
fiscalização, pode a anulabilidade ser arguida pelos gerentes. Apesar de esta possibilidade não estar
prevista no art. 59.º, defende-se aqui a aplicação analógica do art. 57.º/4 – principalmente quando estejam
em causa deliberações anuláveis por vício de conteúdo prejudiciais para a sociedade e executáveis pelos
gerentes. Invocam-se a favor desta tese dois argumentos: por um lado, o dever de lealdade legitima-os a
pedir a anulabilidade (art. 64.º/1/b)); por outro, não se compreenderia que em algumas sociedades apenas
os sócios pudessem arguir a anulabilidade e em outras, do mesmo tipo mas com órgão de fiscalização
(quando este seja facultativo) já não possam. Assim, se esta sociedade não tivesse órgão de fiscalização,
seria possível a D arguir a anulabilidade.

O prazo é de 30 dias, a contar da data da realização da deliberação (art. 59.º/2/a)).

b) Está em causa uma deliberação que viola regras relativas à reserva legal.

Os sócios deliberaram aplicar 15.000€, uma parcela da reserva legal, na amortização antecipada de um
mútuo. Estando em causa uma sociedade por quotas, rege nesta matéria o art. 218.º, que remete para o art.
295.º e 296.º Este último preceito prevê taxativamente as aplicações possíveis da reserva legal, sendo que
não prevê a amortização de mútuos. Como tal, a deliberação é nula por aplicação do art. 56.º/1/d) (regras
imperativas) e/ou 69.º/3 (regras relativas à reserva legal).

A nulidade pode ser arguida por qualquer interessado e a todo o tempo, vale aqui o regime geral (art.
286.º CCiv. e 25.º CPC). Assim, C e D podiam os dois pedir a declaração de nulidade.

c) Está em causa uma deliberação que viola preceitos imperativos.

A modificação do contrato social apenas se pode fazer por maioria qualificada (três quartos) dos votos
emissíveis, sendo esta uma regra imperativa. Assim, a deliberação é nula com fundamento no art.
56.º/1/d). C e D podem arguir a nulidade.

Exame 5

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A, B, C e D são os sócios da sociedade por quotas “Transmondego – Transporte Rodoviário de


Mercadorias, Lda.”, cujo acto constitutivo foi registado em 2 de Maio de 2013, nele se designado A
como único gerente. Sabendo que todos são titulares de quotas com o mesmo valor nominal, pronuncie-
se sobre as seguintes questões:

a) Uma vez que nada consta do acto constitutivo a tal respeito, responderá hoje a sociedade pelo
pagamento do preço de um camião TIR adquirido por A em nome da Transmondego em Abril de 2013?
(3 val.)

Está em causa um acto praticado antes do registo e a assunção de obrigações. Não parece ser nenhum
caso do art. 19.º/1 (assunção automática), apenas se poderia aplicar a al. b) mas nada se diz quanto à
existência de um estabelecimento. Poderia ser uma assunção nos termos do n.º 2; porém, não estando
mencionada no contrato, não é possível assumir a obrigação (art. 19.º/4). Se fosse possível, teríamos um
conflito de interesses e o gerente não poderia votar.

b) Digas se e em que termos poderá o sócio A impugnar as seguintes deliberações, tomadas em


assembleia geral convocada por B e realizada em 15 de Maio de 2013, as quais foram declaradas
aprovadas com os votos a favor de B e C, abstenção de D e votos contra de A:
i) levar a reservas livres € 4.000 dos € 5.000 de lucros de exercício distribuível;
ii) alterar o pacto social no sentido de ser doravante proibida a cessão de quotas inter vivos;
iii) atribuir ao sócio B um direito de voto duplo. (10 val.)

Desde logo, temos um vício de procedimento, uma vez que a assembleia foi convocada por B. Tratando-
se de uma sociedade por quotas, a convocação da assembleia geral compete a qualquer dos gerentes (art.
248.º/3); no caso, foi convocada por um sócio. Qual a consequência deste vício? Geralmente, os vícios de
procedimento originam a anulabilidade (art. 58.º/1/a)); porém, nos casos do art. 56.º/1/a) e b), a
consequência é a nulidade. Este é um caso da al. a): são nulas as deliberações em assembleia geral não
convocada, sendo que se não se consideram convocadas as assembleias convocadas por quem não tenha
competência (n.º 2). O art. 56.º/2 equipara casos em que houve convocação a casos em que não houve,
por se tratarem de vícios muito graves.

Porém, a deliberação já não é nula se todos os sócios tiverem estado presentes na assembleia, i.e., se a
deliberação tiver sido adoptada por assembleia universal. Assim, têm de se ter verificado os requisitos do
art. 54.º, última parte (todos têm de estar presentes e têm de manifestar a vontade de que a assembleia se
constitua e delibere sobre determinado assunto); senão, teremos uma deliberação meramente anulável
(art. 58.º/1/a)).

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i) Deliberação anulável por vício de procedimento.

As reservas são cifras representativas de valores patrimoniais da sociedade, derivados normalmente de


lucros que os sócios não podem ou não querem distribuir, que servem principalmente para cobrir
eventuais perdas sociais e para autofinanciamento. As reservas livres são aquelas que decorrem de
deliberações dos sócios, que lhes afectam a totalidade ou parte dos lucros distribuíveis. Porém, é
necessário estabelecer os limites do art. 217.º/1 (estando em causa uma sociedade por quotas). Este artigo
diz que, salvo cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos emissíveis,
tem de ser distribuída metade do lucro de exercício.

Neste caso, teria de ser distribuído 2.500€ a título de lucro de exercício; salvo deliberação tomada por três
quartos dos votos emissíveis (votos totais, correspondentes ao capital social). Os votos emissíveis são 4,
logo seria necessário 3 votos a favor para aprovar a deliberação que destinasse a reservas livres 4.000€
(uma vez que tal implicaria que apenas 1.000€ ficariam disponíveis para distribuição dos lucros de
exercício). Como apenas houve 2 votos a favor, temos um vício de procedimento, que conduz à
anulabilidade da deliberação nos termos do art. 58.º/1/a). Este é um vício relevante uma vez que se traduz
num apuramento inexacto dos votos com consequências para a maioria exigida.

A anulabilidade podia ser requerida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha
votado no sentido que fez vencimento. Incluem-se aqui os sócios que votaram contra a proposta aprovada
ou a favor da proposta recusada, e ainda os que não emitiram voto (por abstenção ou por não terem
participado). Assim, A tem legitimidade uma vez que votou contra. O prazo é de 30 dias a contar da
realização da assembleia (art. 59.º/2/a)).

ii) Deliberação anulável por vício de procedimento; e absolutamente ineficaz.

Tratando-se de uma modificação do contrato social, e uma vez que está em causa uma sociedade por
quotas, o art. 265.º dispõe que as deliberações de alteração do contrato têm de ser tomadas por maioria
qualificada (três quartos) dos votos emissíveis. Assim, a deliberação é anulável por vício de procedimento
(art. 58.º/1/a)), sendo que este é um vício relevante.

Para além disto, esta deliberação é também absolutamente ineficaz, nos termos do art. 55.º. Este artigo diz
que, salvo disposição legal em contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o
consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto que o interessado não der o seu
consentimento. O art. 229.º/4 é um destes casos: a eficácia da deliberação de alteração do contrato que
proíba a cessão de quotas depende do consentimento de todos os sócios por ele afectada. Assim, uma vez

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que esta deliberação afecta todos os sócios e A votou contra e D absteve-se, é necessário o consentimento
destes dois sócios para que a deliberação seja eficaz.

iii) Deliberação anulável por vício de conteúdo (violação do princípio da igualdade); e nula por violação
de norma imperativa (art. 250.º/2)

Está em causa a atribuição de um direito especial a B. Os direitos especiais são direitos atribuídos no
contrato a certo sócio ou sócios, ou a sócios titulares de acções de certas categorias, que lhes conferem
posições privilegiadas. Estão regulados no art. 24.º e têm de ter carácter estatutário. Neste caso, o direito
atribuído foi o direito de voto duplo – numa sociedade por quotas, cada sócio tem em regra um voto por
cêntimo (art. 250.º/1); porém, é permitido atribuir dois votos por cêntimo (n.º 2), desde que a quota do
sócio não exceda 20%. Assim, desde logo temos aqui um vício de conteúdo da deliberação, que origina a
anulabilidade (norma imperativa, art. 56.º/1/d) – violação do art. 250.º/2). A pode pedir a declaração de
nulidade.

Porém, neste caso o direito especial não foi atribuído no estatuto, mas sim por deliberação dos sócios.
Será isto possível? A doutrina entende que sim; porém, certos autores entendem que a alteração contratual
carece de unanimidade, em nome do princípio da igualdade de tratamento dos sócios; outros entendem
que pode não haver unanimidade, desde que a desigualdade dos sócios seja objectivamente justificada.
Esta última posição é a de COUTINHO ABREU, uma vez que uma deliberação apenas viola o princípio da
igualdade de tratamento quando dela resulta um tratamento desigual de certos sócios em relação a outros
sem justificação objectiva, i.e., a diferenciação é arbitrária, não fundada no interesse social.

No caso, não parece haver justificação objectiva, não existe interesse comum dos sócios. Assim, é exigida
a unanimidade; como não sucedeu, a deliberação viola o princípio da igualdade. Uma vez que este é um
princípio jurídico com força equivalente aos da lei, estamos perante um vício de conteúdo que dá origem
à anulabilidade da deliberação (art. 58.º/1/a)). As deliberações que atribuam direitos especiais em
violação do princípio da igualdade são também anuláveis com fundamento na al. b), consubstanciando
uma deliberação abusiva. As deliberações abusivas são aquelas que visam conseguir vantagens especiais
em prejuízo da sociedade ou de outro sócio, sendo que as vantagens especiais são proveitos patrimoniais
possibilitados a sócios ou a não sócios, mas que não aproveitam a todos os que estejam em posição
idêntica à do beneficiado; ou ainda proveitos que não seriam concedidos a quem hipoteticamente
ocupasse uma posição equiparável. Neste caso, visa conseguir uma vantagem especial em prejuízo de
outro sócio. É necessário que se prove o “propósito” de atribuir vantagens especiais (sendo que, para
Coutinho de Abreu, basta que o dolo seja eventual).

Exame 6

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1. A, B, C e D são os sócios da «Brilhofuscante, Lda.», que tem por objecto a instalação de painéis
solares. Todas as quotas têm o mesmo valor nominal. O contrato de sociedade foi celebrado pela forma
legalmente exigida em Janeiro de 2013, mas o registo e a publicação só se realizaram em Março. Os
gerentes da sociedade são A e C. Responda separadamente às seguintes questões:

a) Em Fevereiro de 2013, B, que pretendia ceder a sua quota ao filho João, convocou uma assembleia
geral para obter o consentimento da sociedade. A, B e C votaram a favor, mas D votou contra. Poderá B
transmitir válida e eficazmente a sua quota? (4 val.)

Está em causa o regime das relações internas da sociedade entre a celebração do acto constituinte e o
registo. Rege nesta matéria o art. 37.º.

O art. 37.º/1 diz-nos que, no período compreendido entre a celebração do contrato de sociedade e o seu
registo definitivo, são aplicáveis às relações entre os sócios as regras estabelecidas na lei e no estatuto.
Assim, tratando-se de uma transmissão de participação social, e estando em causa uma sociedade por
quotas (firma, art. 200.º), o art. 228.º diz que é necessário o consentimento dos restantes sócios
(deliberação aprovada por maioria, art. 250.º/3). No caso, não seria exigido consentimento, uma vez que
se trata de uma cessão a descendente (art. 228.º/1, 2ª parte).

Porém, o art. 37.º/2 prevê duas excepções ao n.º 1: a transmissão entre vivos de participações e a
modificação do contrato requerem sempre o consentimento unânime dos sócios. Em relação à
modificação do contrato, exige-se o consentimento de todos pois estas alterações podem ter
consequências para o futuro; no que toca à transmissão das participações, deve-se ao facto de os sócios
poderem ter de responder ilimitadamente por obrigações antes do registo, logo não é indiferente a
substituição dos sócios através da transmissão de participações.

Desta forma, seria necessário o consentimento unânime dos restantes sócios, pelo que, como D vota
contra, B não pode transmitir a sua quota.

b) Em Junho, A adquire, em nome da sociedade, três piscinas pré-fabricadas em fibra, por achar que o
Verão seria uma boa oportunidade para expandir os negócios da sociedade e começar também a instalar
piscinas. Assim que toma conhecimento do sucedido, o sócio B considera que “é um disparate” e
pretende “impugnar a compra”. Terá sucesso? (3 val.)

A capacidade não é limitada pelo objecto (art. 6.º/4), mas constitui os órgãos da sociedade no dever de nã
excederem esse objecto. Um acto é alheio ao objecto quando, atendendo ao momento da sua prática, se

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revele inútil para a realização da actividade que a sociedade se propõe, quando não exista uma relação de
instrumentalidade. É o caso. Tratando-se de uma sociedade por quotas, aplica-se o art. 260.º: o acto é
eficaz (n.º 1); porém, pode-se invocar a ineficácia desde que se preencham os requisitos do n.º 2. Temos
ainda outras sanções – responsabilidade do gerente e destituição com justa causa.

c) Em assembleia convocada por A e realizada a 30 de Julho, os sócios deliberaram (i) distribuir aos
sócios 10% dos lucros do exercício distribuíveis; (ii) inserir no contrato de sociedade uma cláusula
segundo a qual a sociedade “pode prestar quaisquer garantias a dívidas de outras sociedades que os
seus sócios venham a constituir”. As deliberações foram consideradas aprovadas com os votos
favoráveis de A e de B; C absteve-se e D, que votou contra, pretende hoje impugná-las. Terá sucesso? (7
val.).

i) Deliberação anulável por vício de procedimento (art. 58.º/1/a)) – se o estatuto nade disser, é necessário
uma deliberação aprovada por três quartos dos votos emissíveis (3 votos) para distribuir menos de metade
dos lucros, art, 217.º/1. É um vício relevante. D tem legitimidade uma vez que votou no sentido contrário
ao que fez vencimento (art. 59.º/1).

ii) Deliberação nula por violação de normas imperativas, art. 56.º/1/d) – o art. 6.º/3 prescreve que não se
podem prestar garantias gratuitas (contrário ao fim social), salvo nos dois casos previstos. Porém, mesmo
que tal fosse permitido, teríamos um vício de procedimento que origina a anulabilidade, uma vez que para
a alteração do contrato é necessário a maioria qualificada dos votos emissíveis, art. 265.º. D pode arguir a
nulidade (qualquer interessado, art. 286.º CCiv.).

Exame 7

II

António, Bernardo, Carlos e Duarte são os únicos sócios da sociedade por quotas X, Lda., na qual cada
um é titular de uma quota com o valor nominal de 5.000 Euros. Em assembleia geral de sócios da X,
Lda., regularmente convocada e que teve lugar em 1 de Julho de 2013, foi considerada tomada a
deliberação de alterar o contrato de sociedade da mesma através da introdução de uma nova cláusula
estabelecendo que António passaria a ter o direito de designar um dos dois gerentes da sociedade. A
deliberação recebeu os votos a favor de Bernardo e de Carlos. Duarte votou contra e António não esteve
presente. O gerente Eduardo pretende saber se a deliberação tomada é ou não válida e se a pode
impugnar. O que lhe diria? (7 v.)

Está em causa a atribuição de um direito especial (o direito a nomear um gerente, art. 83.º/1) num

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momento posterior à celebração do contrato. Os direitos especiais são direito que são atribuídos a certo
sócio ou sócios, ou a sócios titulares de acções de certas categorias, conferindo-lhes uma posição
privilegiada. Estão previstos no art. 24.º e têm carácter estatutário; porém, a doutrina entende que é
possível a atribuição de direitos especiais depois do momento da criação da sociedade. Porém, certos
autores entendem que esta atribuição exige sempre unanimidade, evitando a discriminação dos sócios;
outros autores, entre os quais COUTINHO DE ABREU, defendem que não se exige a unanimidade, desde
que a desigualdade seja objectivamente justificada. Isto ocorre sempre que o desigual tratamento que o
direito especial origina é imposto pelo interesse comum dos sócios.

Neste caso, não parece haver nenhuma justificação objectiva, pelo que se exige a unanimidade e a
deliberação é anulável por violar o princípio da igualdade (art. 58.º/1/a) ou b)).

Mesmo que não houvesse violação do princípio da igualdade, seria necessário a maioria qualificada dos
votos emissíveis para a alteração do contrato (art. 265.º) – pelo que teríamos um vício de procedimento
conducente à anulabilidade da deliberação.

Eduardo pode arguir a anulabilidade? Apesar de não estar previsto no art. 59.º a legitimidade dos
gerentes, a doutrina defende aqui a aplicação analógica do art. 57.º/4 – principalmente quando estiverem
em causa vícios de conteúdo principalmente quando estejam em causa deliberações anuláveis por vício de
conteúdo prejudiciais para a sociedade e executáveis pelos gerentes. Invocam-se a favor desta tese dois
argumentos: por um lado, o dever de lealdade legitima-os a pedir a anulabilidade (art. 64.º/1/b)); por
outro, não se compreenderia que em algumas sociedades apenas os sócios pudessem arguir a
anulabilidade e em outras, do mesmo tipo mas com órgão de fiscalização (quando este seja facultativo) já
não possam. Assim, considera-se que E pode intentar a acção de anulação. O prazo é de 30 dias a contar
da realização da assembleia (art. 59.º/2/a))

III

Francisco é administrador único da «Porcel – Comércio de Porcelanas, S.A.». Atuando na referida


qualidade, Francisco celebrou um contrato pelo qual a «Porcel» assumia a posição de fiadora da
«Loucel – Fabrico e comercialização de louças e porcelanas, S.A.», titular de todas as ações emitidas
pela «Porcel». A fiança referida destinava-se a garantir o pagamento de uma dívida da «Loucel» para
com o Banco Z. Gustavo, credor da «Porcel», pretende saber se há argumentos para se sustentar a
nulidade do contrato de fiança referido. O que lhe diria? (7 v.)

Está em causa a capacidade jurídica das sociedades e a prestação de garantias. O art. 6.º/3 diz que a
prestação de garantias gratuitas é válida em dois casos, interessando-nos a segunda excepção, existência

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de uma relação de domínio simples ou de grupo.

A questão que se colocava neste caso é a de saber se esta excepção se podia aplicar, uma vez que é a
sociedade dominada que presta uma garantia a favor da sociedade dominante. Coutinho de Abreu faz aqui
uma restrição teleológica, defendendo que a prestação de garantia só é válida quando for da sociedade
dominante para a dominada. Isto porque o art. 6.º/3, ao permitir que uma sociedade preste garantias a
outra, fá-lo com a ideia de que a sociedade garante não descura com isso o seu próprio interesse e o
interesse dos seus credores. Esta ideia vale apenas para a sociedade dominante, e não para a sociedade
dependente: a sociedade dominante, enquanto sócia da dependente, tem sempre interesse no seu bom
andamento. Já os interesses da sociedade dominada e dos seus credores não se compaginam com o da
dominante. Assim sendo, deve-se interpretar restritivo-teleologicamente a última parte do art. 6.º/3, e a
prestação da fiança não é válida.

Porém, a sociedade dominada já pode prestar garantias a favor da dominante se houver “justificado
interesse próprio” – por ex., se a Loucel for uma fornecedora muito importante da Porcel.

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