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CapituLo 1 GENEROS DISCURSIVOS DO CiRCULO DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS Roxane ROJO* Oo Os multiletramentos e os textos contemporaneos A contemporaneidade e, sobretudo, os textos/enunciados* contemporancos colocam novos desafios aos letramentos e as teorias. 7 Brofessora live docente do Departamento de Lingutstiea Aplicada (IEL/UNICAMP), 2 Rakbtin (2003[1959-611976)) autoriza fazer equivaler texto e emunclado, a dizer, por exer plo, que ha “dois elementos que determinam o texto como erunciad: a sua idea (intergto) € @ realizagto dessa lntengao"(p. 308), Mais que isso, 0 autor se aproxims hestante do conceito mais tplo de texto — estendido a virias Iinguagens — que estamos adotando aqui: “Se entendido o texto no sentido amplo como qualquer conjunto coerente de signos,aciéncia das artes (amusioo log, teoria ea histria dae artes plisticas) opera com textos (obras de arte) (p. 307). ROXANE ROJO a O conceito de multletramentos, articulado pelo Grupo de Nova Londres, bus ca justamente apontar, ja de saida, por meio do prefixo “multi", para dois tipos de “miiltiplos” que as praticas de letramento contemporineas envol. vem: por um lado, mudiplicidade de linguagens, semioses ¢ midias cnvolvidas na criacdo de significagao para os textos multimodais contemporaneos e, por outro, a pluralidade¢ « diversidade cultural trazidas pelos autoresileitore contempordncos a essa criagao de significagao, Alem disso, o Grupo tinha em mira, ja em seus momentos iniciafs (1996), uma questio aplicada da maior relevancia e que nos € cara: (© que € uma educagao apropriada para mulheres, para indigenas, para tit srantes padrio? O que € apropriado para todos no contesto de fatores de di versidade local e conectividade global cada vez mais criticos? (New London Group, 2006[1996]: 10). © que seja, na contemporaneidade, uma educacio linguistiea adequada a um alunado multicultural se configura, segundo a proposta, como aquela que possa trazer aos alunos projetas (designs) de futuro que considerem dimensves:a diversidade produtiva (no ambito do trabalho), o pluralismo civico (no ambito da cidadania) e as idemtidades muitifacctadas (no ambito da vida pessoal) (Kalant=is e Cope, 2006a), Um ambito relativamente abandonado nessa claboragdo tedrica ¢ justamente 0 campo da (re)producao cultural No ambito do trabalho, Kalantzis e Cope chamam a atengao para o fato de que a modernidade tarda nfo mais o organiza de mancita fordista, a partir da divisao do trabalho em linha de produgio e da producio e consumo de ‘massa, mas que, no pés fordismo, espera-se um trabalhador multicapacita- do e autonome, flexivel para adapragio A mudanga constante. A logistica de negociar diferengas e mudancas leva a organizagio do trabalho a uma nova fase, a da diversidade produtiva, inclusive em termos de especializagao ‘em nichos, de terceirizagio da produgio ¢ da customizagao do consumo. Para os autores, educar para essa realidade requer uma epistemologia e uma pedagogia do pluralismo: “Uma maneira particular de aprender e conhecer co mundo em que a diversidade local e a proximidade global tenham impor tancia critica” (Kalantzis e Cope, 2006a: 130, traduca0 nossa), “Assim como a “pedagogia dos multletramentos” que grupo propee para uma edueagao lin sulstica contemporines, ‘GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS |, i ‘No ambito da educagao para a ética ¢ a politica, o pluralismo civico seria, para os autores, “a escola buscar desenvolver nos alunos a habilidade de expressar ¢ representar identidades multifacetadas apropriadas a dife rentes modos de vida, espacos efvicos e contextos de trabalho em que cidadaos se encontram; a ampliacdo dos repertérios culturais apropriados a0 conjunto de contextos em que a diferenca tem de ser negociada;[..] 4 capacidade de se engajarem numa politica colaborativa que combi adi ferencas em relacdes de complementaridade” (Kalantzis ¢ Cope, 2006a: 139, traducdo nossa). Ainda para os autores, 0 fato de as pessoas atualmente viverem conco- mitantemente em muitas culturas hibridas, hoje altamente personalizadas, ‘provoca uma conscigncia altamente descentrada e fragmentada (identida des multifacetadas). A escola pode buscar um pluralismo integrativo, anti doto necessitio a fragmentacao. “A diversidade precisa tornar-se a base paradoxal da costo” (Kalantzis ¢ Cope, 2006a: 145, traducdo nossa). Deve buscar novas formas de consciéneia: “Constantemente ler o mun- do criticamente para compreender os inceresses culturais divergentes que informam significagbes e agdes, suas relagdes e suas consequencias” (Ka lantzis e Cope, 2006a: 147, tradu¢do nossa). Kalantzis e Cope (2006a) fazem uma analise em detalhe desses trés ambitos da vida contempordnea nas sociedades globalizadas e indicam suas relagoes, ‘com as praticas de letramentos escolares ¢ as decorréncias para o que elas silo hoje e para o que possama vira ser no futuro. Por exemplo, ao analisarem o ambito da cidadania — “o espaco onde a sociedade civil se relaciona com 0 Estado, em queas pessoas participam do governo” (Kalantzis e Cape, 2006a: 11, traducao nossa) —, os autores tracam as relagbes que as priticas esco- lares de letramento sedimentadas mantiveram e mantém com o estado-na cio da modernidade, Qualificando 0 nacionalismo como uma narrativa que “eria, em tres dimensoes [temporal, espacial e estrutural], um sentido pro fundamente personalizado de pertencimento a0 Estado-Nagao” (Kalantzis, € Cope, 2006a: 132, traducdo nossa), os autores nos relembram que a esco larizagao teve um papel fundamental no estabelecimento dessa “ordem do discurso”, Pela primeira vez na historia, Estado toma a seu cargo, retirando das comunidades e das familias, boa parte da socializacto das criangas “ ROXANE ROJO mili comunidades eram diversas; suas experiencias de mundo-da-vida* vyariavam, Escolas eram para soclalizar suas criangas ramo a uma ‘identi- dade’ nacional” (Kalantzis e Cope, 2006a: 134, tradug0 nossa): por meio da alfabetizacao e do ensino da escrita (priticas de letramento escolar) na Tingua padrao, na lingua nacional oficial; por meio do ensino da historia das origens nacionais e da geografia das fronteiras. Encontram-se al, portanto, as raizes das priticas escolares de letramento s dimentadas que vemos em nossas escolas € nos materiais didaticos: neles, as ppropostas igadas os letramentos nao minimizaram seu cariter normalizador, reguladore objetivante de forma social esortura” (Lahize, 1993) por excelencia, Na abordagem da leftura e da producio de textos escritos, sito priorizados 0 trabalho temético ¢ estrutural ou formal, ficando as abordagens discursivas ou aaréplicaativaem segundo plano, A prioridade para a norma ¢a forma também é vista nos trabalhos de reflexio sobre a lingua, pautaclos na gramtica norma- tiva e baseados nas formas cultas da lingua padrio, nunca explorando diferen- ‘ou geogrificas da lingua efetivamente em uso. tes variedades soci Todas essas constatagdes fazem ver que as propostas escolares para os letra- mentos ignoram e ocultam as formas sociais orais em favor, decididamente, das formas escriturais, Essa abordagem ¢ apresentada a uma populagao es colar enraizada em formas sociais orais de interacio, ainda que tramadas as formas letradas — sobretudo, em centros urbanos —, como, por exemplo,a larga preferencia pelo jomalismo televisivo, ao nvés do impresso, pela nove- 1a folhetinesca de TV, ao invés da leitura do romance; pela cancio, a0 invés da poesia; pela instrucio oral (nos servigos telefbnicos de atendimento a0 consumidor), a0 invés da leitura de manuais de instrugao. "Drconcclto wilde pelos autores tem base huscrlina Para eles, 0 mundo de vida éo mun do da experiéneiavvids no cotidiano; um mundo onde a tansformagio ceorre de janeira menos tclatva e suzoconsciente- cicamente organizado ¢ claro, e carregado de tradicio cultural ¢ lin fuistion mas servindo a ins imediats e pritiens (Cope eKalantis, 2006: 206). Teata se do que Bakhtin e su circulo denominaram “ideologia do coridizno™ + para Laite (1993) a forma escolar das relagdessociais decorte da generalizagto das formas sociais escituras, numa multilicdade de campos priticos. Como uma forma social eseritura tramada pelas priticas de escritae suponda aconstitugao de saberesescrituais de diferentes ni ‘els 1 ecole fel olugar ea arganieagaado tempocspecticos, destinados ager as formas também ‘pedficas de apropriagao dos saberes objetivados, sto, descontextualizades eautonomizados {da priticassocais oral ‘GENEROS DISCURSIVOS DO GIRCULO DE BAKHTIN E MULTLETRAMENTOS Kalantzis e Cope (20062: 134-135) nos lembram que, se voce € um aluno que tet dese confrontar com essas priticas arraigadas e sedimentadas, se a his. roria nao faz sentido para voc’ ou se a lingua nao desliza facilmente de sua oa ou caneta, voc® falhou e esta entio perversamente inclutdo no padrao de homogencidade nacional, por meio de um tipo de exilio cultural interno, uma forma de inclusio definida pela exclusio e marginalizagio (Kalantzis ¢ Cope, 1999; Phillipson, 1992). Os autores também assinalam que, na modernidade tardia, o nacionalismo agoniza premido por duas forgas relacionadas: 2 globalizagao ¢ a politica da diversidade em nivel local. Vivemos tempos em que 0 paradoxo da glo: balizacdo € que “a sua universalizagao produz diversificagao por vezes 20 panto assustador da fragmentagao” (Kalantzis ¢ Cope, 1999: 135, tradugio nossa), Ea diversidade cultural global‘, como fen6meno local, provoca a jus- taposicao e o choque de “mundos-da-vida” divergentes, Para os autores, a ‘anica salda para este paradoxo € criar uma cultura de eivilidade entre as pessoas que vive em grande proximidade global ou local (como nas es colas), mas que nfo sao do mesmo grupo de parentesco ou comunidade. E o que chamam de “pluralismo civico”: provocar a coesao-pela-diversidade, comprometer-se com o papel civico e ético das pessoas, 0 que, certamente, envolve letramentos criticos. Para os autores, isso significa que as ¢scolas precisam ensinar aos alunos novas formas de competéncias nesses tempos, em especial “a habilidade de ‘se engajarem em didlogos dificeis que sto parte inevitivel da negociagao da diversidade” (Kalantzis ¢ Cope, 1999: 139, traducdo nossa), No campo espe: cifico dos multilerramentos, isso implica negociar uma crescente variedade de linguagens e discursos: interagir com outras linguas e linguagens, inter- pretando ou traduzindo, usando interlinguas especificas de certos contex tos, usando inglés como lingua franca; criando sentido da multidao de dia letos, acentos, discursos, estilos e registros presentes na vida cotidiana, no iais pleno plurilinguismo bakbtiniano. Ao inves da gramatica como norma para lingua padrao, uma gramatica contrastiva que, como Artemis, permi- te atravessar fronteiras. ‘7 Bin nossa perspectiva as clturas sto hibridas,dindeieas, abertas a penpétua trans emmovitnento, Nio si, poranto, definidas ccategocizives por marcas esencisizadas ROXANE ROIO. ‘Uma via de interagao entre o plurilinguismo privilegiado nas interagoes ex traescolares eas formas escriturais presentes na escola parece ser necessiria para a dotacao de sentido, a ressignificacao pelo alunado das cristalizagdes, Tetradas. Algo como chegar aos mecanismos potticos da lirica e épica pelo caminho do rap, do samba ou do funk; & leivura do artigo de opinio ¢ a com- preensdo critica do debate politico na TV pela discussio das formas jornalis ticas de persuasto de wm Brasil Lirgente, ou, na esteira de Oswald de Andrade (1972[1924]), chegar a *quimica”, pelo “cha de erva-doce’. £ o que Kalantzis ¢ Cope (2006b) chamam de “praticas situadas” ou “aprendizagem situada”. Para tal, é preciso levar em conta a questao das culturas do alunado. esse campo, a teorizagao do Grupo de Nova Londres ¢ fragil. Menciona-sea triade cultura erudita (incluida a escolar)/cultura popular/cultura de massa, ‘sem uma maior atengao 2o hibridismo cultural caracteristico da alta moder nidade. Nesse sentido, com base em Garcia Canelini (2008{1989]), prefer ‘mos tratar as producoes culeurais letradas em efetiva circulagao social como ‘um conjunto de textos hibridos de diferentes letramentos (vernaculares ¢ dominantes), de diferentes campos, jt eles desde sempre hibridos (ditos “po- pularide massa/erudito"),caracterizados por um processo de escolha pessoal ¢ politica e de hibridizacao de produces de diferentes “colecaes™. Para 0 autor, a produeio cultural atual se caracteriza por um processo de deste toriatigagao, de descolesdo de libridagdo que permite que cada pessoa possa fazer “sua propria colegio”, sobretudo a partir das novas tecnologias. Para ele, “essa apropriagao méltipla de patrimdnios culturais abre possibilidades originais de experimentacao € comunicacao, com usos democratizadores” (Garcia Canclini, 2008[1989]; 308). Nessa perspectiva, trata-se de descolecio nar os “monumentos” patrimoniais escolares, pela introducdo de novos e ou- tros géneros de discurso — chamados por Garcia Canclini de “impuros” —, de outras e novas midias, tecnologias,linguas, variedades, linguagens. ‘zedalgicament, os mftoresapontam para uma pedal pluraiso o dos lle tracts acento sore quatro cnmnhamento diaticos praia stds struc aera, Caplraeno erica epeiiearansormada, A psdagopa dos multletramentos deve pat da {neu stuacas dos aluno.de que faze parte sts interes repertoroseredosde vip, rerio de astro abet, cnar consents posses analitics ~ uma metainze ot Gues de ala repro etlacionar cst aoutraspraticas de otto ontextos cus Tnsomto a fas serum ensue cco necensrio pra proves prises transforma 1 ptlomente net eas eres spa par ar amb dss apectosda stn. CGENEROS DISCURSWVOS DO CIRCULO DE BAKHTINE MULTRETRAMENTOS | ay A reflexao aqui desenvolvida pode se beneficiar grandemente das teorias bakthtinianas, como um enfoque global de junio, hibridacao e reinterpre tagao transdisciplinar da contribuicao de diferentes campos (pedagogia, semiotica, ingutstica aplicada, antropologia, sociologia). Utilizaremos aqui algumas ferramentas conceituais claboradas pelo Circulo de Bakhtin para a analise dos enunciados situados, em especial os conceitos de género discursivo suas dimensdes (tema, conteido tematco, forma composicional, estilo) ¢ alguns outros conceitos relacionados, importantes para detectar tanto a flexibil dade dos enunciados nos géneros como a reflexio ¢ refracao ideologica que deles resulta: apreciasdo valorativa, pluritinguismo, poifoni, vozes,cronotopo, dis so citado e replica ativa. Cabe sublinhar que esse exercicio de reflexio nto sera feito de dentro da teoria bakhtiniana, como um exercicio de aplicagao um novo objeto impensado pela teoria do Circulo, mas de maneira trans dlisciplinar, buscando dotar de uma unidade complexa os varios construtos teoricos de diferentes disciplinas que se voltaram para o estudo dos textos, discursos ¢ culturas nos multiletramentos. Desafios do texto contemporaneo: textos/enunciados multissemidticos j (© Circulo de Bakhtin (em especial, o proprio Bakhtin, Volochinov e Medvié- dev), com sua rica ¢ fecunda produgao, privilegiou, em sua reflexo e teori zaclo, como era proprio de seu tempo, 0 texto escrito, impresso, lterario e, ‘quase sempre, canénico (a excecao aqui fica por conta do tratamento dado por Bakhtin (2008[1965]) obra de Rabelais). O texto contemporineo, multissemidtico ou multimodal, envolvendo diversas linguagens, midias e tecnologias, coloca pois alguns desafios para a teoria dos géneros de discur 50 do Circulo, Desafios. Nao impedimentos! Consideremos, porum momento, as novas formas de producio,configuracao ecirculagao dos textos, que implicam multiletramentos. As mudangas rela- tivas aos metos de comunicaco ea circulacio da informacio, o surgimento a ampliacio continuos de acesso as tecnologias digitais da comunicagao ¢ da informacao provocaram a intensificacdo vertiginosa e a diversificacio 4a circulagao da informacao nos meios de comunicacao analogicos e digitais, morosi Beaud que, por isso mesmo, distanciam-se hoje dos meios impressos, muito mais J € seletivos, implicando, segundo alguns autores (Chartier, 1998; louin, 2002), mudancas significativas nas maneiras de ler, produzir ¢ fazer circular textos nas sociedades, Provocaram, portanto, novas situacdes de produgao de leitura-autoria. Para Chartier (1998: 88-91), ‘a novo suporte do texto [a tela do computador] permite usos, manuseios ¢ {ntervengdes do leitor infinitamente mais numerosos e mais livres do que qualquer uma das formas antigas do lito, [..] O eitor nto é mais constran- sido a intervir na margem, no sentido literal ou no sentido figutado. Ele pode {ntervir no cora¢io, no centro, Que resta entio da definicdo do sagrado, que supunha tuna autoridade impondo uma atitude de reverencia, de obedigncia ou de meditagio, quando o suporte material confunde @ distinglo entre 0 autor €0 letor, entre a autoridade ea apropriaca0? Poderiamos aqui, nao mais falar de leitor-autor, mas de lautor. Evidentemen: te, isso cria novas situagdes de producdo de leftura-autoria, que, segundo Beauclouin (2002; 207), caracterizam-se pelo fato de que Esses quase ‘texto cletronico altera as relagdes entre eitura ¢ escrita, autor e leitor, al- tera os protocolos de letura, Uma de suas particularidades € ade queleitura cescrita se elaboram ao mesmo tempo, numa mesma situagio ¢ num mesmo “suporte, o que ¢ nitidamente diverso da separagdo existente entre a produ: {lo do livro (autor, copista, editor, grifico) e seu consumo pelo leitor nas eras do impresso ow do manuscrito. Isso porque, a internet, por sua estru tura hipertextual, articula espagos de informacao a ferramentas de comu nicagao, propondo um conjunto de dispositivos interatives que dao lugar a novos escritos (tradugao nossa). “novos escritos” obviamente dio lugar a novos géneros discursivos, diariamente: chats, paginas, twits, posts, xines, epulps, fanclips etc. E isso se da porque hoje dispomos de novas tecnologia e ferramentas de “Ieitura- -escrita’, que, convocando novos letramentos, configuram os enunciados! textos em sta multissemiose ou em sua multiplicidadle de modos de significar. ‘Sto modos de significar e configuragdes, como disse Beaudowin, que se va lemdas possibilidades hipertextuais, multimidiatica e hipermidiaticas do texto eletronico ¢ que trazem novas feicbes para o ato de leitura: jé no basta mais a leitura do texto verbal escrito — € preciso coloca-lo em relagao com um conjunto de signos de outras modalidades de linguagem (Imagem estatica, = CGENEROS DISCURSWWOS DO CIRCULD DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS \ a | imagem em movimento, som, fala) que o cercam, ou intercalam ou impreg nam. Inclusive, esses textos multissemiéticos extrapolaram os limites dos am- bientes digitais e invadiram hoje também os impressos (jornai livros didaticos). revistas, Isso se da devido a linguagem digital que, indiferente ou alheia as maltiplas semioses, reconfigura todas as modalidaces de linguagem ¢ midias, topol6- gicas ou tipolégicas (Lemke, 1998a) indiferentemente, em um cédigo numé: rico bindrio, As midias digitais facilicam a modificacio e recombinagio de contetidos oriundos de quaisquer midias, porque os processos de disitaliza 620 reduizem qualquer contetido informativo, originado de qualquer midia, codificado em qualquer linguagem, a um codigo numérico/binario comum, ‘qual pode ser manipulado de forma automatizada. Ainda segundo Chartier (1998: 93), “esta revolucio, fundada sobre uma rup- tura da continuidade e sobre a necessidade de aprendizagens radicalmente novas, e portanto de um dlstanciamento com relagao aos habitos, tem mui to poucos precedentes tio violentos na longa historia da cultura escrita’. ‘Uma dessas novas aprendizagens de novos habitos ¢ saber lidar com o fun- cionamento hipertextual do texto contempordneo. Para Lemke (1998a), 0 hipertesto permite que saltemos de um texto a outro e de um ponto de saida a miltiplos portos de ancoragem, por meio da inser¢ao de lincagens permi- tidas.em ambiente digital, Jé quanto 3 hipermitia, cle declara: ‘A proxima geragio de ambientes de aprendizagem interativos inchuira ima. gens visnais, som, video ¢ animacao, todos priticos quando houver velocida, de e capacidade de armazenamento, que permitirdo acomodar essas formas de significacao topologicas densamente informativas™, [..] Essas midias ais topolegicas nao podem ser indexadas ¢ inter-teferenciadas por seu conteiido interno [..] mas precisam ser tratadas como “objetos” integrais Mesmo assim, como objetos, elas podem se tornar néchilos para hipertnis,e assim nasce a hipermidia (sp.,tradugio nossa). As capacidades de criagao (autoria) hipermidia e de anilise critica hiper midia correspondem de perto as capacidades tradicionais de produgao de texto ¢ de leitura critica, mas precisamos entender o quanto, no pasado, Vala se, por exemplo,o projeto grafico editorial do jornal otha dS Pao © Note-se que,em 2015, 0 que Lemke vaicinava se rornou ralidade ha tempos ROXANE ROJO. nossas tradigdes de educacao para o letramento foram extremamente restr tivas, de manecira a ver 0 que os alunos precisardo no futuro além do que es tamos Ihes dando agora. Segundo ele, nao ensinamos os alunos nem mesmoa fntegrar desenhos ¢ diagramas em sua escrita, que dir arquivos de imagens fotogrficas, videoclipes, efeitos sonoros, audio de voz, miisica,animacdo ou representagdes mais especializadas (como formulas matemiticas, grificos ¢ tabelas ete.) “Para tais produedes multimidia, nao faz mais mesmo o menor sentido, se é que um dia fez, falar de integrar essas outras mfdias ‘na’ escrita (hipermidia)" (Lemke, 1998a, sp.) Isso porque ‘o texto [escrito] pode ou néo sera espinha dorsal de uma obra multimidia, (© que realmente precisamos ensinar, e entender antes de poder ensinar, & ‘como diferentes letramentos, diversas tradigdes culturais combinam essas diferentes modalidades semisticas para produzir significados que sto mais do que somatoria do que cada uma delas pode significar em separado, Cha: mei isso de ‘Tmultiplicar significacao’ (Lemke 19942, no prelo), poisas opcdes de significados para cada midia se multiplicam cruzadamente numa explo ‘sto combinatoria; na significagao mulkimidia as possibilidades de significa do nfo sio meramente aditivas (Lemke, 1998a, sp). E, ainda para Lemke (19982), 0 conceito de “género” parece ser um organi zadlor de um possivel enfoque, pois uum letramento sempre Jetramento em algum género, que precisa ser de- finido em termos dos sistemas de signos que compoem, das teenologias ‘ateriais envolvidas, do contexto social de producao, citculacao e uso desse _género em particular, Podemos ser letrados no género relatorio de pesquisa cientifica ou no género apresentacio empresarial; em cada caso, sio muito diferentes as capacidades letradas especificas ¢ as comunidades comunicat. vas relevantes! (s.p, tradugao nossa). ‘Com um impacto tio considerivel nos multiletramentos, a questao da dita “multimodalidade", no entanto, nao tem sido condignamente descrita nos trabalhos que se debrucam sobre a multissemiose dos textos/enunciados contemporancos. O Grupo de Nova Londres (em especial, Cope e Kalant- is, 2006[2000]), como muitas outras pesquisas, toma como base, princi Nace sea aproximagao, neste crecho, da terminslogia do autor do Creu, (GENEROS DISCURSIVOS 00 CIRCULO DE BAKHTINE MULTLETRAMENTOS | fay palmente, o trabalho de “semistica social” de Kress (2003, 2006, 2010) e de Kress e Van Lecuwen (1996, 2001). Estes estio, por sua vez, fortemente ba~ seados na linguistica sistémico-funcional de Halliday, realizando, portanto, uma projecao de uma gramatica elaborada para a lingua (falada ou escti ta) para outras semfoses mfdias (ou modalidades de linguagem), como a pintura, a fotografia, o cinema, o video, a masica, a danea etc. Trata-se de ‘uma extensio do conceito de modalidade de lingua (oral e escrita) a outras semioses, organizadas e materializadas em qutras configuragoes € outras 16 gicas, estendendo, por exemplo, o conceito de gramatica a uma “gramatica visual”. 0 proprio Kress (2006) afirma que *ha regularidades de estrutura ¢ regularidades de um tipo ‘gramatical nas diferentes modalidades..” (Kress, 2006: 202, tradugao nossa). Em outras semiéticas (como em Santvella, 2001; Wisnik, 1989), 0 termo “modalidade” ou “modo” € utilizado j ra referir diferentes qualidades de percepsao sensorial provocadas por diversas formas de producio dos senti dos, em que se envolvem “tecnologias” diferenciadas, Por exemplo, Santaella (2001) distingue, com base nesses critérios, as modalidades pré-fotografica (pintura, gravura), fotogrifica (fotografia, cinema) e pos-fotogratica da ima- gem (imagem digital, video) e Wisnik (1989), as misicas modais, tonais € seriais. Diriamos que, por mais criticas que se possa ter a uma ou a outra abordagem, clas se aproximam mais da producao, recepeao e circulagio das Tinguagens que da extensdo de uma gramética elaborada para a lingua a ou tros modos de significacao, De saida, este tiltimo enfoque trazo problema de chamar excessivamente a atencao para as formas e relagdes entre as formas, das diferentes modalidades®, em detrimento dos temas, ¢ para as regulati dades em detrimento da variedade e dos hibridos. Na esteiza dessas abordagens de projecao linguistica, 0 projeto dos multi- Jetramentos, nos textos do Grupo de Nova Londres (New London Group, 20061996]; 26) e de Cope e Kalantzis (2006: 212-219), vai propor uma gra de analitica para cinco modalidades (\inguistica, visual, espactal, gescual ¢ [Em geral, haseadas nas fomgtesideseionl, interpessoal e textual ce Halliday: as fangdes de -epresentglo, oentagdo © organizacio, em Lemke (10985) « os tes sistemas principals pars snuliseda interacio de significads cm imagens em Kress e Van Leeuwen (1996), por exemplo— Sistema de cantat, sistema de distancia socal ¢ dois conjuntos de sistemas relativos 2 dlimensao horizontal edimensio vertical sonora), que se baseia justamente nas propostas de Kress e Van Leeuwen (1996) c que vai, mediatamente, pulverizar os enunciados multissemiéticos ‘em seus elementos formais (sua “materialidade”, diz Kress, 2006). Veja a representagao do modelo na figura 1. MULTIMODAL ‘Mono DE SIGNIFICAGAO ‘MULTIMODAL acinomae FiguRn 1: Os sistemas mulimodsis seus elementos a serem consideraos (adapted de Grupo de Now Lonres, 2006|2996: 2) Jarno texto de Cope ¢ Kalantzis (2006), os elementos das linguagens ou ‘semioses aparecem relacionados a niveis € categorias ¢ de anilise, retiradas da mesma teoria, tais como: © representacionl: as significagbes referem-se a qué? (referenctacio) — relagdes anaforicas e deiticas no linguistico ¢ sons naturalist: cos representagdes icdnicas no sonoro ¢ no visual, por exemplo; ia (GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS a | social: como as significagdes conectam as pessoas que envolvern? (interagao) — processos, atributos/circunstancias ¢ lugar do cenunciador no linguistico; tempo, tonalidade e acompanhamento na mtsica, por exemplo; © organizacional: como as significacdes se conectam? (organizacao formal) — midia, entonagao e genero no linguistico e ritmo, pro- sédia, altura e género'no sonoro (mtisica), por exemplo; © contextual: como os significados se encaixam no mundo mais am- plo da significacao? (ancoragem e remissio) — referencia¢o (no. vamente) e intertextualidade no linguistico e motivos e refrdes na misica, por exemplo; © ideoldgico: a quais interesses a significagao esti destinada a scrvir? (relagdes de poder) — autoria, contexto e responsabilidade no linguistico e intensidade no sonoro, por exemplo (Cope e Kalant- zis, 2006: 212-219). Nio € preciso detalhar o modelo de analise para que percebamos 0 grau de fragmentagao, formalizacdo ¢ descontextualizacao a que ele pode levar. Parte-se do pressuposto de que certos fenémenos de cada semiose (ritmo ¢ intensidade na masica, por exemplo) poderio estar ligados apenas a certos efeitos de sentido e nao a outros. Seria mesmo preciso colocar efeitos sono- +0 naturalisticos — como a vaca mugindo na gravacao de Gismonti de 0 ‘Trenginko do Caipira de Villa-Lobos — para referenciar em musica? Alids, 0 que quereria dizer “referenciar” em mtisica? Alem disso, separam-se em niveis diversas de andlise o “social”, 0 “contex- tual” e 0 “ideol6gico", o que causa estranhamento a qualquer analista do discurso ou tedrico da enunciagio. O terceiro problema € a busca de isomorfismo ou de funcionamento seme. Ihante em processos de semioses diversas", No minimo, ja Lemke (1998b) Tarmo se vé, 6 lugar do género na teria —~ sajam os gneros lingutsticos, sejam os mussais est exelusivamente ligado a organizacio formal dos textos © nio aos eeitas de sentido que possi prover Naverdade fizemos, cam nossos anos —- quem agradecemos as vallosasdiscussdes ecoa: igbes —,muitastencaivas de anlise a partir desta grade, todas infraferas em os entnciados, Pr cs “desconfiava” que criamos significago de duas maneiras fundamentalmen te complementares: () classificando coisas em categorias mutuamente exclusivas € (2)distinguindo variagbes de grau (ao invés de tipo) em varios continuos de diferenca A linguagem opera principalmente da primetra maneira, que chamo de tipo logica. A percepcao visual e gestual/espacial (desenhar, dancar)[e, acrescen: tamos, sonora] opera principalmente da segunda maneira: a topoligca, Como i disse, a real criagao de significacio geralmente envolve combinagoes de diferentes modalidades semisticas e, logo, também combinacdes desses dois ods gerais. [.] (@D). (On seja, nfo podemos analisar semioses topol6gicas a partir de categorias, criadas para analisar semioses tipologicas. Alem disso, 0 autor, neste mesmo texto, ainda alertava: ‘Nossa realidades vividas nao podem ser completamente representadas de ‘maneira puramente tipoldgica; pessoas demaisficam sem voz quanda naoha ‘utras maneiras de criar significacto, 0 potencial topoldgico dos letramen- ‘tos multimidia pode ajudar a dar voz, dignidade e poder a pessoas reals hi bridas, Pode minarum sistema ideclogico que limita as identidades pessoais um pequeno namero de “gavetas” dispontvels e aprovadas socialmente € deixar que nos mostremos e vejamos uns aos outros em um universo multi dimensional de possibilidades humanas reais muito mais amplo [.-] (6p). Esces argumentos descartam a maior parte, se nao a totalidade das propos- tas recentes de analise dos funcionamento e composicao dos textos multis- semioticos, Podera a teoria de géneros de discurso do Circulo de Bakhtin — apesar de ter sido pensada no contexto de textos escritos, impressos, literirios e candnicos — enfrentar o desafio colocado nesta tarefa? Textos/enunciados multissemisticos: desafios para a teoria dos géneros de discurso Mesmo que nos ativéssemos ao texto de 1952-53/1979 de Bakhtin (Bakhtin, 2003a[1952-53/1979]), a resposta seria positiva. O carater multissemioti co dos textos/emmciados contemporiineos nio parece desafiar fortemente a GGENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DF BAKHTIN E MULTLETRAMENTOS ‘ey | 0s conccitos ¢ categorias propostas pela teoria dos generos. Além disso, se ampliarmos nossas leituras bakthtinianas sobre os géncros para textos que apresentam um foco mais concentrado na flexibilidade, no plurilinguismo € na plurivocalidade dos enunciados em géneros, como o texto de 1934 35/1975 (O discurso no romance), mais amplas ¢ eficazes se tornam nossas fer: Tamentas para a anilise dos textos contemporaneos. I Usando o artificio de um diagrama que ja utilizamos em outros textos publi- t cados para sintetizar a teoria dos generos presente em Bakhtin (2003a[1952. 53/1979], temos que: Spi ia Gah ee uaa comunicagio Esfera de circulacao Tempo e lugar historicos, i Participantes (relacBes socials) Contetido temético Apreciagio valorativa Género do discurso Tema (Available designs) Forma composicional Unidades linguisticas (estilo) Flouna 2: Elementos da tora bakhtiniana dos gbnerosdiscursvos, (Ou seja, as praticas de linguagem ou enunciagdes se dao sempre de manei: ra situada, isto é, em determinadas situagdes de enunciaao ou de comt: nicag2o, que se definem pelo funcionamento de suas esferas ou campos de circulagao dos discursos (cientifico, jomnalistico, literario, artistico, de en- tretcnimento, fntimo, familiar e assim por diante), Essas esferas ou campos € seu funcionamento esto elas mesmas situadas historicamente, variando de acordo com o tempo historico e as culturas locais (ou globais). Assim, 2 maneira de se fazer jomalismo no Brasil de hoje nfo é a mesma que 2 da In glaterra ow a do Brasil do inicio do século XX. O funcionamento da esferas ROXANE ROKO de circulagao dos discursos define os participantes possiveis da enunciacao (locutor ¢ seus interlocutores) assim como suas possibilidades de relagdes sociais (interpessoais e institucionais), Define também um leque de contet: dos tematicos possiveis no fumcionamento de uma esfera (no se fala de qualquer coisa em qualquer lugar), No entanto, a enunciagao nao é determinada mecanicamente pelo funcio: namento social das esferas, pois o que vai substancialmente definir a signi- ficacao ¢ o tema de um enunciado/texto € sobretudo a apreciacdo de valor ou a avaliagdo axiol6gica (¢tica, politica estética,afetiva; Bakhtin/Volochinov, 1981{1929]) que os interlocutores fazem uns dos outrose de si mesmos ou de seus lugares sociais edo contetido tematico em pauta, que apreciado valora- tivamente, transforma-se em tema (irrepetivel) do enunciado, O funcionamento das esferas também define “maneiras especificas de dizer/ enunciar’, de discursar,cristalizadas e tipicas desse campo social —os gene rosde discurso (para o Grupo de Nova Londres, available designs) Esses mods de dizer cristalizados também sio apenas relaivumente estaveis, e nao padroes mutaveis a serem seguidos modelarmente: eles variam de acordo com os tem [Pos, as culturas ¢ lugares enunciativos ¢ as situacoes especificas de entuncia- ‘G20, Se assim nao fosse, nao poderiamos estar discorrendo sobre os “textos contemporaneos”. No entanto, eles “formatam” os modos de enunciar. Bakhtin (1988[1934-35/1975]) indica que ha estratégias de flexibilizacito do .genero e do estilo, empregadas, par exemplo, no romance polifonico de Dos toieveki, que sio o hibridismo ¢ a intercalagdo de generos, vozes ¢ linguagens sociais, provocando o plurilinguismo ea plurivocalidade. Portanto, exercer uma pritica de linguagem situada significa, entre outras coisas, selecionar ¢ operar nos pardimetros ({lexiveis) de generos discursi- vos, Mas 0 gnero em que se di o enunciado nao é, como querem alguns, apenas um formato. Ele define formas de composicao do enunciado e seu estilo —no dizer de Bakhtin (2003b[1952-53/1979], “a sclecdo operada nos recursos da lingua — recursos lexicais, frascolégicos ¢ gramaticais” (p. 279) — mas em fungi da composicio de um tema, ou seja, de certos efeitos de sentido visados pela vontade enunciativa do locutor e dependentes de sua apreciagao de valor sobre significagoes ou parceitos interlocutores. ‘Trata-se aqui de uma sintese em larguissimos tragos e muito breve, mas que jidnos da base para repensar o funcionamento dos enunciados contempora b s (GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO D’ neos, Se considerarmos que o que neles est em questo, entre outros aspes tos, éa emengéncia histérica recente de novas midias ¢ de novas teenologias que permitem novos usos concomitantes de linguagens ou semioses diver sas, teriamos de considerar de que mancira as modalidades de linguager € as midias podem ser tratadas na teoria acima brevemente exposta. Em primeiro lugar, € preciso lembrar que tecnologias ¢ midias selecionarm (¢nais ou menos) modalidades ou semioses pertinentes, em um enfoque um ppouco diferente do de Kress (2006), ue analisa as modaltdales em termos dematerialidade e midia. Queremos dizer, por exemplo, que oimpresso pet rite imagens estiticas ¢ escritas, mas nao sons ou imagens em movimento; a transmissdo radiofonica permite sons e fala, mas nenhum tipo de imagem, seja esetica, em movimento ou grafica, Outsas midias (televisiva, sobrett do, digital) aceitam 0 conjunto das semioses possiveis. Ei segundo lugar, cabe notar que muitas esferas hoje se valem das diversas iidias e tecnologias em seu funcionamento: a jomnalistica, a publicitaria, a religiosa, aartstica ete. Outras sio ainda mais aferradas a tradica0 da cul tura da escrita e do impresso, como a juridica ¢ a cientifica Ora, as esferas que se valem de diferentes midias (impressa, radiofonica, televisiva, digital) para a circulagio de seus discursos também selecionam diferentes recursos semidticos ¢ diversas combinatorias possiveis entre eles para atingir suas finalidades e ecoar seus temas, provocando mndangas nos géneros. Fo caso de uma noticia em mia digital, que combina ivremente, Acscolha do “lautor”, a escrita em hipertexto, com fotos ¢ imagens, videos, Albuns forogrificos e, por vezes, audio em podcast. Ent2o, a8 midias ¢ as tec: nologias S20 escolhas, e de caso bem pensado, das esferas de circulagao de discursos. Mas tém, de imediato, efeitonas formas de composicao e nos esti Jos dos enunciados, inclusive em termos de multimodalidade. Como ficaria envio, agora, nosso diagrama? [Aparentemente, cle nfo softe grandes mudancas, 0 Sea, lo era mesmo afinal um grande desafio a teoria dos generos de discurso as mudancas nos textos e nas formas de circulacao dos discursos na contemporaneidade. A teoria, desde que se muna de conhecimentos sobre as varias semioses, pa- rece capaz de articuléclas de maneira consistente, visando a significacio ¢ brindo mao da fragmentagao ou do formalismo de outras propostas. Situacdo de Pe ede ‘comunicagso Esfera de cirulagio Tempo e lugar histéricos Midias e tecnologias Participantes (relacdes socials) Conteddo temitico ‘Apreciago valorativa Género do discurso Tema (Available designs) Forma composicional (modalidades) Unidades semisticas (estilo) FicuRa 3:Elementos da tora bathtinana des gneros dscursvesrevistados. Para terminar este capitulo, buscaremos testar essa ampliagio da teoria bakhtiniana na analise de um enunciado multimodal e hibrido: o videoelipe dle “Dor de verdade” de Marcelo D2, Desafiando a teoria: hibridos de culturas 2 ede tinguagens em um videoclipe® Figura 4: Tela Ge abartura do videoclip, com a eréitas 55 Thats se agai de um impresso,portamco nao podemas efecvameate mostraroshjero de analise (GENEROS DISCURSIVOS DO CIRCULO DE BAKHTIN E MULTILETRAMENTOS | [RE 0 videoclipe foi realizado para divulgacio (televisiva e digital) de uma das cangdes de trabalho do cp de Marcelo D2 “Meu samba € assim”, de 2006. Financiado pela Sony BGM (RJ), gravadora multinacional do cp a qual 0 artista estava ligado na ocasiio, podemos dizer que se trata de um produto da esfera artistico-musical, no campo da misica pop, financiado e distribut do pela indastria culeural, no ambito da cultura de massa “Meu samba € assim” € 0 segundo CD cm que Marcelo D2 propae a hibri: dacao de seu “rap” com o samba ¢ o pagode. Para esta cancio, convidou os sambistas Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho, para um trabalho em colabora- gio. No enunciado em eirculagao nas midias, os sambistas aparecem como “participantes® do videoclipe, mas, na verdade, sto autores do samba que cederam a Marcelo D2. Sobre ele, o “rapper” “compos” 0 “rap”. O resultado foi divulgado por meio do videoelipe. Na anilise, 6 esta situagao de produgio do enunciado ja gera muitas questoes. Qual € a autoria, afinal? Marcelo D2? Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho? Os trés? Se os trés, por que tal autoria no aparece assim nos créditos? O que recortar para analise? As letras do samba ou do rap, como frequentemente se fazem linguistica c linguistica aplicada? O samba? O rap? © hibrido? Afinal, qual o género sob analise? Ora, 0 género do enunciado ¢ um videoclipe de divulgaca0 — premiado, alias” — de um hibrido de samba ¢ rap, destinado a apreciadores de rap, samba e pagode, potenciais compradores do cp de Marcelo D2. O autor premiado do videoclipe Jacques Cheviche eu diretor, Johnny Aratijo, em colaboracao com somo se produz um videoclipe? Conrado Almada, também produtor/dire- cor de clipes comerciais, em entrevista a Pixeoide, declara inos an leitor que acesse © videoelipe para melhor compreensio da discussio que se segue Step /wisw yournbe.com watch? SHOP, aesso em 30 ab. 2013). ‘Veriimagem dos créditosdo videoeipe ‘Vencedar na categoria videoclip do Premio Multshow 2007. Naoto primeir clipe premise chy Aragjo feito para Mazcelo D2, A imprensa ndo perdocu: "Marcelo D2, prémio de me ipe par ‘Dor de verdad um primio que, rigor, nao ¢ dele, mas do dretor Johnny Araujo. osente.F por uma musica que nto é dee, parceria de Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz” trp “oglabie com culrura/mat/2007/07/04/296629168 sp», acesso em 30 abr. 2013) Allis essa. ritca da imprensa que atrbui a autora aos samistas;em todas as outs, eles pasar pox ;pantes au figurantes do videoclip. ROXANE ROJO) © processo de criago de um clipe varia mnito dependendo da banda e do diretor. No meu caso, cu recebo a musica a ser trabalhads, converso com a banda a respeito do que eles querem atingir com o clipe e a partir dat tiro ‘meu tempo pra pensar. Esse tempo varia de uma a duas semanas, quando entao eu desenvolvo uma ideia ¢ a apresento para a banda. A partir do Oke a banda pra ideia, inicia-se © processo de producao propriamente dito (chtep:/iwww.pixcloide.com,br/2009/07/o-mineiro-conrado-almada-virou. ‘noticia 31.hemb, acesso em 23 jul. 2010, link indisponivel). Ou sefa, o autor (diretor) realiza um briefing com seus clientes (o artista e sua gravacora), ouve o produto a ser divulgado/vendido e, a partir desses dads, roteiriza um clipe, pensando tanto em scus temas, como nas formas de composicao ¢ no estilo, Avaliando um clipe de diretor estrangeiro, na mesma entrevista, Conrado Almada esclarece: Esse clipe rem 0 casamento perfeito das imagens com a musica, Nao hi nenhuma grande sacada técnica nem um roteiro mirabolante, mas € de um ‘bom gosto visual extremo, A técnica usada € 0 stop motion fotogrifico mes- clado com filmagens normais transformadas em stop motion na edicao. O diretor apresenta a banda de forma hastante despretensiosa, caminhando por ruas, cafés ¢ parques de Nova York, eventualmente cantando a musica, Os pontos fortes sto 0 ritmo da edigao, a refinada fotografia em preto e brancoe a composigdo desses fotogramas na tela (énfase adicionada). Parece, entao, que os grandes passos para os efeitos de sentido do tema em ‘um videoclipe sao o roteiro ¢ a montagem. Almada menciona questoes de estilo, ligadas a téenicas de edicgo e montagem, como a escolha do preto ¢ branco, da técnica de stop motion, dos tipos de tomada ete. A forma de com- Posicao parte dos clipes roteirizados, isto é, pequenas tomadas que vlo ser mixadas na montagem e alinhadas com a musica que se tematiza, No caso de “Dor de verdade”, Aratjo também escolhe o branco e preto ¢ roteiriza tomadas com os sambistas vestidos a carater: os autores do samba (Pagodinho sentado em uma mesa tomando cerveja ¢ Arlindo tocando seu ente, blog Pixeloide salu do ar enquanta loge continva apenas no Twitter, como tt «robles. No entant, se quisersaher maise conhecero mineiro Contado Almada, oct pode aceerar 4 entrevista realizada com ele no Programa Cartada Rede Minas TV, em cas partes no YouTube, Disponivel em ¢hap://www- youtube com/watcht g8bZZROVuFlO e dtp. wwur youtube conn! -warch?vlLuGg7LJ2D,acess0.em 30 malo 2013.

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