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08/09/2021 21:06 O folclore e a MPB – Revista Ideias

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BLOG DO CAMPANA

O folclore e a MPB

7 de agosto de 2017 
Coluna, Música, Seções 
Comente

Política, cultura e o
poder por trás dos
panos.
A música folclórica é a expansão, o desenvolvimento livre do
próprio povo expresso pelo som.

Heitor Villa-Lobos

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Um fato estranho volta e meia acontece comigo, não com tanta 


Faleceu Fábio
frequência, como em meus tempos de brincadeira, mas ainda Campana, escritor,
permanece como um fenômeno que me acompanha. poeta, jornalista,
publicitário e editor
Eu não lembro quando foi que ouvi algumas cantigas de roda
pela primeira vez. Não lembro também de alguém ter me 
Fábio Campana
segue internado
ensinado a cantá-las. Só sei que as conheço, que desde sempre
recebendo cuidados
sei cantá-las. Eu posso facilmente chegar à conclusão de que
médicos
não me lembro porque já faz muito tempo que aprendi a cantar
“Atirei o pau no gato”, “Ciranda, cirandinha” e outras tantas… Mas 
Jornalista Fábio
Campana é internado
como este é um assunto que sempre me chamou atenção,
após diagnóstico de
quando meus filhos eram pequenos percebi que, mesmo sem eu COVID-19
ter insistido nessas cantigas, eles as conheciam. 

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Esse 
Jaime Lerner, o
conhecimento urbanista que nos
espontâneo (que ensinou a sonhar
é passado de

Ratinho Junior
geração para decreta luto oficial
geração e que é pela morte de Jaime
conservado Lerner
através dos
tempos, mesmo
que sofra
mudanças)
acontece também
com o artesanato, as comidas, as roupas, as brincadeiras, os
jogos, os mitos e as lendas.

Segundo Luís Câmara Cascudo, estudioso do assunto, quando


uma determinada manifestação é aceita e praticada por muitas
pessoas, quando ninguém sabe precisamente quem a criou,
quando ela resiste ao tempo e vai sendo incorporada à vida das
pessoas, espalhando-se em aulas informais que acontecem em
lugares muito variados, isso é folclore.

Pois bem, desde quando a música nacional começou a percorrer


seus caminhos no país, vira e mexe, ela faz uma visita ao
folclore. Talvez o motivo disso seja que ela tem muito forte na
raiz, como quase todas a música do mundo, as canções IDEIAS NO FACEBOOK
folclóricas.

Carlos Gomes, em suas criações para construir uma música Revista Ideias
5.916 seguidores
autenticamente brasileira, teve no conjunto das tradições,
lendas, canções e costumes populares uma fonte riquíssima de
temas. Assim como Chiquinha Gonzaga, Joaquim Calado, Alberto Seguir Página

Nepomuceno, mais adiante Heitor Villa-Lobos, Guerra Peixe e


uma série de nomes que, apesar de terem sido empurrados para
CAMPANA NO FACEBOOK
a classificação erudita, trataram de imprimir uma espécie de
nacionalismo em sua música que derivava da atenção às
composições folclóricas. Isso tudo ajudou a modelar a MPB.

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O caminho é longo e cheio de detalhes, o que impede de ser


Search … 
contado aqui. Mas basta dizer que a música popular urbana, que
é um termo que se aproxima mais do que ficou tratado como
MPB, resultou da mistura de três etnias: o índio, o branco e o
negro, de onde vieram nosso instrumental, sistema harmônico,
cantos e danças.

E para não alongar mais a conversa e fazer da coluna uma


pretensiosa tentativa de tese, vamos tratar de dar uma
olhadinha em nossos músicos e como eles trouxeram para
discos e rádios as cantigas que estavam sendo repetidas em
rodas e situações mais, digamos, interioranas.

Quem abre o capítulo, é Zé do Norte (Alfredo Ricardo do


Nascimento), que fez uma adaptação de “Mulher rendeira” para
o filme “O cangaceiro”, de Lima Barreto. A música às vezes é
atribuída a Lampião, mas trata-se de um antigo tema, muito
popular nos sertões do Nordeste no tempo do rei do cangaço. Há
várias gravações dessa música, inclusive uma de um antigo
cabra do bando de Lampião, o cangaceiro Volta Seca. “Olê,
mulher rendeira / Olê, mulher renda / Tu me ensina a fazer
renda / Que eu te ensino a namorar / Lampião desceu a serra /
Deu um baile em Cajazeira / Botou moça donzela / Prá cantar
“Mulher Rendeira” / As moças da Vila Bela / Não têm mais
ocupação / E só vivem na janela / Namorando Lampião.” 

“Vou-me embora,
vou-me embora,
prenda minha”, o
primeiro registro
da estrofe do
tema gaúcho é de
1880. Ela
caminhou por
vários lugares
antes de ficar, de
fato e
definitivamente,
mais conhecida no Rio Grande do Sul. Primeiro ganhou
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moderada popularidade no Rio de Janeiro, por conta de gaúchos


que lá viviam na década de 1930 e conheceram a canção a partir
dos registros que Mário de Andrade fez em seu livro “Ensaio
sobre Música Brasileira”. Isso fez com que fosse novamente
importada e para sempre cantada nos pampas e em outros
lugares. Foram muitos que a gravaram: Flávio Venturini, Kleiton
e Kledir, Délcio Tavares, Almirante, Agnaldo Rayol, Ângela Maria,
Caetano Veloso, Miles Davis e mais uma pá de gente: “Vou-me
embora, vou-me embora, prenda minha / Tenho muito que fazer
/ Tenho que ir para o rodeio, prenda minha / No campo do bem
querer / Noite escura, noite escura, prenda minha / Toda noite
me atentou / Quando foi de madrugada, prenda minha / Foi-se
embora e me deixou”.

Outra música que está na ponta da língua do cancioneiro


popular e que frequentou discos é “Marinheiro só”. Domínio
público, teve adaptação de Caetano Veloso em 1969 e desde
então recebeu várias gravações, de Rosinha de Valença a Maria
Bethânia, de Edith do Prato a Clementina de Jesus. “Eu não sou
daqui, marinheiro só / Eu não tenho amor, marinheiro só / Eu
sou da Bahia, marinheiro só / De São Salvador, marinheiro só /
Lá vem, lá vem, marinheiro só / Como ele vem faceiro,
marinheiro só / Todo de branco, marinheiro só / Com o seu
bonezinho, marinheiro só / Ô, marinheiro, marinheiro,
marinheiro só / Ô, quem te ensinou a nadar, marinheiro só / Ou
foi o tombo do navio, marinheiro só / Ou foi o balanço do mar,
marinheiro só”.

E por falar em nadar e peixinhos do mar, temos a obra recolhida


por Tavinho Moura e cantada por Milton Nascimento “Quem me
ensinou a nadar / Quem me ensinou a nadar / Foi, foi marinheiro
/ Foi os peixinhos do mar / E nós que viemos / De outras terras,
de outro mar / Temos pólvora, chumbo e bala / Nós queremos é
guerrear”. Tavinho gosta da pesquisa e adaptação dos temas
folclóricos. É dele também “Calix bento”: “Oh, Deus salve o
oratório / Onde Deus fez a morada, oiá, meu Deus / Onde Deus
fez a morada, oiá / Onde mora o cálice bento / E a hóstia
consagrada, oiá, meu Deus / E a hóstia consagrada, oiá / De

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Jessé nasceu a vara / Da vara nasceu a flor, oiá, meu Deus / Da


vara nasceu a flor, oiá / E da flor nasceu Maria / De Maria o
Salvador, oiá, meu Deus / De Maria o Salvador, oiá”.

E quem diria que o carioquíssimo Xangô da Mangueira, todo


associado à cultura do Rio urbano, foi quem adaptou, junto com
Zagaia, o tema “Moro na roça”, que tem passeado pra lá e pra cá,
em diversas vozes de gente que mora na cidade: “Eu moro na
roça iaiá / Eu nunca morei na cidade / Eu compro jornal da
manhã / É pra saber das novidades / Minha gente cheguei agora 
/ Minha gente cheguei com Deus / E Nossa Senhora / Xique
Xique Macambira / Filho de Preto d’Angola / Inda bem não sabe
ler / Já quer ser mestre de escola / Era tu e era ela / Era ela era
tu e eu / Hoje nem tu nem ela nem ela / Nem tu nem eu”.

O assunto está longe, muito longe de chegar perto do fim,


diferente da coluna, que tem que se despedir agora. Tinha
deixado para este momento “Cuitelinho”, vinda lá do Mato
Grosso do Sul, lembra? “Cheguei na beira do porto onde as
ondas se espaia / As garça dá meia-volta e senta na beira da
praia / E o cuitelinho não gosta, que o botão de rosa caia” ou
“Borboleta”, “Eu sou uma borboleta pequenina e feiticeira / Ando
no meio das flores procurando quem me queira”. Mas vou me
despedir com “Madalena do Jucu”, música de domínio público
adaptada por Martinho da Vila: “Madalena, Madalena / Você é
meu bem querer / Eu vou falar pra todo mundo / Vou falar pra
todo mundo / Que eu só quero é você / Minha mãe não quer que
eu vá / Na casa do meu amor / Eu vou perguntar a ela / Se ela
nunca namorou / O meu pai não quer que eu case / Mas me quer
namorador / Eu vou perguntar a ele / Por que ele se casou”.

ED. 190

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